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A CONSTRUO DO DIREITO COMUNICAO NAAMRICA LATINA NA PRIMEIRA
DCADA DO SCULO XXI
Renata Ribeiro Rolim
ResumoNa primeira dcada do sculo XXI, a temtica do direito
comunicao ganhou impulso
na Amrica Latina com a adoo de polticas pblicas de comunicao e
cultura tendentes adesconcentrar o espao miditico e fomentar novas
vozes. O exemplo mais emblemtico ocorreuna Argentina, pas pioneiro
na formulao de novo marco regulatrio que adotou as diretrizesdo
direito comunicao como princpio organizativo de seu espao miditico.
Este trabalhoanalisa as alteraes promovidas nessa legislao a partir
do processo poltico que lhe deu causacom o objetivo de compreender
as perspectivas, limites e desafios para a positivao do direito
comunicao.
Palavras-chaveDemocracia. Liberdade de imprensa. Direito
comunicao.ResumenEn la primera dcada del siglo XXI, el tema del
derecho a la comunicacin en Amrica
Latina cobr impulso con la adopcin de polticas pblicas de
comunicacin y cultura destinadasa descentralizar el espacio
miditico y fomentar nuevas voces. El mejor ejemplo ocurri
enArgentina, pas pionero en la formulacin del nuevo marco regulador
que ha adoptado lasdirectrices del derecho a la comunicacin como
principio organizador de su espacio miditico.Este artculo analiza
los cambios introducidos en la legislacin desde el proceso poltico
que ledio causa con el objetivo de comprender las perspectivas,
desafos y lmites a la positivacin delderecho a la comunicacin.
Palabras claveDemocracia. Libertad de la prensa. Derecho a la
comunicacin.
1. INTRODUONa primeira dcada do sculo XXI, a temtica do direito
comunica-
o ganhou novo impulso na Amrica Latina. Na Venezuela, depois do
golpe
Doutora em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade
Pablo de Olavide,Sevilha/Es; professora da graduao e da ps-graduao
em Cincias Jurdicas da UFPB; coor-denadora do grupo de pesquisa
Marxismo, Direito e Lutas Sociais; colaboradora do Ncleo
deDocumentao dos Movimentos Sociais (NUDOC) da UFPE.
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de 2002, Hugo Chvez vem implementando programas de incentivo s
r-dios e TVs comunitrias, que acabou se configurando no Sistema
Nacional deMeios Alternativos e Comunitrios. Desde seu primeiro
mandato (2005/2009),Evo Morales, presidente da Bolvia, fomenta
rdios comunitrias com isenodo pagamento pelo licenciamento e uso
das frequncias, doao de equipa-mentos para organizaes de camponeses
e povos originrios e criao derede nacional. No Uruguai, em 2007,
Tabar Vzquez conseguiu aprovar noSenado lei que retirou da definio
de rdio comunitria a cobertura geogr-fica restrita.
Em 2005, foi criada a TELESUR, empresa pblica multiestatal que
con-ta com o apoio de Argentina, Bolvia, Cuba, Equador, Nicargua e
Venezuela,com o objetivo de contribuir com o processo de integrao
dos povos latino-americanos. Em 2008, o presidente do Equador,
Rafael Correa, realizou audi-toria das licenas de rdio e TV com o
objetivo de detectar presena de oli-goplios, diretos e indiretos,
bem como averiguar investimentos de institui-es financeiras
internacionais nesse setor, prticas pela nova Constituio.Um ano
antes, Correa havia implantado o canal ECUADOR TV, a
primeiraemissora estatal da histria do pas. Em 2007, Lus Incio Lula
da Silva criou aEmpresa Brasileira de Comunicao (EBC), com a
finalidade de fortalecer osistema pblico de comunicao a partir da
gesto dos canais TV Brasil, TVBrasil Internacional, Agncia Brasil,
Radioagncia Nacional e do sistema p-blico de rdio. Na Argentina, em
2007, Kirchner lanou o CANALENCUENTRO, emissora que veicula
contedos pedaggicos e cientficosfeitos no pas, na regio e por
outros canais pblicos europeus.
Exemplos como esses podem ser multiplicados e no se restringem
aoapoio aos meios sem fins lucrativos e reconfigurao do servio
pblico deradiodifuso; abrangem tambm contedos, como o incentivo
produocultural independente e estmulo indstria audiovisual
nacional.1 As mu-danas convergentes nas polticas de comunicao e
cultura se explicam porelemento comum que unem essas iniciativas:
chegaram aos governos dessespases foras polticas que propuseram
agenda oposta, de muitas maneiras eem graus diferentes,2 ao que
vinha sendo adotado pelo menos desde meadosda dcada de 1970 no
Chile e que, posteriormente, tomou o continente.
1 MORAES, Dnis de. A batalha da mdia: governos progressistas e
polticas de comunicaona Amrica Latina e outros ensaios. Rio de
Janeiro: Po e Rosas, 2009, p. 98-229.
2 Autores como Michel Lwy (2007) e Boaventura de Sousa Santos
(2008) identificam trs blocosde governo na Amrica Latina, que se
distinguem entre si em razo da estrutura socioecon-mica de cada pas
e das alianas polticas que interferem na prtica governamental: o
primeirobloco se articula em torno da Alternativa Bolivariana das
Amricas (ALBA) e formado pelaVenezuela, Cuba, Bolvia e Nicargua; o
segundo compe atualmente o MERCOSUR e contacom Brasil, Argentina e
Chile e, por fim o que se perfila com a ALCA, hoje representada
pelaColmbia.
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certo que tal oposio fez com que os governos eleitos, a partir
da ca-talisao do descontentamento popular, entrassem em choque com
os setoresbeneficiados pelas polticas neoliberais que,
entrincheirados nos meios decomunicao privados, passaram a invocar
a liberdade de imprensa para secontrapor ao direito comunicao
enquanto princpio organizativo do es-pao miditico. O caso da
Argentina o mais emblemtico: ao ser o primeiropas a definir novo
marco regulatrio da comunicao que incorporou muitasdiretrizes
daquele princpio, acabou se definindo como referncia para odebate
terico e para os que lutam pela democratizao da comunicao
naregio.
Nesse sentido, este trabalho analisa as principais alteraes
realizadasna legislao argentina a partir de estudo da organizao de
seu espao mi-ditico e da conjuntura poltica que possibilitou tal
aprovao. Sem deixar deconsiderar as profundas diferenas que existem
entre os pases latino-americanos no que diz respeito s estruturas
socioeconmica e articulaesdas foras polticas, tal abordagem
pretende compreender os desafios, pers-pectivas e limites que se
colocam para a positivao do direito comunica-o. E, para
contextualizar essa discusso, parte dos contornos conceituaisdesse
direito que, pelo menos desde a dcada de 1960, vm se desenhandona
Amrica Latina e em outras partes do mundo.
2. CAMINHOS E ENCRUZILHADAS DA DEFINIO DO DIREITO COMUNICAO
2.1. NOMIC: impasse na arena internacionalNa dcada de 1970, em
meio Guerra Fria, era difcil romper com a vi-
so geopoltica que dividia o globo em duas ideologias
inconciliveis, pormo debate sobre o fluxo transfronteiras de
informao conseguiu revelar apresena de um grupo de pases chamados
No Alinhados3 que, apesarde heterogneos, tinham interesses e
preocupaes no redutveis aos dosdois grandes blocos em disputa. O
desenvolvimento e o controle dos satlitesde difuso direta nas mos
dos Estados Unidos fizeram aumentar os temoresda influncia
econmica, poltica e cultural sobre a antiga Unio Sovitica,que
passou a se apoiar no princpio da soberania nacional para tentar
barraresse processo, e sobre os Pases No Alinhados, que, na esteira
da Nova
3 O Movimento dos Pases No Alinhados (MPNA) uma associao de
pases que se originouna Conferncia sia/frica, realizada em Bandung,
Indonsia, em 1955. Seus principais temasso as lutas nacionais pela
independncia e combate pobreza, alm de se oporem ao imperi-alismo e
ao neocolonialismo. Entre os pases da Amrica Latina que compem o
MPNA estoCuba e Colmbia. O Brasil no integra essa associao, mas
participa como observador.
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Ordem Econmica Internacional, se apressaram em se organizar em
tornoda Nova Ordem Mundial da Informao e da Comunicao (NOMIC).4
poca ficava cada vez mais claro que a informao5 participa
decisi-vamente do processo de produo da riqueza, cuja insuficincia
poderiatanto comprometer o desenvolvimento econmico como tornar
vulnerveispoltica e militarmente os pases que se descuidassem dos
investimentos nasinfraestruturas de telecomunicao. De fato, Estados
Unidos, Japo e Alema-nha, mas sobretudo o primeiro, no s fabricavam
os dispositivos tcnicoscomo tambm os alimentavam e os controlavam
amparados no modelo dofree flow of information, verso informacional
da livre circulao de capitais.Alm disso, as estratgias de
desenvolvimento estimuladas pela lgica deindustrializao
internacional e incorporadas por parte desses pases nosanos 1950 e
1960 revelavam que a noo de progresso que a embasavam, as-sentada
no binmio tradicional/moderno, negava a mudana social por meiode
processo endgeno e autodependente.6
Na esteira dessas constataes e crticas, os Pases No Alinhados
for-mularam o modelo da self realiance que, por definio, atribui
informaopapel que transborda a rea estritamente econmica,
demonstrando a neces-sidade de mobilizar todos os aspectos da vida
social. Diferentemente do freeflow of information, o campo cultural
no mais considerado setor onde seaplicam tcnicas para a conquista e
ampliao de mercados, mas terreno departicipao poltica. Por isso,
aos meios de comunicao no caberia serpropagadores da boa nova, de
um padro de consumo assimilvel pelas tcni-cas de publicidade, mas
canais de expresso que favorecem a participao dapopulao nos esforos
de mudana social. E, a partir dessas diretrizes, afuno do Estado
definida pela adoo e aplicao de polticas pblicas decomunicao e de
cultura que propiciem tal participao com aes que con-cretizem desde
a universalizao da educao e da cultura repartio de-mocrtica das
frequncias radioeltricas.
No difcil localizar as fontes do modelo da self realiance.
Durante asdcadas de 1960 e 1970, em vrios pases africanos, asiticos
e latino-americanos, vicejavam experincias de comunicao popular,
que tinhamimportante referncia terico-poltica nas contribuies do
pedagogo brasi- 4 SCHMUCLER, Hctor.Memoria de la comunicacin.
Buenos Aires: Biblos, 1997, p. 257-265.5 A construo poltica da sada
da crise estrutural da dcada de 1970 elegeu a informao comopiv.
Considerada matria prima essencial da indstria, deveria tambm
preparar mentes eespritos para a reestruturao produtiva que
possibilitaria a continuidade da acumulao ca-pitalista em escala
mais ampliada. Da que palavras como cultura, educao, informao
factual,conhecimento, saber, saber-fazer, etc. foram arrastadas
para o domnio da informao, dificultandomuitas vezes a identificao
dos temas tratados. Rtulos, como Sociedade da Informao e Socie-dade
do Conhecimento, corroboram a diluio dos sentidos daquelas palavras
e no contribuempara o avano das investigaes e dos debates.
6 MATTELART, Armand. Comunicao-mundo: histria das ideias e das
estratgias. 3. ed.Petrpolis: Vozes, 1999, p. 170-175.
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leiro Paulo Freire. Em texto no qual contrape explicitamente
comunicao eextenso, Freire7 insistia na necessidade de resgate do
dilogo relao noautoritria na qual os sujeitos intercambiam os
papeis de educador e edu-cando para verdadeira prtica social
libertadora. Demais disso, a self realian-ce tambm pde se apropriar
da contribuio das rdios livres europeias quequestionavam o
centralismo e a ausncia de pluralidade engendrados peloento
anacrnico monoplio estatal da radiodifuso.
Assim, apesar de compreender que, tanto no espao nacional
quantono internacional, os fluxos de informao so de mo nica, a self
realiance nose limitou a reivindicar nova repartio da ordem
estabelecida, baseada emndices quantitativos de circulao de
mensagens. O conceito de direito comunicao que emerge desse modelo
se debrua sobre aspectos qualitativos,evidenciando a necessidade da
emergncia de novos protagonistas, cujasdemandas, coletivas e
individuais, foram historicamente interditadas pelossistemas de
comunicao que se orientam pelas lgicas mercantil e instituci-onal
dominantes.
Coube UNESCO tentar dissipar os choques entre o princpio da
so-berania nacional, o free flow of information e a self realiance.
No entanto, a Co-misso MacBride, na qual foi elaborada o famoso
relatrio Un slo mundo,voces multiples: comunicacin e informacin en
nuestro tiempo,8 no s revelou afratura intransponvel entre os Pases
No Alinhados e os centrais, comodeixou claro que certos pases do
ento chamado Terceiro Mundo, como oBrasil, estavam mais
interessados em proteger e garantir posio privilegiadana diviso
internacional do trabalho nos mercados militar e cultural9
quefundar nova ordem internacional. Diante do impasse, e com o
relatrio apon-tando a necessidade de democratizao do processo
comunicacional intra eextra muros, Estados Unidos e Reino Unido se
retiraram da UNESCO sobprotestos de desrespeito liberdade de
informao e politizao dos debates,enquanto a Unio Sovitica
manteve-se fiel ao princpio da soberania nacio-nal como recusa
implcita para enfrentar a questo da censura poltica.
No entanto, a NOMIC foi mesmo gradualmente abandonada medi-da
que as polticas neoliberais foram ganhando espao nas agendas
polticasdos pases e nos organismos internacionais mais tcnicos,
como a Unio Inter-nacional das Telecomunicaes (UIT) e a Organizao
Mundial do Comrcio 7 FREIRE, Paulo. Extenso ou comunicao? 10. ed.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.8 MACBRIDE, Sean. Un slo mundo,
voces multiples: comunicacin e informacin en nuestrotiempo. 2. ed.
Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1988.
9 Fazia parte das pretenses dos governos do perodo da ditadura
brasileira (1964/1985) cons-truir computador nacional para fins
militares e, futuramente, econmicos. Demais disso, adoutrina da
Segurana Nacional no s se adaptou ao regime privado de produo
cultural,como tambm o incentivou: o padro Globo de novelas e sries
televisivas tambm era difundi-do por outros meios de comunicao,
perifricos e centrais, ajudando a diminuir as chancesde expresso
verdadeiramente autctone.
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(OMC), principal organizao internacional encarregada de
concretizar omodelo do free flow of information ao propor e, de
certa forma tentar impor aospases perifricos, a desregulao dos
meios de comunicao e do mercadode bens culturais.
2.2. Direito comunicao e direitos comunicaoOs resultados na adoo
do modelo do free flow of information foram
devastadores. No comeo dos anos 1980, cinquenta corporaes
globais do-minavam quase todos os meios de comunicao, mas hoje esse
nmero foireduzido para menos de oito que, no por causalidade,
representam os prin-cipais blocos de poder no mundo.10 Esse
processo se iniciou com a desregula-o do setor nos Estados Unidos e
se expandiu via OMC, consolidando estra-tgia de concentrao e
expanso global dos grupos de mdia que, depois desucessivas
modificaes nas legislaes, desestatizou as telecomunicaes,liberou a
propriedade dos meios audiovisuais e habilitou investimento
es-trangeiro nessas indstrias na maioria dos pases e regies.
Nenhuma das global players de primeiro escalo, como News
Corpora-tion, Viacom, Sony, Time Warner, Bertelsmann e Disney, so
de origem lati-no-americana. No entanto, a integrao horizontal e
vertical dos meios den-tro das fronteiras nacionais gerou
conglomerados regionais que trataram deestender continuamente sua
presena territorial mediante relaes estreitascom governos e vnculos
com empresas transnacionais e grupos financeiros.Televisa do Mxico,
Globo do Brasil, Clarn da Argentina e Cisneros da Ve-nezuela, por
exemplo, no se opem expanso do mercado de mdia global,mas esto
coordenados por intricados acordos societrios para minimizar
osefeitos da concorrncia que, de fato, est cada vez mais
reduzida.11
A integrao entre indstrias de contedo e de distribuio em
umaeconomia de escala permite diminuir os custos e, assim,
ultrapassar os con-correntes na programao e nos novos suportes
tecnolgicos de distribuioque se pretenda adquirir. Assim as
empresas globais e regionais controlamboa parte da mdia do mundo
desde a edio de livros, revistas e jornais;gravao de msica e produo
de TV; emisso de TV; canais a cabo e siste-mas de televiso por
satlite produo de filmes e distribuio nas salas decinema. Contudo,
no obstante essa articulao, a maioria dos dividendosno fica na
regio: Estados Unidos concentra 55% dos lucros mundiais gera-
10 O caso mais paradigmtico foi a fuso da AOL-Time Warner em
2001, negcio vinte vezessuperior s maiores fuses da dcada de
1980.
11 MCCHESNEY, Robert W. Mdia global, neoliberalismo e
imperialismo. In: MORAES, Dnis de(org.). Por uma outra comunicao:
mdia, mundializao cultural e poder. Rio de Janeiro: Re-cord, 2003,
p. 217-242.
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dos pelos bens culturais e comunicacionais; Unio Europeia, 25%;
Japo esia, 15% e Amrica Latina, apenas 5%.12
A ferocidade com que as empresas transnacionais, apoiadas por
seuspases de origem, se lanam no mercado cultural explicada pelas
cifras en-volvidas. Em 2003, esse mercado respondeu por cerca de 7%
do produtointerno bruto (PIB) mundial, com movimentao financeira de
1,3 trilho dedlares.13 Esse montante equipara-se s participaes das
indstrias blica epetrolfera, no entanto as atividades de criao,
produo, circulao, difusoe consumo de bens culturais representam o
setor mais dinmico da economiamundial, crescendo em mdia, entre as
dcadas de 1990 e 2000, o dobro daeconomia geral.14 Da a importncia
econmica desse setor, cujas estimativasde crescimento no foram
abaladas pela crise financeira e recesso mundial,para pases como
Inglaterra e Estados Unidos. De fato, neste o mercado cul-tural
responde por 6% do PIB e emprega 4% da fora de trabalho,
enquantonaquele representa 8,2% do PIB e ocupa 6,4% dos
trabalhadores no pas.15
O crescimento e expanso mundial do mercado cultural, alm das
dis-putas que ensejam, deram-se s custas do fechamento de espaos
para pro-dues simblicas cuja lgica interna no se adequa ao retorno
comercialmais imediato, o que acabou por imprimir novos desafios
para os sujeitosque, a partir de suas prticas e lutas cotidianas,
procuram influir na atualiza-o do direito comunicao como princpio
de organizao do espao midi-tico.
As experincias de comunicao popular das dcadas de 1960 e 1970na
Amrica Latina colocavam como horizonte, e possibilidade, a
concretiza-o do direito comunicao a partir da criao de dispositivos
de comunica-o alternativos, considerados como tais aqueles em que,
em grandes linhas, apropriedade e o controle so coletivos,
orientam-se pelo princpio da amplaparticipao na escolha dos temas e
elaborao da programao e emitemdiscurso antiautoritrio. certo que
tais diretrizes deveriam ser ajustadasconforme as caractersticas do
veculo imprensa, rdio, vdeo, super 8, tea-tro etc. mas o contedo
das mensagens era considerado o elemento comumdessas prticas.16 No
o caso aqui de proceder ao balano dessas alternativas,basta pontuar
que seu objetivo primordial consistia em criar enclaves demo- 12
CANCLINI, Nestor Garca. Los pases latinos en la esfera pblica
transnacional. Revista Ob-servatrio. Dossier Economa y cultura.
Buenos Aires: Secretaria de Cultura, n. 1, novembro,p. 45,
2004.
13 PORTA, Paula. Economia da cultura: um setor estrategico para
o pais. Disponivel em:. Acesso em: 20 jul. 2012.
14 UNCTAD. World Investment Report 2004. Disponivel em: , p. 5.
Acesso em: 12 jul. 2012.
15 PORTA, Paula. Op. cit.16 GRINBERG, Mximo. A comunicao
alternativa na Amrica Latina. Petrpolis: Vozes, 1987,p. 25-30.
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crticos, lugares de certa forma puros, fora da histria e
ausentes de contradi-es, desprezando, assim, as relaes de fora e a
orientao hegemnica queimprimem as prticas e as formas de organizao
adotadas pelos veculosmassivos.17
Dada a dimenso que as estratgias oligoplicas e descentralizadas
daempresa-rede adquiriram no contexto atual, tal perspectiva foi
amplamentedescartada. Para os mltiplos sujeitos que lutam pela
democratizao dacomunicao no se trata de focalizar determinado
segmento do sistema,mas reformular o conjunto do espao miditico
sistemas privado, pblico ecomunitrio/alternativo com a perspectiva
de garantir a diversidade qualita-tiva de vozes. Em outras
palavras, reivindica-se espao para as rdios comu-nitrias, que em
muitos pases esto criminalizadas; controle do setor priva-do, que
faz uso socialmente indevido do bem comum que o espetro
radioe-ltrico, e reformulao e/ou criao do servio pblico de
radiodifuso, quemuitas vezes instrumentalizado pelos governos da
ocasio.
Em 2001, a Plataforma pelos Direitos da Comunicao, grupo
queaglutina organizaes no governamentais (ONG) internacionais com
ativi-dades em meios de comunicao e que tem entre suas principais
impulsio-nadoras a Associao Mundial para a Comunicao Crist (WACC,
em in-gls), lanou a Campanha pelos Direitos da Comunicao na
Sociedade daInformao (CRIS, sigla em ingls). Essa campanha mundial
direcionou-separa influir na Cpula da Sociedade da Informao
(CSI),18 mas tambmcolocou-se a tarefa de transbordar seus limites a
partir da divulgao da te-mtica do direito comunicao e dos parmetros
para sua realizao. Nessesentido, CRIS lanou em 2005 o Manual para
avaliao dos direitos comunica-o, buscando traduzir para a linguagem
dos direitos humanos experinciasrealizadas em pases como Filipinas,
Colmbia, Qunia e Brasil.19
Com a perspectiva de romper com a tradicional diviso dos
direitoshumanos em, por um lado, direitos civis e polticos e, por
outro, direitoseconmicos, sociais e culturais, o Manual se refere
aos direitos comunicao,no plural, articulando-os de forma
interdependente em quatro pilares: esferapblica, conhecimento,
direitos civis e direitos culturais. No pilar da esferapblica esto
includos liberdade de expresso e diversidade e pluralidade demeios
e contedos; no conhecimento, disponibilidade de conhecimento rele-
17 Em outro texto (ROLIM, Renata Ribeiro. Direito comunicao:
possibilidades, limites econtradies pra a lgica dos movimentos
sociais. Recife: 8 de Maro, 2011), tive oportunidadede discorrer
sobre o alternativo em comunicao e as possibilidades de incorporao
de suasdemandas pelo direito positivo.
18 A Cpula da Sociedade da Informao foi evento internacional
organizado pela UIT com oobjetivo de discutir as tecnologias de
informao e comunicao. Houve duas etapas: a pri-meira em 2003 em
Genebra e a segunda em 2005 na Tunsia.
19 CRIS. Manual para la evaluacin de los derechos a la
comunicacin. 2005. Disponvel em:. Acesso em: 22 jun. 2012, p.
9-10.
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vante e regime equilibrado de intercmbio com medidas e prticas
de apoio;no direito civil, direito honra e privacidade e, por fim,
no direitos culturais,a possibilidade de se comunicar na lngua
materna e estmulo ao intercmbioe identidade cultural. O Manual
ainda ressalta o direito de participar ativa-mente, em nvel
nacional e internacional, da formulao e implementaodas polticas
pblicas de comunicao, conhecimento e cultura como
direitotransversal a todos os pilares, diferenciando os direitos
comunicao domero acesso informao e comunicao.20
Desde 2006, o direito comunicao ganhou espao privilegiado noFrum
Social Mundial, no entanto as ONGs no tiveram fora suficiente
parainserir o termo como parmetro da discusso na CSI, muito em razo
darecordao do debate ocorrido na NOMIC e na UNESCO, que tambm
dei-xou de adot-lo. Ainda assim, a partir das diretrizes colocadas
pelo Manual daCRIS, possvel vislumbrar os desafios que se colocam
para a democratiza-o do espao miditico latino-americano.
Historicamente, esse espao confi-gurou-se mediante processos de
concentrao econmica que resultaram nacriao de um reduzido nmero de
grupos de mdia nacionais detentores deposies de mercado
privilegiadas quanto produo e distribuio de in-formaes e contedos
culturais. Em geral, governos autoritrios, a despeitode exercerem
controle poltico sobre os contedos, respaldaram a lgica docapital
no desenvolvimento do rdio e da televiso criando
infraestruturaadequada sua expanso, em detrimento de investimentos
no setor do servi-o pblico e reprimindo o acesso das organizaes de
trabalhadores e demovimentos populares. A redemocratizao do
continente, sobretudo a par-tir da dcada de 1980, bem como a
convergncia tecnolgica dos ltimosanos no alteraram esse panorama;
ao contrrio, a adoo de polticas neoli-berais no campo da comunicao
social intensificou as economias de escala, aconcentrao horizontal
e vertical e a maior integrao e dependncia dosetor no sistema
global comercial.
3. ESPAO MIDITICO E CONJUNTURA POLTICA NA ARGENTINA
3.1. Pouco regulado e fortemente controladoEm busca por reverter
o processo inflacionrio, a dvida externa e o d-
ficit fiscal que perdurava desde os anos 1980, a Argentina
talvez tenha sido opas latino-americano que adotou a verso mais
rgida das polticas neolibe-rais dirigidas abertura da economia aos
grupos transnacionais, valoriza-o da renda financista, privatizao
do patrimnio estatal e remoo dedireitos trabalhistas e sociais. O
Plano de Convertibilidade estabeleceu a pa-ridade um a um do dlar
com o peso e o processo de privatizao, cujo pice 20 CRIS. Op. cit.,
p. 45-50.
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se deu entre os anos de 1990 e 1994 e que resultou em vantagens
financeirasduvidosas para o setor pblico, transferiu para grupos
econmicos locais,bancos estrangeiros e nacionais e certas empresas
transnacionais setores es-tratgicos da economia, como telefonia,
aeroportos, eletricidade, petrleo,gs, siderurgia entre outros.
Da mesma forma, possvel que tenha sido o pas da regio onde,
emtermos relativos, mais avanaram os processos de concentrao
econmica edesnacionalizao do espao miditico. Tais processos so
perceptveis natrajetria recente dos dois maiores grupos de mdia do
pas, ADMIRA e Cla-rn, que na televiso aberta so responsveis pela
retransmisso de 81% doscontedos e programas, todos de origem
estadunidense, para cerca de 60%da populao nacional.21
O grupo ADMIRA, controlado pela empresa espanhola Telefnica,
foiconstitudo pela aquisio da maior parte das aes do grupo
financeiro Citi-corp Equity Investments (CEI),22 que na dcada de
1990 possua vrios canaisde TV a cabo e de televiso aberta, alm de
emissoras de rdio e da casa edi-torial Atlntida.23 Clarn, por sua
vez, iniciou atividades no campo da comu-nicao social com a criao
de jornal em 1945 e desde 1960 scio da PapelPrensa,24 empresa que
produz e distribui papel e que atualmente controlamais de 90% do
mercado. Ingressou no setor de radiodifuso na dcada de1980 e em
2000, quando j estava estruturado como grupo multimdia, ven-deu 18%
de seu capital ao grupo financeiro estadunidense Goldman
Sachs.25Esse foi o incio de uma srie de operaes que diversificou os
negcios einverses do grupo, transbordando as fronteiras do setor
estritamente co-municacional mediante fuses com empresas
transnacionais, entre elas mon-tadoras de carros e empresas que
exploram gs e petrleo no pas.26
21 ARGENTINA. Autoridad Federal de Servicios de Comunicacin
Audiovisual. 5to. Informe deContenidos de la Televisin Abierta
Argentina. 2010. Disponvel em:. Acesso em: 20 jun. 2012.
22 Boa parte dos veculos de comunicao no absorvidos pela
Telefnica acabaram formandoparte do Grupo Hicks, Muse, Tate &
Furst Incorporated (HMT&F), de capital estadunidense(GINIGER,
Luis Pablo. Legislacin y concentracin meditica en la Argentina.
Revista delCCC, an. 1, n. 1, set./dez., 2007. Disponvel em: , p. 3.
Acesso em: 20 jun. 2011).
23 GINIGER, Luis Pablo. Op. cit., p. 3.24 A histria da criao do
grupo Clarn cercada por polmicas. Atribui-se compra da PapelPrensa,
por exemplo, ingerncia de governos da ditadura militar, aps
sequestro e julga-mento da famlia Graiver que detinha 75% do
capital da empresa.
25 interessante observar que o Goldman Sachs o grupo financeiro
que est por trs da falsifi-cao da dvida externa grega que deflagrou
o processo de desestabilizao monetria na Eu-ropa, como recentemente
revelou o EUROSTAT, instituto europeu que controla os dados
fi-nanceiros de Estados membros da Unio Europeia.
26 MASTRINI, Guillermo e BECERRA, Martn. 50 aos de concentracin
de medios em AmricaLatina: del patriarcado artesanal a la
valorizacin en escala. Material de la Ctedra de Polticasy
Planificacin de Comunicacin. Universidad de Buenos Aires. Disponvel
em:, p. 13. Acesso em: 20 jun. 2012.
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Nomos: Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
311
Essas posies privilegiadas no mercado miditico foram
conquistadasora em desrespeito lei ora mediante uso poltico do vcuo
legislativo sobrea disciplina das novas tecnologias de informao e
comunicao. Ainda sob oregime autoritrio, a Lei n. 22.285, inspirada
na doutrina da segurana nacio-nal, estabelecia repartio equitativa
de emissoras de rdio e TV entre as trsForas Armadas; proibia
expressamente a presena de cooperativas ou orga-nizaes sociais sem
fins lucrativos e impunha severos limites ao ingresso decapital
estrangeiro nas empresas do setor. Apenas em 1999, com o Decreto
n.1005 do governo Carlos Menem, foram regularizados as inverses
desse capi-tal, bem como a ampliao da acumulao do nmero de licenas
em radio-difuso e a permisso da atuao de cadeias, o que acabou
tambm por lega-lizar a transmisso permanente de uma mesma programao
para todo opas.
Estudiosos do mercado de mdia na Amrica Latina alinham-se
naconcluso de que os processos monoplicos se beneficiaram
historicamentede legislaes permissivas adotadas para ajustar
situaes de fato definidasantecipadamente pelas estratgias de
mercado dos grandes grupos de m-dia.27 Na Argentina, porm, desde a
redemocratizao em 1983 no forampoucas as tentativas que buscaram
alargar as margens da diversidade noespao miditico. No Congresso da
Nao tramitaram vrios projetos de leide iniciativa pessoal ou de
grupos, mas a sorte de cada um deles foi definidapor relaes
obscuras e alianas no explicitadas entre Executivo, parlamen-tares
e conglomerados de telefonia e mdia. Da mesma forma, com a
tecnolo-gia cada vez mais acessvel, inmeros indivduos, grupos,
movimentos soci-ais e populares, das mais diversas orientaes e
projetos polticos, passaram atransmitir sem autorizao por emissoras
que no tinham fins lucrativos aschamadas rdios truchas.28
Contando com legislao benevolente e governos generosos, os
inte-resses dos grupos de mdia estavam amplamente satisfeitos, porm
no finalda primeira dcada do sculo XXI essa situao se modificou.
Como foi pos-svel a aprovao de lei com clara orientao antimonoplica
e que abre es-pao para vozes contrrias ao neoliberalismo?
3.2. Contexto poltico: clivagens e acomodaesEssa no uma questo
fcil de ser respondida nem seria este o lugar
adequado para se debruar sobre os mltiplos fatores e contradies
muitomenos o peso de cada um deles que atuaram para essa soluo. No
entan- 27 MASTRINI; BECERRA. Op. cit., p. 2.28 SEL, Susana. Actores
sociales y espacio pblico. Disputas por la ley de servicios de
comunica-cin audiovisual en Argentina In: SEL, Susana (coord.).
Polticas de comunicacin en el capi-talismo contemporaneo. Amrica
Latina y sus encrucijadas. Buenos Aires: CLACSO, 2010, p.193.
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312 v. 32.2, jul./dez. 2012
to, possvel explicitar os contornos gerais da conjuntura poltica
desse mo-mento a partir da compreenso da ampliao do espao de
disputa pela he-gemonia que foi possvel graas, dentre outros, crise
econmica, crise dapoltica da classe dominante e presso, a partir de
certo grau de organiza-o e unidade poltica, de sindicatos,
movimentos sociais, grupos culturais ediversos atores ligados
direta ou indiretamente s lutas pela democratizaoda comunicao
social. E para isso preciso voltar a 2001.
No incio da dcada, o fracasso das polticas neoliberais era
evidente.O pas havia mergulhado em profunda crise econmica que se
expressou nadesestruturao do mercado de trabalho e na deteriorao
nos padres dedistribuio renda, com mais da metade da populao abaixo
da linha dapobreza.29 A proximidade dos parmetros estruturais do
subdesenvolvimen-to latino-americano, sem precedentes em sua
histria, propiciou intensa crisepoltica que culminou com a renncia
do governo de Fernando De la Ra(1999/2001), seguida por sucesso de
governos provisrios quatro presiden-tes em pouco mais de uma semana
, em um contexto de saques e protestos.Que se vayan todos! Essa era
a frase da insurreio espontnea da populao, dorechao generalizado,
mas politicamente inoperante, atirada aos governan-tes.
Somente em 2003 comeou a se definir as foras que seriam capazes
derecompor, ainda que com fragilidade, a institucionalidade
poltica. NstorKirchner assumiu a presidncia da repblica com
discurso que articulavarecuperao da soberania e das funes do Estado
ao desenvolvimento comdistribuio de renda. Isso o aproximava do
perfil progressista construdo napoca de sua militncia juvenil no
peronismo de esquerda, mas sua prticapoltica no se ops ao
neoliberalismo nem rompeu com os agentes que lu-craram com o
governo Menem, entre eles oligoplios estrangeiros que explo-ram
setores estratgicos da economia e a oligarquia financeira e
rentista. Kir-chner manteve-se fiel ao perfil poltico dos mais de
dez anos que ocupou ogoverno de Santa Cruz, provncia petroleira do
sul do pas. essa a avaliaode Atilio Born,30 cientista poltico
argentino que acompanha de perto o ce-nrio poltico de seu pas e da
Amrica Latina, e que compartilhada poroutros cientistas polticos e
socilogos, ainda que com diferenas de enfo-que.31
29 CEPAL. Panorama social de Amrica Latina 2006. Santiago,
Chile: Comisin para AmricaLatina y Caribe, 2006.
30 BORN, Atlio. La izquierda latino-americana a comienzos del
siglo XXI. In: GRAVITO, CsarRodrguez, BARRETT, Patrick e CHVEZ,
Daniel (orgs.). La nueva izquierda en Amrica La-tina: sus orgenes y
trayectoria futura. Buenos Aires: Norma, 2005, p. 11-17.
31 LWY, Michel. A esquerda na Frana e na Amrica Latina.
Esquerda.Net, Lisboa, 20 de de-zembro de 2007. Disponvel em: .
Acesso em: 12 jun. 2012. SANTOS,Boaventura de Sousa. Conocer desde
el Sur. Para una cultura poltica emancipatria. La Paz:CLACSO,
2008.
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Nomos: Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
313
A retomada da direo poltica e a recuperao econmica da Argenti-na
permitiram, de fato, certos avanos, como a diminuio da pobreza e
dodesemprego e a ampliao do sistema de proteo social e
previdenciria,mas no foram suficientes para modificar de forma
significativa os nveis dedesigualdade social nem transformar as
instituies sociais e polticas. Nosetor da indstria cultural, o
compromisso do governo Kirchner com a estru-tura herdada se
evidenciou em pelo menos trs medidas.32 A Lei n. 25.750,sancionada
em julho de 2003, excluiu as empresas que exploram o
espectroradioeltrico do mecanismo previsto na lei de falncia que
possibilita a apro-priao da empresa devedora at o montante da
dvida; essa lei tambmincluiu controvertido artigo que, a partir das
demandas do Grupo Clarn,limitou em 30% o capital estrangeiro nas
empresas de comunicao e o De-creto n. 52712, de dezembro de 2004,
suspendeu o prazo de contagem darenovao das licenas, o que se deu
aps os canais 11 e 13 da televiso aber-ta (Telefnica e Clarn,
respectivamente) terem suas licenas renovadas pormais dez anos.
Ainda assim, nessa conjuntura desenvolveu-se renovao parcial
dealgumas instituies, como a Corte Suprema e as Foras Armadas, adoo
depoltica internacional que fortaleceu autonomia regional, alm de
avanosobre algumas questes pendentes da agenda democrtica, como a
promo-o de processos de crimes ocorridos na ditadura militar.
Uma das expresses dessa renovao institucional e do avano
daagenda democrtica ocorreu em 2003 quando a Corte Suprema, com
base noart. 13 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos de 1969,
declarou ainconstitucionalidade do art. 45, da Lei n. 22.285, que
proibia as cooperativassem fins lucrativos de serem concessionrias
de radiodifuso. Em agosto de2005, tal deciso consolidou-se com a
alterao desse dispositivo legal graas,em parte, presso do campo
popular e de seus aliados, que um ano anteshaviam se reunido em
torno da Coalizo por uma Radiodifuso Democrtica(CRD), organizao que
congrega mais de 300 organizaes sociais, entre elassindicatos,
federaes e associaes empresariais, cooperativas, universida-des,
organismos de direitos humanos, meios comunitrios e comerciais
epovos originrios.33
A partir de grande esforo de mobilizao nacional, a CDR elaborou
os21 Pontos Bsicos para o Direito Comunicao,34 que previa o
controledos oligoplios, a reformulao do sistema pblico de
radiodifuso e a inclu-
32 MARINO, Santiago. Estudio de caso. Argentina. In: AMARC. Las
mordazas invisibles. Nue-vas e viejas barreras a la diversidade en
la radiodifusin, 2009. Disponvel em:, p. 58. Acesso em: 10 jun.
2012.
33 SEL, Susana. Op. cit., p. 197-198.34 Essa proposta se chamou
Iniciativa Cidad por uma Radiodifuso Democrtica: 21 PontosBsicos
para o Direito Comunicao, que est disponvel no stio
www.coalicion.org.ar.
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314 v. 32.2, jul./dez. 2012
so de setor no comercial no espao miditico. Em 2008, essa
proposta rece-beu forte impulso com o novo governo de Cristina
Fernndez que, em con-junto com a CDR, realizou por todo pas fruns
participativos de consultaspblicas, alm de inmeras assembleias e
atos pblicos destinados a divulgare discutir aqueles 21 pontos,
posteriormente incorporados em larga medidaao projeto de lei que
foi enviado ao Congresso da Nao pelo Poder Executi-vo em agosto de
2009.
A deciso de Cristina Fernndez de apoiar essa iniciativa
democrticadeu-se em novo contexto de crise na poltica da classe
dominante que, emno encontrando soluo nos canais institucionais
convencionais, acabouresvalando em conflito atravs dos meios de
comunicao, sobretudo a im-prensa escrita que se desvencilhou dos
ltimos pudores de imparcialidade.
Antnio Gramsci,35 ao analisar a imprensa italiana do incio do
sculoXX, referiu-se aos jornais como partidos polticos, rgos que
aliavam a fun-o de informao de direo poltica geral na falta de
partidos organizadose centralizados. Fenmeno semelhante foi
detectado em pases da AmricaLatina que elegeram governos
progressistas e adotaram medidas que no eramconsenso entre os
setores da classe dominante.36 At mesmo Barack Obama,presidente dos
Estados Unidos, decidiu tratar publicamente o conglomeradode
comunicao FOX como extenso do partido Republicano, em razo daoposio
s diversas reformas propostas no incio de seu mandato.
Na Argentina, aps o governo anunciar, em maro de 2008, a
elevaoda reteno compulsria dos impostos de exportao de diversos
produtosagrcolas, contrariando interesses de distintos estratos da
propriedade rural ede setores urbanos das classes dominantes, a
reao de certos jornais, especi-almente os do Grupo Clarn, foi de
confronto aberto. O conflito do campo, co-mo foram chamados os trs
meses de protestos, bloqueios de estradas e boi-cotes comercializao
de certas exportaes, selou o rompimento do acordode respeito mtuo
que durava desde o primeiro mandado de Kirchner em2003, segundo o
Diario sobre Diarios,37 portal dedicado a observar os
noveprincipais jornais portenhos. A cobertura miditica desse
conflito chegou areceber crticas do Conselho Diretivo da Faculdade
de Cincias Sociais daUniversidade de Buenos Aires que, em resoluo,
convidou as organizaes
35 GRAMSCI, Antnio. Cadernos do crcere. 5. ed. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 2010. v.2, p. 218.
36 FONTES, Virginia. Intelectuais e mdia quem dita a pauta?. In:
COUTINHO, EduardoGranja (Org.). Comunicao e contra-hegemonia:
processos culturais e comunicacionais decontestao, presso e
resistncia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. MORAES, Dnis de.
Abatalha da mdia: governos progressistas e polticas de comunicao na
Amrica Latina e ou-tros ensaios. Rio de Janeiro: Po e Rosas,
2009.
37 DIARIO SOBRE DIARIOS. Ocho aos de kirchnerismo: el
comportamiento de los dirios. 21de diciembre de 2011. Disponvel em:
. Acesso em:22 jul. 2012.
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Nomos: Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
315
de jornalistas a chamar a ateno de seus filiados para as faltas
ticas gravescometidas. Paralelamente, o governo partiu para o
contra-ataque com o Cla-rn: anunciou veto fuso de Cablevisin e
Multicanal, revisou contratos deexclusividade para a transmisso de
jogos de futebol e pressionou para mu-dana de controle acionrio do
Papel Prensa.
Se essas medidas serviram para os oligoplios miditicos e para a
So-ciedade Interamericana de Imprensa (SIP), associao que congrega
os prin-cipais grupos de mdia do continente, acusar Fernandz de
atentar contra aliberdade de expresso e de imprensa, para o campo
popular e seus aliadosfoi o sinal de alerta para, na falta de fora
poltica autnoma capaz de dispu-tar a direo do pas, reforar aes de
demonstrao de apoio continuida-de do governo. Assim, aps descenso
entre os anos de 2003 a 2007, voltaram cena os atos pblicos,
passeatas e protestos, que foram tambm cruciaispara aprovao da Ley
de Medios tanto na Cmara dos Deputados como noSenado da Nao.
Essa foi a segunda vez na histria do pas que a principal
instituio dademocracia representativa sancionou lei sobre a
organizao do espao midi-tico; a primeira foi aprovada pelo
Congresso da Nao em 1953 e desde quea ditadura militar foi
instaurada, em 1973, o setor foi regulado por atos doPoder
Executivo.
4. LEI DE MEIOS: FALEMOS TODOS38
4.1. Complementariedade e disposies antimonoplicasA amplitude do
debate entre os mais variados setores da sociedade ar-
gentina acerca de nova regulamentao para os meios audiovisuais
reflete-seno alcance normativo da Lei n. 26.522/2009. Sem romper
com o mercado co-mo principal eixo de direo e organizao da
comunicao social, essa leidisciplina o espao miditico atravs de
mecanismos de promoo, descon-centrao e fomento da concorrncia com o
objetivo de democratizar e uni-versalizar o uso e a fruio da
palavra pblica e dos produtos audiovisuais.Da porque sua abrangncia
vai alm da regulao do uso desta ou daquelatecnologia, mas adota o
critrio da influncia39 que os rgos de produo edistribuio exercem
sobre a audincia nas fronteiras do Estado Nacional.
38 Hablemos todos foi o mote da campanha realizada pelo governo
para divulgar as audinciaspblicas e seminrios onde se discutiam os
parmetros do novo marco regulatrio.
39 A nota ao art. 1o da Lei n. 26.522/2009, que trata do seu
objeto, esclarece que tal critrio sebaseou na diretiva da Comisso
Europeia para a televiso sem fronteiras (TVSF) de dezembrode 2007,
para quem a regulao da TV deve depender apenas da influncia que se
exerce so-bre a opinio pblica e no da tecnologia de transmisso. A
mesma orientao repetida nanota 33 ao art. 3o, dessa vez embasado na
Resoluo do Parlamento Europeu 2003/2237 (INI).
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316 v. 32.2, jul./dez. 2012
A Ley de Medios , sem sombra de dvida, contribuio original da
so-ciedade argentina para a democratizao da comunicao social, mas
aomesmo tempo teve o cuidado de se amparar nas tendncias legais e
juris-prudenciais observadas em outros pases e regies, notadamente
EstadosUnidos e Unio Europeia, assim como em organismos
internacionais.40 E,como convm a uma regulao dessa natureza, trata
de maneira detalhada em seus 166 artigos, subdivididos em incisos,
alneas e pargrafos das maisdiversas questes que influem na
configurao do espao miditico. No objeto do presente estudo abordar,
diretamente, os aspectos tcnico-jurdicosdessa lei, mas discutir as
solues normativas encontradas para tentar com-patibilizar
democratizao do espao miditico com os mecanismos de pro-duo e
distribuio de informao e bens simblicos no bojo do modo deproduo
capitalista, tal como se configura atualmente na Argentina.
Nesse sentido, as caractersticas tcnicas da transmisso de
contedospor meios audiovisuais, diferentemente da imprensa escrita
e da internet,propiciam maior protagonismo ao Estado e exigem, por
isso, regras clarasque concretizem os princpios de sua atuao bem
como as condies para osque pretendem ser concessionrios desse
servio pblico. Da que, na Ley deMedios, a considerao da comunicao
audiovisual como atividade de inte-resse pblico fundamental para o
desenvolvimento sociocultural ganha con-tornos precisos com a
delimitao do papel do Estado na organizao e fo-mento dessa
atividade, assim como na definio dos indivduos e gruposaptos a
explor-la.
Enfatizando o papel do Estado como garantidor da liberdade de
ex-presso, do pluralismo informativo, da participao e do acesso
universal, alei inovou ao erigir tratamento equitativo entre os
meios de gesto estatal ede gesto privada sem e com fins lucrativos
(arts. 2o e 21),41 dando-lhes regrasespecficas conforme as
caractersticas de cada regime e a capacidade de in-fluncia. Assim,
pretendeu-se que o espao para a diversidade de vozes
fosseassegurado, de um lado, pelo incentivo criao de veculos por
organismosda sociedade civil42 e pela reformulao do servio de
radiodifuso pblico e,
40 A Lei n. 26.522 traz, por meio de notas maioria dos artigos,
referncias expressas contribui-o dos vrios setores da sociedade
argentina, assim como legislao comparada, sobretudodos Estados
Unidos e da Unio Europeia, tratados internacionais de que o Estado
parte, de-claraes internacionais e decises de vrias cortes
internacionais, como a Comisso Interame-ricana de Direitos Humanos
(CIDH).
41 A complementariedade entre os sistemas pblico, privado e
estatal de radiodifuso respal-dada por vrios documentos
internacionais, como a Declarao Conjunta sobre a Diversidadena
Radiodifuso, firmada em 2007, pelos relatores da Liberdade de
Expresso da ONU, OEA,OSCE e CADPH.
42 A expresso sociedade civil geralmente utilizada como conjunto
de instituies que se dife-renciam do mercado e do Estado. Do ponto
de vista terico-poltico, essa posio guarda rela-o com as correntes
liberais e marcam seu distanciamento com a tradio materialista
dialti-ca. Neste trabalho, o termo empregado em sua forma usual,
mas com a ressalva de que no
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Nomos: Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
317
de outro, pela inibio da concentrao empresarial dos meios de
comunica-o.
Na Ley de Medios inegvel o reconhecimento da importncia
dasemissoras comunitrias para o conjunto do espao miditico.
Definidas comoveculos independentes e no governamentais, geridos
por organizaessociais sem fins lucrativos (art. 4o), no lhes
imposto restrio geogrfica dealcance ou de temtica; ao contrrio, no
s podem constituir-se em rede,respeitadas as cotas de programao
prpria e local (art. 64), como lhes soreservados 33% das frequncias
de radiodifuso sonora e televisiva terrestres(art. 89, f). Alm
disso, foram contempladas na incorporao de novas tecno-logias e
servios, como a transio do sistema analgico para a digital (art.
92,b), e est previsto o repasse de 10% do tributo cobrado pela
utilizao dasfrequncias, que deve ser dividido com outros servios de
comunicao au-diovisual sem fins lucrativos, entre eles os dos Povos
Originrios (art. 97, f).43
Os meios de gesto estatal podem ser titularizados pelos Estados
Pro-vinciais, Municpios, Cidade Autnoma de Buenos Aires,
Universidades Na-cionais, Povos Originrios e Igreja Catlica, sendo
a todos reservadas as fre-quncias necessrias para que cumpram com
seus objetivos institucionais(arts. 89 e 121). Os veculos de
radiodifuso dirigidos pelo Estado Nacionalforam agrupados na Radio
y Televisin Argentina Sociedad del Estado (RTA S.E.)que sofreu
modificaes estruturais inspiradas no modelo participativo
dastelevises pblicas alems e francesas. A RTA passou a contar com
um Dire-trio executivo, cujos membros so escolhidos pelo Poder
Executivo Nacionale pela Comisso Bicameral da Comunicao Audiovisual
do Congresso daNao (art. 132), e com um Conselho Consultivo que,
formado por pessoasindicadas pelas faculdades nacionais de
jornalismo, sindicatos do setor daradiodifuso, organizaes no
governamentais entre outros. O ConselhoConsultivo tem por
competncia exercer o controle social sobre o cumpri-mento dos
objetivos e obrigaes da RTA (arts. 124 a 130), dentre os quaisesto
o respeito e a promoo ao pluralismo poltico, social e cultural; a
ga-rantia do direito informao e a difuso das atividades dos poderes
do Es-tado a nvel nacional e provincial (arts. 121 e 122).44
compartilha a viso de que existam setores da sociedade que atuem
politicamente desligadosda base produtiva.
43 Dado o status constitucional do reconhecimento da
personalidade jurdica das comunidadesindgenas argentinas (art. 75,
inciso 17, da Constituio Nacional), os Povos Originrios, aolado da
Igreja Catlica, Universidades Nacionais e Institutos Universitrios,
fazem parte dosmeios audiovisuais pblicos, em oposio aos meios
privados e estatais. Da receberem trata-mento diferenciado pela Ley
de Medios, especialmente nos arts. 4o, 22, 30, 64, 89 e 145 a
152.
44 Observe-se que os dispositivos que fazem da RTA uma instituio
de servio pblico e estatalesto em discordncia com o princpio 12 dos
21 Pontos Bsicos para o Direito Comunica-o proposto pela Coalizo
por uma Radiodifuso Democrtica.
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318 v. 32.2, jul./dez. 2012
No entanto, em razo da saturao fsica do espectro radioeltrico
ar-gentino, as disposies da Ley de Medios favorveis diversidade de
vozesseriam esvaziadas caso no houvesse previso de limites concesso
de li-cenas a grupos empresariais, seguida da redistribuio desse
direito a fim deconform-lo aos novos parmetros estabelecidos. disso
que tratam os arts.45 a 48 e 161, sem dvida os mais polmicos e que
geraram as mais contun-dentes objees do setor empresarial.
Para coibir prticas monoplicas e/ou oligoplicas, o art. 45,
amparadono princpio 12 da Declarao de Princpios sobre a Liberdade
de Expressoda CIDH, utilizou a combinao de dois critrios o nmero de
licenas e acota de mercado a serem averiguados nos nveis nacional e
local. Assim, noplano nacional, um mesmo concessionrio s pode ter:
a) uma licena decomunicao audiovisual por satlite, excluda a
possibilidade de prestarquaisquer outros servios no setor; b) at
dez licenas de radiodifuso sono-ra, televiso aberta e/ou por
assinatura; c) at vinte quatro licenas de radio-difuso por
assinatura. E, ainda que preveja multiplicidade das licenas, a
leilimita a prestao do servio a 35% da audincia nacional. Da mesma
forma,na ordem local, s possvel titularizar uma licena de
radiodifuso AM eFM e uma de televiso aberta e paga, no
cumulativamente.
Seguindo disposies semelhantes em pases como Inglaterra,
Frana,Itlia e Estados Unidos, a lei tambm exige como pr-requisito
para adjudica-o das licenas a inexistncia de processos de integrao
vertical ou horizon-tal de atividades relacionadas ou no com a
comunicao social (art. 48), oque no permitiria, por exemplo, a
coexistncia de vnculos societrios entreempresas de radiodifuso,
agncias de publicidade e meios impressos.
J o art. 161 prev como regra de transio a devoluo, em um prazode
um ano, de licenas radiofnicas dos grupos de mdia que no se
ade-quam aos limites da multiplicidade de concesses (art. 45). Essa
disposio,to indita no continente quanto necessria para a
desconcentrao do espa-o miditico,45 tem por fim compatibilizar o
princpio da pluralidade de vozes inerente a qualquer servio de
radiodifuso que se pretenda democrtico com o direito de
propriedade, no mais considerado irrestrito ou intocvel.No entanto,
como era de se esperar de qualquer tentativa que busque
reor-ganizar atividade concentrada e predatria, esse dispositivo
transformou-seno principal campo de batalhas judiciais. At o
momento o art. 161 encontra-se com a eficcia suspensa em razo de
inmeras medidas cautelares ajuiza-das na primeira instncia em um
primeiro momento propostas por parla-mentares da oposio que
invocavam desrespeito ao trmite legislativo e,posteriormente, por
grupos de mdia que sustentam o desrespeito proprie-
45 Observe-se que esse dispositivo encontra-se previsto no
princpio 21 dos 21 Pontos Bsicospara o Direito Comunicao proposto
pela Coalizo por uma Radiodifuso Democrtica.
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Nomos: Revista do Programa de Ps-Graduao em Direito da UFC
319
dade privada e confirmadas em sede recursal pela Corte Suprema
que,porm, se pronunciou no sentido de que as liminares concedidas
no pode-riam ter efeito definitivo.
4.2. Reforma institucional e controle socialOs dispositivos
legais destinados a garantir o pluralismo e a diversida-
de de vozes esto estreitamente vinculados a um certo tipo de
arranjo insti-tucional capaz de efetiv-los. Estrutura
organizacional prevista para acolhermecanismos de representao
formal e de participao direta, lastreados namais ampla transparncia
e pautados por critrios republicanos, respondemmelhor a esses
objetivos ao marcar distncia tanto de processos decisriosverticais
como, do ponto de vista tico-poltico, da apropriao privada debens
pblicos. No se pode deixar de reconhecer que em vrios pases
daAmrica Latina, nos quais a gnese dos espaos miditicos se
respaldaramem normas e estruturas institucionais de governos
autoritrios e se desen-volveram no bojo da adoo de polticas
neoliberais, tal configurao repre-senta um grande desafio que, no
entanto, pode ser enfrentado pela incorpo-rao da experincia
acumulada a partir das presses do campo popular que,desde a dcada
de 1990, como resposta crise da representao parlamentar,tem aberto
novas vias para a participao cidad direta e para a
renovaoinstitucional.46
Nesse aspecto particular, a ruptura que a Ley de Medios promoveu
comrelao legislao anterior comparvel ao significado da adoo de
nor-mas antimonoplicas, com a peculiaridade de apresentar desenho
institucio-nal originrio e inovador. De acordo com os arts. 10 a
20, a Autoridade Fede-ral de Servios de Comunicao Audiovisual, rgo
que tem a funo deaplicar a lei com independncia oramentria e
administrativa do governonacional (art. 13), conformada pelo
Diretrio (art. 14), pelo Conselho Fede-ral de Comunicao Audiovisual
CFCA (art. 15) e pelo Conselho Assessorda Comunicao Audiovisual e
Infncia CACAI (art. 17), perante os quaisainda atua a Defensoria do
Pbico de Servios de Comunicao Audiovisual(art. 19).
46 Na dcada de 1990, em um contexto de crise econmica e de
instabilidade poltica, movimen-tos contestatrios passaram a
reivindicar uma refundao do Estado democrtico com vistas agarantir
maior controle social e participao popular. Tais processos foram
particularmentevigorosos no Equador, Bolvia e Venezuela que,
mediante reformas constitucionais, incorpora-ram mecanismos de
participao direta, tais como revogao de mandatos eletivos e leis,
con-trole popular sobre atos e contas pblicas, cogesto
administrativa com organismos da socie-dade civil e autonomia
indgena (FLORES, Fidel Prez, CUNHA FILHO, Clayton Mendona eCOELHO,
Andr Luiz. Participacin ampliada y reforma del Estado. Mecanismos
constitu-cionales de democracia participativa en Bolivia, Ecuador y
Venezuela. Revista ObservatorioSocial de Amrica Latina. Estado,
cooperacin e integracin en Amrica Latina. Buenos Aires:CLACSO, ano
XI, n. 27, abr., 2010).
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O Diretrio, que conduz e administra a Autoridade, composto
porsete membros designados pelo Poder Executivo Nacional, pela
ComissoBicameral de Promoo e Seguimento da Comunicao Audiovisual do
Con-gresso Nacional (art. 18), respeitando a representatividade das
maiorias eminorias parlamentares, e pelo CFCA, rgo que congrega
representantesdos concessionrios pblicos e privados com e sem fins
lucrativos, das uni-versidades, das entidades sindicais, dos povos
originrios entre outros.
Como o Diretrio tem a competncia de outorgar as licenas (art.
12,6), observa-se que a previso da participao direta do Poder
Legislativo e,especialmente, de entidades da sociedade civil
constitui um avano sem pre-cedentes no continente latino-americano.
De fato, essa reformulao institu-cional, aliada a adoo de critrios
mais democrticos para a avaliao dassolicitaes das frequncias (art.
34) e a proibio expressa da presena dejuzes, legisladores,
servidores civis ou militares entre scios de empresasconcessionrias
(art. 24, h), conferem radiodifuso a caracterstica de ativi-dade de
interesse pblico fundamental para o desenvolvimento socioculturalda
populao. Nesse sentido, e de acordo com os princpios 12 e 13 da
Decla-rao de Princpios sobre a Liberdade de Expresso da CIDH, a
capacidadede explorao econmica dos meios de comunicao deixa de ser
o funda-mento da liberdade de expresso e do direito comunicao.
O CFCA, rgo que como vimos incorpora entidades da sociedade
civil,est dotado de amplas funes, entre elas assessorar no desenho
da polticapblica de radiodifuso; propor medidas Autoridade e
jurados para aslicitaes pblicas; elaborar informe anual sobre o
cumprimento da lei a serapresentado Comisso Bicameral do Congresso
da Nao e destituir osdiretores da Autoridade, mediante maioria
qualificada de dois teros, assegu-rada a ampla defesa.
Se o Diretrio e o CFCA so rgos que zelam prioritariamente
pelaorganizao do espao miditico argentino, o CACAI e a Defensoria
do P-blico de Servios de Comunicao Audiovisual exercem controle
social sobreos contedos que vem a pblico. Esse tipo de controle
bastante controver-tido para os grupos de mdia que, ao se
orientarem pela busca de margens delucro cada vez mais ampliadas,
preferem cham-lo de censura vincula-se aorespeito a parmetros ticos
da programao que so estabelecidos em lei e,por vezes, como no caso
do Brasil, nas constituies. Nesse sentido, a Ley deMedios, que
considera objetivo dos meios de comunicao influir na formaode
sujeitos e atores sociais respeitando os diferentes modos de
compreensoda vida e do mundo (art. 3, i), estabelece a proibio de
discriminaes base-adas na etnia, religio, origem nacional ou
social, aspecto fsico, opiniespolticas, gnero ou orientao sexual e
outras (art. 70), alm de ter sido espe-cialmente cuidadosa com os
programas e a publicidade e destinados s crian-as por considerao a
sua inexperincia e credulidade (arts. 68 e 81, h). Da
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que entre as funes do CACAI esto a criao de critrios para
contedosrecomendados s crianas e adolescentes, sempre com o aval de
argumentostericos e anlises empricas; a elaborao de um Programa de
Formao emRecepo Crtica dos Meios e Tecnologias da Informao e
Comunicao, quealm de capacitar esse pblico na apreciao dos
programas tem a misso deapoiar a criao e funcionamento de redes de
informao entre crianas eadolescentes, e, ainda, monitorar o
cumprimento da legislao que rege otrabalho infantil na televiso
(art. 17).
J a Defensoria do Pblico, por ter legitimao processual e
adminis-trativa, exerce o controle social canalizando judicialmente
as reclamaes edenncias do pblico, em carter de interesses coletivos
e difusos, alm deter competncia para propor modificaes na legislao
e formular recomen-daes s autoridades administrativas em consonncia
com os debates e con-sensos estabelecidos a partir de audincias
pblicas que pode convocar nasdiferentes regies do pas com o
objetivo de avaliar o funcionamento dosmeios radiofnicos (art. 19).
Seu titular indicado pelo Congresso da Nao apartir da indicao da
Comisso Bicameral de Promoo e Seguimento daComunicao Audiovisual,
devendo reunir os mesmos requisitos exigidosdos componentes da
Autoridade (art. 20).
5. CONCLUSESLiberdade de informao e direito comunicao, enquanto
princpios
organizativos do espao miditico, partem de perspectivas
distintas acerca dosujeito de direito. Na liberdade de informao,
tal como invocada pelos gru-pos de mdia na Amrica Latina, trata-se
do sujeito de direito abstrato que, adespeito das desigualdades
econmicas e culturais, troca informaes, comu-nica-se, de forma
transparente e igual. No importa que a realidade apontepara as
profundas transformaes na explorao e uso das tecnologias
deinformao, segue-se pleiteando o artigo 11 da Declarao de Direitos
doHomem e do Cidado de 1979 e apontando o Estado como principal
agente aser contido. No direito comunicao ganha espao o sujeito de
direito con-creto que, situado nas contradies que imprimem as
prticas e formas deorganizao comunicacionais inauguradas pela
sociabilidade capitalista,aponta para a necessidade de lev-las em
considerao hora de definir asnormas.
Historicamente, em larga medida, vem prevalecendo o sujeito de
di-reito abstrato pois foi sobre ele que se constituiu o monoplio
da comunica-o, do conhecimento e da cultura. Em certas ocasies
muito especiais, con-tudo, o sujeito concreto reaparece graas
intensidade e acmulo das lutassociais cujos resultados so impressos
no direito positivo. Na Argentina issose mostrou possvel. Em julho
de 2011, Bolvia tambm adotou novo marcoregulatrio cujo eixo se
articula no princpio da diviso equitativa das fre-
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quncias de rdio e TV, ao passo que no Equador projeto de lei no
mesmosentido, e com grandes chances de ser aprovado, est em
tramitao no Po-der Legislativo. No Brasil, contudo, as perspectivas
no so alentadoras. De-pois da I Conferncia Nacional de Comunicao
(CONFECOM), realizadaem dezembro de 2009 com a presena de setores
da sociedade civil e que apon-tou amplas diretrizes para a
reformulao do nosso espao miditico no sen-tido do direito
comunicao, essa pauta saiu da agenda governamental.Certamente, o
descompromisso com as foras sociais que lutam pela demo-cratizao da
comunicao apenas pode ser compreendido em razo dasalianas polticas
com setores da classe dominante. Aqui, diferena da Ar-gentina por
exemplo, a continuidade do processo de acumulao do capitalno esteve
sob risco.
No entanto, como bem demonstra a experincia argentina, a adoodo
direito comunicao como princpio do marco regulatrio no encerra
aquesto. Por trs dela encontra-se a trincheira do Poder Judicirio.
Poucoantes da I CONFECOM, o Supremo Tribunal Federal julgou Ao de
Des-cumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 130/DF) no qual
afirma textu-almente, logo na ementa, a inexistncia ftica de
monoplios e/ou oligopliosno espao miditico brasileiro porque a
Constituio probe tal prtica! Adoutrina, por sua vez, parece no
conseguir se desvencilhar da dicotomialiberdade positiva/liberdade
negativa, subscrevendo a lgica do sujeito dedireito abstrato. Na
literatura jurdica, a discusso predominante acerca dacomunicao
social centra-se na definio dos limites do poder do Estado ena
extenso da atuao da imprensa quanto ao respeito aos direitos
intimi-dade, privacidade, honra e, em casos mais raros, aos
princpios constitu-cionais da programao da radiodifuso. Por mais
que esses sejam temasimportantes, esto longe de esgotar a discusso;
ou melhor, eles apenas po-dem ser definidos e compreendidos se
contextualizados na realidade da or-ganizao do espao miditico.
H alguns anos o direito comunicao vem ganhando mais espaonos
cursos de Comunicao e Cincias Sociais. O acolhimento dessa
temticapelos juristas e nas faculdades de Direito caminha a passos
mais lentos, masj se demonstra algum interesse especialmente entre
os que se aproximamdos mltiplos sujeitos que lutam pela
democratizao da comunicao socialno pas.
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