A Cantora Careca - Eugene Ionesco
A CANTORA CARECA
(Eugne Ionesco)
Personagens:
SR. SMITH
SRA. SMITH
SR. MARTIN
SRA. MARTIN
MARY, a empregada
O CAPITO DOS BOMBEIROS
CENA I
(Interior burgus de uma casa inglesa, com poltronas inglesas.
Tarde inglesa. O Sr. Smith ingls, sentado na poltrona com chinelos
ingleses, fuma seu cachimbo ingls, lendo um jornal ingls, perto da
lareira inglesa. Usa culos ingleses e um pequeno bigode
esbranquiado ingls. Ao seu lado, numa outra poltrona inglesa, a
Sra. Smith, inglesa, remenda meias inglesas. Um longo momento de
silencio ingls. O relgio ingls d dezessete badaladas inglesas).SRA.
SMITH: Veja, so nove horas. Tomamos sopa, comemos peixe, batatas
com toucinho e salada inglesa. As crianas beberam gua inglesa.
Comemos bem esta noite. porque moramos nos arredores de Londres e o
nosso nome Smith.
SR. SMITH (continua a ler, estala a lngua.)
SRA. SMITH: As batatas vo muito bem com toucinho e o azeite da
salada no estava ranoso. O azeite do vendeiro da esquina de melhor
qualidade que o azeite do vendeiro da frente; at melhor que o
azeite do vendeiro da esquina de baixo. Mas isso no quer dizer que
para eles o azeite seja ruim.
SR. SMITH (continua a ler, estala a lngua.)
SRA. SMITH: Mas, mesmo assim, o azeite do vendeiro da esquina
sempre melhor.
SR. SMITH (continua a ler, estala a lngua.)
SRA. SMITH: Mary, desta vez, cozinhou bem as batatas. Da ultima
vez, ela no as deixou cozinhar direito. Eu s gosto de batatas
quando elas esto bem cozidas.
SR. SMITH (continua a ler, estala a lngua.)
SRA. SMITH: O peixe estava fresco. Eu lambi os beios. Repeti
duas vezes. No, trs vezes. Por causa disso precisei ir ao banheiro.
Voc tambm repetiu trs vezes. S que da ultima vez, voc comeu menos
que das duas primeiras vezes, enquanto eu comi muito mais. Comi
mais que voc esta noite. Por que ser? Geralmente voc que come mais.
No por falta de apetite.
SR. SMITH (estala a lngua.)
SRA. SMITH: Mas a sopa estava um pouco salgada. Estava mais
salgada que voc. Ha, ha, ha. Tinha tambm muito alho, e no tinha
cebola o suficiente. Lamento que eu no tenha pedido Mary de
acrescentar anis estrela. Da prxima vez, eu farei.
SR. SMITH (continua a ler e estala a lngua.)
SRA. SMITH: Nosso garoto queria beber cerveja, ele est amando
ficar bbado. Ele como voc. Na mesa, percebeu como ele fitava a
garrafa? Mas coloquei um pouco de gua no copo dele. Ele estava com
sede e bebeu. Helen como eu: ela daria uma boa administradora:
econmica e toca piano. Nunca pede para tomar cerveja inglesa. Ela
gostou da nossa filha que somente bebe leite e toma mingau. Ela tem
dois anos. Seu nome Peggy. A torta de marmelo e feijo estava
maravilhosa. Talvez tivesse sido melhor, ter tomado um pequeno copo
de Burgundy Australiano com o doce, mas eu no trouxe a garrafa para
mesa porque no quis dar as crianas o mau exemplo da gula. Eles tm
que aprender a serem comedidos e moderados
SR. SMITH (continua a ler e estala a lngua.)
SRA. SMITH: Sra. Parker conhece um vendedor romeno por nome
Popesco Rosenfeld, que acaba de chegar da Constantinopla. Ele um
grande especialista em iogurte. Ele tem um diploma da escola de
iogurteiros em Adrianopla. Amanh irei comprar um grande pote de
iogurte romeno dele. No com freqncia que encontramos essas coisas
aqui nos subrbios de Londres.
SR. SMITH (continua a ler e estala a lngua.)
SRA. SMITH: O iogurte excelente para o estmago, os rins, a
apendicite e a apoteose. Foi o que me disse o Dr. Mackenzie-King,
que trata dos filhos dos nossos vizinhos, os John. um bom mdico.
Pode-se ter confiana nele. Nunca receita um remdio que no tenha
experimentado nele prprio. Antes de fazer a operao no Parker,
fez-se operar do fgado, sem estar absolutamente doente.
SR. SMITH: Mas ento porque no aconteceu nada com o doutor e o
Parker morreu?
SRA. SMITH: Ora essa, porque a operao foi bem sucedida para o
doutor e mal sucedida para o Parker.
SR. SMITH: Ento Mackenzie no um bom mdico. A operao deveria ter
sido bem sucedida para os dois, ou ento os dois deveriam ter
morrido.
SRA. SMITH: Por qu?
SR. SMITH: Um mdico consciencioso deve morrer com o paciente, se
no h cura para ambos. O capito de um navio morre com o navio no
mar. Ele no sobrevive sozinho.
SRA. SMITH: No se pode comparar um doente com um navio.
SR. SMITH: Por que no? O navio tambm tem as suas doenas, e o
mdico forte como um navio; esta a razo pela qual deveria morrer
juntamente com seu paciente, como o capito e seu navio.
SRA. SMITH: Ah! No tinha pensado nisso... Talvez seja isso
mesmo. E ento qual a concluso que voc tira?
SR. SMITH: que todos os mdicos no passam de charlates e todos os
doentes tambm. Somente a Marinha honesta na Inglaterra.
SRA. SMITH: Mas no os marinheiros.
SR. SMITH: Naturalmente (Uma pausa, continua lendo o jornal:)
Aqui est uma coisa que eu no entendo. No jornal eles sempre colocam
o falecimento de uma pessoa, mas nunca um novo nascimento. Isto no
faz sentido.
SRA. SMITH: Eu no tinha pensado nisso! (Outro momento de
silncio. O relgio bate sete vezes. Silncio. O relgio bate trs
vezes. Silncio. O relgio no bate.)
SR. SMITH (Ainda lendo o jornal): Ora veja, aqui diz que Bobby
Watson morreu.
SRA. SMITH: Meu Deus, o pobrezinho! Quando foi que ele
morreu?
SR. SMITH: Para que esse espanto? Voc sabe perfeitamente. Ele
morreu h dois anos. Ento no estivemos no enterro dele h um ano e
meio?
SRA. SMITH: Ah sim, claro que eu me lembro. Eu lembrei logo. Mas
o que no compreendo por que voc ficou to espantado ao ver isso no
jornal.
SR. SMITH: Isso no estava no jornal. H trs anos que se fala de
sua morte. Recordei-me por associao de idias.
SRA. SMITH: Uma pena! Ele estava to conservado.
SR. SMITH: Ele foi o mais bonito cadver da Inglaterra. No
aparentava a idade que tinha. Pobre Bobby estava morto h quatro
anos e ainda estava quente. Um verdadeiro cadver vivo. E como ele
era alegre!
SRA. SMITH: Coitada da Bobby.
SR. SMITH: Voc quer dizer coitado do Bobby
SRA. SMITH: No. Penso na mulher dele. Chamava-se Bobby como ele,
Bobby Watson. Como ele tinha o mesmo nome, no era possvel
distinguir um do outro quando estavam juntos. S depois da morte
dele que se puderam saber de verdade quem era um e quem era outro.
E voc sabe que ainda hoje h gente que confunde a viva com o defunto
e lhe do os psames? Voc a conhece?
SR. SMITH: S a vi uma vez por acaso no enterro do Bobby.
SRA. SMITH: Eu nunca a vi. bonita?
SR. SMITH: Tem traos regulares, mas no se pode dizer que seja
bonita. muito alta e forte. Seus traos no so regulares, mas bem
bonita. um pouco baixinha e muito magra. professora de canto. (O
relgio bate cinco vezes. Um longo silncio.)
SRA. SMITH: E quando os dois pretendem se casar?
SR. SMITH: O mais tardar na prxima primavera.
SRA. SMITH: Precisamos fazer todo o possvel para irmos ao
casamento.
SR. SMITH: Temos que arranjar o presente de npcias. O que
poderia ser?
SRA. SMITH: Por que no damos uma daquelas salvas de prata que
recebemos em nosso casamento que nunca usamos? (Silncio.)
SRA. SMITH: triste ficar viva to nova.
SR. SMITH: Ainda bem que eles no tm filhos.
SRA. SMITH: Era o que faltava! Filhos! Coitada, como que ela
havia de se arranjar!
SR. SMITH: Ela ainda nova. Pode casar-se novamente. Fica muito
bem de luto.
SRA. SMITH: Mas quem tomar conta das crianas? Voc bem sabe que
eles tm um menino e uma menina. Como que se chamam mesmo?
SRA. SMITH: Bobby e Bobby, como os pais. O tio de Bobby Watson,
o velho Bobby Watson, um homem muito rico e adora o garoto, e
poderia muito bem encarregar-se da educao de Bobby.
SRA. SMITH: E seria muito natural. E a tia de Bobby Watson, a
velha Bobby Watson, poderia muito bem encarregar-se, por sua vez,
da educao de Bobby Watson, a filha de Bobby Watson. Assim Bobby, a
me de Bobby Watson, poderia casar-se de novo. Ela tem algum em
vista?
SR. SMITH: Sim, um primo de Bobby Watson.
SRA. SMITH: Quem? Bobby Watson?
SR. SMITH: De qual Bobby Watson voc est falando?
SRA. SMITH: De Bobby Watson, o filho do velho Bobby Watson, um
outro tio do Bobby Watson defunto.
SR. SMITH: No, no esse, mas outro. Trata-se de Bobby Watson, o
filho da velha Bobby Watson, a tia do Bobby Watson defunto.
SRA. SMITH: Voc est se referindo a Bobby Watson o caixeiro
viajante?
SR. SMITH: Todo o Bobby Watson caixeiros viajantes.
SRA. SMITH: Mas que profisso horrvel! No entanto, d dinheiro a
eles.
SR. SMITH: Sim, quando no h concorrncia.
SRA. SMITH: E quando h concorrncia.
SR. SMITH: Nas teras-feiras, quintas-feiras e teras-feiras.
SRA. SMITH: Ah! Trs dias por semana? E o que que Bobby Watson
faz nesses dias?
SR. SMITH: Ele descansa e dorme.
SRA. SMITH: Mas por que ele no trabalhar nesses trs dias, se no
h concorrncia?
SR. SMITH: No sei tudo. No posso responder todas essas suas
perguntas idiotas!
SRA. SMITH (ofendida): Oh! Voc est tentando me humilhar?
SR. SMITH (sorrindo): Voc sabe muito bem que eu no estou.
SRA. SMITH: Homens so todos iguais! Passam o dia todo sentado,
com um cigarro na boca, ou passando p-de-arroz na cara e ruge nos
lbios, cinqenta vezes por dia, ou ainda bebendo sem parar.
SR. SMITH: Mas o que voc diria se vise homens fazendo o que
mulheres fazem: fumando o dia todo, colocando p-de-arroz, pondo
ruge nos lbios, bebendo usque?
SRA. SMITH: C pra mim, eu no ligo! Mas se voc diz isso apenas
pra me irritar... No gosto desse tipo de brincadeira, voc sabe
muito bem disso!
(Ela arremessa as meias por todo palco e mostra os dentes. Ela
levanta.)
SR. SMITH (Tambm se levanta e vai at sua esposa, ternamente):
Oh, minha franguinha assada, pra que todo esse fogo! Voc sabe muito
bem que estava brincando! (Ele a toma pela cintura e a beija.) Que
par de amantes bobos somos ns! Vem, vamos desligar e dormir.
CENA II
MARY (entra): Eu sou a empregada. Passei uma tarde muito
agradvel. Fui ao cinema com um homem e assisti a um filme com
mulheres. Quando acabou a sesso. Fomos beber leite com aguardente.
Depois ficamos lendo o jornal.
SRA. SMITH: Espero que voc tenha passado uma tarde muito
agradvel, que tenha ido ao cinema com um homem e bebido leite com
aguardente.
SR. SMITH: E que tenha lido o jornal!
MARY: O Sr. e a Sra. Martin, seus convidados, esto a na porta.
Eles estavam minha espera. No se atreveram a vir por si ss. Eles
supem que iro jantar com vocs esta noite.
SRA. SMITH: Ah, sim. Ns os estvamos esperando. E estamos
famintos. Que no se perceba que amos comear a jantar sem eles. No
comemos nada o dia todo. Voc no devia ter sado!
MARY: Mas foram vocs me deram permisso
SR. SMITH: Ns no fizemos isso de propsito.
MARY (Acesso de risos e, em seguida, acesso de lgrimas. Ento
sorri): Eu comprei um penico.
SRA. SMITH: Por favor, querida Mary, faa os Martin entrar. Ns
vamos trocar de roupa.
CENA III
(Sr. e Sra. Smith saem pela direita. Mary abre a porta pela
esquerda para que Sr. e Sra. Martin entrem.)
MARY: Porque chegaram to tarde! Vocs no tm educao. Tm que chegar
cedo. Entenderam? Mas sentem-se ali, em todo o caso, agora esperar
uma vez que j esto aqui. (Ela sai.)
CENA IV(O Sr. e a Sra. Martin sentam-se frente a frente, sem se
falarem. Sorriem um para o outro, timidamente. O dilogo que se
segue deve ser dito com voz arrastada, montona, meio cantante, sem
nuances)
SR. MARTIN: Desculpe minha senhora, mas me parece, se no estou
enganado, que a conheo de algum lugar.
SRA. MARTIN: Eu tambm, meu senhor, parece que o conheo de algum
lugar.
SR. MARTIN: Por acaso, minha senhora, eu no a teria visto em
Manchester?
SRA. MARTIN: bem possvel. Eu sou da cidade de Manchester! Mas no
me lembro muito bem, meu senhor, eu no poderia dizer se o vi ou
no!
SR. MARTIN: Meu Deus, que curioso! Eu tambm sou da cidade de
Manchester, minha senhora!
SRA. MARTIN: Que curioso!
SR. MARTIN: Que curioso! S que eu, minha senhora, sa de
Manchester h mais ou menos cinco semanas!
SRA. MARTIN: Que curioso! Que estranha coincidncia! Eu tambm,
meu senhor, sa da cidade de Manchester h mais ou menos cinco
semanas.
SR. MARTIN: Peguei o trem das oito e meia da manh, que chega em
Londres s quinze para as cinco, minha senhora.
SRA. MARTIN: Que curioso! Que estranho! E que coincidncia! Eu
tambm peguei o mesmo trem, meu senhor.
SR. MARTIN: Meu Deus, que curioso! Ento, minha senhora, talvez
eu a tenha visto no trem?
SRA. MARTIN: bem possvel, pode ser, plausvel, e, afinal, por que
no! Mas eu no me lembro disso, meu senhor!
SR. MARTIN: Eu estava viajando de segunda classe, minha senhora.
No existe segunda classe na Inglaterra, mas assim mesmo eu viajo de
segunda classe.
SRA. MARTIN: Que estranho, que curioso, e que coincidncia! Eu
tambm, meu senhor, estava viajando de segunda classe!
SR. MARTIN: Que curioso! Talvez ns tenhamos nos encontrado na
segunda classe, minha cara senhora!
SRA. MARTIN: bem possvel, pode ser. Mas eu no me lembro muito
bem, meu caro senhor!
SR. MARTIN: Meu lugar era no vago nmero oito, sexto
compartimento, minha senhora!
SRA. MARTIN: Que curioso! Meu lugar tambm era no vago nmero
oito, sexto compartimento, meu caro senhor!
SR. MARTIN: Que curioso e que estranha coincidncia! Talvez ns
tenhamos nos encontrado no sexto compartimento, minha cara
senhora?
SRA. MARTIN: bem possvel, afinal! Mas eu no me lembro, meu caro
senhor!
SR. MARTIN: Para falar a verdade, minha cara senhora, eu tambm
no me lembro, mas possvel que tenhamos nos visto l, e, pensando
bem, a coisa me parece mesmo bem possvel!
SRA. MARTIN: Oh! Realmente, claro, realmente, meu senhor!
SR. MARTIN: Que curioso! Meu lugar era o nmero trs, do lado
janela, minha cara senhora.
SRA. MARTIN: Oh, meu Deus, que curioso e que estranho, meu lugar
era o numero seis, perto da janela, em frente ao senhor, meu caro
senhor.
SR. MARTIN: Oh, meu Deus, que curioso e que coincidncia! Ns
estvamos ento frente a frente, minha cara senhora! a que devemos
ter-nos visto!
SRA. MARTIN: Que curioso! possvel, mas eu no me lembro meu
senhor.
SR. MARTIN: Para falar a verdade, minha cara senhora, eu tambm
no me lembro. Contudo, bem possvel que ns tenhamos nos visto
naquela ocasio.
SRA. MARTIN: verdade, mas eu no estou muito certa disso, meu
senhor.
SR. MARTIN: Mas no foi a senhora, minha cara senhora, a senhora
me pediu para pr sua maleta no bagageiro e que em seguida me
agradeceu e me deu permisso para fumar?
SRA. MARTIN: sim, devia ser eu, meu senhor! Que curioso, que
curioso, e que coincidncia!
SR. MARTIN: Que curioso, que estranho, que coincidncia! Muito
bem, e ento, ento talvez ns tenhamos nos conhecido naquele momento,
minha senhora?
SRA. MARTIN: Que curioso e que coincidncia! bem possvel, meu
caro senhor! Contudo, acho que no me lembro.
SR. MARTIN: Eu tambm no, minha senhora.
(Um momento de silncio. O relgio bate)
SR. MARTIN: Desde que cheguei a Londres, moro na Rua Bromfield,
minha cara senhora.
SRA. MARTIN: Que curioso, que estranho! Eu tambm, desde a minha
chegada a Londres, moro na Rua Bromfield, meu caro senhor.
SR. MARTIN: Que curioso, mas ento, talvez ns tenhamos nos
encontrado na Rua Bromfield, minha cara senhora.
SRA. MARTIN: Que curioso, que estranho! bem possvel, afinal! Mas
eu no me lembro meu caro senhor.
SR. MARTIN: Eu moro no nmero dezenove, minha cara senhora.
SRA. MARTIN: Que curioso, eu tambm moro no nmero dezenove, meu
caro senhor.
SR. MARTIN: Mas ento, mas ento, mas ento, mas ento, mas ento,
talvez ns tenhamos nos visto naquela casa, minha cara senhora?
SRA. MARTIN: bem possvel, mas eu no me lembro meu caro
senhor.
SR. MARTIN: Meu apartamento fica no quinto andar, o nmero oito,
minha cara senhora.
SRA. MARTIN: Que curioso, meu Deus, que estranho! E que
coincidncia! Eu tambm moro no quinto andar, no apartamento nmero
oito, meu caro senhor.
SR. MARTIN: Que curioso, que curioso, que curioso e que
coincidncia! Sabe, no meu quarto, eu tenho uma cama. Minha cama
fica coberta com um edredom verde, encontra-se no fim do corredor,
entre o lavabo e a biblioteca, minha cara senhora!
SRA. MARTIN: Que coincidncia, ah meu Deus, que coincidncia! Meu
quarto tambm tem uma cama com um edredom verde e se encontra no fim
do corredor, entre o lavabo, meu caro senhor, e a biblioteca!
SR. MARTIN: Que estranho, que curioso! Ento, minha senhora,
moramos no mesmo quarto e dormimos na mesma cama, minha cara
senhora. Talvez seja l que ns tenhamos nos encontrado!
SRA. MARTIN: Que curioso e que coincidncia! bem possvel que
tenhamos nos encontrado l, e talvez at mesmo na noite passada. Mas
eu no me lembro meu caro senhor.
SR. MARTIN: Eu tenho uma filhinha, minha filhinha, ela mora
comigo, minha cara senhora. Ela tem dois anos, loira, tem um olho
branco e um olho vermelho, muito bonita e se chama Alice, minha
cara senhora.
SRA. MARTIN: Que estranha coincidncia! Eu tambm tenho uma
filhinha, ela tem dois anos, um olho branco e um olho vermelho,
muito bonita e tambm se chama Alice, meu caro senhor.
SR. MARTIN: (com a mesma voz arrastada, montona) Que curioso e
que coincidncia! E estranho! Talvez seja a mesma, minha cara
senhora!
SRA. MARTIN: Que curioso! bem possvel, meu caro senhor.
(Um momento de silncio bem longo. O relgio bate vinte e nove
vezes)
SR. MARTIN: (aps refletir longamente, levanta-se lentamente e,
sem se apressar, dirige-se at a Sra. Martin que, surpresa com o ar
solene do Sr. Martin, tambm se levantou, muito suavemente; o Sr.
Martin fala com a mesma voz singular, montona, vagamente cantante)
Ento, minha cara senhora, creio que no h duvida, ns j nos vimos e a
senhora minha prpria esposa Elisabeth, eu reencontrei voc!
(aproximando-se do Sr. Martin sem se apressar. Eles se abraam
sem expresso. O relgio soa uma vez, muito forte. A batida do relgio
deve ser to forte que deve fazer os espectadores se sobressaltarem.
O casal Martin no a ouve.)
SRA. MARTIN: Donald voc, Darling!
(Eles se sentam na mesma poltrona, permanecem abraados e
adormecem. O relgio bate ainda vrias vezes. Mary, na ponta dos ps,
um dedo nos lbios, entra suavemente em cena e dirige-se ao
pblico)CENA V
MARY: Elizabeth e Donald esto agora muito felizes. No podero
ouvir-me, portanto. Posso ento revelar-lhes um segredo. Elizabeth
no Elizabeth; Donald no Donald. E aqui est a prova: a filha de que
fala Donald, no filha de Elizabeth; as duas no so a mesma criana. A
filhinha de Donald tem um olho branco e outro vermelho exatamente
como a filhinha de Elizabeth. Mas acontece que a filhinha de Donald
tem um olho branco direita e um olho vermelho esquerda e a filhinha
de Elisabeth tem um olho vermelho direita e um olho branco
esquerda! Assim, todo sistema de deduo do Donald desmorona quando
vai de contra a este obstculo que destri sua teoria. Apesar da
extraordinria coincidncia que parecem ser provas definitivas,
Donald e Elizabeth, que no so pais da mesma criana, no so tambm
Donald e nem Elizabeth. em vo ele pensar que o Donald, em vo ela
pensar que a Elizabeth. Ele acredita em vo que ela a Elizabeth. Ela
acredita em vo que ele o Donald - eles esto tristemente enganados.
Mas quem o verdadeiro Donald? Quem a verdadeira Elizabeth? Quem tem
qualquer interesse em prolongar esta confuso? Eu no sei. No vamos
tentar saber. Vamos deixar as coisas como so. (Ela toma vrios
passos em direo a porta e, em seguida, volta e diz para a platia:)
Meu verdadeiro nome Sherlock Holmes. (sai.)
CENA VI
(O relgio bate. Depois de alguns segundos, Senhor e Sra. Martin
separados, sentam nos mesmos assentos do incio.)
SR. MARTIN: Darling, vamos esquecer tudo que aconteceu, e agora
que ns encontramos novamente, vamos tentar no ns perder um do
outro, e viver como antes.
SRA. MARTIN: Sim, Darling.
CENA VII
(Sr. e Sra. Smith entram pela direita, sem haver mudado
absolutamente a roupa.)
SRA. SMITH: Boa noite, caros amigos! Por favor, perdoem-nos por
ter-lhe feito esperar tanto tempo. Julgamos que deveramos
render-lhes as honras as quais tem direito e desde que sabamos de
antemo que vocs nos queriam dar o prazer de uma visita, sem antes
anunci-la, fomos rapidamente nos vestir apropriadamente pra
ocasio.
SR. SMITH (furioso): Ns no comemos o dia todo. E ficamos por
quatro horas esperando vocs. Por que chegaram to tarde?
(Sr. e Sra. Smith sentam em frente aos convidados. O relgio bate
subliminar conversao da platia, mais ou menos forte, de acordo com
o caso. Os Martin, particularmente Sra. Martin, parece envergonhada
e tmida. Por este motivo, a conversa comea com dificuldade e as
palavras so ditas, no incio, embaraadamente. Em primeiro um longo
silncio constrangedor, depois mais silncio seguido de hesitaes.)
SR. SMITH: Hm. (Silencio.)
SRA. SMITH: Hm, hm. (Silencio.)
SRA. MARTIN: Hm, hm, hm. (Silencio.)
SR. MARTIN: Hm, hm, hm, hm. (Silencio.)
SRA. MARTIN: Ah, decididamente. (Silencio.)
SR. MARTIN: Estamos todos gripados. (Silencio.)
SR. SMITH: No est fazendo frio, porm. (Silencio.)
SRA. SMITH: No h corrente de ar. (Silencio.)
SR. MARTIN: Ah no, felizmente. (Silencio.)
SR. SMITH: Ah, la, la, la, la. (Silencio.)
SR. MARTIN: No se sente bem? (Silencio.)
SRA. SMITH: No, ela est com as calas molhadas. (Silencio.)
SRA. MARTIN: Ah, senhor, na sua idade o senhor no devia.
(Silencio.)
SR. SMITH: O corao no envelhece. (Silencio.)SR. MARTIN: verdade.
(Silencio.)
SRA. SMITH: o que dizem. (Silencio.)
SRA. MARTIN: Tambm dizem o contrrio. (Silencio.)
SR. SMITH: A verdade fica entre os dois. (Silencio.)
SR. MARTIN: Isso verdade. (Silencio.)
SRA. SMITH (para os Martin): Vocs que viajam bastante, devem,
portanto ter coisas bem interessantes para nos contar.
SR. MARTIN ( esposa): Diga querida, o que foi que voc viu
hoje?
SRA. MARTIN: No vale a pena, vocs no iriam acreditar
SR. SMITH: No poremos em dvida a sua boa f!
SRA. SMITH: Ficaramos ofendidos se pensassem tal coisa.
SR. MARTIN ( esposa): Voc os ofenderia querida se
pensasse...
SRA. MARTIN (graciosa): Bem, eu vi hoje, uma coisa
extraordinria, uma coisa incrvel.
SR. MARTIN: Diga depressa querida.
SR. SMITH: timo! Vamos nos divertir um pouco.
SRA. SMITH: Finalmente!
SRA. MARTIN: Muito bem, hoje eu saio para comprar legumes no
mercado, que, alis, esto cada vez mais caros.
SRA. SMITH: Onde que ns vamos parar!
SR. SMITH: Querida no interrompa, isso muito grosseiro.
SRA. MARTIN: Eu vi na rua, ao lado de um bar, um senhor bem
vestido, de uns cinqenta anos mais ou menos...
SR. SMITH: O qu, quem?
SRA. SMITH: O qu, quem?
SR. SMITH ( esposa): No interrompa querida. Voc desagradvel!
SRA. SMITH: Querido, foi voc que interrompeu primeiro,
grosseiro.
SR. SMITH ( esposa): Psiu! (a Sra. Martin:) E o que que esse
senhor estava fazendo?
SRA. MARTIN: Bom, vocs vo dizer que eu estou inventando; ele
estava ajoelhado e estava curvado...
SR. MARTIN, SR. SMITH, SRA. SMITH: Oh!
SRA. MARTIN: Sim, curvado
SR. SMITH: No possvel
SRA. MARTIN: Sim, curvado. Eu me aproximei dele para ver o que
estava fazendo...
SR. SMITH: E?
SRA. MARTIN: E ele estava amarrando os cadaros.
SR. MARTIN, SR. SMITH, SRA. SMITH: Fantstico!
SR. SMITH: Se outra pessoa me contasse, eu no acreditaria.
SR. MARTIN: Por que no? Andando pela rua vem-se coisas mais
extraordinrias ainda. Hoje, por exemplo, eu mesmo vi, no metr,
sentado num banco, um senhor que lia tranqilamente o jornal.
SRA. SMITH: Que coisa incrvel!
SR. SMITH: Talvez seja o mesmo homem do sapato!
(A campainha toca.)
SR. SMITH: Meu Deus, algum est tocando a campainha.
SRA. SMITH: Deve haver algum na porta. Eu vou atender.
(Ela vai ver, abre a porta e fecha, e volta.) Ningum.
(senta.)
SR. MARTIN: Eu vou lhes dar outro exemplo...
(Campainha toca novamente.)
SR. SMITH: Meu Deus, algum est tocando a campainha.
SRA. SMITH: Deve haver algum na porta. Eu vou atender. (Ela vai,
abre a porta, e volta.) No era ningum. (senta-se.)
SR. MARTIN (esquece o que estava falando): Uh...
SRA. MARTIN: Voc estava nos dizendo que ia dar outro
exemplo.
SR. MARTIN: Ah, sim...
(Campainha toca novamente.)
SR. SMITH: Meu Deus, algum est tocando a campainha.
SRA. SMITH: Eu no vou abrir a porta novamente.
SR. SMITH: Sim, deve haver algum l!
SRA. SMITH: Da primeira vez no havia ningum. Na segunda, ningum.
O que lhe faz pensar que agora na terceira vez h algum?
SR. SMITH: Porque h algum tocando!
SRA. MARTIN: Tem razo.
SR. MARTIN: O que? Quando se escuta a campainha, significa que
algum est tocando e que a porta deve ser aberta.
SRA. MARTIN: Nem sempre. Voc acabou de ver o contrrio!
SR. MARTIN: Na maioria dos casos, sim.
SR. SMITH: C pra mim, quando vou visitar algum, eu toco a
campainha para ser atendido. E creio que todos fazem a mesma coisa,
ento toda vez que ela toca deve haver algum na porta.
SRA. SMITH: A teoria correta. Mas, na realidade, as coisas
acontecem de forma diferente. Voc acabou de ver o contrrio.
SRA. MARTIN: Sua esposa est certa.
SR. MARTIN: Oh! Vocs mulheres! Sempre defendendo umas as
outras.
SRA. SMITH: Bem, eu vou atender. Voc pode dizer que sou teimosa,
mas voc viu que no havia ningum! (Ela vai olhar, abre a porta e
fecha.) Viu, no h ningum.
(Ela retorna ao seu lugar.)
SRA. SMITH: Ah, esses homens que sempre pensam que esto certos e
quem sempre esto errados!
(A campainha toca novamente.)
SR. SMITH: Meu Deus, algum est tocando a campainha. Deve haver
algum na porta.
SRA. SMITH (Num acesso de raiva): No me mande mais abrir porta.
Voc bem viu que intil, porque a experincia nos ensina que quando
tocam a campainha no tem ningum.
SRA. MARTIN: Jamais tem gente.
SR. MARTIN: Isso no certo.
SR. SMITH: De fato no certo. Quando se escuta a campainha tocar,
porque quem tem algum tocando.
SRA. SMITH: Ele nunca d o brao a torcer.
SRA. MARTIN: O meu marido nunca d o brao a torcer tambm.
SR. SMITH: H algum na porta.
SR. MARTIN: No impossvel.
SRA. SMITH (ao marido): No.
SR. SMITH: Sim.
SRA. SMITH: Eu vos digo que no. Em todo caso, voc no vai me
fazer ir l novamente. Se voc deseja saber, v voc mesmo olhar!
SR. SMITH: Eu vou.
(Sra. Smith d de ombros. Sra. Martin levanta a cabea.)
SR. SMITH (abrindo a porta): Oh! Ol como vai? (Ele espia pelo
canto de olho Sra. Smith e os Martin, quem esto surpresos.) o
capito dos bombeiros!
CENA VIII
CAPITO (ele est naturalmente de uniforme e usando um enorme
capacete brilhante): Boa noite, senhoras e senhores. (Os Smith e os
Martin ainda esto um pouco espantados. Sra. Smith mexe a cabea, com
raiva, e no responde ao cumprimento do capito.) Boa noite, Sra.
Smith. A senhora parece zangada.
SRA. SMITH: Oh!
SR. SMITH: Isso porque est um pouco contrariada por ter sido
provado que estava errada.
SR. MARTIN: Estava havendo uma discusso entre Sr. e Sra. Smith,
capito.
SRA. SMITH (ao Sr. Martin): Isto no da sua conta! (para Sr.
Smith:) Peo-lhe para no envolver estranhos nos problemas de
famlia.
SR. SMITH: Ah, querida, isso no to grave. O capito um antigo
amigo da famlia. A sua me cortejava-me, e o conheci o pai dele.
Pediu-me que lhe desse uma filha minha em casamento se eu tivesse
uma. E morreu esperando.
SR. MARTIN: No culpa dele, nem sua.
CAPITO: Bem, sobre o que estavam falando?
SRA. SMITH: Meu marido estava reclamando...
SR. SMITH: No, voc quem estava reclamando.
SR. MARTIN: Sim, era ela.
SRA. MARTIN: No, era ele.
CAPITO: No se exaltem. Conte-me Sra. Smith.
SRA. SMITH: Bem, era isso mesmo. difcil falar abertamente com
voc, mas um bombeiro tambm confessor.
CAPITO: Bem, ento?
SRA. SMITH: Ns estvamos discutindo porque meu marido disse que
cada vez que a campainha toca, porque deve haver algum na
porta.
SR. MARTIN: plausvel.
SRA. SMITH: E eu estava dizendo que toda vez que a campainha
toca no tem ningum.
SRA. MARTIN: Pode parecer estranho.
SRA. SMITH: Mas isso ficou provado, no pelas demonstraes
tericas, mas pelos fatos.
SR. SMITH: falso, uma vez que o capito est aqui. Ele tocou a
campainha, eu abri a porta, ele est aqui.
SRA. MARTIN: Quando?
SR. MARTIN: Agora.
SRA. SMITH: Sim, mas foi somente na quarta vez que a campainha
tocou que havia algum na porta. E a quarta vez no conta.
SRA. MARTIN: Nunca. Somente as trs primeiras vezes que
contam.
SR. SMITH: Capito, permita-me a vez de lhe fazer algumas
perguntas.
CAPITO: V em frente.
SR. SMITH: Quando abri a porta e o vi, foi voc quem realmente
tocou a campainha?
CAPITO: Sim, fui eu.
SR. MARTIN: Voc estava na porta? E voc tocou a campainha para
ser recebido?
CAPITO: No nego isso.
SR. SMITH ( esposa, triunfante): V? Eu estava certo. Quando voc
ouvir a campainha, porque que tem algum tocando. voc certamente no
pode dizer que o capito no ningum.
SRA. SMITH: Certamente que no. E repito a voc que eu estava
falando somente das trs primeiras vezes, pois a quarta vez no
conta.
SRA. MARTIN: E quando a campainha tocou pela primeira vez, era
voc?
CAPITO: No, no era eu.
SRA. MARTIN: V? A campainha tocou e no havia ningum.
SR. MARTIN: No ter sido talvez outra pessoa?
SR. SMITH: Voc estava em frente porta h muito tempo?
CAPITO: H quarenta e cinco minutos.
SR. SMITH: E no viu ningum?
CAPITO: Ningum. Tenho certeza.
SRA. MARTIN: E escutou quando a campainha tocou pela segunda
vez?
CAPITO: Sim, e no fui eu. E no havia ningum l.
SRA. SMITH: Vitria! Eu estava certa.
SR. SMITH ( esposa): No to rpido. (ao capito:) E o que estava
fazendo na porta?
CAPITO: Nada. Estava apenas parado l. Estava pensando em um
monte de coisas.
SR. MARTIN (ao capito): Mas na terceira vez no foi voc quem
tocou?
CAPITO: Sim, fui eu.
SR. SMITH: Mas quando a porta foi aberta no havia ningum.
CAPITO: Porque eu estava escondido rindo.
SRA. SMITH: No faa brincadeiras, capito. Isso muito feio.
SR. MARTIN: Em suma, ainda no sabemos se quando a campainha
toca, tem algum ou no!
SRA. SMITH: Nunca tem algum.
SR. SMITH: Sempre tem algum.
CAPITO: Vou reconciliar-los. Vocs esto em partes certos. Quando
a campainha toca, s vezes tem algum, s vezes no tem ningum.
SR. MARTIN: Faz sentido pra mim.
SRA. MARTIN: Creio que sim.
CAPITO: As coisas so simples, de verdade. (aos Smith:) Vamos,
beijem-se.
SRA. SMITH: Ns nos beijamos ainda h pouco atrs.
SR. MARTIN: Eles se beijaro amanh. Eles tm tempo suficiente.
SRA. SMITH: Capito, uma vez que nos ajudou a resolver isso, por
favor, sinta-se vontade, tire seu capacete e sente-se um pouco.
CAPITO: Desculpe-me, mas no posso ficar muito tempo. Eu gostaria
de tirar meu capacete, mas no tenho tempo pra sentar. Eu vim aqui
por outro motivo. Estou em misso oficial.
SRA. SMITH: E o que podemos fazer por voc, Capito?
CAPITO: Peo-lhe minhas desculpas pela indiscrio (terrivelmente
envergonhado)... Hum
(Ele aponta para os Martin)... Vocs no sem importam... Na frente
deles...
SRA. MARTIN: Diga o que quiser.
SR. MARTIN: Somos velhos amigos. Eles ns contam tudo.
SR. SMITH: Fale.
CAPITO: Er, bem h algum incndio aqui?
SRA. SMITH: Porque est nos perguntando isso?
CAPITO: porque perdoem-me eu tenho ordens para apagar todos os
incndios ocorridos na cidade.
SRA. MARTIN: Todos?
CAPITO: Sim, todos.
SRA. SMITH (confusa): No sei... Acho que no. Voc quer que eu v
olhar?
SR. SMITH (fungando): No tm incndio aqui. No h nem cheiro de
fumaa.
CAPITO (magoado): Nenhum? Nem um foguinho na chamin, algo
queimando no sto ou no poro? Nem um principiozinho de incndio, pelo
menos?
SRA. SMITH: Lamento ter que desapont-lo, mas eu no acredito que
haja qualquer coisa aqui no momento. I promise that I will notify
you when we do have something. Prometo que vou notific-lo quando
tivermos algo.
CAPITO: Por favor, no esquea, seria de grande ajuda.
SRA. SMITH: Isto uma promessa.
CAPITO (aos Martin): E na casa de vocs no h nada queimando?
SRA. MARTIN: No, infelizmente.
SR. MARTIN (ao capito): As coisas no esto indo bem.
CAPITO: Muito mal. Quase nada, uma mixaria uma chamin, um
celeiro. Nada importante. E no rende muito. E uma vez que no h
retorno, os lucros na produo so muito escassos.
SR. SMITH: Tempos ruins. Essa a verdade. Para os negcios, para
agricultura, para os incndios, nada est prosperando.
SR. MARTIN: Sem trigo, sem fogo.
CAPITO: Nem inundaes.
SRA. SMITH: Mas tem acar.
SR. SMITH: Isso porque importado.
SRA. MARTIN: mais difcil no caso dos incndios. As tarifas so
altas demais!
CAPITO: So todos os mesmo, h ocasionalmente uma asfixia por gs,
mas isso muito incomum. Por exemplo, uma jovem mulher asfixiou-se
na semana passada ela havia deixado o gs aberto.
SRA. MARTIN: Ela se esqueceu?
CAPITO: No, ela pensou que era seu pente.
SR. SMITH: Essas confuses so sempre perigosas!
SRA. SMITH: Voc vai assistir s partidas do comerciante?
CAPITO: No h nada pra fazer l. Ele segurado contra incndios.
SR. MARTIN: Ento v ver, da minha parte, o proco de
Wakefield!
CAPITO: Eu no tenho direito de extinguir o incndio de clrigos. O
bispo iria se zangar. Eles extinguem seus prprios incndios, ou so
extintos pelas Virgens Vestais. SR. SMITH: V visitar o Durands.
CAPITO: No posso fazer isso. Ele no ingls. Ele apenas
naturalizado. E cidados naturalizados tm o direito de ter casas,
mas no tm direito de apagar os incndios se estiverem queimando.
SRA. SMITH: No entanto, quando pegou fogo ano passado, apagaram
do mesmo jeito.
CAPITO: Ele fez tudo sozinho. Clandestinamente. Mas no seria eu
quem avisaria ele.
SR. SMITH: E nem eu.
SRA. SMITH: Capito, uma vez que no est com presa, fique um pouco
mais. Estaria nos fazendo um favor.
CAPITO: Posso lhes contar uma histria?
SRA. SMITH: Ah, sem dvidas, voc amvel. (Ela o beija.)
SR. SMITH, SRA. MARTIN, SR. MARTIN: Sim, sim, histrias,
viva!
(Eles aplaudem.)
SR. SMITH: E o que ainda mais interessante o fato de as histrias
dos bombeiros serem todas verdadeiras, e so baseadas na
experincia.
CAPITO: Falo de minha prpria experincia. A verdade, nada mais
que a verdade. Nenhuma fico.
SR. MARTIN: Isso mesmo. A verdade nunca encontrada em livros,
somente na vida.
SRA. SMITH: Comece!
SR. MARTIN: Comece!
SRA. MARTIN: Quietos, ele est comeando.
CAPITO: (tosse discretamente vrias vezes) Desculpe-me, no olhem
pra mim dessa maneira. Vocs me deixam acanhado. Sabem muito bem que
sou tmido.
SRA. SMITH: Ele no amvel! (Ela o beija.)
CAPITO: De qualquer forma vou comear. Mas prometam-me que no iro
prestar ateno.
SRA. MARTIN: Mas se ns no prestarmos ateno no vamos
ouvir-lo.
CAPITO: Eu no acho isso!
SRA. SMITH: Eu disse, ele apenas um garoto.
SR. MARTIN, SR. SMITH: Ah, que garoto amvel! (Eles o
beijam.)
SRA. MARTIN: No desanime!
CAPITO: Bem, ento! (Ele tosse novamente com a voz emocionada:)
"O co e a vaca", uma fbula experimental. Era uma vez outra vaca que
perguntou a outro co: "Porque voc no engoliu sua tromba?"
"Perdoe-me," respondeu o co, " porque eu pensei que era um
elefante."
SRA. MARTIN: Qual a moral?
CAPITO: Isso voc deve descobri.
SR. SMITH: Ele est certo.
SRA. SMITH (furioso): Conte-nos outro.
CAPITO: Um bezerro tinha comido muito vidro temperado. Como
resultado, foi obrigado a dar luz. E trouxe ao mundo uma vaca. No
entanto, como o bezerro era macho, a vaca no poderia chamar-lo de
me. E tambm no poderia chamar-lo de pai, porque o bezerro ainda era
muito pequeno. O bezerro foi ento obrigado a se casar e o conselho
tomou todas as medidas impostas pelas circunstncias da moda.
SR. SMITH: moda de Caen. SR. MARTIN: Como as tripas.
CAPITO: Vocs j tinham ouvido falar?
SRA. SMITH: Est em todos os jornais.
SRA. MARTIN: Aconteceu no muito longe de nossa casa.
CAPITO: Vou-lhes contar outra: "O Galo". Era uma vez, um galo
que queria brincar com o co. Mas ele no teve sorte porque todos o
reconheciam imediatamente.
SRA. SMITH: Por outro lado, o co que queria brincar com o galo
nunca fora reconhecido.
SR. SMITH: Vou contar-lhes uma: "A serpente e a raposa". Certa
vez, uma serpente, aproximando-se de uma raposa disse-lhe:
"Parece-me que j a conheo". A raposa respondeu: "A mim tambm".
"Ento", disse a serpente, me d dinheiro". "Raposa no d dinheiro".
Respondeu o ousado animal, que para escapar, saltou num vale
profundo, cheio de ps de framboesa e de mel de galinha. A serpente
j estava esperando, rindo com um sorriso mefistoflico. A raposa
puxou a faca urrando: "Eu vou te ensinar a viver". Depois fugiu,
virando as costas. No conseguiu, a serpente foi mais esperta. Com
um soco bem dado bateu na raposa, no meio da testa que se quebrou
em mil pedaos, gritando: No, no! Quatro vezes no! Eu no sou sua
filha!
SRA. MARTIN: bem interessante.
SRA. SMITH: No m.
SR. MARTIN (apertando a mo do Sr. Smith): Meus parabns.
CAPITO (com inveja): No foi to bom. E de qualquer forma, eu j
tinha escutado essa antes.
SR. SMITH: terrvel.
SRA. SMITH: Mas era mesmo verdade.
SRA. MARTIN: Sim, infelizmente.
SR. MARTIN (a Sra. Smith): sua vez, madame.
SRA. SMITH: Eu s conheo uma. E vou contar-lhes agora. Chama-se
"O Bouquet".
SR. SMITH: Minha esposa sempre foi romntica.
SR. MARTIN: uma verdadeira inglesa.
SRA. SMITH: Aqui est: Era uma vez, um noivo que tinha dado um
bouquet de flores para sua noiva, que disse "Obrigada", mas antes,
ela tinha dito "Obrigada," ele, sem dizer uma nica palavra, pegou
todas as flores que tinha dado a ela a fim de lhe ensinar uma boa
lio, e ainda disse: "Vou pega-las de volta." E completou dizendo,
"Adeus," e tomou-as de volta em seguida.
SR. MARTIN: Oh, encantador! (Ele quer e no quer beijar a Sra.
Smith.)
SRA. MARTIN: Voc tem uma esposa, Sr. Smith, de nos dar
inveja.
SR. SMITH: verdade. A minha mulher a inteligncia personificada.
mesmo mais inteligente
Do que eu. Em todo o caso muito mais feminina. Dizem.
SRA. SMITH (ao capito): Conte-nos outra, capito.
CAPITO: Ah, no, est muito tarde.
SR. MARTIN: Conte-nos, assim mesmo.
CAPITO: Estou muito cansado.
SR. SMITH: Por favor, faa-nos esse favor.
SR. MARTIN: Eu peo-lhe.
CAPITO: No.
SRA. MARTIN: Voc tem um corao de gelo. Ns somos o carvo em
brasa.
SRA. SMITH (ela ca de joelhos, em prantos, ou no): Eu lhe
imploro!
CAPITO: Tudo bem.
SR. SMITH (na orelha da Sra. Martin): Ele concorda! Vai fazer
isso at conseguir nos aborrecer.
SRA. MARTIN: Psiu!
SRA. SMITH: Sem chance. Eu fui bem educada.
CAPITO: "O Resfriado." Meu cunhado tinha do lado paterno, um
primo cujo tio materno tinha um sogro cujo av paterno tinha se
casado em segundas npcias com uma jovem indgena cujo irmo tinha
encontrado, numa de suas viagens, uma moa pela qual se apaixonou e
com a qual teve um filho que se casou com uma farmacutica intrpida
que no era outra seno a sobrinha de um inspetor de quarteiro que a
Marinha Britnica no conhecia e cujo pai adotado tinha uma tia que
falava espanhol fluentemente e que era talvez, uma das netas de um
engenheiro que morreu jovem, sendo ele prprio neto de um
proprietrio de vinhas, que produzia um vinho medocre, mas que tinha
um segundo sobrinho, caseiro, um sargento-major, cujo filho havia
desposado uma mulher jovem e muito bonita, divorciada, cujo
primeiro marido era filho de um patriota sincero, que no desejo de
fazer fortuna, soube impor uma de suas filhas que se pde casar com
um caador que havia conhecido Rothschild e cujo irmo, depois de
haver mudado muitas vezes de profisso, casou-se e teve uma filha,
cujo bisav miservel, usava culos que lhe haviam sido dados por um
seu primo, cunhado de um portugus, filho natural de um moleiro, no
muito pobre, cujo irmo adotivo tinha casado com a filha de um mdico
rural recm formado, que era ele prprio um irmo adotivo do filho do
forasteiro, ele prprio filho natural de outro mdico rural, casado
trs vezes sucessivamente, cuja terceira esposa...
SR. MARTIN: Eu sabia que era a terceira esposa, se no estou
enganada. Ela comeu frango em uma armadilha.
CAPITO: No a mesma.
SRA. SMITH: Psiu!
CAPITO: Como eu estava dizendo: ...cuja terceira esposa era
filha da melhor parteira da regio e que, viuvou no tempo
certo...
SR. SMITH: Como minha mulher.
CAPITO:... Que se casou novamente com um vidraceiro que era
cheio de vida e que tivera, pela filha de um comandante da estao
ferroviria, uma criana que tinha conseguido fazer o seu caminho na
vida...
SRA. SMITH: Nos trilhos...
SR. MARTIN: Como nas cartas.
CAPITO: ... E que tinha casado com um comerciante de nove
temporadas, cujo pai tinha um irmo, prefeito de uma pequena cidade,
que tomou como esposa uma professora loura, cujo primo, um pescador
na linha...
SR. MARTIN: O fim da linha?
CAPITO: ... Que tinha casado com outra professora loura, tambm
chamada Marie, cujo irmo era casado com outra Marie, tambm
professora e loura...
SR. SMITH: Uma vez sendo loura, deve se chamar Marie.
CAPITO: ...e cujo pai tinha sido criado no Canad por uma senhora
que foi sobrinha de um sacerdote cuja av, ocasionalmente no
inverno, como todo mundo, apanhou um resfriado.
SRA. SMITH: Uma histria curiosa. Quase inacreditvel.
SR. MARTIN: Quando se apanha um resfriado, deve ter um lao de
fita.
SR. SMITH: Uma preocupao intil, mas absolutamente necessria.
SRA. MARTIN: Desculpe-me, capito, mas eu no acompanhei a histria
muito bem. No final, na av do sacerdote, eu fiquei confusa.
SR. SMITH: Ainda sim, h confuso entre as pernas de um
sacerdote.
SRA. SMITH: Ah sim, capito, comece novamente. Todos querem
ouvir.
CAPITO: Ah, no sei se posso. Estou em uma misso oficial. Isto
depende de que horas so.
SRA. SMITH: No temos hora em casa.
CAPITO: Mas e o relgio?
SR. SMITH: Funciona mal. Est com esprito de contradio, sempre
indica o contrrio da hora que realmente .
CENA IX
(Mary entra.)
MARY: Madame... Senhor...
SRA. SMITH: O que voc quer?
SR. SMITH: O que a traz aqui at ns?
MARY: Espero que a madame e senhor me desculpem... E tambm as
senhoras e os senhores... Eu gostaria... Eu gostaria... De
contar-lhes uma anedota.
SRA. MARTIN: O que ela est dizendo?
SR. MARTIN: Eu acredito que a empregada, nossa amiga, est
ficando louca... Ela tambm quer nos contar uma anedota.
CAPITO: Quem ela pensa que ? (Ele olha pra ela.) Oh!
SRA. SMITH: Por que voc est se intrometendo?
SR. SMITH: Isto realmente desnecessrio, Mary...
CAPITO: Ah! Mas ela! No possvel!
SR. SMITH: E voc?
MARY: No possvel! Aqui?
SRA. SMITH: O que significa tudo isso?
SR. SMITH: Voc conhece se conhecem?
CAPITO: E como!
(Mary joga-se sobre o colo Capito.)
MARY: Estou to contente de v-lo novamente... Finalmente!
SR. E SRA. SMITH: Ah!
SR. SMITH: Isso demais, aqui, em nossa casa, no subrbio de
Londres.
SRA. SMITH: No apropriado!...
CAPITO: Foi ela quem apagou meus primeiros focos.
MARY: Sou seu pequeno jato dgua.
SR. MARTIN: Se esse o caso... Caros amigos... So sentimentos
compreensveis, humanos, honrados...
SRA. MARTIN: Todo humano honrado.
SRA. SMITH: Mesmo assim, no gosto de v-la... Aqui entre
ns...
SR. SMITH: Ela no foi educada apropriadamente...
CAPITO: Ah, vocs tm muitos preconceitos.
SRA. MARTIN: Eu acho que uma empregada, afinal, embora no seja
da minha conta, no nada mais que uma empregada...
SR. MARTIN: Se mesmo ela pode s vezes ser um bom detetive.
CAPITO: Solte-me.
MARY: No se preocupe!... Eles no so to perversos como
parece.
SR. SMITH: Hm... Hm... Vocs so muito comoventes, mas ao mesmo
tempo, um pouco... Um pouco...
SR. MARTIN: Sim, esta exatamente a palavra.
SR. SMITH:... Um pouco exibidos tambm...
SR. MARTIN: uma modstia peculiar britnica, perdoe-me, mais uma
vez, por tentar explicar meus pensamentos, no compreendido por
estrangeiros, mesmo por especialistas, graas a qual, posso me
expressar assim... Enfim, eu no estava dizendo isso a vocs...
MARY: Eu estava contando...
SR. SMITH: Voc no vai contar nada...
MARY: Vou sim!
SRA. SMITH: Vai, minha pequena Mary, v quieta para a cozinha e
leia seus poemas em frente do espelho...
SR. MARTIN: Hei, eu no sou uma empregada, e tambm leio poemas em
frente ao espelho.
SRA. MARTIN: Esta manh, quando voc olhou para voc mesmo no
espelho, no viu voc mesmo.
SR. MARTIN: Isso porque eu ainda no estava l...
MARY: Ainda sim, eu poderia recitar-lhes um pequeno poema
SRA. SMITH: Querida Mary voc terrivelmente teimosa.
MARY: Ento, vou recitar-lhes um poema, est bem? Intitula-se "O
Fogo" em homenagem ao capito:
O Fogo
Os vaga-lumes brilham na floresta. Uma pedra pega fogo. O
castelo pega fogo. A floresta pega fogo. Os homens pegam fogo. As
mulheres pegam fogo. Os passarinhos pegam fogo. Os peixinhos pegam
fogo. A gua pega fogo. O cu pega fogo. As cinzas pegam fogo. A
fumaa pega fogo. O fogo pega fogo. Tudo pega fogo. Pega fogo, pega
fogo.
(Ela continua recitando as palavras finais enquanto os Smith a
retiram do palco) CENA X
SRA. MARTIN: Isso meu deu um arrepio na espinha...
SR. MARTIN: H um certo calor nesses versos...
CAPITO: Eu achei maravilhoso.
SRA. SMITH: Ainda assim...
SR. SMITH: Voc est exagerando...
CAPITO: Espere um pouco... Admito... Tudo isso muito
subjetivo... Mas na minha concepo de mundo. Meu mundo. Meu sonho.
Meu ideal... E agora, isto me lembra que preciso ir. Uma vez que no
tem horas, eu estou aqui a cinqenta e um minutos exatamente, e
tenho um incndio no outro lado da cidade. Conseqentemente, devo
apressar-me. Ainda que no seja importante.
SRA. SMITH: O que ser? Um foguinho de uma chamin?
CAPITO: Ah, nem isso. Um fogo de palha e uma queimao no
estmago.
SR. SMITH: Bem, estamos tristes com sua partida.
SRA. SMITH: Voc foi muito divertido.
SRA. MARTIN: Obrigada, ns passamos verdadeiros cinqenta minutos
cartesianos.
CAPITO (indo para a porta, e parando): A propsito e a cantora
careca? (Silncio geral, embarao.)
SRA. SMITH: Continua a usar o mesmo penteado.
CAPITO: Ah! Adeus senhoras e senhores.
SR. MARTIN: Boa sorte, e bom incndio!
CAPITO: Vamos esperar por eles, todos ns.
(O Capito sai. Todos o acompanham at a porta e retornam aos seus
assentos.)
CENA XI
SRA. MARTIN: Eu posso comprar um canivete para meu irmo, mas voc
no pode comprar a Irlanda para o seu av.
SR. SMITH: A gente anda com os ps, mas a gente se esquenta com
eletricidade ou carvo.
SR. MARTIN: Aquele que hoje vende um boi, amanh ter um ovo
SRA. SMITH: Na vida preciso olhar pela janela.
SRA. MARTIN: Pode-se sentar numa cadeira, embora no haja
cadeira.
SR. SMITH: necessrio sempre pensar em tudo.
SR. MARTIN: O teto fica em cima, o cho fica em baixo.
SRA. SMITH: Quando eu digo sim uma maneira de falar.
SRA. MARTIN: Cada qual com seu destino.
SR. SMITH: Pegue um circulo, faa uma carcia e ele ficar
vicioso.
SRA. SMITH: Um professor ensina seus alunos a ler, mas as gatas
amamentam seus filhotes quando so pequenos.
SRA. MARTIN: Enquanto a vaca nos d a sua cauda.
SR. SMITH: Quando eu estou no campo, adoro solido e sossego.
SR. MARTIN: Voc ainda no est velho o suficiente para isso.
SRA. SMITH: Benjamin Franklin tinha razo: voc menos tranqilo que
ele.
SRA. MARTIN: Quais so os sete dias da semana?
SR. SMITH: Monday, Tuesday, Wednesday, Thursday, Friday,
Saturday, Sunday. SR. MARTIN: Edward is a clerk his sister Nancy is
a typist, and his brother William a shop-assistant. SRA. SMITH: Uma
famlia engraada!
SRA. MARTIN: Eu prefiro um pssaro voando do que uma meia no
carrinho de mo.
SR. SMITH: Prefiro fil em um chal do que leite em um palcio.
SR. MARTIN: A casa de um Ingls um verdadeiro palcio.
SRA. SMITH: Eu no sei espanhol o suficiente para minha prpria
compreenso.
SRA. MARTIN: Eu vou te dar os chinelos da minha sogra se voc me
der o caixo do seu marido.
SR. SMITH: Eu estou procura de um padre monofisita pra casar
nossa empregada.
SR. MARTIN: Po uma rvore, apesar de que o po tambm uma rvore, um
orvalho um orvalho que brota todas as manhs ao alvorecer.
SRA. SMITH: Meu tio vive no campo, mas isso no da conta da
parteira.
SR. MARTIN: Papel para ser escrito, do gato para o rato. O
queijo para ser raspado
SRA. SMITH: O carro muito rpido, mas o cozinheiro prepara os
melhores pratos.
SR. SMITH: No sejam fracassados, abrace em lugar de
conspirar.
SR. MARTIN: Charity begins at home. SRA. SMITH: Estou esperando
o aqueduto chegar e me ver no meu moinho.
SR. MARTIN: Pode-se provar que o progresso social fica bem
melhor com acar.
SR. SMITH: Abaixo o engraxamento!
(Aps a ltima frase do Sr. Smith, os outros ficam calados por um
momento, estupefatos. Deve-se sentir uma certa irritao. As batidas
do relgio devem ser mais nervosas ainda. Os discursos que se seguem
devem ser ditos, em tom frio e hostil. A hostilidade e nervosismo
aumentam. No final da cena, os quatro personagens devem estar em p
muito prximos uns dos outros, gritando suas falas, levantando seus
punhos, pronto para atirarem-se uns sobre os outros.)
SR. MARTIN: No podemos polir esses culos com graxa preta!
SRA. SMITH: Sim, mas com dinheiro podemos comprar tudo o que
quisermos.
SR. MARTIN: Eu prefiro matar um coelho do que cantar no
jardim.
SR. SMITH: Cacatuas, cacatuas, cacatuas, cacatuas, cacatuas,
cacatuas, cacatuas, cacatuas, cacatuas, cacatuas.
SRA. SMITH: Que cagada, que cagada, que cagada, que cagada, que
cagada, que cagada, que cagada, que cagada, que cagada.
SR. MARTIN: Que cascata de cagadas, que cascata de cagadas, que
cascata de cagadas, que cascata de cagadas, que cascata de cagadas,
que cascata de cagadas, que cascata de cagadas, que cascata de
cagadas.
SR. SMITH: Ces tm pulgas, ces tm pulgas.
SRA. MARTIN: Cactus, cccix! Coccus! Cuco! Coque!SRA. SMITH:
Caador, nos caa.
SR. MARTIN: Eu prefiro pr um ovo em uma caixa do que ir e roubar
um boi.
SRA. MARTIN (abrindo bastante a boca): Ah! Oh! Ah! Oh! Deixe-me
ranger meus dentes.
SR. SMITH: Crocodilo!
SR. MARTIN: Vamos esbofetear Ulisses.
SR. SMITH: Concatenarei casa com coco de conga.
SRA. MARTIN: Dos cacaueiros nos cacauais no caem cocos, cai
cacau! Dos cacaueiros nos cacauais no caem cocos, cai cacau! Dos
cacaueiros nos cacauais no caem cocos, cai cacau!
SRA. SMITH: Ratos tm piolhos, piolhos no tm ratos.
SRA. MARTIN: No estufo meu pantufo!
SRA. MARTIN: No afofo meu pantufo!
SR. SMITH: No entroche a brocha, no embroche a toca.
SRA. MARTIN: A brocha chocha.
SRA. SMITH: Escache uma brocha.
SR. MARTIN: Murche a sarja bruxa, Murche a sarja bruxa.
SR. SMITH: Escaramuche a escaramucha!
SRA. MARTIN: Escaramucha!
SRA. SMITH: Bruxa murcha!
SR. MARTIN: Tu bruxa trouxa.
SR. SMITH: Voc me entrouxa.
SRA. MARTIN: Bruxa murcha no entrouxa a trouxa.
SRA. SMITH: "Vou-me embora pra Pasrgada." SR. MARTIN: Sully!
SR. SMITH: Prudhomme!
SRA. MARTIN, SR. SMITH: Franois!
SRA. SMITH, SR. MARTIN: Coppe!
SRA. MARTIN, SR. SMITH: Coppe Sully!
SRA. SMITH, SR. MARTIN: Prudhomme Franois SRA. MARTIN: Espcie de
gargarejos, espcie de gargarejadores.SR. MARTIN: Mariette, bunda de
marmita!
SRA. SMITH: Krishnamurti, Krishnamurti, Krishnamurti!
SR. SMITH: O Papo derrapa. O papa no papa o sopapo. O papo
despapa por sopapos!
SRA. MARTIN: Bazar, Balzac, Bazaine!
SR. MARTIN: Bisar, bisou, bisonho!
SR. SMITH: A, e, i, o, u, a, e, i, o, u, a, e, i, o, u, i!
SRA. MARTIN: B, c, d, f, g, h, l, m, n, p, q, r, s, t, v, w, x,
z!
SR. MARTIN: Do alho ao leo, do leo ao alho!
SRA. SMITH (imitando um trem): Tchu, tchu, tchu, tchu, tchu,
tchu, tchu, tchu, tchu, tchu, tchu!
SR. SMITH: No!
SRA. MARTIN: !
SR. MARTIN: Por!
SRA. SMITH: L!
SR. SMITH: !
SRA. MARTIN: Por!
SR. MARTIN: A!
SRA. SMITH: Qui!
(Todos juntos, no mximo da fria, berrando uns nos ouvidos dos
outros. A luz diminui. Na escurido, ouve-se num ritmo cada vez mais
rpido:)
TODOS: No por l, por aqui, no por l, por aqui, no por l, por
aqui, no por l, por aqui!
(As palavras cessam bruscamente. De novo a luz acende. O Sr. e a
Sra. Martin esto sentados, como os Smith no comeo da pea. A pea
recomea com os Martin, que dizem exatamente as falas dos Smith na
cena um, enquanto o pano fecha-se lentamente.)
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