Miguel Areosa. Rodrigues, “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património», C.M. de Arouca, 2005 A CLASSIFICAÇÃO DO PATRIMÓNIO EDIFICADO 1 Miguel Areosa Rodrigues 2 Em Junho de 2004 completam-se 94 anos sobre o primeiro diploma legal de protecção do bens culturais nacionais, em que são definidos os imóveis considerados Monumentos Nacionais, lista em que se incluem a grande maioria dos monumentos que ainda hoje reconhecemos como símbolos nacionais ou mesmo exemplares excepcionais reconhecidos como Património Mundial – Mosteiro de Alcobaça, Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém, A preocupação com os edifícios notáveis enquanto testemunhos do passado da nação, vai se impondo ao longo do século XIX entre as elites cultas 3 . Num período de transformações significativas nos tecidos urbanos, especialmente na segunda metade do século XIX, verifica-se a ascensão definitiva da figura do Estado enquanto entidade tutelar e representativa do colectivo nacional. Por outro lado, o Estado encontrar-se agora na posse de um grande número de imóveis, de grande valor artístico, histórico e simbólico, cuja utilização original cessou e que começam a ser encarados como valores patrimoniais, no sentido em que são símbolos nacionais. Trata-se não só do património monástico que após a desamortização, permanece em parte na posse do Estado, por vezes com novas utilizações, mas também das fortificações que deixam de ter utilização militar. Deixando de ter uma manutenção que lhes era assegurada pela utilização, vão entrar em degradação, muitas vezes acelerada pelo desmonte e utilização das pedras na construção de novos edifícios. 1 Esta comunicação tem por base de trabalho e análise, o conjunto de imóveis classificados e em vias de classificação da Região Norte. Sendo a este universo que se referem todos os gráficos incluídos. 2 Arqueólogo, Direcção Regional do Porto do IPPAR - [email protected]3 Sobre este assunto que não constitui objectivo desta comunicação, verificar p.ex.: CUSTÓDIO, 1993; MARTINS, 2003a e 2003b
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“A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,
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Miguel Areosa. Rodrigues, “A classificação do património edificado”, In Actas das
Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à
salvaguarda e valorização do património», C.M. de Arouca, 2005
A CLASSIFICAÇÃO DO PATRIMÓNIO EDIFICADO1
Miguel Areosa Rodrigues2
Em Junho de 2004 completam-se 94 anos sobre o primeiro diploma legal de
protecção do bens culturais nacionais, em que são definidos os imóveis
considerados Monumentos Nacionais, lista em que se incluem a grande maioria
dos monumentos que ainda hoje reconhecemos como símbolos nacionais ou
mesmo exemplares excepcionais reconhecidos como Património Mundial –
Mosteiro de Alcobaça, Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém,
A preocupação com os edifícios notáveis enquanto testemunhos do passado da
nação, vai se impondo ao longo do século XIX entre as elites cultas3. Num
período de transformações significativas nos tecidos urbanos, especialmente na
segunda metade do século XIX, verifica-se a ascensão definitiva da figura do
Estado enquanto entidade tutelar e representativa do colectivo nacional. Por outro
lado, o Estado encontrar-se agora na posse de um grande número de imóveis, de
grande valor artístico, histórico e simbólico, cuja utilização original cessou e que
começam a ser encarados como valores patrimoniais, no sentido em que são
símbolos nacionais. Trata-se não só do património monástico que após a
desamortização, permanece em parte na posse do Estado, por vezes com novas
utilizações, mas também das fortificações que deixam de ter utilização militar.
Deixando de ter uma manutenção que lhes era assegurada pela utilização, vão
entrar em degradação, muitas vezes acelerada pelo desmonte e utilização das
pedras na construção de novos edifícios.
1 Esta comunicação tem por base de trabalho e análise, o conjunto de imóveis classificados e em vias
de classificação da Região Norte. Sendo a este universo que se referem todos os gráficos incluídos. 2 Arqueólogo, Direcção Regional do Porto do IPPAR - [email protected] 3 Sobre este assunto que não constitui objectivo desta comunicação, verificar p.ex.: CUSTÓDIO,
1993; MARTINS, 2003a e 2003b
Mas se datam deste período muitas destruições bem documentadas, verifica-se
que, como depois se vai verificar frequentemente, é numa situação de “crise” para
a preservação do património que também se começam a verificar as primeiras
preocupações “modernas” com a preservação de monumentos, numa lógica não
apenas utilitária mas já conservacionista.:
- intervenções de articulistas, desde logo Almeida Garrett, que logo em 1843
clama contra a degradação dos templos deixados ao abandono e Alexandre
Herculano que, tendo demonstrado várias vezes a sua preocupação com este
assunto, alerta para o estado de abandono em que se encontravam os
monumentos históricos, procurando sensibilizar a opinião pública para a
importância da salvaguarda dos “monumentos pátrios”, sugerindo a
publicação de legislação protectora e alertando mesmo para as potencialidades
turistico-económicas dos monumentos nacionais.
- Constituição das primeiras associações dedicadas ao estudo e protecção do
património: em 1863 - a Real Associação dos Architectos Civis e
Archeólogos Portugueses; em 1882 - a Sociedade Martins Sarmento em
Guimarães; em 1889 - a Comissão de Vigilância do Castelo da Feira e a Real
Irmandade da Rainha Santa Mafalda em Arouca.
- Intervenções do Estado de conservação em imóveis de valor patrimonial.
- Definição em 1880, pela Real Associação dos Architectos Civis e
Archeólogos Portugueses, de um conjunto de monumentos enquanto símbolos
nacionais, que genericamente se manterá até aos nossos dias.
O FINAL DA MONARQUIA E A REPÚBLICA
O diploma de classificação publicado em Junho de 1910, corresponde a um dos
poucos momentos ao longo de mais de 90 anos de classificações em que a
selecção dos imóveis a classificar parece resultar de uma pré-selecção consciente,
retrato de uma conceptualização do modelo de monumento que se pretendia
preservar. Como quase sempre aconteceu e ainda acontece, classificaram-se os
imóveis que já eram considerados monumentos, ou seja mais do que
patrimonializar imóveis através da classificação o que aconteceu foi classificarem-
se os monumentos que o censo comum aceitava como notáveis e simbólicos. Seja
pela sua dimensão histórica – castelos, sítios arqueológicos, pelo seu valor
artistico-arquitectónico – igrejas, capelas, mosteiros, palácios, pela sua afirmação
simbólica – pelourinhos, cruzeiros, pontes. Estes monumentos eram
essencialmente propriedade da Igreja e do Estado, excluindo-se desse
enquadramento, alguns palácios, classificados pelo seu valor artístico de excepção
(Brejoeira, Giela, Mateus, Freixo) e os sítios arqueológicos.
O facto do Estado ser proprietário de um grande número destes imóveis classificados
vai ser reforçado, pouco tempo depois, com a nacionalização dos bens da igreja na
sequência da implantação da República, apenas 4 meses após a publicação do
primeiro decreto de classificações. O Estado passa a ter a posse de grande parte do
património artístico e monumental nacional. A Concordata de 1942 vai manter este
statuo quo, no sentido em que, ao devolver os bens nacionalizados em 1910, o Estado
mantém na sua posse, embora com usufruto da igreja, todos os imóveis que entretanto
tinham sido objecto de classificação ou que o viessem a ser até 1945.
Igrejas
30%
Casas
solarengas
6%
Edificios notáveis
4%
Pelourinhos e
cruzeiros
14%
Fortificações
11%
Pontes
10%
Outros
4%
Fontes e
aquedutos
3%
Sitios arq.
18%
Imóveis classificados, no Norte de Portugal, pelo decreto
de 1910 – distribuição tipológica
Esta situação explica que actualmente o Estado ou a Administração Local sejam,
porque proprietários, directamente responsáveis pela manutenção e conservação
de grande parte do património classificado
Analisando a listagem de imóveis classificados pelo decreto de 16 de Junho de
1910, teremos que salientar que constituem ainda hoje o corpus fundamental do
património classificado português, a quase totalidade pertence ainda hoje ao
Estado e constitui o essencial do imóveis que têm vindo a ser objecto de
intervenções de restauro e valorização por parte do Estado ao longo de todo o
século XX. Curiosamente, se é verdade que do ponto de vista artístico
predominam os monumentos de raiz românico-gótica, encontram-se igualmente
bem representados os monumentos manuelinos e renascentistas, e mesmo diversos
palácios barrocos.
Pré-História
6%
Romanização
6%Séc. XV/XVII
19%
Séc. XVIII
9%Idade do
Ferro
7%
Idade Média
52%
Séc. XIX
1%
Decreto de 1910 – distribuição
cronológica dos imóveis classificados
Será interessante salientar a presença de um número significativo de sítios e
monumentos arqueológicos, mais uma vez a maioria dos que ainda hoje
constituem o imaginário do cidadão comum e que se encontram visitáveis (as
Citânias de Briteiros, Sabroso e Monte Padrão, as Antas de Chã de Parada
(Baião), da Barrosa (V.P. de Âncora) e da Fonte Coberta (Alijó); o Santuário de
Panóias e a Geira romana). A presença de um número tão significativo de sítios
arqueológicos explica-se pelo desenvolvimento que a investigação arqueológica
tinha sido objecto graças ao trabalho desenvolvido, nas últimas décadas do séc.
XIX e no início do século XX, por um insigne grupo de estudiosos em que se
destacam, José Leite de Vasconcelos, Martins Sarmento, e Possidónio da Silva.
Ao longo do século continuarão a ser classificados sítios arqueológicos, de forma
regular, com especial incremento a partir da década de 70, correspondendo ao
ressurgir da investigação arqueológica que se verifica a partir do final da década,
seja no meio universitário, com a criação das Variantes de Arqueologia no curso
de História, seja na administração do Estado, com a criação dos Serviços
Regionais de Arqueologia no âmbito do IPPC.
.
O ESTADO NOVO
A matriz que infirma este primeiro lote de imóveis classificados vai-se manter ao
longo de cerca de 50 anos. As classificações que se vão suceder confirmam e
completam o quadro de monumentos definido pelo primeiro decreto de 1910,
embora, na prática, claramente se estreitem os critérios que conduzem à escolha
dos imóveis a classificar.
Por um lado, embora a legislação de enquadramento preveja desde o início a
classificação de imóveis privados vão ser essencialmente os bens do Estado que
vão ser objecto de classificação,
Se no primeiro decreto de classificações a pertença ao Estado de grande parte dos
imóveis é consequência natural do processo de desamortizações e, depois, da
nacionalização dos bens da igreja, já posteriormente podemos aventar que o facto
de um determinado imóvel pertencer ao Estado se torna quase um critério não
declarado para a classificação de um imóvel.
Por outro lado, conforme já acontecia no decreto de 1910, são muito poucos os
imóveis com uma utilização de caracter privado. No Norte do País, onde se situam
grande parte dos Solares e casa senhoriais, apenas em 1949 se voltam a classificar 2
solares – dos Biscainhos, em Braga e do Requeijo, nos Arcos de Valdevez
Por fim, o critério histórico -artístico parece fixar-se no período da fundação da
nacionalidade, com especial incidência nos estilos românico e gótico, incluindo-se
aqui o manuelino, tendência que é acompanhada pelas intervenções de restauro
conduzidas pela ideia de reposição da unidade estilística. Pelo que, mesmo quando
alguns destes imóveis não correspondiam completamente ao modelo conceptual,
passaram a corresponder após as intervenções de restauro de que foram alvo.
Igrejas
47%
Pelourinhos e
cruzeiros
12%
Fortificações
12%
Pontes
6%
Sitios arq.
13%
Outros
2%Fontes e
aquedutos
5%
Edificios
notáveis
2%
Casas
solarengas
1%
Imóveis classificados, no Norte de Portugal, entre 1920 e 1970
- distribuição tipológica
Apenas fogem a este modelo as igrejas conventuais que pelas suas características
monumentais, reúnem com frequência uma miriade de intervenções realizadas ao
longo dos tempos, e constituem um palimpsesto estilístico que sobreviveu às
intervenções mais radicais realizadas nas pequenas igrejas.
Refira-se como curiosidade que a primeira igreja barroca a ser classificada no
Norte do país foi a igreja matriz de Sambade, em Alfândega da Fé, em 1935. O
que faz com seja actualmente, no Norte do país, a única igreja paroquial com estas
características na posse do Estado. Só passados mais de 20 anos, em 1958, é
novamente classificada uma igreja paroquial barroca, a igreja de São Pedro de
Miragaia, no Porto.
Aos critérios histórico, arqueológico, artístico, arquitectónico e de interesse
nacional, referidos na legislação inicial, e que enquadram as classificações na
primeira metade do século, vão sendo acrescentados novos critérios. Em 19494
inclui-se o valor paisagístico; em 19735, o valor etnográfico. O processo de
actualização da legislação é lento e só com muito atraso são seguidas as
metodologias que desde 1931, com a Carta de Atenas, são propostas
internacionalmente.
O número de imóveis classificados cresce de forma lenta e embora não se conheça
nenhuma acção de inventário patrimonial generalizado, verifica-se que a lógica
essencial das novas classificações, entre 1920 e 1970, é de complementaridade em
relação à listagem inicial, concentrando-se nas fortificações e imóveis religiosos
de origem medieval.
Cabe aqui referir que, quer na escolha dos monumentos a classificar quer nas
características das intervenções de restauro, existe uma concepção ideológica de
matriz nacionalista que procurava, através da utilização quase obsessiva da pedra
sem revestimentos, associar a rudeza, solidez e pureza dos materiais em presença,
à imagem de um povo austero, honesto e simples.
Verifica-se também a classificação de conjuntos de imóveis tipologicamente
semelhantes e para o que terá sido indispensável uma acção de inventariação
4 Decreto-lei 2032/49 de 11 de Junho
5 Decreto-lei 582/73 de 5 de Novembro
prévia. É o caso das classificações dos pelourinhos portugueses6 em 1933 , de
todos os marcos pombalinos que delimitavam o Alto Douro Vinhateiro7 em 1946,
de uma série de fontanários da cidade do Porto8 em 1938 e das fortificações
abaluartadas do litoral a Norte do Douro em 19679
Existe também uma intenção de protecção de sítios arqueológicos, por vezes de
descoberta recente, através da sua classificação. Por fim, existem classificações
cuja motivação parece ter um caracter mais pontual ou localizado, surgindo por
eventual acção de individual ou de instituições de origem local.
.
ANOS 70 e 80
Apenas na segunda metade da década de 70 pudemos verificar alterações
substanciais à prática de classificação exercida ao longo da primeira metade do
século e que se expressam, por um lado, no aumento significativo do número de
imóveis objecto de classificação, por outro, no aumento exponencial da
classificação de imóveis particulares, principalmente casas solarengas e capelas,
por fim na diversificação dos critérios que conduzem à classificação, num
movimento que se expressa em diversas direcções, dando sequência a algum
desenvolvimento legislativo anterior e às indicações das convenções
internacionais até então realizadas (Carta de Veneza de 1964; Carta Europeia do
Património Arquitectónico de 1975; Carta de Florença de 1981 sobre os jardins
históricos) e que se manifesta nos seguintes pontos:
6 Decreto-lei 23122/33 de 11 de Outubro
7 Decreto-lei 35909/46 de 17 de Outubro
8 Decreto-lei 28536/38 de 22 de Março
9 Decreto-lei 47508/67 de 24 de Janeiro e 47984/67 de 6 de Outubro
Imóveis classificados, no Norte de Portugal, entre 1970 e
1990 – distribuição tipológica
- Protecção de conjuntos urbanos, nomeadamente pela classificação de centros
históricos, ruas e áreas urbanas de interesse patrimonial e pela definição de Zonas
Especiais de Protecção abrangendo um conjunto de imóveis classificados num
determinado centro urbano. Esta preocupação tem inicio ainda na década de 70
por exemplo com a definição da ZEP do Centro Histórico de Viana do Castelo e
com as classificações cos conjuntos urbanos do Passeio Alegre na Póvoa de
Varzim10
e da Praça da Ribeira e suas extensões, no Porto11
.
- Concepção dos imóveis a classificar como um conjunto indissociável composto
por parte edificada, jardins, parte agrícola, florestal, cercas, muros, caminhos, etc,
10
Conjunto ou espaço urbano designado por "Passeio Alegre" na Póvoa de Varzim; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9 11
Conjunto urbano constituído pela Praça da Ribeira e suas naturais extensões no Porto; classificado através do Decreto Nº 516/71 de 22-11
Igrejas
32%
Casas
solarengas
26%
Edificios
notáveis
10%
Pelourinhos e
cruzeiros
3%
Fortificações
4%
Sitios arq.
14%
Pontes
7%
Fontes e
aquedutos
2%
Outros
2%
não só enquanto elementos contextualizantes que poderiam ser abrangidos por
uma ZEP, mas como elementos fundamentais para a sobrevivência e
compreensão do conjunto classificado. As classificações dos solares e casas em
contexto urbano passam a incluir os jardins; nos solares e quintas rurais procura-se
classificar o conjunto da propriedade, entendida como um complexo monumental
mas também como um sistema produtivo coerente indispensável à
sustentabilidade económica do edificado. No caso dos mosteiros a classificação
passa a abranger a totalidade do complexo monástico, incluindo os edifícios e a
cerca, entendido como conjunto indispensável à compreensão do Mosteiro e à sua
preservação, na medida a actividade agrícola e artesanal desenvolvida no espaço
da cerca é indispensável para a compreensão do Mosteiro na sua globalidade. Nos
casos em que a paisagem envolvente ainda se encontra bem preservada e se
relaciona com o conjunto monástico procura-se através da criação de uma ZEP
proteger e reconstituir o contexto do couto primitivo. Este novo entendimento
conduziu frequentemente à redefinição de anteriores classificações e surge
aplicado num primeiro momento aos solares e aos respectivos jardins (Paço de
Campo Belo12
, em V.N. de Gaia; Casa da Prelada13
, no Porto; Casa da Soenga14
,
em Resende).
- Verifica-se a introdução da noção de sítio arqueológico, alargada a áreas urbanas,
assumindo, neste aspecto, o caso de Bracara Augusta, no final dos anos 70, um
papel fundamental como alerta para a importância da protecção dos sedimentos
arqueológicos em contextos urbanos. Abordagem dos sítios arqueológicos
enquanto contextos complexos, constituindo-se com frequência como
palimpsestos de ocupações humanas ao longo dos tempos, identificados, não
apenas por estruturas construídas mais evidentes mas, também, pela
transformação da paisagem e do território para cuja percepção contribui o
desenvolvimento, ao longo dos anos 90, de técnicas do âmbito das ciências
exactas, aplicadas à investigação arqueológica. O desenvolvimento, pelos
Serviços Regionais de Arqueologia do IPPC, ao longo dos anos 80, de
12
Paço do Campo Belo, incluindo a capela e todo o seu conjunto circundante, nomeadamente os jardins, Vila Nova de Gaia; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9 13
Casa da Prelada, com o conjunto que a envolve, designadamente a mata e o jardim, Porto, classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9 14
Casa da Soenga, incluindo os jardins, as estátuas e a Capela de Nossa Senhora do Carmo, Resende; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9
levantamentos arqueológicos no âmbito da elaboração de uma Carta Arqueológica
Nacional, permitiu a selecção de sítios arqueológicos, a classificar, com base no
potencial arqueológico observado através de técnicas de prospecção arqueológica;
surgindo o conceito de reserva arqueológica aplicado a sítios arqueológicos ainda
não objecto de investigação arqueológica intensiva.
- Atenção aos estilos arquitectónicos mais recentes, com a generalização das
classificações de exemplares do período barroco (essencialmente igrejas, capelas e
solares), mas também das arquitecturas do final do séc XIX (Teatro de S. João15
e
Edifícios no Porto nas ruas da Galeria de Paris e Cândido dos Reis16
), da
Arquitectura do Ferro, com as classificações do Mercado Ferreira Borges17
e das
Pontes de D. Maria e de D. Luís18
e da Arquitectura Modernista com a
classificação do Edifício do Frigorífico do Peixe19
, no Porto, da autoria do Arqtº
ANOS 90
Com a década de 80 o enquadramento legislativo de protecção ao património
edificado conheceu significativa alteração, primeiro com a criação do Instituto
Português do Património Cultural (IPPC), em 1979 e, em 1985, com a publicação da
Lei de Bases do Património Cultural (Lei 13/85), que actualizava a legislação
nacional, nomeadamente acolhendo no seu articulado, as propostas da então recente
Convenção de Granada.
15 Teatro São João no Porto; classificado como IIP através do Decreto Nº 28/82 de 26-2 16
Edifícios na Rua Cândido dos Reis e na Rua da Galeria de Paris, no Porto; classificados como IIP através do Decreto Nº 735/74 de 21-12 17
Mercado Ferreira Borges no Porto; classificado como IIP através do Decreto Nº 28/82 de 26-2 18
Pontes D. Luís e de D. Maria Pia no Porto; classificadas como IIP através do Decreto Nº 28/82 de 26-2 19
Edifício do Frigorífico do Peixe no Porto; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9
A nova legislação, embora nunca regulamentada, o crescimento, no âmbito do IPPC /
IPPAR, de um corpo técnico especializado e actualizado pelas metodologias
expressas nas diversas cartas e convenções internacionais; (Resolução 813, de 1983,
do Conselho da Europa sobre a arquitectura contemporânea; Convenção de La Valette
de 1992 sobre património arqueológico; Documento de Nara de 1994 sobre a noção
de autenticidade em conservação de Património) e o desenvolvimento de uma opinião
pública e publicada atenta e desperta para as questões relacionadas com a protecção
do Património, reflectem-se na generalidade da actuação da Administração Pública na
protecção do património e, evidentemente numa maior abrangência das tipologias e
caracterização do imóveis a proteger e, consequentemente, a classificar:
- A atenção à paisagem construída como testemunho maior do empreendimento
humano colectivo ao longo de séculos. A paisagem vai passar de elemento de
enquadramento a objecto fulcral de protecção. Salientem-se os contributos que a
Arqueologia e a Geografia trouxeram para a compreensão da evolução e
estruturação das paisagens humanizadas. O exemplo evidente a nível nacional é a
classificação como Património Mundial do Alto Douro Vinhateiro, mas podemos
Igrejas
21%
Casas
solarengas
17%
Pontes
9%
Outros
5%
Sitios arq.
38%
Pelourinhos e
cruzeiros
3%
Edificios
notáveis
7%
Imóveis classificados, no Norte de Portugal, na década de 90
– distribuição tipológica
referir as classificações da Barragem romana da Aboboleira20
, em Chaves e das
também romanas, minas de Trêsminas21
, em Vila Pouca de Aguiar, e, ainda, as
ZEP’s definidas para as áreas envolventes dos Mosteiros de São João de
Tarouca22
, Santa Maria de Pombeiro23
e Santa Maria do Bouro24
. A salvaguarda
deste tipo de áreas implica sempre uma actuação que ultrapassa as medidas
estritas previstas na legislação de protecção do Património, para exigir
intervenções ao nível do Ordenamento do Território.
- Valorização da noção de autenticidade, reflectindo-se numa maior exigência na
análise dos imóveis a classificar e consequentemente na intervenção pós
classificação no âmbito das intervenções de salvaguarda. Em consequência
classificam-se imóveis e conjuntos que embora de menor impacte monumental,
preservam características originais de âmbito estrutural, decorativo ou de
utilização.
- Surgem as primeiras classificações de arquitectura vernacular, que se podem
associar às preocupações de protecção do património etnográfico, presentes na lei
a partir dos anos 70. Trata-se de um tipo de património arquitectónico que tem
sido pouco objecto de protecção legal através da classificação. Seja no caso de
conjuntos rurais, seja no caso de exemplares isolados – moinhos, azenhas, pontes,
serrações, etc.. Por um lado porque se trata de um património que tem na maior
parte dos casos uma relevância de âmbito local, e que, no entanto, por ser
património não monumental e de utilização diária tende a não ser valorizado pelas
comunidades locais, mesmo pelo facto de estar frequentemente ligado a condições
de vida difíceis num passado próximo. Temos no entanto alguns casos de
classificação de conjuntos rurais (Aldeia de Drave, em Arouca, aldeias de Antas,
Castelo e Sabugueiro em Lamego, aldeia de Limões em Ribeira de Pena), nem
sempre com bons resultados na preservação das suas características após a
classificação. Tratando-se geralmente de edifícios construídos em alvenarias
20 Barragem romana de Aboboleira em Chaves; classificada como IIP pelo Decreto Nº 26-A/92 de 1-6 21 Minas romanas de Trêsminas em Vila Pouca de Aguiar; classificada como IIP pelo Decreto Nº 67/97 de 31-12 22
Mosteiro de São João de Tarouca, ZEP, D.R., 2ª Série, Nº 56 de 08/03/1999, Portaria nº 189/99 (2ª Série) 23 Mosteiro de Pombeiro, ZEP, Portaria nº 651/2002, de 14-6, D.R., Nº 135, I Série B, de 14-06-2002 24 Mosteiro de Santa Maria do Bouro, ZEP - homologada em 23/10/2002 por S.E. o Ministro da Cultura
pobres, muitas vezes em mau estado de conservação, é muito difícil impedir as
intervenções informais, com utilização de materiais exógenos – tijolo, cimento,
telha, fibrocimento, chapas, azulejos, etc. Por outro lado, o desaparecimento dos
saberes tradicionais ligados a este tipo de construção contrasta com a facilidade de
utilização das novas técnicas construtivas. Por fim, as próprias regulamentações
de edificações urbanas, pouco flexíveis em relação a casos excepcionais
dificultam a requalificação e utilização das antigas construções. A experiência
mostra-nos não ser viável a preservação um conjunto rural habitado sem o
empenhamento da comunidade em presença, das autarquias envolvidas e de um
apoio técnico e financeiro que permita a elaboração dos instrumento de gestão
territorial adequados e os meios para a sua implementação. Já no que se refere a
conjuntos rurais abandonados (Aldeia de Drave, em Arouca, aldeia de Antas, em
Lamego), cada vez mais presentes no interior do país, sejam as tradicionais
brandas ou mesmo antigas povoações agora desertificadas, a questão coloca-se na
forma de conter, ou não, a lenta transformação em ruína. No que se refere a
exemplares etnográficos, normalmente ligados a actividades artesanais, estamos
aqui em presença de séries de imóveis ligados a uma mesma actividade,
semelhantes do ponto de vista morfológico, em que não sendo possível a
preservação e valorização de todos os exemplares, torna-se necessário proceder a
um trabalho de inventariação prévia que permita detectar as variantes técnicas ou
arquitectónicas por forma a proceder à seriação e selecção dos exemplares a
preservar. Nestes casos a classificação de âmbito nacional tem sido pouco
frequente, incluindo apenas alguns exemplares que pela sua exemplaridade e
raridade ultrapassam o âmbito local. (Conjuntos de Espigueiros no Soajo e no
Lindoso, Fojos de Lobo da Serra da Cabreira, Serra Hidráulica de Pereiras em
Santo Tirso, Moinhos de Vento de Montedor em Viana do Castelo, etc.).
- A expansão urbana do último quartel do século XX, com alteração qualitativa na
utilização de áreas que na primeira metade do século estavam destinadas a
actividades industriais, assim como a transformação dessas mesmas actividades,
veio colocar o problema da preservação deste património, de constituição recente,
muitas vezes em mau estado de conservação e, mais uma vez, nem sempre
valorizado pelas comunidades locais. Encontramos dois tipos de valores
patrimoniais em presença, por um lado a arquitectura industrial, dos exemplares
ligados à arquitectura do ferro do final do séc. XIX aos edifícios modernistas da
primeira metade do séc. XX; por outro, a exemplaridade técnica de cada
actividade com todos os elementos que lhe estão associados – modos de produção
e comercialização, maquinaria, documentação, etc. A preservação do edifício com
todos os elementos característicos da produção no seu interior é rara e está
normalmente associada a projectos de musealização, ( Edificio das Moagens
Harmonia / Museu da Indústria ) sendo a classificação um dos elementos de um
processo naturalmente complexo, que tem por objectivo a utilização exemplar de
uma determinada unidade como ilustrativa de um determinado tipo de actividade
industrial. É mais frequente e menos condicionante, a preservação de edifícios
industriais, notáveis pelas suas características arquitectónicas e que, graças à
amplidão dos espaços interiores, são facilmente adaptados a novos usos
(Frigorifico do Peixe no Porto, Fabricas de Curtumes em Guimarães, Fabricas de
Conservas em Matosinhos).
- Correspondendo ao gradual estudo científico e reconhecimento público das
arquitecturas do séc. XX, foram sendo objecto de classificação, edifícios e
conjuntos, exemplares de momento diversos da arquitectura contemporânea e
notáveis pelas características estéticas e/ou técnicas. Neste aspecto insere-se a
participação do IPPAR no DOCOMOMO e no apoio a iniciativas como a
Exposição de Arquitectura Moderna Portuguesa, com natural reflexo no
desenvolvimento de procedimentos de salvaguarda entre os quais a classificação.
Igrejas
27%
Casas
solarengas
35%
Sitios arq.
13%
Conj Urbanos
5%
Patr. Industrial
3%
Etnografico
3%Fontes e
aquedutos
1% Pontes
5%
Fortificações
2%
Edificios
notáveis
6%
Imóveis em vias de classificação, no Norte de Portugal –
distribuião tipológica
Analisado historicamente o procedimento da classificação verificamos nunca ter
existido uma base de inventário generalizado de valores culturais a partir da qual
fossem seleccionados os imóveis a classificar. Com excepção do decreto de 1910
que podemos considerar como resultante de um levantamento nacional de valores
patrimoniais, sendo que os impulso que leva à classificação de um bem é,
normalmente de caracter pontual, seja de origem local ou do próprio organismo
que procede à classificação. Verificamos que as razões que levam ao início do
procedimento são as seguintes:
- proposta do proprietário, essencialmente no caso de casas solarengas, com o
objectivo de prestigiar o bem e protegê-lo de agressões exteriores, nomeadamente
pela existência de uma área de protecção. Verifica-se também neste aspecto a
importância dos benefícios fiscais previstos na Lei e o acesso a programas de
financiamento, nomeadamente na área turística que apoiam preferencialmente os
imóveis classificados.
- Proposta de associações de defesa do património, geralmente em situações limite
de destruição iminente do bem a classificar.
- Proposta de autarquias locais, normalmente na sequência de levantamentos do
património concelhio, muitas vezes sem seriação prévia da globalidade dos
imóveis inventariados.
- Iniciativa dos serviços do Estado responsáveis pelo procedimento de classificação,
seja em situações pontuais, mais uma vez normalmente associadas a situações de
crise, do bem ou da sua envolvente; ou na sequência de acções de inventário
limitadas, normalmente de caracter específico, dirigidas a um tipo determinado de
valor patrimonial e nem sempre com caracter formal. (Classificação dos
pelourinhos, classificação dos chafarizes do Porto, carta arqueológica dos
Serviços Regionais de Arqueologia nos anos 80, inventário do Património
industrial na década de 90).
A Lei 107/2001 que estabelece as bases da política e do regime de protecção e
valorização do património cultural prevê no seu artigo 16º que, para além da
protecção através da classificação, os bens culturais poderão ser protegidos através
do registo patrimonial de inventário.
Independentemente de a Lei não se encontrar ainda regulamentada e portanto não
existir uma definição exacta do que poderá vir a concretizar-se neste registo de
inventário, verifica-se que não existe actualmente qualquer inventário nacional,
sistemático e unificado dos bens patrimoniais.
Existem no entanto uma multiplicidade de inventários e levantamentos de património,
executados por entidades diversas e com objectivos e critérios múltiplos. – Planos de
Ordenamento do Território, Estudos de Impacte Ambiental, Levantamentos de
caracter académico e científico, iniciativas de Associações de Defesa do Património,
etc.
A definição do caracter do registo patrimonial de inventário poderá ajudar a ordenar
alguma desta informação que actualmente se encontra muito dispersa e,
consequentemente é de difícil utilização.
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Década
de 1910
Década
de1920
Década
de1930
Década
de1940
Década
de1950
Década
de1960
Década
de1970
Década
de1980
Década
de1990
Número de imóveis classificados, no Norte de
Portugal, por décadas
O IPPAR tem centrado a sua actuação, conforme previsto na Lei, na salvaguarda e
valorização dos bens culturais classificados ou em vias de classificação, não tendo
desenvolvido uma intervenção sistemática na área do inventário. No entanto, foram
desenvolvidas acções de inventário específicas. Desde logo do património
arqueológico, ainda enquanto IPPC e no âmbito da actuação dos então Serviços
Regionais de Arqueologia que executaram acções de inventário sistemático, que se
concretizaram na publicação da Carta Arqueológica do Algarve e no desenvolvimento
na primeira metade dos anos 90 do Sistema de Informação Endovélico que está na
base do actual Inventário Arqueológico Nacional disponibilizado pelo Instituto
Português de Arqueologia. Aqui se incluem também acções como o Inventário de
Património Industrial desenvolvido pelo IPPAR no âmbito do DOCOMOMO Ibérico,
o Inventário de Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970 que deu origem a uma
série de exposições que correram o território nacional e o Projecto Itinerários de
Cister que permitiu inventariar a globalidade do património monumental de origem
cisterciense em Portugal e que tem tido continuidade numa série de intervenções de
valorização, restauro e reconstituição desse património.
Saliente-se, no entanto, que estas e outras acções de inventário específico promovidas
pelo IPPAR não se esgotam apenas na elaboração de listagens, pelo contrário
pretende-se, sempre, que sejam intervenções de investigação científica e procurando
reunir-se um corpus documental, constituído por estudos, bibliografia, documentação
gráfica e fotográfica, caracterização cadastral, etc. que permita apoiar intervenções de
salvaguarda e propiciar elementos de registo e estudo à comunidade científica.
Pela sua qualidade de entidade responsável pela salvaguarda e valorização do
património classificado, o trabalho de inventário desenvolvido pelo IPPAR é centrado
tendencialmente em imóveis, conjunto e sítios de excepção, compagináveis com uma
protecção de âmbito nacional e implicando um nível de recolha de informação não
compatível com um levantamento sistemático e necessariamente superficial de todos
os valores patrimoniais.
Nesse sentido, o IPPAR tem vindo a desenvolver, desde 1997, e na sequência de um
anterior projecto de inventário de património arqueológico que transitou para o
Instituto Português de Arqueologia, um sistema informático, designado Sistema
Integrado de Gestão do Património Imóvel que, tendo por base o inventário do
património classificado e em vias de classificação, pretende possibilitar a sua gestão
integrada seja nos aspectos de intervenção, conservação e valorização dos imóveis,
seja nas questões relacionadas com a salvaguarda dos imóveis e das suas áreas de
protecção, seja ainda na gestão de toda a informação documental referente aos
imóveis classificados.
O sistema, em permanente crescimento e desenvolvimento, disponibiliza actualmente,
através do site do IPPAR na Internet, um conjunto de informações e serviços ao
público em geral de que se destacam:
- O inventário geral de todos os imóveis classificados e em vias de classificação,
com informação diversa associada.
- Cartografia digitalizada à escala 1:1000, em ambiente SIG, de diversos concelhos,
disponibilizando os imóveis classificados e as respectivas áreas de protecção.~
- Sujeição, via Internet, ao IPPAR de pedidos de certidões e declarações diversas
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1910
1920-1970
1970-1990
Década de 90
Em vias
Quadro comparativo de classificações no Norte de
Portugal
- Consulta, pelos requerentes de processos de licenciamento sujeitos a parecer
prévio e vinculativo do IPPAR, da tramitação processual interna e dos pareceres
emitidos pelo IPPAR.
Pretende-se ainda que este sistema informático, nomeadamente na sua valência de
inventário, possa servir como modelo e apoio ao desenvolvimento de acções de
levantamento patrimonial desenvolvidas por outras entidades, nomeadamente pelas
autarquias locais.
As competências atribuídas aos municípios, pelas novas Leis do Património Cultural e
das Autarquias Locais, conferindo-lhes a capacidade de classificação de Imóveis de
Interesse Municipal, concomitantemente com o facto de serem as entidades
responsáveis pelo desenvolvimento de Planos de Ordenamento de Território ao nível
municipal, parece aconselhar centrar nas Câmaras Municipais a base do inventário
patrimonial sistemático, até porque a protecção de muito deste património de caracter
difuso, não monumental, vernacular e de âmbito local, não devendo ser objecto de
qualquer classificação específica poderá e deverá ser objecto de atenção e protecção
no âmbito dos planos de ordenamento do território à escala municipal, entendidos este
bens como mais valias a potenciar, não tanto como atracção turística, mas
principalmente como referência na implementação de melhores níveis de qualidade de
vida no desenvolvimento urbano e rural.
Evidentemente caberá ao IPPAR, enquanto entidade tecnicamente apta, e na
sequência do que actualmente acontece com a presença de seus representantes nas
Comissões de Acompanhamento dos Planos de Ordenamento do Território ou na
colaboração que tem vindo a ser desenvolvida com as autarquias no âmbito das suas
novas competências na classificação de Imóveis de Interesse Municipal, o
desenvolvimento de acções de coordenação, no sentido de permitir alguma adequação
de critérios e mesmo a utilização de bases de dados sempre que possível compatíveis.
CONCLUSÕES
Verifica-se na última década que o património edificado, enquanto realidade
multifacetada e símbolo identitário tem vindo adquirir visibilidade e uma presença
crescente nas preocupações de indivíduos e entidades vocacionadas para a intervenção
na gestão do território. Esta preocupação não pode ser desligada do sentimento de
perda que as nossas sociedades urbanas exprimem quando confrontadas com um
passado rural, por vezes mitificado, e que tem consequência na valorização do que se
julga serem as marcas físicas desse passado, da gastronomia ao património edificado.
A preservação do património tem hoje uma imagem positiva, associada à melhoria da
qualidade de vida, nomeadamente nos centros urbanos. Assistimos a uma
multiplicidade de intervenções urbanas que tem por objecto motivador a preservação
e requalificação de zonas de interesse patrimonial. Diga-se no entanto que nem
sempre estas intervenções, por deficiente enquadramento ou por se querer aplicar por
mimetismo soluções vistas noutros contextos, contribuem para a preservação do
património construído. Quase sempre intervenções apressadas de alindamento
reduzem os centros históricos a locais idênticos, no Norte ou no Sul, no Este ou no
Oeste, reproduzindo e mimetizando representações quando pelo contrário se deveria
privilegiar as diferenças, as especificidades e os elementos de autenticidade. E aqui se
deveriam incluir os novos patrimónios que não são, ao contrário do que muita boa
gente acha, o construir à antiga com muita pedra à vista mas, pelo contrário, assumir,
mesmo em áreas patrimoniais, intervenções actuais e que pela sua especificidade
ajudem a reforçar o caracter único do contexto patrimonial em que se integram.
Dito isto, se analisarmos o contexto de actuação do IPPC e depois IPPAR, nos últimos
20 anos verificamos que a intervenção de pontual e excepcional passou a normal e
frequente. Actualmente só na Direcção Regional do Porto do IPPAR são emitidos
anualmente cerca de 2000 pareceres sobre uma multiplicidade de intervenções em
áreas com salvaguarda patrimonial.
Mas não foi só ou principalmente, uma alteração quantitativa, pelo contrário o factor
mais relevante é a presença, hoje imposta por lei, da vertente Património em todas as
intervenções com reflexo no Planeamento e Ordenamento do Território,
nomeadamente, através de representantes do IPPAR e do IPA, nas Comissões de
Acompanhamento de Planos Directores Municipais, Planos de Pormenor ou Estudos
de Impacte Ambiental.
A intervenção do IPPAR, embora continuando a ter como ponto de partida a
protecção de imóveis classificados, tem vindo a adaptar-se à necessidade de actuar
como interlocutor, principalmente das autarquias locais, mas também de organismos
da administração descentralizada do Estado e indivíduos ou associações particulares,
com uma intervenção não restrita a acções pontuais de salvaguarda e valorização de
um conjunto de imóveis notáveis mas pelo contrário entendendo a salvaguarda
patrimonial como elemento decisivo, ao lado da preservação ambiental, para a
melhoria da qualidade de vida das populações.
Esta preocupação crescente com o Património e o seu papel de potencial contributo
para o desenvolvimento económico tem contribuído para reforçar a sua importância
social. Nomeadamente pelo facto de a presença de valores patrimoniais estar
normalmente associada ao reforço de apoios financeiros, seja para requalificação
urbana (p. ex. Programa Polis), seja para intervenção directa na recuperação de
imóveis de excepção (p.ex. Programa Operacional da Cultura e Medidas Cultura e
Património dos Programas de Desenvolvimento Regional), seja pela majoração de
apoios em Programas de Desenvolvimento Turístico.
Passados quase 100 anos das primeiras classificações verificamos que continuamos,
do ponto de vista quantitativo, a classificar tendo como principais critérios os valores
histórico e artístico, conforme se atesta pela presença dominante nos imóveis em vias
de classificação de igrejas, capelas, solares, casas solarengas, etc., no entanto estes
critérios mais tradicionais têm vindo a ser enquadrados por novos critérios de análise,
nomeadamente - a autenticidade, a integridade, a exemplaridade, o valor científico e
técnico, a concepção arquitectónica, urbanística e paisagista.
A assunção da globalidade destes critérios se conduziu a uma evidente alteração
quantitativa nos tipos de imóveis classificados tem, no entanto levado a uma dupla
consequência qualitativa:
Por um lado, na análise a que são sujeitos os processos de classificação dos imóveis
que têm tradicionalmente por base o critério histórico / artistico – igrejas e solares,
introduzindo-se na análise e selecção dos processos por exemplo critérios de
autenticidade, integridade da propriedade, valorização de concepções técnicas
específicas ou de preservação de aspectos paisagísticos. Assim, os imóveis que agora
propomos para classificação deverão
Por outro lado verifica-se uma alteração, lenta, mas que tende a consolidar-se, no tipo
de imóveis que são objecto de processo de classificação. Desde logo porque as
tipologias tradicionalmente objecto de classificação, são necessariamente finitas, veja-
se o caso das fortificações, pelourinhos e cruzeiros, mas mesmo das igrejas, embora
aqui se trate de universo mais alargado e, principalmente mais complexo. Mas a
alteração está na atenção que progressivamente vai sendo dada aos novos patrimónios,
no cumprimento de critérios de valorização das concepções arquitectónica, urbanística
e paisagística (arquitectura contemporânea, conjuntos urbanos e rurais, jardins e áreas
de valor paisagístico), do valor científico e técnico (sítios arqueológicos, património
industrial e artesanal), a importância para a memória colectiva (património
etnográfico).
A classificação de novos patrimónios colocam novos problemas de salvaguarda e
preservação. O património de raiz histórica, artística e simbólica, principalmente se
em meio urbano, tem hoje regras de preservação genericamente aceites pelas
entidades e pela população em geral.
Os novos patrimónios, embora correspondam a preocupações que tendem a
generalizar-se, colocam novos problemas de preservação, não só das áreas
envolventes, mas principalmente do próprio objecto classificado, seja porque ainda
não suficientemente valorizado pela totalidade da comunidade, seja porque as
técnicas, usos e meios financeiros que são utilizados na preservação e valorização de
igrejas, castelos, solares e pelourinhos não são aqui aplicáveis. Refiro-me por
exemplo a unidades industriais, conjuntos rurais, áreas urbanas contemporâneas,
paisagens; conjuntos e imóveis que assumem, por vezes, um caracter difuso e não
monumentalizado.
Assume aqui especial importância a intervenção das entidades responsáveis pela
protecção do património na elaboração dos instrumentos de gestão e ordenamento do
território - PRD’s PDM’s, PP’s, PU’s. É também a esse nível que poderão ser
encontradas soluções, nomeadamente pelo planeamento de novos usos, que permitam
contribuir para a preservação e valorização destes novos patrimónios.