A AGROEOCOLOGIA EM IRATI: CONSTRUINDO ESPAÇOS DE DEBATE E RESISTÊNCIA Fernanda Keiko Ikuta 1 , Rafael Eduardo Machado 2 , Fabio Caian de Jesus 3 , Anne Geraldi Pimentel 4 , Zaqueu Luiz Bobato 5 Resumo Entre o agronegócio baseado na monocultura voltada para a exportação (de grãos ou madeiras) e a agricultura familiar inserida no mercado e quase sempre tecnificada, empresarial e dependente (a exemplo da fumicultura), ambos geradores de uma série de conflitos sociais e ambientais (degradação do trabalho e do meio ambiente), está a Agroecologia praticada pelos camponeses que enfrentam os conflitos e os desafios colocados por este cenário hegemônico. Considerando este contexto do campo em Irati, nos colocamos, neste texto, o objetivo de analisar e contextualizar a Agroecologia no município e região a partir da experiência da Feira Agroecológica da UNICENTRO. Mais que apontar os objetivos e as ações da experiência deste projeto de extensão universitária buscamos ainda analisar o papel, as características, os desafios, as conquistas e os conflitos enfrentados pelos agroecologistas locais. Palavras-chaves: agroecologia, agronegócio, Reforma Agrária, Soberania Alimentar, extensão universitária Introdução A Feira Agroecológica da UNICENTRO é um projeto de extensão universitária instituído pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). O projeto teve início em 2009 nos Campus CEDETEG e Santa Cruz e em maio de 2014 se estende para o Campus de Irati. Para além da promoção de espaços de comercialização de alimentos agroecológicos e artesanais de pequenos produtores, o projeto tem como objetivo criar espaços de diálogo e troca de experiências e saberes entre a universidade e a comunidade. 1 Docente do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected]. 2 Acadêmico do Curso de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected]. 3 Acadêmico do Curso de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected]. 4 Docente do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected]. 5 Docente do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected].
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A AGROEOCOLOGIA EM IRATI: CONSTRUINDO ESPAÇOS DE DEBATE E RESISTÊNCIA
Fernanda Keiko Ikuta1, Rafael Eduardo Machado2, Fabio Caian de Jesus3, Anne Geraldi Pimentel4, Zaqueu Luiz Bobato5
ResumoEntre o agronegócio baseado na monocultura voltada para a exportação (de grãos ou madeiras) e a agricultura familiar inserida no mercado e quase sempre tecnificada, empresarial e dependente (a exemplo da fumicultura), ambos geradores de uma série de conflitos sociais e ambientais (degradação do trabalho e do meio ambiente), está a Agroecologia praticada pelos camponeses que enfrentam os conflitos e os desafios colocados por este cenário hegemônico. Considerando este contexto do campo em Irati, nos colocamos, neste texto, o objetivo de analisar e contextualizar a Agroecologia no município e região a partir da experiência da Feira Agroecológica da UNICENTRO. Mais que apontar os objetivos e as ações da experiência deste projeto de extensão universitária buscamos ainda analisar o papel, as características, os desafios, as conquistas e os conflitos enfrentados pelos agroecologistas locais.
A Feira Agroecológica da UNICENTRO é um projeto de extensão
universitária instituído pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da
Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). O projeto teve início em 2009
nos Campus CEDETEG e Santa Cruz e em maio de 2014 se estende para o Campus de
Irati. Para além da promoção de espaços de comercialização de alimentos
agroecológicos e artesanais de pequenos produtores, o projeto tem como objetivo criar
espaços de diálogo e troca de experiências e saberes entre a universidade e a
comunidade.
1 Docente do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected] Acadêmico do Curso de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected] Acadêmico do Curso de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected] Docente do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected] Docente do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO/Irati, [email protected].
Neste sentido, a equipe do projeto tem se empenhado tanto na organização
da feira e de eventos de debate, como no apoio aos agricultores/feirantes e na realização
de pesquisas e saídas de campo. Assim, o presente texto é um intento de sistematizar e
realizar uma primeira avaliação do trabalho que vem sendo desenvolvido desde maio
deste ano e de suas implicações para toda a equipe participante, sobretudo, para os
agricultores e para a formação dos alunos.
Os procedimentos metodológicos utilizados foram: a revisão bibliográfica
com foco na Agroecologia (seu histórico, possibilidades e desafios) e no agronegócio
(enquanto o modelo agrícola hegemônico e sobre sistemática oposição dos
agroecologistas e seus defensores); a aplicação de entrevistas junto aos feirantes; a
realização de trabalhos de campo; e a avaliação analítica do projeto de extensão em
questão.
Desta maneira, iniciamos o texto apresentando a contraposição entre dois
modelos opostos de agricultura: de um lado, o agronegócio e as políticas públicas de
integração da agricultura familiar na lógica mercantil do capital e, do outro lado, a
Agroecologia que se apresenta como alternativa ao agronegócio e seu modelo de
inovações tecnológicas e que submeteu a classe que vive do trabalho, tanto no campo
como na cidade, a um processo de reprodução social completamente insustentável e
destrutivo (MESZÁROS, 2007).
Na sequência, abordamos a Agroecologia em Irati a partir da experiência do
projeto de extensão da Feira na Unicentro, buscando perceber a dimensão dos objetivos,
conflitos e desafios vivenciados pelos agroecologistas.
Limites e contradições do agronegócio x a Agroecologia como alternativa e caminho para a Reforma Agrária e a Soberania Alimentar
A partir dos anos de 1960 a agricultura brasileira passou por transformações
profundas. As transformações tecnológicas e sociais objetivaram “modernizar” o setor
agrícola a fim de aumentar a produção de alimentos e produtos para exportação. Nas
palavras de Luzzi (2007, p. 07):
Este novo modelo de agricultura, gerado e difundido nos países centrais ainda nas décadas de 20 e 30 do século XX, teve sua ampliação em escala global, incluindo o Brasil, a partir dos anos 60 deste mesmo século. Estas
transformações tecnológicas nasceram como uma verdadeira panacéia que solucionaria o problema da fome – baseadas nas previsões Malthusianas de escassez de alimentos frente ao crescimento acelerado das populações mundiais – e do subdesenvolvimento do mundo.
No caso do Brasil, Gonçalves (2008) aponta que o novo modelo de
agricultura foi difundido contando com o apoio do Estado que firmando acordos com
empresas multinacionais, sobretudo estadunidenses, facilitou o processo de “migração”
do modelo agrícola denominado de “Revolução Verde”. Nas palavras do autor:
A transformação na agricultura ocorreu mediante a introdução maciça de um pacote tecnológico, científico e organizacional que priorizou a aplicação de uma série de mudanças na base técnica da produção (sementes híbridas, inoculantes biológicos, irrigação, adubos químicos, agrotóxicos, máquinas e implementos agrícolas, técnicas e tratos culturais modernos, orientação agronômica), que visou o aumento exponencial da produtividade agropecuária. (GONÇALVES, 2008, p. 56).
Delgado (1985) ao refletir sobre a “modernização” da agricultura brasileira,
nos permite entender que, o período da década de 1960 e 1970 coincidiu com o
momento político do Estado desenvolvimentista, já que nesse contexto a política de
industrialização fomentava a introdução de práticas modernas no campo, logo,
facilitando a entrada dos pacotes tecnológicos, científicos e organizacionais
característicos da “Revolução Verde”.
A “modernização” do campo, que irá permitir, com o apoio estatal, que o
agronegócio alavanque, em poucos anos produziu sérias consequências de cunho
ambiental, social e cultural no espaço agrário brasileiro. Os estudos de Luzzi (2007) e
Gonçalves (2008) elucidam as implicações ecológicas como: perda da biodiversidade,
degradação de solos e recursos hídricos, substituição de variedades locais por híbridos
comerciais, contaminação por agrotóxicos (agricultores, produtos agrícolas e meio
ambiente), inadequação tecnológica aos pequenos produtores, descontrole das pragas e
doenças. Houve também um intenso êxodo rural, consequentemente inchaço do meio
urbano, precarização do trabalho, empobrecimento da população rural, dependência
tecnológica, menosprezo das formas de vivência dos povos tradicionais.
Ao ser constatada a problemática causada pela ideologia da modernização
do campo, as críticas, no Brasil, começaram a surgir já no final dos anos de 1980. Tem-
se, então, a emergência do debate em torno da Agroecologia,
pois sua aposta é em defesa da vida e da promoção de um novo padrão agrícola e
alimentar.
Antes de discorrermos sobre a Agroecologia, cabe apontar ainda que, a
partir de todo o processo descrito anteriormente, é possível levantar uma extensa lista
dos limites e das contradições do agronegócio, cujo embrião é a agricultura industrial
moderna.
Entre os limites destacamos: a concentração de terra e a crescente venda da
mesma para estrangeiros; a concentração da distribuição e do acesso à alimentação, pois
uma em cada oito pessoas sofre de fome crônica no mundo (FAO, 2013), apesar de a
produção atual de alimentos ser suficiente para alimentar toda a humanidade; o aumento
do desemprego e a degradação do trabalho (adoecimento dos trabalhadores decorrentes
das condições de trabalho, descumprimento e flexibilização das leis trabalhistas e
mesmo uso de trabalho escravo); o aumento da pobreza no campo e na cidade
decorrentes do êxodo rural e do inchaço dos grandes centros urbanos; os pacotes
tecnológicos que “amarram” os pequenos agricultores familiares à lógica mercantil e
anulam sua autonomia; a mercantilização da agropecuária expressa na monocultura e na
produção de commodities; a contaminação do solo, água, ar, alimentos, pessoas e
animais pelo uso de agrotóxicos e outros produtos químicos (desde 2008 o Brasil é o
maior consumidor de agrotóxico do mundo e a ANVISA já identificou no país o uso de
14 tipos de agrotóxicos prejudiciais à saúde e já proibidos em outros países); e a
simplificação dos ecossistemas. E entre as contradições, apontamos: o aumento da
produtividade (de commodities como grãos e cana-de-açúcar para combustíveis e
eucaliptos e pinos para celulose); o barateamento dos alimentos (junto à indução de
mudanças nos hábitos alimentares – padrão industrial com empobrecimento nutricional
e contaminação por uso de agrotóxicos); e a introdução do padrão “agrobiotecnológico”
(sementes geneticamente modificadas e novos insumos químicos decorrentes da
biotecnologia e dos avanços da genética e química fina, cujos efeitos sociais e
ambientais, incluídos aqui a saúde humana são amplamente contestáveis).
É importante assinalar que, o agronegócio, amparado pelas políticas
públicas destinadas ao campo brasileiro, tem arrastado consigo grande parte dos
pequenos produtores (que o Estado, ideológica e homogeneamente, denomina de
“agricultores familiares”) via o discurso da modernização da
agricultura. A alta dependência e submissão aos pacotes tecnológicos fechados tem
encurralado tais agricultores, a exemplo do denominado “sistema de integração” da
cadeia produtiva do fumo, que tem sido alvo de frequentes denúncias de violações aos
direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais (ALMEIDA, 2005).
Diante de tal cenário, a Agroecologia tem se apresentado como uma
resposta a esses limites e contradições do agronegócio e das políticas públicas de
modernização da agricultura, pois vem se consolidando como alternativa ao padrão
agrícola hegemônico ao articular e ampliar a sua luta com bandeiras como a Reforma
Agrária e a Soberania Alimentar.
Para além da dimensão produtiva e com uma “atitude” multidisciplinar, a
Agroecologia articula questões sociais e ambientais de grande importância para a
sociedade atual. Inter-relacionando diversas áreas do conhecimento científico e técnico
ao saber tradicional, ela coloca em pauta não só a valorização do meio ambiente e da
produção sustentável, mas também a valorização do trabalho no campo e o
fortalecimento da relação entre o campo e a cidade, isto é, a luta contra o padrão
agrícola e alimentar dominante que empobrece e adoece ainda mais comunidades rurais
e urbanas. Podemos apontar como os principais autores que debatem nesta direção:
afins à Agroecologia. O projeto também apoia a realização de
uma feira agroecológica realizada em um dos bairros periféricos da cidade7 e em seus 3
meses e meio de implementação já contribuiu na organização de uma mesa redonda, de
um encontro estadual de agroecologia e de uma feira de troca de sementes crioulas8.
Como vemos, os espaços que vem sendo construídos fomentam o debate
(dando visibilidade para as demandas e conquistas dos sujeitos envolvidos), a formação
e a troca de conhecimentos (entre alunos, professores, agricultores e consumidores) e a
articulação de diferentes lutas (soberania alimentar, reforma agrária, saúde, entre outras)
que compõem a luta de classes travada tanto no campo como na cidade e na qual grande
parte dos agroecologistas se identifica por meio dos movimentos sociais dos quais estão
engajados.
Para que possamos compreender mais de perto o perfil dos
agricultores/feirantes participantes do projeto e os desafios e os conflitos por eles
vivenciados, cabe apontarmos aqui um breve relato decorrente das entrevistas e
trabalhos de campo realizados nas áreas de produção das respectivas famílias.
Participam da feira, famílias provindas de dois contextos diferentes.
Uma família provém do acampamento Mario Lago do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e as outras três famílias são da comunidade
denominada Arroio Grande, de origem faxinalense9. A comunidade, que hoje já perdeu
algumas das práticas habituais de um faxinal, está organizada em grupo de agricultores,
o Grupo Renascer que, por sua vez, compõe a Associação dos Grupos de Agricultura
Ecológica São Francisco de Assis (ASSIS). A ASSIS “desenvolve trabalhos de
organização e formação de agricultores, auxiliando na produção e distribuição de
alimentos ecológicos, bem como na preservação do meio ambiente”
(http://assisirati.blogspot.com.br). É importante destacar que mesmo com certas
diferenças no seu histórico familiar e nas formas de organização da produção e da vida,
os dois casos aqui tratados enfrentam o descaso do poder público e processos de
criminalização em vários momentos de suas trajetórias.
7 Trata-se da feira do Armazém Solidário, no bairro São João, organizado pelo IEEP. 8 Confira detalhes das atividades desenvolvidas pelo projeto em: <http://feiraagroecologicaunicentro.wordpress.com>.9 Sobre as terras de faxinais no Paraná cf. Almeida e Souza (2009).
A trajetória da família Cazuza até a Agroecologia ocorre via a luta pela
terra. O S. Cazuza relata que o sonho da terra para plantar e produzir alimentos só se
tornou possível ao se organizarem junto ao MST e foi também a partir dele que
transitaram para a agroecologia. A procura pelo Movimento ocorre, segundo o
depoimento da família, após anos de espera frustrada por políticas públicas que
propiciassem o acesso à terra. O descaso com que o Estado trata a questão da terra
permanece mesmo com a pressão da ocupação. Para a família Cazuza e os demais sem
terras da mesma comunidade, que há mais de uma década e meia está acampada e ainda
não conseguiu a regularização da área, o acesso à terra ainda não está solucionado.
É junto ao Movimento, e como expansão de seu projeto de viabilização da
Reforma Agrária a partir da mudança do modelo produtivo, de aposta na autonomia dos
agricultores e na soberania alimentar, que a Agroecologia se soma na composição do rol
de desafios para esta e para uma série de outras famílias assentadas em todo o Brasil.
No caso do grupo de famílias de origem faxinalense, iremos focar na
trajetória de apenas uma das famílias, já que com as demais ainda não foi possível
realizar uma entrevista aprofundada. A família em questão também já enfrentou uma
série de problemas frequentes para os pequenos produtores familiares. Antes da
introdução da prática agroecológica, a produção familiar girava em torno da
fumicultura. Segundo o depoimento dado, as dificuldades financeiras, o desgaste da
terra e o visível aumento da devastação da mata que compunha a área comum da
comunidade10, mas, sobretudo, os problemas de saúde decorrentes do cultivo do tabaco
estimularam a família a migrar da produção do fumo para a Agroecologia. A
oportunidade de frequentar um curso de formação do Projeto Terra Solidária, com
ênfase na Agroecologia, termina por ser decisiva para a transição, que exigiu cerca de
15 anos de preparo da área até que a terra estivesse, por fim, inteiramente pronta para
produzir alimentos totalmente livres de resíduos tóxicos.
As duas famílias retratadas apontaram estar empenhadas para permanecerem
com a prática Agroecológica que, para ambas, contêm um claro papel político. Todavia,
10 Áreas de preservação ambiental, de extensão significativa para os padrões rurais atuais, são comuns nos faxinais e em outros territórios de povos e comunidades tradicionais, devido à relação mais harmônica com a natureza que estes mantêm ou mantinham quando seus modos de vida tradicionais ainda estavam preservados.
a
permanência na Agroecologia também está permeada de
conflitos e desafios. Desde a falta de apoio estatal expressa, por exemplo, nas más
condições das estradas que dificultam ou mesmo isolam os agricultores dos seus pontos
de venda e do acesso a qualquer serviço ou assistência (que é o caso, sobretudo, da
família Cazuza que mesmo localizada a pouquíssimos quilômetros da malha urbana de
Irati, fica isolada em dias de chuva já que a estrada sem pavimentação não é sequer
cascalhada) à presença das madeireiras, da fumicultura e de outros cultivos que utilizam
agrotóxicos e transgenia.
O mais recente conflito criminaliza as organizações, os movimentos sociais
e os agricultores que vinham produzindo alimentos para programas federais como o
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE). A família do Arroio Grande nos testemunhou a perda dos benefícios
do PNAE que obrigou que um de seus membros deixasse, “temporariamente”, declarou
esperançosa, o trabalho no campo para se assalariar em uma madeireira (“veja que
contradição horrível!”, foi a fala desapontada).
Outra questão polêmica e desafiante para os agroecologistas é a certificação.
Alertando para o “negócio da certificação”, Caldas et al. (2012, p. 470) aponta que: “A
questão da certificação de orgânicos foi e continua sendo uma arena política em que
atuam interesses públicos, mas, sobretudo, privados”. Para que a certificação não seja
mais um entrave imposto pela lógica mercantil, mas, ao contrário, seja um caminho para
novas conquistas e fortalecimento dos agroecologistas, o Projeto Feira Agroecológica
da UNICENTRO estabelece uma integração com um projeto de certificação e apoio a
certificação participativa. Expliquemos. Temos tanto produtores/feirantes em vias de
certificação pelo projeto parceiro da Feira, a saber, o Programa Paranaense de
Certificação Orgânica (que é uma iniciativa do governo do Estado do Paraná,
envolvendo a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior –SETI-, o Instituto
Tecnológico do Paraná –TECPAR-, o Centro Paranaense de Referência em
Agroecologia –CPRA- e as universidades públicas estaduais, no caso a UNICENTRO),
como famílias que já obtiveram a certificação participativa da Rede ECOVIDA.
Para que possamos ampliar nossa percepção sobre a realidade dos
camponeses agroecologistas para além dos que participam do projeto em questão,
apresentamos, brevemente, alguns apontamentos resultantes do Mapeamento Social
realizado pelos próprios agricultores das Regiões Centro,
Campos Gerais e Centro Sul do Paraná. Eles realizaram um mapeamento social (Mapa
1) em 24 municípios paranaenses, nos quais foram identificadas 2.573 famílias de
agricultores(as) ecologistas. Segundo a Articulação dos Agroecologistas, esse número é
significativamente maior do que o apontado pelo Instituto Paranaense de Assistência
Técnica e Extensão Rural – EMATER , pois o mapeamento considera “todas as
[famílias] que praticam agricultura de acordo com os preceitos ecológicos de produção e
não apenas as que já estão certificadas” (ARTICULAÇÃO, 2010, p. 13).
Entre os destaques que fazemos deste Mapeamento, apontamos que tais
agricultores são oriundos de 126 comunidades rurais e assentamentos da reforma agrária
e parte deles não possuem título de propriedade da terra ou outro documento com
validade legal. Segundo, divulgado na Cartilha de Agroecologia (ARTICULAÇÃO,
2010, p.10), eles são arrendatários, herdeiros ou usam a terra em conjunto com os
demais membros da família e 75% dos agricultores possui menos de 15 hectares de
terra.
O Mapeamento, tal como podemos observar a partir da legenda, apresenta
os aspectos identificados como os mais relevantes pelos agricultores, isto é: suas formas
de organização existentes (associação, grupo ou sindicato); conflitos e problemas (como
o isolamento do agricultor, a falta de água e regularização fundiária, as péssimas
condições das estradas, a presença de fazendas de pinus, fumo soja, transgênicos, etc.);
práticas sociais (adubo e calda orgânica, cura por plantas medicinais, feiras, festas,
produção agrícola diversificada, etc.); conquistas (campo de futebol, apoio da
EMATER, participação no PAA e Merenda Escolar) e os usos do solo considerando o
ano agrícola 2001-2002 (agricultura, paisagem e campo, reflorestamento, cobertura
florestal, área urbana, hidrografia, ferrovia, rodovia).
Ao nos debruçarmos sobre o quadro econômico e social da região de
abrangência do Mapeamento Social, conhecida como “Corredor da Fome”, em
referência ao grande número de pessoas vivendo em condições de extrema pobreza e às
desigualdades decorrentes da distribuição de renda e riquezas, compreendemos porque a
experiência desses agricultores e agricultoras, somada a sua organização e produção de
um mapeamento social que os identifica, apresenta suas práticas e conflitos, é uma
verdadeira manifestação de existência, resistência e produção de soberania.
Mapa 1- Mapeamento social dos agroecologistas do estado do ParanáFonte: Fonte: ARTICULAÇÃO (2010)
Considerações FinaisA ainda recente experiência do Projeto de Extensão
da Feira Agroeocológica nos permite avaliar que os objetivos, os conflitos e os desafios
vivenciados pelos camponeses agroecologistas do município expressam demandas que
não são apenas locais e restritas a estes sujeitos sociais, isto é, elas compõem um
cenário e uma problemática que dizem respeito às questões da terra, do território, da
fome e da crise ambiental em escala mundial. Ao compreender a amplitude deste tema e
dos sujeitos nele envolvidos, nos fica evidente que estão em pauta disputas e conflitos
de classe. Trata-se de modelos/projetos de sociedade em disputa.
A própria participação dos produtores, alunos e professores neste Projeto,
pautada na construção da compreensão coletiva de que a tarefa da abertura e
manutenção do espaço de comercialização só faz sentido se somada ao compromisso
político do fazer ecoar, ou seja, do garantir a visibilidade e debate desse conjunto de
questões, nos indica que podemos estar construindo um caminho fértil. Neste sentido,
nos serve de orientação para trilhar esse caminho, compreender, junto com Thomaz
Junior (2007, p. 6) que “a Reforma agrária e a Soberania Alimentar devem e podem ser
um projeto de toda a sociedade [...] integra[ndo] a um só tempo o campo e a cidade,
trabalhadores proletários e camponeses”.
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