Top Banner
Miguel Areosa. Rodrigues, “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas do inventário à salvaguarda e valorização do património», C.M. de Arouca, 2005 A CLASSIFICAÇÃO DO PATRIMÓNIO EDIFICADO 1 Miguel Areosa Rodrigues 2 Em Junho de 2004 completam-se 94 anos sobre o primeiro diploma legal de protecção do bens culturais nacionais, em que são definidos os imóveis considerados Monumentos Nacionais, lista em que se incluem a grande maioria dos monumentos que ainda hoje reconhecemos como símbolos nacionais ou mesmo exemplares excepcionais reconhecidos como Património Mundial Mosteiro de Alcobaça, Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém, A preocupação com os edifícios notáveis enquanto testemunhos do passado da nação, vai se impondo ao longo do século XIX entre as elites cultas 3 . Num período de transformações significativas nos tecidos urbanos, especialmente na segunda metade do século XIX, verifica-se a ascensão definitiva da figura do Estado enquanto entidade tutelar e representativa do colectivo nacional. Por outro lado, o Estado encontrar-se agora na posse de um grande número de imóveis, de grande valor artístico, histórico e simbólico, cuja utilização original cessou e que começam a ser encarados como valores patrimoniais, no sentido em que são símbolos nacionais. Trata-se não só do património monástico que após a desamortização, permanece em parte na posse do Estado, por vezes com novas utilizações, mas também das fortificações que deixam de ter utilização militar. Deixando de ter uma manutenção que lhes era assegurada pela utilização, vão entrar em degradação, muitas vezes acelerada pelo desmonte e utilização das pedras na construção de novos edifícios. 1 Esta comunicação tem por base de trabalho e análise, o conjunto de imóveis classificados e em vias de classificação da Região Norte. Sendo a este universo que se referem todos os gráficos incluídos. 2 Arqueólogo, Direcção Regional do Porto do IPPAR - [email protected] 3 Sobre este assunto que não constitui objectivo desta comunicação, verificar p.ex.: CUSTÓDIO, 1993; MARTINS, 2003a e 2003b
23

“A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

May 13, 2023

Download

Documents

Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Miguel Areosa. Rodrigues, “A classificação do património edificado”, In Actas das

Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à

salvaguarda e valorização do património», C.M. de Arouca, 2005

A CLASSIFICAÇÃO DO PATRIMÓNIO EDIFICADO1

Miguel Areosa Rodrigues2

Em Junho de 2004 completam-se 94 anos sobre o primeiro diploma legal de

protecção do bens culturais nacionais, em que são definidos os imóveis

considerados Monumentos Nacionais, lista em que se incluem a grande maioria

dos monumentos que ainda hoje reconhecemos como símbolos nacionais ou

mesmo exemplares excepcionais reconhecidos como Património Mundial –

Mosteiro de Alcobaça, Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém,

A preocupação com os edifícios notáveis enquanto testemunhos do passado da

nação, vai se impondo ao longo do século XIX entre as elites cultas3. Num

período de transformações significativas nos tecidos urbanos, especialmente na

segunda metade do século XIX, verifica-se a ascensão definitiva da figura do

Estado enquanto entidade tutelar e representativa do colectivo nacional. Por outro

lado, o Estado encontrar-se agora na posse de um grande número de imóveis, de

grande valor artístico, histórico e simbólico, cuja utilização original cessou e que

começam a ser encarados como valores patrimoniais, no sentido em que são

símbolos nacionais. Trata-se não só do património monástico que após a

desamortização, permanece em parte na posse do Estado, por vezes com novas

utilizações, mas também das fortificações que deixam de ter utilização militar.

Deixando de ter uma manutenção que lhes era assegurada pela utilização, vão

entrar em degradação, muitas vezes acelerada pelo desmonte e utilização das

pedras na construção de novos edifícios.

1 Esta comunicação tem por base de trabalho e análise, o conjunto de imóveis classificados e em vias

de classificação da Região Norte. Sendo a este universo que se referem todos os gráficos incluídos. 2 Arqueólogo, Direcção Regional do Porto do IPPAR - [email protected] 3 Sobre este assunto que não constitui objectivo desta comunicação, verificar p.ex.: CUSTÓDIO,

1993; MARTINS, 2003a e 2003b

Page 2: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Mas se datam deste período muitas destruições bem documentadas, verifica-se

que, como depois se vai verificar frequentemente, é numa situação de “crise” para

a preservação do património que também se começam a verificar as primeiras

preocupações “modernas” com a preservação de monumentos, numa lógica não

apenas utilitária mas já conservacionista.:

- intervenções de articulistas, desde logo Almeida Garrett, que logo em 1843

clama contra a degradação dos templos deixados ao abandono e Alexandre

Herculano que, tendo demonstrado várias vezes a sua preocupação com este

assunto, alerta para o estado de abandono em que se encontravam os

monumentos históricos, procurando sensibilizar a opinião pública para a

importância da salvaguarda dos “monumentos pátrios”, sugerindo a

publicação de legislação protectora e alertando mesmo para as potencialidades

turistico-económicas dos monumentos nacionais.

- Constituição das primeiras associações dedicadas ao estudo e protecção do

património: em 1863 - a Real Associação dos Architectos Civis e

Archeólogos Portugueses; em 1882 - a Sociedade Martins Sarmento em

Guimarães; em 1889 - a Comissão de Vigilância do Castelo da Feira e a Real

Irmandade da Rainha Santa Mafalda em Arouca.

- Intervenções do Estado de conservação em imóveis de valor patrimonial.

- Definição em 1880, pela Real Associação dos Architectos Civis e

Archeólogos Portugueses, de um conjunto de monumentos enquanto símbolos

nacionais, que genericamente se manterá até aos nossos dias.

O FINAL DA MONARQUIA E A REPÚBLICA

O diploma de classificação publicado em Junho de 1910, corresponde a um dos

poucos momentos ao longo de mais de 90 anos de classificações em que a

selecção dos imóveis a classificar parece resultar de uma pré-selecção consciente,

retrato de uma conceptualização do modelo de monumento que se pretendia

preservar. Como quase sempre aconteceu e ainda acontece, classificaram-se os

imóveis que já eram considerados monumentos, ou seja mais do que

patrimonializar imóveis através da classificação o que aconteceu foi classificarem-

se os monumentos que o censo comum aceitava como notáveis e simbólicos. Seja

Page 3: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

pela sua dimensão histórica – castelos, sítios arqueológicos, pelo seu valor

artistico-arquitectónico – igrejas, capelas, mosteiros, palácios, pela sua afirmação

simbólica – pelourinhos, cruzeiros, pontes. Estes monumentos eram

essencialmente propriedade da Igreja e do Estado, excluindo-se desse

enquadramento, alguns palácios, classificados pelo seu valor artístico de excepção

(Brejoeira, Giela, Mateus, Freixo) e os sítios arqueológicos.

O facto do Estado ser proprietário de um grande número destes imóveis classificados

vai ser reforçado, pouco tempo depois, com a nacionalização dos bens da igreja na

sequência da implantação da República, apenas 4 meses após a publicação do

primeiro decreto de classificações. O Estado passa a ter a posse de grande parte do

património artístico e monumental nacional. A Concordata de 1942 vai manter este

statuo quo, no sentido em que, ao devolver os bens nacionalizados em 1910, o Estado

mantém na sua posse, embora com usufruto da igreja, todos os imóveis que entretanto

tinham sido objecto de classificação ou que o viessem a ser até 1945.

Igrejas

30%

Casas

solarengas

6%

Edificios notáveis

4%

Pelourinhos e

cruzeiros

14%

Fortificações

11%

Pontes

10%

Outros

4%

Fontes e

aquedutos

3%

Sitios arq.

18%

Imóveis classificados, no Norte de Portugal, pelo decreto

de 1910 – distribuição tipológica

Page 4: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Esta situação explica que actualmente o Estado ou a Administração Local sejam,

porque proprietários, directamente responsáveis pela manutenção e conservação

de grande parte do património classificado

Analisando a listagem de imóveis classificados pelo decreto de 16 de Junho de

1910, teremos que salientar que constituem ainda hoje o corpus fundamental do

património classificado português, a quase totalidade pertence ainda hoje ao

Estado e constitui o essencial do imóveis que têm vindo a ser objecto de

intervenções de restauro e valorização por parte do Estado ao longo de todo o

século XX. Curiosamente, se é verdade que do ponto de vista artístico

predominam os monumentos de raiz românico-gótica, encontram-se igualmente

bem representados os monumentos manuelinos e renascentistas, e mesmo diversos

palácios barrocos.

Pré-História

6%

Romanização

6%Séc. XV/XVII

19%

Séc. XVIII

9%Idade do

Ferro

7%

Idade Média

52%

Séc. XIX

1%

Decreto de 1910 – distribuição

cronológica dos imóveis classificados

Page 5: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Será interessante salientar a presença de um número significativo de sítios e

monumentos arqueológicos, mais uma vez a maioria dos que ainda hoje

constituem o imaginário do cidadão comum e que se encontram visitáveis (as

Citânias de Briteiros, Sabroso e Monte Padrão, as Antas de Chã de Parada

(Baião), da Barrosa (V.P. de Âncora) e da Fonte Coberta (Alijó); o Santuário de

Panóias e a Geira romana). A presença de um número tão significativo de sítios

arqueológicos explica-se pelo desenvolvimento que a investigação arqueológica

tinha sido objecto graças ao trabalho desenvolvido, nas últimas décadas do séc.

XIX e no início do século XX, por um insigne grupo de estudiosos em que se

destacam, José Leite de Vasconcelos, Martins Sarmento, e Possidónio da Silva.

Ao longo do século continuarão a ser classificados sítios arqueológicos, de forma

regular, com especial incremento a partir da década de 70, correspondendo ao

ressurgir da investigação arqueológica que se verifica a partir do final da década,

seja no meio universitário, com a criação das Variantes de Arqueologia no curso

de História, seja na administração do Estado, com a criação dos Serviços

Regionais de Arqueologia no âmbito do IPPC.

.

O ESTADO NOVO

A matriz que infirma este primeiro lote de imóveis classificados vai-se manter ao

longo de cerca de 50 anos. As classificações que se vão suceder confirmam e

completam o quadro de monumentos definido pelo primeiro decreto de 1910,

embora, na prática, claramente se estreitem os critérios que conduzem à escolha

dos imóveis a classificar.

Por um lado, embora a legislação de enquadramento preveja desde o início a

classificação de imóveis privados vão ser essencialmente os bens do Estado que

vão ser objecto de classificação,

Se no primeiro decreto de classificações a pertença ao Estado de grande parte dos

imóveis é consequência natural do processo de desamortizações e, depois, da

nacionalização dos bens da igreja, já posteriormente podemos aventar que o facto

de um determinado imóvel pertencer ao Estado se torna quase um critério não

declarado para a classificação de um imóvel.

Page 6: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Por outro lado, conforme já acontecia no decreto de 1910, são muito poucos os

imóveis com uma utilização de caracter privado. No Norte do País, onde se situam

grande parte dos Solares e casa senhoriais, apenas em 1949 se voltam a classificar 2

solares – dos Biscainhos, em Braga e do Requeijo, nos Arcos de Valdevez

Por fim, o critério histórico -artístico parece fixar-se no período da fundação da

nacionalidade, com especial incidência nos estilos românico e gótico, incluindo-se

aqui o manuelino, tendência que é acompanhada pelas intervenções de restauro

conduzidas pela ideia de reposição da unidade estilística. Pelo que, mesmo quando

alguns destes imóveis não correspondiam completamente ao modelo conceptual,

passaram a corresponder após as intervenções de restauro de que foram alvo.

Igrejas

47%

Pelourinhos e

cruzeiros

12%

Fortificações

12%

Pontes

6%

Sitios arq.

13%

Outros

2%Fontes e

aquedutos

5%

Edificios

notáveis

2%

Casas

solarengas

1%

Imóveis classificados, no Norte de Portugal, entre 1920 e 1970

- distribuição tipológica

Page 7: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Apenas fogem a este modelo as igrejas conventuais que pelas suas características

monumentais, reúnem com frequência uma miriade de intervenções realizadas ao

longo dos tempos, e constituem um palimpsesto estilístico que sobreviveu às

intervenções mais radicais realizadas nas pequenas igrejas.

Refira-se como curiosidade que a primeira igreja barroca a ser classificada no

Norte do país foi a igreja matriz de Sambade, em Alfândega da Fé, em 1935. O

que faz com seja actualmente, no Norte do país, a única igreja paroquial com estas

características na posse do Estado. Só passados mais de 20 anos, em 1958, é

novamente classificada uma igreja paroquial barroca, a igreja de São Pedro de

Miragaia, no Porto.

Aos critérios histórico, arqueológico, artístico, arquitectónico e de interesse

nacional, referidos na legislação inicial, e que enquadram as classificações na

primeira metade do século, vão sendo acrescentados novos critérios. Em 19494

inclui-se o valor paisagístico; em 19735, o valor etnográfico. O processo de

actualização da legislação é lento e só com muito atraso são seguidas as

metodologias que desde 1931, com a Carta de Atenas, são propostas

internacionalmente.

O número de imóveis classificados cresce de forma lenta e embora não se conheça

nenhuma acção de inventário patrimonial generalizado, verifica-se que a lógica

essencial das novas classificações, entre 1920 e 1970, é de complementaridade em

relação à listagem inicial, concentrando-se nas fortificações e imóveis religiosos

de origem medieval.

Cabe aqui referir que, quer na escolha dos monumentos a classificar quer nas

características das intervenções de restauro, existe uma concepção ideológica de

matriz nacionalista que procurava, através da utilização quase obsessiva da pedra

sem revestimentos, associar a rudeza, solidez e pureza dos materiais em presença,

à imagem de um povo austero, honesto e simples.

Verifica-se também a classificação de conjuntos de imóveis tipologicamente

semelhantes e para o que terá sido indispensável uma acção de inventariação

4 Decreto-lei 2032/49 de 11 de Junho

5 Decreto-lei 582/73 de 5 de Novembro

Page 8: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

prévia. É o caso das classificações dos pelourinhos portugueses6 em 1933 , de

todos os marcos pombalinos que delimitavam o Alto Douro Vinhateiro7 em 1946,

de uma série de fontanários da cidade do Porto8 em 1938 e das fortificações

abaluartadas do litoral a Norte do Douro em 19679

Existe também uma intenção de protecção de sítios arqueológicos, por vezes de

descoberta recente, através da sua classificação. Por fim, existem classificações

cuja motivação parece ter um caracter mais pontual ou localizado, surgindo por

eventual acção de individual ou de instituições de origem local.

.

ANOS 70 e 80

Apenas na segunda metade da década de 70 pudemos verificar alterações

substanciais à prática de classificação exercida ao longo da primeira metade do

século e que se expressam, por um lado, no aumento significativo do número de

imóveis objecto de classificação, por outro, no aumento exponencial da

classificação de imóveis particulares, principalmente casas solarengas e capelas,

por fim na diversificação dos critérios que conduzem à classificação, num

movimento que se expressa em diversas direcções, dando sequência a algum

desenvolvimento legislativo anterior e às indicações das convenções

internacionais até então realizadas (Carta de Veneza de 1964; Carta Europeia do

Património Arquitectónico de 1975; Carta de Florença de 1981 sobre os jardins

históricos) e que se manifesta nos seguintes pontos:

6 Decreto-lei 23122/33 de 11 de Outubro

7 Decreto-lei 35909/46 de 17 de Outubro

8 Decreto-lei 28536/38 de 22 de Março

9 Decreto-lei 47508/67 de 24 de Janeiro e 47984/67 de 6 de Outubro

Page 9: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Imóveis classificados, no Norte de Portugal, entre 1970 e

1990 – distribuição tipológica

- Protecção de conjuntos urbanos, nomeadamente pela classificação de centros

históricos, ruas e áreas urbanas de interesse patrimonial e pela definição de Zonas

Especiais de Protecção abrangendo um conjunto de imóveis classificados num

determinado centro urbano. Esta preocupação tem inicio ainda na década de 70

por exemplo com a definição da ZEP do Centro Histórico de Viana do Castelo e

com as classificações cos conjuntos urbanos do Passeio Alegre na Póvoa de

Varzim10

e da Praça da Ribeira e suas extensões, no Porto11

.

- Concepção dos imóveis a classificar como um conjunto indissociável composto

por parte edificada, jardins, parte agrícola, florestal, cercas, muros, caminhos, etc,

10

Conjunto ou espaço urbano designado por "Passeio Alegre" na Póvoa de Varzim; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9 11

Conjunto urbano constituído pela Praça da Ribeira e suas naturais extensões no Porto; classificado através do Decreto Nº 516/71 de 22-11

Igrejas

32%

Casas

solarengas

26%

Edificios

notáveis

10%

Pelourinhos e

cruzeiros

3%

Fortificações

4%

Sitios arq.

14%

Pontes

7%

Fontes e

aquedutos

2%

Outros

2%

Page 10: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

não só enquanto elementos contextualizantes que poderiam ser abrangidos por

uma ZEP, mas como elementos fundamentais para a sobrevivência e

compreensão do conjunto classificado. As classificações dos solares e casas em

contexto urbano passam a incluir os jardins; nos solares e quintas rurais procura-se

classificar o conjunto da propriedade, entendida como um complexo monumental

mas também como um sistema produtivo coerente indispensável à

sustentabilidade económica do edificado. No caso dos mosteiros a classificação

passa a abranger a totalidade do complexo monástico, incluindo os edifícios e a

cerca, entendido como conjunto indispensável à compreensão do Mosteiro e à sua

preservação, na medida a actividade agrícola e artesanal desenvolvida no espaço

da cerca é indispensável para a compreensão do Mosteiro na sua globalidade. Nos

casos em que a paisagem envolvente ainda se encontra bem preservada e se

relaciona com o conjunto monástico procura-se através da criação de uma ZEP

proteger e reconstituir o contexto do couto primitivo. Este novo entendimento

conduziu frequentemente à redefinição de anteriores classificações e surge

aplicado num primeiro momento aos solares e aos respectivos jardins (Paço de

Campo Belo12

, em V.N. de Gaia; Casa da Prelada13

, no Porto; Casa da Soenga14

,

em Resende).

- Verifica-se a introdução da noção de sítio arqueológico, alargada a áreas urbanas,

assumindo, neste aspecto, o caso de Bracara Augusta, no final dos anos 70, um

papel fundamental como alerta para a importância da protecção dos sedimentos

arqueológicos em contextos urbanos. Abordagem dos sítios arqueológicos

enquanto contextos complexos, constituindo-se com frequência como

palimpsestos de ocupações humanas ao longo dos tempos, identificados, não

apenas por estruturas construídas mais evidentes mas, também, pela

transformação da paisagem e do território para cuja percepção contribui o

desenvolvimento, ao longo dos anos 90, de técnicas do âmbito das ciências

exactas, aplicadas à investigação arqueológica. O desenvolvimento, pelos

Serviços Regionais de Arqueologia do IPPC, ao longo dos anos 80, de

12

Paço do Campo Belo, incluindo a capela e todo o seu conjunto circundante, nomeadamente os jardins, Vila Nova de Gaia; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9 13

Casa da Prelada, com o conjunto que a envolve, designadamente a mata e o jardim, Porto, classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9 14

Casa da Soenga, incluindo os jardins, as estátuas e a Capela de Nossa Senhora do Carmo, Resende; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9

Page 11: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

levantamentos arqueológicos no âmbito da elaboração de uma Carta Arqueológica

Nacional, permitiu a selecção de sítios arqueológicos, a classificar, com base no

potencial arqueológico observado através de técnicas de prospecção arqueológica;

surgindo o conceito de reserva arqueológica aplicado a sítios arqueológicos ainda

não objecto de investigação arqueológica intensiva.

- Atenção aos estilos arquitectónicos mais recentes, com a generalização das

classificações de exemplares do período barroco (essencialmente igrejas, capelas e

solares), mas também das arquitecturas do final do séc XIX (Teatro de S. João15

e

Edifícios no Porto nas ruas da Galeria de Paris e Cândido dos Reis16

), da

Arquitectura do Ferro, com as classificações do Mercado Ferreira Borges17

e das

Pontes de D. Maria e de D. Luís18

e da Arquitectura Modernista com a

classificação do Edifício do Frigorífico do Peixe19

, no Porto, da autoria do Arqtº

ANOS 90

Com a década de 80 o enquadramento legislativo de protecção ao património

edificado conheceu significativa alteração, primeiro com a criação do Instituto

Português do Património Cultural (IPPC), em 1979 e, em 1985, com a publicação da

Lei de Bases do Património Cultural (Lei 13/85), que actualizava a legislação

nacional, nomeadamente acolhendo no seu articulado, as propostas da então recente

Convenção de Granada.

15 Teatro São João no Porto; classificado como IIP através do Decreto Nº 28/82 de 26-2 16

Edifícios na Rua Cândido dos Reis e na Rua da Galeria de Paris, no Porto; classificados como IIP através do Decreto Nº 735/74 de 21-12 17

Mercado Ferreira Borges no Porto; classificado como IIP através do Decreto Nº 28/82 de 26-2 18

Pontes D. Luís e de D. Maria Pia no Porto; classificadas como IIP através do Decreto Nº 28/82 de 26-2 19

Edifício do Frigorífico do Peixe no Porto; classificado como IIP através do Decreto Nº 129/77 de 29-9

Page 12: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

A nova legislação, embora nunca regulamentada, o crescimento, no âmbito do IPPC /

IPPAR, de um corpo técnico especializado e actualizado pelas metodologias

expressas nas diversas cartas e convenções internacionais; (Resolução 813, de 1983,

do Conselho da Europa sobre a arquitectura contemporânea; Convenção de La Valette

de 1992 sobre património arqueológico; Documento de Nara de 1994 sobre a noção

de autenticidade em conservação de Património) e o desenvolvimento de uma opinião

pública e publicada atenta e desperta para as questões relacionadas com a protecção

do Património, reflectem-se na generalidade da actuação da Administração Pública na

protecção do património e, evidentemente numa maior abrangência das tipologias e

caracterização do imóveis a proteger e, consequentemente, a classificar:

- A atenção à paisagem construída como testemunho maior do empreendimento

humano colectivo ao longo de séculos. A paisagem vai passar de elemento de

enquadramento a objecto fulcral de protecção. Salientem-se os contributos que a

Arqueologia e a Geografia trouxeram para a compreensão da evolução e

estruturação das paisagens humanizadas. O exemplo evidente a nível nacional é a

classificação como Património Mundial do Alto Douro Vinhateiro, mas podemos

Igrejas

21%

Casas

solarengas

17%

Pontes

9%

Outros

5%

Sitios arq.

38%

Pelourinhos e

cruzeiros

3%

Edificios

notáveis

7%

Imóveis classificados, no Norte de Portugal, na década de 90

– distribuição tipológica

Page 13: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

referir as classificações da Barragem romana da Aboboleira20

, em Chaves e das

também romanas, minas de Trêsminas21

, em Vila Pouca de Aguiar, e, ainda, as

ZEP’s definidas para as áreas envolventes dos Mosteiros de São João de

Tarouca22

, Santa Maria de Pombeiro23

e Santa Maria do Bouro24

. A salvaguarda

deste tipo de áreas implica sempre uma actuação que ultrapassa as medidas

estritas previstas na legislação de protecção do Património, para exigir

intervenções ao nível do Ordenamento do Território.

- Valorização da noção de autenticidade, reflectindo-se numa maior exigência na

análise dos imóveis a classificar e consequentemente na intervenção pós

classificação no âmbito das intervenções de salvaguarda. Em consequência

classificam-se imóveis e conjuntos que embora de menor impacte monumental,

preservam características originais de âmbito estrutural, decorativo ou de

utilização.

- Surgem as primeiras classificações de arquitectura vernacular, que se podem

associar às preocupações de protecção do património etnográfico, presentes na lei

a partir dos anos 70. Trata-se de um tipo de património arquitectónico que tem

sido pouco objecto de protecção legal através da classificação. Seja no caso de

conjuntos rurais, seja no caso de exemplares isolados – moinhos, azenhas, pontes,

serrações, etc.. Por um lado porque se trata de um património que tem na maior

parte dos casos uma relevância de âmbito local, e que, no entanto, por ser

património não monumental e de utilização diária tende a não ser valorizado pelas

comunidades locais, mesmo pelo facto de estar frequentemente ligado a condições

de vida difíceis num passado próximo. Temos no entanto alguns casos de

classificação de conjuntos rurais (Aldeia de Drave, em Arouca, aldeias de Antas,

Castelo e Sabugueiro em Lamego, aldeia de Limões em Ribeira de Pena), nem

sempre com bons resultados na preservação das suas características após a

classificação. Tratando-se geralmente de edifícios construídos em alvenarias

20 Barragem romana de Aboboleira em Chaves; classificada como IIP pelo Decreto Nº 26-A/92 de 1-6 21 Minas romanas de Trêsminas em Vila Pouca de Aguiar; classificada como IIP pelo Decreto Nº 67/97 de 31-12 22

Mosteiro de São João de Tarouca, ZEP, D.R., 2ª Série, Nº 56 de 08/03/1999, Portaria nº 189/99 (2ª Série) 23 Mosteiro de Pombeiro, ZEP, Portaria nº 651/2002, de 14-6, D.R., Nº 135, I Série B, de 14-06-2002 24 Mosteiro de Santa Maria do Bouro, ZEP - homologada em 23/10/2002 por S.E. o Ministro da Cultura

Page 14: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

pobres, muitas vezes em mau estado de conservação, é muito difícil impedir as

intervenções informais, com utilização de materiais exógenos – tijolo, cimento,

telha, fibrocimento, chapas, azulejos, etc. Por outro lado, o desaparecimento dos

saberes tradicionais ligados a este tipo de construção contrasta com a facilidade de

utilização das novas técnicas construtivas. Por fim, as próprias regulamentações

de edificações urbanas, pouco flexíveis em relação a casos excepcionais

dificultam a requalificação e utilização das antigas construções. A experiência

mostra-nos não ser viável a preservação um conjunto rural habitado sem o

empenhamento da comunidade em presença, das autarquias envolvidas e de um

apoio técnico e financeiro que permita a elaboração dos instrumento de gestão

territorial adequados e os meios para a sua implementação. Já no que se refere a

conjuntos rurais abandonados (Aldeia de Drave, em Arouca, aldeia de Antas, em

Lamego), cada vez mais presentes no interior do país, sejam as tradicionais

brandas ou mesmo antigas povoações agora desertificadas, a questão coloca-se na

forma de conter, ou não, a lenta transformação em ruína. No que se refere a

exemplares etnográficos, normalmente ligados a actividades artesanais, estamos

aqui em presença de séries de imóveis ligados a uma mesma actividade,

semelhantes do ponto de vista morfológico, em que não sendo possível a

preservação e valorização de todos os exemplares, torna-se necessário proceder a

um trabalho de inventariação prévia que permita detectar as variantes técnicas ou

arquitectónicas por forma a proceder à seriação e selecção dos exemplares a

preservar. Nestes casos a classificação de âmbito nacional tem sido pouco

frequente, incluindo apenas alguns exemplares que pela sua exemplaridade e

raridade ultrapassam o âmbito local. (Conjuntos de Espigueiros no Soajo e no

Lindoso, Fojos de Lobo da Serra da Cabreira, Serra Hidráulica de Pereiras em

Santo Tirso, Moinhos de Vento de Montedor em Viana do Castelo, etc.).

- A expansão urbana do último quartel do século XX, com alteração qualitativa na

utilização de áreas que na primeira metade do século estavam destinadas a

actividades industriais, assim como a transformação dessas mesmas actividades,

veio colocar o problema da preservação deste património, de constituição recente,

muitas vezes em mau estado de conservação e, mais uma vez, nem sempre

valorizado pelas comunidades locais. Encontramos dois tipos de valores

patrimoniais em presença, por um lado a arquitectura industrial, dos exemplares

Page 15: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

ligados à arquitectura do ferro do final do séc. XIX aos edifícios modernistas da

primeira metade do séc. XX; por outro, a exemplaridade técnica de cada

actividade com todos os elementos que lhe estão associados – modos de produção

e comercialização, maquinaria, documentação, etc. A preservação do edifício com

todos os elementos característicos da produção no seu interior é rara e está

normalmente associada a projectos de musealização, ( Edificio das Moagens

Harmonia / Museu da Indústria ) sendo a classificação um dos elementos de um

processo naturalmente complexo, que tem por objectivo a utilização exemplar de

uma determinada unidade como ilustrativa de um determinado tipo de actividade

industrial. É mais frequente e menos condicionante, a preservação de edifícios

industriais, notáveis pelas suas características arquitectónicas e que, graças à

amplidão dos espaços interiores, são facilmente adaptados a novos usos

(Frigorifico do Peixe no Porto, Fabricas de Curtumes em Guimarães, Fabricas de

Conservas em Matosinhos).

- Correspondendo ao gradual estudo científico e reconhecimento público das

arquitecturas do séc. XX, foram sendo objecto de classificação, edifícios e

conjuntos, exemplares de momento diversos da arquitectura contemporânea e

notáveis pelas características estéticas e/ou técnicas. Neste aspecto insere-se a

participação do IPPAR no DOCOMOMO e no apoio a iniciativas como a

Exposição de Arquitectura Moderna Portuguesa, com natural reflexo no

desenvolvimento de procedimentos de salvaguarda entre os quais a classificação.

Igrejas

27%

Casas

solarengas

35%

Sitios arq.

13%

Conj Urbanos

5%

Patr. Industrial

3%

Etnografico

3%Fontes e

aquedutos

1% Pontes

5%

Fortificações

2%

Edificios

notáveis

6%

Imóveis em vias de classificação, no Norte de Portugal –

distribuião tipológica

Page 16: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Analisado historicamente o procedimento da classificação verificamos nunca ter

existido uma base de inventário generalizado de valores culturais a partir da qual

fossem seleccionados os imóveis a classificar. Com excepção do decreto de 1910

que podemos considerar como resultante de um levantamento nacional de valores

patrimoniais, sendo que os impulso que leva à classificação de um bem é,

normalmente de caracter pontual, seja de origem local ou do próprio organismo

que procede à classificação. Verificamos que as razões que levam ao início do

procedimento são as seguintes:

- proposta do proprietário, essencialmente no caso de casas solarengas, com o

objectivo de prestigiar o bem e protegê-lo de agressões exteriores, nomeadamente

pela existência de uma área de protecção. Verifica-se também neste aspecto a

importância dos benefícios fiscais previstos na Lei e o acesso a programas de

financiamento, nomeadamente na área turística que apoiam preferencialmente os

imóveis classificados.

- Proposta de associações de defesa do património, geralmente em situações limite

de destruição iminente do bem a classificar.

- Proposta de autarquias locais, normalmente na sequência de levantamentos do

património concelhio, muitas vezes sem seriação prévia da globalidade dos

imóveis inventariados.

- Iniciativa dos serviços do Estado responsáveis pelo procedimento de classificação,

seja em situações pontuais, mais uma vez normalmente associadas a situações de

crise, do bem ou da sua envolvente; ou na sequência de acções de inventário

limitadas, normalmente de caracter específico, dirigidas a um tipo determinado de

valor patrimonial e nem sempre com caracter formal. (Classificação dos

pelourinhos, classificação dos chafarizes do Porto, carta arqueológica dos

Serviços Regionais de Arqueologia nos anos 80, inventário do Património

industrial na década de 90).

A Lei 107/2001 que estabelece as bases da política e do regime de protecção e

valorização do património cultural prevê no seu artigo 16º que, para além da

protecção através da classificação, os bens culturais poderão ser protegidos através

do registo patrimonial de inventário.

Page 17: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Independentemente de a Lei não se encontrar ainda regulamentada e portanto não

existir uma definição exacta do que poderá vir a concretizar-se neste registo de

inventário, verifica-se que não existe actualmente qualquer inventário nacional,

sistemático e unificado dos bens patrimoniais.

Existem no entanto uma multiplicidade de inventários e levantamentos de património,

executados por entidades diversas e com objectivos e critérios múltiplos. – Planos de

Ordenamento do Território, Estudos de Impacte Ambiental, Levantamentos de

caracter académico e científico, iniciativas de Associações de Defesa do Património,

etc.

A definição do caracter do registo patrimonial de inventário poderá ajudar a ordenar

alguma desta informação que actualmente se encontra muito dispersa e,

consequentemente é de difícil utilização.

161

33

0

28

109

44

92

73

42

196

151 146

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

Década

de 1910

Década

de1920

Década

de1930

Década

de1940

Década

de1950

Década

de1960

Década

de1970

Década

de1980

Década

de1990

Número de imóveis classificados, no Norte de

Portugal, por décadas

Page 18: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

O IPPAR tem centrado a sua actuação, conforme previsto na Lei, na salvaguarda e

valorização dos bens culturais classificados ou em vias de classificação, não tendo

desenvolvido uma intervenção sistemática na área do inventário. No entanto, foram

desenvolvidas acções de inventário específicas. Desde logo do património

arqueológico, ainda enquanto IPPC e no âmbito da actuação dos então Serviços

Regionais de Arqueologia que executaram acções de inventário sistemático, que se

concretizaram na publicação da Carta Arqueológica do Algarve e no desenvolvimento

na primeira metade dos anos 90 do Sistema de Informação Endovélico que está na

base do actual Inventário Arqueológico Nacional disponibilizado pelo Instituto

Português de Arqueologia. Aqui se incluem também acções como o Inventário de

Património Industrial desenvolvido pelo IPPAR no âmbito do DOCOMOMO Ibérico,

o Inventário de Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970 que deu origem a uma

série de exposições que correram o território nacional e o Projecto Itinerários de

Cister que permitiu inventariar a globalidade do património monumental de origem

cisterciense em Portugal e que tem tido continuidade numa série de intervenções de

valorização, restauro e reconstituição desse património.

Saliente-se, no entanto, que estas e outras acções de inventário específico promovidas

pelo IPPAR não se esgotam apenas na elaboração de listagens, pelo contrário

pretende-se, sempre, que sejam intervenções de investigação científica e procurando

reunir-se um corpus documental, constituído por estudos, bibliografia, documentação

gráfica e fotográfica, caracterização cadastral, etc. que permita apoiar intervenções de

salvaguarda e propiciar elementos de registo e estudo à comunidade científica.

Pela sua qualidade de entidade responsável pela salvaguarda e valorização do

património classificado, o trabalho de inventário desenvolvido pelo IPPAR é centrado

tendencialmente em imóveis, conjunto e sítios de excepção, compagináveis com uma

protecção de âmbito nacional e implicando um nível de recolha de informação não

compatível com um levantamento sistemático e necessariamente superficial de todos

os valores patrimoniais.

Nesse sentido, o IPPAR tem vindo a desenvolver, desde 1997, e na sequência de um

anterior projecto de inventário de património arqueológico que transitou para o

Instituto Português de Arqueologia, um sistema informático, designado Sistema

Integrado de Gestão do Património Imóvel que, tendo por base o inventário do

Page 19: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

património classificado e em vias de classificação, pretende possibilitar a sua gestão

integrada seja nos aspectos de intervenção, conservação e valorização dos imóveis,

seja nas questões relacionadas com a salvaguarda dos imóveis e das suas áreas de

protecção, seja ainda na gestão de toda a informação documental referente aos

imóveis classificados.

O sistema, em permanente crescimento e desenvolvimento, disponibiliza actualmente,

através do site do IPPAR na Internet, um conjunto de informações e serviços ao

público em geral de que se destacam:

- O inventário geral de todos os imóveis classificados e em vias de classificação,

com informação diversa associada.

- Cartografia digitalizada à escala 1:1000, em ambiente SIG, de diversos concelhos,

disponibilizando os imóveis classificados e as respectivas áreas de protecção.~

- Sujeição, via Internet, ao IPPAR de pedidos de certidões e declarações diversas

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

%

Igre

jas

Ca

sa

s s

ola

ren

ga

s

Ed

ific

ios

no

táv

eis

Pe

lou

rin

ho

s e

cru

ze

iro

s

Fo

rtif

ica

çõ

es

Po

nte

s

Fo

nte

s e

aq

ue

du

tos

Ou

tro

s

Sit

ios

arq

.

1910

1920-1970

1970-1990

Década de 90

Em vias

Quadro comparativo de classificações no Norte de

Portugal

Page 20: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

- Consulta, pelos requerentes de processos de licenciamento sujeitos a parecer

prévio e vinculativo do IPPAR, da tramitação processual interna e dos pareceres

emitidos pelo IPPAR.

Pretende-se ainda que este sistema informático, nomeadamente na sua valência de

inventário, possa servir como modelo e apoio ao desenvolvimento de acções de

levantamento patrimonial desenvolvidas por outras entidades, nomeadamente pelas

autarquias locais.

As competências atribuídas aos municípios, pelas novas Leis do Património Cultural e

das Autarquias Locais, conferindo-lhes a capacidade de classificação de Imóveis de

Interesse Municipal, concomitantemente com o facto de serem as entidades

responsáveis pelo desenvolvimento de Planos de Ordenamento de Território ao nível

municipal, parece aconselhar centrar nas Câmaras Municipais a base do inventário

patrimonial sistemático, até porque a protecção de muito deste património de caracter

difuso, não monumental, vernacular e de âmbito local, não devendo ser objecto de

qualquer classificação específica poderá e deverá ser objecto de atenção e protecção

no âmbito dos planos de ordenamento do território à escala municipal, entendidos este

bens como mais valias a potenciar, não tanto como atracção turística, mas

principalmente como referência na implementação de melhores níveis de qualidade de

vida no desenvolvimento urbano e rural.

Evidentemente caberá ao IPPAR, enquanto entidade tecnicamente apta, e na

sequência do que actualmente acontece com a presença de seus representantes nas

Comissões de Acompanhamento dos Planos de Ordenamento do Território ou na

colaboração que tem vindo a ser desenvolvida com as autarquias no âmbito das suas

novas competências na classificação de Imóveis de Interesse Municipal, o

desenvolvimento de acções de coordenação, no sentido de permitir alguma adequação

de critérios e mesmo a utilização de bases de dados sempre que possível compatíveis.

CONCLUSÕES

Page 21: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

Verifica-se na última década que o património edificado, enquanto realidade

multifacetada e símbolo identitário tem vindo adquirir visibilidade e uma presença

crescente nas preocupações de indivíduos e entidades vocacionadas para a intervenção

na gestão do território. Esta preocupação não pode ser desligada do sentimento de

perda que as nossas sociedades urbanas exprimem quando confrontadas com um

passado rural, por vezes mitificado, e que tem consequência na valorização do que se

julga serem as marcas físicas desse passado, da gastronomia ao património edificado.

A preservação do património tem hoje uma imagem positiva, associada à melhoria da

qualidade de vida, nomeadamente nos centros urbanos. Assistimos a uma

multiplicidade de intervenções urbanas que tem por objecto motivador a preservação

e requalificação de zonas de interesse patrimonial. Diga-se no entanto que nem

sempre estas intervenções, por deficiente enquadramento ou por se querer aplicar por

mimetismo soluções vistas noutros contextos, contribuem para a preservação do

património construído. Quase sempre intervenções apressadas de alindamento

reduzem os centros históricos a locais idênticos, no Norte ou no Sul, no Este ou no

Oeste, reproduzindo e mimetizando representações quando pelo contrário se deveria

privilegiar as diferenças, as especificidades e os elementos de autenticidade. E aqui se

deveriam incluir os novos patrimónios que não são, ao contrário do que muita boa

gente acha, o construir à antiga com muita pedra à vista mas, pelo contrário, assumir,

mesmo em áreas patrimoniais, intervenções actuais e que pela sua especificidade

ajudem a reforçar o caracter único do contexto patrimonial em que se integram.

Dito isto, se analisarmos o contexto de actuação do IPPC e depois IPPAR, nos últimos

20 anos verificamos que a intervenção de pontual e excepcional passou a normal e

frequente. Actualmente só na Direcção Regional do Porto do IPPAR são emitidos

anualmente cerca de 2000 pareceres sobre uma multiplicidade de intervenções em

áreas com salvaguarda patrimonial.

Mas não foi só ou principalmente, uma alteração quantitativa, pelo contrário o factor

mais relevante é a presença, hoje imposta por lei, da vertente Património em todas as

intervenções com reflexo no Planeamento e Ordenamento do Território,

nomeadamente, através de representantes do IPPAR e do IPA, nas Comissões de

Acompanhamento de Planos Directores Municipais, Planos de Pormenor ou Estudos

de Impacte Ambiental.

Page 22: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

A intervenção do IPPAR, embora continuando a ter como ponto de partida a

protecção de imóveis classificados, tem vindo a adaptar-se à necessidade de actuar

como interlocutor, principalmente das autarquias locais, mas também de organismos

da administração descentralizada do Estado e indivíduos ou associações particulares,

com uma intervenção não restrita a acções pontuais de salvaguarda e valorização de

um conjunto de imóveis notáveis mas pelo contrário entendendo a salvaguarda

patrimonial como elemento decisivo, ao lado da preservação ambiental, para a

melhoria da qualidade de vida das populações.

Esta preocupação crescente com o Património e o seu papel de potencial contributo

para o desenvolvimento económico tem contribuído para reforçar a sua importância

social. Nomeadamente pelo facto de a presença de valores patrimoniais estar

normalmente associada ao reforço de apoios financeiros, seja para requalificação

urbana (p. ex. Programa Polis), seja para intervenção directa na recuperação de

imóveis de excepção (p.ex. Programa Operacional da Cultura e Medidas Cultura e

Património dos Programas de Desenvolvimento Regional), seja pela majoração de

apoios em Programas de Desenvolvimento Turístico.

Passados quase 100 anos das primeiras classificações verificamos que continuamos,

do ponto de vista quantitativo, a classificar tendo como principais critérios os valores

histórico e artístico, conforme se atesta pela presença dominante nos imóveis em vias

de classificação de igrejas, capelas, solares, casas solarengas, etc., no entanto estes

critérios mais tradicionais têm vindo a ser enquadrados por novos critérios de análise,

nomeadamente - a autenticidade, a integridade, a exemplaridade, o valor científico e

técnico, a concepção arquitectónica, urbanística e paisagista.

A assunção da globalidade destes critérios se conduziu a uma evidente alteração

quantitativa nos tipos de imóveis classificados tem, no entanto levado a uma dupla

consequência qualitativa:

Por um lado, na análise a que são sujeitos os processos de classificação dos imóveis

que têm tradicionalmente por base o critério histórico / artistico – igrejas e solares,

introduzindo-se na análise e selecção dos processos por exemplo critérios de

autenticidade, integridade da propriedade, valorização de concepções técnicas

Page 23: “A classificação do património edificado”, In Actas das Jornadas realizadas em Arouca em 2004 «Cartas Arqueológicas – do inventário à salvaguarda e valorização do património»,

específicas ou de preservação de aspectos paisagísticos. Assim, os imóveis que agora

propomos para classificação deverão

Por outro lado verifica-se uma alteração, lenta, mas que tende a consolidar-se, no tipo

de imóveis que são objecto de processo de classificação. Desde logo porque as

tipologias tradicionalmente objecto de classificação, são necessariamente finitas, veja-

se o caso das fortificações, pelourinhos e cruzeiros, mas mesmo das igrejas, embora

aqui se trate de universo mais alargado e, principalmente mais complexo. Mas a

alteração está na atenção que progressivamente vai sendo dada aos novos patrimónios,

no cumprimento de critérios de valorização das concepções arquitectónica, urbanística

e paisagística (arquitectura contemporânea, conjuntos urbanos e rurais, jardins e áreas

de valor paisagístico), do valor científico e técnico (sítios arqueológicos, património

industrial e artesanal), a importância para a memória colectiva (património

etnográfico).

A classificação de novos patrimónios colocam novos problemas de salvaguarda e

preservação. O património de raiz histórica, artística e simbólica, principalmente se

em meio urbano, tem hoje regras de preservação genericamente aceites pelas

entidades e pela população em geral.

Os novos patrimónios, embora correspondam a preocupações que tendem a

generalizar-se, colocam novos problemas de preservação, não só das áreas

envolventes, mas principalmente do próprio objecto classificado, seja porque ainda

não suficientemente valorizado pela totalidade da comunidade, seja porque as

técnicas, usos e meios financeiros que são utilizados na preservação e valorização de

igrejas, castelos, solares e pelourinhos não são aqui aplicáveis. Refiro-me por

exemplo a unidades industriais, conjuntos rurais, áreas urbanas contemporâneas,

paisagens; conjuntos e imóveis que assumem, por vezes, um caracter difuso e não

monumentalizado.

Assume aqui especial importância a intervenção das entidades responsáveis pela

protecção do património na elaboração dos instrumentos de gestão e ordenamento do

território - PRD’s PDM’s, PP’s, PU’s. É também a esse nível que poderão ser

encontradas soluções, nomeadamente pelo planeamento de novos usos, que permitam

contribuir para a preservação e valorização destes novos patrimónios.