SOCIEDADE EDUCACIONAL E CULTURAL DE DIVINÓPOLIS FACULDADES INTEGRADAS DO OESTE DE MINAS – FADOM DIREITO A CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA NO SETOR SIDERURGICO DE VERGALHÕES COMO DETERMINANTE DO PODER DE MERCADO RINALDO MACIEL DE FREITAS Divinópolis,setembro,2004
50
Embed
A concentração econômica no setor siderúrgico de vergalhões
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
automático e funcionamento perfeito que preserve o
equilíbrio, bastando para isso que confiemos nas
práticas do ‘laissez-faire’ é uma fantasia doutrinária
que desconsidera as lições da experiência histórica
sem apoio em uma teoria sólida”.
John Maynard Keynes
AGRADECIMENTOS
Estive nos últimos anos envolvido com o trabalho de pesquisa
sobre siderurgia brasileira, em especial com distribuição de
aços, praticamente por influência de meu ex-professor de
Direito Econômico Fernando Guilhon, também ex-diretor da
Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Fazenda –
SDE/MF.
Dentre esses profissionais, merece especial agradecimento o
Prof. Germano Mendes de Paula, da Universidade Federal de
Uberlândia, pela atenção sempre dispensada e a paciência que
teve em sempre esclarecer dúvidas que surgiram.
Também não poderia deixar de citar as experiências
adquiridas com o engenheiro José Ângelo Passeti ex-diretor do
sistema “Belgo-Pronto” da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira.
Desde o primeiro ano do curso de Direito, já havia solicitado
ao meu Orientador, professor Gilberto Ribeiro de Castro, que
no futuro orientasse esse meu trabalho e aproveito para através
dele, homenagear a todos os educadores da FADOM –
Faculdades Integradas do Oeste de Minas, pelos
conhecimentos adquiridos.
Introdução
O objetivo do presente trabalho é apresentar um retrato do setor siderúrgico de
aços longos, ou seja, vergalhões para a construção civil e assim, demonstrar como que
através do Programa Nacional de Desestatização – PND, pode este segmento da indústria
nacional chegar a formação de um grande cartel.
As regulamentações do mercado, somente vieram no auge do PND com a Lei
8.158/91 e posteriormente com a atual Lei de Defesa da Concorrência 8.884/94, o que
demonstramos no primeiro capítulo com a evolução do direito da concorrência no Brasil.
A partir do segundo capítulo, mostramos um histórico do setor siderúrgico,
passando pelas privatizações, até chegarmos à concentração com cartelização observada
na siderurgia brasileira de produtos longos.
É proposital a citação a produtos longos, uma vez que estes não se resumem apenas
em vergalhões para construção civil, mas, em cantoneiras, barras chatas, fio-máquina que
é um commoditie usado na fabricação de outros produtos, perfis leves e outros. Há no
mercado brasileiro, os conhecidos “relaminadores” que são empresas que adquirem no
mercado, placas de aço para relaminar e produzir cantoneiras, barras chatas, perfis e, até
possivelmente os vergalhões de aço.
Este tema, sempre me chamou a atenção, haja vista que o setor siderúrgico é
responsável, em todo o mundo, pelas maiores movimentações de volume de cargas e de
dinheiro.
É fundamental esclarecer que o Programa Nacional de Desestatização concentrou
demais a produção siderúrgica nas mãos de poucos grupos. Em especial, a siderúrgica
brasileira de produtos longos (vergalhões), que no período de 1990 a 1996 passou a
concentrar-se nas siderúrgicas Gerdau e Belgo-Mineira. Essas empresas passaram a
adquirir unidades, reestruturando algumas e fechando outras.
Havia até então no mercado, um bom número de empresas que produziam além do
aço CA-50A, o CA-50B, além do CA-40 (padrão internacional) e o aço CA-25, sendo estas
denominações em função do grau de carbono no aço e outras características físicas.
Para ampliarem seus lucros, as empresas criaram uma barreira técnica que
determina ser o vergalhão de aço CA-50A o único com possibilidade de comercialização
no país. Com essa atitude passaram a impedir a entrada de produtos e produtores
concorrentes no país, podendo inclusive influir nos resultados de concorrências públicas.
Há registros de reuniões em diversas ocasiões, com distribuidores e coordenadas
conjuntamente pelas usinas para a combinação de preços e divisão do mercado.
Demonstramos que é preciso repensar a siderúrgica brasileira na sua finitude. Este
mercado é altamente competitivo e está ligado a um mercado mundial. Todas as empresas
estratégicas brasileiras que foram privatizados ou, de certa forma deixaram de ter controle
público, tiveram criadas suas agências reguladoras. A Lei 8.884 de 1994 é um bom
instrumento, mas, insuficiente para coibir os abusos que vem ocorrendo no mercado
brasileiro.
1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE CONCORRÊNCIA
O direito econômico, visto como ramo que estuda e regula a organização do
mercado, tem na intervenção do Estado, no domínio econômico, o seu grande
instrumental1.
O modelo intervencionista surgiu no final do século XIX e dominou a economia
durante todo o século XX, assumindo o Estado a responsabilidade de conduzir o
desenrolar do processo econômico e de realizar novas formas de atuação2.
A mão invisível de Adam Smith, que regularia o mercado, sem a necessidade da
interferência estatal, foi substituída pela mão visível do Estado, e posteriormente pelos
grandes grupos que diante da necessidade de ganhos de escala, dominaram a economia. A
intervenção estatal na economia se fez mais intensa e reiterada em decorrência das duas
grandes guerras e das crises econômicas (principalmente a de 1929), sendo esta a lição do
professor João Bosco Leopoldino:
“... o fenômeno da concentração do poder econômico nas mãos de uns
poucos veio trazer a necessidade de o Estado intervir para sanar a
crise do liberalismo econômico, salvando a liberdade de iniciativa.
Assinale-se que o Estado não interveio para coibir a liberdade
econômica das empresas, mas para garanti-la mais concreta e
efetivamente3”.
É esta a garantia manifestada pela Constituição Federal de 1988, que trouxe outra
fundamentação ideológica para a atuação do Estado no domínio econômico.
A exploração direta da atividade econômica pelo Estado constitui-se numa
exceção, a regra, é a de que o Estado não deva atuar diretamente no domínio econômico.
1 GLÓRIA, Daniel de Almeida. A Livre Concorrência como Garantia do Consumidor. São Paulo:
Del Rey, 2003. 78 p. 2 FONSECA, João Leopoldino. Direito Econômico. 5 ed. São Paulo: Forense. 2004. 168 p. 3 FONSECA, João Leopoldino. Direito Econômico. 5 ed. São Paulo: Forense. 2004. 179 p.
Esta exceção está restrita à necessidade decorrente de dois fatores determinantes:
imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo.
No entanto, fica vago e difícil determinar essas duas regras4. Há uma infinidade de
atividades econômicas que podem ser colocadas como imperativo de segurança nacional,
assim como de interesse coletivo.
É neste contexto econômico que o direito da concorrência, núcleo do direito
econômico contemporâneo assume ares de importância, transformando o Direito
Econômico de um Direito da Intervenção do Estado para um instrumento de defesa dos
direitos do cidadão e das liberdades fundamentais previstas na Constituição.
1.1 - Lei 8.884 de 1994 – Lei brasileira de defesa da concorrência
É necessário fazer uma breve analise do histórico constitucional brasileiro antes da
Constituição de 1988, seguindo em análise a legislação infraconstitucional.
A Constituição de 1824 não continha um capítulo sobre a ordem econômica ou
sobre direitos sociais e nem sobre a tutela da concorrência. A Constituição de 1891 adotou
mesma postura. Ao Estado cabia a manutenção da ordem e da segurança. Já a constituição
de 1934, previu normas de natureza social e econômica. A intervenção do Estado no
processo econômico foi maior, tendo por objetivo suprir as deficiências da iniciativa
individual. Foi assim a primeira Constituição com um capítulo para a ordem econômica e
social, Título IV, artigo 115 e parágrafo único:
Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os
princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que
possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida
a liberdade econômica (Constituição Federal de 1934).
4 Dispõe o artigo 173 da CF/88: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta da atividade econômica só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
Parágrafo único – Os poderes públicos verificarão, periodicamente, o
padrão de vida nas varias regiões do paiz.
Ainda, seus artigos 116 e 117 previam a possibilidade de monopólio estatal de
certas atividades econômicas e dispunha sobre incentivo:
Art. 116 – Por motivo de interesse público e autorizada em lei
especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou
actividade econômica, asseguradas as indenizações devidas, conforme
o artigo 112 n. 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de
competência dos poderes locaes.
Art. 117 – A lei promoverá o fomento da economia popular, o
desenvolvimento do credito e a nacionalização progressiva dos bancos
de deposito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das
empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo
constituir-se em sociedade brasileira as estrangeiras que actualmente
operam no paiz.
Parágrafo único – É prohibida a usura, que será punida na fórma da
lei.
Na Constituição de 1937 não houve rompimento formal com o modelo econômico
liberal. Esta destacava em seu artigo 135 a liberdade econômica e a intervenção do Estado
no domínio econômico, somente para suprir as deficiências da iniciativa individual e
coordenar os fatores de produção, a fim de evitar ou resolver seus conflitos. No artigo
141, ao lado do fomento, eram estabelecidas garantias especiais à economia popular5:
Art. 135 – Na iniciativa individual, no poder de creação, de
organização e de invenção do individuo, exercido nos limites do bem
público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção
do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as
deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da
produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir
5 CHAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 2 ed. São Paulo: Atlas. 2003.
no jogo das competições individuais o pensamento dos interêsses da
Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio
econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do
contrôle, do estímulo ou da gestão direta (Constituição Federal de
1937).
Art. 141 – A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe
garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são
equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes
penas graves e prescrever-lhes processo e julgamento adequados à sua
pronta e segura punição.
Em 1946, a Constituição consagrou os princípios da justiça social, liberdade de
iniciativa e valorização do trabalho humano. Normatizou ainda, em seu artigo 148 que:
Art. 148 – A lei reprimirá tôda e qualquer forma de abuso do poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de emprêsas
individuais ou sociais, seja qual fôr a sua natureza, que tenham por
fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e
aumentar arbitràriamente os lucros (Constituição Federal de 1946).
A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1 de 1969 determinaram a expansão da
atividade pública, com a previsão de intervenção estatal na economia, manutenção da
valorização da livre empresa, atuação suplementar do Estado e destacaram a repressão ao
abuso do poder econômico, elevando-o, no artigo 160, inciso V a princípio da ordem
econômica e social:
Art. 160 – A ordem econômica e social tem por fim realizar o
desenvolvimento nacional e justiça social, com base nos seguintes
princípios (Constituição Federal de 1969):
V – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo
domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento
arbitrário dos lucros; e
A Constituição da República de 1988 dispensou tratamento totalmente inovador à
matéria, positivando a livre concorrência como princípio constitucional da ordem
econômica, sendo tratada pelo professor Washington Albino da Universidade Federal de
Minas Gerais como “Constituição Econômica”. No artigo 170, IV, há a exigência de lei
ordinária para se reprimir o abuso do poder econômico que busque a sua eliminação,
artigo 173, § 4º do Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira:
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios (Constituição Federal de 1988):
IV – livre concorrência;
A regulamentação vem pela Lei 8.884 de 1994, que disciplina o funcionamento do
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, do Ministério da Justiça, formado pelo
CADE, SEAE e SDE. Desde sua criação em 1962 até o final dos anos oitenta, o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE, não exerceu maior influência, dada a
lógica protecionista da industrialização por substituição de importações e conseqüente
estímulo à ampliação da participação do Estado e da concentração econômica. Até o
advento da Lei 8.884 constituía-se o CADE em órgão integrante da Administração Direta,
encontrando-se diretamente subordinado ao Ministério da Justiça.
Com a Lei brasileira de defesa da concorrência o CADE passou a se constituir em
autarquia federal, passando assim, a estar apenas vinculado ao Ministério da Justiça, mas
dotado de orçamento próprio.
Além de transformar o CADE em autarquia, a lei 8.884/94, introduziu o controle
sobre fusões e aquisições, tornou mais severas as penalidades para os infratores da ordem
econômica.
Karl Marx6 afirma que a concentração econômica é lei imanente do capitalismo. O
desenvolvimento do capitalismo e a concentração econômica caminham juntos. Segundo
Marx, a concentração é a tendência centralizadora dos meios de produção cada vez mais
nas mãos de um menor número de agentes. Isso ocorre por meio do crescimento interno
da empresa ou mediante sua concentração, ou seja, pela união de diferentes empresas em
uma só ou sob sua submissão a controle comum.
Esse fenômeno do capitalismo ocorre por inúmeros motivos. O motivo comum
apontado é atingir economias de escala, pois se acredita que o maior porte da empresa
garante melhor eficiência produtiva, com menor custo para a mesma quantidade fabricada.
O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, disciplina o controle dos atos de
concentração pelo artigo 54 da Lei 8.884 de 1994. O caput do artigo prescreve que: “Os
atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma
prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens
ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE”.
De acordo com o seu § 1º o CADE pode autorizar atos que atendam às condições:
“I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b)
melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento
tecnológico ou econômico; II – os benefícios decorrentes sejam distribuídos
equitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários
finais, de outro; III – não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de
mercado relevante de bens e serviços; e IV – sejam observados os limites estritamente
necessários para atingir os objetivos visados".
O § 2º estabelece, ainda, a possibilidade de serem considerados legítimos os atos
necessários por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum, desde que
atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, desde
que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.
6 GOLDMAN, Berthold. Droit Commercial Européen. Paris: Ed. Dalloz. 1994. Citação 473 p.
O art. 54 traz, ainda, uma regra específica às operações de concentração, no § 3º,
que estabelece: “Incluem-se nos atos de que trata o caput àqueles que visem a qualquer
forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas,
constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de
agrupamento societário, que implique participação de empresas ou grupos de empresas
resultante em 20% de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha
registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00
(quatrocentos milhões de reais)”.
Foram muito poucas as alterações da nova lei à sistemática em vigência desde a
Lei 8.158, de 1991. Com efeito, foi retirada a referência ao aumento das exportações entre
as condições do inciso I do § 1º do art. 54 da nova lei, tendo-se modificado também as
condições para a aprovação dos atos de que trata o § 2º da lei, posterior, pois antes exigia-
se que a restrição tivesse duração prefixada e fosse comprovado que sem sua prática
haveria prejuízo ao consumidor final, sendo, nesse aspecto, a redação da Lei 8.884, de
1994, mais benevolente à operação de concentração. Finalmente, a competência para a
apreciação e aprovação dos atos, antes da SNDE, passou de volta ao CADE, cujos poderes
foram aumentados na nova lei, sobretudo com sua transformação em autarquia.
Deve ser observado que a elaboração da Lei 8.884, de 1994, inclusive com o
controle de atos de concentração, expressou uma opção pela independência do CADE e da
aplicação da lei, de maneira geral, com relação a interesses políticos ou setoriais. Editada
sob o peso da histórica inefetividade da lei anterior, a de n. 4.137, de 1962, procurou-se
por os órgãos encarregados da aplicação da lei a salvo de pressões de interesses
econômicos envolvidos. Não existe na lei antitruste brasileira, assim, a previsão de uma
instância política de revisão das decisões do CADE em matéria de concentrações, tal
como na lei alemã ou na francesa, nas quais o Ministro da Economia pode reconsiderar a
operação a pedido das partes envolvidas e aprová-la em consideração a questões sociais,
de comércio internacional ou de racionalização.
Outro aspecto relevante da lei foi a consolidação da sistemática estabelecida na Lei
8.158, de 1991, que eliminou o anterior sistema de manter suspensas, em princípio, as
operações sujeitas à apreciação da autoridade antitruste. Com efeito, no sistema do art. 74
da Lei 4.137, de 1962 os ajustes, acordos ou convenções entre empresas que produzissem
efeitos anticoncorrenciais não tinham validade senão após a aprovação. Existia, assim, em
teoria, uma cláusula suspensiva de todas as práticas restritivas, que produziam efeitos
somente após a aprovação pela autoridade antitruste. No regime do art. 54 da Lei 8.884,
de 1994, porém, os negócios jurídicos sujeitos ao controle do CADE devem ser
celebrados com cláusula resolutiva tácita, ficando sua eficácia condicionada a evento
futuro e incerto. Enquanto a autorização não for concedida, porém, o ato jurídico tem
plena eficácia.
Nesse sentido, o controle de atos de concentração na lei brasileira caracteriza-se
pela predominância dos interesses concorrencias sobre outros interesses de política
econômica ou industrial. Com efeito, embora a lei trate certos aspectos de caráter
econômico como idôneos a, de certa forma, compensar uma redução da concorrência no
mercado envolvido, sua consideração prende-se aos limites estabelecidos na lei.
A necessidade de notificação das concentrações econômicas, por sua vez, é objeto
do § 3º do artigo 54. A rigor, a regra do caput já seria suficiente para determinar a
apreciação pelo CADE de atos de concentração cujos efeitos potenciais fossem um
daqueles descritos pelo artigo. No entanto, além de reforçar a submissão das
concentrações à regra, o § 3º estabelece algumas presunções de efeitos críticos à livre
concorrência. Uma delas se refere à participação das empresas envolvidas na operação, ou
seu grupo, no mercado relevante, fixando como parâmetro de definição desse ponto crítico
a porcentagem de 20% do mercado, a mesma estabelecida no artigo 20 da lei como
presunção de posição dominante. A outra se refere ao faturamento bruto anual no último
balanço de pelo menos um dos participantes, quando igual ou superior a
R$400.000.000,00 (Quatrocentos milhões de reais)
Nesse sentido, qualquer operação que se enquadre em um ou nos dois critérios
estabelecidos no parágrafo tem que ser submetida à apreciação do CADE.
O § 4º do artigo 54 estabelece o prazo máximo de 15 dias úteis da sua realização
para a apresentação das operações a SDE, o que pode ser feito também previamente. A
partir desse momento inicia-se o trâmite do ato de concentração. Em primeiro lugar,
incumbe à Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, emitir parecer técnico,
em 30 dias, após o que deve manifestar-se à Secretaria de Direito Econômico – SDE, no
mesmo prazo. Juntados os pareceres, a SDE encaminha o processo ao plenário do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, para decisão.
Cabe ao CADE, após apreciação do processo, verificar se as operações impõem
riscos ou causaram prejuízos à livre concorrência e a ordem econômica através da
dominação do mercado, que, conforme o caput do artigo, podem resultar na sua ilicitude.
A lei 8.884, de 1994 estabelece, no artigo 58, que o plenário do CADE deve levar
em consideração o grau de exposição do setor à competição internacional e as alterações
no nível de emprego, dentre outras circunstâncias relevantes, ao definir os compromissos
de desempenho, cuja finalidade principal, de qualquer forma, é assegurar o cumprimento
das condições previstas no artigo 1º.
O objetivo desses tipos de cláusulas no Direito brasileiro é a adequação da
operação às exigências estabelecidas nos incisos III e IV do § 1º do artigo 54 da lei 8.884,
de 1994. Um dos exemplos polêmicos de sua utilização foi no caso da aquisição da Cia.
Siderúrgica Pains pelo Gerdau, no qual a aprovação foi condicionada a diversas
exigências como exclusiva fabricação de aços especiais e a venda da unidade de
Contagem/MG.
2 HISTÓRICO DO SETOR SIDERÚRGICO BRASILEIRO
As estatais siderúrgicas vieram, no Brasil, em substituição às importações, como
objetivo de diminuição da dependência de manufaturados provenientes de países
desenvolvidos, sendo que a principal foi a Cia. Siderúrgica Nacional - CSN (1942 no
governo de Getúlio Vargas).
Ao longo dos anos 80, a crise da dívida externa refletiu negativamente na demanda
interna de aço. As siderúrgicas passaram assim a exportar seus produtos com menor
retorno, de forma a somente garantir a presença no mercado internacional e a manutenção
da produção e de empregos, embora estes últimos tiveram um reflexo negativo em função
das novas tecnologias e da globalização.
O processo de reestruturação da siderurgia brasileira causou significativa redução
do número de empresas, conforme tendência mundial. Na década de 80, o setor era
composto por mais de trinta empresas que contavam com reserva de mercado via pesadas
alíquotas de importação e controle de preços internos pelo governo.
No início da década de 90, com o programa de privatização e abertura de mercado
iniciou-se o processo de reestruturação ampliando a competitividade do setor que
apresenta a seguinte estruturação:
Não Planos:
Gerdau: Açominas – Cia Sid. Pains – Aliperti – Usiba;
Neste contexto, o princípio da livre concorrência teria um caráter instrumental ao
princípio da livre iniciativa, na medida em que constitui um dos elementos a balizar seu
exercício, a fim de que ela seja exercida dentro de suas finalidades, que é garantir o
equilíbrio do mercado, mantendo condições propícias à atuação dos agentes econômicos,
de um lado, e beneficiando os consumidores, de outro.
É importante notar, porém, que a livre concorrência não constitui um corolário da
livre iniciativa, vale dizer, não é uma consequência natural, ou um mero desdobramento,
dessa última. Com efeito, à medida que se constatou ser o mercado falho na alocação de
recursos e na manutenção do jogo concorrencial, não foi mais possível identificar a livre
concorrência como um subproduto da livre iniciativa.
Quanto ao seu conteúdo, o princípio da livre concorrência teria que ser identificado
com a liberdade de atuar nos mercados buscando a conquista de clientela, com a
expectativa de sua aplicação levar os preços do aço a níveis razoavelmente baixos,
chegando, no caso extremo de concorrência perfeita, o que não se percebe.
A liberdade jurídica de conquista da clientela pelos potenciais concorrentes deveria
somar-se a liberdade dos consumidores de usufruírem alternativas, ou seja, produtos
substituíveis; a substitubilidade por produtos similares, o que não é possível por causa da
barreira técnica, já citada, que impede a entrada no mercado brasileiro do aço para
construção CA-40, que é consumido em todo o mundo, com exceção de Brasil, Bolívia e
Paraguai.
Para a perfeita contextualização da concorrência nas siderúrgicas de longos no
mercado brasileiro, haveria necessariamente a implantação da seguinte estrutura, que
mesmo assim, em caso de combinações poderia apresentar falha14:
14 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 18 ed. São Paulo: Atlas. 2000.
Atomização. Onde o número de agentes compradores e vendedores fosse
de tal ordem que nenhum deles possuíssem condições para influenciar o
mercado. A expressão de cada um fosse insignificante no contexto. Suas
decisões, quaisquer que sejam, em nada interferissem no mercado. Esse
fosse totalmente despersonalizado (somente se nota no lado comprador).
As condições de equilíbrio prevalecentes não se modificassem sob a ação
de qualquer agente.
Homogeneidade. Neste caso, os produtos vindo dos produtores
brasileiros de longos, são substitutos perfeitos, considerando-se a norma
brasileira, e, é ofertado por todos os produtores brasileiros. Os aços
longos brasileiros são perfeitamente homogêneos, nenhuma empresa
diferencia o produto que oferece, mas, por outro lado, ao estabelecer
barreira à entrada, via norma técnica, não permite a entrada de produtos
substituíveis no mercado. A homogeneidade neste caso há de ser
observada não em relação ao produto, mas, a sua empregabilidade. Neste
sentido, os produtos CA-50 e CA-40 não são homogêneos entre si, mas
são substituíveis, sendo que ambos são empregados com a mesma
finalidade, ou seja, na construção civil.
Mobilidade. Cada agente comprador e vendedor atua independentemente de
todos os demais. A mobilidade é livre e não há qualquer acordo entre os que
participam do mercado. Também, não há restrições governamentais de
qualquer espécie. No mercado de produtos, empresas expandem ou reduzem
livremente suas plantas, sem que quaisquer reações sejam observadas;
ingressam e saem de quaisquer segmentos do mercado. No mercado de
recursos, como no de trabalho, por exemplo, os trabalhadores deslocam-se
livremente e com facilidade de uma região para a outra. Nada impede que se
tomem quaisquer decisões alocativas.
Permeabilidade15. Necessária para que não haja quaisquer barreiras para
entrada ou saída dos agentes que atuam ou querem atuar no mercado.
Barreiras técnicas, financeiras, legais, emocionais ou de qualquer outra
ordem não existem sob situação de perfeita concorrência.
15 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. “Ausência de barreiras de entrada ou saída dos agentes que atuam no mercado”. 18 ed. São Paulo: Atlas. 2000.
Preço-Limite. Nenhum vendedor do produto pode em tese praticar preços
acima daquele que está estabelecido no mercado (aqui se entende mercado
mundial), resultante da livre atuação das forças de oferta e de procura. Em
contrapartida, nenhum comprador pode impor um preço abaixo do de
equilíbrio. O prelo-limite é dado pelo mercado. Define-se impessoalmente.
Ninguém o estabeleceu a não ser o mercado livre. Ele resulta de forças que
nenhum agente é capaz de comandar. Neste sentido, observa-se que o
mercado siderúrgico como um todo não apresenta um equilíbrio.
Extrapreço. Não há qualquer eficácia em normas de concorrência
fundamentadas em mecanismos extrapreço. A oferta de qualquer vantagem
adicionais, associáveis ao produto ou ao fator, não faz qualquer sentido. Esta
característica é subproduto da homogeneidade. Manobras extrapreço
descaracterizam o atributo da padronização.
Transparência. Por fim, o mercado deve ser absolutamente transparente.
Onde não haja qualquer agente que detenha informações mercadológicas
privilegiadas ou diferentes daquelas que todos detêm. As informações que
possam influenciar o mercado sejam perfeitamente acessíveis a todos. E
todos possam pactuar, em igualdade de condições, de decisões delas
decorrentes.
3.3 – Duopólio na Siderurgia Brasileira de Longos
O tema duopólio é recorrente na literatura de defesa da concorrência, em especial,
na siderurgia. Regra básica, o duopólio privado representa o outro lado da moeda,
comparado à concorrência perfeita. Caracteriza-se pela inexistência de competição no
mercado, no caso em estudo, na siderurgia de longos brasileira, no qual os atuais players16
demonstram poder para estabelecer o preço do produto no mercado brasileiro, ainda mais,
pela falta de substitubilidade do produto e determinar em concorrências públicas, quem
será o fornecedor de determinada obra.
16 Participantes do mercado Brasileiro de produtos longos: Belgo Mineira, Grupo Gerdau e
Grupo Votorantin.
No caso verificado no mercado brasileiro, o duopólio, com duas empresas
determinando as regras de mercado e uma terceira acompanhando as decisões. Para a
caracterização de um duopólio, devem estar presentes três elementos: dois únicos
vendedores com poder de mercado, o produto que vendem ser único e, barreiras
substanciais impedindo a entrada de outras empresas no mercado.
QUADRO 3.2
Participação das Siderúrgicas de Vergalhões no Mercado Brasileiro