FOCO: revista de Administração e Recursos Humanos da Faculdade Novo Milênio. V.7, nº1, Jan./Jul. 2014. 104 REFORMA DO ESTADO: DA ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL : O CASO BRASILEIRO Marcelo Loureiro Reis 1 RESUMO Esse artigo tem como objetivo contextualizar a transição do modelo de administração pública burocrática para o modelo de administração pública gerencial no Brasil à luz da implementação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE. O estudo baseia-se em fontes primárias e secundárias sobre o tema e procura apontar o que efetivamente foi realizado após a formalização do plano de mudanças na gestão pública, implementado no âmbito do Ministério de Reforma do Aparelho do Estado - MARE. Conclui que, mesmo que boa parte das ações propostas para alcançar os objetivos do Plano tenha sido posta em prática, e sucessos alcançados, é fato que a Reforma não está completa, existindo ainda resquícios do patrimonialismo e da burocracia que ainda travam a prática eficiente da administração pública gerencial no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Burocracia. Reforma do Estado. 1 INTRODUÇÃO Os problemas enfrentados pela administração pública no Brasil vinham de longa data e apresentavam-se nos diversos âmbitos da atuação governamental no início da década de 1960 (PEREIRA,1997). Este trabalho visa contextualizar a proposta de transição do modelo de administração pública burocrática, vigente no país até meados de década de 1990, para o modelo da administração pública gerencialista baseada na proposta de Reforma do Estado Brasileiro e fundamentada no instrumento denominado “Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE)”. A discussão sobre a Reforma dos Estados Nacionais no mundo suscitou bastante controvérsia em suas possíveis abordagens e na forma como o estado procurou se adequar administrativamente à dinâmica das mudanças globais. O modelo de reforma administrativa no Brasil foi estruturado sob os 1 ∗ Mestre em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo/UFES. Especialista em Comércio Exterior pela Universidade Federal do Espírito Santo/UFES, Pós- Graduado MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças - FUCAPE. Professor da Faculdade Novo Milênio.
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V.7, nº1, Jan./Jul. 2014. 104
REFORMA DO ESTADO: DA ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL : O CASO BRASILEIRO
Marcelo Loureiro Reis1
RESUMO
Esse artigo tem como objetivo contextualizar a transição do modelo de administração pública burocrática para o modelo de administração pública gerencial no Brasil à luz da implementação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE. O estudo baseia-se em fontes primárias e secundárias sobre o tema e procura apontar o que efetivamente foi realizado após a formalização do plano de mudanças na gestão pública, implementado no âmbito do Ministério de Reforma do Aparelho do Estado - MARE. Conclui que, mesmo que boa parte das ações propostas para alcançar os objetivos do Plano tenha sido posta em prática, e sucessos alcançados, é fato que a Reforma não está completa, existindo ainda resquícios do patrimonialismo e da burocracia que ainda travam a prática eficiente da administração pública gerencial no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Burocracia. Reforma do Estado.
1 INTRODUÇÃO
Os problemas enfrentados pela administração pública no Brasil vinham de
longa data e apresentavam-se nos diversos âmbitos da atuação governamental no
início da década de 1960 (PEREIRA,1997). Este trabalho visa contextualizar a
proposta de transição do modelo de administração pública burocrática, vigente no
país até meados de década de 1990, para o modelo da administração pública
gerencialista baseada na proposta de Reforma do Estado Brasileiro e
fundamentada no instrumento denominado “Plano Diretor de Reforma do Aparelho
do Estado (PDRAE)”. A discussão sobre a Reforma dos Estados Nacionais no
mundo suscitou bastante controvérsia em suas possíveis abordagens e na forma
como o estado procurou se adequar administrativamente à dinâmica das mudanças
globais. O modelo de reforma administrativa no Brasil foi estruturado sob os 1 ∗ Mestre em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo/UFES. Especialista em Comércio Exterior pela Universidade Federal do Espírito Santo/UFES, Pós-Graduado MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças - FUCAPE. Professor da Faculdade Novo Milênio.
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alicerces de uma abordagem mais técnica e restrita cuja linha, é a seguida pelos
principais formuladores da proposta de Reforma no Brasil, o ex-ministro Luiz Carlos
Bresser Pereira e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O trabalho pretende realizar uma contextualização histórico-política da
proposta brasileira de reforma administrativa chamada gerencial, considerada por
muitos de natureza liberalizante, e pontuar as principais intervenções nos
arcabouços legal, institucional e da gestão pública no Brasil.
Para entender o contexto da reforma brasileira é necessário também olhar
para o contexto global em que estas reformas foram se tornando necessárias, visto
que mudanças vinham ocorrendo no mundo a partir de momentos de importantes
turbulências como a crise de 1929, a 2ª Guerra, os choques do petróleo e,
principalmente, em função da globalização dos mercados que na década de 1980 já
traduzia a necessidade da redefinição do papel do Estado na economia e no seu
relacionamento com a sociedade.
As reformas de Estado implementadas na Europa, nos Estados Unidos e na
América Latina, apesar de guardarem suas singularidades no tempo e espaço,
trouxeram em seus objetivos pontos comuns em qualquer parte que tenham sido
implementadas. Mesmo que tendo raízes na década de 1970, a Reforma dos
Estados Nacionais ganhou grande importância a partir das décadas de 80 e 90
(PEREIRA, 2008).
Conforme Kettl (2005) citado por Pereira e Spink (2005 p.75) pode-se
identificar que “um movimento crescente de mudança no setor público está presente
desde os primeiros anos da década de 1980” e que ainda segundo este autor, este
movimento tornou universal o tema da Reforma do Estado.
Cruz (1998) observa que apesar de universal e bastante presente, o tema
“Reforma do Estado” não é simples, nem tampouco de fácil compreensão, pois este
movimento não constitui um todo ordenado e sincrônico de medidas. Algumas
reformas foram precoces como as efetuadas no regime militar Chileno, outras foram
retardatárias como no caso brasileiro. Outro ponto complexo trazido por este autor
é em termos do conteúdo das reformas em cada país, que se caracterizaram pelas
mais variadas denominações como: ajustes estruturais, reforma neoliberal,
liberalização econômica, ficando ainda as opiniões sobre tais reformas polarizadas
em termos de consensos positivos e negativos de seus efeitos. Cruz (1998) ainda
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relata em seu trabalho que, apesar das particularidades em cada caso, o consenso
estabelecido na literatura especializada, é que a situação de crise é o elemento
sempre presente no ambiente das recentes Reformas de Estado.
Spink (1998) observa que o termo “reforma administrativa” era a expressão
em uso entre o final dos anos 60 e início dos anos 70 e que seu significado
englobava mudanças nos elementos que compõe a administração pública, como a
administração de pessoal, fluxo de processos, estrutura administrativa entre outros.
Ainda de acordo com este autor, já nesta época foram incorporados novos atributos
à expressão como: procedimentos administrativos específicos, sistemas de pessoal
e programas de locais de mudanças, revisão e reformas de ajustes estruturais do
serviço público, programas de capacitação mista, programas de mudanças
temáticas na esfera pública e importantes reformas constitucionais do Estado.
Com a ampliação do conceito a partir da inclusão de novas atribuições da
administração pública o termo “reforma do estado” veio a ser utilizado na década de
1990 passando a significar um processo de reflexão amplo sobre o estado e a
sociedade (SPINK, 1998). E ainda afirma Spink que “da melhoria dos
procedimentos, a discussão cresceu e passou à reforma do Estado, do prático do
concreto para o simbólico”(1998 p.156).
Jenkins (1998 p.201) ao analisar as reformas administrativas no Reino Unido
relata que os governos “tem lutado contra a incompetência e ineficiência desde que
a burocracia governamental existe” e conclui ainda que os objetivos “foram mais ou
menos os mesmos: melhorar o funcionamento do governo, aumentar a eficiência,
reduzir custos, eliminar o empreguismo e corrupção”. Não por acaso, Margareth
Thatcher levou ao governo um administrador do setor privado (Dereck Rayner) para
comandar seu plano de reforma administrativa (ABRUCIO, 1997).
De modo geral, a redefinição do papel do Estado na economia e a tentativa
de reduzir os gastos públicos na área social — tarefa esta nem sempre bem
sucedida — foram as duas saídas mais comuns à crise das dimensões econômica e
social do antigo tipo de Estado. Para responder ao esgotamento do modelo
burocrático weberiano, foram introduzidos, em larga escala, padrões gerenciais na
administração pública, inicialmente e com mais vigor em alguns países do mundo
anglo-saxão (Grã-Bretanha, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia), e depois
gradualmente, na Europa Continental e Canadá (ABRUCIO, 1997). As mudanças
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propostas para a transição do modelo burocrático para o modelo gerencial no caso
brasileiro, é o objeto de estudo desse trabalho.
A relevância do estudo se dá pela importância política e econômica do Brasil
em âmbito mundial e principalmente na América Latina, visto que a Reforma do
Estado tem por objetivo melhorar o desempenho do Brasil nestes âmbitos, visando
principalmente a readequação do país a nova dinâmica global a partir dos anos de
1990.
Este artigo está estruturado da seguinte maneira. Além desta introdução, o
referencial teórico apresenta as abordagens pelas quais as reformas são
implementadas. Tratam-se de correntes de pensadores que pretendem estabelecer
uma reforma onde a administração pública seja eficiente com menor atuação do
estado e maior atuação do mercado, a chamada abordagem tecnicista ou limitada
(mercadológica) e a abordagem oposta que trata a reforma do estado fundamentada
na figura de um estado mais forte e propulsor do desenvolvimento, a chamada
abordagem “ampliada ou irrestrita” (estadocêntica). Ainda no referencial, são
caracterizados os tipos de administração pública preexistentes, quais sejam: a
administração pública patrimonialista, a administração pública burocrática e
finalmente a administração pública gerencial. Em seguida apresentam-se os
procedimentos metodológicos da pesquisa. A parte referente ao desenvolvimento
contextualiza um rápido panorama da situação da administração pública brasileira a
partir de 1930, as ações propostas do PDRAE bem como as ações efetivadas pelo
governo brasileiro a partir de seu lançamento. Por fim, a conclusão indica o que foi
trabalhado no artigo sintéticamente.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Até a crise de 1929 o liberalismo econômico reinava quase que absoluto no
mundo. Porém após a referida crise e principalmente no período pós II-Guerra a
figura do estado forte e principal agente indutor de crescimento e desenvolvimento
dos países ganha força, e o chamado “Welfare State” baseado no pensamento
keynesiano. Este modelo de gestão centralizado no poder do estado entra crise
progressivamente a medida que a sobrecarga de demandas sobre o estado fragiliza
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as condições de existência de uma administração eficiente e qualificada com
capacidade para enfrentar crises (SETTI, 2011).
Segundo argumentos de ALMEIDA (2006), as muitas reformas
implementadas no Estado tiveram por objetivo pregar uma filosofia de mudanças,
modernizações e incorporação de novos jargões. Contudo, teorias que descreveram
esta ou aquela tipicidade de modelos de gestão do Estado, bem como os meios
empregados, regras e procedimentos, passaram a conviver com o paradoxo da
dependência do modelo burocrático. De tal modo, buscou-se solucionar as
deficiências encontradas no Estado e combater as disfunções provocadas pela
burocracia implementando um modelo de gestão de sucesso no setor privado e que
passava a figurar como alternativa a ser incorporada à gestão pública.
Dessa forma, temos que cada país interpreta, à sua necessidade, a forma
como solução para a melhoria na gestão do Estado será alcançada e estas
diferentes estratégias se baseiam em visões distintas sobre responsabilidade e
poder do Estado. Assim é necessário explanar, mesmo que sucintamente, sobre os
tipos de abordagens e os modelos de gestão pública preexistentes.
Setti (2011) enfatiza que a Reforma dos Estados é abordada sob duas
perspectivas : a primeira é “a tecnicista ou restrita” e a segunda chamada
“expandida, ampliada ou irrestrita”. A abordagem tecnicista é um pensamento
técnico e mais preocupado com o acerto de contas públicas, reformas para a
melhoria da gestão de resultados, indicadores, e por vezes não levando em conta a
relação entre o Estado e a sociedade e as variantes histórico-culturais, focando mais
especificamente questões técnicas e contábeis. Esta abordagem é a balizadora do
pensamento do ex-Ministro brasileiro Luiz Carlos Bresser Pereira no delineamento
das diretrizes propostas para a Reforma Estado Brasileiro a partir dos anos de 1990.
Este modelo, mesmo que seus formuladores não concordem, é chamado de
Neoliberal, isso por seguir uma linha de pensamento mais “mercadológica” do que
“estadocêntrica”, significando que as diretrizes acatadas pelos governantes adeptos
dessa corrente foram voltadas para uma reforma de Estado que visava instaurar na
administração pública elementos empresariais. O modelo dito de natureza mais
liberal, pressupõe que o equilíbrio interno e externo será alcançado com uma menor
intervenção do Estado nas atividades econômicas, permitindo que as forças do livre
mercado atuem de modo a promover o bem estar no país. Os principais autores
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dessa linha de pensamento da reforma considerada “técnica ou restrita” são : o
próprio Bresser Pereira, Adam Przeworski, Willian Glade, Donald Kettl e o também
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Por outro lado temos a oposição deste modelo de reforma, os que defendem
uma abordagem considerada “expandida”, “irrestrita” ou “ampliada” da reforma. Esta
corrente defende que a Reforma do Estado e a reforma administrativa devem ir
muito além do que o ajuste contábil e a melhoria da gestão dos serviços públicos. É
uma concepção mais contestatória, mais inconformada e critica ao modelo restrito
de reforma que prevê ações focalizadas nas instituições políticas estatais sem levar
em conta o contexto social dos países em desenvolvimento. Este segundo bloco de
intelectuais que abordam as reformas de forma “ampliada” aproximam-se da
concepção de um Estado forte e propulsor do desenvolvimento e seu ideário vai
desde o socialismo extremo ao Welfare State Keynesiano. São autores expoentes
dessa abordagem Eli Diniz, Ha-Joon Chang, Ricardo Antunes, Boito Jr. e outros
(SETTI, 2011).
O argumento desenvolvido por Eli Diniz consolida e ilustra a visão ampliada
das reformas em oposição ao tecnicismo, afirmando que :
[...] parece-me relevante abordar a reforma do Estado em conexão com o aperfeiçoamento do estado de Direito, aspecto geralmente negligenciado nas análises correntes sobre crise e reforma do Estado, já que tais análises tendem a privilegiar componentes econômicos e sobretudo financeiros da referida crise. Em outros tempos, cabe pensar a reforma do Estado em estreita associação com os temas da governabilidade democrática e do aperfeiçoamento institucional do país, em contraposição aos fatores de natureza puramente contábil, ligados à redução de despesas e à ampliação de receitas. Para tanto impõe-se o abandono de enfoques restritos, unilaterais e reducionistas, em nome de uma abordagem ampla e de uma perspectiva multidimensional, focalizando vários aspectos envolvidos numa análise mais profunda da reforma do Estado. Essa visão implica desde logo enfatizar o aspecto constitucional do Estado – o império da lei -, princípio segundo o qual ninguém, inclusive aqueles que governam, deve estar acima da lei. Implica ainda considerar a questão da relação entre os poderes, o papel dos partidos políticos, a existência de fontes alternativas de informações e as formas de articulação estado-sociedade. Ademais a reforma administrativa passa a ser vista como um dos itens de uma agenda mais abrangente de reforma, que compreende além de questões técnicas e financeiras a dimensão propriamente política da reforma do estado (DINIZ 2004, p.41).
Dessa forma, pode-se concluir que a grande critica desta visão ampliada em
relação ao modelo tecnicista, resida no excesso de desprezo ou, no mínimo, de
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negligência do Estado para com as grandes questões sociais de países ainda em
processo de desenvolvimento como o Brasil.
Para entender o tipo de administração pública e de Estado pensado por
Bresser Pereira para o caso da reforma brasileira, é preciso esclarecer sobre os
modelos de administração pública preexistentes, quais sejam, o patrimonialista, o
burocrático e o gerencial
A administração pública patrimonialista se distingue por uma fundamental
característica: a permeabilidade entre o público e o privado. Na verdade o que
existe é uma apropriação do que é público pelo governante que utiliza o bem público
como se fosse parte de sua propriedade (SETTI, 2011).
Na busca em compreender e explicar os fatores permanentes na formação do
patronato político brasileiro no Estado, autores como Raymundo Faoro e Sergio
Buarque de Holanda, que fazem parte de uma abordagem sociológica da herança
patriarcal-patrimonial, desenvolvem importantes interpretações sobre os sucessivos
acontecimentos no tempo histórico em Portugal e no Brasil colonial, que levaram ao
enraizamento do patrimonialismo no Brasil.
O capitalismo de Estado esteve sempre presente nas conquistas
portuguesas. Desde a conquista de Ceuta no ano de 1415, quando o membro do
Estado maior do rei fez a proposta de expedição, o estamento2 possuía um papel
fundamental. “O estamento filtra, pondera e tece um plano que daria ao tesouro
real grossas compensações. Esta a realidade, mais prosaica e menos bela do que a
da lenda, que via na conquista de Ceuta um torneio de cavalaria: o rei, ao armar
cavaleiro seus três filhos, teria decidido a realização de um golpe de grande estilo,
desferido contra o islamita” (Faoro, 1977, p. 55-56). Essa conquista de Ceuta foi
uma manifestação do capitalismo de Estado.
Nesse sentido, era um capitalismo monárquico português, politicamente
orientado. É nessa formação de Estado português que se gera o “estamento
burocrático”, originando-se do “patrimonialismo” weberiano, tomando forma no
“patronato político brasileiro” (ENDERLE; GUERRERO, 2008).
2 Raymundo Faoro inova ao criar os conceitos de “estamento burocrático” e capitalismo político, que embora não estando presentes em seu principal autor de referência, Max Weber, é a partir dele sua gênese.
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A Coroa, só ela e mais ninguém, dirige a empresa que é seu monopólio inalienável. As terras descobertas, como se fossem conquistadas, pertenciam, e direito e de fato, à monarquia. Senhora das terras e dos homens, é-o, também, das rotas e do tráfico. Do exclusivo domínio sobre as descobertas e conquistas decorre, naturalmente, o monopólio do comercio, que leva ao capitalismo monárquico, sistema experimental de exploração econômica ultramarina (FAORO, 1977, p.57).
O Brasil moderno tem suas raízes calcadas no Estado patrimonial que possui
sua gênese em Portugal. A consolidação do Estado patrimonial português e sua
lógica burocrática estamental dirigiam a dinâmica colonial.
“O mercantilismo empírico português, herdado pelo Estado brasileiro, fixou-se num ponto fundamental, inseparável de seu conteúdo doutrinário, disperso em correntes, facções e escolas. Este ponto, claramente emergente da tradição medieval, apurado em especial pela monarquia lusitana, acentua o papel diretor, interventor e participante do Estado na atividade econômica. O Estado organiza o comercio, incrementa a indústria, assegura a apropriação da terra, estabiliza preços, determina salários, tudo para o enriquecimento da nação e o proveito do grupo que a dirige. (...) O Estado, desta forma elevado a uma posição prevalente, ganha poder, internamente contra as instituições e classes particularistas, e, externamente, se estrutura como nação em confronto com outras nações” (FAORO, 1977, p. 62).
O direito português foi articulado para servir à organização política em
detrimento ao comércio e à economia particular. A edição das Ordenações Filipinas
no ano de 1603, código legislativo de Portugal e do Brasil que mais perdurou, trazia
em sua essência a intervenção do Estado na economia em qualquer atividade.
Nesse sentido, o estamento se torna a camada organizada e definida
politicamente em razão de suas relações com o Estado. Possui uma dinâmica
autônoma e fechada, exercendo seu poder através do controle patrimonialista do
Estado, não fazendo distinção entre o público e o privado.
O patrimonialismo, organização política básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia não no sentido moderno, com aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo - o cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência. O Estado ainda não é uma pirâmide autoritária, mas um feixe de cargos, reunidos por coordenação, com respeito à aristocracia dos subordinados (FAORO, 1984, p.84).
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O que se vê no Brasil é uma mistura entre o “estamento burocrático” e uma
sociedade que vive uma história de tradição patrimonial-burocrática portuguesa.
Holanda (2005) toma como ponto central a incapacidade que acompanhou a
sociedade brasileira em separar a vida pública e a vida privada, sendo este modelo
de sociabilidade estabelecido no Brasil, fruto do enraizamento dos traços lusitanos
de falta de fidedignidade a qualquer tipo de ordenação impessoal, sustentando o
patrimonialismo existente. O autor percebeu as urgentes mudanças necessárias
que se exigia para o pleno desenvolvimento de uma sociedade moderna calcada na
racionalidade, construindo instituições e relações sociais características de uma
ordem racionalizada.
A crise que acompanhou a transição do trabalho industrial aqui assinalada pode dar uma idéia pálida das dificuldades que se opõem à abolição da velha ordem familiar por outra, em que as instituições e as relações sociais, fundadas em princípios abstratos, tendem a substituir-se aos laços de afeto e de sangue.(...) E se bem considerarmos as teorias modernas, veremos que elas tendem, cada vez mais, a separar o individuo da comunidade doméstica, a libertá-lo, por assim dizer, das ‘virtudes’ familiares. Dir-se-á que essa separação e essa libertação representam as condições primárias e obrigatória de qualquer adaptação à ‘vida prática’ (HOLANDA, 2005, p. 143)
Nesse sentido, este autor aponta que o patrimonialismo como mecanismo de
poder pessoal para deliberar e administrar a esfera pública apresentou-se como
nocivo ao desenvolvimento capitalista no Brasil. As características da formação
familiar impregnaram a vida pública, levando à esfera do Estado a indissociação
entre aquilo que é público e o que é privado (ENDERLE; GUERRERO, 2008).
WEBER(1999) faz uma descrição de traços dos funcionários patrimoniais
indicando claramente a existência de uma relação de fidelidade mais parecida com a
submissão de criado e senhor do que de fidelidade objetiva do servidor perante
tarefas objetivas, cuja extensão e conteúdo estão delimitados por determinadas
regras. Além disso, este tipo de administração pública é bastante vulnerável ao
nepotismo e corrupção.
PEREIRA (2005) ressalta que a característica que definia o governo nas
sociedades pré-capitalistas e pré-democráticas era a privatização do Estado.
Conforme este autor, “Patrimonialismo” significa a incapacidade ou relutância de o
príncipe distinguir entre o patrimônio público e seus bens privados, a administração
pré-capitalista era assim patrimonialista. Este modelo de administração é visto como
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o mais superficial e menos racional de todos, pois é erguido sobre critérios baseados
em privilégios, tradição, parentesco e outros bem distantes da meritocracia do
modelo burocrático. Entretanto, tal modelo é considerado a base para as novas
estruturas que seriam criadas ao longo dos séculos vindouros.
A administração pública chamada de burocrática surge da evolução histórico-
cronológica dos modelos de administração. Caracteriza-se por uma racionalização
dos processos administrativos e uma profissionalização dos processos e do quadro
do funcionalismo. Este modelo é de certa forma uma resposta ao modelo anterior
onde a permeabilidade entre o público e o privado era praticamente ilimitada
(PEREIRA, 2008).
Sobre este assunto Pereira (2005, p.26) assim explica :
Com o surgimento do capitalismo e da democracia, estabeleceu-se uma distinção clara entre res publica e bens privados. A democracia e a administração pública burocrática emergiram como as principais instituições que visavam a proteger o patrimônio público contra a privatização do Estado. Democracia é o instrumento político que protege os direitos civis contra a tirania, que assegura os direitos sociais contra a exploração e que afirma os direitos públicos em oposição ao rent-seeking. Burocracia é a instituição administrativa que usa, como instrumento para combater o nepotismo e a corrupção – dois traços inerentes à administração patrimonialista -, os princípios de um serviço público profissional e de um sistema administrativo impessoal, formal e racional.
Estão no pensamento de Max Weber as raízes da burocracia no sentido de
uma administração pública baseada em critérios racionais e legais que considera
este tipo de dominação (racional-legal) como a principal função do Estado Moderno.
Sobre esta concepção de Estado Weberiano assim pronuncia o próprio Weber:
O Estado, do mesmo modo que as associações políticas historicamente precedentes, é uma relação de dominação de homens sobre homens, apoiada no meio de coação legítima (quer dizer, considerada legitima). Para que ele subsista, as pessoas dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas que dominam no momento dado. Quando e por que fazem isto, somente podemos compreender conhecendo os fundamentos justificativos internos e os meios externos nos quais se apóia a dominação (WEBER,1999, p.526).
O autor considera que os fundamentos da legitimidade de uma dominação
recaem sobre três princípios : o primeiro é a dominação baseada na tradição, o
segundo é a dominação carismática, e por fim a dominação em virtude da legalidade
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e na crença em estatutos legais, os quais se baseiam nas competências objetivas
fundamentadas em regras racionalmente elaboradas.
Estes critérios de racionalidade, legalidade, normas, formalidade e outras
maneiras objetivas de garantir a forma de poder dos Estados são os princípios
básicos de uma administração pública burocrática. Nesse sentido Weber define
sobre a conceituação de Estado Moderno:
Estado moderno é uma associação de dominação institucional, que dentro de determinado território pretendeu com êxito monopolizar a coação física legitima como meio de dominação e reuniu para este fim, nas mãos de seus dirigentes, os meios materiais de organização, depois de desapropriar todos os funcionários estamentais autônomos que antes dispunham, por direito próprio, destes meios e de colocar-se ele próprio, em seu lugar, representado por seus dirigentes supremos (WEBER, 1999, p.529).
São características marcantes de um modelo burocrático de administração: a
formalização, a divisão do trabalho, a hierarquização a impessoalidade. Outras
características são a escolha de funcionários pela competência técnica e a
meritocracia, a profissionalização dos funcionários e, por fim, a previsibilidade do
funcionamento. Estas características apesar de não esgotadas, dão uma idéia de
como se dá o funcionamento ideal de uma administração pública burocrática.
De acordo com Abrúcio (2005) o momento em que modelo burocrático
conhecido como Welfare State se mostrou aparentemente esgotado foi em meados
dos anos 70, quando os Estados entraram em crises em suas três dimensões:
econômica, social e administrativa.
O terceiro modelo de administração pública descrito na escala histórica é o
chamado “gerencial”, que se difere bastante dos dois anteriores e seria uma espécie
de avanço dos seus antecessores.
A falta de eficiência para atender as novas demandas do mundo globalizado,
aliado ao desgaste do modelo burocrático de administração, segundo Bresser
Pereira (2005), forçaram nos últimos anos a redefinição do papel do Estado, do seu
grau de interferência na sociedade, principalmente no campo econômico. Esta
redefinição no papel do aparelho do Estado como um todo, forçou a emergência de
um novo modelo de administração pública, o modelo chamado por Bresser Pereira
de “gerencial”.
O autor define algumas características básicas do referido modelo:
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Algumas características básicas definem a administração pública gerencial. É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos (PEREIRA, 2005, p.28).
Pereira (2005) acrescenta ainda que o modelo gerencial surge como um
modo de enfrentar a crise fiscal pela qual os Estados estavam passando e se
configurava numa estratégia para tornar a administração pública mais eficiente e
menos custosa, visto o grande inflamento que esta sofreu nas últimas décadas.
O autor conceitua no documento “Plano Diretor de Reforma do Aparelho do
Estado de 1995” o modelo pós-burocrático a ser implantado no Brasil:
Administração Pública Gerencial – Emerge na segunda metade do século XX, como resposta de um lado, à expansão das funções econômicas e sociais do Estado, e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados ao modelo anterior. A eficiência da administração pública – a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário – torna-se então essencial. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações (BRASIL,1995).
Este tipo de modelo gerencial, de acordo com o Plano Diretor da Reforma do
Estado de 1995, “constitui um avanço e até determinado ponto, um rompimento com
a administração pública burocrática. Isto não significa, entretanto, que negue todos
os seus princípios”(BRASIL, 1995 p.16). Frisa-se, ainda no mesmo documento,
uma das diferenças mais marcantes dos modelos ao relatar que “a diferença
fundamental está na forma de controle, que deixa de basear-se nos processos para
concentrar-se nos resultados, e não na rigorosa profissionalização da administração
pública, que continua um principio fundamental”(BRASIL, 1995 p.16).
Pelas características da administração gerencial, cujo paradigma está
fundamentado nos princípios da confiança e na descentralização de decisões e
principalmente na satisfação dos usuários, pode-se concluir que esse perfil é o
oposto da visão da burocracia tradicional a qual atuava de forma engessada e se
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baseando na ideologia do formalismo e do rigor técnico dos procedimentos
(BRESSER PEREIRA, 2005).
Dessa forma, de acordo com Setti (2005) é possível dizer que os três modelos
de administração pública, em sua escala evolutiva, são os padrões que
historicamente se configuraram na maioria dos países capitalistas ocidentais e
determinaram as características mais marcantes da dinâmica entre Estado e
sociedade nestes países.
Para fins desse estudo sobre a reforma do Estado brasileiro, vimos nesta
parte sobre a abordagem tecnicista da qual o mentor do Plano da Reforma do
Aparelho do Estado Brasileiro Luiz Carlos Bresser Pereira é adepto e os modelos de
administração pública anteriores ao modelo gerencial. A seguir apresentamos as
fases e as dificuldades encontradas pela administração pública no Brasil para
enfrentar as crises que afetaram a condição de governabilidade e governança, bem
como a ferramenta que pretendeu implantar a administração pública gerencial no
Estado brasileiro.
3 METODOLOGIA
Os procedimentos utilizados neste estudo são: a pesquisa documental e
bibliográfica onde foram visitadas fontes primárias, no caso em que a fonte de dados
e informações foram extraídas de documentos, e secundárias, relativas a
informações cuja fonte são materiais transcritos de publicações disponíveis na forma
de livros, artigos, teses, dissertações e outros.
A pesquisa bibliográfica propiciou a formulação da base teórica da pesquisa
abordando aspectos sobre: o ambiente histórico e as abordagens da reforma do
estado, quais sejam, a tecnicista ou restrita e ampliada, sobre os modelos de
administração pública patrimonial, burocrática e gerencial e sobre o contexto da
reforma do estado brasileiro. A pesquisa documental envolveu o levantamento de
dados relativos ao PDRAE – Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado,
lançado oficialmente em novembro de 1995 pelo Ministério da Administração
Federal e da Reforma do Estado do governo brasileiro.
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O assunto é abordado pelo método qualitativo o qual, de acordo com
Richardson, visa descrever a complexidade de determinado problema, compreender
e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais e possibilitar, em maior
profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos
indivíduos (RICHARDSON, 2008).
4 A CRISE DA ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA E A BUSCA PELO MODELO GERENCIAL
Além dos problemas econômicos e políticos conhecidos na história recente do
Brasil, é importante situar os acontecimentos no período mais antigo da história do
país para entender como a estrutura burocrática estatal foi implantada no Brasil,
ainda colonial, e, principalmente como já explicitado, na fase de exploração intensa
pela coroa portuguesa. Naquele momento, a Coroa portuguesa centralizava e
controlava diretamente os movimentos de expansão e exploração, fruto
principalmente das descobertas de novas rotas marítimas (MARTINS, 1997). O autor
relata que:
[...] Portugal passou ao largo das duas grandes transformações que trouxeram uma nova era ao mundo: a Revolução Industrial e o Iluminismo. Vamos dizer, de forma brusca, que isso contribuiu para prolongar a existência de uma estrutura de poder: a) no poder absolutista de uma monarquia que se mantinha através do monopólio que possuía sobre o comercio; e b) em um enorme aparelho estatal ocupado por uma classe economicamente improdutiva, formada por uma antiga nobreza de espada, que, uma vez terminadas as guerras contra os mouros e a Espanha, não sabia o que fazer com suas armas. A descoberta de novas rotas marítimas para a exploração e conquista de novos territórios de pilhagem, sob o controle direto e em nome da Coroa, tornou-se uma das principais fontes da receita estatal portuguesa (MARTINS, 1997, p. 14).
Após a independência do Brasil, essa herança colonial ininterrupta fez surgir
um conglomerado de estruturas oligárquicas de poder espalhadas pelo País e até
as primeiras décadas do século XX a acumulação capitalista e as atividades de
exportação (tais como o café) eram extremamente dependentes da manipulação da
taxa de câmbio pelo Estado, com o objetivo de compensar as oscilações do preço
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dos produtos agrícolas no mercado internacional (MARTINS,1997). Relata ainda
Martins (1997, p.15 ) sobre a herança colonial no Brasil:
Essa é, naturalmente, uma simplificação extrema, quase perigosa. Mas ela ajuda a entender o seguinte aspecto: o patrimonialismo, o clientelismo, a burocracia extensiva e a intervenção do Estado na economia estão inscritas na tradição brasileira como características persistentes da herança colonial. Alguns desses traços também tornaram-se profundamente enraizados na cultura política brasileira e, de forma surpreendente, sobreviveram às enormes mudanças que o País atravessou nos últimos 50 anos. Talvez seja por isso que a política parece sempre estar em descompasso com as transformações econômicas e sociais.
E complementa o autor afirmando que a modernização das estruturas do
governo federal e a profissionalização dos quadros da administração pública
tornaram-se questões importantes somente nos meados dos anos 1930, na onda de
centralização e tendências reformistas trazidas pela Revolução de 1930
(MARTINS,1997).
Ao analisar a reforma do estado brasileiro, Bresser Pereira (1997) que foi o
idealizador da proposta, explica que esta envolveu quatro importantes problemas
que, mesmo interdependentes, podem ser pontuados: a) um problema econômico-
político – a delimitação do tamanho do estado; b) um outro problema também
econômico-político, mas que merece tratamento especial - a redefinição do papel
regulador do Estado; c) um econômico-administrativo - a recuperação da
governança ou capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões
políticas tomadas pelo governo; e d) um político - o aumento da governabilidade ou
capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade e
governar.
Ainda de acordo com Bresser Pereira (1997), o Estado desempenha papel
fundamental no bom funcionamento do sistema econômico, sendo a existência deste
um pressuposto para o bom funcionamento da economia de mercado.
Quando dizemos que esta Grande Crise teve como causa fundamental a crise do Estado - uma crise fiscal do Estado, uma crise do modo de intervenção do Estado no econômico e no social, e uma crise da forma burocrática de administrar o Estado - está pressuposto que o Estado, além de garantir a ordem interna, a estabilidade da moeda e o funcionamento
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dos mercados, tem um papel fundamental de coordenação econômica (BRESSER PEREIRA, 1997, p.9).
O Estado, dessa forma, age de forma a harmonizar tanto o ambiente interno
como as relações com o exterior, no que se refere aos desajustes que possam
ocorrer devido a turbulências inerentes aos ciclos político-econômicos. Esta
harmonia é o que traduz a boa governança e propicia condições para a
governabilidade.
A crise dos anos 80, dessa forma, em boa parte é vista como uma crise de
governança e governabilidade3, ou seja, o Estado em determinado momento perde a
capacidade de promover a harmonia do sistema econômico encontrando
dificuldades em dar respostas aos agentes. Não caberá aqui detalhar todas as
causas e as dimensões da crise brasileira, mas cabe destacar fatores importantes
que contribuíram para o start da turbulência vivenciada naquele período. Como
fatores exógenos destacam-se os choques do petróleo (1973 e 1979) e, como
consequência, a crise da dívida externa, fruto das altas taxas de juros internacionais
praticadas pelos países industrializados importadores de petróleo que transferiam,
sobretudo os países em desenvolvimento e dependentes deste insumo energético, o
ônus de ajustar suas economias aos novos padrões de relações econômicas e
financeiras (MARTINS, 1997)
Por outro lado, esses desafios e pressões externas atingem o Brasil no
momento em que se constata o esgotamento do modelo desenvolvimentista
baseado na industrialização pela substituição de importações, altamente centrado na
ação do Estado com o consequente desgaste da ordem político-institucional que
sustentava esse modelo burocrático (MARTONE, 2007).
Diniz (1996 apud MARTONE, 2007) sobre o assunto assim se pronuncia:
[...] em contraposição às interpretações dicotômicas, parece-me mais adequada uma perspectiva que integre os dois planos da análise, associando à dimensão externa os condicionamentos internos relacionados à corrosão da ordem pregressa. Por esta razão, o descompasso entre o Estado e a sociedade situa-se no cerne da presente crise. O hiato entre uma institucionalidade estatal rígida, dotada de fraco potencial de incorporação política, e uma estrutura social cada vez mais complexa e
3 Para Diniz, governabilidade “refere-se às condições sistêmicas mais gerais sob as quais se dá o exercício do poder numa dada sociedade” e governança “refere-se ao conjunto dos mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses (DINIZ, 1996, p.22).
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diferenciada exacerbou as tensões ligadas ao processo de modernização. Instaurou-se um sistema multifacetado e multipolar de representação de interesses, através do qual a sociedade extravasou do arcabouço institucional vigente, implodindo o antigo padrão corporativo do Estado sobre a sociedade (1996, p.3).
Refletindo sobre os antecedentes da crise brasileira, que tem raízes na
década de 1960, e que culminaria mais tarde na crise do modelo do estado
burocrático, Bresser Pereira (1968) discute pontos relevantes que demonstram a
perda progressiva da capacidade do estado na determinação de soluções eficientes
aos problemas surgidos no sistema econômico. Este autor aponta que até o início
de 1960 pouca gente pensava em termos de crise no Brasil. O que estava em
debate, naquele momento, eram as grandes transformações econômicas, sociais e
políticas pelas quais o Brasil estava passando, a chamada “Revolução Brasileira” e
até aquele momento um sentimento otimista pairava sobre o futuro do país. “O
Brasil não era mais o pais do futuro. Estava se transformando rapidamente nesse
país” (PEREIRA, 1968, p.128).
A partir de 1961, porém, o país começa a assistir à mudança neste panorama
e o sentimento, até então de otimismo, foi dando lugar à dúvida que se transformou
rapidamente em pessimismo. “O país foi pouco a pouco entrando em uma
conjuntura de crise, em que as dificuldades emergentes superavam as soluções
encontradas. Entramos em uma fase histórica que chamaremos de Crise Brasileira”
(PEREIRA, 1968, p. 129).
Para Tavares e Serra (1973), a crise era fruto da dinâmica econômica natural
do processo de acumulação capitalista e caracterizava-se numa crise cíclica onde a
principal análise era sobre as condições adequadas para a continuidade do
processo de acumulação de capital e sobre quais condições estaria fundamentado o
desenvolvimento capitalista.
Nossa idéia é de que a crise que acompanha o esgotamento do processo substitutivo representa no essencial, pelo menos no caso de alguns países, uma situação de transição a um novo esquema de desenvolvimento capitalista. Este pode apresentar características bastante dinâmicas e ao mesmo tempo reforçar alguns traços do "modelo" substitutivo de crescimento em suas etapas mais avançadas, ou seja, a exclusão social, a concentração espacial, bem como o atraso de certos sub setores econômicos quanto aos níveis de produtividade (TAVARES; SERRA, 1973, p.157).
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Esta turbulência ocorrida em meados da década de 1960 é entendida, por
estes autores, como uma transição à um novo estilo de desenvolvimento capitalista
que supunha, dada a existência de uma base produtiva adequada, um novo
esquema de concentração de poder e renda, bem como novos mecanismos de
estímulos adequados a outra etapa de integração com o capitalismo internacional
(TAVARES; SERRA, 1973).
A crise não estava restrita ao aspecto econômico em meados da década de
1960, também se configurava uma crise de ordem política que afetava diretamente
a relação do estado com a sociedade. Dois fatores, de caráter mais geral, podem
representar os maiores problemas neste âmbito na época: a falta de
representatividade política e o militarismo intervencionista. Conforme aponta
Pereira (1973, p.135) sobre fatos ocorridos em meados da década de 1960:
Todo sistema democrático tem como um de seus objetivos fundamentais ser representativo. Não há democracia sem representação, não há liberdade sem participação nas decisões superiores, não se pode falar em Governo do povo se este não está presente no Governo através de todos os grupos e classes sociais, através de todas as correntes políticas e ideológicas em que esse mesmo povo se subdivide. No Brasil a falta de representatividade de há muito está no cerne dos nossos problemas políticos. O simples fato, por exemplo, de metade da população brasileira adulta não ter direito a voto ilustra bem o que afirmamos. Recentemente, porém, este problema se agravou. A falta de representatividade passou para o centro dos problemas políticos brasileiros, na medida em que se acentuava o divórcio entre governantes e governados.
Outro fator de suma importância para entender a crise no âmbito político foi a
transição do militarismo tutelar a dominador no ano de 1964. Sobre este assunto
destaca Pereira (1973, p.137):
[...] O militarismo era tutelar no sentido em que os militares consideravam o país sob sua tutela. Aos políticos ligados por toda uma série de laços de interesses aos fazendeiros, aos grandes comerciantes, banqueiros e industriais, caberia governar o país. Mas os militares permaneceriam vigilantes, arbitrando os conflitos, moderando as disputas, exercendo sua missão de tutela, que lhes era conferida pelo poder que representavam e pela situação relativamente afastada do processo político e do processo econômico em que se encontravam [...]. A partir da revolução de 1964, o militarismo de tutelar, passou a dominador. Os militares não só intervieram, dentro ainda do seu típico papel tutelar, como também decidiram conservar o poder. Esta era naturalmente uma transformação decisiva, que punha ainda mais em jogo o débil sistema democrático do país e vinha ajudar a definir a crise política por que estamos passando.
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Esses foram alguns aspectos econômicos e políticos vividos no Brasil na
década de 1960. Naquele momento já se delineava uma situação de extrema
turbulência que, aliada a uma forma burocrática e engessada de governo, criava
dificuldades internas e externas para que soluções fossem forjadas.
A administração pública burocrática clássica foi implantada nos países
europeus no final do século XIX, nos Estados Unidos no começo do século XX e no
Brasil em 1936. É a burocracia descrita por Max Weber, baseada no mérito
profissional. Foi adotada porque se configurava em alternativa muito superior à
administração patrimonialista do Estado, na qual o patrimônio público e privado eram
confundidos e onde o Estado era entendido como propriedade do Rei.
Neste modelo de administração patrimonialista, o nepotismo e o empreguismo
(senão a corrupção) eram a Lei. Com o desenvolvimento do capitalismo industrial
das democracias parlamentares no século XIX, esse tipo de administração revelou-
se incompatível, pois no capitalismo é essencial a separação entre o Estado e o
Mercado. (PEREIRA, 1996). “[...] tornou-se assim necessário desenvolver um tipo de
administração que partisse não apenas da clara distinção entre o público e o
privado, mas também da separação entre o político e o administrador público. Surge
assim a administração burocrática moderna, racional-legal”4 (PEREIRA, 1996, p.5).
A crise da forma burocrática de administrar o Estado se consolida depois da
Constituição de 1988, antes mesmo que a própria administração pública burocrática
pudesse ser plenamente instaurada no país (PEREIRA, 1996). Neste aspecto, relata
Pereira (1998, p.14):
[...] a crise da forma burocrática de administrar o Estado emergiu com toda a força a partir da Constituição de 1988, que instituiu uma Administração Pública altamente centralizada, hierárquica e rígida, bem como reafirmou privilégios corporativistas e patrimonialistas incompatíveis com a realidade econômica e social do país. A referida Carta Magna, ao ampliar, também, o leque dos direitos sociais dos cidadãos, sem estabelecer a respectiva contrapartida de suas fontes de financiamento, contribuiu para a elevação do custo dos serviços sociais, fazendo decair a qualidade e eficiência na prestação dos mesmos.
4 De acordo com Max Weber “correspondem naturalmente ao tipo da dominação ‘legal’ não apenas a estrutura moderna do Estado e do Município, mas também a relação de domínio numa empresa capitalista privada, numa associação com fins utilitários ou numa união de qualquer outra natureza que disponha de um quadro administrativo numeroso e hierarquicamente articulado” (WEBER, 1997, p. 37).
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No entanto, Pereira (1996; p.3) ressalta que, apesar dos problemas
decorrentes da forma burocrática de administrar o estado terem se agravado na pós
constituinte, estes problemas vieram tomando forma desde o início do governo
militar, conforme já referenciado anteriormente:
A crise da administração pública burocrática começou ainda no regime militar não apenas porque não foi capaz de extirpar o patrimonialismo que sempre a vitimou, mas também porque esse regime, ao invés de consolidar uma burocracia profissional no país, através da redefinição das carreiras e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta administração, preferiu o caminho mais curto do recrutamento de administradores através das empresas estatais.
Durante o regime autoritário, o debilitamento dos padrões da administração
central, por meio da erosão salarial e da migração de seus melhores quadros para o
setor paraestatal, foi de alguma forma obscurecida pela natureza autoritária do
regime. Na verdade, os governos militares perderam o controle da expansão do
setor paraestatal semi-independente: 60% das empresas públicas, fundações,
autarquias e empresas estatais existentes foram criadas entre 1966 e 1976
(MARTINS,1997).
Ainda explica Martins (1997, p.10) que a sobreposição de burocracias vertical
e horizontal provocou fraturas no aparelho estatal trazendo dificuldades para a
governabilidade.
O relacionamento entre o governo central e um setor paraestatal quase autônomo passou a ser complicado, tornando bastante difícil a coordenação de políticas públicas. Apesar disso, algumas ilhas de excelência foram criadas ou sobreviveram dentro da administração federal, e até certo ponto garantiram a governabilidade durante a transição para o regime democrático.
O modelo burocrático, baseado na centralização das decisões, na hierarquia
rígida e no controle passo a passo dos processos administrativos, que Max Weber
descrevia como uma forma de dominação “racional – legal”, tornou-se autorreferido
e, a partir dos anos 1970, com a redefinição do papel do Estado e a globalização da
economia, apresentou seu esgotamento, uma vez que era incapaz de atender às
novas demandas de democratização e eficiência do serviço público, que exigiam
novas formas de gestão mais participativas, mais compatíveis com os avanços
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tecnológicos, bem como estruturas mais ágeis, flexíveis, descentralizadas e mais
voltadas para o controle de resultados do que para o controle de procedimentos.
(PEREIRA, 1998)
O problema com a cultura burocrática em relação ao serviço público seria o
fato de que:
[...] ela mantém uma desconfiança fundamental nos políticos que estariam sempre prontos a subordinar a administração pública a seus interesses eleitorais. Na prática, o resultado é uma desconfiança nos administradores públicos, aos quais não se delega autoridade para decidir com autonomia os problemas relacionados com recursos humanos, materiais e financeiros. (...) Esses obstáculos a uma administração pública eficiente só poderão ser superados quando, conjuntamente com a mudança, institucional-legal ocorra uma mudança cultural no sentido da administração pública gerencial (PEREIRA,1996).
Neste contexto surge, a partir da segunda metade do século XX, em resposta
à crise da forma burocrática de administrar o Estado, a proposta da administração
pública gerencial, orientada pelos valores de eficiência e da eficácia, como forma de
aumentar a sua governança5 e proteger o patrimônio público (res publica) do “rent-
seeking”, isto é, da apropriação por grupos de interesse (PEREIRA; SPINK, 1998).
As diretrizes para o início de uma ampla reforma do aparelho estatal foram
traçadas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE que trazia
objetivos no intuito de reforçar a governança do Estado por meio da implantação da
administração gerencial.
5 PROPOSTA DO PLANO DIRETOR DA REFOMA DO APARELHO DO ESTADO – PDRAE
A partir de 1995, com o início do governo Fernando Henrique Cardoso, surge
uma nova oportunidade de se realizar a reforma gerencial do aparelho do Estado
para, no médio prazo, tornar mais eficiente e moderna a administração pública
brasileira, voltando-a para o atendimento aos cidadãos. Publicado em dezembro de
5 Governança é um termo relativamente novo que vem sendo utilizado pelo Banco Mundial. Existe governança em um Estado quando seu governo tem condições financeiras e administrativas para transformar em realidade as decisões que toma.
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1995, o PDRAE – Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado é resultado de
trabalho elaborado no então Ministério de Administração e Reforma do Estado
(MARE)6 e tratava-se, nas palavras do então presidente Cardoso, do instrumento
para enfrentar o desafio histórico com que se defrontava o país: “articular um novo
modelo de desenvolvimento” em que o Estado exercesse com eficácia “sua ação
reguladora, no quadro de uma economia de mercado, bem como os serviços
básicos que presta e as políticas de cunho social que precisa implementar” (BRASIL,
1995).
O Plano Diretor do Aparelho do Estado parte da afirmação de que o Estado e
o mercado são as duas instituições centrais na coordenação econômica no sistema
capitalista e que a crise que se inicia na década de 1970, mas que no Brasil, só teria
sido sentida nos anos 1980, é uma crise de Estado. Para chegar a um diagnóstico,
a administração pública, por meio do PDRAE, identifica três formas de administração
pública, quais sejam: administração patrimonialista, administração pública
burocrática e a administração pública gerencial e, assim, descreve um breve
histórico de seu desenvolvimento no Brasil. A partir desse diagnóstico, constrói um
modelo conceitual que distingue quatro setores do aparelho do Estado: o núcleo
estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não-exclusivos e a produção de
bens e serviços para o mercado (BRASIL, 1995).
Cada um desses quatro setores retrocitados apresenta características
peculiares, tanto no que se refere às suas prioridades, quanto aos princípios
administrativos adotados. No núcleo estratégico, o fundamental é que, em primeiro
lugar, as decisões sejam as melhores e atendam eficazmente ao interesse nacional
e, em seguida, que sejam efetivamente cumpridas. Logo, a efetividade é mais
importante que a eficiência. Por outro lado, nos setores das atividades exclusivas,
dos serviços competitivos (ou não- exclusivos) e da produção de bens e serviços
para o mercado, o importante é a qualidade e o custo dos serviços prestados aos
cidadãos (PEREIRA, 1998).
Esses setores são ainda diferenciados em relação à forma de propriedade
(pública, pública não-estatal e privada) e ao tipo de gestão (burocrática e gerencial).
A partir do diagnóstico efetuado e os pressupostos teóricos previamente fixados, o 6 O Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) foi criado no início do Governo de Fernando Henrique Cardoso. A criação do MARE pela medida provisória nº 813/95 significou um comprometimento explicito com uma agenda de reforma do Estado e atribuição ao novo órgão de competência específica na formulação e coordenação de políticas e diretrizes na matéria.
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PDRAE estabelece então os objetivos para a reforma do aparelho do Estado
compreendendo objetivos gerais e específicos em função das características de
cada um dos quatro setores previamente identificados. O documento prevê ainda
que sua implementação deverá contar com a articulação de diferentes estruturas
institucionais, cada qual com suas macro atribuições (BRASIL, 1995).
A estratégia da Reforma do Aparelho do Estado foi concebida a partir de três
dimensões: a primeira, institucional-legal, trata da reforma do sistema jurídico e das
relações de propriedade; a segunda é cultural, centrada na transição de uma cultura
burocrática para uma cultura gerencial; a terceira dimensão, considerada a mais
difícil pelos arquitetos do Plano, aborda a gestão pública a partir do aperfeiçoamento
da administração burocrática vigente e da introdução da administração gerencial,
incluindo os aspectos de modernização da estrutura organizacional e dos métodos
de gestão. A proposta é que estas dimensões, apesar de guardarem certa
independência, operem de forma complementar (BRASIL,1995). Quanto às
perspectivas das reformas ainda no início de sua implementação, assim relatou
Pereira (1996, p.25):
Um ano depois de iniciada, posso afirmar hoje que as perspectivas em relação à reforma da administração pública são muito favoráveis. Quando o problema foi colocado pelo novo governo, no início de 1995, a reação inicial da sociedade foi de descrença, senão de irritação. Na verdade, caiu uma tempestade sobre mim. A imprensa adotou uma atitude cética, senão abertamente agressiva. Várias pessoas sugeriram-me que "deveria falar menos e fazer mais", como se fosse possível mudar a Constituição sem antes realizar um amplo debate. Atribuí essa reação à natural resistência ao novo. Estava propondo um tema novo para o país. Um tema que jamais havia sido discutido amplamente. Que não fora objeto de discussão pública na Constituinte. Que não se definira como problema nacional na campanha presidencial de 1994. Que só constava marginalmente dos programas de governo. Em síntese, que não estava na agenda do país. À resistência ao novo, entretanto, deve ter-se somado um segundo fator. Segundo Przeworski (1995), o êxito da reforma do Estado depende da capacidade de cobrança dos cidadãos. Ora, a cultura política no Brasil sempre foi antes autoritária do que democrática. Historicamente o Estado não era visto como um órgão ao lado da sociedade, oriundo de um contrato social, mas como uma entidade acima da sociedade. Desta forma, conforme observa Luciano Martins (1995a: 35), "a responsabilidade política pela administração dos recursos públicos foi raramente exigida como um direito de cidadania. Na verdade, o princípio de que não há tributação sem representação é completamente estranho à cultura.
No entanto, ao final do ano de 1995 já estava consolidada a convicção de que
a reforma constitucional tinha ampla condição de ser aprovada no congresso e que
era de fundamental importância para o ajuste fiscal de estados e municípios, além
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de essencial para promover a transição de uma administração pública e burocrática,
lenta e ineficiente, para uma administração pública gerencial, descentralizada e
eficiente voltada para o atendimento aos cidadãos. Existiam ainda pontos de
resistências às reformas, representados pelos setores médios e baixos do
funcionalismo, além daqueles representantes que se apoiavam no clientelismo
patrimonialista ainda vivo naquele momento e cujos beneficiários muitas vezes eram
cabo eleitorais ou familiares de políticos (PEREIRA, 1996).
As propostas eram ousadas e para que fossem postas em prática,
necessitaria de amplas negociações da presidência e seu grupo. As barganhas
para as aprovações das legislações que sustentaram o arcabouço jurídico da
reforma brasileira, assim como as limitações impostas pelo jogo político, tiveram
forte influência no grau de avanços, retrocessos e nas resistências encontradas para
efetuar as transformações pretendidas (SETTI, 2011).
6 AÇÕES EFETIVADAS NA REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA O Plano pretendia basicamente transformar um Estado até então promotor do
desenvolvimento como agente direto para um estado promotor de desenvolvimento
em seu caráter regulador. O Estado se reduziria e passaria a gestão e execução de
serviços não exclusivos para a iniciativa privada, que por principio, segundo reza a
cartilha liberal, tendem a ser mais eficientes e gerar melhores resultados.
Um instrumento largamente utilizado para alcançar esses objetivos foi a
privatização de empresas públicas, o que gerou bastante criticas por parte da
sociedade civil que consideravam tal movimento como a “entrega do patrimônio
público”7 ou a privatização do Estado. O Plano pretendia basicamente transformar
7 Há quem diga que o processo de privatização no Brasil, além de lesivo ao patrimônio público, foi abastecido por uma fonte inesgotável de propinas e corrupção (RIBEIRO JR.: 2012). Empresas lucrativas pertencentes ao Estado foram “vendidas” a presos irrisórios. Houve demissão em massa de servidores públicos. Para pagar as indenizações e aposentadorias dos servidores, o Estado teve de contrariar empréstimos bilionários. E, parte do pouco que o Estado recebeu a título de pagamento pela venda das empresas, veio como moedas podres (RIBEIRO JR.: 2012). Joseph Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial, apelidou o processo de privatização no 3º Mundo como “briberization”, ou seja, ladroagem. Elio Gaspari, jornalista, chamou as nossas privatizações de privataria– uma união entre privatização e pirataria (RIBEIRO JR.: 2012, p. 40). Por outro lado, a melhoria na eficiência da prestação de serviços das antigas estatais é um forte argumento dos entusiastas
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um estado até então promotor do desenvolvimento como agente direto para um
estado promotor de desenvolvimento em seu caráter regulador. O então presidente
Fernando Henrique Cardoso, confessou certa cautela sobre o assunto em uma de
suas entrevistas:
No início, eu próprio tinha resistência à ideia das privatizações. Eu me recordo que na campanha eleitoral e o tempo todo nos meus primeiros anos na presidência me perguntavam da privatização da Vale. E eu estava convencido que era lobby. Não passava pela minha cabeça a privatização da Vale. Quem em algum momento conversou comigo sobre isso foi o Serra, que era favorável a privatização da empresa. O Clovis Carvalho também era e falou comigo. Não foram os únicos mas, entre os mais próximos foram eles somente, de que eu me lembre (SORJ; FAUSTO, 2010 apud SETTI, 2011 p.157).
Por outro lado, o mesmo presidente argumenta racionalmente sobre o que se
tornaram as empresas públicas no Brasil nos anos posteriores ao fim da ditadura
militar:
As empresas públicas eram um butim, aquilo ali não tinha nada a ver com o povo. Tinha a ver com interesses particularistas de partidos e de pessoas. Eram estatais no sentido abstrato, porque concretamente elas eram objeto do jogo de interesses privados, de grupos, embora sob forma estatal. Mas o controle não era realmente do Estado. No regime militar, o jogo se dava no círculo restrito das burocracias e dos grandes grupos empresariais, mas havia certa racionalidade, questionável, mas havia. No retorno à democracia, o vírus do clientelismo e da corrupção tornou-se mais vigoroso e se espalhou (SORJ; FAUSTO, 2010 apud SETTI, 2011, p, 158).
O Programa Nacional de Desestatização (PND), iniciado em 1990, instituído
pela Lei 8031/90, ainda no turbulento governo de Fernando Collor, gerou até 2002
arrecadações no valor de 105,89 bilhões de dólares, tendo destaque na participação
do montante os setores de telecomunicações (32%) e Energia elétrica (30%).
Este primeiro conjunto de reformas chamadas de “primeira geração” que
incluíram além do programa de privatizações, também a abertura comercial e
financeira e a política de desregulamentação, tiveram como objetivo devolver a
da privatização. Dados indicam que os setores das telecomunicações e elétrico (fatia privatizada) apresentaram resultados positivos após terem sido privatizados. Para maiores detalhes, a obra “O Brasil Privatizado” do autor Aloysio Biondi (1999) explora de forma detalhada o processo de privatização ocorrido no Brasil a partir dos anos 1990.
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saúde fiscal do estado, reduzir seu déficit, reduzir a inflação, renegociar as dívidas e
fazer com que este voltasse a ser um agente ativo no seio da sociedade.(SETTI,
2011).
Após este pacote de reformas passou-se então a pensar na melhoria da
gestão da máquina pública buscando a eficiência da administração pública.
As reformas de “segunda geração”, seguindo as diretrizes do PDRAE, tiveram
ações voltadas na busca da melhoria da competência dos recursos humanos e
também para implantação de recursos tecnológicos para que se evitassem
desperdícios de tempo. Além disso, se buscou também criar mecanismos de
controle e de transparência. Considerando tais diretrizes foi posto em prática a
proposta para a mudança e assimilação do modelo de gestão pública gerencial nos
setores de prestação de serviços ao público ou de atividades de fomento e
fiscalização, mediante novas formas de articulação entre a administração direta e
indireta (SETTI, 2011).
A partir dessa nova concepção foram perseguidas as transformações
necessárias formuladas no âmbito do MARE. Dentre as principais ações estão a
aprovação da emenda Constitucional nº19 que introduziu inúmeras modificações no
texto constitucional na busca de melhoria nos processos de gestão.
Outra importante ação foi a aprovação da PEC nº 33, a Emenda da
previdência social, que procurou corrigir algumas distorções e eliminar alguns
privilégios “as principais mudanças compreenderam a revisão de regras de acesso
aos benefícios, visando a contenção da retirada precoce do assegurado da atividade
produtiva, mediante a introdução de exigência de idades mínimas para acesso a
aposentadorias voluntárias” (BRASIL,1998 p.32).
Quanto ao fortalecimento do núcleo estratégico foram tomadas várias
medidas no sentido de resgatar a atuação do Estado como regulador de mercados e
fomentador dos serviços de interesse coletivo. A principal ação foi a retomada do
recrutamento de servidores para as chamadas “carreiras de Estado”, bem como a
reestruturação dessas carreiras. Foi aplicado um reposicionamento das
remunerações desses servidores com a instituições de gratificações por
desempenho (SETTI, 2011).
A Política Nacional de Capacitação dos Servidores Públicos Federais foi
regulamentada pelo decreto nº 2.794, de outubro de 1998, assegurando ao servidor
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pelo menos uma oportunidade de capacitação ao ano, passando este também a
contar com a Licença-capacitação, que permite, a cada cinco anos, sua liberação do
trabalho para frequentar cursos de até 176 horas, em tempo integral.
Com relação à racionalização e terceirização de serviços, o Decreto nº 2.271
de julho de 1997 regulamentou a execução indireta de atividades na administração
pública em atividades como: de conservação e limpeza, segurança, vigilância,
transportes, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de
prédios equipamentos e instalações além das atividades de natureza acessória,
instrumental ou complementar em relação à área de competência do órgão ou
entidade. A Lei nº 9.632/98, em vigor desde a emissão da Medida Provisória nº
1524 de 11 de outubro de 1996, promoveu a extinção de cargos obsoletos e/ou
adequados à privatização (BRASIL, 1998).
Outro importante passo na melhoria da eficiência dos processos da gestão
pública e dos custos, foi a revisão da Lei de Licitações, a Lei nº 8.666 de 1993 que
regulamenta as compras e as contratações na administração pública.
Para o setor de atividades exclusivas do Estado o modelo institucional a ser
adotado era o das Agências Executivas que tiveram seu inicio através de projetos-
piloto. A medida provisória nº 1.549-28, de 14 de março de 1997, convertida na Lei
nº 9.649 de 27 de maio de 1998 regulamentou a qualificação das autarquias e
fundações da administração federal como agências executivas (BRASIL, 1998).
Já para o setor das atividades não exclusivas do Estado, o modelo
institucional utilizado foi o das Organizações Sociais (OS). A Medida provisória nº
1591 de 1997 convertida na Lei nº 9637 de 1998, estabeleceu o marco legal do
início das Organizações Sociais. As áreas para estas deveriam ser: ensino,
pesquisa, desenvolvimento tecnológico, preservação e proteção ao meio ambiente,
cultura e Saúde. Este é o modelo chamado “publicização” que se traduz na
passagem da oferta de alguns serviços para o “público não-estatal”, porém o estado
financia e fiscaliza entidades devidamente habilitadas pra tal fim (BRASIL, 1998).
Estas são algumas das principais mudanças em termos legais e institucionais,
vejamos agora as principais ações para melhoria no âmbito da gestão pública do
país.
A criação do Programa de Qualidade e Participação visou orientar e
coordenar ações voltadas para a qualidade na administração pública e foi
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direcionado para a melhoria da gestão e para a disseminação das metodologias e
técnicas de qualidade na administração pública.
Outra importante ação foi o lançamento do Programa de Reestruturação e
Qualidade dos Ministérios e das Secretarias da Presidência da República. Tinha
como diretrizes básicas a redução de custos da máquina administrativa, a
racionalização das estruturas organizacionais, o fortalecimento das funções de
formulação, supervisão e avaliação de políticas públicas, a ampliação da autonomia
da gestão das autarquias e outras entidades responsáveis pela execução de
atividades exclusivas do Estado (SETTI, 2011).
Houve a estruturação de uma Programação Anual de Concursos, que fixava
diretrizes para a renovação progressiva e planejada dos quadros da administração
publica, compatibilizando com a necessidade rigorosa de restrição ao aumento de
despesas.
O revigoramento da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) foi
outra importante iniciativa para o aprimoramento na Gestão Pública, tanto como
instrumento de auxílio às políticas e projetos do MARE, como também considerando
seu essencial papel no projeto de capacitação de servidores (SETTI, 2011).
De um modo geral foram implementadas ações de redução e racionalização
do custo da maquina pública com medidas de contenção de reajustes de servidores
federais além do controle sobre a folha de pagamentos com a ampliação da
utilização do SIAPE (Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos).
Outras ações nesse sentido foram as auditorias nas folhas de pagamento
para detectar irregularidades, o Recadastramento de Aposentados e Pensionistas, o
Programa de Desligamento Voluntário e a Revisão das Disposições da Lei nº
8.112/90.
Por último, temos ações voltadas para o setor da tecnologia e informação cuja
melhoria na disponibilização de dados da administração pública na internet, bem
como a convergência dos sistemas de dados de pessoal, de administração
financeira, orçamento e serviços gerais permitiu inúmeros benefícios para a melhoria
da gestão e do acesso à informações sobre a administração pública (SETTI, 2011).
Dessa forma , este aparato de ações implementadas nos âmbitos legal,
institucional e de gestão representam, apesar de não estar descrita aqui em forma
detalhada e completa, de um modo geral, a materialização da busca pela
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modernização da gestão pública baseada em princípios da administração gerencial.
Obviamente a Reforma Administrativa que almeja a transição de um modelo
burocrático para um modelo gerencial deverá ser trabalhada por vários governos, e
não deve ser confundida com um plano de governo, mais sim deve estabelecer uma
nova cultura em termos de administração pública.
7 CONCLUSÃO
O trabalho teve como objetivos norteadores a contextualização histórico-
política da necessidade de mudanças na gestão pública, além de revelar os
desdobramentos e reflexos da proposta de reforma gerencial no Brasil lançada no
governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Com base na pesquisa
documental e bibliográfica foi formulado um breve contexto sobre o movimento de
Reforma do Estado Nacional no mundo, enfocando a necessidade de se buscar uma
resposta à perda progressiva da capacidade deste em atender as demandas
crescentes e ser eficiente em termos econômicos sociais e administrativos.
No referencial teórico tratou-se das abordagens pelas quais as reformas
foram tomando forma no mundo. Descreveu-se sucintamente desde a abordagem
tecnicista ou reduzida, onde as questões em relação ao ajuste fiscal e ao
disciplinamento do gasto público embasado na concepção um Estado mais enxuto
foi a estratégia aplicada, até uma visão mais ampla ou expandida, considerada a
estratégia oposta à visão técnica quanto a atuação e a interferência do Estado na
sociedade civil. Este entendimento conceitual é ponto crucial para entender o viés
das ações implementadas no Brasil.
A conceituação de administração pública patrimonialista, burocrática e
gerencial foi importante para dar suporte ao que é tratado no desenvolvimento do
contexto histórico-político do esfacelamento do modelo burocrático e da proposta de
modelo gerencialista. Ao apresentar os objetivos traçados no Plano, pode-se
perceber que o Estado procurava claramente ajustar o seu tamanho e papel, não
abrindo mão da atuação no desenvolvimento do país, porém de forma mais
reguladora do que propriamente executiva.
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Um ponto frágil do trabalho, por conta da própria delimitação do assunto, foi
não ter explorado a concepção teórica do pensamento liberal e de sua releitura
moderna, o neoliberalismo, visto que essa teoria fornece sustentação conceitual
para se entender um modelo de Estado reduzido e pró-mercado.
No Brasil, mesmo que muitas críticas tenham existido na época da formulação
do Plano de Reforma, por este ter uma natureza mais aproximada da visão
neoliberal, a reforma dos anos 1990 se deu de forma cautelosa e o País, ao que se
conhece, não se sujeitou completamente a todas as pressões internacionais no
sentido de uma obediência completa ao receituário traçado pelo economista John
Willianson no pacote de medidas de ajustes do Consenso de Washington, proposto
para os países em desenvolvimento.
Sem ignorar os resultados positivos alcançados pela reforma gerencial, o fato
é que o consenso entre os autores estudiosos da reforma no Brasil concluem que,
apesar de o alvo das reformas ser o alcance de uma administração gerencial com
ênfase nos resultados, o que realmente ocorreu foi a coexistência dos três modelos
de administração pública. Estes resquícios de patrimonialismo e da burocracia ainda
travam o avanço em direção a uma administração realmente gerencial e eficiente
(SETTI, 2011).
As mudanças ocorridas no âmbito da gestão pública no Brasil, não
totalmente ocorreram da forma como planejado. Rezende (2004) argumenta sobre
este problema ressaltando que existiu uma contradição interna intrínseca aos
próprios projetos da reforma. Aponta o fato da dificuldade de melhorar a
performance do Estado gastando menos, o que significaria conseqüentemente em
redução no nível do investimento público.
Muitas dificuldades foram encontradas para que a proposta de reforma
traçada no PDRAE fosse efetivamente posta em prática. Em determinados
momentos os próprios ministérios não se entendiam quanto as prioridades de ações,
acabando por fragilizar o MARE e o próprio PDRAE. Uma fragilidade era que o
MARE se encontrava no mesmo nível hierárquico dos outros ministérios, o que o
impedia de agir energicamente em relação a toda estrutura da máquina
governamental em prol do alcance dos objetivos traçados no Projeto de Reforma.
Até o fim do Governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2002, a reforma
brasileira ainda estava bastante incompleta e suas ações ainda esbarravam na
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cultura patrimonialista e burocrática ainda presentes em várias esferas do poder
público.
Por fim, de uma forma geral, o artigo mostrou como o governo brasileiro
tentou superar as dificuldades históricas da gestão pública fundamentada na
plataforma da administração burocrática lançando mão de uma estratégia, que na
visão dos formuladores do plano, torna o Estado mais leve e eficiente, a chamada
administração gerencial introduzida no Brasil por meio do Plano Diretor da Reforma
do Estado – PDRAE.
O desafio para um estudo futuro é o de avaliar os períodos posteriores ao da
implantação das reformas da década de 1990 e esclarecer sobre a continuidade ou
estancamento do processo de reformas pelos novos governantes e, principalmente,
saber dos efeitos sobre estes governos das mudanças na gestão pública iniciadas
naquela década.
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