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a contribuio da sociologia da educao para a compreenso da
educao escolar*Marlia Freitas de Campos Tozoni-Reis
Resumo: O texto traz uma anlise geral da contribuio da
sociologia da educao para a compreenso da educao escolar. Neste
sentido, busca identificar a relao da educao, escola e sociedade
para conceituar
a escola como uma instituio social com origem e desenvolvimento
na modernidade. A seguir, traz infor-maes histricas sobre a escola
pblica no Brasil, problematizando-a, numa perspectiva sociolgica,
com a desigualdade social. importante destacar aqui que o texto
analisa, cuidadosamente, a funo da escola,
concluindo com sua finalidade social e poltica de contribuir
para a organizao da sociedade brasileira.
Palavras chaves: Escola, Escola Pblica, Desigualdade Social.
a escola como instituio socialPensar a escola na perspectiva da
Sociologia da Educao implica, em primeiro lugar,
que pensemos sobre a relao entre educao, escola e sociedade.
Tomemos como ponto de partida uma das mais brilhantes definies de
educao que temos na literatura pedaggica brasileira, ainda que de
contedo muito mais filosfico do que sociolgico. Trata-se da
de-finio de Saviani, na qual afirma que [...] o trabalho educativo
o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivduo
singular, a humanidade que produzida histrica e coletivamente pelo
conjunto dos homens (SAVIANI, 2005, p.13). Temos aqui a afirmao de
que o processo educativo um processo de formao humana, isto , um
processo em que todos seres humanos - que nascem inacabados do
ponto de vista de suas caractersticas humanas - so produzidos,
construdos, como humanos. um processo histrico e social de tornar
humanos os seres humanos.
Para compreender melhor esta definio de educao como um processo
histrico e so-cial de formao humana, tomemos como referencial os
escritos de Marx (1993) no mais im-portante de seus textos sobre a
concepo de homem: os Manuscritos Econmicos e Filos-ficos. Ali, este
pensador desenvolveu uma concepo de homem como ser natural,
universal, social e consciente. Isto , embora ao nascer, ele conte
com uma base biolgica, natural, para
Professora Livre Docente do Departamento de Educao do Instituto
de
Biocincias da UNESP-Botucatu.
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se objetivar como gnero humano para vir a ser humano os homens,
todos os homens, necessitam de um processo de humanizao, que seja
direto e intencional, um processo so-cial e consciente: [...] a
finalidade imediata da educao (muitas vezes no cumprida) a de
tornar possvel um maior grau de conscincia, ou seja, de
conhecimento, compreenso da realidade da qual ns, seres humanos,
somos parte e na qual atuamos terica e praticamente (RIBEIRO,
2001).
Ento, se os seres humanos, para serem humanos, necessitam de um
processo de hu-manizao, histrico e social de formao humana de
educao , a educao tem como objetivo realizar esta tarefa. Isso
implica em um processo de conscientizao que significa conhecer e
interpretar a realidade social e atuar sobre ela, construindo-a.
Assim, o processo educativo constri, ao mesmo tempo, o ser humano
como humano e a realidade na qual ele se objetiva como tal.
Constri, tambm, a humanidade do ponto de vista histrico e social.
Se os seres humanos no trazem ao nascer os instrumentos necessrios
para compreender as leis da natureza e da cultura (das sociedades),
e no podem contar com a possibilidade de que isso acontea
naturalmente, o processo de formao do ser humano tem que ser
intencionalmen-te dirigido, pelos prprios seres humanos que se
relacionam socialmente.
Ocorre que, na histria social da humanidade, diferentes e
diversas instituies sociais se responsabilizaram por esse processo
de formao humana, pelo processo educativo. Nas sociedades
primitivas, por exemplo, vemos a importncia dos ritos de iniciao
realizados por diferentes coletivos no processo educativo dos
sujeitos mais jovens como expresso da organizao do processo de
formao humana para a convivncia naquelas sociedades que tinham,
como tal, caractersticas prprias. Muitos estudos no campo da
sociologia e da an-tropologia mostram diferentes formas sociais de
apropriao dos elementos da cultura nes-sas sociedades primitivas.
Mas, o que temos em comum nesses estudos o fato de que, mais ou
menos sistematicamente, h um processo educativo expresso na vida
social dessas socie-dades. Nesse sentido, tambm merece destaque o
processo de preparao para o trabalho a que eram submetidos os
jovens aprendizes de ofcios nas sociedades pr-industriais como os
apresentados por Enguita (1989). Na abordagem do autor, vemos a
famlia como principal instituio social responsvel pelo processo de
formao humana para convivncia naquelas sociedades, em especial,
como instituio responsvel pela formao para o trabalho: alm da
famlia de origem, muitos jovens aprendizes eram encaminhados a
outras famlias para a aprendizagem dos ofcios.
Em Enguita (1989), podemos buscar a tese de que a escola, tal
como a conhecemos hoje, uma instituio social nova, moderna. E como
instituio a principal responsvel pela formao dos jovens para sua
integrao ao mundo social adulto na modernidade. Se, em perodos
histricos anteriores, a famlia foi a principal responsvel pelo
processo de formao dos sujeitos para a integrao na sociedade, a
modernidade com suas profundas transformaes buscou uma nova
instituio que se responsabilizasse pela formao hu-mana para este
novo modo de organizao da vida social: a escola.
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Lembremos que as profundas modificaes nas formas de organizao
das sociedades, no final da Idade Mdia, culminaram com as revolues
do sculo XVIII, caracterizadas pela ascenso da classe social
denominada burguesia e a implantao na Europa de um novo modo de
produo base da organizao social o capitalismo. Foi a partir da
segunda me-tade do sculo XVIII, com a Revoluo Industrial, que o
capitalismo consolidou-se. Do pon-to de vista econmico, tem incio
um processo intenso e contnuo de explorao do trabalho em grandes
propores, gerao de lucro e acumulao de capital. Do ponto de vista
poltico e social, a aristocracia perde o poder poltico para a
burguesia urbano-industrial, surgindo ainda uma outra classe: os
trabalhadores (ou operrios). Isso tudo implicou em profundas
modificaes nas prticas sociais, em especial, no modo de produo.
Ento, segundo ainda a tese de Enguita (1989), foi a preparao para
essas novas relaes sociais que modificou tambm a organizao do
processo de formao humana, elegendo a escola como principal
instituio preparatria para a vida social.
Se, desde a antiguidade, temos algumas manifestaes de um
processo educativo um pouco mais sistematizado, o qual nos
acostumamos a chamar de escola, somente na moder-nidade, a escola
assume o papel de uma instituio educativa significativa na
sociedade para a organizao do processo educativo socialmente
representativo. Vejamos, como ilustrao desta tese, um trecho de ris
no conhecido Histria Social da Criana e da Famlia:
Nem todo mundo, porm, passava pelo colgio, nem mesmo pelas
peque-nas escolas. (...) Ainda no sculo XVII, a distribuio da
escolaridade no se fazia necessariamente segundo o nascimento.
Muitos jovens nobres ig-noravam o colgio, evitavam a academia e se
uniam sem delonga s tropas em campanha. (ARIS, 1981, p. 188).
Portanto, Aris desenvolveu tambm a tese de que a escola uma
instituio da so-ciedade moderna, assim como a sua correlata: a
infncia, tal como a entendemos hoje. De acordo com o sentimento da
infncia, que corresponde conscincia da particularidade infantil,
essa particularidade que distingue essencialmente a criana do
adulto, mesmo jo-vem (1981, p. 156). Na idade mdia, a infncia se
limitava ao perodo inicial da vida no qual a criana dependia do
constante cuidado do adulto, me ou ama. A partir desse limite, ela
ingressava no mundo dos adultos no se distinguindo mais destes. A
dilatao do perodo da infncia foi correlata de uma transio da escola
que durou do sculo XV ao sculo XVIII. A escola foi um meio de
isolar cada vez mais as crianas durante um perodo de formao tanto
moral quanto intelectual, de adestr-las, graas a uma disciplina
mais autoritria, e, desse modo, separa-la da sociedade dos adultos
(ARIS, 1981, p. 165).
Segundo este autor, na idade mdia, a escola era destinada a um
pequeno nmero de clricos de diferentes idades. A abertura da escola
aos demais manteve a mistura de diferen-tes idades e a excluso das
mulheres . Mais tarde, criou-se a separao dos estudantes por
classes (o que constituiu a primeira subdiviso no interior da
populao escolar), mas o cri-
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trio para formao das classes foi o grau de capacidade, no a
idade. A criao das classes por idade ocorreu somente no sculo
XVIII:
A regularizao do ciclo anual das promoes, o hbito de impor a
todos os alunos a srie completa de classes, em lugar de limit-la a
alguns apenas e as necessidades de uma pedagogia nova adaptada a
classes menos nume-rosas e mais homogneas, resultaram, no incio do
sculo XIX, na fixao de uma correspondncia cada vez mais numerosa
entre a idade e a classe (ARIS, 1981, p. 177).
At o sculo XVIII, a distino entre populao escolarizada e no
escolarizada no correspondia s condies sociais, embora o ncleo
principal da escola fosse constitudo de indivduos oriundos das
famlias burguesas de juristas e ligados ao clero. No sculo XIX, a
escola nica foi substituda por um sistema de ensino duplo, em que
cada ramo correspon-dia no a uma idade, mas a uma condio social: o
Liceu e o Colgio para os burgueses (o secundrio) e a escola para o
povo (o primrio) (RIES, 1981, p. 192).
Existe, portanto, um notvel sincronismo entre a classe de idade
moderna e a classe social: ambas nasceram ao mesmo tempo, no fim do
sculo XVIII, e no mesmo meio: a burguesia (RIES, 1981, p. 194).
Se do ponto de vista scio-histrico a escola uma instituio
moderna, ento, qual a funo da escola no processo de formao humana
nas sociedades atuais? Se a educao uma exigncia humana individual e
coletiva e a escola foi, historicamente, a instituio social
escolhida pela humanidade para cumprir esta tarefa, como podemos
considerar a funo especfica da escola atualmente?
Lembremos que os estudos sobre o papel da escola, na sociedade
moderna, apontam para o fato de que no existe uma funo nica,
consensual, universal da escola. Se vive-mos, na modernidade, em
uma sociedade contraditria uma sociedade de classes com interesses
antagnicos e contraditrios cada grupo social compreende este papel
segundo seu prprio conjunto de valores e interesses sociais,
culturais e polticos. Isso significa di-zer que a escola no uma
instituio social neutra, uma instituio educativa a servio de todos,
igualmente. A forma como se realiza o processo de formao humana na
sociedade moderna, portanto, a educao no interior da instituio
social chamada escola, diz respeito aos valores, ideologias e
intenes dos diferentes grupos sociais que disputam seu lugar na
hierarquia social. Assim, os estudos da sociologia da educao
apontam para a ideia de que a educao escolarizada nestas sociedades
tem, em geral, algumas funes. Pode ter o obje-tivo redentor de
salvar a sociedade da situao em que se encontra, como pode ter como
objetivo reproduzir a sociedade na sua forma de organizao, ou
ainda, mediar a busca de entendimento da vida e da sociedade,
contribuindo assim para transform-la (LUCKESI, 1990). Muitos
estudos sobre a funo da escola tm refletido sobre o antagonismo
destas trs funes: redentora, reprodutora e transformadora.
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O estudo empreendido por Saviani (2008) sobre as bases tericas
da educao, apresen-tado no conhecido Escola e Democracia com todas
as polmicas que ainda gera , analisa a impossibilidade terica e
prtica das propostas educativas denominadas por ele como teorias
no-crticas da educao. Essas teorias, conforme o autor, no enfrentam
no sentido de sua superao o problema da marginalidade (o problema
em estudo). Lembremos que uma das mais importantes categorias de
anlise, eleita por ns, para a compreenso das relaes entre a educao
e a sociedade nestes estudos a desigualdade social. Diante desta
caracterstica definidora da sociedade capitalista moderna, como
sustentar a tese das teorias no crticas de que a educao
escolarizada um instrumento de equalizao social? Neste sentido, a
socie-dade concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo a
integrao de seus membros (SAVIANI, 2008, p. 4). Assim, de
caracterstica definidora da sociedade capitalista moder-na, a
desigualdade social e, consequentemente, a marginalidade concebida
como uma distoro que, pela educao, pode ser superada. Esse o carter
redentor desta forma de pensar e agir, social e politicamente, nas
relaes entre a educao e a sociedade:
A marginalidade , pois, um fenmeno acidental que afeta
individualmen-te um nmero maior ou menor de seus membros, o que, no
entanto, consti-tui um desvio, uma distoro que no s pode como deve
ser corrigida. A educao emerge a como um instrumento de correo
dessas distores (SAVIANI, 2008, p. 4).
Analisemos, pois, que esse papel de redentora da sociedade, de
instrumento de equa-lizao, de correo das distores que,
eventualmente, encontramos na sociedade moder-na. Nesse sentido, a
educao escolarizada tem o papel social de garantir a construo de
sociedades igualitrias, de corrigir essas distores eventuais. As
perguntas aqui so: 1. A educao e, particularmente, a escola, como
instituio social, define, por si, a superao da desigualdade social?
2. A desigualdade social no uma das mais importantes
carac-tersticas definidora, fundante da sociedade capitalista
moderna? No se trata aqui de concluir que essa tarefa de superao
das desigualdades impossvel para a escola pela sua magnitude, mas
de compreender que a instituio escolar uma instituio que emerge
desta sociedade, que est a servio dos interesses contraditrios que
definem a constituio da sociedade capitalista moderna como
sociedade desigual.
Por outro lado, a educao, em particular a escolarizada, como
instituio social prin-cipal responsvel pela formao dos sujeitos
sociais na modernidade tem assumido, segundo as anlises sociolgicas
dedicadas ao seu estudo, a funo de reproduzir a desigualdade social
que caracteriza esta sociedade. Isso significa dizer que a educao,
como instituio social organicamente ligada a esta sociedade,
contribui, no que diz respeito formao dos sujeitos sociais, para
reproduzir a contradio de classes inerente sociedade capitalista
moderna. Esse tema foi particularmente estudado pela sociologia de
Pierre Bordieu, Jean-Claude Passeron (Frana), Louis Althusser
(Frana), Samuel Bowles, Herbert Gintis (USA), Christian Baudelot,
Roger Establet (Frana).
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A maior contribuio destes socilogos da educao foi denunciar o
papel legitima-dor da desigualdade social que assume a escola em
nossa sociedade. Ou seja, necessrio compreender que a escola no tem
apenas o papel de formao dos sujeitos sociais, uma formao
descomprometida com as formas organizativas da sociedade, mas um
papel com-prometido com a dinmica social dominante. Dessa forma, a
escola, em sua tarefa de formar os sujeitos sociais, no neutra, mas
exerce um papel poltico nesta formao, no sentido de seu
comprometimento do ponto de vista da reproduo ideolgica na formao
dos sujeitos. Bourdieu , ainda, a principal referncia nestes
estudos:
Contrariando a ideia da escola enquanto espao social democrtico
e eman-cipador, a Sociologia bourdieusiana buscava mostrar que essa
instituio legitimava as prticas sociais das classes dominantes.
Longe de equiparar os escolares, fornecendo instrumentos que de
forma marcante e de acordo com a necessidade, pudessem garantir o
sucesso escolar, e assim, uma mu-dana em sua situao social, a
escola reforaria a desigualdade, uma vez que no dava possibilidades
reais para que o aluno transpusesse os diver-sos obstculos de ordem
social e cultural (BRANDO, 2009, p. 101).
Essa anlise sobre a escola, baseada em volumosas e importantes
pesquisas com levan-tamento de dados empricos sobre a realidade
escolar, criou novos referenciais tericos para a compreenso da
educao escolar na sociedade capitalista dos anos sessenta do sculo
XX. At hoje, ela se constitui como um dos principais paradigmas
para os estudos sociolgicos da educao:
A grande contribuio da Sociologia da Educao de Pierre Bourdieu
foi, sem dvida, a de ter fornecido as bases para um rompimento
frontal com a ideologia do dom e com a noo moralmente carregada de
mrito pessoal. A partir de Bourdieu, tornou-se praticamente
impossvel analisar as desi-gualdades escolares, simplesmente, como
frutos das diferenas naturais entre os indivduos (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2002, p.15-35).
Se essa Sociologia denunciou o papel de legitimador das
desigualdades sociais, traze-mos tambm para anlise a proposta
transformadora da escola. Mais do que uma realidade existente como
a analisada e denunciada pela sociologia reprodutivista a educao
trans-formadora consiste em uma proposta que parte do desafio de
construir uma escola que este-ja, no a servio dos grupos dominantes
da sociedade no que diz respeito preservao dos privilgios, mas
comprometida com a construo de uma sociedade mais justa e
igualitria.
O ponto de partida da educao transformadora, que tem carter
fortemente crtico, a constatao de que a escola no transforma
diretamente a sociedade, mas instrumentaliza os sujeitos que, na
prtica social, realizam o movimento de transformao. Isto , a escola
tem a especificidade de, do ponto de vista da formao humana,
garantir a apropriao de elementos da cultura que se transformem, na
prtica social, em instrumentos de luta no en-frentamento da
desigualdade social.
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Em uma perspectiva crtica, que concebe a educao como um processo
de instru-mentalizao dos sujeitos para a prtica social
transformadora, Saviani define a funo da escola como sendo a de
[...] uma instituio cujo papel consiste na socializao do saber
sis-tematizado (SAVIANI, 2005). Isso significa afirmar que a educao
escolar tem como prin-cipal funo promover a conscincia dos
educandos para a compreenso e transformao da realidade. Ento, o que
prprio da escola a garantia da transmisso no mecnica, mas ativa,
compreendida como apropriao do saber elaborado pela cultura.
Neste sentido, essa proposta difere frontalmente daquelas que
consideram conjunto de conhecimentos clssicos e cientficos como
desnecessrios (porque comprometidos com os grupos dominantes) para
a formao de sujeitos. Essa proposta pressupe que a escola, para
exercer sua funo transformadora no sentido de contribuir para a
democratizao da sociedade, no pode abrir mo de sua responsabilidade
especfica que a de garantir que os sujeitos sociais se apropriem de
forma crtica e reflexiva do saber elaborado pela cultura a qual
pertencem. Nesse sentido, importante que o educador compreenda a
complexidade da realidade social na qual ele atua. No basta para
isso conhecer a realidade, preciso pensar sobre ela, tendo as
diferentes teorias educacionais como referncia.
escola pblica e desigualdade social A escola pblica a maior
expresso da escola com instituio social, aquela que tem
sua origem na modernidade, exigncia do modo de produo
capitalista moderno industrial. No Brasil, podemos considerar como
marco histrico do surgimento da escola pblica o Ma-nifesto dos
Pioneiros Pela Educao Nova por seu contedo escolanovista. Esse
Manifesto foi mais um documento de poltica educacional do que um
documento didtico-metodolgico, como encontramos muitas vezes na
literatura pedaggica. Sua proposta estava plenamente integrada ao
contexto social, poltico e econmico da consolidao do capitalismo
industrial no Brasil, cujo papel da escola estava voltado para a
formao dos sujeitos sociais para esse desenvolvimento. Isso explica
porque o Manifesto trouxe a pblico da forma mais veemente na
histria da educao brasileira a defesa da escola para todos, um dos
mais importantes princpios da educao burguesa.
A escola para todos - pblica - defendida no Manifesto em
contraponto escola da Reforma Francisco Campos, era a escola nica
(significando igualdade de oportunidades), laica (livre de
doutrinas), gratuita (sob a total responsabilidade do Estado),
obrigatria (at 18 anos) e para ambos os sexos. Para os Pioneiros, a
funo social da escola (campo especfico da educao) explicitava-se
pela sua organizao como instituio social limitada na sua ao
educativa pela pluralidade e diversidade das foras que concorrem ao
movimento das sociedades, considerando que, entre todos os deveres
do Estado, a educao o maior.
Saviani (2007) faz uma cuidadosa anlise do Manifesto
considerando-o heterogneo e contraditrio, pois expressa princpios
elitistas e, ao mesmo tempo, princpios igualitaristas. Como
documento doutrinrio da Escola Nova, o Manifesto traz uma proposta
de poltica educacional em defesa da escola pblica e de um sistema
nacional de educao pblica. No
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entanto, podemos encontrar nele a marca da dualidade: a escola
teria funo homogeneiza-dora dos indivduos nos nveis primrios e
secundrios de ensino e funo diferenciadora no nvel superior
(universitrio).
Todos estes embates ocorreram no incio dos anos trinta do sculo
XX, e durante o Estado Novo (de 1937 a 1945) acirraram-se ainda
mais, pois a Reforma Capanema regula-mentou um sistema de ensino
centralista, burocratizado, dualista (diferenciando fortemente o
ensino secundrio do profissional) e corporativista (criando no
ensino profissional o ensino industrial, agrcola e comercial, alm
do curso normal para formao de professores). O pacto com a Igreja,
que a Reforma Capanema manteve, tinha uma abordagem de renovao
conservadora, isto , nos aspectos pedaggicos defendia novos mtodos
inspirados na Escola Nova , mas nos sociopolticos era extremamente
conservador. Com o fim do Estado Novo em 1945, as discusses em
torno da Constituio de 1946 trouxeram de volta os Pio-neiros e, com
eles, as foras hegemnicas na comisso para elaborao da primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educao Nacional em 1961.
O principal conflito vivido entre Pioneiros e Catlicos no
processo de elaborao da LDBEN foi entre a escola pblica e a escola
privada. Centrada na figura de Ansio Teixeira, a defesa da escola
pblica, universal e gratuita foi fortemente atacada pelos catlicos
que, identificando-a com a proposta comunista de organizao da
educao, contrapunham a hierarquia da Famlia, Igreja e Estado na
responsabilidade educacional. Em defesa da escola pblica estavam
trs principais correntes do pensamento pedaggico brasileiro segundo
Sa-viani (2007): liberal-idealista, liberal-pragmatista e
socialista. Por outro lado, esse conflito no ficou restrito aos
educadores empolgando a opinio pblica: a imprensa catlica e a
im-prensa leiga fomentaram as discusses para o conjunto da
populao.
A Lei n 4024/61 LDBEN definiu a construo do Plano Nacional de
educao em 1962. O investimento financeiro na educao subiu para 12%
dos recursos da Unio, a poltica educacional a esse investimento
articulada pretendeu enfrentar o grave problema do analfabetismo,
da evaso escolar e do afunilamento do sistema de ensino. A
estrutura criada foi a do ensino primrio, ensino mdio (ginasial e
colegial) e ensino superior. Propunha tam-bm a valorizao da formao
de professores, a implantao do tempo integral nas 5a e 6a sries
(artes industriais). Essas medidas legais, que consolidaram o
ensino pblico, tomaram ainda mais importncia no incio dos anos
sessenta, desde 1945, vinha vivendo um perodo de redemocratizao,
acompanhado pelo crescimento econmico do capitalismo
industrial.
Os movimentos sociais populares do incio dos anos sessenta
trouxeram importantes discusses acerca da organizao do ensino e dos
processos educativos. As defesas da cultura popular e a da educao
popular foram compreendidas como formas de garantir o processo de
conscientizao necessrio para a organizao igualitria da sociedade
brasileira. Nesse momento, as discusses sobre a escola pblica deram
lugar a propostas de educao popular vinculadas aos grupos sociais
populares. Esses movimentos tiveram tambm a participao de um novo
setor da Igreja Catlica, articulado em torno da Teologia da
Libertao. Um dos mais importantes representantes desse movimento de
educao popular no incio dos anos sessenta Paulo Freire com a
pedagogia libertadora. Tendo como referencia a escola nova e a
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teologia da libertao, principalmente no que diz respeito nfase
da atividade sobre os con-tedos na Pedagogia do Oprimido vemos a
valorizao da atividade para a conscientizao poltica transformadora
, esses movimentos tiveram fim no golpe militar de 1964.
Marcado pela contradio entre ideologia e economia, o perodo
anterior ao golpe mi-litar organizava-se sob a ideologia do
nacionalismo desenvolvimentista e desnacionalizao da economia. Essa
contradio no conturbado governo Jango foi resolvida pelo governo
militar que marcou uma ruptura poltica com continuidade
socioeconmica, fundamentan-do-se na doutrina da interdependncia. O
reflexo direto disso, na educao, se expressa pelas reformas
implantadas, em busca da educao que nos convm: a aprovao da Lei
5540-69 da Reforma Universitria e da Lei 5692-71 que organizou o
ensino bsico em 1 e 2 graus. O pano de fundo das reformas foi a
teoria do capital humano com seus princpios da racionalidade,
eficincia e produtividade, isto , o mximo de resultados com o mnimo
de esforos na formao humana (investimento) que interessava ao
regime poltico e ao modelo econmico. Essas reformas, portanto,
inspiraram-se na pedagogia tecnicista, articulando a organizao
racional (taylorista) do sistema de ensino brasileiro com o
controle de compor-tamento nos processos de aprendizagem
(behaviorismo).
No entanto, durante a Ditadura Militar, a escola pblica
expandiu-se. Essa aparente contradio, por um lado, refere-se ao
modelo econmico em desenvolvimento que exigia escolarizao da
populao, e por outro, exigia o controle da escolarizao, em especial
no que diz respeito ao ingresso ao ensino superior, maior foco de
resistncia ao regime no interior da sociedade brasileira. O governo
autoritrio, ento, equacionou essa aparente contradio pela expanso
controlada, isto , expandiu a rede pblica de ensino, criando um
mecanismo interno de controle. Segundo Romanelli (2009), esse
controle recaiu sobre a progresso no sistema e a qualidade da
educao. A dualidade, ento, cujos reflexos vivemos ainda hoje,
expressou-se pela oposio quantidade-qualidade, ou seja, enquanto se
expandia o atendimento educao escolarizada pblica pelo estado
autoritrio (quantidade), privati-va-se, gradualmente, a
qualidade.
A dcada de oitenta, com o fim da Ditadura Militar, foi um perodo
muito fecundo nas discusses sobre a educao e a organizao do ensino,
em especial, sobre a escola pblica na perspectiva crtica e
transformadora. No entanto, essas posies crticas representavam um
setor que, embora tivesse muita penetrao entre os educadores, no se
consolidou como hegemnico, conferindo uma linha poltico-pedaggica
crtica e transformadora na organi-zao do sistema de ensino. Podemos
afirmar que a poltica oficial centrava-se na expanso do ensino e as
foras contra-hegemnicas apontavam duas correntes distintas: a
renovao dos processos de ensino propostos pela educao libertadora,
principalmente no que diz res-peito ao processo de conscientizao
dos sujeitos educandos e, de outro lado, a valorizao da educao
escolar das tendncias marxistas em defesa da escola pblica. No
entanto, as foras hegemnicas neoliberais avanavam no campo das
polticas pbicas da educao.
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Essa situao se expressa de forma muito clara no processo de
elaborao da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB
que, iniciado em 1988 com a promulga-o da Constituio Federal,
consolidou-se na promulgao da Lei no 9394-96. A Constitui-o
Federal, elaborada por um Congresso Constituinte apoiado pela
populao entusiasmada com o fim da Ditadura e o incio da
redemocratizao da sociedade, organizou o sistema de ensino no
Captulo da Educao, expressando algumas vitrias e muitas derrotas
nas teses defendidas pela mobilizao em defesa da escola pblica. O
Frum em Defesa da Escola P-blica na Constituinte atuou
vigorosamente na elaborao deste captulo da educao e seguiu
mobilizado na difcil elaborao da LDB. O clima de entusiasmo pela
redemocratizao arrefeceu frente ao avano da reforma do Estado
inspirado na doutrina neoliberal.
A nova LDB, instrumento poltico da organizao da educao no
Brasil, traz a marca do neoprodutivismo (SAVIANI, 2007), ou seja, a
renovao neoliberal da teoria do capital humano. Essa abordagem fez
com que a LDB aprovada (cuja organizao popular sofreu um grande
golpe no final de sua elaborao) se tornasse um instrumento para a
poltica educa-cional marcada pela incluso-excludente. Os avanos
quantitativos necessrios na incluso da populao em idade escolar na
escola pblica, no foram equivalentes qualidade neces-sria. Temos
que, pelo aprofundamento da crise de qualidade na escola pblica,
uma enorme parte da populao excluda do processo de apropriao da
cultura como instrumento transformador na prtica social.
A educao escolarizada a educao na escola , tanto conceitualmente
quanto na prtica social, reflete o carter contraditrio que
encontramos na sociedade capitalista mo-derna. Se por um lado,
implica na preparao dos sujeitos sociais para esse modo de produ-o
que tem dimenso social, poltica, econmica e cultural,
caracterizando o que a Socio-logia identificou como um papel
reprodutor das desigualdades sociais, por outro, a educao escolar
pode ser considerada como um processo que oferece aos sujeitos em
formao um dos mais fundamentais instrumentos para o enfrentamento
dessas desigualdades. Esse en-frentamento ocorre quando a escola se
organiza de modo a sistematizar a transmisso crtica e reflexiva do
saber elaborado historicamente pela humanidade. Isso significa
dizer que a escola, como instituio social, tem o papel de garantir
aos sujeitos com oportunidades con-traditoriamente desiguais a
apropriao de conhecimentos, a formao de valores sociais e
culturais, a preparao para o mundo do trabalho e para o
desenvolvimento da prtica social. Esse o sentido pblico da escola
pblica: servir aos interesses pblicos, aos interesses da maioria da
populao, embora essa seja uma tarefa contraditria.
Superando o senso comum em relao escola pblica e ao poder
estatal, considere-mos o importante papel que o Estado tem na
formulao e realizao da escola pblica. Esse papel se refere ao de
assegurar escolas que facultem o acesso a todas as crianas, jovens
e adultos, bem como sua permanncia em igualdade de circunstncias,
independentemente das suas condies histricas, econmicas, polticas e
sociais.
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Embora seja fundamental reconhecer a importncia poltica e social
do avano quan-titativo do ensino pblico alguns dados indicam que,
de 98% das crianas brasileiras em idade prpria para o ensino
fundamental, mais de 90% delas esto nas escolas pblicas , as
escolhas neoliberais que no Brasil definem as polticas pblicas de
sade, educao, moradia e transporte alm de outros bens comuns ,
desde a ultima dcada do sculo XX, tm definido uma escola pblica
menos pblica. Isso significa uma escola menos democrtica, menos
inclusiva, pois voltada principalmente para a certificao e o
registro estatstico do sucesso quantitativo, em detrimento da
socializao do saber sistematizado. Nesse sentido, a escola pblica
no Brasil, orientada pelas polticas neoliberais, est voltada mais
para respon-der aos interesses dos grandes grupos polticos e
economicamente hegemnicos do que aos interesses de formao plena do
conjunto da populao. visvel o progressivo desinves-timento na
Educao, nem tanto diretamente pela aplicao de percentuais
oramentrios obrigatrios, mas por uma srie de outros mecanismos que
Romanelli (2009) chamou de mecanismos internos de controle. O
processo de privatizao do ensino, que afirma sua dualidade, to
sutil quanto eficiente e se expressa pelos mais diferentes
indicadores: baixa qualidade; baixa valorizao social da escola;
baixos salrios dos professores; polticas ine-ficientes de formao
inicial e permanente dos professores; burocratizao do processo de
planejamento pedaggico com tendncias a transformar os professores
em meros reproduto-res de contedos estabelecidos pelos tcnicos
burocratas do ensino etc.
Os indicadores referentes consolidao do ingresso da populao na
escola, enco-brem os ndices de abandono e fracasso. Embora estes
ndices, nas ltimas dcadas, tenham baixado significativamente, sendo
dignos de comemorao pelo conjunto da sociedade, eles tm sido
manipulados politicamente pelos Governos. Essa manipulao advm do
objeti-vo de realizar uma avaliao essencialmente estatstica. Com
essa avaliao, posterga-se a urgente necessidade de alcanar nveis de
aprendizagem e formao mais consistentes que garantam aos estudantes
os instrumentos indispensveis ao exerccio de uma cidadania ati-va.
Dessa forma, o investimento de recursos pblicos na educao, cujos
gestores insistem em se desobrigar do cuidado com a qualidade ao
assumir como poltica pblica o ingresso e a permanncia das crianas
na escola de ensino fundamental (na medida em que o ensino mdio no
Brasil ainda quantitativamente insuficiente para atender os jovens
e adultos), significa, na prtica, uma perda irreparvel de dinheiro
e uma oportunidade social mal apro-veitada no sentido da formao dos
sujeitos.
Ao burocratizar o exerccio da profisso docente, a formao e ao
educativa dos professores pouco tm a contribuir para a melhoria da
qualidade do ensino pblico. Essa burocratizao provm do investimento
em processos de formao e ao educativa com tendncias a transformar
os professores e educadores em profissionais acrticos e simples
executores de tarefas pr-estabelecidas. Esses profissionais perdem
sua capacidade crtica e criativa ao trabalharem em condies de
crescente precariedade, desapropriados de direitos trabalhistas
conquistados no difcil processo de democratizao da sociedade
brasileira.
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De impacto muito negativo para a qualidade da escola pblica ,
tambm, o ataque neoliberal em curso contra os profissionais da
Educao, docentes e no docentes, com a supresso de aspectos
fundamentais das suas carreiras. Esse ataque consolida a
instabilida-de profissional, articulada a uma campanha pblica de
desvalorizao social da sua imagem (para isso colaboram, por
exemplo, as campanhas de substituio direta e indireta da ao docente
na escola). Essa situao colabora tambm para o aumento da
indisciplina e da violncia nas escola.
Ento, se a escola pblica no Brasil tem uma trajetria histrica
marcada pela tardia implantao de um sistema nacional de ensino
caracterizado, nos diferentes momentos hist-ricos, como excludente
e dual, que lies essa histria nos traz? Lembremos que Lombar-di,
Saviani e Nascimento (2005) identificou na trajetria histrica da
consolidao da escola pblica no Brasil trs projetos de
desenvolvimento da sociedade brasileira em disputa nos dias atuais:
o projeto liberal (ou neoliberal), o projeto do desenvolvimentismo
conservador, e o projeto do desenvolvimento econmico nacional e
popular. O projeto liberal em sua verso mais contempornea, o
neoliberalismo atravessou praticamente todo o sculo XX como
hegemnico, com poucos perodos de interrupo, derrubando e
assimilando teses do projeto mais conservador. O projeto do
desenvolvimento popular cresceu no final da ditadura e
consolidou-se no incio dos anos 1980.
A alternativa ao projeto neoliberal o projeto de desenvolvimento
econmico nacio-nal e popular , ao chegar ao poder pela expressiva
votao do atual Presidente Lula, agiu de forma radicalmente
diferente daquilo que vinha buscando. Isso significa que
aprofun-dou ainda mais o ajuste neoliberal da economia globalizada,
consolidando uma perspectiva flexibilizadora da responsabilidade do
Estado em relao s polticas pblicas, mesmo se considerarmos as
contradies cada vez menores que existem nos espaos de gesto das
polticas pblicas deste governo.
As polticas pblicas da educao, no modelo de modelo de
desenvolvimento econ-mico e social que o Governo Lula deu
continuidade, tm sido, portanto, marcadas pela fle-xibilizao dos
direitos e da responsabilidade do poder pblico com sua garantia,
sofrendo uma tendncia privatizante. Flexibilizao significa, neste
texto, uma tendncia a minimizar direitos e responsabilidades. Se no
incio da organizao do sistema nacional de ensino no Brasil, o
grande embate era entre a escola pblica e a privada no que diz
respeito respon-sabilidade da Igreja e do Estado, a anlise do
funcionamento do sistema nacional de ensino, hoje, est centrada na
qualidade da escola pblica e da privada, e na responsabilidade da
sociedade em sua garantia.
Do lado da elaborao oficial das polticas pblicas para a educao,
a desregulamen-tao dos direitos sociais, no que diz respeito
responsabilidade do Estado em garanti-los, atinge diretamente a
escola pblica. Se a excluso e a dualidade, histricas na organizao
do ensino, tiveram na discusso entre a escola pblica e a privada
sua expresso em alguns momentos da trajetria histrica da educao
brasileira, hoje, temos a excluso e a dualidade expressas ainda
pela oposio escola pblica e privada, mas na forma da qualidade do
ensino.
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De direito social de todos, a educao compreendida pela ideologia
dominante im-pregnada pela doutrina econmica neoliberal e construda
pela lgica do neoprodutivismo na educao como um servio a ser
prestado e adquirido no mercado (LOMBARDI; SAVIA-NI; NASCIMENTO,
2005; SAVIANI, 2007). Vejamos algumas das consequncias disso para a
educao bsica.
Para uma pequena, mas poderosa do ponto de vista econmico e
poltico, parcela da populao h uma escola privada de melhor
qualidade e, para a grande maioria, uma escola pblica de menor
qualidade. Lembremos que, segundo os dados do Censo Escolar de
2008, publicados em janeiro de 2009, a rede privada de ensino no
Brasil responsvel por 13,3% das matrculas da educao bsica, enquanto
a rede pblica recebe 86,7% dessas matrculas. Ento, pensar em
polticas pblicas de educao escolarizada no nvel bsico no Brasil
significa refle-tir sobre a estrutura e o funcionamento da escola
pblica como instituio social responsvel pela formao humana que
interessa ao projeto de sociedade que queremos ou no queremos
construir. Essa situao enfrentada pela sociedade em geral e pelo
poder pblico em parti-cular de forma a consolidar a dualidade
histrica da organizao da educao brasileira.
Compreendida a educao bsica e o ensino no como direito social,
mas como mercadoria a ser adquirida no mercado, a qualidade de
ensino um valor agregado escola privada, tornando-a mais atrativa
para aqueles que podem comprar seu produto. Isso no significa que,
na escola privada, haja garantia de qualidade na educao como formao
humana que pretendemos, antes a qualidade que lhe conferem est
diretamente relacionada aos interesses imediatos, aos valores ticos
e polticos das elites dirigentes: individualismo, competio,
consumismo etc.
No que diz respeito escola pblica, vejamos como os professores,
de mediadores no processo de apropriao de conhecimentos
sistematizados da cultura elaborada, assumem, na lgica hegemnica da
organizao da sociedade, o papel de prestadores de servio. Nesse
sentido, sua formao plena para dirigir sofisticados processos de
ensino e aprendizagem que garantam a apropriao crtica e reflexiva
da cultura elaborada na perspectiva de formao para prticas sociais
mais conscientes e consequentes, transforma-se em uma formao
li-geira e superficial.
Chau (2004) faz importante anlise do sentido neoliberal e
neoprodutivista da pro-clamada educao continuada desses
professores. A poltica de contratao de professores substitutos, a
existncia ainda significativa de professores leigos inclusive em
sua mais nova verso, os professores eventuais e a valorizao dos
programas com educadores vo-luntrios na escola so reflexos dessas
referncias na organizao da escola pblica. Essa pseudoparticipao dos
grupos sociais privilegiados na forma do voluntariado em busca de
qualidade na escola pblica pode ser compreendida, por exemplo,
quando buscamos identi-ficar os protagonistas dos to conhecidos
programas como adote uma escola; amigos da escola, padrinho da
escola etc. Identificados os protagonistas, reconhecemos sua insero
de classes e os interesses econmicos, polticos e sociais que os
move.
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Outra dimenso importante da flexibilizao da educao como direito
de todos, iden-tificada por Lombardi, Saviani e Nascimento (2005),
diz respeito privatizao do pensa-mento pedaggico. Saviani (2007)
analisou essa privatizao do pensamento pedaggico, identificando
quatro categorias (provisrias). O neoprodutivismo, fundamentado na
teoria do capital humano, busca organizar o ensino a partir da
necessidade de formao humana para as novas formas de produo, tambm
flexibilizadas. Isso significa que a formao escolar pretendida
refere-se s capacidades e competncias presentes e expressas nos
documentos que traam parmetros e diretrizes curriculares para a
educao bsica.
Assim, os princpios da Escola Nova, tambm ressignificados,
constituem-se no que ele definiu como neoescolanovismo, isto , o
aprender a aprender que, agora tambm, for-mao permanente dos
sujeitos educandos. Como terceira categoria, encontramos o
neocons-trutivismo, expresso particularmente pela teoria do
professor reflexivo: os saberes docentes centrados na experincia
cotidiana. A reflexo aqui, cujos fundamentos esto na pedagogia das
competncias, nos comportamentos flexveis e na responsabilidade
individual, diz respeito compreenso pragmtica da experincia
docente. Nesse sentido, ressignifica-se tambm o tecnicismo. Se na
dcada de setenta, seus princpios eram de racionalidade, eficincia e
pro-dutividade sob o controle direto do Estado, agora, ele aparece
sob o controle do mercado, da responsabilidade da iniciativa
privada e das organizaes no-governamentais, reduzindo os
investimentos pblicos pelas parceiras pblico-privadas. Como fica,
ento, o papel da escola e do profissional da educao diante deste
quadro e das exigncias do mundo atual?
A escola pblica uma conquista que tem suas origens na Revoluo
Francesa, isto , na democratizao da sociedade aristocrtica e na
origem da modernizao das sociedades como capitalistas e
industriais. Esse um fato histrico de enorme importncia, pois
confere escola pblica o carter democratizante e democratizador. No
entanto, sua origem histrica no a exime de problemas tambm
historicamente incorporados, problemas a serem resol-vidos e
questes tericas e prticas a serem exploradas. Uma das crticas que
esta escola enfrenta, concerne atualidade de seus contedos. Se por
um lado, o avano neoliberal e seu componente mais estritamente
econmico, a globalizao da economia trouxe novas exigncias, a escola
inserida neste mundo tem o papel de preparar o aluno para conhec-lo
e nele atuar de forma adaptadora. Isto , a escola prepara os
sujeitos para atuar de forma a se adaptar s exigncias desta
doutrina de organizao da sociedade e contribuir para seu
aprimoramento, permitindo, principalmente, que o aluno tenha
competncia em diversas tecnologias. As crticas a essa forma de
organizao das relaes sociais veem na escola, em especial na escola
pblica, o papel de problematizar esse mesmo mundo atual, seus
conte-dos e valores constituintes, visando question-lo e
transform-lo de forma a contribuir para a construo de uma sociedade
mais justa, mais democrtica, mais igualitria.
Aqui tambm cabe o raciocnio de que a escola pblica precisa
evoluir enquanto ins-tituio social. Para isso, no significa uma
formao instrumental, interessada na manu-teno do um modo de produo
capitalista moderno que, por definio material e histrica, injusto e
desigual. Faz-se necessrio que a escola pblica contribua na formao
plena crtica dos sujeitos sociais. Para tanto, sua tarefa
filosficopoltica a de assegurar
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a cultura clssica, em cujo bojo se encontra o que h de mais
universal e permanente das produes humanas e que, considerada as
condies de desigualdade de nossas sociedades modernas, somente essa
escola capaz de garantir para o conjunto da populao. Em sntese, a
escola, articulando o novo com a tradio, ser efetivamente pblica se
for capaz de trazer para seu interior a responsabilidade de formao
plena dos sujeitos, o que significa garantir a apropriao crtica do
conjunto da produo humana, ou seja:
Trata-se aqui da produo de ideias, conceitos, valores, smbolos,
hbitos, atitudes, habilidades. Numa palavra, trata-se da produo do
saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a
cultura, isto , o conjunto da produo humana (SAVIANI, 2005, p.
12).
Portanto, trata-se da necessidade da escola pblica de assumir
sua tarefa, histrica e poltica, de equalizao da sociedade, de
superao da desigualdade social, de realizao de seu carter pblico no
sentido amplo e complexo de instituio pblica de educao.
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Indicao de leitura: SAVIANI, D. Histria da escola pblica no
Brasil: questes para pesquisa. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D.;
NASCIMENTO, M. I. M. A escola pblica no Brasil: histria e
historiografia. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 2-4.* Texto
produzido especialmente para a disciplina Sociologia da Educao do
Curso de Pedagogia oferecido pela UNESP atravs da
UNIVESP-TV.
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vdeo da TV Cultura
texto em anexo
Formao Geral Educao, Cultura e DesenvolvimentoBloco1 Mdulo 2
Disciplina 9
Sociologia da Educao