Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação A CONSTRUÇÃO DO OBJETO NOTICIOSO NA EDIÇÃO DA MÍDIA IMPRESSA: fotografia, legenda e texto Isaac Antonio Camargo 1 Introdução As mídias impressas de comunicação social, representadas, em sua maioria, por jornais e revistas, configuram-se como um todo de sentido para o qual concorrem diversas instâncias enunciativas capazes de produzir informação, manipular condutas e gerar opinião pública a respeito dos diversos assuntos que aborda. Nenhuma notícia é pura no sentido de que esteja livre de influências ou isenta de enfoques ou recortes que revelam, em primeira ou última instância, o sistema editorial (ideológico) que dela se apropria e transforma num objeto noticioso impregnado de outros tantos sentidos que não se restringem apenas ao fato ou ao evento no qual uma notícia se origina mas a todo um complexo de informações concorrentes, paralelas e coadjuvantes que criam os status de notícia que mobilizam o sistema de comunicação como um todo. Em outras palavras, cada objeto noticioso, denominação que estamos adotando aqui para identificar o recorte da informação enquanto notícia, processada e impregnada das ideologias que habitam o sistema social e editorial que, ao mesmo tempo em que lhe dá vida, torna-a parte de um sistema de comunicação social essencialmente ideologizado e disseminado. Edição ou editoração (verbos e estratégias) Primeiramente devemos esclarecer que Edição vem do latim, Edere cujo sentido é trazer à luz; mostrar, expor, dar a ler. Nesta linha de raciocínio, editoração é o procedimento através do qual se mostra, se expõe ou se faz ver algo que queremos comunicar, neste caso, editoração pode ser entendida, grosso modo, como enunciação, conseqüentemente, o editor é um enunciador que se complementa por um enunciatário que, em última instância, é o leitor. 1 Universidade Estadual de Londrina. 1
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A CONSTRUÇÃO DO OBJETO NOTICIOSO NA EDIÇÃO DA MÍDIA … · 2012-06-22 · Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação . A CONSTRUÇÃO DO OBJETO
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A CONSTRUÇÃO DO OBJETO NOTICIOSO NA EDIÇÃO DA MÍDIA IMPRESSA:
fotografia, legenda e texto
Isaac Antonio Camargo 1
Introdução
As mídias impressas de comunicação social, representadas, em sua maioria, por jornais
e revistas, configuram-se como um todo de sentido para o qual concorrem diversas instâncias
enunciativas capazes de produzir informação, manipular condutas e gerar opinião pública a
respeito dos diversos assuntos que aborda. Nenhuma notícia é pura no sentido de que esteja livre de influências ou isenta de enfoques ou recortes
que revelam, em primeira ou última instância, o sistema editorial (ideológico) que dela se apropria e transforma
num objeto noticioso impregnado de outros tantos sentidos que não se restringem apenas ao fato ou ao evento
no qual uma notícia se origina mas a todo um complexo de informações concorrentes, paralelas e coadjuvantes
que criam os status de notícia que mobilizam o sistema de comunicação como um todo.
Em outras palavras, cada objeto noticioso, denominação que estamos adotando aqui para identificar o
recorte da informação enquanto notícia, processada e impregnada das ideologias que habitam o sistema social e
editorial que, ao mesmo tempo em que lhe dá vida, torna-a parte de um sistema de comunicação social
essencialmente ideologizado e disseminado.
Edição ou editoração (verbos e estratégias)
Primeiramente devemos esclarecer que Edição vem do latim, Edere cujo sentido é
trazer à luz; mostrar, expor, dar a ler. Nesta linha de raciocínio, editoração é o procedimento
através do qual se mostra, se expõe ou se faz ver algo que queremos comunicar, neste caso,
editoração pode ser entendida, grosso modo, como enunciação, conseqüentemente, o editor é
um enunciador que se complementa por um enunciatário que, em última instância, é o leitor.
1 Universidade Estadual de Londrina.
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Percebe-se que há certos princípios, ou pressupostos básicos da editoração, pelos quais
um editor se pauta para produzir a notícia, são alguns deles: seleção, organização,
ordenamento, encadeamento, relacionamento, engendramento e urdidura. Em conseqüência
disto há certos verbos que se prestam ao uso editorial por encerrar condutas e projetar
sentidos dos quais as notícias estarão impregnadas: informar, narrar, mostrar, demonstrar,
A freqüência com que estes verbos ou condutas são implicitamente usados caracterizará
o tom ou a linha editorial de um órgão de comunicação social da qual um jornal ou revista é
seu porta-voz ou representante por ser o produto de um complexo processo de inter-relações
sociais. Para tanto, o editor ou o grupo editorial enquanto tal, assume certos critérios pautados
por um projeto, um programa cuja meta, objetivo ou intenção cumpre uma função e atende
uma necessidade (intra ou extra mídia) priorizando certas atitudes que valorizarão uma ou
outra maneira de ver e aproximar-se do contexto existencial de seus leitores que passam a
fazer parte da estratégia de produção de sentido enquanto enunciatários atuando em coalizão
com o enunciador instaurado no e pelo discurso noticioso.
As escolhas são feitas de acordo com a oportunidade que a notícia representa em
termos de alinhamento editorial, ideológico e, em alguns casos, até mesmo pelo simples
oportunismo econômico. Uma dada notícia que possua apelos passionais ou comovam a
opinião pública, pode ser escolhida em detrimento de outra com base em seu potencial de
lucro representado pelo o aumento da tiragem e das vendas. O exemplo típico e muito
comum deste tipo de situação é o da imprensa sensacionalista.
Detectar a linha editorial, o compromisso com o público, com o poder econômico ou
político de um organismo de imprensa nem sempre é uma tarefa fácil, pois estes argumentos
se entrecruzam e assumem pesos diferentes em cada situação. Tomando como referência a
imprensa industrial noticiosa e deixando de lado a imprensa comercial, partidária e mesmo a
panfletária, cujas ideologias estão à serviço de metas muito bem delineadas e isentas de
muitas das influências e tentações às quais a imprensa industrial está exposta, é que vamos
tentar verificar como se constroem as estratégias editoriais e como se desenvolvem seus
sentidos.
De modo geral o objeto noticioso, como chamamos há pouco, pauta-se sempre por um
assunto, tema ou proposta e revela-se, no caso de uma fotografia, por exemplo, não apenas
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como o registro efetuado face ao fato ou evento gerador que, a despeito da criação, expressão
e mesmo da autoria que revele ou contenha, mostra-se quase que somente através da forma
que assume enquanto veículo editorial, e é deste modo que o vemos. A medida em que o fato
ou evento se transforma em objeto noticioso podemos identifica-lo como um enunciado e
aqui entram os elementos de uma análise, cujos componentes estratégicos deverão ser então
detectados.
Neste caso é que a figura do editor, daquele que edita, ou seja, daquele que articula o
projeto editorial com os elementos de editoração: texto, imagem e contexto; daquele que
estabelece o relacionamento com o meio social segundo princípios, valores, dogmas e
ideologias do veículo ou sistema do qual e para o qual edita deve ser superposta à figura do
enunciador para que possamos desenvolver uma abordagem de cunho semiótico.
A estratégia mais comum, quando se utilizam fotografias na editoração é a de fazer
valer a especularidade, a iconicidade fotográfica. Neste caso o editor/enunciador baseia-se no
simples fato de que se a imagem fotográfica parece-se com aquilo que vemos no mundo
natural, assim, é de se esperar que acreditemos nelas como acreditamos nos eventos e fatos
que experimentamos no mundo natural com os quais ela se parece. A base desta estratégia
está centrada num contrato implícito, estabelecido entre o enunciador e o enunciatário cuja
mola propulsora é o elemento veridictório existente entre o mundo natural e a imagem
fotográfica que se transforma no valor mantenedor deste contrato.
No entanto não é apenas nesta estratégia que se baseia a relação
enunciador/enunciatário no objeto noticioso. Como a fotografia jornalística não é apenas a
passagem linear entre fato e foto, não devemos ignorar que entre o fato ou o evento no
mundo natural e a fotografia incorporada à página do jornal ou revista há uma longa
distância. Uma complexa rede de relações intertextuais dá suporte ao enunciado em que se
configura a página jornalística onde a fotografia e os outros elementos se encontram e, a
partir daí são desencadeados todos os sentidos que com ela convivem e correlacionam.
Um destes elementos concorrentes e correlacionados com a fotografia constitui-se das
legendas utilizadas como referência, reforço, identificação, esclarecimento ou mesmo
direcionamento da leitura não só imagética como também verbal daquilo que a notícia trata.
Esta é uma estratégia comunicacional possível no campo da fotografia jornalística, o
enunciatário é manipulado para ler a fotografia segundo ordenamentos e prioridades
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estabelecidas pelo enunciador. Um outro saber é adicionado à imagem com a finalidade de
tornar mais evidente sua presença ou função.
A fotografia numa página de jornal não está sozinha nem mesmo isolada do contexto
verbo-visual em que esta página se constitui. Posição e dimensão da fotografia significam
mais do que podemos imaginar em termos de estratégias no âmbito do fotojornalismo.
Tomando apenas como exemplo a primeira página de um jornal vamos perceber que na parte
superior desta página, na maioria das vezes, há uma foto cujas dimensões aproximam-se de
um quarto do tamanho da página. Sua legenda é quase sempre uma pequena referência que se
refere à matéria (texto escrito e comumente indicado pela manchete ou por um lead nesta
mesma página para o qual se remete no contexto do jornal). Neste caso, à dimensão espacial
relaciona-se também uma dimensão conceitual ou ideológica indicando o quanto aquela
matéria é importante. Através desse jogo gráfico o enunciador manipula o enunciatário na
identificação de um objeto de valor que deve ser por ele adquirido através de uma dada
matéria.
De modo geral, tanto em jornais como em revistas, as fotografias funcionam, na
maioria das vezes, como âncoras de sentido para o texto verbal que está em discussão, neste
caso, elas têm uma autonomia relativa. Se nos prendermos exclusivamente ao texto
fotográfico, a informação é prejudicada e o sentido é incompleto, há uma simbiose entre texto
verbal e texto fotográfico do qual a mídia jornalística não pode prescindir. Até mesmo nas
mídias eletrônicas veiculadas pela internet, esta relação simbiótica é preservada.
Os demais elementos que convivem com a fotografia na editoração jornalística e que
compõem o objeto noticioso além das legendas são leads e manchetes. As legendas, como já
indicamos, são pequenos textos elucidativos ou condutores que acompanham as fotografias e
vem, em geral, abaixo delas. Os leads são textos curtos, em corpos gráficos maiores do que o
texto corrente e se caracterizam por descrever situações, estados ou ainda apresentar a
matéria de modo rápido e sintético. Os leads são utilizados para abrir seções, indicar
conteúdos, apresentar assuntos. As manchetes são textos em corpos gráficos bem maiores do
que os utilizados para as leads, cuja função é indicar o assunto principal ou matéria em
destaque naquela edição ou notícia. Se pensarmos numa hierarquia mínima de corpos
gráficos utilizados numa edição jornalística, dos maiores para os menores, teríamos: as
manchetes, os leads, os tópicos ou títulos das matérias e finalmente o corpo do texto,
distribuído em suas respectivas colunas. Estes elementos, mais a fotografia e demais imagens,
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utilizadas na estrutura das edições jornalísticas, compõem o que se chama de mancha gráfica,
ou seja, a configuração visual geral do objeto impresso.
Edição fotográfica (texto e legenda)
Cabe dar atenção especial à fotografia pois, atualmente, nos periódicos impressos, ela é
parte integrante do texto jornalístico, faz parte do todo e é exatamente assim que devemos
analisa-la semioticamente e não como uma imagem isolada e acoplada a uma notícia,
tampouco como sua ilustração.
Embora seja uma atitude muito comum o entendimento de que a fotografia apenas
ilustra a matéria, em alguns casos é exatamente isto que acontece, no entanto, não é a regra
absoluta e nem tampouco o desejável no contexto da comunicação social.
Sendo a fotografia parte ou o próprio texto jornalístico, conseqüentemente, ela está
associada aos seus elementos relacionais e coadjuvantes na construção de sentido como sua
legenda e ao texto ao qual se refere, complementa ou dialoga justamente por suas
características especulares e referenciais.
O texto verbal, herdeiro da narrativa, da transmissão oral de informações entre pessoas,
foi a primeira mídia de comunicação social, assim sendo, é fácil entender sua prevalência
sobre os demais meios de comunicação. O advento da fotografia trouxe conflitos e confrontos
com o verbo até instaurar-se como um meio sucedâneo, alternativo, complementar e mesmo
autônomo de informação.
Não temos dúvida de que a imagem fotográfica constitui-se num texto completo e
eficiente de informação, no entanto, dentro do contexto da tradição jornalística, é mantido na
maioria das vezes acoplado ao texto verbal. Por outro lado é bom entender também que ela se
mantém relacionada ao sentido geral da página jornalística em si compondo, em pé de
igualdade, o que se chama de mancha gráfica. Neste caso, o editor fotográfico, ao editar uma
imagem, o faz relacionando-a ao todo da notícia e, conseqüentemente, vinculando-a ao todo
da página, quer tenha consciência dessa vinculação ou não.
Relacionar uma imagem ao todo da notícia implica em estabelecer elos de ligação entre
informações anteriores e paralelas ao fato em si. A relação interssemiótica que se estabelece
na atualização enunciativa convoca para o discurso informações precedentes e correlatas de
tal modo que o enunciatário deslinda um emaranhado de situações e formula, ele próprio, seu
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objeto noticioso tomando como ponto de partida os elementos indicados e articulados na
página jornalística como um todo.
Este objeto noticioso, conforme estamos concebendo é um recorte que pode recair,
especialmente e em certos momentos, sobre uma foto, em outros sobre um texto, uma
legenda, uma manchete, um lead ou mesmo numa chamada, título ou tópico desde que sua
relação com o contexto noticioso em que se inclui caracterize um enunciado e contribua para
esmiuçar seu sentido.
Uma notícia nunca está sozinha, ela é parte de um saber coletivo e em constante
processamento do qual faz-se um recorte arbitrado por diversos interesses, daí a questão
ideológica. Vale a pena voltar a tocar na questão da fotografia neste contexto. É fácil
constatar que a fotografia cumpre, na maioria das vezes, a função de âncora de sentido, neste
caso âncora visual, onde e a partir dela enunciador e enunciatário desenvolvem as relações de
sentidos. Estes sentidos podem estar priorizados na imagem, no verbo ou ainda estarem
integrados no texto jornalístico global. Um dos percursos mais comuns na leitura jornalística
é o seguinte: a imagem atrai o olhar e remete para a legenda, a legenda esclarece a imagem e
remete ao texto, o texto desenvolve a informação introduzida pela imagem. Quase sempre a
imagem cumpre a função de dar credibilidade ao texto, deste modo é que se desenvolvem os
contratos veridictórios.
Se a fotografia busca o olhar, este olhar deve ser consciente, a imagem deve ser
traduzida imediatamente ao ser tocada pelo olhar. Se a identificação da imagem não é
imediata, o risco de que a transferência de informações não ocorra é grande. Temos
acumulado na memória um sem número de imagens e informações visuais. Estas informações
são traduzidas em sentido quase que simultaneamente ao ato de perceber. É fácil decodificar
uma fotografia: é um local? Onde? Como ele é? Quais são suas dimensões e aparência? É
uma pessoa? Quem é ela? Onde se encontra? Quais são suas condições? Sua indumentária?
Sua aparência física? Sua raça? É um objeto? O que ele é? Como se parece? Para que serve?
Como funciona? Estas e outras perguntas podem ser respondidas em milésimos de segundo,
num átimo de olhar.
A força informativa que as imagens possuem já havia sido percebida há muito, talvez
desde a pré-história, mas o uso consciente da fotografia para informar só se desenvolve com a
imprensa industrial do século XX e a grande conquista da imprensa industrial é justamente o
fotojornalismo. O fotojornalismo, tomado como fotografia documental, abre mil janelas para
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o mundo. Países distantes, culturas peculiares, fatos e eventos tomadas na dureza de seu dia a
dia acabam sendo nossos pontos de referência para o mundo. As fotografias passam a atuar
também como registros antropológicos e, desenvolvem uma antropologia visual tão rica, que
se transforma em texto autônomo e nos fala à respeito de certas situações, de certas
personalidades, de certos acontecimentos que marcam nossa memória de tal modo e por tanto
tempo que é quase impossível, hoje em dia, prescindir delas.
Os próprios jornais e revistas passam a ser arquivados, microfilmados e mantidos em
bibliotecas públicas no intuito de preservar a memória histórica da humanidade. Podemos
recuperar até mesmo as informações sobre os eventos que não presenciamos, que não
ocorreram em nossa época mas que podemos tornar presentes numa simples visada.
A recuperação visual de imagens, a concorrência de outras mídias de comunicação
como a televisão e mesmo o rádio, mantém ativa nossa memória de fatos e eventos fazendo
com que as publicações jornalísticas atualizem diária, semanal ou mensalmente nossas
informações sobre o mundo mantendo as fotografias como elementos vivos de significação,
ou seja, continuamente atualizados através de relações intersemióticas.
Assim sendo, ao tomar uma fotografia como esta âncora de sentido devemos analisa-la,
enquanto parte destes objetos noticiosos de modo que fique evidenciada a relação:
foto/legenda/texto.
Contratos de veridicção (fazer crer)
O maior número de fotografias editadas em jornais e revistas relacionam-se aos
contratos veridictórios. Servem para ancorar o sentido daquilo sobre o que a matéria trata.
Mostrar como é a pessoa sobre a qual falamos, como é o local onde realizamos a reportagem,
qual é a situação ambiental ou espacial do evento, em que estado as pessoas ou o ambiente se
encontram e assim por diante.
O Dicionário de Greimas e Courtés2 trata, entre outras acepções de contrato, do
contrato enunciativo e o define, com base na proposição de F. Nef, como um contrato de
veridicção, estabelecido entre o enunciador e o enunciatário, onde o objeto de valor é uma
convenção fiduciária do tipo fazer-crer onde se pretende evidenciar o estatuto veredictório
2 GREIMAS. A. J., COURTÉS, J. Semiótica: Diccionario razonado de la teoría del lenguaje. Trad. Enrique Ballón Aguirre y Hermis Camodónico Carrión, Madrid, Gredós, 1990
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no dizer-verdade do discurso-enunciado. Assim sendo, o contrato fiduciário, pode instalar-se
numa evidência imediata (certeza) ou vir precedido de um fazer persuasivo (um fazer-crer)
do enunciador que implica num fazer interpretativo (crer) do enunciatário.
Floch3, por sua vez, reforça que a iconicidade é um contrato enunciativo. E distingue a
questão da iconicidade dizendo encontrar-se diante de um fazer-crer, cujo objeto é a
fidedignidade, definindo a iconicidade como o estatuto (modal) veridictório da dimensão
figurativa de um discurso. E continua sua explanação dizendo que isto, dentro do percurso
gerativo, aparece como a produção de efeito de sentido de realidade por meio de
procedimentos discursivos, (de natureza semântica ou sintática), por reconhecermos no
quadro figuras do mundo natural, damos ao todo ou a um fragmento do todo (o discurso), um
valor de verdade.
Ainda no Dicionário de Greimas e Courtés, vale a pena tomar o verbete sobre a
iconicidade. Em semiótica visual, iconicidade refere-se a uma certa analogia com o mundo
natural embora não se deva considerar que a iconicidade em si não possa ser dedicada
exclusivamente à semelhança com o visual, onde a fotografia jornalística se encontra, mas
também, com o sonoro o olfativo e demais sensações referenciadas ao mundo natural.
Daí concluímos que a iconicidade é um conjunto de procedimentos (estratégias
enunciativas) destinados a produzir um efeito de sentido de realidade no discurso chamada
também de ilusão referencial que se configura como uma iconização (dentro do percurso
gerativo) a última etapa do procedimento de figurativização do discurso que se refere a
conversão dos temas em figuras (a figuração), sendo que a iconização dota as figuras de
características capazes de produzir esta ilusão referencial.
Por sua índole especular a fotografia é pródiga na capacidade de aparentar-se como o
mundo natural. Ela se mostra como se fosse o mundo natural, embora saibamos que esse seu
“ser natural” é relativo. A imagem produzida fotograficamente tem um alto potencial
figurativo à medida que suas estratégias enunciativas lançam mão de recursos óticos e
químicos, capazes de registrar as emanações luminosas (fotônicas) do mundo natural,
mantendo com ele um alto grau de similaridade facilitando nossa crença na verdade
referenciada ao meio do qual estas imagens emanam. Ao mesmo tempo, a fotografia requer
também uma abordagem sincrética pois, a todo o momento, convoca outras instâncias de
3 FLOCH, Jean-Marie. La iconicidad: exposición de una enunciación manipolatoria, análisis semiótico de una fotografía de Robert Doisneau. In AGUILAR, Gabriel Hernández (seleção, tradução e introdução) Figuras Y estrategias: en torno a una semiótica de lo visual. México, Siglo Veintiuno Editores, 1978.
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conhecimento para o desenvolvimento de seus próprios sentidos, especialmente no
fotojornalismo que, como já dissemos, há uma relação intrínseca entre foto/legenda/texto.
Lembrando Landowski4 “Independente das concepções ou dos preconceitos refletidos
no seu modo de construção, bem como daquilo que “representa”, uma imagem é com efeito,
de início, por si mesma, presença. Ela nos põe imediatamente em contato com alguma coisa
que não é um discurso sobre alguma coisa que não é um discurso sobre algum referente
suposto (...), mas que é, nem mais nem menos, a presença da própria imagem enquanto tal,
como realidade plástica”. Assim sendo e à medida que as imagens fotográficas são capazes
de registrar pessoas, fatos, eventos, objetos e ambientes tal como eles se parecem e se
apresentam a nós no mundo natural, é aceitável que os veículos de imprensa se utilizem delas
como presenças efetivas para dar credibilidade à informação. Neste caso a credibilidade da
fotografia é transferida ao texto jornalístico como um todo e não só à imagem fotográfica, é
deste modo que estamos colocando esta presença da fotografia como uma âncora de sentido
eficiente.
Estudos de caso
No universo incomensurável do jornalismo impresso, a tarefa de selecionar um objeto
noticioso, conforme estamos entendendo aqui, poderia ser difícil à medida que fossemos
pontuar esta análise com imagens emblemáticas do fotojornalismo, no entanto e para dar
maior mobilidade à análise, vamos fazer uma seleção cujo critério é manter estes objetos
noticiosos o mais próximo possível do dia a dia do jornalismo, de tal modo que seja fácil
tomar exemplos no cotidiano de nossos jornais e revistas mais conhecidos. Por outro lado não
desenvolveremos uma análise ortodoxa dentro da semiótica discursiva para não tornarmos
complexa a tarefa de descoberta de sentidos e, ao mesmo tempo, dar familiaridade aos nossos
colegas e leitores das possibilidades e recursos instrumentais que a semiótica greimasiana
apresenta para abordagens no campo social.
Alguns exemplos em VEJA
“Inferno na Chechênia”, páginas 52 e 53 do dia 8 de dezembro de 1999. (Ilustração 1)
4 LANDOWSKI, Eric. Masculino, feminino, social. In Nexus, Revista de Estudos Comunicação e educação. Anhembi-Morumbi, ano II, No.3, pgs. 14-15, São Paulo, Terra, 1998 .
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Nesta matéria sobre a Chechênia, vamos analisar sua estrutura enquanto objeto
noticioso, segundo os preceitos que foram colocados ao longo deste texto. Sua estrutura
gráfica é composta por duas páginas conjugadas onde acima e à esquerda se lê a manchete:
“INFERNO NA CHECHÊNIA” abaixo da tarja: “Internacional”. Ainda à esquerda e abaixo
da manchete o lead diz: “Com bombardeios sem dó, a Rússia tenta mostrar que seu Exército
ainda merece respeito” o texto é distribuído entre a manchete e a parte inferior da página da
esquerda em três colunas aberta pelo lead, continua na parte esquerda da página seguinte
numa coluna vertical que vai da manchete ao pé da página. A matéria é composta ainda por
duas fotos, uma à esquerda e ao pé da primeira página (com legenda acima e à direita) e outra
à direita (com legenda abaixo e à esquerda) tomando toda a lateral direita da segunda página.
A da esquerda mostra soldados em ação, disparando canhão no campo de batalha; a segunda
mostra uma criança ferida num leito.
Trabalhando segundo a metodologia da semiótica discursiva, devemos reconstruir o
percurso gerativo de sentido5 do texto, que neste caso estamos chamando de objeto noticioso,
de tal modo que possamos identificar seus elementos significativos e produtores de sentido.
O enunciador é instaurado pela manchete que atrai o olhar e remete para a foto da
direita onde se encontra a criança ferida. Na legenda o texto esclarece: Ferido em Grozni:
“semidestruída e com hospitais lotados, a capital chechena espera ataque final”. O percurso
do olhar remete em seguida para a foto que se encontra à esquerda, a do campo de batalha,
cuja legenda diz: “Artilharia pesada contra a guerrilha: metade da Chechênia sob domínio
russo”. Só depois deste percurso do olhar é que o enunciador é levado ao lead da matéria que
a introduz e desenvolve.
Menos importante é o conteúdo cognoscitivo da matéria que trata das condições e
demais detalhes da guerra, o que de fato importa é a leitura de impacto realizada em frações
de segundo, pela primeira visada da matéria. É nisto que se constitui o que estamos
chamando de objeto noticioso, numa estrutura significativa que desenvolve sentidos de uma
forma dinâmica e direta, criando uma relação de conteúdo (valor a ser permutado) entre
enunciador e enunciatário que tem significado antes mesmo da presença do texto verbal. A
5 Percurso Gerativo de Sentido. Segundo o Dicionário de Greimas e Courtés, constiui-se no caminho que se percorre para o desvelamento do sentido de um texto; o percurso pode desenvolver-se segundo um ordenamento linear de elementos ou numa progressão de um ponto a outro segundo três níveis de estruturas: semio-narrativas, discursivas e fundamental. De modo geral o percurso gerativo trata-se do modo de como um sujeito adquire competência para assimilar um dado valor.
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essência da matéria já está instaurada na estrutura de tal modo que a leitura do texto verbal é
uma opção secundária e a posteriori.
O valor a ser permutado entre enunciador/enunciatário é um saber sobre a guerra, sua
violência, sua impessoalidade, sua destruição e seu sofrimento. Estes são dados
característicos de todas as guerras e não exclusivos desta guerra em si. Esta recorrência ao
sentido geral e comum da guerra é que mobiliza a enunciação e produz seus significados
específicos.
As fotos, por sua vez, além de conduzir o olhar, vão coadjuvar os valores, sentidos e
sentimentos apontados inicialmente. Atuam como indicadoras de causa e efeito: se de um
lado se vê os bombardeios, de outro se vê uma das vítimas. A vítima, por sua vez, é uma
criança. Esta informação reforça a idéia da impessoalidade e da crueza da guerra, não são os
combatentes que sofrem as agruras do combate, mas aqueles que nem sabem para que serve o
combate, são as vítimas inocentes e que mais sofrem.
“Entre inimigos”, página 54 do dia 8 de dezembro de 1999. (Ilustração 2)
A instauração do enunciador nesta matéria é realizada pelas fotografias que se
encontram à esquerda superior e à direita inferior da página. Na foto superior vêem-se
pessoas alegres, sorrindo, gesticulando e libertando pombos, na foto inferior outra pessoa
sorrindo. Os valores em pauta são essencialmente alegria e júbilo, o sentido é construído em
torno destes sentimentos. A este estado de espírito contrapõe-se a manchete: “Entre
Inimigos”, em seguida o lead começa a esclarecer os demais elementos coadjuvantes da
matéria: “Governo reunindo católicos e protestantes leva esperança de paz à região
conturbada” em seguida lê-se acima: “Internacional - Irlanda do Norte”, com isto obtêm-se a
essência do percurso de sentido instaurado na enunciação: esperança de paz entre católicos e
protestantes na Irlanda do Norte.
A força das fotos reside em alguns argumentos de ordem simbólica e especulares. A
ordem simbólica é representada pelos pombos, que tradicionalmente associam-se à paz e a
espiritualidade, a especularidade fotográfica tem o poder de constatar e mostrar as pessoas
felizes e sorrindo, estas atitudes, por contágio, enunciam e enaltecem sentimentos de
amizade, esperança e alegria que o objeto noticioso traz em sua essência.
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“Quer ver ao vivo?”, página 111, do dia 08 de dezembro de 1999. (Ilustração 3)
Uma foto horizontal na parte superior da página instaura o enunciador. Nesta foto uma
baleia salta, em pleno mar, sob as vistas de várias pessoas situadas em um barco à uma certa
distância dela. A legenda: “ O show das baleias: tão perto que chega a dar medo”. Integrando
a foto ao texto há uma chamada “Ambiente”, em seguida a manchete pergunta: “Quer ver ao
vivo?” e o lead esclarece: “Baleias, pingüins e leões marinhos atraem turistas ao litoral sul da
Argentina”. Esta é a situação típica à qual nos referíamos ao dizer que a foto atua como uma
âncora visual e, neste caso, induz-nos ao percurso gerativo de sentido na matéria jornalística.
Toda a tensão da matéria é concentrada na foto superior, a baleia a meio corpo fora da
água, prestes a cair de novo no mar, chama a atenção para a cena composta por ela e o barco
apinhado de pessoas interessadas em vê-la nadar. O apelo que se faz, ou o valor que se
trabalha nesta matéria, é a questão do respeito ao meio ambiente, e a preservação da natureza,
mesmo em situações de exploração turística. O que se pretende é valorizar o turismo
ambiental e em equilíbrio com a natureza, a forma de exploração turística politicamente
correta dos anos noventa. A figura à direita, um recorte do mapa da Argentina, mostrando o
local onde este evento se desenrola, e a foto colocada na parte inferior da página (mostrando
pingüins em seu habitat) dão credibilidade à informação veiculada: há um lugar no espaço
que podemos verificar através do mapa e um lugar na natureza que podemos constatar pela
foto.
“Cai a máscara dos ricos”, páginas 184, 185, 186, 187 do dia 8 de dezembro de 1999.
(Ilust. 4)
A enunciação instaura-se pela foto que está à esquerda e acima da página dupla em que
se constitui esta primeira parte da matéria. A foto mostra um homem, em primeiro plano
contra um fundo esfumaçado e desfocado, que num gesto de arremesso, na mão esquerda
segura algo fumegante prestes a ser arremessado. Nesta foto, a imagem estabelece uma
metáfora com o título da matéria através deste homem que tem no rosto um lenço, que lhe
serve de máscara e, ao cair, revela parte de sua face. O título da sessão: “Economia e
Negócios”, integra parte da foto e a manchete coloca-se logo abaixo e invade, ao lado direito,
a segunda página: “CAI A MÁSCARA DOS RICOS” e a lead: “Os países desenvolvidos
mostram a face do neoprotecionismo na conferência de Seattle”. Completando a composição
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superior das duas páginas, à direita e acima uma outra foto, menos impactante visualmente,
mostra uma multidão que caminha agitando braços e faixas. O texto distribui-se
horizontalmente entre as duas páginas e tem ao centro um quadro nomeado: “Mais fechados
do que nós” com bandeiras indicando: Canadá, Japão, União Européia e Estados Unidos.
Nas duas outras páginas seguintes que constituem a matéria, mas que não é o foco de
nossa análise: o texto é colocado acima dividido por uma foto do Presidente Bill Clinton de
punho em riste em frente a microfones. Em horizontal, abaixo do texto, outro quadro de
indicadores do protecionismo americano.
O sentido enunciado é o clima conturbado de uma manifestação pública. A convocação
de todas as outras imagens de manifestações públicas são trazidas para este discurso à medida
em que o manifestante que se prepara para arremessar algo, que pode ser uma bomba de gás
lacrimogêneo, o lenço no rosto, a fumaça compõem um quadro que está presente na memória
de todos que convivem com a mídia ao longo de todos estes anos. A foto da passeata também
convoca todas as outras passeatas que foram tratadas pela mídia impressa, logo a metáfora,
começa pelo lenço traduzido em máscara que cai e continua pela passeata que convocam o
sentido de protesto que mobiliza as ações coletivas.
A matéria trabalha com questões contraditórias pois o protesto evidenciado pelas fotos
não se refere à indignação de pessoas dos países mais pobres que têm de submeter-se às
agruras de uma economia globalizada e protecionista, mas sim dos próprios cidadãos dos
países mais ricos por quererem a manutenção do protecionismo e da não globalização.
Nesta matéria evidencia-se, novamente, o uso da fotografia como âncora visual e
principalmente como recurso estratégico para mobilizar a atenção do enunciatário.
“Os Cybermanos”, página 134, 135 de 8 de dezembro de 1999. (Ilustração 5)
A foto que ocupa, praticamente, um terço de todo espaço destinado à matéria (duas
páginas), mostra um grupo de jovens, ao entardecer, entre linhas férreas. O título da sessão:
“Comportamento” é seguido pela manchete: “Os Cybermanos” e a lead explica: “Jovens
pobres que imitam os clubbers ricos formam a nova tribo da periferia de São Paulo”.
Há, nesta matéria, duas questões veredictórias a serem constatadas: uma que mostra os
jovens vestidos à semelhança dos clubbers, o que se pode constatar pelas cores e
extravagâncias da indumentária e outra que mostra suas origens humildes: o local onde são
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fotografados, os trilhos de ferrovia que referenciam-se aos trens que ligam o subúrbio ao
centro urbano. É a fotografia que faz esta relação e inicia a leitura. Sua legenda remete à
matéria: “Cybers de Campo Limpo: infundindo cor a um cotidiano cinzento”. Uma segunda
foto está colocada à direita e em baixo da segunda página e tende apenas a reforçar a
aparência do visual “clubber” destes jovens, é uma imagem recorrente, ou melhor,
redundante que reforça apenas o parecer igual, pois a questão principal é apenas a da
aparência já que as condições sociais para que estes jovens sejam mesmo clubbers é
inexistente.
A fotografia, neste caso, passa- a cumprir uma de suas funções sociais mais
importantes: a de registro antropológico. A antropologia visual de nosso século (porque não
dizer antropografia), contou com a participação contínua e profícua da fotografia que, além
de ser um registro de fatos e eventos, foi também um registro de estados sociais e
circunstâncias, daí sua importância enquanto referência atualizadora de conhecimento, de
sentidos e significação para a nossa sociedade.
Outros exemplos: a primeira página do jornal.
Devemos considerar que a primeira página de um jornal é uma vitrine, uma
amostragem sumária daquilo que ele traz internamente, portanto, a estrutura gráfica é
completamente diferente daquelas das páginas de revistas que mostramos, conseqüentemente
as análises não terão o mesmo teor das análises das matérias anteriores pois agora não
analisaremos as matérias e sim os apelos visuais e gráficos que constituem uma primeira
página. Neste caso, esta é uma análise de superfície de ordem essencialmente descritiva e não
tem a intenção de comparar jornais com revistas, assim, não há nenhum problema em usar
exemplos que tenham estruturas diferenciadas.
As manchetes, leads e fotografias compõem um todo mais complexo do que uma
matéria. Numa matéria interna de um jornal a estrutura gráfica é parecida com a estrutura das
matérias das revistas, o mesmo não acontece com a primeira página, por isso optamos por
desenvolver algumas análises a título de aproximação com este objeto.
Numa primeira página estão presentes muitos enunciados e muitos sentidos são
convocados simultaneamente para a leitura, deste modo não há como tratar uma primeira
página como notícia, mas sim como configuração articulada para atrair o leitor, ou seja um
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enunciado onde o enunciatário passa a ser o sujeito prioritário da enunciação. Neste caso
devemos olhar como este sujeito é instaurado e convocado para se relacionar com este objeto
impresso e quais os apelos que orientam seu percurso do olhar.
Um primeiro aspecto, que dever ser levado em conta, é que o jornal se apresenta, na
maioria das vezes dobrado ao meio na sua altura isto faz com que em sua metade superior,
além da presença de seu nome no topo horizontal (sua identidade editorial), se concentre a
maior quantidade de apelos visuais e gráficos.
Com a imprensa industrial e os avanços tecnológicos a maioria dos jornais, hoje em dia,
utiliza cores em sua impressão, pelo menos em suas páginas iniciais (e finais por serem seu
verso). Fotografias coloridas e janelas de textos também coloridas são os recursos mais
usados para atrair o olhar e a partir daí estabelecer as demais relações com as legendas,
manchetes, leads e remeter aos demais textos verbais que se encontram ao longo de seu corpo
interno.
A concorrência visual entre manchetes e fotos é comum nas primeiras páginas, numa
edição o que pode estar em destaque é uma manchete em outra uma foto embora as duas
cumpram a mesma função, de atrair o olhar e de instaurar um enunciador que irá construir o
enunciado pretendido na busca de um possível leitor.
Alguns exemplos da “Folha de São Paulo”.
Selecionamos uma seqüência de dias cinco dias do jornal “Folha de São Paulo”, do dia
28 de dezembro de 1999 ao dia 1o de janeiro de 2000 para descrever como se apresenta essa
primeira página.
No dia 28 de dezembro, (Ilustração 6) o jornal apresenta em sua metade superior, sob o
tópico”fim de ano”, numa janela horizontal esverdeada, uma fotografia à esquerda, cuja
legenda identifica: “Árvores derrubadas pela tempestade em frente ao Palácio de Versalhes,
em Paris”; à direita há três blocos de texto abertos por seus respectivos leads, um horizontal
em cima e duas colunas abaixo. A horizontal dá conta de notícias sobre o litoral paulista, a de
baixo à esquerda traz outros dados sobre a tempestade em Paris e a da direita fala sobre
pacotes turísticos no Rio de Janeiro. Todos remetendo, ao final, às respectivas páginas e
cadernos.
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Logo abaixo um lead diz: “Motim em Santo André dura 17 horas: justiça havia
determinado a retirada de internos na semana passada” e em seguida vem a manchete:
“Rebelião de menores mata 1 e fere 7”. Abaixo da manchete uma foto de um ambiente em
chamas invade a metade inferir da página estimulando o leitor a desdobra-la. Ao contrário do
que se esperava, a foto não se refere à rebelião, cujo apelo estabelecido pela manchete e pelas
chamas da imagem, a legenda esclarece: “EM CHAMAS incêndio atinge lojas do centro
histórico de Belém (PA); o fogo, controlado em duas horas por bombeiros, não deixou
feridos, mas destruiu dois estabelecimentos que funcionavam em um prédio construído em
1882”. À esquerda há uma coluna com informações sobre o Imposto de Renda e à direita
outra coluna com informações sobre a rebelião em Santo André à qual a manchete se refere.
Mais abaixo um conjunto de blocos de notícias identificados por tópicos e leads, na parte
inferior uma outra foto chama a atenção, mostra um avião ao fundo e, em primeiro plano, um
grupo de sete pessoas armadas caminhando no sentido do fundo para a frente da cena. A
legenda: “ALERTA Milicianos do Taleban circulam perto do avião detido por seqüestradores
no Afeganistão; o grupo ameaça invadir o aparelho caso haja violência contra reféns”.
O que se percebe nesta primeira página é um “jogo dos olhares”, ou seja, as estratégias
visivas utilizadas para instaurar enunciadores através de chamadas visuais impactantes. Com
o jornal dobrado o que se vê encima é a foto do vendaval na França, mas o que atrai o olhar
de fato é a manchete sobre a rebelião em Santo André, coadjuvada pela foto inserida logo
abaixo que mostra um incêndio. A manchete mais a foto trazem o olhar para esta área do
jornal estimulando o seu desdobramento pois a foto do incêndio “vaza” para a metade
inferior da página, trazendo o olhar para a parte de baixo onde são obtidos mais dados sobre
as notícias tomadas como referencia ou pontos de apoio para a leitura do jornal como um
todo. O que vale notar é que, embora a foto não se refira à rebelião, sua utilização implica
num recurso subliminar no intuito de fazer referência à ela, ou criar a ilusão de que a foto se
liga ao assunto da manchete. Apenas quando a legenda é lida é que se dá conta de que a foto
se refere a uma outra matéria, daí é que se conclui que o objetivo é a manipulação do olhar.
Na primeira página da “Folha” do dia 29 de dezembro, (lustração 7) o título “Fim de
Ano” é seguido de uma foto mostrando uma cena com muitos carros parados na estrada, em
seguida temos um lead e outra foto, colocada abaixo e ligeiramente à direita da anterior
(quase no centro da página) que “vaza” para a outra metade da página como também vaza o
fundo salmão que toma toda a metade esquerda da página, vem de cima tomando três quantos
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da página e servindo de fundo às fotos e às notícias do fim de ano. Ao desdobrar o jornal vê-
se uma terceira foto, à direita, contrapondo-se numa diagonal às duas anteriores, fechando
uma “trajetória do olhar” no desabamento de um prédio em Olinda. A manchete, colocada em
cima e à direita da página refere-se ao déficit público de 99, não é suficiente para mobilizar a
atenção neste ponto fazendo com que se volte ao percurso das fotos.
No dia 30 de dezembro, (Ilustração 8), a primeira página é aberta por uma manchete
horizontal, colocada logo abaixo de um lead também horizontal. Abaixo e no centro, ladeada
por duas colunas, uma foto mostra um garoto negro caminhando entre uma grande
quantidade de tubos, a legenda diz que são canhões dos fogos de artifício da festa de final de
ano no Rio de Janeiro em Copacabana.
Não há nenhum estimulo visual que provoque o desdobramento do jornal, tampouco a
matéria que vaza para a metade inferior da página, referindo-se à piora do trânsito nas
estradas é suficiente para tanto.
Na metade inferior, o olhar é atraído por uma foto que mostra uma pessoa envolvida
por milhares de balões de festa e a legenda diz tratar-se dos últimos retoques da decoração
num auditório de Auckland, Nova Zelândia, onde se celebrará uma das primeiras viradas para
o ano 2000. À direita desta foto um mapa mundi indica fatos e eventos em escala mundial. Os
demais blocos de notícias também não provocam maiores atenções.
No dia 31 de dezembro, (Ilustração 9), uma foto horizontal cobre praticamente toda a
área horizontal central da metade superior da página. A foto registra um número dois mil
composto por rodas gigantes e um enorme dois, em Frankfurt na Alemanha. Ao fundo vêem-
se os prédios da cidade estabelecendo uma relação de escala, dando-nos a idéia da dimensão
do número formado em primeiro plano. Abaixo a manchete refere-se ao risco de falta de luz
na passagem do milênio, apenas à esquerda uma coluna de fundo salmão vaza para a parte de
baixo, fora isto não há qualquer estímulo para que se busque a metade inferior da página,
alguns leads e foto do ex-Beatle George Harrison fecham as notícias desta página. À direita
uma peça publicitária toma toda a lateral direita da página, aumentando a despreocupação em
desenvolver uma trajetória do olhar significativa.
No dia 1o de Janeiro de 2000, (Ilustração 10) um lead abre a página no alto da página
em horizontal, fala da renúncia do presidente russo Ieltsin. O olhar é conduzido para uma foto
horizontal que toma toda metade do espaço desta parte superior e mostra os fogos na praia de
Copacabana no Rio de Janeiro na festa da passagem do ano.
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A manchete colocada logo abaixo da foto da Praia de Copacabana, abaixo de um lead:
“Virada de 2000 chega sem o bug”. Não há qualquer apelo para que a página seja aberta. Na
parte inferior, à esquerda uma foto mostra o presidente Fernando Henrique com a família na
festa de Copacabana, abaixo, alguns poucos blocos de texto referem-se às demais matérias de
conteúdo do jornal. Na metade direita novamente uma peça publicitária ocupa todo o espaço,
como no dia anterior. Da mesmo maneira que na primeira página do dia 31, a do dia 1o traz
pouca informação e também baixo apelo visual para o desenvolvimento de uma leitura mais
acurada.
Ilustrações
Alguns exemplos em VEJA “Inferno na Chechênia”, páginas 52 e 53 do dia 8 de dezembro de 1999. (Ilustração
1)
“Entre inimigos”, página 54 do dia 8 de dezembro de 1999. (Ilustração 2)
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“Quer ver ao vivo?”, página 111, do dia 08 de dezembro de 1999. (Ilustração 3)
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“Cai a máscara dos ricos”, páginas 184, 185, 186, 187 do dia 8 de dezembro de 1999.
(Ilust. 4)
“Os Cybermanos”, página 134, 135 de 8 de dezembro de 1999. (Ilustração 5)
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Alguns exemplos da “Folha de São Paulo”.
Selecionamos uma seqüência de dias cinco dias do jornal “Folha de São Paulo”, do dia
28 de dezembro de 1999 ao dia 1o de janeiro de 2000 para descrever como se apresenta essa
primeira página.
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