24/5/2009 33 SALVADOR DOMINGO 32 SALVADOR DOMINGO 24/5/2009 A arte que se perdeu Texto VITOR PAMPLONA [email protected]Fotos REJANE CARNEIRO [email protected]A paixão pelo cinema a partir das memórias de Renato Fróes, desenhista de anúncios de filmes entre as décadas de 1940 e 1980 A camisa não estava à mão. Do fundo do corredor, aba- fada pelos azulejos do ba- nheiro, a voz de Renato Ma- ria Deolindo Fróes pedia um pouco de paciência. “Já es- tou indo, estou trocando de camisa”. Abo- toada a blusa, o fundo escuro do aparta- mento de três quartos na Graça revela uma figura esguia, de cabelos bem penteados e notável cautela nos movimentos. Duas ou três frases depois, o veredicto: um homem afetuoso e educado. Os indícios de sensibilidade são atraves- sados por lembranças de um ofício perdido no tempo. Desenhista de anúncios de fil- mes impressos entre as décadas de 1940 e 1980 nos principais jornais baianos – a pro- dução teve um intervalo estratégico nos anos 1960 –, Fróes guarda em casa, numa caixa de papelão, resquícios da memória cinematográfica de uma cidade. São dezenas de cartazes feitos com car- tolina, cola, nanquim e tinta guache. Em preto-e-branco, iluminam uma era extinta, quando o cinema era “um marca indelével da sociedade”, o artista se encarrega de as- sinalar. “Nos lançamentos no Cine Liceu, no Pelourinho, as senhoras iam até de ves- tido longo”, lembra Renato, como quem arrola as provas de um processo ganho. “Foi um tempo fabuloso. Hoje, os jor- nais nem publicam mais anúncios de cine- ma. Por isso digo que é uma arte que se perdeu”. As linhas e sombreados entraram tardiamente em sua vida. Começou a ra- biscar formas geométricas aos 18 anos, nas aulas de desenho da última série do gi- násio (atual ensino médio). Da carteira escolar ao escritório do Cine Excelsior, na Praça da Sé, poucos dias se passaram. O destino bateu à sua porta em uma aula de datilografia, por acaso tam- bém frequentada por um funcionário do ci- nema. Da máquina de escrever, o contínuo foi soprar no ouvido de José de Araújo, dis- tribuidor dos estúdios Warner, Paramount e RKO em Salvador, o traço preciso contido nos exercícios feitos por Renato para a aula de desenho. Da visita ao Excelsior, naquele ano de 1939, uma das nobres salas de exi- bição soteropolitanas, Fróes voltou contra- tado. Imediatamente, começou a dominar a técnica de reproduzir, adaptar ou criar do nada os anúncios que levariam milhares de pessoas, por algumas horas, a se enfurnar no festim diabólico de som e movimento da sala escura. LINHA DE MONTAGEM O trabalho começava como artesanato. Quando o distribuidor fora do Brasil man- dava cartazes, a missão era a menos com- plicada: desenhar por cima dos títulos ori- ginais seus equivalentes em português e acrescentar locais e horários de exibição. Se o estúdio enviava só fotos de divulga- ção, aproveitavam-se as imagens para compor melhor o anúncio. Mas, vez ou outra, existia só o rolo na sala de projeção, e era preciso fazer todo o resto, a começar pela invenção de um con- ceito capaz de traduzir graficamente o filme – mesmo quando ninguém no hemisfério tinha assistido. Depois de pronto, o cartaz, que original- mente chegava a ter mais de meio metro de largura, entrava na linha de montagem da imprensa para ser comprimido pela pro- dução industrial. Nas mãos do clicherista, Da Bahia para o mundo: cartaz de Redenção (1958), primeiro longa produzido no Estado Renato Fróes em frente ao Cine Excelsior, na Praça da Sé. O cinema foi o primeiro a contratá-lo para desenhar anúncios «Nos lançamentos no Cine Liceu, no Pelourinho, as senhoras iam até de vestido longo» Renato Fróes
Perfil do artista Renato Fróes, que entre os anos 1940 e 1980 foi desenhista de anúncios de filmes nos jornais de Salvador
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