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13 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 33, p. 13-37, jun. 2009 Roberta Rodrigues Marques da Silva A ARGENTINA ENTRE AS REFORMAS ECONÔMICAS NEOLIBERAIS E A REDEFINIÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES COM O FMI (1989-2007) 1 Recebido em 10 de outubro de 2008. Aprovado em 12 de janeiro de 2009. DOSSIÊS Este artigo tem por objetivo analisar a influência da crise econômica sobre a formação de novas coalizões políticas na Argentina dos anos 2000, as quais levaram a uma ruptura em relação à política econômica adotada pelos governos Menem e De la Rúa. Essas transformações permitiram uma mudança na estratégia do governo Kirchner nas relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), levando a uma posição mais dura do governo argentino em rechaço às posições do Fundo. A política econômica sustentada pelos governos Duhalde e Kirchner teve como base o regime cambial competitivo, em substituição ao regime de conversibilidade vigente nos anos 1990, e contou com o apoio dos grupos empresariais voltados para o mercado doméstico, favorecidos pela desvalorização do peso. A proposta desses governos para a promoção do crescimento econômico excluiu atores com vínculos externos, que faziam parte das coalizões de apoio nas gestões Menem e De la Rúa. Entre os excluídos estavam os credores que detinham papéis da dívida em moratória desde 2001 e empresas prestadoras de serviços públicos privatizadas na década de 1990, que recebiam apoio do FMI. Essas razões explicam o fato das negociações com o Fundo durante o governo Kirchner terem sido marcadas por impasses e pela postura firme dos negociadores argentinos. Transforma- ções no contexto internacional também tiveram impacto sobre as negociações do governo Kirchner com o FMI. Com a eleição de George W. Bush nos Estados Unidos, em 2000, enfraqueceu-se o apoio norte-ameri- cano à concessão de empréstimos do Fundo a países em desenvolvimento. O governo republicano defendeu ainda a redução do papel do FMI na intermediação das negociações entre países devedores e credores privados. O governo argentino sentia que já poderia, nessa altura, dispensar a intermediação de institui- ções financeiras internacionais nas negociações referentes à dívida pública. PALAVRAS-CHAVE: Argentina; coalizões; neoliberalismo; Kirchner; FMI. I. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, diversos países da Améri- ca do Sul têm assistido à eleição de governos de esquerda e de centro-esquerda. Sua ascensão é atribuída ao fracasso do modelo neoliberal ado- tado nesses países durante a década de 1990, que culminou em severas crises econômico-fi- nanceiras. As crises financeiras da virada do sé- culo (Sudeste Asiático em 1997, Rússia em 1998, Brasil em 1999 e Argentina em 2001) levantaram uma série de questionamentos sobre as conse- qüências das reformas neoliberais, em particular da liberalização financeira. Os novos governos têm buscado implementar modelos de desenvol- vimento econômico alternativos ao neolibera- lismo. A Argentina é um exemplo paradigmático des- se acontecimento. O governo Carlos Menem (1989-1999), do Partido Justicialista, implantou rápidas e profundas reformas neoliberais. Tam- bém implantou um regime cambial fixo, sob o Plano de Convertibilidade, que estabelecia a paridade entre a moeda nacional (o peso) e o dólar em um- para-um. Durante toda sua vigência, o regime de conversibilidade e as reformas neoliberias foram apoiadas pelo FMI. O modelo neoliberal e o regi- me cambial fixo foram mantidos pelo sucessor de Menem, Fernando De la Rúa (1999-2001), da Unión Cívica Radical (UCR). 1 Este artigo baseia-se nos resultados de minha dissertação de mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) em setembro de 2008. Agradeço a Ma- ria Antonieta Leopoldi, Victor Hugo Klagsbrunn, Vicente Palermo e Javier Vadell pelos valiosos comentários, essen- ciais para a elaboração deste artigo.
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A Argentina entre as reformas econômicas neoliberais e a redefinição das negociações com o FMI

Jan 22, 2023

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 33 : 13-37 JUN. 2009

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 33, p. 13-37, jun. 2009

Roberta Rodrigues Marques da Silva

A ARGENTINA ENTRE AS REFORMAS ECONÔMICASNEOLIBERAIS E A REDEFINIÇÃO

DAS NEGOCIAÇÕES COM O FMI (1989-2007)1

Recebido em 10 de outubro de 2008.Aprovado em 12 de janeiro de 2009.

DOSSIÊS

Este artigo tem por objetivo analisar a influência da crise econômica sobre a formação de novas coalizõespolíticas na Argentina dos anos 2000, as quais levaram a uma ruptura em relação à política econômicaadotada pelos governos Menem e De la Rúa. Essas transformações permitiram uma mudança na estratégiado governo Kirchner nas relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), levando a uma posiçãomais dura do governo argentino em rechaço às posições do Fundo. A política econômica sustentada pelosgovernos Duhalde e Kirchner teve como base o regime cambial competitivo, em substituição ao regime deconversibilidade vigente nos anos 1990, e contou com o apoio dos grupos empresariais voltados para omercado doméstico, favorecidos pela desvalorização do peso. A proposta desses governos para a promoçãodo crescimento econômico excluiu atores com vínculos externos, que faziam parte das coalizões de apoionas gestões Menem e De la Rúa. Entre os excluídos estavam os credores que detinham papéis da dívida emmoratória desde 2001 e empresas prestadoras de serviços públicos privatizadas na década de 1990, querecebiam apoio do FMI. Essas razões explicam o fato das negociações com o Fundo durante o governoKirchner terem sido marcadas por impasses e pela postura firme dos negociadores argentinos. Transforma-ções no contexto internacional também tiveram impacto sobre as negociações do governo Kirchner com oFMI. Com a eleição de George W. Bush nos Estados Unidos, em 2000, enfraqueceu-se o apoio norte-ameri-cano à concessão de empréstimos do Fundo a países em desenvolvimento. O governo republicano defendeuainda a redução do papel do FMI na intermediação das negociações entre países devedores e credoresprivados. O governo argentino sentia que já poderia, nessa altura, dispensar a intermediação de institui-ções financeiras internacionais nas negociações referentes à dívida pública.

PALAVRAS-CHAVE: Argentina; coalizões; neoliberalismo; Kirchner; FMI.

I. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, diversos países da Améri-ca do Sul têm assistido à eleição de governos deesquerda e de centro-esquerda. Sua ascensão éatribuída ao fracasso do modelo neoliberal ado-tado nesses países durante a década de 1990,que culminou em severas crises econômico-fi-nanceiras. As crises financeiras da virada do sé-culo (Sudeste Asiático em 1997, Rússia em 1998,Brasil em 1999 e Argentina em 2001) levantaram

uma série de questionamentos sobre as conse-qüências das reformas neoliberais, em particularda liberalização financeira. Os novos governostêm buscado implementar modelos de desenvol-vimento econômico alternativos ao neolibera-lismo.

A Argentina é um exemplo paradigmático des-se acontecimento. O governo Carlos Menem(1989-1999), do Partido Justicialista, implantourápidas e profundas reformas neoliberais. Tam-bém implantou um regime cambial fixo, sob o Planode Convertibilidade, que estabelecia a paridadeentre a moeda nacional (o peso) e o dólar em um-para-um. Durante toda sua vigência, o regime deconversibilidade e as reformas neoliberias foramapoiadas pelo FMI. O modelo neoliberal e o regi-me cambial fixo foram mantidos pelo sucessor deMenem, Fernando De la Rúa (1999-2001), daUnión Cívica Radical (UCR).

1 Este artigo baseia-se nos resultados de minha dissertaçãode mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduaçãoem Relações Internacionais da Universidade FederalFluminense (UFF) em setembro de 2008. Agradeço a Ma-ria Antonieta Leopoldi, Victor Hugo Klagsbrunn, VicentePalermo e Javier Vadell pelos valiosos comentários, essen-ciais para a elaboração deste artigo.

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A ARGENTINA ENTRE AS REFORMAS ECONÔMICAS NEOLIBERAIS

A crise econômica havia demonstrado avulnerabilidade do Plano de Convertibilidade edas reformas neoliberais, e acentuou o senti-mento difundido entre a população de rejeiçãoda classe política. A situação financeira do paísaprofundou-se ainda mais com a retirada doapoio financeiro do Fundo Monetário Interna-cional (FMI). Em meio aos protestos popula-res, De la Rúa apresentou sua renúncia em de-zembro de 2001.

A renúncia de De la Rúa permitiu a emergên-cia de uma coalizão opositora ao governo argenti-no. Em 1 de janeiro de 2002, Eduardo Duhalde,rival de Menem no Partido Justicialista, assumiuprovisioriamente a Presidência. Duhalde ratificoua moratória da dívida pública anunciado por seuantecessor, Adolfo Rodríguez Saá (também doPartido Justicialista), que permaneceu somenteuma semana no cargo. Além disso, Duhalde anun-ciou o fim do Plano de Convertibilidade. Em maiode 2002, o Ministro da Economia, RobertoLavagna, anunciou um novo regime cambial, de-nominado “câmbio competitivo”, que estabeleciaum regime de bandas cambiais, no qual a cotaçãodo peso em relação ao dólar era mantida em tornoda paridade três-para-um. Dessa forma, Lavagnapretendia estimular as exportações de bens agro-pecuários e a industrialização substitutiva de im-portações.

Em 2003, a Argentina assistiu à eleição deNéstor Kirchner, até então o desconhecido Go-vernador da Província de Santa Cruz. Pertencen-te à ala mais à esquerda do Partido Justicialista,Kirchner assumiu a Presidência com intuito de darprosseguimento ao processo de reorganizaçãopolítica e econômica promovido por Duhalde. Osdesafios que se apresentavam ao novo Presidenteeram diversos: trazer de volta a estabilização soci-al, reorganizar o sistema político-partidário, reto-mar o crescimento econômico sustentado,reestruturar a dívida em moratória e normalizaras relações com o FMI, que seguiam conturbadasdesde a crise de 2001.

As políticas adotadas por Kirchner – seja noplano doméstico ou externo – foram considera-das uma ruptura em relação aos governos anteri-ores, especialmente de Menem e De la Rúa(BONVECCHI, 2004). As negociações com o FMI,em particular, passaram a ser pautadas por estra-tégias diferentes. Se antes as negociações gira-

vam em torno da adoção das “condicionalidades”do Fundo, com Kirchner a implementação demedidas apontadas pelo Fundo passou a levar emconta o impacto dessas medidas sobre a recupe-ração econômica do país, de modo a não deter ocrescimento nem causar desequilíbrios sociais(VADELL, 2006).

As difíceis negociações com o FMI resulta-ram em um acordo firmado em 2003 que atendeua muitas das demandas do governo argentino. Asexplicações para esse fato residem em aconteci-mentos de ordem internacional e doméstica.Transformações na ordem internacional levaramà perda da importância do FMI na concessão depacotes de resgate financeiro e na intermediaçãodas relações entre países soberanos e credoresprivados.

No âmbito doméstico, a crise econômico per-mitiu a emergência de uma nova coalizãogovernante de apoio a um novo modelo de cresci-mento econômico. Crises econômicas produzemcontrovérsias políticas que podem resultar na elei-ção uma nova coalizão partidária. Ao mesmo tem-po, emerge um debate sobre as possíveis solu-ções para a crise – ou seja, entre diversas pers-pectivas de política econômica (policies), sejamelas tradicionais ou inovadoras. A seleção de umadessas perspectivas em resposta à crise econô-mica requer o apoio da nova coalizão no poder(GOUREVITCH, 1986).

Quando surge a crise econômica, as idéiasdominantes sobre a política econômica e a coali-zão no poder são desafiadas, o que permite a elei-ção de uma nova coalizão, formada em torno deuma nova política (policy) que se julga ser neces-sária para restabelecer a ordem econômica. Paraque se possa entender o processo de escolha depolítica econômica (policy), é necessário enten-der a política doméstica (politics), uma vez que,em última análise, as decisões sobre política eco-nômica (policies) são tomadas por políticos, queocupam posições institucionais que lhe garantemautoridade formal. Como os políticos almejamchegar a essas posições institucionais e nelas man-terem-se, a escolha da política econômica a seradotada é constrangida pela necessidade de reterapoio dos atores sociais (idem).

Na Argentina do governo Kirchner, a emer-gência de uma nova coalizão governante, apoiadasobretudo por empresários industriais voltados

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para o mercado doméstico, excluiu bancos es-trangeiros, credores privados e empresasprestadoras de serviços públicos privatizados nadécada de 1990. Esses atores perderam o poderde veto sobre o sistema político argentino e, por-tanto, deixaram de exercer influência sobre asnegociações com o FMI.

Este artigo propõe-se a analisar a influência deambas as arenas sobre as negociações entre a Ar-gentina e o FMI no governo Kirchner. Para tanto,será organizado da seguinte forma: em primeirolugar, serão apresentadas as modificações no con-texto internacional no início do século XXI. Emsegundo lugar, serão apresentados os modelos decrescimento econômico levados a cabo pelos go-vernos Menem e De la Rúa. Em terceiro lugar,será discutida a recuperação econômica ocorridasob os governos Duhalde e Kirchner. Em segui-da, serão analisadas as coalizões de governoconstruídas em torno da sustentação desses mo-delos econômicos. Posteriormente, serão discuti-das as relações entre o governo argentino e o FMIentre 1989 e 2007, enfatizando-se as estratégiasdo governo Kirchner nas suas relações com o FMI.Por último, serão feitas algumas consideraçõessobre os condicionantes políticos da estratégialevada a cabo por Kirchner.

II. A CRISE DO REGIME FINANCEIRO INTER-NACIONAL

As crises financeiras da virada do século leva-ram a uma crítica ao modelo de crescimento eco-nômico focado na captação de poupança externa,tanto no contexto doméstico dos países recepto-res de recursos, como no interior das própriasinstituições financeiras internacionais. O momen-to atual caracteriza-se pela crise do regime finan-ceiro internacional, colocando em xeque a legiti-midade e a capacidade de atuação de instituiçõesfinanceiras internacionais, como o Banco Mundi-al e o FMI (SOLA, 2008).

O FMI, em particular, perdeu espaço naintermediação das relações entre países sobera-nos e credores. Na década de 1980, esse organis-mo havia desempenhado um papel de fundamen-tal importância nas negociações com os paísesem desenvolvimento, aí incluída a Argentina, paraque se viabilizasse a retomada dos fluxos finan-ceiros, interrompidos durante a crise da dívidaexterna. O FMI foi um dos difusores do ideárioneoliberal entre os países em desenvolvimento,

atrelando a concessão de empréstimos à adesãode um conjunto de reformas econômicaneoliberais.

A partir da década de 1990, o crédito voltou aexpandir-se na direção dos países emergentes,proveniente de múltiplos credores privados, pro-porcionando a incorporação e consolidação domodelo de crescimento econômico associado àcaptação de poupança externa (BRESSER-PEREI-RA & NAKANO, 2003). O FMI tornou-se, nesseperíodo, uma referência entre os países latino-americanos. O aval do organismo foi essencial paraa captação de recursos.

Na década de 1990, alguns procedimentos as-sociados à aprovação de empréstimos aos paísesem desenvolvimento (“condicionalidades”), liga-dos às receitas neoliberais do FMI, foram suavi-zados na concessão de financiamentos deste ban-co a países latino-americanos, como a Argentina.A preocupação com a austeridade fiscal e o apoioao regime de câmbio fixo não mais tiveram o ca-ráter de exigência do passado. Essas mudançasfizeram-se necessárias justamente para que o paíspudesse enfatizar o programa de reformas orien-tadas para o mercado, ao mesmo tempo em quepromoviam a estabilidade dos preços via aprecia-ção cambial. O relaxamento das metas fiscais, porsua vez, associava-se à crença de que a captaçãode poupança externa promoveria o crescimentoeconômico a longo prazo, sanando os problemasde curto prazo relativos aos deficits fiscais.

A promoção do crescimento econômico pormeio de reformas para o mercado, que represen-tava um objetivo das instituições financeiras in-ternacionais, contudo, não se concretizou. O cres-cimento registrado durante toda a década de 1990nos países sul-americanos foi medíocre, e culmi-nou em severas crises financeiras que levaram adesvalorizações cambiais e, particularmente nocaso argentino, à moratória da dívida.

O FMI sofreu a partir de então severas críti-cas, tanto internas quanto externas: os novos go-vernos dos países sul-americanos passaram a des-cartar os recursos do Fundo, buscando investi-mentos alternativos para promover seu crescimen-to econômico e reduzir a carga da dívida e/ou dosjuros em relação ao Produto Interno Bruto (PIB),favorecidos pelo bom momento da economia in-ternacional, que se estendeu até 2008. Muitosgovernantes desses países responsabilizaram o

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próprio FMI pelas crises financeiras, alegando queo Fundo recomendara políticas equivocadas, queteriam desembocado nessas crises.

O FMI atravessou uma crise interna, geradapor uma mudança na orientação do governo nor-te-americano, seu principal provedor de recur-sos, em suas relações com o organismo2. A par-tir do governo republicano de George W. Bush(2000-2008), enfraqueceu-se o apoio norte-ame-ricano à concessão de empréstimos a países emdesenvolvimento, além de ter predominado na ins-tituição uma visão mais liberal no que diz respei-to às relações entre países devedores e credoresprivados.

Os atentados terroristas de 11 de setembrode 2001 também consistiram em um ponto deinflexão da política externa norte-americana. Apósos ataques aos prédios do Pentágono e do WorldTrade Center, o governo Bush privilegiou açõesligadas à chamada “guerra contra o terror”, oque acabou por ampliar os espaços de manobrade países em desenvolvimento não diretamenteenvolvidos nessa questão, como a Argentina(VADELL, 2006).

Embora a crise do regime financeirointernacional3 voltado para a liberalização não te-nha levado ao seu fim, ainda não se vislumbramsaídas para o impasse. Vários fatores somam-sehoje na pintura de um cenário pouco favorável àreabilitação desse sistema, sob liderança norte-ame-ricana, em favor da implantação de políticasliberalizantes: (1) a crise financeira norte-ameri-cana; (2) o crescimento de países em desenvolvi-mento que não se alinharam ao neoliberalismo,como China e Índia, que levaram à alta dos pre-

ços das commodities no mercado internacional esustentaram o crescimento de diversos países emdesenvolvimento; (3) as difíceis negociações noâmbito da Rodada de Doha da Organização Mun-dial do Comércio (OMC), resultantes das posi-ções de países desenvolvidos, como os EstadosUnidos, contrapondo-se a importantes economi-as emergentes, como China e Índia, apontam paraum cenário de fortalecimento do protecionismocomercial.

Esses fatores, ainda que não determinem osresultados de negociações internacionais entrepaíses em desenvolvimento e instituições finan-ceiras internacionais ou países desenvolvidos,certamente expõem a crise normativa pela qualpassa, já há alguns anos, o regime financeiro (li-beral) internacional, conferindo aos países emdesenvolvimento maior margem de manobra nomeio internacional.

II. A ARGENTINA DAS REFORMAS MENEMIS-TAS À CRISE (1989-2001): PLANO DECONVERTIBILIDADE, REFORMAS NEO-LIBERAIS E COLAPSO FINANCEIRO

Desde sua eleição, em 1989, Menem pautousua política econômica pela busca por estabilizara economia, combater a inflação e equilibrar ascontas públicas. Para tanto, promoveu reformasneoliberais, que giraram em torno de três eixos:privatizações, abertura comercial e liberalizaçãofinanceira (RAPOPORT, 2000).

Para combater a inflação, o Ministro da Eco-nomia Domingo Cavallo anunciou o Plano deConvertibilidade em 1991. Esse plano constituíao regime de currency board, no qual a taxa decâmbio foi fixada na livre conversão de um pesopor dólar. O regime cambial adotado resultou emuma brusca alteração dos preços relativos, re-dundando em perdas para os exportadores e emmaior demanda por bens importados(RAPOPORT, 2000; MUSSA, 2002). A Argenti-na passou a experimentar deficits crônicos nabalança comercial, que seriam compensados pelaentrada de fluxos substanciais (e crescentes) defluxos de capitais externos (FRENKEL &RAPETTI, 2006).

A política econômica adotada logo mostrou-se bem sucedida na estabilização dos preços. Alémdisso, a atividade econômica expandiu-se conti-nuamente até a crise mexicana em 1995(RAPOPORT, 2000).

2 Os Estados Unidos são o ator com poder de veto noprocesso decisório do FMI, concentrando 17,45% das co-tas do organismo.3 Segundo Krasner, um regime internacional é um “con-junto de princípios, normas, regras e procedimentos detomada de decisão implícitos e explícitos em torno doqual as expectativas dos atores convergem em uma dadaárea temática. Princípios são crenças de fato, causa e reti-ficação. Normas são padrões de comportamento defini-dos em termos de direitos e obrigações. Regras são pres-crições específicas para a ação. Procedimentos de toma-da de decisão são “práticas prevalecentes para se fazer eimplementar a escolha coletiva.” (KRASNER, 1983, p. 3;tradução nossa).

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Nesse período, o ambiente externo tambémmostrava-se favorável ao bom desempenho da eco-nomia argentina: o crédito voltou a expandir-se nadireção dos países emergentes, no marco do Pla-no Brady4. Esse fluxo financeiro significou, de

fato, o motor do crescimento de diversas econo-mias do continente, associado à captação de pou-pança externa (BRESSER-PEREIRA & NAKANO,2003).

Inicialmente, o FMI manifestou sua preocu-pação com a vulnerabilidade a choques externos aque se submetia a economia argentina sob o regi-me de currency board. O primeiro teste de resis-tência desse mecanismo ocorreu durante a criseno México, em 1994, que levou à desvalorizaçãoda moeda mexicana. Diversos analistas acredita-vam que a Argentina, economia emergente comcaracterísticas semelhantes ao México5, seria opróximo país a desvalorizar sua moeda em decor-rência dos ataques especulativos e da fuga de ca-pitais. De fato, a economia argentina apresentouuma retração naquele ano, mas essa tendênciaacabou por reverter-se. O FMI apoiou a manu-tenção do regime de conversibilidade por meio deum acordo que revisava as metas fiscais, permi-tindo uma relação maior entre gastos públicos e oPIB. Em 1995, foi retomado o crescimento eco-nômico da Argentina (MUSSA, 2002).

TABELA 1 – ARGENTINA: CRESCIMENTO DO PIB EINFLAÇÃO – 1990-2001

Fonte: Faucher e Armijo (2003).

4 O Plano Brady – assim conhecido em referência ao Se-cretário do Tesouro dos Estados Unidos Nicholas Brady –, permitia a reestruturação da dívida “mediante a troca porbônus de emissão do governo do país devedor, que [con-templavam] abatimento do encargo da dívida, seja sob aforma de redução do seu principal, seja por alívio na cargade juros.” (BRASIL, 2007, p. 42).

5 A economia do México, assim como a da Argentina,caracterizava-se pela sobrevalorização real da moeda, pe-los desequilíbrios em conta corrente e pelo progressivoaumento da dívida.

Fonte: Faucher e Armijo (2003).

TABELA 2 – ARGENTINA: INDICADORES SOBRE A DÍVIDA – 1990-2001

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A ARGENTINA ENTRE AS REFORMAS ECONÔMICAS NEOLIBERAIS

A crise mexicana também revelou a fragilida-de do sistema bancário dos países emergentesquando expostos aos efeitos adversos de uma crisecambial. Por isso, o governo argentino promoveuuma reforma no sistema bancário, em meados de1994, privatizando bancos estatais e encorajandoos bancos comerciais a manter linhas de créditoem moeda estrangeira, para o caso de uma even-tual crise cambial. Os bancos passaram, portan-to, a realizar negócios em dólares e pesos sob agarantia de livre conversão dada pelo governo(idem).

A popularidade do Plano de Convertibilidademanteve-se elevada durante todo o governoMenem. Com a eleição de De la Rúa (UCR), em1999, a defesa do regime cambial vigente seguiucomo política econômica principal (main policy)da agenda pública. Durante a campanha, De laRúa prometeu manter o Plano de Convertibildiade,mas corrigir alguns do resultados negativos asso-ciados ao modelo neoliberal, como o aumento dodesemprego, pobreza e indigência (WISE, 2001).

De la Rúa chegou à Presidência em um con-texto de recessão econômica. A defesa do Planode Convertibilidade levou-o a optar por seguir umapolítica fiscal contracionista, a fim de evitar que opaís interrompesse os pagamentos junto aos cre-dores. Dentre as medidas tomadas, incluíram-seaumento de impostos e a cortes nos gastos públi-co. Um novo acordo firmado com o FMI em 2000– conhecido como “blindagem financeira” – per-mitiu a contração de recursos para honrar os pa-gamentos da dívida pública previstos para 2001(RAPETTI, 2005).

Contudo, o desempenho da economia tambémmanteve-se aquém do esperado, levando o gover-no a enfrentar dificuldades para cumprir as metasfiscais programadas com o FMI para 1999 e 2000.A fim de manter a confiança do investidor, De laRúa recorreu novamente ao FMI. Para evitar re-sultados catastróficos – crise financeira, morató-ria e fim do Plano de Convertibilidade – o Fundomanteve a ajuda financeira, dessa vez muito su-perior àquelas convencionalmente concedidas. Emcontrapartida, o governo deveria adotar medidasconsistentes com a consolidação fiscal (MUSSA,2002).

No começo de 2001, De la Rúa convidouCavallo, autor do Plano de Convertibilidade, paraocupar o Ministério da Economia. Cavallo conse-guiu a aprovação, pelo Congresso, de “poderes

vastos (mas não ilimitados) para o Presidente ado-tar medidas econômicas por decreto”, o que re-sultou no aumento de impostos, na criação de umimposto sobre transações financeiras6 e na ado-ção de medidas que pretendiam promover o cres-cimento e atrair investimentos (idem, p. 25. Tra-dução da autora). Também conseguiu no Congres-so a aprovação da Lei de “Deficit Zero”, que de-terminava o equilíbrio imediato das contas nacio-nais. Dessa forma, pretendia garantir o pagamen-to dos juros da dívida e as transferências às pro-víncias (DAMILL, FRENKEL & RAPETTI,2005).

A situação, contudo, não tardou a deteriorar: osjuros subiram, a recessão acentuou-se e a relaçãodívida/PIB elevou-se, redundando em corridas aosbancos e novas perdas de reservas. Em meados denovembro, Cavallo anunciou que iria a Washingtonem busca de novas negociações com o FMI, maso Diretor Gerente do organismo, Horst Köhler, de-clarou que ele não seria recebido (MUSSA, 2002).No mês seguinte, o FMI anunciou que não seriamliberados novos empréstimos à Argentina.

A retirada do apoio do FMI deixou o país semacesso a recursos em moeda estrangeira. Como acorrida aos bancos prosseguia, o governo anun-ciou o fechamento dos bancos. Quando reaber-tos, os saques foram temporariamente restritos aUS$ 250 por semana, medida que fcou conhecidacomo corralito (idem).

O clima de insatisfação popular, que já havialevado a diversas manifestações ao longo dos me-ses anteriores, ganhou força com o anúncio docorralito. Recessão econômica, cortes de gastospúblicos – inclusive na área social –, redução dossalários dos servidores públicos, desemprego emtorno de 20%, pobreza e a indigência sem prece-dentes, tudo contribuiu para que a população to-masse as ruas em manifestações contra o governo.Com panelas nas mãos, a população argentina, semdistinção de classes sociais, organizou manifesta-ções, conhecidas como “panelaços”, que atraves-saram as noites. O anúncio do corralito represen-tou não só uma dificuldade financeira a mais paraas famílias argentinas, como colocou em destaquea prioridade da agenda pública do governo De la

6 Esse imposto é semelhante à Contribuição Provisóriasobre Movimentação Financeira (CPMF) adotada peloBrasil.

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Rúa: o pagamento dos juros da dívida pública e amanutenção do Plano de Convertibilidade. Asprecoupações sociais estiveram sempre em segun-do plano. De la Rúa não resisitu à pressão populare apresentou sua renúncia.

A Assembléia Legislativa teve que se reunir paraindicar um novo Presidente. Dentre os nomes queocuparam a Presidência da República esteveAdolfo Rodríguez Saá (PJ), Governador de SanLuís. Rodríguez Saá declarou a moratória da dí-vida pública, sem consultar previamente os cre-dores ou detentores de títulos argentinos. Suapassagem pela Presidência durou menos de umasemana: ele acabou por ser derrubado e substitu-ído por Duhalde. O novo Presidente declarou ofim – inevitável – do Plano de Convertibilidade,nos primeiros dias de 2002 (TORRE, 2004).

III. A ECONOMIA ARGENTINA DA CRISE ÀRECUPERAÇÃO: OS GOVERNOSDUHALDE E KIRCHNER

Ao assumir interinamente a Presidência daRepública para cumprir o resto do mandato de Dela Rúa, Duhalde tinha como objetivos estabilizar opaís tanto na esfera econômica quanto política.Apesar do ambiente de incerteza e desconfiança arespeito dos rumos da economia argentina – mui-tos analistas, inclusive no FMI, esperavam que opaís experimentasse uma profunda recessão –,houve uma rápida recuperação, iniciada apenas umtrimestre após a ocorrência dos eventos que leva-ram ao colapso do Plano de Convertibilidade.

O fim do regime de conversibilidade, emboratenha elevado automaticamente o montante doendividamento – 97% da dívida pública estavadenominada em dólares –, reduziu a vulnerabilidadeexterna. Significou ainda a quebra dos contratoscom empresas que prestavam serviços públicosprivatizados, uma vez que o governo determinouque as tarifas deveriam ter seus preços em pesos,contrariando os contratos que os vinculavam aodólar. Dessa forma, evitou-se a subida brusca dospreços das tarifas desses serviços.

Depósitos bancários denominados em dólares– cerca de 64% do total – também foram com-pulsoriamente convertidos em pesos a uma taxade 1,4 peso por dólar. Os créditos bancários man-tiveram a cotação de um peso por dólar (DAMILL,FRENKEL & RAPETTI, 2005, p. 34).

Esse tipo de câmbio “dual” encontrou resis-tência no FMI, cujos representantes afirmaram

que não haveria negociações no caso de manu-tenção dessa medida. Pressionado, o governo ado-tou a livre flutuação do peso. Com a disparada docâmbio, que levou o dólar à cotação de quase qua-tro pesos (em parte devido às especulações), fo-ram introduzidos controles cambiais (idem;RAPETTI, 2005; FRENKEL & RAPETTI, 2006).

Com a posse de Roberto Lavagna no Ministéroda Economia, em maio de 2002, foi lançada a po-lítica de “câmbio competittivo”, que estabelecia aintervenção do Banco Central no mercado de câm-bio, a fim de manter a competitividade das expor-tações. Quando introduzida, essa medida mante-ve a cotação do dólar entre 2,8 a 3 pesos. Essapolítica permitiu o aumento das exportações debens agro-pecuários e a da industrializaçãosubstitutiva de importações (FRENKEL &RAPETTI, 2006).

O governo Duhalde criou ainda uma tributa-ção sobre as exportações, conhecida como “re-tenções”, com o objetivo de transferir para o Fis-co parte dos lucros obtidos com o aumento dasexportações, proporcionado pelo regime cambialcompetitivo e pela elevação dos preços dascommodities no mercado internacional (DAMILL,FRENKEL & RAPETTI, 2005, p. 28).

Após a introdução do novo modelo cambial,registraram-se elevados índices de crescimentoeconômico, acompanhados de superavits exter-nos e fiscais. A austeridade fiscal deveu-se aoscortes de gastos, ao aumento da arrecadaçãofavorecida pelo crescimento econômico, às tri-butações sobre as exportações e à suspensão dopagamento de juros em virtude da moratória(FRENKEL & RAPETTI, 2006).

TABELA 3 – ARGENTINA: CRESCIMENTO DO PIB EINFLAÇÃO – 2002-2007

Fonte: Organización de las Naciones Unidas (2008); Ar-gentina (2008a).

Nota: De acordo com especialistas, a inflação de 2007girou, na realidade, entre 15 e 20% (CRISTINA’SCHALLANGES, 2007).

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A ARGENTINA ENTRE AS REFORMAS ECONÔMICAS NEOLIBERAIS

Fonte: Organización de las Naciones Unidas (2007).

Kirchner, eleito em maio de 2003, deu conti-nuidade ao modelo de crescimento econômicobaseado no câmbio competitivo. Inicialmente, elemanteve Lavagna no Ministério da Economia. Emconseqüência da desvalorização cambial, tornou-se possível a reativação de plantas industriais quehaviam sido fechadas durante a década de 1990,em função da concorrência dos produtos impor-tados. Não foram introduzidas, contudo, outrasmedidas “ativas” para a promoção da industriali-zação (COSTA, KICILLOF & NAHÓN, 2004, p.14-15).

Kirchner traçou ainda como objetivos a auste-ridade fiscal e a política de rendas, que incluía amediação do Estado no conflito distributivo a fimde limitar seus efeitos sobre as expectativas infla-cionárias. Essa política abrangia medidas relati-vas à previdência social, às negociações coletivasde salários, à política de preços (subsídios aosprodutores de bens que compõem a cesta básicae acordos de preços com o setor privado) e à tri-butação sobre as exportações (ARGENTINA,2007).

TABELA 4 – ARGENTINA: AJUSTE FISCAL: RESULTADO DO SETOR PÚBLICO CONSOLIDADO (EMPORCENTAGEM DO PIB)

Fonte: Rapetti (2005).

TABELA 5 – ARGENTINA: INDICADORES SOBRE A DÍVIDA – 2002-2007

Segundo o pessoal do FMI, o governo deverialançar mão da elevação dos juros para conter ainflação. O governo argentino, entretanto, nãoacatou essas recomendações, defendendo que apolítica cambial adotada, associada à manutençãode uma taxa de juros historicamente baixa, eraessencial para a promoção do crescimento eco-nômico e a redução do desemprego. O governocontava com um “pacto social” para controlar a

inflação, baseado no apoio de industriais e sindi-catos. Também foi importante para conter a infla-ção a manutenção do congelamento das tarifas dosserviços públicos privatizados (DAMILL,FRENKEL & RAPETTI, 2005, p. 29). Nãoobstante as medidas adotadas, as pressões infla-cionárias mantiveram-se presentes. Ao fim de suagestão, Kirchner foi acusado de manipular os ín-dices oficiais de inflação que, segundo estimati-vas não oficiais, giravam em torno de 20%.

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O pessoal do FMI, apesar de contrário à pro-posta apresentada e à postergação do acordo comos credores que não aderiram ao acordo, foi pres-sionado pelo governo dos Estados Unidos (sob agestão republicana de Bush) a não interferir nosassuntos relativos à renegociação da dívida. Deacordo com a posição norte-americana, parte daculpa pela crise argentina recaía sobre os credo-res, cuja conduta teria sido influenciada pelas ati-tudes passadas do FMI como “prestamista de úl-tima instância” (idem; idem).

As instituições financeiras internacionais de-sempenharam um papel praticamente nulo duran-te o processo de reestruturação da dívida argenti-na. Alguns dos governos de países membros doG-7 mostraram-se refratários à postura de laissez-faire do governo Bush, mas viram seu poder depressão reduzido devido à baixa coesão no inte-rior do grupo (MORTIMORE & STANLEY,2006).

Kirchner teve de lidar ainda com questões re-lativas à renegociação da dívida em moratória. Ogoverno considerava essencial a reestruturação dadívida argentina em moratória desde 2001 para asustentabilidade do crescimento econômico,viabilizada pela atração de financiamento a médioe longo prazos (COSTA, KICILLOF & NAHÓN,2004; MENDONÇA, 2005).

A proposta a ser apresentada, porém, não de-veria entrar em conflito com as metas de cresci-mento econômico e redução da pobreza (COS-TA, KICILLOF & NAHÓN, 2004, p. 2). O Presi-dente afirmou em seu discurso de posse que nãonormalizaria os pagamentos da dívida “em trocada fome e da exclusão dos argentinos” (THEEMPTY-HANDED SOCIAL DEMOCRAT.ARGENTINA’S NEW PRESIDENT, 2003; tra-dução da autora).

Depois de difíceis negociações, o governo apre-sentou, em junho de 2004, uma proposta na qualse estabelecia o desconto de 75% sobre o valornominal da dívida7. A proposta apresentada pelogoverno Kirchner era inédita: nunca antes um paíshavia pedido a redução do valor de face dos títu-los, o corte dos juros e a extensão de seu prazo deresgate (MORTIMORE & STANLEY, 2006).

Em 12 de janeiro de 2005, deu-se o começoda troca de 152 títulos antigos por três novos,encerrado em 25 de fevereiro de 2005. O gover-no recebeu 76,15%. O estoque da dívida públicafoi reduzido em cerca de quase 150% para 80%do PIB. O perfil da dívida também mudou após aoperação: 44% do total de títulos emitidos passa-ram a vincular-se à moeda local, a um prazo devencimento maior (DAMILL, FRENKEL &RAPETTI, 2005, p. 45; MENDONÇA, 2005).

TABELA 6 – ARGENTINA: PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA: VALORES OFERECIDOS ETROCADOS (EM BILHÕES DE DÓLARES)

Fonte: Mendonça (2005).

IV. A POLÍTICA DAS REFORMAS NA ERAMENEM (1989-1999): INSTITUIÇÕES, CO-ALIZÕES E POLÍTICAS GOVERNAMEN-TAIS

Menem (PJ) chegou à Presidência da Argenti-na em 1989, eleito em primeiro turno, recebendo47,49% dos votos válidos (ARGENTINA, 2008b).Sua plataforma eleitoral prometia o “salariazo” ea “revolução produtiva”, prometendo combater ahiperinflação e promover o crescimento econô-mico.

Contrariando as expectativas iniciais, logo quechegou ao poder, Menem buscou o apoio dos prin-cipais grupos econômicos – credores externos e

7 O deságio sobre o valor de face dos títulos da dívidaargentina refletiam, de certo modo, a própria leitura domercado, que já cotava os bônus argentinos a cerca de 30%de seu valor original (COSTA et al., 2004; MENDONÇA,2004)

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conglomerados estrangeiros e locais. Adotou umaagenda econômica orientada para o mercado, pro-movendo desde o início de sua gestão privatizações,abertura comercial e liberalização financeira(SCHVARZER, 1994; RAPOPORT, 2000).

Para promover as reformas neoliberais, o Con-gresso delegou poderes legislativos ao Presidentepor meio da Lei de Reforma do Estado e da Lei deEmergência Econômica (1989). Embora tenhacontado com maioria no Parlamento durante qua-se todo o mandato, Menem concentrou poder emépocas de crise e de estabilidade, governando deforma unilateral. O Presidente abusou do recursoaos decretos de necessidade e urgência (DNUs)(DE LUCA, 2007).

O alinhamento em torno da liderança de Menemnão foi automático. As reformas econômicasadotadas não avançaram em todos os setores –com destaque para as áreas trabalhista eprevidenciário – justamente em razão da necessi-dade de construção de uma coalizão de apoio ao

governo Menem. Permitiu-se a permanência de“enclaves não liberais” no setor trabalhista e amanutenção do regime de transferência de recur-sos para as províncias (conhecido como co-par-ticipação8) sem que houvesse, em contrapartida,comprometimento com a austeridade fiscal no nívelsubnacional (BAER, GALLO & ELOSEGUI, 2001;WISE, 2001).

Particularmente durante seu primeiro manda-to, Menem recebeu o apoio de uma coalizão queincluía setores empresariais orientados para omercado externo, uma parte significativa dosindicalismo (que mantinha vínculos estreitos como peronismo) e os consumidores, reunidos ao re-dor da promessa de estabilização dos preços(STARR, 1997).

A seguir, reproduzimos o quadro elaborado porBaer, Gallo e Elosegui (2001) em que se registra arelação de beneficiados e não-beneficiados peloprojeto reformista de orientação para o mercadodurante o primeiro mandato de Menem:

QUADRO 1 – ARGENTINA: BENEFICIADOS E NÃO-BENEFICIADOS PELAS REFORMAS NEOLIBERAIS

Fonte: Baer, Gallo e Elosegui (2001).

Em 1994, Menem passou a concentrar esfor-ços na aprovação da Reforma Constitucional, quelhe garantiu a possibilidade de candidatar-se à re-eleição. Ele acabou por reeleger-se, apresentan-do-se como único candidato capaz de manter afas-tado o “fantasma” da crise econômica e dahiperinflação, em uma conjuntura de crise geradapelo contágio da crise mexicana (NOVARO, 2006).Menem obteve uma expressiva vitória nas urnas,sendo eleito no primeiro turno com 49,94% dosvotos válidos (ARGENTINA, 2008b).

Não obstante a reeleição no primeiro turno, sur-giram conflitos internos no governo (notadamente

entre o Ministro Cavallo e o Presidente) que acen-tuaram o descontentamento popular, tanto em re-lação aos sucessivos escândalos de corrupçãoquanto aos efeitos negativos das reformas de ori-entação para o mercado, particularmente o aumen-to do desemprego e o recuo da renda (NOVARO,2006).

8 A legislação sobre a coparticipação estabelecia um regimede transferências de recursos do governo central para asprovíncias, uma vez que o primeiro arrecada um montanteexpressivamente superior de tributos em comparação àsúltimas.

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Durante seu segundo mandato, a agenda re-formista não registrou muitos avanços: as cha-madas “reformas de segunda geração”, que ga-rantiriam maior transparência e concorrência,contrariavam os interesses dos empresários liga-dos a monopólios e oligopólios formados duranteas privatizações. Além disso, a reforma trabalhis-ta encontrou resistência por parte dos setores sin-dicais, que haviam mantido-se em silêncio ao lon-go do processo reformista ocorrido no primeiromandato (NOVARO, 2006).

Os bancos estrangeiros ganharam maiorcentralidade na coalizão menemista durante o seusegundo mandato, após a crise de 1994-1995. Du-rante a crise, o governo promoveu um processode reestruturação do sistema bancário que garantiusua melhor adaptação às novas condições de in-serção financeira do país no mercado internacio-nal, mas resultou no fechamento dos bancos me-nores. A partir de então, o sistema bancário ar-gentino passou a contar, majoritariamente, combancos de origem estrangeira.

Com o afastamento do receio de retorno dainflação, o setor industrial passou a apresentarqueixas contra a concorrência desleal dos produ-tos importados, favorecidos pelo regime de con-versibilidade. Entretanto, a desestruturação do te-cido industrial argentino ao longo da década de1990 enfraqueceu o poder do setor na barganhapolítica. Esse processo também enfraqueceu osindicalismo que, dividido entre três grandes or-ganizações, não foi capaz de coordenar suas ações.Pelo contrário, dentro do movimento sindical en-contravam-se grupos que ofereciam apoio irrestritoao governo Menem (como a CGT –Confederación General del Trabajo), em razãode suas vinculações com o peronismo9. A CGTsó reviu sua estratégia durante o segundo manda-to de Menem, em decorrência da deterioração dascondições econômicas, particularmente do aumen-to do desemprego (STARR, 1997).

Os governos provinciais também são atores-chave para a compreensão do modelo menemista:a manutenção de déficits fiscais pode serexplicada, em larga medida, pelo desequilíbrio das

contas provinciais. Os governos provinciais be-neficiaram-se, ao longo da década de 1990, dastransferências de recursos realizadas pelo gover-no federal, garantidas pelos fundos de co-partici-pação. Esse regime dificilmente poderia ser modi-ficado em um contexto político como o argenti-no, no qual os Governadores provinciais possu-em forte capital político (BONVECCHI, 2005).

Ao final de seu segundo mandato, Menem lan-çou uma campanha para que fosse realizada umanova modificação na Constituição, que lhe garan-tisse a possibilidade de candidatura ao terceiromandato consecutivo. Em vista das resistênciasno interior do próprio partido – dividido desde aseleições legislativas de 1997, em que o peronismofoi derrotado –, o Presidente teve que desistir desseprojeto político (NOVARO, 2006).

O enfraquecimento do peronismo contribuiupara elevar o descontentamento popular em rela-ção aos efeitos negativos das reformas neoliberais– aumento da pobreza, da concentração de rendae do desemprego – e às práticas de corrupçãodifundidas no governo. A UCR e a Frepaso10, osdois maiores partidos de oposição ao peronismona década de 1990, uniram-se na coalizão parti-dária denominada Alianza (Alianza por la Justicia,el Trabajo y la Educación). A Alianza capitalizouos votos dos eleitores insatisfeitos com o“menemismo”, e venceu as eleições presidenciaisde 1999. Foram eleitos De la Rúa, da UCR, para aPresidência, e “Chacho” Álvarez, da Frepaso, paravice-Presidente, recebendo 48,37% dos votosválidos (ARGENTINA, 2008b).

V. INSTABILIDADE POLÍTICA PÓS-MENE-MISMO, CRISE DE 2001 E RETORNO DOJUSTICIALISMO (1999-2007)

O crescimento político da Alianza deveu-se àdissipação do clima de emergência econômica, tra-zendo à tona o descontentamento da populaçãoem relação às práticas de corrupção presentes nomeio político. A promessa de manutenção da con-

9 Os sindicatos aliados ao governo haviam apoiado asprivatizações como moeda de troca para a posterior cola-boração com o governo nas negociações sobre a reformatrabalhista (ARMIJO & FAUCHER, 2002).

10 A Frepaso reunia dissidentes do justicialismo, do radi-calismo da Unidade Socialista etc. Dentre seus líderes, des-tacava-se o ex-peronista Carlos “Chacho” Alvarez, quehavia abandonado o Partido Justicialista em virtude de de-sentendimentos em relação à condução da política econô-mica de Menem. Álvarez liderou um grupo de deputadosconhecido como “Os Oito”, uma das únicas vozesdissonantes dentro do peronismo em relação ao Plano deConvertibilidade na gestão Menem (ROMERO, 2005).

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versibilidade e o apoio às reformas de mercadopermitiram que até mesmo os grupos empresari-ais superassem seus medos em relação a eventu-ais turbulências associadas à saída do peronismo(“menemista”) do poder. Os setores prejudicadospelas reformas econômicas, por seu turno, acre-ditaram que a Alianza ofereceria algumas corre-ções aos rumos da política econômica, reverten-do e/ou compensando suas perdas (CHERESKY,1998).

Contudo, o governo De la Rúa não foi capazde cumprir a promessa de “renovação” dos valo-res republicanos, tampouco de reversão do qua-dro de deterioração das condições econômicas esociais que atravessava o país. A Alianza enfren-tou grandes problemas para converter-se em umacoalizão governante.

A Frepaso abrangia diversas agremiações po-líticas que dificilmente poderiam coordenar suasações. Suas contradições acentuavam-se confor-me alguns dirigentes partidários passavam a re-forçar o apoio ao neoliberalismo (NOVARO, 2003).Pelo lado da UCR, o Presidente De la Rúa torna-va-se cada vez mais isolado. A concentração depoder nas mãos do Presidente, justificada pelacrise, serviu apenas para acentuar seu isolamentopolítico (NOVARO, 2006).

A crise da coalizão tornou-se patente com arenúncia do vice-Presidente “Chacho” Álvarez, em2000, após liderar uma campanha de denúncia decasos de suborno no Senado, vinculados à apro-vação da reforma trabalhista. Sem encontrar apoiodo Presidente – que, pelo contrário, ofereceu su-porte aos acusados –, o vice-Presidente optou porabandonar o governo, mas manteve formalmenteseu apoio à Alianza (idem, p. 286-287).

A recessão econômica, somada à incapacida-de do governo De la Rúa em atender às demandassociais, levou a um clima de insatisfação popular.A população tomou as ruas, no final de 2001, emprotestos que expressavam sua insatisfação coma classe política, simbolizada pela frase “que sevayan todos”, de rejeição à classe política. Naseleições legislativas de outubro de 2001, a derrotada Alianza foi contundente (ESCOLAR et alii,2002). Entre 1999 e 2001, a Alianza perdeu 59,7%de votos (TORRE, 2003).

Os problemas da coalizão governante agravar-se-iam nos meses seguintes, com a deterioraçãodas condições financeiras. O governo enfrentava

problemas nas contas públicas, mas não haviavontade ou apoio político para um eventual aban-dono do Plano de Convertibilidade.

No final de 2001, o governo De la Rúa anun-ciou o corralito, estopim para que a populaçãotomasse as ruas em manifestações contra mais detrês anos de recessão e taxas de desemprego dequase 20%. A população organizou suas manifes-tações por meio de piquetes – organizados pordesempregados – e “panelaços” (MOCCA, 2005).A pressão popular levou à renúncia do PresidenteDe la Rúa (MUSSA, 2002, p. 50).

Muitos analistas enfatizam que a crise de 2001poderia ter sido evitada caso o Plano deConvertibilidade houvesse sido abandonado. Noentanto, o regime cambial em vigor contava comamplo apoio dos diversos atores sociais: um even-tual abandono da paridade cambial e a conseqüentedesvalorização do peso levariam a perdas para fa-mílias, empresas e o próprio Estado, endividadosem dólares. Havia, portanto, um consenso em tornoda conversibilidade, que dificilmente seria desfei-to.

Ainda assim, uma coalizão política rival arti-culava-se durante a crise: no âmbito da UniónIndustrial Argentina (UIA), articulava-se umacoalizão opositora que visava substituir o regimede conversibilidade por um modelo centrado emum tipo de câmbio desvalorizado, que encarece-ria os bens importados, favorecendo a produçãodoméstica.

A renúncia de De la Rua, em dezembro de 2001,provocou um a vacância simultânea da Presidên-cia e da vice-Presidência. A Assembléia Legislativareuniu-se para escolher seu sucessor. O escolhi-do foi Adolfo Rodríguez Saá (PJ), então Gover-nador de San Luis, mediante um acordo segundoo qual ele manter-se-ia no poder por 90 dias, até arealização das novas eleições presidenciais. Noentanto, Rodríguez Saá mostrou o desejo de rom-per o acordo e cumprir o restante do mandato deDe la Rúa. Em apenas uma semana, em meio àsdivergências internas no PJ e aos protestos popu-lares, ele foi derrubado. Em sua curta passagempela Presidência, Rodríguez Saá deixou sua mar-ca. Declarou a moratória da dívida pública argen-tina, mas recusou-se a abandonar o regime deconversibilidade (TORRE, 2004).

Em 1º de janeiro de 2002, a AssembléiaLegislativa indicou Duhalde (PJ) para ocupar pro-

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visoriamente a Presidência, ocupando o cargodurante todo o restante do mandato de De la Rúa.Duhalde valeu-se de sua base de apoio para reali-zar a grande ruptura que se fazia necessária. Den-tre suas primeiras iniciativas, destaca-se a decla-ração do fim do Plano de Convertibilidade (idem,p. 172-175).

Duhalde assumiu a tarefa de estabilizar o paísnas esferas política, econômica e social. Inicial-mente, a equipe econômica (liderada pelo Minis-tro da Economia Jorge Remes Lenicov), oscilouentre a heterodoxia e a ortodoxia, cedendo às pres-sões de atores externos. Em maio de 2002, face ofracasso das tentativas iniciais de estabilizar a eco-nomia, Lenicov foi substituído por Lavagna, res-ponsável por lançar as bases necessárias para arecuperação econômica, que teve início no segun-do semestre de 2002.

O debate sobre a reforma foi levado a cabosomente com o colapso do regime de conversibi-lidade. Nesse contexto, Duhalde buscou formaruma coalizão que apoiasse as medidasemergenciais, envolvendo uma aliança entre go-verno, empresários e sindicatos, além de reinte-grar os novos atores sociais dentro dos canais decontato oficiais entre o Estado e a sociedade. Noâmbito legislativo, essa coalizão era composta poruma ampla base de apoio – que incluía desde po-líticos da UCR até partidários de Menem – cujosúnicos pontos de concordância eram o fim doPlano de Convertibilidade e do modelo neoliberaladotado na década de 1990 (FAUCHER &ARMIJO, 2004).

Um fator que tornava ainda mais complexa aconstrução de um ambiente necessário para a con-secução das medidas reformistas era a reduzidalegitimidade de origem do Presidente, figura mar-ginalizada dentro do próprio partido e não eleitapelo voto popular, mas por indicação do Congres-so. A debilidade política de Duhalde era tal que oPresidente chegou a condicionar sua permanên-cia no cargo ao cumprimento de condições con-sideradas necessárias para se dar prosseguimentoàs negociações com o FMI (MALAMUD, 2002,p. 1).

No entanto, a fragilidade do Presidente aca-bou por converter-se em um recurso importantepara a redução das expectativas dos atores soci-ais e pela conseqüente emergência de um apoiodifuso à governabilidade em um contextoemergencial (BOSOER, 2004). O Congresso apro-

vou a Lei de Emergência Pública e Reforma doRegime Cambial (no ano de 2002), que concedeuao Presidente um significativo grau de autonomianas relações com as empresas privatizadas. A que-bra de contratos foi duramente criticada pelos re-presentantes das empresas prestadoras de servi-ços de serviços privatizados (Argentina’s Economy:Poised for Growth?, 2003). Duhalde cedeu àspressões destas empresas11, permitindo algunsreajustes tarifários, como nos setores de energiae gás (AZPIAZU & SCHORR, 2003, p. 5).

Não se deve desprezar o fato de o fim do regi-me de conversibilidade ter resultado na tentativade desenvolver novas relações contratuais comas empresas privatizadas, revertendo alguns dosprivilégios concedidos na década de 1990 pelasgestões anteriores (idem, p. 3). Além disso, a“pesificação assimétrica” consistiu na tentativa dedistribuir os custos da desvalorização, de formamais ou menos eqüitativa, entre bancos, poupa-dores e devedores (NOVARO, 2006).

Os rumos da política cambial pós-conversibi-lidade foram definidos por Lavagna, que tomouposse como Ministro da Economia em maio de2002. A política cambial passou a girar em tornoda estratégia de manutenção do câmbio competi-tivo – na qual a cotação do peso era estimada emtorno de três unidades por dólar. Essa equivalên-cia coincidia com as demandas preexistentes dealguns setores da indústria nacional que haviamperdido competitividade sob o regime de conver-sibilidade. A postergação da renegociação dos con-tratos dos serviços públicos privatizados tambémesteve sempre próxima das demandas dos em-presários industriais, que temiam os impactos ne-gativos dos reajustes tarifários. Por fim, o conge-lamento dos salários convergia com as expectati-vas dos empresários nacionais (AZPIAZU &SCHORR, 2003, p. 3). Deve-se ter em vista que

11 As empresas prestadoras de serviços públicosprivatizados adotaram como estratégias: pressão sobre osgovernos de seus países de origem que, recorrendo ao FMI,poderiam pressionar o governo argentino, além das amea-ças de encerrar suas atividades no país, reduzir investimen-tos ou dispensar funcionários, declarar a moratória de suasdívidas e do recurso a tribunais internacionais (previstosnos Tratados Bilaterais para a Promoção de InvestimentosEstrangeiros firmados pela Argentina). Muitas empresasdescumpriram ainda as cláusulas contratuais referentes aonível de qualidade dos serviços prestados e negaram-se apagar as multas devidas (AZPIAZU & SCHORR, 2003,p. 6).

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A ARGENTINA ENTRE AS REFORMAS ECONÔMICAS NEOLIBERAIS

em virtude do contexto de mergência econômica,os sindicatos apoiaram o congelamento salarial,somando-se aos empresários na nova coalizão deapoio ao governo Duhalde (NOVARO, 2006).

Mesmo com a retomada do crescimento eco-nômico, diveras questões foram deixadas penden-tes, como a renegociação dos contratos com em-presas prestadoras de serviços públicosprivatizados, a recapitalização dos bancos, areestrutração da dívida em moratória e a inclusãoda população desempregada no mercado de tra-balho.

Duhalde não possuía legitimidade política paradefinir a nova relação de “ganhadores” e“perdedores” do novo contexto econômico, emvirtude de exercer o cargo provisoriamente apoi-ado por uma ampla e heterogênea coalizão políti-ca. Tendo que enfrentar novas mobilizações emanifestações sociais, ele optou por antecipar aseleições presidenciais, previamente marcadas paradezembro de 2003, para maio daquele ano.

O ex-Presidente Menem surgia como prová-vel candidato peronista para a disputa presidenci-al de 2003. Duhalde, a fim de evitar que o PJ lan-çasse seu adversário político como candidato,orquestrou uma manobra política que anulou aseleições internas do partido. Dessa forma, trêscandidatos peronistas concorreram à Presidência,sem o apoio formal do partido: Menem, Kirchnere Rodríguez Saá. Kirchner, o desconhecido Go-vernador da província de Santa Cruz, teve suacampanha embasada no apoio do então Presiden-te12 (TORRE, 2004).

Os resultados iniciais indicavam que as elei-ções seriam decididas no segundo turno, entreMenem (que recebeu 24,45% dos votos) eKirchner (escolhido por 22,24% do eleitorado)(ARGENTINA, 2008b). As pesquisas de opiniãorevelavam que o segundo turno polarizaria o voto“anti-Menem”. Menem, em vista a uma iminentederrota nas urnas, desistiu de sua candidatura,permitindo que Kirchner fosse declarado vence-dor (TORRE, 2004, p. 180-181).

Kirchner era considerado, no momento de suachegada ao poder, pelos observadores políticos epela população em geral, como um “governantefraco, submetido aos interesses de seu único apoiopolítico e suscetível a ficar enredado [...] nas vi-rulentas e intermináveis disputas internas doperonismo.” (BONVECCHI, 2004, p. 189). Elehavia tomado posse de forma inesperada, semsustentação popular ou apoio do próprio partido(TORRE, 2004).

A prioridade política do novo Presidente, logoque tomou posse, foi estabelecer sua liderançajunto ao partido e à opinião pública, além de cons-truir uma base de sustentação sólida no Congres-so (BONVECCHI, 2004, p. 189-195;BONVECCHI & GIRAUDY, 2007, p. 36-39).

Para De Luca (2007), o governo Kirchner foicaracterizado pela concentração de quase todasas decisões políticas nas mãos do Presidente, apoi-ado somente por um conjunto pequeno de cola-boradores. Quando alguns desses passaram a ofe-recer-lhe resistência – como Lavagna, contrário àpolitização de delicadas questões econômicas,como a renegociação da dívida em moratória –, oPresidente optou pelo seu afastamento. Além dis-so, conseguiu que o Congresso delegasse-lhe al-guns poderes em relação ao orçamento e recorreuabusivamente aos DNUs.

Kirchner buscou consolidar sua liderança po-lítica afastando-se da sombra do ex-PresidenteDuhalde, aproximando-se de políticos de distin-tas origens partidárias, mas com os quais possuíasemelhanças ideológicas. Essa estratégia ficouconhecida como “transversalidade”(BONVECCHI, 2004 p. 195).

A coalizão “transversal” construída porKirchner englobou setores peronistas e não-peronistas, aí incluídos ex-membros da Frepaso,nacionalistas de esquerda, social-liberais e social-democratas (UCR, PS, PI e Democracia Cristã),grupos “piqueteros” e sindicalistas com raízesperonistas (GODIO, 2006). A formação dessacoalizão nunca expressou-se em um programa degoverno sólido (MALAMUD, 2004).

A estratégia de Kirchner em relação aos gru-pos sociais em torno dos temas prioritários daagenda pública – reajustes de salários e preços,por exemplo – ocorreram a partir de canais dearticulação ad hoc. Não houve, portanto, uma ten-tativa de incoporar as demandas dos diversos ato-

12 Kirchner foi o terceiro e último nome procurado porDuhalde para compor a chapa para as eleições presidenci-ais (BONVECCHI, 2004). Anteriormente, surgiram comocandidatos prováveis os governadores das províncias deSanta Fe, Carlos Reutemann, e de Códoba, Juan Manuel dela Sota.

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Para além das linhas gerais do modelo econô-mico (câmbio competitivo, austeridade fiscal epolíticas de assistência aos desempregados), deve-se ter em vista que outras medidas tomadas pelogoverno (política de preços, tributação sobre asexportações etc.) geraram descontentamento en-tre aqueles que, à primeira vista, pareciam benefi-ciar-se com o novo modelo econômico.

O apoio do empresariado, particularmente daUnión Industrial Argentina (UIA) nunca expres-sou-se em um debate formalmenteinstitucionalizado em torno de um plano estratégi-co para a política econômica. Ele dava-se a partirde negociações ad hoc, ocorridas em resposta aprobemas conjunturais. Alternaram-se períodos deconfrontação aberta e períodos de diálogo seleti-vo com grupos empresariais (BOSCHI &GAITÁN, 2008).

Os bancos nacionais, por seu turno, tambémse desvincularam dos bancos estrangeiros tendoem vista a cooperação com o governo federal(BONVECCHI, 2004).

A política antiinflacionária resultou em reaçõesadversas entre os atores sociais. O controle de pre-ços, apesar de criticado por setores empresariais,não encontrou resistência formal. Pelo contrário, aUIA apoiou-a abertamente. O setor agro-pecuário,por sua vez, manifestou sua oposição: associaçõesdo setor realizaram paralisações no abastecimento

(BONVECCHI & GIRAUDY, 2007, p. 30). As re-tenções (tributações) sobre as exportações tambémdespertaram a oposição desse setor.

Já no que diz respeito às relações com os sin-dicatos, Kirchner buscou cooperar com essas or-ganizações, sem, contudo, incorporar quaisquerde seus membros ao governo (GODIO, 2006).Oscilaram períodos de cooperação e de confron-tação entre governo e sindicatos (BONVECCHI& GIRAUDY, 2007).

No que diz respeito ao reajuste das tarifas dosserviços públicos privatizados, o governo adotoua estratégia de postergar as negociações. Apesardos freqüentes recursos junto a cortes internaci-onais de arbitragem, não se chegou a uma solu-ção para o caso da reelaboração do arcabouço le-gal de operação dessas empresas, tampouco quan-to aos reajustes tarifários. Os empresários dessesetor mantiveram sua oposição ao governo du-rante todo o mandato de Kirchner.

VI. O GOVERNO ARGENTINO E O FUNDOMONETÁRIO INTERNACIONAL

A crise de 2001 consistiu em um marco nasrelações entre a Argentina e o FMI. Ao longo dadécada de 1990, o governo Menem havia logradoconstruir uma relação estreita com o Fundo que,após hesitações iniciais, apoiou o Plano deConvertibilidade até as vésperas de seu colapso.Com a chegada de Duhalde à Presidência em 2002,

res sociais no sentido de formação de um con-senso político a respeito da política econômica.Nesse sentido, a relação entre “ganhadores” e

“perdedores” sob o modelo de crescimento apoi-ado no “câmbio competitivo” não se traduziu noapoio automático ao Presidente.

QUADRO 2 – ARGENTINA: BENEFICIADOS E NÃO-BENEFICIADOS PELO NOVO MODELO ECONÔMICO

Fonte: autora.

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A ARGENTINA ENTRE AS REFORMAS ECONÔMICAS NEOLIBERAIS

o governo argentino oscilou entre uma perspecti-va de maior ou menor aproximação em relação oFundo, objetivando assinar o acordo consideradonecessário para assegurar a estabilidade econô-mica durante o período de transição política. Opessoal do organismo esperava que, após as elei-ções de 2003, fossem dados contornos mais pre-cisos às reformas previstas no acordo transitório.Kirchner, entretanto, chegou ao poder com umaproposta de política econômica diferente daquelatradicionalmente apoiada pelo Fundo. Além disso,sua estratégia para ampliar sua base de apoio in-terno (popular) incluía críticas ao FMI, atribuin-do-lhe parte da responsabilidade pela bancarrotado país na virada do século.

Menem recebeu forte apoio político do FMIdurante toda a sua gestão. As reformas neoliberaislevadas a cabo por seu governo refletiam-se emcritérios estabelecidos pelo mainstream do pensa-mento neoliberal, que apregoava a redução da atu-ação do Estado como solução para a promoçãodo crescimento econômico.

Durante a década de 1990, a Argentina haviasido retratada pelo FMI como um modelo a serseguido pelos demais países em desenvolvimentona direção das reformas neoliberais. De acordocom o então Ministro da Economia, Cavallo, asreformas econômicas implantadas durante o go-verno Menem foram elaboradas internamente, semqualquer influência do FMI. Ele reconhece quealgumas das medidas adotadas coincidiam comas “receitas” do organismo, mas destaca que ou-tras – em particular a política de juros elevados ea reforma monetária que instituiu o regime de con-versibilidade cambial – iam de encontro às suasrecomendações (CAVALLO, 2003).

Segundo Cavallo, o governo norte-americano– na época sob a gestão George Bush (pai) – “in-fluenciou de maneira decisiva” a opção de Menemde abandonar as políticas econômicas tradicional-mente peronistas (idem, p. 4. Tradução e itáliconossos). Essa influência não ocorreu diretamentesobre a elaboração da política econômica, mas pormeio da estratégia de política externa de então,que pretendia manter uma relação especial entre aArgentina e os Estados Unidos13. O governo ob-teve o apoio externo necessário para a execução

das reformas econômicas: pressionado pelo go-verno norte-americano, o FMI passou a cooperarcom o governo argentino, inclusive por meio daconcessão de empréstimos necessários para aimplantação do programa reformista (idem). Ogoverno norte-americano também expressou seuapoio ao Plano de Convertibilidade com a decisãode tornar a Argentina elegível para reestruturar suadívida no marco do Plano Brady (STARR, 1997).

O apoio declarado do FMI ao Plano deConvertibilidade, contudo, só veio à tona após acrise mexicana, em 1994-1995. A recuperação daeconomia argentina após um breve períodorecessivo, mantendo-se o vigor do modelo cam-bial fixo, foi decisiva para a modificação na orien-tação do FMI. A partir de então, o apoio do orga-nismo ao modelo econômico argentino seguiriairrestrito até o auge da crise financeira de 2001(BLUSTEIN, 2006).

Na Argentina, diferente de outros países emdesenvolvimento, a presença de missões do FMIfoi constante, não se restringindo a momentos decrise. Salienta-se que, no momento em que a eco-nomia expandia-se, a assistência não dizia respei-to à concessão de pacotes de ajuda financeira. Aatuação do FMI voltou-se predominantementepara a concessão do aval político necessário paraelevar a confiança do investidor (STARR, 1997)

Como visto anteriormente, a coalizão de sus-tentação ao governo Menem era composta porgrandes conglomerados nacionais e estrangeiros,credores e sindicatos. Nesse sentido, o processodecisório em torno da agenda econômica concen-trou-se em reformas favoráveis a esses grupossocioeconômicos: privatizações, abertura comer-cial e desregulamentação financeira. Todas essasreformas receberam o apoio irrestrito do FMI.

13 A condução da política externa do governo Menem,conhecida como “Nova Política Exterior”, tinha como nú-cleo a definição do interesse nacional em termos de desen-

volvimento econômico. Foi orientada pelo chamado “rea-lismo periférico”, que pretendia a re-inserção da Argentinano mundo desenvolvido, que teria abandonado por decisãoprópria em um dado momento histórico. Esse abandonoseria ilustrado pela adoção de uma política de competição econfrontação com os Estados Unidos. Segundo essa pers-pectiva, o atraso em relação aos países desenvolvidos po-deria ser revertido por meio de uma política exterior quepretendesse a construção e manutenção de uma aliança comos Estados Unidos, a fim de manter com este uma relaçãopreferencial. Nas palavras do então Ministro das RelaçõesExteriores, Guido di Tella, deveriam ser estabelecidas “re-lações carnais” com os Estados Unidos (BERNAL-MEZA& QUINTANAR, 2001; ARANDA, 2004).

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No entanto, segundo os representantes do or-ganismo, era necessário avançar ainda mais noprocesso reformista, incluindo reformas nas rela-ções trabalhistas e na previdência. Entretanto, aspropostas neoliberais, pelo menos nessas áreas,encontravam grande resistência em meio aos traba-lhadores, diretamente afetados por essas medidas.Os sindicatos consistiam em um pilar de sustenta-ção do governo, indissociável do peronismo. Porisso, a reforma da previdência foi aprovada somentede modo parcial, mantendo-se um regime dual deprevidência pública e privada. A reforma trabalhis-ta, por sua vez, foi amplamente resistida.

Para o FMI, a aprovação dessas reformas eraessencial para o estímulo ao investimento no paíse para o saneamento das contas públicas a médioprazo. Em relação a essa última questão – as fi-nanças públicas –, o FMI também defendia a con-secução de ajustes fiscais. Essa proposta, contu-do, era resistida pelo governo Menem. O sanea-mento das contas públicas dependia ainda de mo-dificações no sistema de co-participação dos re-cursos entre governo central e províncias. Entre-tanto, configuração do sistema político argentino,no qual os líderes provinciais exercem poder deveto, constrangia as ações do governo Menem emtorno desse tipo de reforma.

O enfraquecimento da liderança de Menem aolongo do seu segundo mandato esfriou o esforçoreformista. Ainda assim, o apoio do FMI foi man-tido, traduzindo-se na revisão sistemática dasmetas fiscais, permitindo os déficits fiscais. Essecomportamento deve ser compreendido no con-texto da pressão política exercida pelo governodos Estados Unidos, que apoiava o governo ar-gentino na execução de “políticas muito simpáti-cas ao sistema bancário internacional”(KLAGSBRUNN, 2006, p. 10.

Com a eleição de De la Rúa, o apoio ao modeloneoliberal e ao Plano de Convertibilidade foi man-tido. O FMI manteve seu respaldo ao governo Dela Rúa, concedendo um novo pacote de ajuda fi-nanceira em 2000, a chamada “blindagem finan-ceira”. Com esse pacote, pretendia-se manter opagamento dos juros da dívida em dia e atrair osinvestidores (DE LA RUA’S SURPRISE FORARGENTINA, 2000). No entanto, a sucessiva li-beração de recursos financeiros não foi capaz derecuperar o acesso do país ao mercado financei-ro (MUSSA, 2002).

De la Rúa chegou ao poder em momento derecessão econômica e, livre das amarras do mo-vimento sindical – o radicalismo não mantém vín-culos orgânicos com o movimento sindical, talcomo o peronismo –, viu-se livre para aprovar areforma trabalhista, em 2000. Segundo os defen-sores do neoliberalismo, aí incluído o FMI, a re-forma reduziria o peso dos encargos trabalhistase estimularia o investimento. A longo prazo, o cres-cimento econômico reduziria as elevadas taxas dedesemprego no país que eram atribuídas, justa-mente, à rigidez das relações trabalhistas.

A reforma trabalhista foi marcada por denún-cias de suborno para a sua aprovação no Senado.Essas denúncias foram lideradas pelo próprio vice-Presidente, “Chacho” Álvarez, que optou por aban-donar o governo (AFTER ALVAREZ: ARGEN-TINA’S WOBBLING ALLIANCE, 2000).

De la Rúa viu-se enfraquecido politicamente.Eleito a partir de uma plataforma de defesa dosideais republicanos e de combate à corrupção, seugoverno perdeu legitimidade frente à opinião pú-blica. Os desafios do seu governo, contudo, per-maneciam enormes: a recessão econômicaaprofundava-se e o mercado financeiro permane-cia volátil. Para conter a recessão e recuperar aconfiança dos investidores, De la Rúa estabeleceucomo prioridade da agenda pública a defesa doPlano de Convertibilidade e a manutenção do pa-gamento da dívida pública.

Salienta-se que, com o prosseguimento domodelo de crescimento baseado na captação depoupança externa, a confiança do investidor ad-quire centralidade para a sustentabilidade da eco-nomia. Sob um regime de câmbio fixo, o Presiden-te não poderia recorrer aos instrumentos da políti-ca monetária e cambial para conter a recessão.Restou-lhe a opção pelo ajuste fiscal. Cortes degastos e investimentos públicos, que chegaram aincluir reduções na folha de pagamento (cortes desalários, pensões e aposentadorias) foram os mei-os empregados para assegurar-se o pagamento dadívida pública e o repasse de recursos às provínci-as. Em um contexto recessivo e de empobrecimentoda população, o corte de gastos sociais contribuiupara elevar o descontentamento popular.

Enfraquecido internamente, De la Rúa conta-va com o apoio externo para manter suas políti-cas emergenciais, formando um equilíbrio políti-co frágil que o mantinha no poder. O prossegui-

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mento da situação econômica e a rejeição popularà classe política levaram à derrota expressiva daAlianza nas eleições legislativa de outubro de 2001.

No âmbito externo, as condições tambémmodificavam-se. A vice-Diretora-Gerente do FMI,Anne Krueger, apresentou, no segundo semestrede 2001, a proposta de criação de um novo mo-delo de reestruturação de dívidas soberanas, naqual o FMI adquiria centralidade na intermediaçãodas relações entre países devedores e credoresprivados. Segundo o então Ministro Cavallo, oanúncio da proposta, embora não diretamente re-lacionada com o caso argentino, alimentou a per-cepção dos investidores de que o fim do Plano deConvertibilidade e a moratória da dívida estavampróximos.

Deve-se frisar que a proposta de Krueger nãofoi aceita nem pelos países-membros do FMI nempelos credores privados. O Secretário do Tesou-ro norte-americano, Paul O’Neill, propôs um me-canismo rival, que reduzia o papel do FMI naintermediação das relações entre credores e paí-ses devedores, oferecendo uma proposta“contratual”. Segundo a sua proposta, a emissãode títulos da dívida vincular-se-ia a cláusulas re-ferentes a eventuais casos de moratória (MEN-DONÇA, 2003).

Essa proposta insere-se no viés ideológico dosmembros do governo Bush, favoráveis a umaabordagem ainda mais liberal das relações econô-micas. Para o governo Bush, a atuação do FMIcomo prestamista de última instância incentivavao comportamento irresponsável de países deve-dores e de credores privados, isto é, incentivavao risco moral. Segundo sua avaliação, o dinheirodos contribuintes norte-americanos não deveriaser empregado em socorro a governos que adota-ram medidas fiscais imprudentes que acabarampor levar à insolvência da dívida pública. Alémdisso, o FMI não deveria agir em defesa de inves-tidores que compraram papéis de alto risco embusca de retornos exorbitantes. Credores e deve-dores agiram por sua própria conta e risco e, por-tanto, deveriam ser responsabilizados pelos seusatos (HELLEINER, 2005).

A redefinição dos interesses no âmbito inter-nacional levou o FMI a determinar o fim do apoioà Argentina, dada a insustentabilidade do Plano deConvertibilidade e do perfil do endividamento pú-blico argentino. A concessão de novos recursos àArgentina, além de não resolver os problemas fun-

damentais do modelo econômico, levaria somen-te ao aumento da exposição financeira do FMI emrelação ao país, que poderia ver os argentinos ne-garem-se a pagar suas dívidas.

A retirada do apoio externo concretizou-se emnovembro de 2001. A corrida aos bancos prosse-guia, levando o governo De la Rúa a anunciar ocorralito, estopim para a mobilização popular quelevou à sua renúncia.

Seu sucessor, Duhalde, buscou restabelecerrelações com o FMI logo após tomar posse. Oapoio externo era considerado fundamental parao retorno do fluxo de financiamento externo. Essefluxo assumia centralidade em razão do tamanhoreduzido do mercado financeiro doméstico no país.Sem investimento, a atividade produtiva não po-deria retomar seu crescimento (FERNÁNDEZALONSO, 2006).

A reaproximação com o FMI, como era deesperar-se, ocorreu em um contexto conturbado.As primeiras iniciativas tomadas por Duhalde,como a introdução do câmbio dual – conhecidocomo “pesificação assimétrica” – e o congelamen-to das tarifas dos serviços públicos privatizadosforam algumas das medidas criticadas pelo pes-soal do FMI. Na sua avaliação, essas medidascontribuíam para reduzir ainda mais a confiançados investidores nos setores financeiro e produti-vo, em um contexto de moratória. Segundo essaperspectiva, bancos estrangeiros e empresasprestadoras de serviços públicos privatizados nãosomente deixariam de investir na Argentina, comopoderiam deslocar suas atividades para outrospaíses (idem).

O governo Duhalde cedeu às pressões do FMIe unificou a taxa de câmbio. Em seguida, a cota-ção do dólar disparou no mercado de câmbio,gerando perspectivas negativas quanto à recupe-ração da economia argentina. Segundo o próprioFMI, a Argentina atravessaria um longo períodode recessão econômica e de hiperinflação (idem).

A deterioração do cenário econômico levou àqueda do então Ministro da Economia, RemesLenicov. Para substituí-lo, Duhalde indicouRoberto Lavagna, crítico antigo do regime cam-bial fixo vigente na década de 1990 e do modeloeconômico baseado na captação de poupança ex-terna. Lavagna introduziu um novo modelo cam-bial, conhecido como “câmbio competitivo”, vi-sando estimular as exportações e promover a in-dustrialização substitutiva de importações.

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A manutenção do câmbio desvalorizado e ocongelamento das tarifas dos serviços públicosprivatizados atendiam a demandas antigas doempresariado nacional, particularmente de seto-res ligados à Unión Industrial Argentina. Essessetores integraram-se à ampla e heterogênea coa-lizão de apoio ao governo Duhalde.

Os resultados do novo modelo cambial nãoforam imediatos. Diante do prosseguimento dacrise, o FMI continuou pressionando o governoDuhalde durante todo o ano, para que fossemintroduzidas medidas mais enérgicas para areestruturação do marco regulatório de operaçãodas empresas prestadoras de serviços públicos,enfatizando a necessidade de reajustarem-se astarifas. Também demandava pela aceleração dascompensações aos bancos prejudicados pela“pesificação” assimétrica, mesmo sob o argumentodo governo Duhalde de que essas medidas já vi-nham sendo implementadas.

A introdução de tributos sobre as exportaçõesde determinados bens agro-pecuários também foicondenada pelo FMI. Na sua avaliação, essa tri-butação inibia o crescimento das exportações ar-gentinas, que seriam o pilar do novo modelo decrescimento econômico do país. Para os repre-sentantes do governo Duhalde, tratava-se de umaincoerência na posição do FMI, que pressionavapelo saneamento das contas públicas.

Na área fiscal, o FMI demandava pela refor-ma das relações intergovernamentais, incluindo areforma do sistema de co-participação de recur-sos com as províncias. Em um contexto no qualos governadores provinciais adquiriam centralidadenas relações políticas, essas proposta não encon-trava entrada na agenda pública do país.

A frágil liderança de Duhalde, que ocupava aPresidência e respondia aos interesses de umaampla coalizão de apoio, impedia a definição deuma estratégia consistente nas negociações como FMI. O Presidente oscilava entre o apoio àsdemandas do organismo – por diversas vezes,Duhalde atrelou sua permanência no cargo ao aten-dimento, pelo Congresso, de demandas do FMI –e à confrontação aberta com o organismo, pornão apoiar as medidas do governo na área econô-mica.

Os governadores provinciais assumiramcentralidade nas relações com o FMI. Sua atua-ção tornou-se clara já no começo de 2002, quan-

do Duhalde havia optado por romper relações como FMI. Muitos governadores provinciais pressio-naram o governo central para que as negociaçõescom o Fundo fossem retomadas. Nesse contex-to, firmou-se com os Governadores provinciais achamada “Declaração dos Quatorze Pontos”, do-cumento que pretendia determinar a orientação dapolítica econômica do país, atendendo a algunsdos reclamos do FMI (idem). Este documentoexpressava o poder dos Governadores provinci-ais vis-à-vis o Presidente, uma vez que ia na dire-ção contrária daquela anunciada por Duhalde, queapontava para o afastamento em relação ao Fun-do (NEW MAN, OLD WOES. 2002).

Mesmo com a retomada do diálogo, FMI en-durecia progressivamente as “condicionalidades”associadas à aprovação de um acordo com o go-verno Duhalde (DUHALDE HEADS FOR THEDOOR, 2002). O organismo, enfraquecido politi-camente, vacilava na definição de seus novos ru-mos de atuação. Preocupava-se com a reduçãoda exposição financeira frente à Argentina e redu-zia seu escopo de atuação a casos de crises do-mésticas que não possuíam potencial para gerarcrises sistêmicas.

A atuação do governo norte-americano, sob agestão Bush, influenciou de modo decisivo as ne-gociações entre o governo argentino e o FMI.Embora o pessoal do organismo pretendesse en-durecer as condicionalidades associadas à assina-tura de um acordo com a Argentina, a linha ideo-lógica assumida pelo governo dos Estados Uni-dos determinou a modificação da atuação do FMI,em favor da redução de sua intromissão em as-suntos ligados à política econômica doméstica(HELLEINER, 2003).

A legitimidade do FMI sofreu um novo abalocom a retomada do crescimento econômico ar-gentino, não prevista pelo organismo. Em 2003, oacordo provisório acabou por ser firmado, contra-riando as recomendações do pessoal do organis-mo. A decisão pelo acordo foi tomada pelos paísesdo G-7, especialmente Estados Unidos, França eItália. O acordo firmado não definia metas relativasàs reformas estruturais, deixadas pendentes paraas negociações entre o FMI e o Presidente que vi-esse a suceder Duhalde (THE IMF CLIMBSABOARD; ARGENTINA’S ECONOMY, 2003).

As eleições, marcadas para maio de 2003, de-finiram a vitória de Kirchner. Durante sua gestão,a nova coalizão governante ganhou contornos mais

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precisos, e a concessão de centralidade ao setorindustrial voltado para o mercado doméstico con-sistiu a base de sustentação do governo Kirchner.

A linha de exclusão de setores socioeconômicosna coalizão de sustentação ao governo Kirchnertambém adquiriu contornos mais precisos: ban-cos e empresas prestadoras de serviços públicosprivatizados na década de 1990 sofreram confron-tação aberta de Kirchner. O Presidente responsa-bilizou-os pela sustentação do modelo econômiconeoliberal que culminou na crise de 2001. Credo-res da dívida também foram incitados a assumirresponsabilidade pela compra de papéis da dívidaargentina, considerados de alto risco, em razãodos retornos propiciados pela elevada taxa de ju-ros atrelada os mesmos.

Esses atores perderam o poder de veto quepossuíam sobre o sistema político argentino, oque exerceu influência decisiva sobre as relaçõesentre o governo Kirchner e o FMI, defensor dosinteresses de atores com vínculos internacionais14.

A tensão entre o governo Kirchner e o FMIem torno dessas questões ficou patente duranteas negociações. Quando Köhler esteve na Argen-tina, em junho de 2003, o Presidente Kirchnerdeclarou ao Diretor Gerente do Fundo que a prio-ridade do governo era o crescimento econômico,e não o ajuste fiscal. Além disso, garantiu que sófirmaria acordos que fosse capaz de cumprir e,igualmente importante, disse a Köhler que o FMIera em grande parte responsável pela crise argen-tina (FIRST BLOWS, 2003).

Segundo o pessoal do FMI, o novo governodemorou a deslanchar sua estratégia para a recu-peração econômica para o médio prazo: “O Presi-dente falou repetidamente sobre a importância queele concede à Argentina distanciar-se de medidaseconômica orientadas pela crise, e para normali-zar as relações e políticas econômicas. No entan-to, em questões sensíveis como tarifas de servi-ços públicos, compensações aos bancos e credo-res externos, muitos na Administração parecemter adotado uma linha relativamente dura.”(INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2003,p. 7).

Segundo o pessoal do FMI, tratava-se de umaestratégia para a elevação da base de apoio popu-lar do Presidente Kirchner (idem).

Não obstante as divergências, as negociaçõestiveram prosseguimento. Kirchner manifestou suaintenção em reestruturar a dívida pública em mo-ratória desde 2001, considerada essencial para aretomada do financiamento à Argentina, susten-tando seu forte crescimento econômico a médioe longo prazos.

As discussões centraram-se em torno da defi-nição das metas de superavit fiscal, consideradasindispensáveis pelo FMI para a elaboração de umaproposta viável de reestruturação da dívida públi-ca. No entanto, Kirchner negou-se a estabelecer ameta de superavit primário acima de 3% do PIB,como requerido pelo FMI. O Presidente afirmouque só aceitaria acordos que pudesse cumprir:“[estreitando] seus próprios limites para a nego-ciação, [ao anunciar] de antemão e publicamentea recusa a qualquer acordo que forçasse o país arestringir a demanda agregada, argumentando queisso interromperia o processo de reativação eco-nômica. [...] Kirchner traçou, explicitamente, li-mites estritos ao poder negociador do ministro daEconomia, Roberto Lavagna.” (BONVECCHI,2004, p. 198).

Inicialmente, Kirchner adotou como estraté-gia anunciar que só entraria em negociação comos credores privados uma vez fechado o acordocom o FMI, elevando, ao mesmo tempo, seu po-der de barganha vis-à-vis os negociadores doFundo e os credores (HELLEINER, 2005).

O FMI ofereceu resistência: “Por um lado, ostaff [...] manifestou seu pessimismo quanto àsustentabilidade do esquema de transferênciasexternas proposto pela Argentina. Por outro lado,

14 Produtores de bens agro-pecuários também foram sis-tematicamente excluídos dos canais de diálogo com o go-verno Kirchner. Esses atores sentiam-se prejudicados pelamanutenção das “retenções”, introduzidas no governoDuhalde, e pela política de congelamento de preços dosalimentos no mercado doméstico. Em uma oportunidade, ogoverno Kirchner chegou a impedir a exportação de algunsgêneros alimentícios, a fim de conter os preços no mercadodoméstico. Embora a oposição ruralista adquira centralidadepara a compreensão das relações governo-oposição nokirchnerismo (aí incluída a gestão da esposa e sucessora deNéstor Kirchner, Cristina Fernández de Kirchner), as de-mandas desse setor possuem importância marginal para aanálise das relações entre o governo Kirchner e o FMI.Uma explicação plausível é que o setor ruralista é essenci-almente doméstico. O FMI esteve preocupado com gru-pos sócio-econômicos com vínculos internacionais: a mai-or parte dos bancos, empresas prestadoras de serviçospúblicos privatizados e credores eram estrangeiros.

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os membros europeus do Comitê Executivo doorganismo exigiram, apoiados por outros paísescentrais, um nível maior de superávit, o reiníciodos pagamentos aos credores privados em 2004e um aumento de tarifas dos serviços públicosprivatizados” (BONVECCHI, 2004, p. 198).

Quando as negociações em torno do acordopareciam finalmente estar chegando a um con-senso, o pessoal do Fundo re-introduziu algumasquestões na pauta de discussões: “Havia sido es-tabelecido que as transferências líquidas de fun-dos entre as partes seriam equivalentes a zero,mas o FMI pretendia reduzir sua exposição emrelação à Argentina e para isso exigia que hou-vesse demora entre os pagamentos do país e adevolução do dinheiro por parte do organismo –de modo que a contabilidade do Fundo refletis-se, em um dado momento, uma menor exposi-ção. Nessa exigência, colocada no último mo-mento, o Presidente encontrou a oportunidadepara incluir plenamente o acordo com o FMI emsua cruzada regeneradora: instruiu Lavagna, queera contra isso, que recusasse o pedido do orga-nismo, forçou o não-cumprimento da data devencimento, encobriu suas causas repetindo ar-gumentos já superados na negociação e, só quan-do esse ato tinha deixado claro seu papel de de-fensor da dignidade nacional frente aos credorese às empresas de serviços públicos, cedeu àsexigências e assinou o acordo, elogiado por serconsiderado como possível de ser cumprido”(idem, p. 199).

Lavagna recorreu ao governo norte-america-no, solicitando a intervenção do Departamento deTesouro para impedir o bloqueio das negociações,enquanto Kirchner, em 9 de setembro, optou pornão pagar a dívida que vencia naquele dia. Osgovernos dos países do G-7 cederam à pressãodo governo argentino, defendendo a aprovação doacordo no estágio em que se encontravam as ne-gociações. A meta de superavit primário foi esti-pulada em 3% do PIB, como requerido pelo go-verno, o que, na avaliação das autoridades argen-tinas, era compatível com as perspectivas de cres-cimento e redução da pobreza (idem).

Outro ponto considerado central pelo pessoaldo Fundo – o aumento das tarifas dos serviçospúblicos privatizados – foi deixado de fora do acor-do. Segundo os representantes do organismo, essarevisão incentivaria o retorno dos investimentosao país, mas Kirchner argumentou que o Fundo

não poderia fazer lobby para setores específicos.Também não estavam incluídas medidas de com-pensações aos bancos pela “pesificação”assimétrica (NÉSTOR KIRCHNER’S NIMBLECOOKERY, 2003).

As demandas por reformas estruturais nãoencontravam eco na agenda pública do governoKirchner. Por isso, as revisões do acordo aponta-vam para o não cumprimento da promessa dedefinição das reformas estruturais. Deve-se sali-entar que as metas quantitativas definidas no acor-do foram atingidas, geralmente com folga. O for-te crescimento permitia a consecução dessas me-tas, ao mesmo tempo em que fornecia argumen-tos ao governo sobre a correção do modelo eco-nômico adotado e o rechaço da necessidade deimplementação de reformas.

A sistemática recusa do governo Kirchner aimplementar estas reformas levou o FMI, apoia-do pelos representantes do G-7, a vincular a apro-vação da terceira revisão do acordo, em 2004, àimediata execução dessas reformas, além damelhoria na proposta de reestruturação da dívidae ao reajuste das tarifas dos serviços públicosprivatizados, o que foi rejeitado pelo governo ar-gentino (FERNÁNDEZ ALONSO, 2006).

O novo Diretor Gerente do FMI, RodrigoRato15, optou por adiar a aprovação dessa revi-são. O governo Kirchner buscou novamente oapoio norte-americano, mas dessa vez suas tenta-tivas não surtiram o efeito desejado. Em seguida,o Presidente optou por suspender o acordo como FMI. Dessa forma, além de engajar-se no pro-cesso de reestruturação da dívida sem aintermediação do organismo, o país ainda iria de-parar-se, no mesmo ano, com vencimentos dedívidas contraídas junto ao organismo, sem quehouvesse os reembolsos previstos no programasuspenso. Pressionado, Rato visitou o país, che-gando a um acordo (informal) com as autorida-des argentinas: o pagamento das obrigações como Fundo seria mantido, mas o processo dereestruturação da dívida não contaria com qual-quer intermediação do organismo (idem). Em de-zembro de 2005, o governo anunciou que pagariaantecipadamente suas dívidas com o Fundo.

15 Rato assumiu a Diretoria Executiva do FMI em 7 dejunho de 2004. No hiato entre a gestão Köhler e Rato,Krueger exerceu as funções de Diretora Executiva do FMI.

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VII. CONCLUSÕES

As relações entre a Argentina e o FMI apre-sentaram um ponto de inflexão a partir do gover-no Kirchner, eleito em 2003. Sua estratégia denegociação ganhou contornos nacionalistas, maisprecisos em comparação àquela adotada porDuhalde, e determinou uma ruptura em relação àsrelações mantidas pelos governos Menem e De laRúa em relação ao FMI. Essa modificação foi pro-porcionada por transformações nas ordens domés-tica e internacional.

Nenhuma dessas esferas foi capaz de deter-minar a modificação da estratégia argentina nasnegociações com o FMI durante o governoKirchner. A inter-relação entre as dimensões do-méstica e internacional é a chave da explicaçãodos fatores condicionantes dos resultados dessasnegociações.

No âmbito doméstico, a emergência de umanova coalizão governante, que concedeucentralidade ao setor empresarial voltado para omercado doméstico, que apóia um modelo cam-bial competitivo, definiu quais interesses foramincluídos na agenda definida pelo governo Kirchnerno engajamento das negociações com o FMI. Se-tores com vínculos internacionais, como credo-res da dívida, bancos estrangeiros e firmasprestadoras de serviços públicos privatizados per-deram o poder de veto sobre o sistema políticoargentino, e viram seus interesses excluídos no

processo decisório em matéria de política econô-mica.

No âmbito internacional, o FMI viu-se envoltopor uma crise de legitimidade, derivada do fra-casso do modelo neoliberal apoiado durante a dé-cada de 1990 e da mudança da orientação ideoló-gica do governo George W. Bush em favor dolaissez-faire. O escopo de atuação do FMI na con-cessão de pacotes de resgate financeiro, a intro-missão na agenda econômica dos países em de-senvolvimento e a intermediação das relações en-tre esses países e credores privados foi reduzido,em razão da orientação definida pelos EstadosUnidos.

O FMI do começo do século XXI não é omesmo da década de 1980: seu poder de barga-nha vis-à-vis os países em desenvolvimento, aíincluída a Argentina, reduziu-se significativamen-te. A necessidade de reforma do sistema financei-ro internacional, tão defendida pelos países emdesenvolvimento, ganham destaque nas discus-sões também nos países em desenvolvimento apartir da crise financeira de 2008. O FMI não écapaz de fornecer os instrumentos necessáriospara a resolução da crise. Os países do G-7 en-frentam grandes dificuldades para coordenar suasações em um contexto de crise, não somente dasfinanças propriamente ditas, como também doregime financeiros internacional em sua dimen-são normativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 33: 231-236 JUN. 2009ABSTRACTS

ARGENTINA: BETWEEN NEOLIBERAL ECONOMIC REFORM AND REDEFINITIONSOF NEGOTIATIONS WITH THE IMF (1989-2007)

Roberta Rodrigues Marques da Silva

The purpose of this article is to provide an analysis of the influence of economic crisis on theformation of new political coalitions in Argentina as they emerged in the 2000s, and how the latterhave led to a break with the economic policy established by the Menem and De la Rua governments.These transformations permitted a change in the Kirchner government strategies in relation to theInternational Monetary Fund (IMF), leading to a harsher Argentine position that has resisted IMFpositions. The economic policies sustained by the Duhalde and Kirchner administrations have takena competitive foreign exchange model as their basis, substituting the exchange regime that was invigor during the 1990s, and has been able to rely on entrepreneurial groups working within thedomestic market favored by the peso’s devaluation. These governments’ proposal for promotingeconomic growth excluded actors with external ties linked to the coalitions that supported the Menemand De La Rua administrations. Among those excluded were the creditors who had held governmentsecurities in default since 2001 and firms who provided subcontracted public services during the 1990sand received IMF support. This explains why negotiations with the IMF during the Kirchner administrationwere marked by impasses and why Argentine negotiators were able to show such firmness.Transformations on the international scene also had a heavy impact on Kirchner government negotiationswith the IMF. With George W. Bush’s election as president of the US in the year 2000, North Americansupport for IMF loan concession to developing countries was weakened. The Republican governmentdefended a further reduction in the IMF role in mediating negotiations between debtor countries andprivate creditors. The Argentine government felt that at this point it would be able to dispense with theintermediary role of international financial institutions in negotiation of public debt.

KEYWORDS: Argentina; coalitions; neoliberalism; Néstor Kirchner; IMF.

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INTEGRATION AND DEVELOPMENT IN MERCOSUL: DIVERGENCES ANDCONVERGENCES IN LULA AND KIRCHNER GOVERNMENT ECONOMIC POLICIES

Javier A. Vadell, Bárbara Gomes Lamas and Daniela M. de F. Ribeiro

The early 21st century is witness to the rise to power of new leftist and center-left governments inSouth America which have at least two common traits: the questioning of pro-market policies andreforms which were carried out over the preceding decade and the return of the State as a centralactor in economic life. In spite of this convergence, a deeper analysis would allow us to perceive acertain heterogeneity in the programmatic and organizational character of the new progressivegovernments. In this regard, we propose an analysis of the responses to the crisis of neo-liberalismthat the Brazilian and Argentine governments have provided, placing special emphasis on economicdevelopment policies and their implications for regional integration. This more systematic analysisenables us to see that Argentina and Brazil have made different choices regarding what type ofpolicies they have adopted. Brazil has resorted to more orthodox practices such as restrictive monetarypolicies meant to contain inflation, while Argentina has preferred more heterodox methods such asprice controls and export restriction, as well as other policies that encourage consumption. To acertain degree, the differences between the choices made can be attributed to the very economicand political trajectory of each country: pro-market reforms were more intense in Argentina than inBrazil, which meant, regarding productive structure, greater de-industrialization and the extinction ofseveral developmentalist institutions.

KEYWORDS: Argentina; Brasil; development policy; regional integration; comparative economic policy.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 33: 239-245 JUN. 2009RÉSUMÉS

L’ARGENTINE ENTRE LES RÉFORMES ÉCONOMIQUES NÉOLIBERALES ET LAREDÉFINITION DES NÉGOCIATIONS AVEC LE FMI (1989-2007)

Roberta Rodrigues Marques da Silva

Cet article a pour objectif d’analyser l’influence de la crise économique sur la formation de nouvellescoalitions politique dans l’Argentine des années 2000, qui ont mené à la rupture de la politiqueéconomique adoptée par les gouvernements Menem et De la Rúa. Ces transformations ont favoriséun changement dans la stratégie du gouvernement Néstor Kirchner concernant les relations avec leFonds Monétaire International (FMI), ce qui a engendré une position plus dure de la part dugouvernement argentin et un rejet des positions du FMI. La politique économique soutenue par lesgouvernements Duhalde et Kirchner s’est appuyée sur le régime de change compétitif, à la place durégime de conversion en vigueur dans les années 1990, et comptait sur l’appui des groupesd’entrepreneurs orientés vers le marché domestique, mieux lotis en fonction de la dévalorisation du« peso ». La proposition de ces gouvernements pour la relance économique a supprimé des acteursayant des liens étrangers, qui participaient à des coalitions d’appui sous Menem et De la Rúa. Parmiles exclus, figuraient les créanciers ayant des papiers de la dette en moratoire depuis 2001 et lesentreprises offrant des services publics qui avaient été privatisées dans les années 1990 et qui ontreçu appui du FMI. Ces raisons expliquent le fait que les négociations avec le Fonds pendant legouvernement Kirchner ont été marquées par des impasses et par l’attitude énergique de la part desnégociateurs argentins. Des transformations dans le contexte international ont également eu desimpacts sur les négociations du gouvernement Kirchner avec le FMI. Avec l’élections de George W.Bush aux États-Unis, en 2000, l’appui nord-américain à la concession d’emprunts du Fonds à despays en développement s’est affaibli. Le gouvernement républicain a encore prôné la réduction durôle du FMI dans l’intermédiation des négocitions entre les pays endettés et les créanciers privés.Ainsi le gouvernement argentin sentait qu’il pouvait, dans ces conditions, s’affranchir de l’intermédiationdes institutions financières internationales dans les négociations concernant la dette publique.

MOTS-CLÉS : Argentine ; coalitions ; néolibéralisme ; Néstor Kirchner ; FMI.

* * *

INTÉGRATION ET DÉVELOPPEMENT DANS LE MERCOSUR : DIVERGENCES ETCONVERGENCES DANS LES POLITIQUES ÉCONOMIQUES SOUS LESGOUVERNEMENTS LULA ET KIRCHNER

Javier A. Vadell, Bárbara Gomes Lamas et Daniela M. F. Ribeiro

Le début du XXIème siècle est témoin de l’ascension au pouvoir de nouveaux gouvernements degauche et de centre-gauche en Amérique du sud, qui ont au moins deux caractéristiques en commum :la mise en question des politiques et réformes favorables au marché survenues dans les annéesprécédentes et le retour de l’État en acteur central de la vie économique. En dépit de ce pointcommum, une analyse plus approfondie nous permet de remarquer cette hétérogéneité de natureprogrammatique et organisationnelle des nouveaux gouvernements progressistes. En ce sens, nousproposons d’analyser les réponses données par l’Argentine et le Brésil à la crise du néolibéralisme,en soulignant les politiques économiques pour le développement et ses retombées concernantl’intégration régionale. Cette analyse plus pointue nous permet de comprendre que l’Argentine et leBrésil ont fait des choix différents en ce qui concerne le type de politique à adopter. Le Brésil a faitappel à des actions plus orthodoxes, comme les politiques monétaires restrictives pour contrôler lesexpectatives d’inflation, tandis que l’Argentine a préféré les mesures hétérodoxes, comme le contrôlede prix et la restriction aux exportations, ainsi que d’autres politique d’encouragement à laconsommation. D’une certaine façon, la différence entre les choix peut être attribuée à la trajectoireéconomique elle-même et à la politiques des deux pays : les réformes en faveur du marché, par