PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM PSICOLOGIA REA DE
CONCENTRAO: PSICOLOGIA DA SADE
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO - UCDB
ADRIANA RITA SORDI
A CONSTITUIO DO SUJEITO INDGENA JOVEM KAIOW E TERENA: UM ESTUDO
A PARTIR DA TEORIA
DA SUBJETIVIDADE.
JUNHO DE 2018
CAMPO GRANDE MS
PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM PSICOLOGIA REA DE
CONCENTRAO: PSICOLOGIA DA SADE
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO - UCDB
ADRIANA RITA SORDI
A CONSTITUIO DO SUJEITO INDGENA JOVEM KAIOW E TERENA: UM ESTUDO
A PARTIR DA TEORIA
DA SUBJETIVIDADE.
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao Mestrado e Doutorado
em Psicologia, rea de concentrao Psicologia da Sade, como requisito
parcial para a obteno do ttulo de doutora.
Orientao: Professora Doutora Sonia Grubits.
JUNHO DE 2018
CAMPO GRANDE MS
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Biblioteca
da Universidade Catlica Dom Bosco UCDB, Campo Grande, MS,
Brasil)
S713c Sordi, Adriana Rita
A constituio do sujeito indgena jovem Kaiow e
Terena: um estudo a partir da teoria da subjetividade
/ Adriana Rita Sordi; orientadora Sonia Grubits.--
2018.
160 f.+ anexos
Tese (doutorado) - Universidade Catlica Dom Bosco,
Campo Grande, 2018
Inclui bibliografia
1. ndios Terena - Jovens. 2. ndios Kaiow - Jovens.
3. Subjetividade. 4. Cultura. I.Grubits, Sonia. II. Ttulo.
CDD: Ed. 21 -- 302
Kiki
Kiki nasceu no centro Entre montanhas e o mar
Kiki viu tudo lindo Tudo ndio por aqui
ndia Amrica deu filhos Foi Tupi, foi Guarani
Kiki morreu feliz
Deixando a terra para os dois Guarani foi pro sul,
Tupi pro norte
E formaram suas tribos Cada um em seu lugar
Vez em quando se encontravam Pelos rios da Amrica
E lutavam juntos contra o branco Em busca de servido
E sofreram tantas dores Acuados no serto
Tupi entrou no Amazonas Guarani ainda chama
Kiki na lua cheia
Quer Tupi, quer Guarani Kiki na lua cheia
Quer Tupi, quer Guarani Kiki na lua cheia
Quer Tupi, quer Guarani Kikiooooooo.
(Geraldo Espndola, 1995)
IMAGEM 1 - Delfina and Dimas de Diego Riviera (1904)
DEDICATRIA
Dedico este trabalho a meu amado pai, Laurindo Sordi (in
memoriam), que sempre me incentivou e se orgulhou do meu percurso
acadmico, mas no teve tempo hbil nesta vida para ver esse sonho se
concluir.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que sempre se fez presente em minha vida,
me iluminando e
me proporcionando sabedoria para concluir este trabalho.
A todos os povos indgenas deste nosso pas, em especial aos povos
Terena e Guarani-
Kaiow, sem os quais este estudo seria impossvel.
minha orientadora, professora Doutora Sonia Grubits, que sempre
me apoiou e
incentivou, sendo minha referncia nas pesquisas com populaes
indgenas.
Ao Cacique Clio Francelino Fialho e sua esposa Nayara Gonalves
Venncio da
aldeia Bananal no distrito de Taunay, municpio de Aquidauana-MS,
pela receptividade, bem
como pelos ensinamentos sobre o seu povo.
Tambm, em especial, aos moradores da aldeia Bananal,
participantes da pesquisa:
pais, jovens e crianas.
Meu agradecimento tambm aos professores da Escola Estadual
indgena de Ensino
Mdio Professor Domingos Verissimo Marcos, principalmente
professora Nayara, pelas
trocas de experincias, pelos ensinamentos sobre os jovens, sua
cultura, e por me apresentar a
fora da mulher Terena.
Ao Cacique Gaudncio Benites, da Reserva Indgena Boror, do
municpio de
Dourados, por me deixar conhecer a realidade da comunidade.
diretora da Escola Municipal Indgena do Agustinho, Fernanda
Silva Dourado,
pelos ensinamentos sobre a comunidade Boror e sua
comunidade.
s crianas, jovens e familiares da etnia Guarani-Kaiow por todos
os ensinamentos
sobre o seu povo.
A CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior,
edital
019/2016, pela concesso da bolsa de doutorado sanduche realizada
no Mxico e pela
extraordinria experincia de estudos.
professora Sofa Aragn pela receptividade, apoio e ensinamentos,
na Universidade
Autnoma do Mxico UNAM, no programa de doutorado sanduche,
convnio firmado
entre UCDB e UNAM.
comunidade indgena Otomies da cidade de Ixmiquilpan no Estado de
Hidalgo -
Mxico, pelos ensinamentos recebidos de sua cultura, seus nins,
adolescentes, madres e
maestros, mi gracias. Especialmente, professora Fransilvania e
Francisca Calejas e ao
diretor Moacir.
As queridas amigas Alessandra Lumi Ussami e Suzanir Fernanda
Maia pelas trocas
intelectuais durante a trajetria de estudos, pelas muitas
conversas, e pelo companheirismo
durante essa trajetria. E ao amigo Thiago Mller da Silva, pelas
idas e vindas comunidade
Bananal, pelas muitas conversas e estudos. Todos sempre muito
presentes em minha
caminhada acadmica.
A todos os professores do Programa de Ps-graduao Mestrado e
Doutorado em
Psicologia da Universidade Catlica Dom Bosco UCDB, sobretudo
Professora Luciane
Pinho pela ateno e carinho em seus ensinamentos.
minha famlia, particularmente, meu esposo Everson Fleck, que
nunca poupou
esforos para me ajudar nesta trajetria, me incentivando e dando
todo o apoio necessrio
para que eu pudesse desenvolver meus estudos. E ao meu querido
filho Rafael Yan, que
cresceu em meio aos estudos e que, direta ou indiretamente,
sempre me inspirou nas
pesquisas.
Aos meus pais Laurindo (in memriam) e Inez, responsveis por tudo
o que me tornei.
E s minhas irms Mrcia e Maristela, que sempre estiveram ao meu
lado.
A todos(as), muito obrigada!
SUMRIO
INTRODUO
......................................................................................................................
16
1 NDIOS GUARANI-KAIOW NO MATO GROSSO DO SUL
................................ 34
1.1 Os povos Guarani/Kaiow
.........................................................................................
34
1.2 A territorialidade para o Guarani - Kaiow
...............................................................
37
1.3 A religiosidade e a organizao social do Guarani Kaiow
...................................... 41
1.4 A Educao da criana indgena Guarani-Kaiow
.................................................... 43
1.5 A Reserva Boror de Dourados e o suicdio do jovem Kaiow
................................ 49
2 OS NDIOS TERENA NO MATO GROSSO DO SUL
............................................... 59
2.1 Indgenas Terena
........................................................................................................
59
2.2 A Terra para o ndio Terena
.......................................................................................
64
2.3 A Cosmologia Terena e sua organizao social
........................................................ 67
2.4 A educao indgena Terena
......................................................................................
73
2.5 A Aldeia Bananal
.......................................................................................................
74
3 A PERSPECTIVA DA SUBJETIVIDADE: UMA APROXIMAO COM A TEORIA
HISTRICO-CULTURAL
..................................................................................
79
3.1 Da teoria Histrico-Cultural perspectiva da subjetividade
..................................... 79
3.2 O desenvolvimento da perspectiva da subjetividade a partir
da teoria Histrico-Cultural
.................................................................................................................................
82
3.3 A teoria da subjetividade de Gonzlez Rey
...............................................................
86
3.4 Sociedade X Cultura e Identidade tnica
..................................................................
92
4 RESULTADOS E DISCUSSES
................................................................................
100
4.1 Dos Entrevistados
....................................................................................................
100
4.2 A experincia nas comunidades Boror e Bananal: aspectos
facilitadores da realizao da pesquisa e caracterizao das
comunidades pesquisadas. ............................. 102
4.3 A Famlia e a criana
...............................................................................................
113
4.4 Jovens ou Adolescentes?
.........................................................................................
127
4.5 O Sujeito Indgena Kaiow e Terena
.......................................................................
137
CONSIDERAES FINAIS
...............................................................................................
144
REFERNCIAS
...................................................................................................................
144
5 ANEXOS
........................................................................................................................
154
5.1 Anexo I - Autorizao para a pesquisa
....................................................................
154
5.2 Anexo II vinculao em pesquisa
.........................................................................
155
6 APNDICE
....................................................................................................................
156
6.1 Apndice A - Autorizao para pesquisa na
Comunidade....................................... 156
6.2 Apndice B - Termo de Consentimento Livre E Esclarecido
.................................. 158
6.3 Apndice C - Formulrio de consentimento para publicao de
fotografia ............ 160
6.4 Apndice D - Entrevista as Mes ou Familiares Indgenas
..................................... 161
6.5 Apndice E - Entrevista aos Professores Da Comunidade Indgena
....................... 162
6.6 Apndice F - Entrevista aos Jovens Indgenas
......................................................... 163
6.7 Apndice G - roteiro de observao: crianas/jovens/comunidade
......................... 164
LISTA DE MAPAS
MAPA 1 - Mapa da reserva indgena
Boror........................................................................................
50
MAPA 2 Mapa Aldeia indgena Bananal
...........................................................................................
75
LISTA DE IMAGENS
IMAGEM 1 - Delfina and Dimas de Diego Riviera (1904)
..............................................................
3
IMAGEM 2 - Diau e Sangay de lon Brasil (2014).
....................................................................
33
IMAGEM 3 - Residncia indgena da Reserva Boror (Acervo pessoal)
...................................... 51
IMAGEM 4 - Escola Municipal Indgena do Agustinho da reserva
indgena Boror, vista Lateral - Acervo Pessoal
...........................................................................................................................
53
IMAGEM 5 - Prestes Brasil (2011).
.............................................................................................
58
IMAGEM 6 - Escola Marechal Candido Rondon. (Acervo Pessoal)
................................................ 77
IMAGEM 7 - Escola Estadual de Ensino Mdio Professor Domingos
Verissimo Marcos, vista de frente (Acervo Pessoal).
............................................................................................................
77
IMAGEM 8 - Reflexo de lon Brasil (2014)
...............................................................................
78
IMAGEM 9 - Ritual de Eln Brasil (2013).
...................................................................................
99
IMAGEM 10 - Escola Municipal Indgena do Agustinho. Vista Lateral
(Acervo pessoal) .............. 104
IMAGEM 11 - Residncia indgena terras de Dourados-MS (Acervo
Pessoal). ........................... 107
IMAGEM 12 - Casa indgena reserva Boror (Acervo Pessoal)
.................................................... 108
IMAGEM 13 - Escola Estadual Indgena de Ensino Mdio Professor
Domingos Verissimo Marcos. Vista Lateral. (Acervo pessoal)
..................................................................................................
112
IMAGEM 14 - Escola Estadual Indgena de Ensino Mdio Professor
Domingos Verissimo Marcos. Ptio do fundo. (Acervo pessoal).
...............................................................................................
112
file:///D:/UCDB/DOUTORADO/ADRIANA%20SORDI/TESE%20-%20ADRIANA%20SORDI%20-%20FINAL.docx%23_Toc515970850file:///D:/UCDB/DOUTORADO/ADRIANA%20SORDI/TESE%20-%20ADRIANA%20SORDI%20-%20FINAL.docx%23_Toc515970860file:///D:/UCDB/DOUTORADO/ADRIANA%20SORDI/TESE%20-%20ADRIANA%20SORDI%20-%20FINAL.docx%23_Toc515970862file:///D:/UCDB/DOUTORADO/ADRIANA%20SORDI/TESE%20-%20ADRIANA%20SORDI%20-%20FINAL.docx%23_Toc515970862
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Critrios de incluso e excluso para as entrevistas
...................................................... 31
QUADRO 2- Aspectos do desenvolvimento Guarani-Kaiow, conforme
estudos de Lescano (2016) 46
QUADRO 3 - ndice de suicdio por faixa etria.
.................................................................................
56
LISTA DE SIGLAS
CAND Colnia Agrcola de Dourados
CAPES Comisso de Aperfeioamento de Pessoal do Nvel Superior
CAPS AD Centro de Apoio Psicossocial lcool e Drogas
CEP Comit de tica em Pesquisa
CIMI Conselho Indgena Missionrio
CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa
DF Distrito Federal
DSEI Distrito Sanitrio Especial Indgena
ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio
FUNAI Fundao Nacional do ndio
FUNASA Fundao Nacional de Sade
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ISA Instituto Scio Ambiental
LILACS - Literatura Latino-americana e do Caribe em Cincias da
Sade - Biblioteca Virtual
em Sade BVS
MS Mato Grosso do Sul
PET Programa de Erradicao do Trabalho Infantil
RID Reserva Indgena de Dourados
SCIELO - Scientific Electronic Library Online
SESAI - Secretaria Especial de Sade Indgena
SIASI - Sistema de Informao da Ateno Sade Indgena
SIC Segundo Informaes Colhidas
SPI Servio de Proteo ao ndio
TAC Termo de Ajustamento de Comportamento
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNAM Universidade Autnoma do Mxico
UCDB Universidade Catlica Dom Bosco
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, e Cincia e a
Cultura
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
UNIGRAN Centro Universitrio da Grande Dourados
UNIGRAN Capital Faculdade Unigran Capital
RESUMO
Esta tese intitulada A constituio do Sujeito indgena Jovem
Guarani-Kaiow e Terena: um estudo a partir da teoria da
subjetividade teve como objetivo geral compreender as configuraes
subjetivas do jovem indgena Guarani-Kaiow e Terena. Os objetivos
especficos se voltaram para: a) compreender a constituio do sujeito
indgena desde a infncia at a juventude; b) caracterizar a fase de
transio da infncia vida adulta nas etnias Guarani-Kaiow e Terena;
c) verificar as caractersticas e vivncias do jovem indgena nas
referidas etnias; d) verificar o impacto da aproximao da sociedade
no indgena no jovem indgena das etnias pesquisadas e, por fim, e)
analisar os aspectos de identidade tnica que garantem a resistncia
enquanto sujeitos pertencentes a um grupo. Considerando os aspectos
apresentados na pesquisa e tendo em vista os objetivos propostos,
optou-se pela escolha do mtodo qualitativo para o desenvolvimento e
anlise dos dados evidenciados na pesquisa. O trabalho de campo
ocorreu com base em entrevistas semiestruturadas realizadas com
jovens, pais, lideranas e professores das etnias selecionadas, na
comunidade Boror das terras indgenas de Dourados-MS, bem como na
comunidade Bananal das terras indgenas de Taunay, no municpio de
Aquidauana-MS. Para discutir e compreender o indgena jovem,
recorreu-se aos estudos de Gonzlez Rey (2007, 2010, 2012, 2015,
2016, 2017) acerca da subjetividade e da cultura, como tambm dos
pressupostos tericos de Cunha (2017), que atesta a identidade tnica
como resultado do sentimento de pertencimento a um grupo. Aponta-se
como resultado que a constituio do jovem ndio se d pelo sentimento
de pertencimento ao grupo e pelos aprendizados dispostos pela
famlia, muito mais do que pelas influncias externas da sociedade de
no-indgenas. E ainda: quando no h o sentimento de pertencimento nem
ressignificao em relao a ser ndio, ocorrem processos de adoecimento
psquico que podem levar os indivduos das etnias pesquisadas ao uso
de lcool e drogas ilcitas.
Palavras-Chave: Jovem Indgena. Subjetividade. Cultura.
ABSTRACT
This research, which in english the title approaches "The
constitution of the Guarani-Kaiow and Terena Young Indigenous
Subject: a study based on the theory of subjectivity", had as a
general objective to understand the subjective configurations of
the young indigenous Guarani-Kaiow and Terena. The specific
objectives were: a) to understand the constitution of the
indigenous subject from childhood to youth; b) characterize the
transition phase from childhood to adult life in the Guarani-Kaiow
and Terena ethnicities; c) to verify the characteristics and
experiences of the indigenous youth in these ethnic groups; d) to
verify the impact of the approximation of the non-indigenous
society on the young indigenous of the researched ethnic groups
and, finally, e) to analyze the aspects of ethnic identity that
guarantee resistance as subjects belonging to a group. Considering
the aspects which has presented in the research and in view of the
proposed objectives, we opted for the choice of the qualitative
method for the development and analysis of the data evidenced in
the research. Fieldwork was carried out based on semi-structured
interviews with young people, parents, leaders and teachers of the
selected ethnic groups in the Boror community of the indigenous
areas of Dourados city in Mato Grosso do Sul states, as well as in
the Bananal community of the indigenous area of Taunay, in the
municipality of Aquidauana city in Mato Grosso do Sul states. In
order to discuss and understand the young indigenous, we used the
studies of Gonzlez Rey (2007, 2010, 2012, 2015, 2016, 2017) about
subjectivity and culture, as well as the theoretical assumptions of
Cunha (2017), which attests to ethnic identity as a result of the
feeling of belonging to a group. It has pointed out that the
constitution of the young Indian is due to the feeling of belonging
to the group and to the learning disposed by the family, much more
than by the external influences of the non-indigenous society. And
yet: when there is no sense of belonging or resignification in
relation to being Indian, there are processes of psychic illness
that can lead the individuals of the ethnicities researched to the
use of alcohol and illicit drugs.
Keywords: Young Indigenous. Subjectivity. Culture.
RESUMEN
Esta tesis titulada "La constitucin del Sujeto indgena Joven
Guaran-Kaiow y Terena: una investigacin a partir de la teora de la
subjetividad" tuvo como objetivo general comprender las
configuraciones subjetivas del joven indgena Guaran-Kaiow y Terena.
Los objetivos especficos se volvieron para: a) comprender la
constitucin del sujeto indgena desde la niez hasta la juventud; b)
caracterizar la fase de transicin de la niez a la vida adulta en
las etnias Guaran-Kaiow y Terena; c) verificar las caractersticas y
vivencias del joven indgena en las referidas etnias; d) verificar
el impacto de la aproximacin de la sociedad no indgena en el joven
indgena de las etnias investigadas y, por ltimo, e) analizar los
aspectos de identidad tnica que garantizan la resistencia como
sujetos pertenecientes a un grupo. Considerando los aspectos
presentados en la investigacin y teniendo en cuenta los objetivos
propuestos, se opt por la eleccin del mtodo cualitativo para el
desarrollo y anlisis de los datos evidenciados en la investigacin.
El trabajo de campo ocurri con base en encuestas semiestructuradas
realizadas con jvenes, padres, lderes y profesores de las etnias
seleccionadas, en la comunidad Boror de las tierras indgenas de
Dourados-MS, as como en la comunidad Bananal de las tierras
indgenas de Taunay, en el municipio de Aquidauana- MS. Para
discutir y comprender al indgena joven, se recurri a los estudios
de Gonzlez Rey (2007, 2010, 2012, 2015, 2016, 2017) acerca de la
subjetividad y la cultura, as como de los presupuestos tericos de
Cunha (2017), que atestigua identidad tnica como resultado del
sentimiento de pertenencia a un grupo. Se apunta como resultado que
la constitucin del joven indio se da por el sentimiento de
pertenencia al grupo y por los aprendizajes dispuestos por la
familia, mucho ms que por las influencias externas de la sociedad
de no indgenas. Y an: cuando no hay el sentimiento de pertenencia
ni redefinicin en relacin a ser indio, ocurren procesos de adiccin
psquica que pueden llevar a los individuos de las etnias
investigadas al uso de alcohol y drogas ilcitas. Palabras clave:
Joven Indgena. Subjetividad. Cultura.
16
INTRODUO
Cotidianamente somos bombardeados pela mdia em relao ao indgena
e seus
problemas que so evidenciados por meio de relatos de brigas,
violncia, homicdios e
suicdio nas aldeias, todos justificados sob a perspectiva do uso
excessivo de lcool e drogas.
Essas constantes informaes nos levam a inquirir particularmente
sobre os conflitos que o
jovem indgena vem vivenciando, imbuindo a suspeita de que so
decorrentes inclusive de
conflitos de sua prpria subjetividade e, consequentemente,
denotando a urgncia de
pesquisas que possam dar respostas a essa problemtica,
especialmente no campo da
Psicologia que, como cincia, pode contribuir com esses
questionamentos.
Segundo a Unicef (2014), so os jovens, mais do que qualquer
outro grupo, que esto
em constante dilogo com a sociedade no indgena, dilogo que se
apresenta, na maioria das
vezes, em forma de conflitos.
Meu percurso como pesquisadora de populaes indgenas se iniciou
no mestrado,
com o grupo Guarani-Kaiow, e teve como objetivo compreender o
ajustamento da criana na
escola, por perceber que, nesse espao, ela se apresentava de
forma tranquila e muito
disciplinada. Por meio da pesquisa sobre o ajustamento escolar
da criana Guarani-Kaiow,
constatei que as crianas tinham bem internalizadas as normas de
convivncia social,
evidenciando-se, em todas as visitas realizadas na comunidade,
que a forma com que elas
eram tratadas por seus familiares, a riqueza nos relacionamentos
desde os primeiros vnculos
afetivos entre me/beb e o respeito e a ateno dispensados a essas
crianas seriam os fatores
que possivelmente geram nelas uma segurana interna e a estrutura
de sua personalidade.
Neste sentido, diante da experincia adquirida durante o mestrado
nos anos de 2004 a
2006 e pela continuidade da pesquisa com populaes indgenas,
surgiu o interesse em
investigar sobre a fase de transio da infncia para a vida
adulta, culturalmente denominada
em nossa cultura como adolescncia. Sendo assim, participei do
processo seletivo do
Programa de Mestrado e Doutorado/UCDB, tendo o projeto aprovado
com o tema:
Adolescncia Indgena: um estudo sobre as etnias Guarani-Kaiow,
Terena e Kadiwo.
Esse tema muito me intrigava, pois seria a adolescncia indgena
semelhante
adolescncia no indgena, ou seja, uma fase de conflitos, de
crises, marcada por rupturas e
estruturaes de identidades? Nesse sentido, poderia no haver
conflitos, afinal o jovem
17
indgena tem outra cultura. Considerando que na literatura sobre
a juventude indgena h a
descrio de ritos de passagem, como pensar nessa configurao
cultural diversificada? Seria
possvel falar de adolescncia em culturas indgenas? E ainda: se
na pesquisa realizada no
mestrado concluiu-se que o ajustamento escolar da criana
Guarani-Kaiow na escola seria
decorrente das relaes familiares e da forma como a criana
conduzida e ensinada pela
famlia, ento o que estaria ocorrendo com o jovem indgena na
atualidade?
Alicerada por esses questionamentos, o presente trabalho
representa um esforo para
entender como se encontra, em termos de subjetividade, o jovem
das duas maiores etnias
indgenas do estado, ou seja, os Guarani-Kaiow e os Terena, cujas
comunidades se localizam
no estado de Mato Grosso do Sul. A escolha dos jovens indgenas
desses grupos se justifica
porque seus integrantes se apresentam de forma muito diferente
em suas diversidades
culturais, filosficas, polticas e lingusticas. Assim, buscamos
entender quais so os aspectos
de conexo entre as duas etnias e comunidades, bem como os
aspectos de divergncia em
relao a seus jovens no que tange cultura de cada grupo.
Nesta tese, busca-se compreender os processos de subjetividade
dos jovens indgenas,
considerando as configuraes subjetivas processadas no interior
de cada grupo pesquisado a
partir da perspectiva da subjetividade de Gonzlez Rey (2007,
2010, 2012, 2015, 2016, 2017).
Ao falar de configuraes subjetivas, o referido autor afirma que,
independente do fenmeno
social ou situao vivenciada pelo sujeito, o entendimento da
esfera social ocorre atravs das
configuraes subjetivas. Portanto, as configuraes subjetivas so
organizaes produzidas
subjetivamente frente situao vivenciada e, dessa forma, so
construdas pelo sujeito
atravs do que sentido, ou seja, pela emocionalidade. A
perspectiva defendida por Gonzlez
Rey parte do princpio das configuraes subjetivas que emergem dos
espaos sociais. Esses
espaos sociais se configuram e reconfiguram de forma permanente
e por diferentes vias,
sendo uma delas as prprias configuraes subjetivas das pessoas
que compartilham prticas
sociais em seu interior. (GONZALEZ REY, 2012a, p.182).
A pesquisa ora apresentada se vincula ao Programa de Ps-Graduao
Mestrado e
Doutorado em Psicologia, rea de concentrao da Sade, da
Universidade Catlica Dom
Bosco-UCDB. O ttulo escolhido, A Constituio do Sujeito Indgena
Jovem Guarani-
Kaiow e Terena: um estudo a partir da teoria da subjetividade,
teve como objetivo geral
compreender as configuraes subjetivas do jovem indgena
Guarani-Kaiow e Terena. Os
objetivos especficos, por sua vez, foram: a) compreender a
constituio do sujeito indgena
18
desde a infncia at a juventude; b) caracterizar a fase de
transio da infncia vida adulta,
nas etnias Guarani-Kaiow e Terena; c) verificar as
caractersticas e vivncias do jovem
indgena nas referidas etnias; d) verificar o impacto da
aproximao da sociedade no
indgena no jovem indgena das etnias pesquisadas e, por fim, e)
analisar os aspectos de
identidade tnica que garantem a resistncia enquanto sujeitos
pertencentes a um grupo.
Entende-se que este seja um tema atual e significativo, uma vez
que preciso, cada
vez mais, realizar discusses e reflexes em relao s diversidades
culturais brasileiras,
assim como do mundo dito globalizado. Alm das grandes
transformaes que vm ocorrendo
nas sociedades indgenas, algumas vistas como positivas como o
caso de suas articulaes e
inseres no meio poltico, quer seja na execuo ou gesto de
polticas especficas, bem
como nas representaes em diferentes espaos decisrios na busca de
efetivao e
reconhecimento de seus direitos h tambm os aspectos negativos,
como aqueles
amplamente divulgados em diferentes mdias, tais como: o aumento
do nmero de casos de
violncia nas comunidades; os casos do uso excessivo de lcool e
drogas; escassez de
recursos naturais, de insumo e materiais para produo de
subsistncia; extrema
vulnerabilidade socioeconmica; limitao e diminuio das terras
indgenas; conflitos com
grandes agropecurios, entre outras questes. Essas questes tm
chamado a ateno de
representantes de diferentes Polticas Pblicas, bem como de
lideranas indgenas e
pesquisadores.
Vale destacar que corroboramos a ideia de Cunha (2017, p. 259)
de que os povos
indgenas devem ter seus direitos garantidos e preservados pelo
Estado, o que inclui o direito
histrico a seus territrios, o direito a serem reconhecidos como
povo, e direito, como todos
os segmentos sociais deste pas, cidadania, isto , a organizao e
representao.
Sendo assim, no h a inteno de encontrar, respostas a todas as
problematizaes
levantadas nesta pesquisa, mas conhecer as configuraes
subjetivas do indgena jovem e
como se constitui esse sujeito.
Uma das questes mais visibilizadas em relao aos indgenas se
refere terra. Nesse
sentido, necessrio, neste momento, assinalar que existe uma
distino entre as modalidades
de terras indgenas. Segundo a Fundao Nacional do ndio - Funai1,
nos termos da legislao
vigente (CF.88, Lei 6001-73. Estatuto do ndio n.1775.96), as
terras indgenas so
1 fonte: www.funai.gov.br
19
classificadas como: terras tradicionais, reservas indgenas,
terras de ocupao indgena e
terras interditadas. Assim, so terras tradicionais indgenas, de
direito originrio, aquelas
defendidas pela Unio, conforme a Constituio Federal de 1988, no
seu art.231. As reservas
indgenas so terras da Unio, desapropriadas ou doadas por
terceiros, que se destinam
posse permanente dos povos indgenas. J as terras de ocupao
indgena so terras de
propriedade indgena, havidas por qualquer forma de aquisio do
domnio. E, por fim, as
terras interditadas so reas interditadas pela Funai, para proteo
dos povos e grupos
indgenas.
A poltica brasileira organizada para o atendimento aos povos
indgenas foi alicerada
a partir de uma perspectiva assimilacionista que, sob a gide do
desenvolvimento
econmico da nao, cedeu terras tradicionais indgenas a no
indgenas, deixando aquelas
populaes em situao de extrema vulnerabilidade socioeconmica.
Vainfas (2007) se refere ao despovoamento do territrio
brasileiro afirmando que, no
ano de 1500, havia cerca de um milho de indgenas no Brasil;
atualmente no passam de 300
mil indivduos. Os prprios jesutas, na poca da colonizao (1549),
na inteno de civiliz-
los e catequiz-los, acabaram por tecer um movimento de
homogeneizao que apagou as
diferenas culturais dos grupos indgenas.
Nesse sentido, todas essas prticas quer sejam elas pblicas ou
privadas
culminaram com a limitao territorial das populaes indgenas e a
expulso de suas terras
tradicionais, acarretando, dentre outros aspectos, a dificuldade
de sobrevivncia dessas
populaes e de manuteno de suas tradies, principalmente no que
tange ao acesso
territrios tradicionais.
Conforme afirma Silva (2015), a Constituio Federal de 1988 foi
um marco na defesa
dos direitos dos povos indgenas e de sua forma de viver por meio
dos seus artigos 210, que
prima pelo direito educao, e dos artigos 215 e 216, que expem o
direito cultura, como
tambm do artigo 231, que defende e reconhece aos ndios a sua
organizao social, bem
como seus costumes, lnguas, crenas e tradies, alm do direito
originrio s terras, cabendo
unio proteger e fazer respeitar seus direitos. Portanto, o
direito de acesso terra e ao
habitat no qual pode se reproduzir fsica e culturalmente, de
direito fundamental indgena,
positivado, expressamente, no artigo 231, caput, da Constituio.
(SILVA, 2015, p.78).
Desse modo, o que fica evidente nessas questes que envolvem o
indgena e a terra,
20
desde a colonizao, que, no cenrio que se estabeleceu por meio de
Polticas Pblicas, o
objetivo delas era inviabilizar o modo tradicional indgena, uma
vez que, com o
enfraquecimento da sua identidade, tinha-se em vista a mo de
obra barata. Assim, criaram-se
todas as condies que tm sido acompanhadas atualmente em relao as
populaes
indgenas, bem como, no que diz respeito s reivindicaes e disputa
de terras. A esse
respeito, Oliveira (1999, p. 108) afirma que:
A problemtica do territrio central na existncia atual dos ndios
e se reflete no apenas nas suas mobilizaes poltico-reivindicatrias,
mas tambm ocupa uma posio central na definio dos padres de sua
organizao social e nas suas manifestaes identitrias e
culturais.
Muito mais do que um processo de reivindicao de posse de
territrios especficos, a
populao indgena busca a retomada de terras tradicionais, cujo
valor simblico se traduz por
meio do sentimento de pertencimento e manuteno de tradies de
cada comunidade.
Todas essas questes levam reflexo sobre o direito
autodeterminao, prevista
pela Declarao da ONU sobre o Direito dos Povos Indgenas (2008)2,
que estabelece o
direito das populaes indgenas diferenciao social. Cunha (2017,
p. 252) afirma que essa
medida diz respeito [...] ao direito terra, as condies de sade,
de educao, de cultura.
Todavia, a dificuldade de manuteno de suas tradies sociais,
culturais e religiosas, o
contato direto com populaes no indgenas, bem como a necessidade
de integrar-se a
sistemas sociais totalmente diferenciados, contriburam para a
condio aviltante das
diferentes comunidades de Mato Grosso do Sul.
Voltando organizao da poltica de atendimento aos povos indgenas
no Brasil (para
esta tese especificamente as etnias Guarani-Kaiow e Terena) sob
a perspectiva de
preservao das etnias indgenas, constituram-se algumas reservas
no pas como, por
exemplo, a de Dourados-MS, onde se encontram as etnias
Guarani-Kaiow e Terena. Como
cita Meli (1979), por volta de 1940, j sem espao fsico, os
Guarani3 foram levados
aleatoriamente para algumas reservas indgenas do pas, as quais
ficavam propositalmente
prximas s cidades, com o intuito de civiliz-los, pois, na poca,
prevalecia o pensamento de
que eram povos culturalmente atrasados e, prximos cidade, teriam
a oportunidade de se
2 Naes Unidas. Declarao sobre os direitos dos povos indgenas.
UNIC, Rio de Janeiro, 2008.
//http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf//
Acessado em 13/03/2018. 3 Utilizamos o termo Guarani nos referindo
ao grande tronco Guarani, porm podem aparecer em outros trechos
deste trabalho outras formas de escrita tais como Guarani-Kaiow,
Guarani-Nandev ou Guarani-Mybua, conforme especificado pelos
autores citados neste trabalho.
21
tornarem mais civilizados.
Especificamente na reserva Boror de Dourados-MS, destinada etnia
Guarani-
Kaiow, h falta de terra para o plantio, acarretando diversos
problemas, como a falta de
trabalho para os homens, que saem em busca de sustento nas
fazendas da regio ou nas usinas
de lcool. Alm da falta de moradia adequada e da proximidade
cidade, h ainda problemas
de consumo de lcool e drogas, alm daqueles causados pela excluso
social, discriminao e
preconceito em relao ao ndio.
Dentre todos esses fatores, existem tambm os problemas de
suicdio dos jovens
indgenas, uma caracterstica das reservas do sul do estado de
Mato Grosso do Sul e,
especificamente, da etnia Guarani-Kaiow, fato que tem chamado a
ateno de pesquisadores
e estudiosos sobre o assunto. (GRUBITS, FREIRE, NORIEGA,
2011;VICK, 2011).
A Unicef (2014, p. 07) num estudo intitulado Suicdio adolescente
em povos
indgenas, realizado em comunidades indgenas do Brasil, Peru e
Colmbia, declara:
Muitos jovens indgenas sentem-se isolados, fora do lugar
adequado as suas necessidades,
quando nas sociedades envolventes, pela profunda discriminao que
os no- indgenas tm
contra esta populao. Enfim, so inmeros os aspectos que
justificam a pesquisa sobre os
jovens indgenas Guarani-Kaiow da reserva Boror.
No que tange populao Terena, essa etnia a segunda maior populao
indgena do
estado de Mato Grosso do Sul, estimada em 20 mil pessoas
(FUNASA4, 2010). O interesse
em estudar essa populao surgiu a partir de visitas comunidade
Bananal do municpio de
Aquidauana-MS, juntamente com a pesquisadora orientadora desse
trabalho, observando os
jovens da comunidade, por se apresentarem com caractersticas
muito semelhantes aos jovens
no indgenas. Durante as visitas comunidade, observei muitos
jovens indgenas portando
aparelhos celulares, pilotando motos, ou mesmo com trajes muito
semelhantes aos dos jovens
no indgenas, dentre outros aspectos. Essas caractersticas e
semelhanas com a cultura no
indgena, refletida na conduta dos jovens indgenas, despertou meu
interesse em entender
como esses sujeitos estavam em relao a sua prpria cultura
indgena.
O lugar do jovem indgena, o ser jovem indgena, passa ento a
despertar mltiplos
4 FUNASA - Fundao Nacional de Sade. Relatrio Gesto/MS, 2009.
Disponvel em:
http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/10/RELATORIO_GESTAO-MS-2009.pdf.
Acessado em: 26 abril de 2017.
http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/10/RELATORIO_GESTAO-MS-2009.pdf
22
questionamentos sobre essa fase do desenvolvimento humano,
reconhecida em nossa cultura
como um processo de transformao. Numa aproximao a priori e para
organizao deste
estudo, ao se referir aos jovens indgenas, estes so considerados
como sujeitos em formao,
pois h pouco deixaram de ser crianas e ainda no exercem
plenamente a vida adulta, apesar
de possurem condies de participar dela. Consubstanciando o
processo de efetivao desta
pesquisa, so utilizados alguns conceitos-chave e, a partir
deles, foi possvel movimentar as
reflexes e anlises dos dados coletados. Os conceitos mais
utilizados, que aliceraram a
organizao desta tese, foram: grupos tnicos; comunidades
indgenas; configuraes
subjetivas e cultura. Alguns deles sero definidos neste momento,
outros, durante a anlise
propriamente dita dos dados coletados, tendo em vista a
pertinncia da fase da pesquisa em
que emergem.
As problematizaes at agora apresentadas nos fazem refletir sobre
as questes
tnicas, e estas, por sua vez, nos levam aos grupos tnicos
caracterizados pela distino que os
membros dos grupos percebem entre eles prprios em relao a outros
grupos com os quais
interagem, sendo o pertencimento do indgena defendido pela
autoidentificao ou pelo
autorreconhecimento de ser ndio. Para Silva (2015), a
autoidentificao do indgena est
prevista em vrios documentos, tais como: na Declarao da ONU, na
carta das Naes
Unidas, no Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e
Culturais e no Pacto
Internacional de Direitos Civis e Polticos; todos esses
documentos asseguram ao indgena o
direito de decidir por si mesmo o direito de ser indgena. Porm,
apesar de todos esses direitos
garantidos por lei, isso no testifica que os jovens indgenas se
autoidentifiquem como
indgenas, processo que depende da constituio subjetiva de cada
sujeito.
Com base nesses pressupostos, convm salientar que comunidades
indgenas so
aquelas que, tendo uma continuidade histrica com sociedades
pr-colombianas, se
consideram distintas da sociedade nacional. E ndio quem pertence
a uma dessas
comunidades indgenas e por ela reconhecido. (CUNHA, 2017, p.
253). Os aspectos de
pertencimento a um grupo tnico, bem como os aspectos culturais,
que retratam a histria do
referido grupo, do sentido vida dos seus sujeitos e, com isso,
estes vo se constituindo
enquanto sujeitos subjetivos.
Alm do conceito de configuraes subjetivas, nesta tese o conceito
de cultura ser
utilizado constantemente para as anlises propostas. Mas, como
ser abordado o termo cultura
nesse contexto? Gonzlez Rey e Mitjans Martnez (2017) entendem a
cultura como uma
23
produo subjetiva, que se torna objetiva atravs dos smbolos, dos
rituais, dos mitos, com
seus significados imaginrios, mas que se apresentam de forma
objetiva a cada nova gerao
gerando, consequentemente, novas produes subjetivas que alteram
novamente a cultura e,
assim, sucessivamente, tornando-se fonte de desenvolvimento da
subjetividade. Segundo os
autores, A cultura representa um conjunto de recursos, prticas e
formas simblicas
exclusivas do ser humano5. (GONZLEZ REY; MITJANS MARTNEZ, 2017,
p. 05. Nossa
Traduo).
Corroboramos o pensamento de Cunha (2017) de que um grupo tnico
no pode ser
reconhecido pela sua cultura, pois ela no esttica, est em
constante processo de mudana,
apesar de que seja considerada como a institucionalizao de um
grupo atravs da sua
histria, bem como de suas normas e regras e, neste sentido, faz
parte do desenvolvimento da
subjetividade dos sujeitos.
Considerando os aspetos apresentados at o momento e tendo em
vista os objetivos
propostos por esta pesquisa, optou-se pela escolha do mtodo
qualitativo para o
desenvolvimento e anlise dos dados aqui evidenciados, bem como
em virtude da
complexidade do tema que envolve questes subjetivas e tnicas,
que muito tm se alterado
na atualidade dos grupos indgenas, bem como pelo impacto que
esses grupos tm sofrido por
meio da interferncia de outras culturas, as quais influenciam a
maneira de ser e de viver do
indgena e, em muitos casos, propiciam a perda do seu
bem-estar.
Segundo Grubits e Darrault-Harris (2004), preciso ir alm das
aparncias e das
manifestaes imediatas ou de dados isolados; preciso buscar o
sentido oculto, alcanando a
essncia dos fenmenos. Minayo (2010), por sua vez, afirma que o
mtodo qualitativo
possibilita elucidar processos sociais at ento parcamente
conhecidos concernentes a grupos
especficos, alm de assegurar a elaborao de novas abordagens,
reformulao e concepo
de novos conceitos e categorias ao longo da investigao.
Para Chiazotti (1990, apud GRUBITS; DARRAULT-HARRIS, 2004), na
abordagem
qualitativa existe uma relao dinmica entre o mundo real e o
sujeito da investigao ou seja,
pesquisador e pesquisado assumem uma relao dinmica. Tambm para
Bogdan e Biklen
(1998, apud GRUBITS; DARRAULT-HARRIS, 2004), o significado que
os indivduos do
s coisas e s suas vidas so foco de ateno especial, o que supe o
contato direto e
5 La cultura representa un conjunto de recursos, prcticas y
formas simblicas exclusivas del ser humano.
24
prolongado do pesquisador com o ambiente e a situao investigada.
A preocupao com o
processo maior que a preocupao com o produto, j que, ao estudar
determinado problema,
o interesse do pesquisador verificar como este se manifesta nas
atividades, procedimentos e
interaes cotidianas.
Minayo (2010) defende que a atribuio essencial do mtodo tornar
verossmil a
abordagem da realidade a partir das indagaes concebidas pelo
investigador. Segundo a
autora:
O mtodo qualitativo o que se aplica ao estudo da histria, das
relaes, das representaes, das crenas, das percepes e das opinies,
produtos das interpretaes que os humanos fazem a respeito de como
vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam.
(MINAYO, 2010, p. 57).
Esse tipo de abordagem se ajusta perfeitamente a investigaes de
grupos e segmentos
circunscritos e focalizados, de histrias sociais sob a
perspectiva dos atores, de relaes e para
anlises de discurso e de registros.
Minayo (2010, p. 57) explana que esse tipo de metodologia [...]
caracteriza-se pela
empiria e pela sistematizao progressiva de conhecimento at a
compreenso da lgica
interna do grupo ou do processo em estudo. Por conseguinte,
igualmente empregado para o
desenvolvimento de novas conjecturas e criao de indicadores
qualitativos, variveis e
tipologias.
A pesquisa se dividiu em momentos distintos. Inicialmente
realizou-se o levantamento
das fontes bibliogrficas sobre as etnias Guarani-Kaiow e Terena;
posteriormente foram
realizados estudos em relao abordagem terica da subjetividade; e
por fim, a pesquisa de
campo nas comunidades. A anlise dos resultados foi realizada por
meio do levantamento
bibliogrfico dos grupos estudados, do campo epistemolgico de
estudo e atravs das
entrevistas e observaes realizadas.
A pesquisa de carter bibliogrfico, em busca da produo cientfica
e do
levantamento bibliogrfico deste trabalho, foi feita nas
dependncias da biblioteca Padre Flix
Zavattaro da Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB), na
Biblioteca da Faculdade Unigran
Capital e na Biblioteca de Ps-Graduao da Universidade Autnoma do
Mxico (UNAM),
alm das bibliotecas virtuais de domnio pblico e, ainda, por meio
de acervo pessoal.
Inicialmente, a pesquisa de carter bibliogrfico, em busca de
produo cientfica do
25
tipo artigo, dissertaes e teses sobre as populaes indgenas
Terena e Guarani-Kaiow, em
relao aos aspectos sociais e culturais, foi realizada em trs
sites de busca cientfica: Scielo,
Lilacs e Portal Capes. Essa busca foi realizada no perodo que
compreende os anos de 2006 e
2016, perodo escolhido tendo em vista os ltimos dez anos de
produes e estudos, salvo
algumas excees, ocorridas diante da dificuldade de encontrar
artigos relacionados com o
tema indgena. Serviram como descritores as palavras: Indgenas
Terena; Indgenas Guarani-
Kaiow; Cultura; Identidade tnica; Educao indgena; Terra e
territorialidade; Religio.
Buscou-se inicialmente compreender os grupos pesquisados em
relao a sua cultura e, assim,
suas normas e crenas, bem como as questes relacionadas educao de
suas crianas e
jovens que revelam aspectos tnicos e que denotam a cultura de um
grupo, como tambm as
questes dos conflitos agrrios e da espiritualidade. Todas essas
especificidades serviram para
compreender o jovem indgena.
A pesquisa em livros de autores consagrados que versam sobre o
tema foi feita sem
imposio de um perodo de busca especfico, at porque as
bibliografias que versam sobre o
tema indgena so raras. Tambm nessa etapa, realizou-se a busca em
boletins e artigos de
sites de rgos governamentais como FUNAI6 e FUNASA7.
Desse modo, revendo trabalhos realizados, tendo como base a
etnia Terena no perodo
citado, atravs de palavras-chave Indgenas Terena, Cultura e
Etnicidade, Psicologia
Social, Educao de crianas e Jovens indgenas, aliado ao percurso
acadmico e de
pesquisa da autora e da orientadora deste trabalho, buscou-se
fazer um recorte e a anlise do
comportamento indgena Terena. Do mesmo modo, atravs da busca por
produes cientficas
do tipo artigo, dissertaes, teses ou livros, no perodo acima
citado, atravs das palavras-
chave Indgenas Guarani-Kaiow, Cultura e Etnicidade, Psicologia
social, Educao
de crianas e Jovens indgenas, igualmente buscou-se fazer um
recorte e anlise do
comportamento indgena Guarani-Kaiow.
Foram efetivados os procedimentos ticos bsicos para a pesquisa
com seres humanos
por meio da obteno da assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido,
conforme Resoluo n 196/96, do Conselho Nacional de Sade. Alm
disso, submeteu-se o
Projeto de Pesquisa ao CEP8 da Universidade Catlica Dom Bosco e
ao CONEP9. Tambm
6 Fundao Nacional do ndio. 7 Fundao Nacional de Sade. 8 Comit de
tica em Pesquisa. 9 Comisso Nacional de tica em Pesquisa.
26
houve a necessidade de pedido de autorizao FUNAI regional de
Campo Grande e
Dourados, responsvel, respectivamente, pelas terras indgenas de
Taunay-Ipegue, do
municpio de Aquidauana e pelas terras indgenas de Dourados. Alm
disso, e no menos
importante, foi preciso obter autorizao das lideranas indgenas,
na pessoa da liderana de
cada comunidade indgena e, alm deles, dos responsveis pelas
escolas indgenas. Todas as
entrevistas serviram para entender o contexto cultural em que a
pesquisa estava imersa, bem
como os aspectos citados nos objetivos geral e especficos.
Conforme Resoluo CNS n 466, de 12 de dezembro de 2012 do
Ministrio da Sade,
cuja rea temtica diz respeito pesquisa com seres humanos, e da
Resoluo n. 016, de 20 de
dezembro de 2000, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a
qual tem atribuio de
complementar a Resoluo CNS n466/12, foi feito o contato com a
liderana indgena da
reserva Boror do municpio de Dourados, de predominncia do grupo
dos Guarani-Kaiow,
e com a liderana da comunidade indgena Bananal, do distrito de
Taunay, municpio de
Aquidauana, de predominncia do grupo Terena, obtendo a autorizao
das lideranas para a
pesquisa.
Aps a autorizao das lideranas, foi possvel solicitar a autorizao
dos
representantes das escolas, tanto da Escola Municipal indgena do
Agustinho, na reserva
indgena Boror, quanto da escola Estadual indgena Domingos
Verssimo Marcos, na
comunidade indgena Bananal, obtendo a autorizao para a pesquisa
nas duas escolas
indgenas.
Num segundo momento, foi realizado o trabalho de campo que, de
acordo com
Minayo, Grubits e Cavalcante (2012, p. 2028):
[...] permite a aproximao entre o pesquisador e a realidade
sobre a qual formulou perguntas, buscando testar e aprofundar seu
conhecimento hipottico. Desta forma, todo pesquisador que vai a
campo, alm de ser um curioso, um observador e um perguntador, tambm
precisa exercer [...] a arte de se colocar no lugar do outro,
promovendo a compreenso antes de qualquer interpretao.
Alm disso, o trabalho de campo um acesso para o novo, e so os
questionamentos
que se fazem realidade, a partir da teoria e dos conceitos
convertidos em elementos de
investigao, que propiciam construir a perspectiva da observao e
da compreenso
(MINAYO, GRUBITS, CAVALCANTE, 2012). A pesquisa foi realizada na
reserva indgena
Boror, localizada no municpio de Dourados-MS, onde h a
predominncia da etnia Guarani-
27
Kaiow, tanto nas residncias como na escola. Alm desse motivo,
esse local foi escolhido
por ser uma comunidade indgena muito atpica, com muitas
peculiaridades, que sero melhor
descritas no captulo sobre o grupo Guarani-Kaiow. O outro local
onde a pesquisa foi
realizada na comunidade indgena Bananal, distrito de Taunay,
municpio de Aquidauana-MS,
por haver nessa comunidade a predominncia da etnia Terena e pelo
contato da orientadora
deste trabalho com essa comunidade indgena em pesquisas
anteriormente realizadas, bem
como pelo fato dos indgenas dessa comunidade possurem um contato
mais restrito com a
sociedade no indgena. Assim, a investigao foi desenvolvida tanto
nas residncias como na
escola, alm dos locais de convivncia das referidas
comunidades.
Primeiramente a pesquisa de campo foi efetivada na comunidade
indgena Bananal,
distrito de Taunay-Ipegue, municpio de Aquidauana-MS, a qual se
estendeu por um perodo
de seis meses, sendo realizada ao todo, sete visitas a
comunidade e Escola Estadual
Domingos Verssimo Marcos, onde me deslocava de Campo Grande, e
permanecia durante o
dia na comunidade. Buscou-se a escola, por entender que numa
comunidade indgena, este
um espao social frequentado por toda a comunidade e, na maioria
das vezes, retrata as aes
e polticas de um povo, bem como suas fragilidades. A seleo dos
participantes da pesquisa
foi por convenincia, ou seja, foram convidados a participar da
pesquisa indivduos que
estavam disponveis e aceitavam participar.
Apenas em agosto de 201710 iniciou-se a pesquisa na reserva
indgena Boror no
municpio de Dourados-MS. Essa etapa compreendeu um perodo de
quatro meses, ou seja, de
agosto a dezembro de 2017, totalizando cinco visitas, em cada
visita permanecia por dois dias
na comunidade. Os encontros eram realizados principalmente na
escola Municipal Indgena
do Agustinho, considerando o mesmo motivo apontado
anteriormente, isto , com o intuito de
conhecer os costumes de seus moradores, alm de suas
peculiaridades, aspectos culturais e
identitrios. A seleo dos participantes da pesquisa na reserva
Boror tambm se deu por 10 O perodo de espaamento entre a pesquisa
realizada na comunidade Bananal e na Reserva Boror ocorreu devido
possibilidade de uma bolsa de estudos sanduche no Mxico, atravs do
Programa de Doutorado sanduche da Capes, edital 019/2016, firmado
entre a Universidade Catlica Dom Bosco UCDB e a Universidade
Autnoma do Mxico UNAM, permanecendo por cinco meses na Cidade do
Mxico e, por meio da co-orientadora, professora Sfia Rivera Aragn,
foi realizada a pesquisa com a etnia Otom, no Estado de Hidalgo,
Mxico. Esse pas, que possui uma grande diversidade cultural, foi
colonizado por espanhis que, ao chegarem em suas expedies em busca
de novas terras para a coroa, assim como aconteceu no Brasil,
ignoraram as populaes existentes. Mesmo se deparando e guerreando
com um imprio formado por nativos, como no caso em questo os
Astecas, ou mesmo as demais populaes indgenas que existiam na poca,
os colonizadores buscaram aniquilar seus povos originrios, processo
que gerou, e gera at os dias atuais, significativas perdas
culturais para a populao indgena local. Todos esses aspectos
contriburam sobremaneira para pensar e repensar sobre o indgena do
Brasil.
28
convenincia, ou seja, foram convidados a participar da pesquisa
indivduos que estavam
disponveis e aceitavam participar.
Por meio de observaes e entrevistas, pretendeu-se averiguar as
caractersticas
sociais, crendices, simbologias e peculiaridades comuns na
socializao de cada comunidade,
bem como os processos de resistncia que garantem a preservao da
cultura e que sinalizam
as configuraes subjetivas de cada grupo. Minayo (2009, p. 70)
cita que a observao,
[...] pode ser considerada parte essencial do trabalho de campo
na pesquisa qualitativa. Sua importncia de tal ordem que alguns
estudiosos a consideram no apenas uma estratgia no conjunto da
investigao das tcnicas de pesquisa, mas como um mtodo que, em si
mesmo, permite a compreenso da realidade.
A observao foi realizada levando em conta toda a comunidade e
suas relaes, bem
como seus ambientes, a disposio dos seus espaos fsicos, do
territrio, de suas
caractersticas, costumes e peculiaridades. Tambm foi utilizado
na pesquisa o registro de
imagens, as quais esto disponveis no decorrer de todo o
trabalho, aps realizao do
procedimento de coleta da assinatura que consta no Formulrio de
Consentimento para
publicao de Fotografia (apndice C).
Para melhor compreenso a respeito do comportamento dos jovens
indgenas das
comunidades Bananal e Boror, alm dos prprios jovens, foram
entrevistados seus pais,
professores e lideranas indgenas. Todas as entrevistas seguiram
um roteiro semiestruturado.
Minayo (2009, p. 64), cita que a entrevista o procedimento mais
usual no trabalho de
campo. Atravs dela, o pesquisador busca obter informes na fala
de atores sociais. A
entrevista semiestruturada, [...] combina perguntas fechadas e
abertas, em que o entrevistado
tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questo sem se
prender a indagao
formulada.
As entrevistas realizadas com as lideranas indgenas tiveram como
objetivo principal
entender os aspectos sociais e culturais de cada etnia, bem como
as caractersticas polticas e
territoriais pertinentes a cada comunidade pesquisada, fato que
influencia sobremaneira todos
os sujeitos pertencentes quele grupo, inclusive seus jovens. As
entrevistas duraram em torno
de 1 hora e meia com cada liderana, sendo realizadas em um nico
encontro.
As entrevistas realizadas com os familiares tiveram como
objetivo principal colher
informaes em relao educao e s transmisses culturais dos povos
pesquisados, assim
29
como suas normas e crenas, a fim de entender como esto os jovens
na atualidade. As
entrevistas foram elaboradas de acordo com o objetivo da
pesquisa, visando buscar
especificidades que seriam prprias e determinantes da educao da
criana, bem como do
jovem da etnia. Com isso, pretendeu-se identificar as normas e
regras estabelecidas pelo
grupo, as quais revelariam o que j est estabelecido como certo
ou, em outras palavras,
denotariam a cultura do referido grupo. Como j foi dito
anteriormente, as famlias foram
convidadas por convenincia, ou seja, foram convidados a
participar da pesquisa indivduos
que estavam disponveis e aceitavam participar. As entrevistas
com os familiares duraram em
torno de 1 hora e meia, sendo realizada em um nico encontro. As
questes que nortearam as
observaes e entrevistas com os pais foram: Qual o significado de
uma gravidez para a
mulher indgena? E para a famlia? E para a comunidade? Utilizam
mtodos anticonceptivos?
Quais? Existe algum ritual ou tradio depois do nascimento?
(Exemplo: orao, simpatia,
uma dana). Como a alimentao do beb? Qual a representao social da
infncia ou da
criana para a comunidade? Alm da me, quem cuida do beb? E quem
responsvel pela
educao da criana? Como feita? Como se desenvolve e se forma a
identidade ou
personalidade de uma criana? Como brincam as crianas na
comunidade? Como se chama a
etapa do desenvolvimento da transio entre a infncia e a vida
adulta? Quais so suas
caractersticas? H algum rito de passagem nessa transio? Essas
questes esto descritas no
apndice D.
J as entrevistas com os professores buscaram entender como o
jovem tem se
apresentado na escola, os problemas e conflitos enfrentados por
ele nesse contexto e a
influncia que sociedade no indgena exerce em relao aos jovens
indgenas. As entrevistas
foram realizadas com os professores das escolas da comunidade
que trabalham com o ensino
fundamental II ou no ensino mdio. A seleo dos participantes da
pesquisa tambm foi por
convenincia, isto , foram convidados a participar os indivduos
que estavam disponveis no
momento das nossas visitas e aceitavam participar dela. Alm
disso, foram realizadas
conversas informais com o grupo de professores de cada etnia
pesquisada, a fim de obter
maior especificidade das caractersticas culturais e
singularidades dos jovens indgenas, bem
como as peculiaridades culturais de cada etnia. As entrevistas
com os professores duraram em
torno de 2 horas, sendo realizada em um nico encontro.
As questes que serviram de norte para as entrevistas e observaes
com os
professores foram: Quanto tempo de docncia? J trabalhou com
alunos no indgenas?
Observa diferenas do grupo de alunos indgenas e no indgenas?
Como ser professor
30
indgena? Tem apoio para desenvolver sua funo docente dentro da
comunidade? Como
denomina a etapa do desenvolvimento da transio da infncia vida
adulta? Que
caractersticas os jovens indgenas apresentam nessa etapa do
desenvolvimento? Conseguem
descrever como ocorre a formao da personalidade ou identidade de
uma criana/jovem na
comunidade indgena? Essas questes esto registradas no apndice
E.
E, por fim, as entrevistas realizadas com jovens indgenas,
pretenderam compreender
seus conflitos, as normas e regras culturais que compem a
transio da infncia vida adulta,
assim como suas expectativas em relao ao futuro e as constituies
enquanto indgenas. Em
relao aos jovens, a pesquisa teve o intuito de compreender o
comportamento do jovem
indgena, tais como: os fatores observados em seus pensamentos e
atitudes que se assemelham
ao comportamento do jovem no indgena; o que os mantm na condio
de indgenas e quais
suas inquietaes enquanto jovens. A seleo dos jovens foi por
convenincia, ou seja, foram
convidados a participar da pesquisa indivduos que estavam
disponveis no momento das
nossas visitas a escola e aceitavam participar dela.
Algumas perguntas que nortearam as entrevistas e observaes com
os jovens foram:
Qual sua opinio sobre a educao que seus pais lhe deram? O que
positivo ou negativo em
sua comunidade? Como so seus amigos e o que fazem juntos? Tem
alguma preocupao no
momento ou em relao ao futuro? Tem preocupao com sua comunidade?
Quais suas
expectativas de futuro? Tem algo atrativo fora da comunidade que
chame sua ateno? Qual o
termo utilizado para denominar o momento de transio entre a
infncia e a vida adulta? Qual
a influncia dos no indgenas em voc? Teve algum ritual que
caracterizou a entrada para a
vida adulta? Tem algum ensinamento feito pelos seus pais que voc
no esquece e de que vai
sempre se lembrar? Essas questes esto registradas no apndice F.
As entrevistas com os
jovens duraram em torno de 1 hora, sendo realizadas em um nico
encontro.
Todas as entrevistas foram gravadas, usando aparelho gravador
porttil ou aparelho
celular e, posteriormente, transcritas na ntegra. As entrevistas
aconteciam de forma
espontnea, por meio de conversa informal, favorecendo a fluncia
do dilogo. A partir do
momento em que o entrevistado se dispusesse a participar,
procurvamos um local reservado
que poderia ser numa sala da escola, no ptio, sentados num
banco, ou mesmo embaixo de
uma mangueira, sentados num toco de rvore.
Da etnia Terena, da Comunidade Bananal, foram entrevistados: a
liderana da
31
comunidade, que ser identificado na pesquisa como Liderana
Bananal, duas mes, que sero
identificadas como Me 1 Terena e Me 2 Terena, e uma professora
do ensino mdio, que
ser identificada como Professora 1 Terena. Alm disso, dois
jovens da etnia, sendo um do
sexo feminino e outro do sexo masculino, com idades entre 16 e
17 anos, ambos nascidos e
residentes na comunidade, que sero identificados como Jovem 1
Terena e Jovem 2
Terena.
Da etnia Guarani-Kaiow da Reserva Boror, foram entrevistados:
uma me, que ser
identificada na pesquisa como Me 1 Kaiow; uma av, que ser
identificada como Av 1
Kaiow; um pai, que ser identificado como Pai 1 Kaiow; uma
professora do ensino
fundamental II, que ser identificada como Professora 1 Kaiow; a
diretora da escola, que
ser identificada como Professora 2 - Kaiow, e uma jovem
Guarani-Kaiow, com 15 anos de
idade, nascida e residente na comunidade, que ser identificada
como Jovem 1 - Kaiow. E
ainda a liderana da reserva indgena, que ser identificada como
Liderana Boror.
Foram utilizados como critrios de incluso e excluso para as
entrevistas os itens
elencados no quadro 1.
QUADRO 1 - Critrios de incluso e excluso para as entrevistas
Incluso/Excluso Jovens Professores Pais
Critrios de Incluso Residir na comunidade desde o
nascimento.
Idade entre 13 a 18 anos.
Ser indgena e trabalhar na escola.
Pertencerem Etnia Guarani-Kaiow etnia Terena.
Critrios de Excluso. No residir na comunidade indgena ou j ter
morado na cidade.
Ter menos de 13 ou mais de 18 anos.
No ser indgena. Pai ou me de etnia que no compem a pesquisa.
Pais que um ou outro no seja indgena.
Fonte: Elaborao da autora (2016).
A tese encontra-se dividida em quatro captulos: o primeiro
captulo traz o estudo da
etnia Guarani-Kaiow; o segundo, o estudo da etnia Terena; no
terceiro apresentado o
campo terico e, no quarto e ltimo captulo, so registrados os
resultados encontrados e a
anlise dos dados pesquisados.
Na abertura do trabalho e de cada captulo, foi inserida uma obra
de arte que retrata as
32
populaes indgenas, iniciando com a obra de Diego Rivera, artista
mexicano, cone de seu
pas e que representa a influncia do Mxico neste trabalho. Alm
dele, h imagens
produzidas por artistas brasileiros como Prestes Brasil e Eln
Brasil, ambos renomados
artistas que retratam as populaes indgenas do nosso pas. Afinal,
num cenrio de tantas
emergncias como o caso dos indgenas, as obras de arte podem
proporcionar um pouco de
delicadeza e leveza a este trabalho.
Com essa organizao, defendemos a seguinte tese: a partir da
teoria de Gonzlez Rey
afirma-se que a constituio do jovem indgena Guarani-Kaiow e
Terena se d pelo
sentimento de pertencimento ao grupo tnico, motivados pelos
aprendizados dispostos pela
famlia, muito mais do que pelas influncias externas da sociedade
de no indgenas. E,
quando no h o sentimento de pertencimento, bem como no h
ressignificao do ser ndio,
h processos de adoecimento psquico que pode leva-lo ao uso de
lcool e drogas ilcitas.
33
CAPTULO I
IMAGEM 2 - Diau e Sangay de lon Brasil (2014).
34
1 NDIOS GUARANI-KAIOW NO MATO GROSSO DO SUL
O presente captulo tem como finalidade apresentar uma reviso
bibliogrfica e
algumas reflexes sobre o grupo indgena Guarani-Kaiow, sendo esse
o maior grupo
indgena do estado de Mato Grosso do Sul. Por meio da apresentao
de um panorama geral,
destacam-se alguns aspectos que compem o referido grupo tnico,
tais como: aspectos
histricos, culturais, religiosos, alm das questes acerca do
territrio, da educao das
crianas, e das questes de sade pblica, como o suicdio. Todos
esses aspectos foram
encontrados na literatura pesquisada e denotam a forma de ser do
grupo Guarani-Kaiow, sua
organizao social, suas caractersticas, peculiaridades e
problemas sociais.
1.1 Os povos Guarani/Kaiow
Os Guarani-Kaiow pertencem ao grupo lingustico Tupi-Guarani e,
sendo de
economia agrcola, so considerados exmios agricultores, caadores,
pescadores e coletores.
Os Guarani so subdividos em trs grupos: os Guarani-andeva, os
Guarani-Mba e os
Guarani-Kaiow. Apesar de pertencerem ao mesmo grupo lingustico,
possuem diferenas em
sua cultura. Os Guarani, em Mato Grosso do Sul, esto localizados
mais ao Sul do estado. A
etnia constituda por aproximadamente 45 mil pessoas, divididas
em 34 reas entre reservas,
terras indgenas, acampamentos provisrios e ocupaes. (CARMO,
2012)
Assim como outras populaes indgenas do pas e, principalmente,
aquelas que se
localizam no estado de Mato Grosso do Sul, a populao Guarani foi
extremamente marcada
pelos processos de colonizao do estado, repercutindo na
organizao e nas caractersticas
atuais desses grupos. Para Santana (2009), atravs da anlise
histrica sobre o processo de
colonizao do referido estado, percebe-se um crescente processo
de violncia e excluso dos
povos indgenas. A fim de compreender os processos histricos
sofridos por essas populaes,
convm especificar sua trajetria e a repercusso desses processos,
chegando s questes
alarmantes como a do suicdio.
Os processos de demarcao de reas para os indgenas quase nunca
respeitavam suas culturas, sua posse natural da terra, o que trouxe
como consequncia, o fato de as reservas abrigarem vrios povos
indgenas, com culturas, com lnguas, com tradies totalmente
diferentes, ou seja, sem
35
levar em considerao o tekoha11, resultando entre os indgenas,
conflitos e adaptaes. (SANTANA, 2009, p. 04).
Para entender o grupo Guarani-Kaiow, faz-se necessrio explanar a
respeito dos
nativos Tupi Guarani que habitavam o Brasil e todo o territrio
sul-americano at a chegada
dos colonizadores. Os Guarani vm de uma histria de dominao e
tentativas incessantes de
fugir do domnio do no indgena, pois, desde a chegada dos
portugueses ao Brasil12 em busca
da apropriao das terras e pela necessidade de conhecer o
territrio, eles proporcionaram
segurana aos Guarani contra o ataque dos franceses. Porm, assim
que os portugueses
conheceram as terras, tentaram domin-los, roubando suas terras e
mulheres, alm de
transmitir-lhes doenas. (MELI ,1979).
Darrault-Harris e Grubits (2000, p. 95), citam que, no sculo
XII, quando chegaram os
primeiros colonizadores ao litoral brasileiro, Os Tupi-Guarani,
dominavam parte da Bacia
Amaznica, [...] grande extenso do litoral atlntico, enquanto os
Guarani ocupavam o litoral
mais ao sul, estendendo seus domnios para o interior, at os rios
Paran, Uruguai e Paraguai.
Em seguida, vieram tambm os jesutas com o objetivo de catequizar
os ndios,
processo que no encontrou resistncia, visto que estes j estavam
cansados da explorao
sofrida. Os jesutas conseguiram reunir a maioria dos Guarani que
povoava o Paraguai em
uma organizao poltica, econmica e coletiva, elevando as tribos a
um desenvolvimento
material jamais alcanado. Com o fim das misses jesuticas, uma
parte das tribos Guarani
juntou-se populao rural do Paraguai e constitui o grupo dos
Guarani modernos. Outra
parte fugiu para as matas e uniu-se ao grupo que no pertencia s
misses jesuticas, voltando
a viver a antiga vida de lavradores e caadores: os Kaiow. Na
guerra com o Paraguai (1864),
viram-se envolvidos nas lutas e tiveram seus primeiros contatos
com os brasileiros. Cessada a
guerra (1870), eles continuaram a viver na regio.
(DARRAULT-HARRIS; GRUBITS,
2000).
Aos poucos, com a chegada dos extratores de erva-mate, os
Guarani foram engajados
nesse trabalho e toda a regio foi devastada. Essa explorao de
erva-mate foi realizada
principalmente no sul do estado do Mato Grosso, atual estado de
Mato Grosso do Sul, pelos
paraguaios que falavam tambm o Guarani e ensinaram aos ndios as
tcnicas de extrao e
preparo da erva, alm do uso de ferramentas, aguardente, sal e
outros (DARRAULT-
11 Tekoha significa na lngua Guarani, lugar de moradia. 12 Por
volta do ano de 1500, durante a colonizao do Brasil pelos
portugueses.
36
HARRIS; GRUBITS, 2000). Troquez (2002) ressalta a mudana de
hbito dos indgenas
Guarani de explorar a terra pelo da extrao de erva-mate,
incentivados pelo salrio. Ao
ingressarem nessa atividade, que acontecia na extrao de
erva-mate nas matas da regio,
acabaram abandonando suas terras, as quais passaram a ser
ocupadas por fazendeiros.
Um aps outro, os maiores grupos foram sendo engajados como
assalariados temporrios dos ervateiros, acostumados a fazer deste
trabalho fonte de suprimento de artigos antes desconhecidos e que
se haviam tornado necessidades vitais para eles. A maioria daquelas
tribos entrara em colapso pela impossibilidade de conciliar as
exigncias do trabalho assalariado individual com sua economia
coletivista. Deste modo os Guarani escapavam das misses, dos
paulistas e dos colonos paraguaios, caem novamente na penria e no
desespero a que tantas vezes j os tinha levado o contato com a
civilizao. (RIBEIRO, 1977, p. 107).
Por volta de 1940, a atividade ervateira entrou em decadncia,
mas os ndios Guarani
continuaram trabalhando como assalariados na limpeza das
fazendas ocupadas pelos
colonos at os anos 70, quando estas ganharam grande impulso da
mecanizao e os ndios
passaram a ser presena dispensvel. (RIBEIRO,1977).
Em 1910, o governo, sem condies de se manter indiferente a
tantas questes
polticas, foi pressionado a estabelecer polticas indigenistas e,
assim, criou o Servio de
Proteo ao ndio SPI, que tinha como objetivo proteger o patrimnio
indgena era chefiado
pelo Marechal Cndido Mariano da Silva Rondon ligado ao Ministrio
do Interior, esse
Ministrio tinha como funo proporcionar o desenvolvimento do
Brasil. Nesse sentido, h
completa incoerncia do Estado, pois como um rgo responsvel pela
proteo dos ndios
poderia ser dependente de outro, que considerava os ndios
empecilhos ao desenvolvimento
do Brasil? (TROQUEZ, 2002). O referido Servio de Proteo ao ndio,
tendo em vista
inmeras acusaes de corrupo, caiu em descrdito pelos prprios
indgenas, sendo ento
substitudo pela Fundao Nacional do ndio FUNAI, em 1967 (CUNHA,
2017).
A FUNAI, ao suceder o SPI, passou a ser um rgo tutelar,
garantindo e promovendo
os direitos indgenas. Seus objetivos bsicos eram: garantir a
subsistncia das comunidades
indgenas, por meio do incentivo produo dos bens de consumo e
gerao de excedentes
que poderiam ser comercializados; assegurar o poder aquisitivo
necessrio subveno de
outras necessidades; viabilizar o uso da terra e,
consequentemente, garantir sua ocupao.
Um outro marco importante e de grande influncia para os
Guarani-Kaiow, alm da
extrao de erva-mate pela Companhia de Mate Laranjeira, foi a
criao da Colnia Agrcola
37
de Dourados CAND, em 1943, que fomentou o processo de loteamento
das terras indgenas
em Panambizinho, distrito de Panambi, municpio de Dourados.
Desse modo, os indgenas
foram perdendo seus territrios tradicionais e sendo confinados
nas reservas indgenas criadas
pelo governo. (CRUZ, 2015).
Por volta de 1940, j sem espao fsico, os Guarani foram levados
aleatoriamente para
oito reservas indgenas do pas, que ficavam propositalmente
prximas s cidades, com o
intuito de civiliz-los, pois na poca prevalecia o pensamento de
que eram povos
culturalmente atrasados e prximos cidade se tornariam mais
civilizados. (MELI, 1979).
nesse cenrio, marcado por tantas alteraes no modo de viver que
envolvem a
territorialidade e que afetam a vida social e cultural dos
Guarani-Kaiow, que se busca
compreender como se constitui o sujeito indgena jovem na
atualidade. Afinal, vrios so os
problemas enfrentados pelos indgenas, principalmente na reserva
de Dourados. Dentre eles,
podem ser citados: a falta de terras suficientes para o plantio,
os problemas econmicos e
culturais, causados pela escassez das terras indgenas, as
questes das disputas pelos
territrios, a prpria proximidade das comunidades indgenas
cidade, que gera a invaso
cultura indgena, alm dos problemas sociais causados pela
discriminao e preconceito a que
o ndio est sujeito.
1.2 A territorialidade para o Guarani - Kaiow
As questes relacionadas aos conflitos para posse de terras no
estado de Mato Grosso
do Sul so preocupantes, principalmente pela violncia aplicada
pelos fazendeiros contra os
indgenas, bem como pela resistncia indgena na proteo e/ou
reivindicao do
reconhecimento de territrios indgenas ocupados pelo agronegcio,
seja em pequena ou
grande escala.
Na terra tradicional Laranjeira Nhanderu, no municpio do Rio
Brilhante, 35 famlias com mais de 60 crianas foram expulsas durante
o processo de demarcao de suas terras tradicionais. O
reconhecimento deveria ter ocorrido em 2008, mas foi reiteradamente
suspenso por intervenes judiciais dos fazendeiros da regio. As
famlias esto acampadas do outro lado da rodovia em condies
extremamente precrias: sem gua, sem comida e sem abrigo
adequado.[...] A aldeia de Paraguassu, no municpio de Paranhos,
composta de 600 pessoas, vem sendo ameaada por pistoleiros que
exigem que seus moradores abandonem os dois ha de seu territrio
recuperado. Oito membros da aldeia cometeram suicdio. Dois
professores indgenas foram assassinados. [...] Em Kurussu Amb, no
municpio de Coronel Sapucaia, 250 famlias foram ameaadas
recentemente por milcias
38
particulares depois que recuperaram seu territrio tradicional e
de terem vivido 4 anos s margens da rodovia MS 289. [...] Em Terra
Buriti, no municpio de Sidrolndia, 300 Terena foram expulsos de
suas terras anteriormente reconhecidas, por militares sem ordem
judicial. (UNICEF, 2014, p. 116).
Vrias so as questes em relao ao conflito de terras que envolvem
os povos
Guarani, por esse motivo importante entender a abrangncia das
questes relacionadas
terra para o indgena. Cavalcante (2013) define territrio e
territorialidade, considerando o
primeiro termo como referente ao espao territorial, espao de
terra, com uma conotao
material. J o segundo, a territorialidade, diz respeito a um
sentido mais abrangente, pois sua
conotao se refere a espaos simblicos e culturais, bem como ao
espao material. Para o
Guarani-Kaiow, a noo de territorialidade imprime suas
caractersticas sociopolticas e
cosmolgicas.
Cavalcante (2013) observa que algumas terras devolutas foram
erroneamente tituladas
a terceiros a partir de vrios territrios indgenas. Assim, ao
final do sculo XIX e inicio do
sculo XX, houve, no sul do atual estado de Mato Grosso do Sul, a
instalao de vrias
fazendas na regio e os ndios se tornaram teis pela mo de obra
barata para o desmatamento
dessas terras, porm foram, posteriormente, expulsos do seu
prprio territrio e suas terras
tituladas a fazendeiros.
Entre 1915 e 1928, segundo Troquez (2015), o Servio de Proteo ao
ndio SPI
reservou oito pequenas reas, com no mximo 3.600 hectares,
designadas criao de
espaos de moradia para os indgenas que estavam nmades e ocupando
vrios territrios da
atual regio do estado de Mato Grosso do Sul, sendo elas:
Benjamim Constant (1915, em Amambai); Francisco Horta Barbosa
(1927, em Dourados); Jos Bonifcio (1924, em Caarap); Sassar ou
Ramada (1928, em Tacuru); LimoVerde (1928, em Amanbai); Takaperi
(1928, em Coronel Sapucaia); Pirajuy (1928 em Paranhos); Porto
Lindo (1928 em Japor). (TROQUEZ, 2015, p. 32).
A proposta do Estado era desocupar territrios para a abertura de
mais fazendas e
colonizar os espaos desocupados, afinal, com o fim da Guerra com
o Paraguai, a atual regio
sul do estado de Mato Grosso do Sul precisava ser ocupada para
garantir ao pas a posse de
terra e evitar a invaso do pas vizinho e novos conflitos em
relao terra. Alm disso, como
citado anteriormente, as comunidades indgenas, foram
propositalmente colocadas prximas
s cidades, pois o segundo intuito do estado era civilizar os
indgenas e, dessa forma, os
ndios permaneceriam nesses espaos at que o processo de assimilao
nacional fosse
39
concludo. Acreditava-se que, com essa medida, os ndios iriam se
integrando vida dos no
indgenas como trabalhadores assalariados.
Cavalcante (2013) destaca que, em nenhum momento da histria,
percebe-se que o
Estado tenha pensado em preservar a cultura indgena
Guarani-Kaiow, afinal, no os colocou
em terras tradicionais indgenas, o que proporcionaria a
preservao da sua cultura. Alm
disso, no escolheu espaos que tivessem rios e matas para
conservar seus hbitos e costumes
tradicionais, j que as terras no seriam utilizadas apenas para a
habitao dos indgenas, mas
para a sua subsistncia por meio da agricultura. Devido escassez
de terras que foram
destinadas a esses povos e s condies dessa terra, o autor chama
as reservas indgenas de
depsito de ndios criado pelo Estado.
A ttulo de exemplo, a reserva de Dourados-MS, criada em 1917, s
teve seu processo
de demarcao, homologao e o recebimento do ttulo definitivo
concludo 48 anos depois,
ou seja, em 1965 e, embora a rea prevista tenha sido de 3.600
hectares, foi demarcada com
apenas 3.539 hectares. (SANTANA, 2009).
Por meio da Lei Complementar n 31, de 11 de outubro de 1977, o
estado de Mato
Grosso foi desmembrado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul;
dessa forma, Mato Grosso
do Sul passou a ter autonomia para titular terras devolutas.
(CAVALCANTE, 2013).
Esse fato contrariou o que era proposto pela Constituio Federal,
pois esta sempre
primou que a terra tradicional indgena deveria ser respeitada,
como exposto anteriormente.
Por volta de 1940, o Governo Federal criou a Colnia Agrcola de
Dourados CAND, com o
objetivo de colonizar o estado, oferecendo pedaos de terra a
colonos de todas as partes do
Brasil, ou seja, terras indgenas devolutas. Cavalcante (2013),
em sua tese, cita que o
antroplogo Brand (1997), que trabalhou com as questes indgenas,
realizou um
levantamento histrico, evidenciando mais de 80 antigas reas de
ocupao tradicional dos
Guarani-Kaiow.
Em O princpio de direitos indgenas data do sculo XVII, na lei da
Carta Regia de
30 de julho de 1609 e, posteriormente, em O Alvar de 1 de abril
de 1680, tem-se a
afirmao de que os ndios so primrios e naturais senhores de suas
terras e que nenhum
outro ttulo, nem sequer a concesso de sesmarias, poder valer nas
terras indgenas.
(CUNHA,1994 apud MOTA, 2015).
40
Mota (2015), por sua vez, afirma que a condio de confinamento em
reservas
descaracterizou completamente a dinmica dos Guarani-Kaiow e fez
com que eles
assimilassem costumes dos no indgenas. Como exemplo, cita que o
esses indgenas
possuam uma dinmica de ampla territorialidade que abrangia
territrios tnicos conectados
por uma grande rede de parentesco, demonstrando, assim, que a
questo da terra perpassa a
questo material e est implicada nas questes da territorialidade.
Afinal, a territorialidade
afetou profundamente a dinmica desses povos, causando a perda de
aspectos culturais, alm
de outros prejuzos sociais. A autora justifica o alto ndice de
violncia nas reservas, tanto de
homicdio quanto de suicdio, em virtude das situaes de
confinamento a que essas
populaes esto sujeitas.
Ainda de acordo com Mota (2015) no estado de Mato Grosso do Sul,
existem 40 terras
indgenas reivindicadas pelos Guarani-Kaiow, sendo algumas
amparadas pelo Termo de
Ajustamento de Conduta TAC firmado em 2007, entre o Ministrio
Pblico Federal e a
Fundao Nacional do ndio FUNAI, fato que tem gerado grande reao
dos ruralistas. A
retomada de seus territrios constitui parte do modo de viver dos
povos indgenas, onde se
fixam no s em termos de localizao de suas moradias, mas onde se
encontram suas razes
culturais, modos de ver e de viver em comunidade, lugar em que
se encontram suas tradies
e sentimento de pertencimento.
O territrio - ande yvy - nossa terra teko-ha, onde ocorre a
vida, o modo de viver, controlado, regulado e reconstrudo; onde est
concentrado o significado de tudo, a histria do povo ou do grupo
familiar extenso; onde est o caminho - tape poi, os rios, os
crregos - ysysry, a mata kaaguy, a roa - kokue, as plantas e
remdios - temit e poh, onde construda a casa de reza - ga pysy,
onde havia muita festa. no territrio tradicional que esto guardados
toda a histria e os valores das parentelas, do grupo, e onde tenho,
por obrigao, de ser enterrado. (LESCANO, 2016, p. 60).
Para Mota (2015), o retomar ao Tekoha a possibilidade de
reconstituir o modo de ser
e de viver do Kaiow, ou seja, da cultura inviabilizada. Isso
ocorre porque o processo de
territorializao se faz envolvido em antigas territorialidades e
nas relaes de pertencimento
ao territrio de origem. A autora ainda faz meno organizao dos
Kaiow em
acampamentos beira das estradas como uma importante estratgia de
resistncia
invisibilidade imposta por anos, que tem incio com o trabalho
realizado nos ervais pela
Companhia Mate Laranjeira, passando pela ocupao das fazendas da
regio e culminando
com o trabalho no desenvolvimento do estado. por meio dessa
estratgia que indgenas se
posicionam na luta pelo territrio perdido, isto , os
acampamentos sinalizam a condio
41
representativa entre o modo de vida imposto pelos brancos e a
busca do territrio dos
ancestrais.
O Art. 67 dos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias da
Constituio Federal de 1988 estabeleceu o prazo de cinco anos para
que a Unio conclusse a demarcao das terras indgenas. Estes cinco
anos no foram cumpridos, tanto que ainda hoje h mais de 450
reivindicaes registradas na Coordenao Geral de Identificao e
Delimitao CGID da FUNAI aguardando por providncias. Se
desconsiderado for o prazo fixado na Lei 6.001/1973, pode-se dizer
que h um atraso de duas dcadas em relao ao previsto no texto
constitucional. (CAVALCANTE, 2013, p. 44).
A perda da terra veio acompanhada pela interferncia direta e
permanente do Estado,
no dia a dia da vida na aldeia, com a correspondente imposio de
novas chefias e,
progressivamente, [...] a diviso em lotes e a desarticulao das
relaes de parentesco e de
solidariedade (SANTANA, 2009, p. 6 apud BRAND, 1993). Desse
modo, verifica-se o
quanto as questes da territorialidade afetam a vida e o viver do
indgena Guarani-Kaiow,
pois repercutem em toda a sua organizao social, na preservao de
sua cultura, no seu modo
de ser e de viver, assim como nos aspectos da espiritualidade
desses povos.
1.3 A religiosidade e a organizao social do Guarani Kaiow
Os Guarani-Kaiow so reconhecidos por conseguirem retardar a
influncia da
civilizao, graas a seus lderes e pais de famlia que sempre
priorizaram a prpria cultura.
Possuem especificidades no dialeto e sua estrutura familiar
composta de famlias numerosas,
com grande quantidade de filhos. (TROQUEZ , 2002). A
personalidade do Guarani-Kaiow
constri-se sobre a esfera espiritual; a cosmologia Guarani feita
atravs do Teko Marangatu,
modo de ser ou estar religioso. A Terra Sem Mal seria um
elemento essencial na construo
do modo de ser Guarani e o aponta como motivo da migrao desse
povo. (MLIA, 1990).
Para Darrault-Harris e Grubits (2000, p. 98),
Alguns povos Tupi-Guarani, muitos dos quais no sobreviveram at
nossos dias, como os Tupinambs, que viviam no litoral na poca da
conquista, acreditavam na existncia de uma Terra Sem Mal, um lugar
onde os homens eram imortais, o milho crescia sozinho, sem
necessidade de cultivo, e as flechas atingiam por si prprias os
animais na floresta. Esse paraso era situado, geralmente, na direo
do sol nascente e menos frequentemente no centro-do-mundo.
Novamente possvel perceber a amplitude das questes que envolvem
o territrio,
pois inclui tambm a questo da espiritualidade. Sua terra
significa o [...] modo de ser, modo
42
de estar, sistema, lei, cultura, comportamento, hbito, condio,
costume (MELI, 1990
apud DARRAULT-HARRIS; GRUBITS, 2000, p. 99). A personalidade do
Guarani constri-
se sobre o ideal Xam, o Xam-pai, figura tpica dos lderes
poltico-religiosos. O heri no
seria um grande guerreiro, mas um grande paj. Na cultura Guarani
h um predomnio da
espiritualidade sobre todas as demais esferas sociais, pois o
Guarani tem como referencial a
esfera cosmolgica.
Assim, a religiosidade dos Guarani Kaiow, ou seja, sua
espiritualidade o que os
mantm, isto , preserva a cultura do grupo. A formao dos
rezadores se d na prpria
famlia, na qual os filhos vo aprendendo o oficio com os pais
rezadores, pois a criana, desde
pequena, identificada pelos membros da famlia, como com jeito
para ser rezador e, nesse
sentido, a famlia, principalmente os mais velhos da comunidade,
iniciam o preparo espiritual
da criana para s