7/23/2019 A atuao do Psiclogo no CRAS e o enfrentamento da situao de vulnerabilidade social
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
MIRIAM ESPERIDIO DE ARAJO
A atuao do psiclogo no CRAS e o enfrentamento
da situao de vulnerabilidade social
SO PAULO2014
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MIRIAM ESPERIDIO DE ARAJO
A atuao do psiclogo no CRAS e o enfrentamento
da situao de vulnerabilidade social
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Instituto de Psicologia da Universidadede So Paulo, como exigncia parcial para a obtenodo ttulo de Mestre em Psicologia Social.
Orientador: Prof. Dr. Lus Guilherme Galeo-Silva
So Paulo
2014
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na publicaoBiblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo
Arajo, Miriam Esperidio de.
A atuao do psiclogo no CRAS e o enfrentamento da situao devulnerabilidade social / Miriam Esperidio de Arajo; orientador LusGuilherme Galeo-Silva. -- So Paulo, 2014.
285 f.Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em
Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Social) Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulo.
1. Psicologia social 2. Polticas pblicas 3. Assistncia social 4.Subjetividade 5. Vulnerabilidade social I. Ttulo.
HM251
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FOLHA DE APROVAO
Miriam Esperidio de Arajo
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Instituto de Psicologia daUniversidade de So Paulo, como exigncia
parcial para a obteno do ttulo de Mestre emPsicologia Social.
Aprovado em: ___/___/____
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituio: ______________ Assinatura: _______________________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituio: ______________ Assinatura: _______________________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituio: ______________ Assinatura: _______________________________________
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Aos colegas psiclogos que atuam nos CRAS das
mais diversas regies do pas.
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AGRADECIMENTOS
Porque ningum constri nada sozinho!
Aos psiclogos, colaboradores desta pesquisa, Pedro, Malu, Aline, Thas, Bianca e
Luiza (nomes fictcios) que aceitaram o convite de participar, motivados pelo desejo de
contribuir com a prtica de outros psiclogos no campo do SUAS. Agradeo por toda a
ateno, pelo tempo dedicado s nossas conversas em meio correria do dia a dia, pelo
carinho e respeito. Sem vocs, este estudo no teria sido possvel!
Aos meus pais, Neide e Jair, e ao meu irmo David, pelo amor incondicional, apoio,
compreenso, valorizao e incentivo para a realizao deste trabalho. Aos meus primos, tiose minha av Isaura pelo nimo e pela torcida durante essa jornada.
minha av Yvone, professora de qumica, atualmente com 88 anos, que precedeu o
gosto pelo conhecimento cientfico e pela docncia, inspirando mais duas geraes: minha
me, profa. Doutora em Educao, e eu, tambm docente. Ambas colaboraram
significativamente com esta pesquisa, revisando os textos e expressando confiana quanto
minha capacidade.
Ao Prof. Dr. Lus Guilherme Galeo, que me ensinou a olhar para a realidade de modo
mais crtico e reflexivo e quem orientou a realizao deste estudo. Sou grata pelas discusses,
consideraes, indicaes de leituras, pacincia, carinho e relao de amizade, respeito e
confiana que estabelecemos ao longo desses trs ltimos anos.
Profa. Dra. Bader B. Sawaia (PUC/SP) e ao Prof. Dr. Bernardo P. Savartman
(IP/USP), que participaram da minha banca de qualificao e ofereceram contribuies
fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa, a partir da leitura cuidadosa do texto
preliminar, das sugestes para a organizao do seu contedo e do destaque certeiro dos
pontos que mereciam ser aprofundados.
Prof. Dra. Elcie S. Masini, que orientou meu primeiro trabalho como pesquisadora
de iniciao cientfica realizado durante a graduao, ensinando-me de modo muito sensvel,
compromissado e amoroso todos os passos para a realizao de uma pesquisa, desde a leitura
dos textos at o registro e a anlise do contedo. Esse aprendizado serviu como sustentao
para o desenvolvimento do presente estudo.
Aos professores do departamento de Psicologia Social, Dr. Jos Moura, Dra. Vera
Paiva, Dra. Belinda Mandelbaum, Dr. Marcelo Ribeiro, Dr. Alessandro Santos e Dr. Gustavo
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Massola, com os quais tive o prazer de cursar algumas disciplinas que enriqueceram minha
compreenso de mundo e a construo desta pesquisa.
minha amiga-irm Roberta, com quem refleti e compartilhei, durante nossa
mocidade, a indignao frente s injustias sociais e com quem, de l para c, tenho dividido
meus anseios, minhas dificuldades, conquistas e que tem sido meu polo de fora e de
confiana para todas as intempries da vida.
sua me, Massi, mestre em Letras, que tambm faz parte da minha famlia, com
quem convivo desde pequena, auxiliando-me nos trabalhos escolares com os emprstimos de
livros e revistas e at hoje, com a reviso de alguns trechos deste trabalho.
Fernanda, minha amiga e colega docente, que auxiliou a construo dessa pesquisa,
me apoiando, tranquilizando e revisando diversas partes do texto e registrando as discussesrealizadas na qualificao. Alm disso, uma das pessoas com as quais compartilho
momentos de alegria com o lazer, a cultura, a conversa aberta e o riso, sem os quais a vida
seria muito mais difcil.
Aos meus amigos e colegas de ps-graduao em Psicologia Social, da USP e da PUC,
Luiza Ferreira, Mrcio Dionsio, Tiago Marin, Lvia Gomes, Mariana Toledo, Carlos Mendes,
Larissa Delgado, Fernanda Rodrigues, Denise Jorge, Berenice Young, Juliana Brz, Marina
Colosso e Andrea Mataresi, com quem, nas aulas, nos corredores, nos cafs, nas viagens paraos congressos, por meio de e-mails e telefonemas, compartilhei dvidas, receios e conquistas,
fortalecendo nossos laos de amizade e de colaborao, essenciais para a construo do
estudo. Agradeo-lhes igualmente por todas as indicaes de leituras, comentrios e crticas.
s minhas colegas e grandes amigas da graduao em Psicologia, Priscila Covre, Iara
Racy, Dmaris Malta e Carolina Piza, pelo carinho em todos esses anos, o respeito, a
confiana, o incentivo e por terem me indicado, l trs, que eu tinha talento para a carreira
docente. Vocs constituem parte fundamental da minha vida! Laura Fracasso, Ricardo Trinca e Ana Ceclia Marques pelo respeito, cuidado e
confiana. De diferentes formas, vocs contriburam de modo crucial para eu ter chegado at
aqui!
profa. Celiza Zachi, coordenadora do curso de Pedagogia da Faculdade Nossa
Cidade, do qual fao parte como docente, pela confiana, orientao, compreenso e apoio,
especialmente, nesses ltimos dias, que se aproximavam do depsito deste trabalho.
equipe da secretaria do departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Nalva,
Ceclia, Rosngela, pelas as informaes, orientaes, a ateno e o cuidado para que eu
cumprisse todos os prazos e requisitos da ps-graduao.
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ARAJO, Miriam Esperidio. A atuao do psiclogo no CRAS e o enfrentamento dasituao de vulnerabilidade social. 2014. 285 f. Dissertao (Mestrado) Instituto dePsicologia, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2014.
RESUMO
A regulamentao da presena do psiclogo na equipe mnima dos Centros de Referncia deAssistncia Social - CRAS, efetivada em 2005, ampliou o campo de trabalho dessa categoria
profissional e suscitou uma srie de questes sobre o seu fazer relacionadas: ao lugar a serocupado pelo psiclogo nesta poltica, aos desafios que se apresentaram diante da conexocom outros campos de saber e aos entraves frente ao trabalho com a populao, conforme
apontado em pesquisas sobre o tema. Considerando o carter relativamente novo dessainsero, os debates e pesquisas em torno do tema so essenciais para a facilitao desseprocesso. Desse modo, a partir dos pressupostos terico-metodolgicos da Psicologia SocialCrtica, o presente estudo prope-se a analisar a atuao de seis psiclogos que compem asequipes dos CRAS de um municpio da Grande So Paulo, para discutir a possibilidade deesses profissionais empreenderem uma prxis efetiva nesse contexto. A abordagem adotada
para a pesquisa foi a qualitativa, realizada por meio da observao participante e de conversasorientadas por um roteiro semiestruturado. Foi possvel compreender que a estrutura detrabalho, na qual os profissionais esto inseridos, constitui-se na precarizao dos recursos, naobjetificao das relaes, no carter contraditrio e inconsistente dos mtodos institudoscomo meios para atingir os objetivos dessa poltica, bem como, na preeminncia do
assistencialismo, da tutela e da responsabilizao das pessoas por sua marginalizao.Aspectos que, historicamente, marcaram o campo da assistncia social. Essas situaesgeraram sofrimento para os profissionais, diante da descontinuidade do trabalho com as
pessoas atendidas e a dvida sobre a significncia do seu trabalho. Este estudo tambmmostrou que a prtica da Psicologia no CRAS volta-se mais para o trabalho com asindividualidades do que com as coletividades. Situao atribuda tanto a uma formao
profissional que prioriza o ensino da Psicologia clnica tradicional, cuja concepo de homemest desvinculada de seu contexto social, quanto matricialidade familiar focalizada pelaatual poltica de assistncia social. No sentido oposto, foi possvel perceber a existncia dealguns espaos conquistados como formas de resistncia a esse desfuncionamento, como acriao de mtodos alternativos e coletivos para o acompanhamento das famlias e de outrosque se voltam para a humanizao do trabalho, ao lutar por espaos de trocas,horizontalidades, dilogos, e respeito tico e poltico aos sujeitos. Esses resultados podemcontribuir com a reflexo sobre as possibilidades de atuao do psiclogo em um horizonteemancipatrio.
Palavras-chave: Psicologia Social; Polticas Pblicas; Assistncia Social; Subjetividade;
Vulnerabilidade Social.
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ARAJO, Miriam Esperidio. The role of the psychologist in the CRAS and facing thesituation of social vulnerability. 2014. 285 f. Master DissertationInstituto de Psicologia,Universidade de So Paulo. So Paulo, 2014.
ABSTRACT
The regulation of the psychologists presence in the minimal staff of Social AssistanceReference Centers - CRAS, which took place in 2005, extended the work field of this
professional category and raised a series of questions about their actions, taking into accountthe uncertainty about which place to occupy in this framework of public policies; thechallenges that emerged in connection with other fields of knowledge, and the barriers facingthe work with the population. These aspects were highlighted in researches conducted on thetopic and by myself, when I was a Basic Social Protection member until 2012. Given therelatively new nature of this subject, which is still being consolidated, as well as SUAS,discussions and researches around the topic are essential for facilitating this process. Thus,from the theoretical and methodological assumptions of Critical Social Psychology, this study
proposes to analyze the performance of six psychologists who belong to CRAS teams locatedin So Paulo in order to discuss the possibility of these professionals to undertake a effective
prxis in that context. The adopted research approach was qualitative, conducted through
participant observation and conversations guided by a semi-structured script. With this study,it was possible to understand that the structure of work, in which professionals are inserted,constitutes the precariousness of resources and the objectification of relations, thecontradictory and inconsistent nature of the methods instituted as means to achieve this
policys objectives as well as the welfarism, guardianship and individuals accountability fortheir marginalization preeminence; aspects that have historically impacted the field of socialassistance. These situations led to suffering for professionals, who are unable to establish along term service to each person or family and tend to doubt the significance of their work.This study also showed that the practice of psychology in CRAS is more focused onindividualities, rather than collectivities. This is due to the fact that training emphasizestraditional clinical psychology and a mans conception that is disconnected from its social
context, as well as the familiar matriciality focused by the current policy of the socialassistance. These conditions leave the professional susceptible to the incorporation ofdominant ideologies during their treatments. In the opposite direction, it is possible to realizethe creation of gaps, managed as forms of resistance to this malfunctions, such as alternativeand collectives methods for monitoring the families and other methods focused on thehumanization of work, allowing room for exchanges, horizontality, dialogues, and ethical and
political respect for people subjects. These results can contribute to the discussion about thepossibilities of the psychologistsrole in an emancipatory horizon.
Key-words Social Psychology; Public Politics; Social Assistance; Subjectivity; Social
Vulnerability.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRAPSO Associao Brasileira de Psicologia Social
BPC Benefcio de Prestao Continuada
Cadnico
CadCRAS
Cadastro nico para Programas Sociais
Cadernos do CRAS
CAPS Centro de Ateno Psicossocial
CFP Conselho Federal de Psicologia
CFESS Conselho Federal de Servio Social
CRAS Centro de Referncia de Assistncia Social
CREAS Centro de Referncia Especializado em Assistncia Social
CREPOP
CFESS
CRP
ECA
IP
Centro de Referncia Tcnica em Psicologia e Polticas Pblicas
Conselho Federal de Servio Social
Conselho Regional de Psicologia
Estatuto da Criana e do Adolescente
Instituto de PsicologiaLOAS Lei Orgnica de Assistncia Social
MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome
NOB/RH Norma Operacional Bsica de Recursos Humanos
PAIF
PAJ
Programa de Ateno Integral Famlia
Programa Ao Jovem
PBF
PETI
Programa Bolsa Famlia
Programa de Erradicao do Trabalho InfantilPNAS
PRC
PND
PRN
PSB
PSE
PT
Poltica Nacional de Assistncia Social
Programa Renda Cidad
Plano Nacional de Desenvolvimento
Partido de Renovao Nacional
Proteo Social Bsica
Proteo Social Especial
Partido dos TrabalhadoresPTR Programa de Transferncia de Renda
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PUC
SMADS
Pontifcia Universidade Catlica
Secretaria de Assistncia e Desenvolvimento Social de So Paulo
SIBEC Sistema de Benefcios ao Cidado
SUAS Sistema nico de Assistncia Social
SUS Sistema nico de Sade
USP Universidade de So Paulo
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SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 15
CAPTULO 1 POLTICA SOCIAL E ASSISTNCIA SOCIAL: SENTIDOS E
CONFIGURAES ............................................................................................................... 25
1.1 A emergncia e o desenvolvimento da Poltica Social nos pases centrais ............... 25
1.1.1 Poltica Social nos sculos XIV-XIX ...................................................................... 26
1.1.2 Polticas Sociais no incio do sculo XX e XXI ...................................................... 32
1.2 A trajetria da poltica de Assistncia Social no Brasil ............................................ 46
1.2.1 Discutindo alguns temas e conceitos: Matricialidade Familiar e Programa de
Transferncia de Renda (PTR)...........................................................................................61
1.2.2 Polticas sociais no cenrio brasileiro atual ............................................................. 63
CAPTULO 2 PSICOLOGIA E ASSISTNCIA SOCIAL: ARTICULAO E
COMPROMISSOS ................................................................................................................. 70
2.1 A consolidao da Psicologia como cincia e profisso no Brasil: um breve relato70
2.2 O compromisso social da Psicologia e sua insero nas polticas de proteo social
.............................................................................................................................................. 79
2.3 A insero do psiclogo no SUAS: de qual Psicologia estamos falando? ................ 87
CAPTULO 3 REFERNCIAS PARA A ATUAO DO PSICLOGO NO CRAS .... 90
3.1 Referncias normativas: diretrizes ticas e metodolgicas para o trabalho ........... 90
3.2 A Formao em Psicologia ......................................................................................... 103
3.3 A Psicologia Social ...................................................................................................... 104
3.3.1 O desenvolvimento da Psicologia Social no Brasil ............................................... 108
3.4 Os impactos (inter)subjetivos da desigualdade social ............................................. 1113.5 A Psicologia Comunitria .......................................................................................... 117
3.6 A Psicologia Social Crtica no campo das polticas pblicas .................................. 120
3.7 Desafios e possibilidades do trabalho do psiclogo no CRAS apontados em
pesquisas sobre o tema ..................................................................................................... 122
CAPTULO 4 O PERCURSO METODOLGICO ......................................................... 128
4.1 Pressupostos terico-metodolgicos da pesquisa social .......................................... 128
4.2 Procedimentos: as etapas da realizao da pesquisa de campo ............................. 1314.2.1 Primeira etapa: a escolha do campo ...................................................................... 131
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4.2.2 Segunda etapa: aproximao e convite .................................................................. 132
4.2.3 Terceira etapa: primeiro contato ao vivo ............................................................... 132
4.2.4 Quarta etapa: o mergulho na experincia .............................................................. 133
4.3 Os CRAS do municpio onde foi realizada a pesquisa ............................................ 135
4.3.1 A estrutura fsica .................................................................................................... 135
4.3.2 A composio da equipe dos CRAS ...................................................................... 135
4.3.3 O Funcionamento .................................................................................................. 136
4.3.4 Interaes entre pesquisador e colaboradores ....................................................... 137
CAPTULO 5 RELATOS DAS EXPERINCIAS DOS PSICLOGOS
PARTICIPANTES DA PESQUISA .................................................................................... 138
5.1 Os interlocutores ......................................................................................................... 1395.1.1 Motivo pela escolha do trabalho no CRAS ........................................................... 140
5.2 A formao em Psicologia e o conhecimento sobre as polticas de Assistncia Social
............................................................................................................................................ 140
5.3 Os primeiros impactos do ingresso no campo .......................................................... 143
5.3.1 O que o psiclogo na Assistncia? .................................................................. 146
5.3.2 Percepes sobre os documentos normativos ........................................................ 148
5.4 Atividades desenvolvidas pelos psiclogos nos CRAS ............................................. 1495.4.1 O acolhimento........................................................................................................ 149
5.4.2 A insero em Programas de Transferncia de Renda [PTRs] .............................. 154
5.4.3 O Encaminhamento ............................................................................................... 154
5.4.4 A Visita Domiciliar ............................................................................................... 155
5.4.5 O Acompanhamento .............................................................................................. 157
5.4.5.1 O Acompanhamento referente aos Programas de Transferncia de Renda
(PTRs).........................................................................................................................1655.4.6 A Elaborao de Relatrios ................................................................................... 160
5.4.7 A Coordenao de Grupos Informativos ............................................................... 162
5.4.8 A Coordenao de Grupos Socioeducativos ......................................................... 162
5.4.9 Participao em Reunies da rede socioassistencial ............................................. 166
5.4.10 Participao em capacitaes .............................................................................. 167
5.5 Os sentidos do trabalho realizado com o pblico do CRAS ................................... 167
5.6 Condies de trabalho que dificultam a atuao dos psiclogos no CRAS ........... 174
5.6.1 Condies estruturais e dinmicas do trabalho...................................................... 174
5.6.2 A politicagem ..................................................................................................... 182
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5.6.3 Os encaminhamentos que no funcionam ............................................................. 184
5.6.4 As contradies dos Programas de Transferncia de Renda ................................. 186
5.6.5 O carter impositivo e punitivo de certas prticas dirigidas populao no campo
socioassistencial.............................................................................................................. 192
5.7 Alguns dos impactos subjetivos das dificuldades do trabalho ................................ 196
5.7.1 Dvida sobre a eficincia do trabalho e a necessidade de indicadores de avaliao
........................................................................................................................................ 197
5.7.2 Cansao, onipotncia e impotncia: o trabalho que nunca tem fim ...................... 200
5.7.3 A indignao e o receio diante das condies de vida do pblico do CRAS ........ 202
5.8 Condies que favorecem a atuao ......................................................................... 204
5.8.1 A relao com a equipe e com os gestores: respeito, confiana e colaborao ..... 2055.8.2 A atividade de coordenao do CRAS realizada por uma psicloga .................... 207
5.8.3 Interao com a equipe da Rede Socioassistencial ................................................ 208
5.8.4 Discusses com os colegas psiclogos sobre a prtica no dia a dia ...................... 208
5.8.5 Criao de alternativas favorveis para o trabalho com as famlias ...................... 209
5.8.5.1 A Horta Comunitria.......................................................................................219
5.8.5.2 A feira de trocas..............................................................................................220
5.8.5.3 A reinveno do formato e dos objetivos do grupo socioeducativo..............2225.9 Percepes dos profissionais sobre a populao que frequenta o CRAS .............. 216
5.9.1 Passividade e desunio em oposio a atividade e a cooperao .......................... 217
5.9.2 Passveis de manipulao versusdefendem seus interesses .................................. 221
5.9.3 Viso e expectativas restritas ................................................................................. 222
5.9.4 Pouco acesso educao, informao e cultura .................................................... 223
5.9.5 Figura masculina ausente....................................................................................... 225
5.9.6 O impacto da pobreza na sade ............................................................................. 2255.9.7 Reconhecimento da alteridade versusesteretipo ................................................. 226
5.10 Concepes sobre o papel do psiclogo na Assistncia Social .............................. 229
5.11 A interao entre o psiclogo e o assistente social no CRAS ................................ 233
5.11.1 Conflitos e sobreposio: at onde nosso papel?.......................................... 233
5.11.2 Quando as especificidades se relativizam: o papel de tcnico da assistncia..... 235
5.11.3 Especializao das profisses .............................................................................. 236
5.11.4 Indissociao: andar de mos dadas................................................................. 238
5.11.5 A Interdisciplinaridade ........................................................................................ 238
CAPTULO 6 ENTRE TRAMAS E FIOS: TECENDO A REDE COMPREENSIVA . 240
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6.1 A Formao em Psicologia e a atuao do psiclogo no CRAS.............................. 241
6.2 Distncia entre o que est apresentado nos documentos normativos e a prtica . 244
6.3 O foco das intervenes no indivduo e na famlia .................................................. 247
6.4 A concepo de uma prtica voltada para a orientao e a prescrio ................. 253
6.5 A burocracia, a precariedade e a dinmica emergencial ........................................ 254
6.6 A regulao da vida .................................................................................................... 257
6.7 Os aspectos que favorecem a atuao dos profissionais no sentido de uma atuao
transformadora ................................................................................................................. 260
6.7.1 Humanizao e Resistncia ................................................................................... 261
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 267
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 270ANEXOS................................................................................................................................ 280
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INTRODUO
O presente estudo tem como objetivo analisar a atuao do psiclogo no Centro de
Referncia de Assistncia Social (CRAS) para discutir como esse profissional pode empreender
uma prxis no contexto da poltica de proteo social bsica, estruturado, social
e institucionalmente, de modo a sabotar seus esforos.
Sendo que, o termo prxis indica uma prtica crtico-reflexiva capaz de colaborar de
modo significativo para a conquista das mudanas necessrias (materiais e subjetivas) na situao
de vida das pessoas atendidas no prisma da cidadania e da qualidade de vida.
Essa questo de pesquisa emergiu a partir das dvidas, interesses e afetos propiciados na
minha experincia como psicloga (recm-formada) de um Centro de Referncia de Assistncia
Social (CRAS) localizado em uma cidade do interior do Estado de So Paulo, no ano de 2008.
Depois de dois anos atuando em outras reas, o impacto e as inquietaes despertadas pelo
trabalho no CRAS ainda se faziam presentes. Decidi retom-las ingressando no mestrado em
Psicologia Social, em 2011. Concomitantemente a isto, fui contratada em cargo de comisso para
trabalhar em uma das coordenadorias da Secretaria de Assistncia e Desenvolvimento Social de So
Paulo.Dessa forma, pode-se dizer que disponho de quatro perspectivas ou campos, a partir dos
quais posso refletir e aprofundar a compreenso sobre o tema desta pesquisa. So eles: a) a
experincia passada (psicloga no CRAS); b) a experincia recente (tcnica na coordenao do
trabalho da Secretaria de Assistncia Social); c) os dilogos e trocas com os profissionais dos
CRAS participantes desta pesquisa (de outro municpio); d) as discusses acadmicas (aulas,
supervises, congressos, teorias, dentre outros).
Gostaria de narrar apenas alguns pontos dessas vivncias no campo da assistncia social quepodero ser teis para a reflexo sobre o tema.
Assim como a maioria dos psiclogos, eu no conhecia as polticas de assistncia social e
preparei-me para a entrevista de seleo, estudando os documentos de referncia1 indicados por
uma colega que ali j trabalhara. Contrataram-me como psicloga social, com vnculo
cooperativista e um salrio que considerei razovel para quem tinha pouca experincia profissional.
1Referncias tcnicas para a atuao do psiclogo no CRAS elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) epelo Centro de Referncia Tcnica e Polticas Pblicas (CREPOP); a Lei Orgnica de Assistncia Social (LOAS) e aPoltica Nacional de Assistncia Social (PNAS).
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Considerei os textos norteadores, mas ainda no compreendia bem comocolocar as diretrizes em
prtica e o qufazer.
No primeiro dia, uma segunda-feira, havia uma fila de mais de 20 pessoas na porta do
CRAS. Algumas usavam chinelo e estavam em p, no cho batido de terra, no sol, porque as poucas
cadeiras disponveis j estavam ocupadas. Na fila, havia homens e mulheres, adultos e idosos.
Alguns traziam consigo seus filhos ou netos. A assistente social, apressada, explicou-me que era dia
de atendimento, o que ocorria duas vezes por semana e que iramos atend-los, cada uma em uma
sala. Caso eu precisasse, poderia cham-la.
Entrei em uma delas, sentindo-me perdida e convidei o primeiro a entrar. Um senhor de
barba branca por fazer, camiseta bem usada e bon amarelo sentou-se na minha frente. Tirou o bon
e o amassou na mo, eu disse-lhe: sim, pois no? Ele, de cabea baixa, respondeu: Estoupassando fome. Nesse instante senti como se tivesse recebido um golpe, no encontrei recursos,
repertrio ou conhecimento para lidar com aquela demanda objetiva, concreta, real: a fome. Ento,
pensei: O qu um psiclogo pode fazer diante da fome, diante da pobreza? O qu? Essa foi uma das
questes que me trouxe para o mestrado.
Durante o perodo que estive ali, nsas oito psiclogas em sua maioria recm-formadas e
contratadas para atuar nos quatorze CRAS do municpiosentamos falta de ter uma superviso de
algum que nos ajudasse a refletir, compreender e saber como agir diante das situaes que seapresentavam no cotidiano deste trabalho, um campo novo para todas ns. Infelizmente, no havia o
apoio dos gestores nesse aspecto. O que nos ofereceram foi um curso de psicopatologia com a
durao de uma semana que fomos obrigadas a fazer fora do horrio de trabalho, noite. Diante
disso, algumas se reuniram e comearam a pagar um supervisor, mas foi difcil sustentar essa
iniciativa porque ganhvamos pouco.
Algumas profissionais ficaram responsveis por dois CRAS e precisavam dividir seus dias
da semana entre eles, o que gerava angstia e desgaste. Certos CRAS funcionavam em lugaresperigosos, perto do trfico e em casas pequenas e alugadas. Nesse espao tambm funcionava o
Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI), o que propiciava um ambiente barulhento,
com crianas brincando e correndo o dia todo pelos corredores. O lugar assemelhava-se mais a uma
creche do que a um CRAS. Para elas, isso era estressante e dificultava o atendimento s famlias.
O assistencialismo e a politicagem estavam presentes no cotidiano. Presenciei a fala de uma
coordenadora dirigida para as mes em uma festa do Dia das Mes organizada pelo CRAS: Olha,
vocs tem que ficar muito agradecidas por isso que estamos oferecendo pra vocs, viu? Como se
aquilo fosse um privilgio e no um direito.
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Nessa festa, outro aspecto me chamou a ateno: as cadeiras estavam dispostas em fileiras,
de modo que as pessoas ficavam de costas umas para as outras e de frente para a mesa com os
alimentos. Alm disso, as pessoas foram orientadas a esperar sentadas at que os funcionrios lhes
servissem. Fiquei com a impresso de um controle excessivo que anulava a possibilidade de as
pessoas se moverem, interagirem, festejarem como quisessem. Precisavam ficar imveis,
disciplinadas e agradecidas.
Durante um dos primeiros dias neste trabalho, observei uma funcionria virando sacos de
roupas velhas de cabea para baixo espalhando-as pelo cho, na porta dos fundos da instituio.
Perguntei para ela o que significava aquilo e ela respondeu que as roupas eram para que as pessoas
da comunidade as recolhessem para uso prprio e que isso era feito periodicamente. A cena
contemplada foi chocante: mulheres debruadas sobre vestimentas usadas e disputando-as, no chodos fundos do CRASo ncleo de promoo social.
Posteriormente, procurei fazer um trabalho em grupo com os educadores do Programa de
Erradicao do Trabalho Infantil (PETI), a partir do momento que identifiquei situaes de
desrespeito propiciadas aos jovens por alguns dos educadores nas aulas. Alm disso, os mtodos
educativos utilizados eram bem militaristas, com apitos, gritos e puxes. Em uma dessas aulas,
assisti a uma professora, de aproximadamente 28 anos, que recitava um texto decorado sobre
Tiradentes, discutir com um dos alunos, um garoto negro de mais ou menos 13 anos, que perturboua sua explanao:
Professora:No aguento mais, voc s perturba! Onde voc pensa que vai parar assim?Que futuro voc vai ter?Menino:Eu sei, caixo e vela preta!Professora: isso mesmo!
A sensao foi de dor e choque. Esse garoto fazia parte de uma famlia que parecia ter
dificuldades em cuidar dele, comeara a traficar e era mal visto pelos professores. H quase doismeses estvamos nos aproximando. Durante a visita domiciliar, conheci seu av (que parecia ter
problemas com o uso abusivo de lcool) e o convidei para conversarmos no CRAS. Ele foi,
conversamos algumas vezes eu, o av e o menino (a me ainda no havia aceitado o convite).
Estvamos criando um vnculo. A ideia era compreender a dinmica familiar e promover o dilogo,
a aproximao e o cuidado entre eles. Uma semana depois do episdio ocorrido entre esse menino e
a professora, recebi um fax enviado por um hospital, constando que o garoto estava internado por
ter sofrido coma alcolico. Assim, na mesma instituio havia a tentativa da promoo de direitos ea prpria violao dos mesmos.
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Durante os primeiros meses de trabalho, atendi as pessoas individualmente, fazendo uma
espcie de planto psicolgico. As demandas objetivas eram encaminhadas para a assistente
social, que fazia o cadastro para a insero das pessoas nos programas de transferncia de renda e
outras provises. Aquelas que envolviam questes subjetivas vinham para mim, tais como:
separao, morte, indisciplina dos filhos, dificuldades de aprendizagem (crianas com dez anos ou
mais que no sabiam ler e escrever), violncia, abuso de lcool e drogas.
Alguns casos eram encaminhados para outros equipamentos da rede socioassistencial, como
o Centro de Referncia Especializado em Assistncia Social (CREAS), postos de sade e o Centro
de Ateno Psicossocial (CAPS) e, s vezes, eram acompanhados conjuntamente. No entanto,
existiam famlias que ficavam desassistidas devido falta de vagas nos servios ou pela dificuldade
de locomoo at estes, localizados em regies distantes de suas moradias.Em determinados acompanhamentos, senti-me frustrada e impotente por no ver resultados,
como por exemplo, em relao necessidade de determinada famlia ser atenciosa com alguma
criana ou jovem que corria risco de vida, por estar envolvido com drogas (trfico e/ou uso) ou
ainda, por estar sofrendo abuso sexual. O descaso ou a rejeio da famlia em relao quela pessoa
era algo difcil de digerir. Outros casos pareciam extremamente complexos e difceis de lidar, sendo
acompanhados por vrias instituies de controle (Conselho Tutelar, CREAS, Vara da Infncia,
etc.) num perodo de muitos anos. Em alguns, constatei uma sensvel melhora.Estudando mais sobre o SUAS, compreendi melhor a funo da proteo social bsica e
procurei trabalhar em grupos com as crianas, os adolescentes e a comunidade. No entanto, colocar
isso em prtica tornou-se difcil por falta de espao e de material. Dessa forma, comecei a
desenvolver atividades em grupo com os adolescentes que frequentavam as atividades do PETI,
usando os espaos abertos (campo de futebol, gramado). Foi bem interessante, parecia que era algo
novo para eles sentarem-se em crculo, conversar, desenhar e brincar.
No entanto, depois de certo tempo de atuao, parecia-me que as situaes de pobreza,injustia e sofrimento eram intransponveis e que todo o esforo empreendido promovia resultados
mnimos. Ou seja, que o propsito de realizar uma prxis que contribusse para a superao da
vulnerabilidade social, conforme proposto pelo Conselho Federal de Psicologia, era solapado pelas
dificuldades e contradies presentes no cotidiano de trabalho. Por todos esses aspectos, inclusive
pelo baixo valor do salrio e por outras questes pessoais, voltei para So Paulo no final do ano de
2008, com a sensao de ter fracassado. Desta experincia, surgiu a segunda questo: Como o
psiclogo pode promover um trabalho transformador neste contexto apesar de tantos entraves?
Transcorridos dois anos desta atuao no CRAS, fui contratada para trabalhar na Secretaria
Municipal de Assistncia Social de So Paulo (SMADS), onde fiquei at agosto de 2012, por quase
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dois anos. O trabalho no era no atendimento direto populao, mas sim na gesto dos programas
de transferncia de renda.
difcil resumir, em poucas palavras, o que aprendi com essa experincia. Posso dizer que,
do ponto onde me situava (no topo da estrutura hierrquica), conseguia perceber que a mquina
pblica era permeada por desencontros e disputas de poder. Os desencontros, objetivados nas falhas
de comunicao, resultavam na desinformao dos funcionrios situados na base que orientavam de
forma vaga e confusa os usurios.
Alm disso, a quantidade significativa de ofcios provenientes da Ouvidoria Geral, de
gabinetes de Vereadores, do Ministrio Pblico e do Judicirio que defendiam e exigiam
explicaes da Secretaria de Assistncia Social, em relao s queixas dos usurios de serem
tratados com desrespeitonos CRAS, era algo que me intrigava. No conseguia compreender como epor que isso ocorria, considerando que o trabalho da assistncia social est justamente voltado para
a promoo de direitos dessa populao. O restante da narrativa ser focalizado nesse aspecto.
Durante o tempo em que trabalhei ali, inferi indcios dessa resposta observando as relaes
hierrquicas e impositivas que ocorriam de cima para baixo e que no acolhia, ouvia ou respeitava
as necessidades dos funcionrios. Somava-se a isto, a desorganizao, o excesso de trabalho e a
falta de recursos humanos. Como exemplo dessa situao, posso mencionar as agendas de
atendimento nos CRAS que, em abril de 2012, j estavam sendo ocupadas at Janeiro de 2013.Afinal, em So Paulo, h metade do nmero de CRAS necessrios para atender a populao,
conforme indicado pelo Observatrio de Polticas Pblicas da prpria Secretaria.
Alm disso, nessa reflexo, importante considerar a concepo de usurioe de servio a
ser ofertado nos equipamentos da proteo social bsica. Neste municpio, os CRAS funcionavam
de forma semelhante h um posto do INSS, com cadeiras, senhas de atendimento e um balco com
computadores dispostos na recepo. As principais atividades desenvolvidas ali se referiam ao
cadastramento em programas sociais e a consulta da situao do benefcio.Os cadastros eram realizados por funcionrios de uma empresa terceirizada (a maioria era
jovem, com o ensino mdio completo) que ficavam na recepo. Geralmente, a pessoa que procura
o CRAS no precisa conversar com o assistente social antes de sentar-se no balco e informar
diversos aspectos relativos s suas condies de vida para o cadastrador (moradia, composio
familiar, renda, etc.). Para isto precisava apenas conseguir retirar uma senha de atendimento, o que
era um grande desafio. Em muitos CRAS as pessoas precisavam chegar s cinco da manh e em
outros tinham de esperar meses.
As famlias inseridas em algum dos Programas de Transferncia de Renda (PTRs), de
acordo com seu perfil de renda, recebiam um carto e passavam a sacar o benefcio. Em seguida,
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precisavam cuidar da frequncia dos filhos escola e ao posto de sade, para que este no fosse
cancelado. O Programa de Ateno Integral famlia (PAIF), voltado para o fortalecimento de
vnculos dos beneficirios e preconizado pelo Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), no
realizado nestes CRAS, mas, sim, por servios conveniados que o executam parcialmente e atendem
a um nmero restrito de pessoas.
Qual era a concepo de usurio?
Nos relatrios mensais que envivamos ao Prefeito constavam: o nmero de famlias que
recebiam os benefcios e o valor monetrio distribudo. A impresso que eu tinha era a de que os
nmeros importavam mais do que as pessoas, a qualidade e a efetividade do servio em promover a
superao da pobreza. Dessa forma, as pessoas que procuravam os CRAS representavam demandas
burocrticas de cadastramento e acesso aos sistemas. Demanda excessiva, da qual no se davaconta. Para se ter ideia sobre a dimenso do problema, pude constatar que, em alguns CRAS, havia
mais de dois mil cadastros acumulados a serem inseridos nos sistemas.
Nesse contexto, no segundo semestre de 2012, a Secretaria instalou algumas unidades
mveis em regies com altos ndices de vulnerabilidade, para promover o cadastramento da
populao e cooperar com os CRAS que estavam superlotados. A unidade mvel era constituda por
uma carreta com computador, mesas, cadeiras e banheiros qumicos. A equipe de trabalho era
composta por oito cadastradores, uma pessoa responsvel pela limpeza, dois guardas e um tcnicoda Coordenadoria (uma pessoa diferente em cada dia).
Nesse equipamento, presenciei, com muita proximidade, cenas de desrespeito. No primeiro
dia em que trabalhei ali, deparei-me com uma fila de mais de 900 pessoas esperando para serem
atendidas, composta, em sua maioria, por mulheres, crianas de colo, idosos, pessoas com
deficincia e pessoas doentes: todas em p, no sol do inverno. Uma senhora que segurava uma
criana pelo brao e trazia muitos documentos na mo, perguntou-me: Vai demorar pra comear a
atender, dona? Tamo aqui desde meia noite, preciso dar caf pro menino . No mesmo instante,outra pessoa me puxou e comeou a explicar que estava passando necessidades, comeou a chorar e
dizer: Preciso s de uma ajudazinha do governo moa, s de uma ajudazinha. Senti uma dor no
estmago, no peito, calor, frio e angstia. Precisei de alguma forma, digerir isso, para continuar ali,
onde trabalharia o dia todo.
As pessoas dormirem na fila tornou-se uma situao quase familiar, com a qual me deparei
inmeras vezes nos meses seguintes. A orientao era que a polcia estivesse presente no momento
da distribuio das senhas. Isso ocorria porque as 100 senhas de atendimento distribudas
diariamente eram sempre em nmero inferior ao nmero das pessoas que compunham a fila. Como
resultado desse fato, a revolta, a indignao, a violncia (jogaram pedras nos vidros do caminho, a
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populao ameaou vir-lo, um funcionrio foi agredido, outros ameaados, pessoas da comunidade
se agrediram) e o oportunismo (venda de lugares na fila) integravam o cotidiano. No consegui
intervir nesse funcionamento. Em algumas tentativas ouvi que eu me estressava demais, era muito
sensvel, fraca, pois as pessoas estavam acostumadas a dormir em filas e se queriam fazer isso o
problema era delas, a Secretaria no tinha nada com isso.
No meio do ano, com o perodo eleitoral, a situao intensificou-se, foram instalados outros
caminhes. Em certa manh, deparei-me com cartazes de um determinado candidato a vereador na
frente do caminho e a costumeira fila. Algumas pessoas usaram o material para alimentar a
fogueira que amenizou o frio da madrugada enquanto dormiam no cho. Quando cheguei, a
fogueira ainda estava acesa e disseram-me que o tal poltico propagara que tinha sido ele quem
providenciara o caminho para a comunidade.Para mim, era um contexto conturbado, marcado pela violncia, desespero, necessidade,
explorao, no qual havia diversos interesses em jogo, para alm da superao da pobreza. A
questo no eram apenas as senhas, mas essa forma de oferecer o benefcio, como se oferece
amostras grtis em supermercado.
Para finalizar, alm dessa enorme violncia, importante apontar o desrespeito que
permeava a interao entre alguns funcionrios e a populao, por meio de informaes oferecidas
de modo incompleto, vago, com certa impacincia, m vontade ou grosseria. Escutei um dosguardas respondendo pergunta de uma moa que fora pedir informao No sabe ler, no? T a
na parede , t no cartaz o que pra trazer. Quando o atendimento era atencioso, muitas pessoas
agradeciam pela educao com que foram tratadas, dizendo o quanto isso era incomum nos
equipamentos da assistncia social.
Talvez isso ocorresse por conta de todos os aspectos j salientados: o excesso de trabalho, o
estresse da situao, o despreparo, a concepo das pessoas como demandas burocrticas. No
entanto, ainda tive a impresso de que havia certa repulsa em relao s pessoas que recorriam aosprogramas sociais, como se no passassem de pedintes, pessoas que querem tirar vantagem do
governo ficando custa dele em vez de trabalhar e que mentem para obter o benefcio.Ou seja, a
estigmatizao e o preconceito.
Ser psicloga, estar fazendo mestrado em Psicologia Social e ter de desempenhar um papel
estritamente burocrtico na interao com as pessoas, participando de algo com o qual no
concordava, era difcil. No consegui promover mudanas, sentia uma espcie de mistura entre
indignao e impotncia. Estava em um lugar estratgico, onde as decises sobre a vida de muitos
eram traadas, mas sem espao para questionar ou fazer diferente. No ltimo dia em que trabalhei
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no caminho, em agosto de 2012, as pessoas comearam a fazer fila carregando colches s cinco
da tarde para retirar a senha do dia seguinte.
Embora a narrativa destas ltimas experincias parea ter se distanciado do foco da
pesquisa, que a atuao do psiclogo no CRAS, considerei-a importante, pois, durante os ltimos
cinco meses em que as vivenciei, antes de deixar a funo, confrontei-as com as dos psiclogos
participantes desta pesquisa que atuam em outro municpio. Dessa forma, ela est entrelaada ao
modo como apreendi, observei e senti o trabalho desenvolvido por eles.
Muitas questes que perpassam o cotidiano desses psiclogos so semelhantes a algumas j
expostas nessa apresentao e em muitas pesquisas sobre o tema 2. No entanto, observei aspectos
contrrios violncia e coisificao presentes no meu cotidiano de at ento, como o dilogo, a
escuta, o cuidado, a ateno, o interesse, a crtica, a reflexo e o aprendizado na interao com asfamlias e com o prprio fazer.
A pesquisa foi realizada em um municpio do Estado de So Paulo, onde h psiclogos
atuando diretamente nos CRAS, atendendo a populao, de acordo com as normativas do Sistema
nico de Assistncia Social (SUAS). O nome do municpio no ser revelado para garantir o
anonimato dos participantes e respeitar a solicitao dos gestores da Secretaria de Assistncia
Social do mesmo, preocupados com as questes partidrias que poderiam ser geradas com a
publicao desse estudo.Considerando a complexidade do tema e a necessidade de compreend-lo com profundidade
e abrangncia, a abordagem metodolgica adotada foi a de pesquisa qualitativa, apoiada nos
pressupostos tericos de Bourdieu (1999), Spink (2008), Gonalves Filho (2009), dentre outros.
Esses autores consideram a importncia de estabelecer uma relao dialgica, horizontal e
respeitosa com os colaboradores da pesquisa, de modo a propiciar a construo conjunta de um
conhecimento sobre o assunto em questo, a partir da compreenso de suas experincias no campo-
tema. Os procedimentos de pesquisa utilizados foram a observao de campo e a entrevistaorientada por um roteiro semiestruturado, cujo registro foi realizado por meio de um dirio de
campo e de um gravador. As conversas e observaes buscaram compreender os seguintes aspectos:
Como se d o cotidiano de trabalho desses profissionais?
Quais so os aspectos favorveis e desfavorveis para sua atuao frente ao objetivo de
promover o fortalecimento das pessoas em situao de vulnerabilidade social?
2Conforme ser explicitado na reviso de literatura apresentada no item relativo Insero do Psiclogo no campo daAssistncia Social.
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Quais impactos afetivos, dvidas e inquietaes so gerados no cotidiano de atuao dos
mesmos?
De que modo os psiclogos percebem sua relao com os gestores, com a equipe
profissional e com a populao atendida?
Para subsidiar a compreenso das experincias dos participantes da pesquisa, o estudo
fundamentou-se na perspectiva da Psicologia Social Crtica, articulando-a com constructos tericos
de outros campos do saber fronteirios, como a Sociologia, a Histria e a Assistncia Social.
Essa dissertao est organizada em seis captulos, alm da introduo e da concluso. No
primeiro captulo apresentamos um breve panorama histrico do desenvolvimento das polticas
sociais e de seus sentidos e configuraes nos cenrios da Europa e dos EUA. Em seguida,
abordamos como as polticas sociais se estabeleceram na realidade brasileira e o modo como se
configuram na atualidade, com foco especial sobre as polticas de Assistncia Social.
No captulo dois realizamos um breve relato sobre o percurso histrico da Psicologia no
Brasil, discutindo os pressupostos que nortearam sua consolidao. Posteriormente, analisamos a
relao desse campo de estudo com as classes populares e seu processo de insero nas polticas de
assistncia social.
No captulo trs discorremos sobre os referenciais tericos, metodolgicos e normativos que
podem subsidiar a atuao do psiclogo no CRAS. Desse modo, inicialmente, foram abordados os
documentos normativos elaborados pelo Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome
(MDS) e pelos rgos representativos da Psicologia e do Servio Social. Em um segundo momento,
discutimos a formao em Psicologia, assim como o percurso histrico e os pressupostos terico-
metodolgicos da Psicologia Social e da Psicologia Comunitria, dentre eles os impactos
intersubjetivos provocados pela desigualdade social. Em seguida, analisamos a relao entre a
Psicologia Social e as Polticas pblicas. Finalizamos o captulo apresentando sucintamente os
resultados de algumas pesquisas realizadas sobre o trabalho do psiclogo na poltica de proteo
social.
No captulo quatro procuramos explicitar os pressupostos metodolgicos da pesquisa e os
procedimentos adotados para a aproximao e compreenso do cotidiano dos seis profissionais que
participaram desse estudo.
Nos captulos cinco e seis descrevemos os resultados dessa pesquisa, apresentando os
aspectos que podem favorecer uma compreenso sobre a temtica deste trabalho. Esse contedo foi
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analisado a partir do referencial terico adotado, com vistas a contribuir com a atuao do psiclogo
no CRAS.
Finalizamos esta dissertao, retomando a questo inicial de pesquisa e sintetizando alguns
dos aspectos significativos do trabalho para discuti-la, sem a pretenso de esgot-la, mas sim, de
contribuir com a reflexo sobre as situaes histricas, sociais, estruturais e afetivo-relacionais,
implicadas na atuao do psiclogo no CRAS, de modo a aproxim-la ou afast-la da efetivao de
uma ao transformadora, ou seja, de uma prxis.
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CAPTULO 1
POLTICA SOCIAL E ASSISTNCIA SOCIAL: SENTIDOS ECONFIGURAES
O cerne da problemtica da excluso no est onde esto os excludos(CASTEL, 2010, p. 143).
Para uma compreenso mais abrangente de um determinado fenmeno necessrio observ-lo em relao aos elementos macro e microestruturas, pois ele feito tanto de suas ocorrncias
internas, quanto daquelas que o circunscrevem.
Dessa forma, para analisar com maior acuidade a atuao do psiclogo no terreno das
polticas sociais brasileiras, necessrio contextualizar essa prtica partindo de uma perspectiva
histrica e estrutural. Nesse sentido, a proposta desse captulo a de delinear, suscintamente, a
dinmica das foras contraditrias que mobilizou tanto a estruturao das Polticas Sociais como
suas reformulaes subsequentes at os dias atuais. Assim como, especificar a lgica da Assistncia
Social nesse contexto.
Nessa direo, esse captulo foi dividido em duas partes. Na primeira ser apresentado um
breve panorama histrico do desenvolvimento das polticas sociais, bem como dos seus sentidos e
configuraes assumidos nos cenrios da Europa e dos EUA, a partir de sua emergncia at os dias
de hoje. Na segunda, ser focalizado o modo como as polticas sociais se estabeleceram na
realidade brasileira, com nfase nas polticas de Assistncia Social.
1.1 A emergncia e o desenvolvimento da Poltica Social nos pases centrais
Conforme expressaram Behring e Boschetti (2011), preciso relacionar historicamente o
surgimento da poltica social s expresses da questo social, pois essas possuem um papel
determinante em sua origem e dialeticamente, tambm sofrem efeitos da poltica social.
Desse modo, utilizamos como principal referncia o trabalho de Robert Castel (2010), Asmetamorfoses da questo social: uma crnica do salrio, que analisa de modo no apenas
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historiogrfico, mas crtico, os processos imbricados nas transformaes da questo social desde a
Idade Mdia (sculo XIV), at a constituio da sociedade salarial contempornea no Ocidente,
mais especificamente, no cenrio da Frana. Seu objetivo era compreender o cerne desse fenmeno
em sua configurao atualdepois do processo de globalizaoa partir da anlise de seu passado.
1.1.1 Poltica Social nos sculos XIV-XIX
Castel (2010) inicia sua investigao examinando um conjunto de prticas de cunho
socioassistencial existentes no seio da Idade Mdia, pois foram essas que antecederam e forneceramas bases para o advento de um Estado Social.
Nesse contexto, diante do crescimento urbano e demogrfico, o aumento da mendicncia
tornou-se visvel e representou um problema para as autoridades. A fim de tratar essa questo, as
primeiras medidas envolveram a definio do pblico que seria merecedor de algum tipo de
ajuda. Desse modo, foram eleitas as pessoas que faziam parte da comunidade e que apresentavam
uma incapacidade natural para o trabalho, decorrente de doenas, velhice, deficincias e que no
podiam contar com o auxlio das relaes sociais primrias (famlia, comunidade) para manterem-se.
As aes dirigidas aos necessitados estruturaram-se a partir de trs caractersticas principais:
a especializao, pois s poderiam ser realizadas por pessoas indicadas; a tecnizao, pois
requeriam a avaliao e seleo dos beneficirios e a territorializao, pois era exclusiva s pessoas
do lugar, consoante com a forte rejeio aos estrangeiros.
Castel (2010) define que o aspecto efetivamente social dessas aes consistia em seu
empreendimento por uma sociedade mais ampla, em forma de instituies (hospitais, orfanatos,distribuio organizada de esmolas), sem a mediao dos grupos de pertencimento.
Alm disso, aponta que, nesse perodo, na Frana, a Igreja era a principal administradora da
caridade, atendendo assistencialmente os peregrinos, os doentes e os miserveis em seus conventos
e outras instituies religiosas. Essa mediao clerical provocou um forte impacto sobre a
estruturao da assistncia e fomentou uma concepo ambgua sobre a pobreza. De um lado,
considerava a caridade como uma virtude e a pobreza voluntria como uma forma de ascenso
espiritual; de outro, enxergava a pobreza decorrente da condio social com sentimentos que
variavam da comiserao ao desprezo. Esses aspectos legitimaram prticas que se inscreviam tanto
no iderio de salvao dos ricos, como na discriminao da indigncia.
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No final do sculo XIII, com o acirramento das diferenas sociais e da misria, a assistncia
tornou-se um problema e requeria uma seleo mais rigorosa dos que seriam assistidos.
Consequentemente, sua gesto deixou de ser domnio exclusivo da Igreja e foi assumida por
diversas instncias da sociedade (como os senhores notveis, os burgueses ricos, as associaes)
que passaram a utilizar as estruturas hospitalares para acolher os beneficiados. A administrao
concomitante da pobreza por essas duas instncias envolveu colaborao, tenses e conflitos entre
elas.
No sculo XVI esse movimento ainda mais sistematizado sob a forma de polticas
municipais restritivas e repressoras, tais como: a proibio da mendicncia, a excluso dos
estrangeiros, a obrigatoriedade do recenseamento, a classificao dos necessitados e a
regulamentao de auxlios diferenciados, inclusive aos capazes de trabalhar.Os indigentes eram classificados da seguinte maneira: a) os inaptos para o trabalho ou
mendigo invlido referiam-se as pessoas acometidas por um estado de: enfermidade, velhice,
infncia abandonada, viuvez com pesadas cargas familiares, deficincia fsica ou psquica que as
impediam de manterem-se atravs de atividades braais. b) ossimuladores correspondiam s
pessoas que fingiam-se de doentes, enfermos ou feridos para adquirir o status de inapto para o
trabalho e obter ajuda. c) os pobres envergonhados eram os indigentes, capazes fisicamente de
trabalhar, mas que ocuparam anteriormente um lugar de prestgio na sociedade e se arruinaram. d) omendigo vlido, definio carregada de ambiguidades, referia-se aos ociosos que viviam de
esmolas, mas eram capazes fisicamente de trabalhar para ganhar a vida. Uma condio que
misturava-se com a do e) vagabundo, assim chamados os mendigos residentes ou estrangeiros que
no absorvidos pela economia local, viviam de pequenos delitos e de esmolas. Esses eram
considerados responsabilidade da polcia.
Assim, para cada uma dessas categorias fora proposto um tipo de tratamento. Alguns dos
aptos para o trabalho que residiam no reino eram requisitados ao trabalho como servial, nasobras de engenharia civil, na lavoura ou outros ofcios por um pagamento irrisrio, sem
autorizao para contestar. Outros eram reclusos em Hospitais Gerais3 para serem reeducados
atravs da disciplina, do trabalho forado e das oraes e assim conseguir retomar seu lugar na
comunidade. Enquanto, os estrangeiros e os vagabundos eram expulsos da cidade ou presos e os
indigentes invlidos eram internados nos hospitais para serem assistidos ou poderiam ficar na
comunidade recebendo ajudas parciais, desde que essa os tolerasse.
3 De acordo com Castel (2010),os Hospitais Gerais e os Depsitos tornaram-se lugares de horror, nos quais reinavam:a misria, a imundcie, a promiscuidade subjugados por um poder arbitrrio e sem controle.
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Na Inglaterra, alm desses locais hospitalares, chamados de depsitos de mendigos,
existiam as oficinas de caridade, que indicava oportunidades de trabalho oferecidas pelo poder
pblico com remuneraes baixssimas.
Abordando o contexto europeu pr-capitalista, Behring e Boschetti (2011) apontam que,
nesse sistema, as pessoas que apresentavam uma capacidade, ainda que mnima, para o trabalho,
eram consideradas como no-merecedoras de auxlio e sujeitadas a trabalhos forados e/ou
reclusas em instituies que visavam promover sua aptido e lhes oferecer auxlios mnimos
(alimentao) em troca de trabalhos forados para justificar a assistncia por eles recebida. Desse
modo, o gerenciamento das questes sociais assumido pelos habitantes consistia na manuteno da
ordem social e na punio da vagabundagem, sem oferecer qualquer tipo de proteo vinculada a
direitos. interessante observar que os critrios de classificao eram orientados por uma concepo
de indigncia que ocultava as suas causas de fundo e as lanava no plano da moralidade, no qual, a
misria era decorrente da imprevidncia ou de um dficit moral prprio das classes
inferiores. Elementos que as separavam das pessoas de bem que, caridosamente, deveriam
prestavam-lhes auxlios materiais e morais (educativos) para alcanar a vida celeste. Afinal, ao
pensar que a causa da misria era a ociosidade, constatava-se que os pobres deveriam ser
internados, para serem ocupados e aprenderem a tomar boas decises.Nesse panorama, regido por uma lgica sorrateiramente perversa, as aes sociais de cunho
depreciativo, culpabilizatrio e punitivo encontravam suas justificativa e autorizao e ainda
serviam para ludibriar uma possvel revolta dos pobres ao mant-los agradecidos pelos favores dos
mais ricos. A depreciao era expressa, inclusive, no uso dos termos que classificavam os
necessitados, tais como em pobres bons ou maus, mendigo vlido ou no merecedor.
Segundo Castel (2010), o ndulo central da condio do mendigo vlido: a falta de trabalho,
realidade objetiva e socialmente produzida, perpetuou ao longo dos sculos e provocou inmerasquestes sobre a estruturao da sociedade.
Desse modo, com o advento do capitalismo, no sculo XIX, um contingente de miserveis
foi abandonado prpria sorte, sujeitos explorao sem lei do capitalismo nascente, no qual a
mquina e a concentrao industrial funcionaram como redutoras de mo de obra. Nessas
circunstncias, a pobreza j no era decorrente apenas da ausncia de trabalho, mas, principalmente,
pelas condies precrias dessa, como a instabilidade, a ausncia de qualificao e os baixos
salrios que no supriam as necessidades de subsistncia dos indivduos. A misria tornara-se um
fenmeno de massa.
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importante salientar que essa realidade era imposta aos homens brancos, ao passo que,
indgenas e negros eram mortos ou comercializados e utilizados como mo de obra escrava em prol
do progresso de um sistema econmico nascente, conforme expe Kurz (1992, p.5):
A colonizao externa das culturas no europeias se reverteu diretamente em colonizaointerna do prprio mundo. Na medida mesma em que promovia a capitalizao da
produo e industrializao, o colonialismo tambm destrua o modo de produo agrrioda antiga Europa e impelia a parcela empobrecida da populao para as fbricas, ento com
jornadas de trabalho de 14 horas e brbaro trabalho infantil [...] transformou a prpriamassa de homens brancos em uma nova espcie de nativos sem nome, novos nmadas defora de trabalho abstracta.
No pensamento de Castel (2010, p. 206), os trabalhos ofertados no incio das concentraes
industriais apresentavam condies to adversas que era preciso estar sob a mais extrema sujeio
da necessidade para aceitar semelhantes ofertas de emprego, e os infortunados assim recrutados
aspiram somente a deixar o mais rpido possvel esses lugares de derrelio. As famlias operrias
viviam amontoadas nos subrbios das cidades, com condies de vida degradadas pela ausncia
de higiene, pelo cansao, pela fome, promiscuidade, prostituio, alcoolismo e violncias.
Para dar conta dessas situaes, as antigas estruturas da assistncia foram recuperadas, com
a administrao religiosa e caritativa de hospitais, hospcios e postos de beneficncia voltados para
os indigentes invlidos. No entanto, as prticas sociais continuavam a operar sobre os efeitos
perversos do desenvolvimento econmico sem contradiz-lo. Tratava-se apenas de amenizar a
misria ao invs de repensar nas condies sob as quais um poder estava estruturado. Havia, assim,
uma poltica sem Estado.
Em contrapartida, a classe operria comeou a se organizar e a reconhecer, por meio das
doutrinas comunistas e socialistas, sua importncia e o carter indigno de suas condies de vida, de
sade e o agudo pauperismo de homens, mulheres, crianas e idosos, gerados por um sistema de
produo fundado na sua expropriao. Desse modo, a mobilizao da classe operaria, por meio de
grandes greves e manifestaes, reivindicando novas regulamentaes para as condies de trabalho
(jornada justa e um salrio que garantisse a subsistncia), foraram o Estado a se organizar para
reparar as mazelas sociais e econmicas produzidas pelo sistema capitalista estruturado na
desigualdade, na marginalizao e no subdesenvolvimento social e econmico. nesse contexto do
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sculo XIX que emergem as polticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011; CASTEL, 2010,
KOWARIK, 2009)4.
Conforme retoma Habermas (1987, p. 106), o movimento dos trabalhadores europeus
deixou sua marca em trs vertentes muito diferentes, mas que fizeram parte efetiva da histria,
foram eles: o comunismo sovitico na Rssia, o corporativismo autoritrio da Itlia fascista, na
Alemanha social-nacionalista e na Espanha falangista, e o reformismo social democrata nas
democracias de massa do Ocidente.
Assim, ao mesmo tempo em que as questes sociais passaram a ser tratadas nos mbitos
Estatal e Jurdico, o fortalecimento da conscincia coletiva dos trabalhadores, enquanto classe,
ganhou legitimidade e foi determinante para a posio que o Estado assumiu na relao com as
classes sociais e na expanso dos direitos sociais durante o sculo XX.Castel (2010) salienta que, nesse panorama, questo social no sinnimo de pobre ou de
pobreza, mas refere-se a tomada de conscincia sobre a possvel dissociao do conjunto da
sociedade em decorrncia do acentuado pauperismo. Desse modo poderia ser traduzida como a
preocupao com o futuro do tecido social como um todo. Alm disso, relata que, nesse momento a
posio assumida pelo Estado social era de centro: nem revolucionrio, nem conservador, mas
mediador entre diferentes posies.
Estado Social poder-se-ia dizer, comea sua carreira quando os notveis deixam de dominarsem restries e quando o povo fracassa ao resolver a questo social por sua prpria conta.Abre-se um espao de mediaes que d novo sentido ao social: no mais dissolver osconflitos de interesses pelo gerenciamento moral nem subverter a sociedade pela violnciarevolucionria, mas negociar compromissos entre posies diferentes, superar o moralismodos filantropos e evitar o socialismo dos distributivistas (CASTEL, 2010, p. 345).
Concomitante ao advento do Estado social na Europa, a economia capitalista investia na
acelerao e na inovao do processo de produo, atravs da aquisio de maquinarias, tecnologia
e na sua racionalizao, influenciadas pelos sistemas taylorista e fordista. Nesses, foramimplantadas linhas de montagem e padronizaes a fim de garantir a produo e o consumo em
massa. Nesse contexto, o operrio dispunha de um contrato de trabalho, seguia a uma disciplina
regulamentada pelo ritmo da produo e suas relaes de trabalho eram estruturadas por um quadro
legal.
Essa dinmica bem ilustrada no filme Tempos modernos 5, dirigido por Charles Chaplin
em 1936 e pela narrativa de Simone Weil (1996), filsofa francesa, que narra no livro A condio
4A obra de Karl Marx (1818-1883), da qual podemos citar o livro O capital, constitui uma referncia fundamentalpara a reflexo sobre a complexa e contraditria relao entre Estado, Capital e Trabalho estabelecida neste perodo esuas ideias influenciam as cincias humanas at os dias atuais.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Chaplinhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Chaplin7/23/2019 A atuao do Psiclogo no CRAS e o enfrentamento da situao de vulnerabilidade social
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operria e outros ensaios sobre a opresso, sua experincia in loco como operria no cotidiano de
uma fbrica da Renault, tambm em 1936.
Dentre outros elementos, ela denuncia que a necessidade do retraimento e da focalizao do
pensamento tarefa imediata, na maior parte do tempo, montona, sem sentido, sem significado e
vividas com desgosto, movida pelo medo de perder o ritmo veloz e preciso da produo e de ser
alvo de humilhaes, gerava, no final do expediente, um desgaste profundo, sentido no corpo e na
alma. Era um cotidiano que aniquilava o sujeito.
O primeiro detalhe que, cada dia, torna a servido sensvel o relgio de ponto. O caminhoda casa fbrica est dominado pelo fato de que preciso chegar antes de um segundomecanicamente determinado. Pode-se chegar cinco ou dez minutos adiantado; oescoamento do tempo aparece neste caso como algo sem piedade que no deixa nenhumlance ao acaso. Num dia de operrio, o primeiro golpe de uma regra cuja brutalidadedomina toda a parte da vida passada entre as mquinas (WEIL, 1996, p. 157).
Alm disso, as relaes estabelecidas entre operrios e patres era bastante desigual. Os
primeiros eram vistos como peas substituveis que deveriam estar prontos aos comandos de toda
ordem caso quisessem receber seu tosto. Essa imposio de uma postura submissa e servil
engendrava gradualmente no sujeito um sentimento de menos valia, chega -se a admitir, no mago
de si mesmo, que se nada (WEIL, 1996, p. 157-158). Para Castel (2010), a situao dos operrios
nas grandes indstrias reafirmava a condio de socialmente subordinados e destinados ao trabalho
braal.
Esses princpios liberalistas da economia predominaram at a terceira dcada do sculo XX,
baseando-se: no trabalho como mercadoria e regulado pelo livre mercado, na ausncia de
interveno estatal, no individualismo, na competitividade, na naturalizao da misria, no
desestmulo das Politicas Sociais e na preservao da desigualdade e da propriedade (CASTEL,
2010).
Desse modo, possvel observar que o papel de mediador do Estado entre a voracidade daacumulao de capital e da vida de milhes de pessoas arruinadas por esse sistema, acabou no
sendo efetivo, ou seja, no conseguiu impor limites parte dominante.
De acordo com Behring e Boschetti (2011), a resposta s demandas da classe trabalhadora
conseguiu incorporar apenas algumas melhorias, sem atingir o cerne da questo social. Assim, no
houve uma ruptura radical entre o Estado Liberal e o Estado social, mas uma relao de
continuidade. Na qual, o Estado apenas abrandou seus princpios liberais e incorporou orientaes
5A histria, protagonizada pelo personagem O Vagabundo, apresenta uma severa crtica aos sistemas econmicos esociais vigentes, mostrando, dentre outras situaes, a desumanizao dos sujeitos que trabalhavam nas indstriascomo modo de sobrevivncia e sua posio titubeante entre uma integrao marginal e outra ainda pior.
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mais sociais em um contexto de lutas dos trabalhadores, investiu mais em polticas sociais e
reconheceu os direitos sociais, mas sem colocar em xeque os fundamentos do capitalismo.
No entanto, as autoras acima ponderam que, embora a mobilizao da classe trabalhadora,
pela emancipao humana e socializao da riqueza, no tenha conseguido instituir um novo
sistema social, ela promoveu a conquista de importantes direitos polticos e sociais. Dentre eles: o
direito de voto, de aposentadoria, de segurana, de organizao em sindicatos e partidos, que
asseguraram, ao operrio, uma ampliao da participao na vida social atravs do acesso ao
consumo, habitao, instruo e ao lazer. Ampliao, que Castel (2010) classifica como
subordinada, considerando que o consumo era de massa, a instruo era primria, o lazer era
popular e a habitao tambm. Para o autor, nos anos 30, houve uma relativa integrao na
subordinao.A contradio inerente funo protetiva do Estado, que no configura um Estado
verdadeiramente Social, acentuada pelo neoliberalismo, atua como mediadora do alcance e da
efetividade das polticas pblicas de acordo com os contextos histricos, econmicos e sociais onde
esto inseridas. Essa contradio ou paradigma sustenta, at hoje, amplos debates sobre o sentido e
o destino das polticas sociais, conforme ser abordado no final desse captulo.
1.1.2 Polticas Sociais no incio do sculo XX e XXI
Os Estados dos diversos pases da Europa, de modo gradual e diferenciado, comearam a
realizar intervenes sociais de forma ampla, sistematizada e com carter de obrigatoriedade,
provocando um grande aumento no investimento nas polticas sociais no incio do sculo XX. Os
dois focos de interveno dessas polticas sociais eram os clssicos: trabalhadores ativos e aspessoas que no podiam trabalhar. No entanto, sua aplicao diferenciava-se em grande medida das
adotadas no sculo anterior, principalmente por ter se configurado no prisma da cidadania.
Desse modo, as polticas sociais vo assumir duas frentes: a Seguridade Social e a Ajuda
Social. A Seguridade Social destinava-se aos trabalhadores assalariados e s suas famlias e
operavam na lgica de seguros sociais. Em 1938, essa modalidade cobria, principalmente, situaes
de: doena, acidentes de trabalho, aposentadoria contributiva6e desemprego nos quase trinta pases
da Europa. Sendo que, em 1936, na Frana, as aes sindicais conquistaram a regulamentao das
6 A aposentadoria contributiva seguia quase a mesma lgica das atuais previdncias privadas, no entanto, eraobrigatria.
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40 horas de trabalho semanais e as frias remuneradas, o que representou o reconhecimento da
humanidade do trabalhador e de sua dignidade. Os servios pblicos, implantados nesse mesmo
perodo, favoreciam a classe operria em um maior acesso aos bens coletivos, tais como sade,
higiene, moradia e educao. Enquanto a ajuda social perpetuava a antiga funo da assistncia,
visando a garantia da proviso de recursos s pessoas que no podiam ser assegurados pelo trabalho
ou propriedade por diversas contingncias: deficincia, infncia, velhice, doena, enfermidade,
desemprego, viuvez. Para essa modalidade que era destinada a maior parte do PIB dos governos
(CASTEL, 2010; BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
Com a Grande crise do capital em 1929/1932, que perdurou at 1970, gerada pelo aumento
da concentrao e da monopolizao do capital e agravada pelos efeitos da Segunda Guerra
Mundial, houve consequncias sociais desastrosas, como o desemprego em massa. Isso reforou aconvico na necessidade de regulao estatal para o enfrentamento da crise, colocando em dvida
a legitimidade do capitalismo. Diante desse panorama foi necessria uma aliana entre as classes
em prol de polticas sociais mais abrangentes. Essas buscavam a expanso de benefcios sociais, a
economia mista, um amplo sistema de bem-estar e o comprometimento estatal com o crescimento
econmico e com o pleno emprego. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
Esse denominado consenso do ps-guerra assegurou o estabelecimento de acordos e
compromissos que permitiram a aprovao de diversas legislaes que ampliaram o sistema debem-estar social, configurando o Welfare State, expresso que origina-se na Inglaterra.
importante ressaltar que Behring e Boschetti (2011) defendem que a utilizao do termo
Welfare State cercada por divergncias e polmicas tanto em relao a sua emergncia, quanto a
sua definio e forma de aplicao. Isso ocorre, pois sua configurao determinada pelas diversas
realidades histricas, econmicas e sociais ocidentais.
A ttulo de exemplificao, alguns autores defendem que a introduo das polticas sociais
deu-se na Alemanha, na forma de seguro social bismarkiano. Utiliza-se o termo Sozialstaat parareferir-se a esse sistema orientado pela lgica de que o Estado deveria proteger as pessoas atravs
de uma garantia compulsria de substituio de renda em momentos de risco enfrentados pelos
cidados decorrentes da perda do trabalho assalariado. Assim, esse sistema de proteo que
assegurava o acesso a educao, habitao, sade penses e auxlios familiares, restringia-se aos
trabalhadores contribuintes e suas famlias.
Em contrapartida, outros tericos, como T. Marshall (1967), consideram que o Welfare State
emerge na concepo de seguridade social apresentada no Plano Beveridge, na Inglaterra, durante a
Segunda Guerra Mundial. Um modelo que, inspirado nas ideias bismarkianas, defendia que os
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direitos sociais deveriam ser universais e no contributivos, de modo a combater os cinco grandes
males da sociedade: a escassez, a doena, a ignorncia, a misria e a ociosidade.
[...] Governo no decorrer da guerra, meteram s mos obra de elaborar o projeto de umanova sociedade que deveria surgir aps o trmino do conflito. [...] Essas circunstnciasajudam a explicar a razo pela qual o conceito do Bem-Estar Social se delineouinicialmente na Inglaterra (MARSHALL, 1967, p. 95).
Esse plano tinha a ambio de promover uma reconstruo social, capaz de libertar todos os
cidados da necessidade. Assim, os doentes, desempregados, vivas, dentre outros, receberiam
subsdios a partir das contribuies da populao que garantiriam um nvel de vida mnimo, abaixo
do qual ningum deveria viver.
Para isso, defendia os seguintes princpios: a) Responsabilidade Estatal na manuteno das
condies de vida dos cidados, ou seja, o Estado deve garantir os mnimos sociais a todos em
condies de necessidade; b) Regulao da economia de mercado a fim de manter o elevado nvel
de emprego; c) Prestao pblica de servios sociais universais (educao, sade, habitao,
emprego e assistncia aos idosos, s pessoas com deficincia e crianas); d) Universalidade dos
servios sociais, destinados a todos os cidados incondicionalmente; e) Implantao de uma rede de
segurana de servios de Assistncia Social; f) Financiamento deve ser proveniente dos impostos
fiscais; g) A gesto pblica, estatal (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
De modo diferente, na literatura francesa o sistema de proteo social comumente
nomeado como Etat Providence em referncia ao Estado providencial do sculo XIX ou Estado
Social, termo adotado por Castel (2010). No entanto, assim como o Welfare State ingls, esse
sistema atribui ao Estado a responsabilidade por regular o mercado a fim de manter o equilbrio
entre oferta e demanda de empregos e assegurar aos trabalhadores os benefcios de proteo em
situaes de perda da capacidade laborativa e/ou aos cidados que estejam em situao de
dificuldades econmicas e sociais. Conforme expressa Castel (2010, p. 31):
O hiato entre a organizao poltica e o sistema econmico permite assinalar pela primeiravez com clareza o lugar do social: desdobrar-se nesse entre-dois, restaurar ou restabelecerlaos que no obedecem nem a uma lgica estritamente econmica nem a uma jurisdioestritamente poltica. O social consiste em sistemas de regulaes no mercantis,institudas para tentar preencher esse espao. Em tal contexto, a questo social torna-se aquesto do lugar que as franjas mais dessocializadas dos trabalhadores podem ocupar nasociedade. A resposta para ela ser um conjunto de dispositivos montados para promoversua integrao.
possvel verificar que ele apontou uma nova questo social: como integrar os
trabalhadores que no so absorvidos pelo restrito mercado capitalista?
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Assim, no ps-guerra, os EUA, por meio do plano Marshall, ofereceram ao mundo uma
estratgia de reconstruo que combinava acumulao de capital e uma desigualdade amenizada
pelos direitos de cidadania, que influenciou sobre medida as condies de vida dos trabalhadores e
os sistemas sociais europeus. No entanto, conforme postula Castel, havia um excesso de confiana
no crescimento econmico:
[...] melhoria para todos, progresso social e bem-estar. A sociedade salarial parecearrebatada por um irresistvel movimento de promoo: acumulao de bens e de riquezas,criao de novas posies e oportunidades inditas, ampliao dos direitos e das garantias,multiplicao das seguridades e protees (CASTEL, 2010, p. 417).
Esse fator favoreceu extenso de investimentos nos servios e protees do Estado francs e
ingls durante os 30 anos que se sucederam a Segunda Guerra Mundial e reforou a crena na
possibilidade de ascenso social. Dinmica que favoreceu a universalizao de direitos sociais
ligados ao trabalho, como a regulamentao do salrio-mnimo e mensal, da carga horria, das
aposentadorias e penses, do seguro-desemprego, maternidade, dentre outros. Alm disso, os
direitos sociais de sade, educao, Assistncia Social, habitao, passaram a ser garantidos pelo
Estado atravs dos servios pblicos.
O autor afirma tambm que esses direitos aumentavam a propriedade social, pois
representavam um tipo de bens que no so apropriveis individualmente, nem comercializveis,
mas servem ao bem comum (2010, p. 488), sendo que, o financiamento da Seguridade Social
funcionava na lgica da transferncia na qual uma parte da renda dos assalariados era deixada a
cargo do Estado que a geria e operava como um mediador entre os interesses dos empregadores e
dos empregados.
Nesse contexto, a Ajuda Social se diferenciou e se fortaleceu, criando especializaes
institucionais e profissionais, regulamentaes minuciosas e delimitou melhor seu pblico alvo,
criando categorias cada vez mais numerosas (crianas em dificuldades, idosos com poucos recursos,invlidos, famlias de baixa renda, famlias numerosas). De modo geral, correspondiam a
populaes delimitadas por alguma desvantagem em se inscreveram no ritmo do progresso. O
Estado constitua-se como seu grande administrador e para essa modalidade inaugurou
estabelecimentos, criou legislaes e garantias, monitorava os profissionais e coordenava as
instituies e as colaboraes oferecidas pelo setor privado.
Havia nesse perodo uma poderosa sinergia entre o crescimento econm ico, o pleno
emprego e a proteo social que assegurava o enriquecimento coletivo e a repartio das garantias edas oportunidades. Fatores que promoveram um intenso crescimento econmico, produtivista, do
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consumo, da renda salarial, no acesso propriedade, moradia e na maior participao na cultura e
no lazer. Ao mesmo tempo, acarretaram um aumento no investimento em bens durveis e no uso de
crdito. Esse um dos fatores que vai propiciar a crise econmica nos anos seguintes.
Em relao diviso do trabalho, essa passa a ser composta por diversas categorias, tais
como: o operrio burgus, os especialistas, os qualificados, os subqualificados no campo
industrial, e engloba uma srie de atividades remuneradas no operrias empreendidas por
profissionais liberais, prestadores de servios, funcionrios pblicos, trabalhadores perifrico-
sazonais, dentre outros. Nesse cenrio, se d a emergncia de uma classe mdia