-
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAReitorVice-Reitor
EDITORA DA UFSCDiretor ExecutivoConselho Editorial
Rodolfo Joaquim Pinto da LuzLcio Jos Botelho
Alcides BussMaria de Nazar de Matos Sanchez (Pre-sidente),
Antnio Fbio Carvalho da Silva,Maria Teresa Santos Cunha ,
MariaBernardete Ramos Flores, Tnia Regina deOliveira Ramos, Use
Maria Beuren e SueneCaldeira de Sena.
Luiz Henrique de A. Dutra
Introduo Teoria da Cincia
Editora da UFSCFlorianpolis
1998
-
no naturalismo solues para alguns de seus problemas
epistemogicos,
como o caso de Boyd e de van Fraassen. nas teorias da
aceitao
(captulo ), achamos adequado tambm incluir um sexto e ltimo
captulo ("Epistemologia; cincia emprica ou filosofia!"),
discutindo
um pouco mais especificamente as questes do naturalismo e da
de-
marcao, o que nos ajudar a tratar um pouco mais dos
fundame?itos
e do prprio estatuto cognitivo da epistemologia da cincia como
uma
reflexo sobre a cincia emprica.
Teorias da aceitao
2.1 Em que condies se aceita uma teoria cientfica!
A aceitao de uma teoria cientfica por determinada comuni-
dade de pesquisadores um evento um tanto complexo ou, melhor
dizendo, na verdade, um conjunto de eventos nos quais os
cientistas
tomam conhecimento da teoria, consideram seu poder explicativo
em
relao a um determinado domnio de fenmenos, sua
plausibilidade
em face da tradio cientfica j estabelecida, avaliam os
experimentos
que lhe deram certa confirmao at o momento, etc. Depois de
tais
consideraes, muitos cientistas podero inclinar-se a favor da
teoria,
assim como outros, naturalmente, menos simpticos, por um
motivo
ou por outro, procuraro expressar suas desconfianas em objees
de
vrios tipos como, por exemplo, imaginando experimentos que
pos-
sam mostrar erros na teoria,
Os posicionamentos pr ou contra uma teoria, em grande me-
dida, dependem tambm do grau de elaborao que seus
construtores
conseguiram alcanar, do grau de sofisticao dos meios de teste
que
eles utilizaram, etc, Uma teoria cientfica muito bem elaborada e
rigo-
rosamente testada possu um bom comeo para receber ampla
aceita-
o no seio da comunidade cientfica de sua disciplina, mas isso
ape-
nas, com frequncia, no basta,
Thomas Kuhn1 deu grande ateno a este problema, procuran-
do mostrar que muitos outros fatores so responsveis pela
aceitao
de teorias cientficas, alm de seu bom desempenho emprico, isto
,
! Ver Kuhn 1970 e 1976. Uma considerao mais detalhada das ideias
de Kuhn ser
feita no captulo 4, "Teorias do progresso". Por ora, apenas
mencionaremos alguns de
seus conceitos fundamentais que esto de certo modo ligados
presente discusso.
-
28 29
alm de serem as teorias aparentemente bons instrumentos de
predi-o ovi explicao de fenmenos, Tambm fatores de ordem
no-cognitiva concorrem para que uma determinada comunidade
cientfica se incline a favor ou contra uma certa teoria, e a
prpria
formao dos cientistas e outros fatores sociais podem determinar
as
decises que ees tomaro a favor ou contra determinada teoria,
Para Kuhn, a aceitao de teorias um fato socialmente deter-
minado, dependente da comunidade cientfica, Nunca se trata de
aceitar
uma teoria isoladamente, mas sim de acolher o que ele
denomina
paradigma, que os membros da comunidade cientfica
compartilham,
e que os guia em sua compreenso das questes tericas e
experimen-
tais de seu campo. O paradigma contm, por exemplo, entre
outros
itens, uma concepo da prpria natureza ou dos objetos a serem
in-
vestigados, da forma de proceder tais investigaes, etc, O que se
ace-.
t ou no um paradigma como um todo, e tal aceitao chega a se
assemelhar a uma converso religiosa, diz Kuhn.
A este mesmo respeito, de forma algo parecida, mas mais
espe-
cfica, Paul Feyerabend (1970,- 1977) discute um famoso episdio
da
histria da cincia moderna: a defesa que Qalileu fez da teoria
de
Coprnico, para a qual ele utilizou, pela primeira vez, o
telescpio
como um instrumento cientfico. Segundo Feyerabend, o que
Qalileu
empreendeu foi uma intensa campanha de propaganda a favor da
teo-
ria copernicana, campanha esta que teria se caracterizado
sobretudo
por recursos retricos que, normalmente - pensa-se -, no
deveriam
contar para que uma teoria fosse aceita ou no. Uma teoria
deveria ser
julgada, e aceita ou rejeitada, apenas por suas virtudes
cognitivas. Mas
este no o caso quando olhamos para certos episdios da histria
da
cincia, argumenta Feyerabend,
No desejamos entrar na discusso especfica da posio de
Feyerabend, assim como, por ora, de Kuhn, mas tomemos estes
dois
casos como um contraponto viso tradicional e vulgar da
aceitao
de teorias cientficas por razes puramente tericas. Segundo esta
con-
cepo, uma teoria deve ser aceita ou no em virtude de sua
capacida-
de de dizer a verdade, digamos, para simplificar. Segundo esta
forma
de pensar, no faz sentido aceitar uma teoria que no diga a
verdade.
E se talvez nossa cincia ainda pouco desenvolvida para
almejarmos
ter chegado verdade a respeito de algum assunto, ento que
uma
teoria aceita pelo menos se aproxime da verdade, que ela seja
aproxi-
madamente verdadeira, O que h de polmico nas discusses de
Kuhn
e Feyerabend exatamente tentar mostrar que muito mais est
envol-
vido na aceitao de teorias cientficas que meramente a
capacidade
que elas talvez tenham de se aproximar da verdade, ou de
produzir um
retrato fidedigno do mundo.
Se dissermos que, em geral, a capacidade explicativa de uma
teoria, sua plausiblidade em relao a outras teorias j aceitas:
sua
confirmao experimental, etc,, so suas virtudes tericas ou
epistmicas^
ento as posies de Kuhn e Feyerabend se caracterizariam por
procurar
'apontar fatores no-epistmicos que estariam envolvidos na
aceitao
de teorias cientficas. Ou seja, para eles, h muito mais
envolvido na
aceitao de uma teoria cientfica que apenas as crenas que os
cientistas
possam ter em sua verdade (aproximada), em sua adequao
emprica, em sua capacidade explicativa, e outros itens que
atestassem
de algum modo seu valor cognitivo.
Estas primeiras consideraes nos fazem ver que uma aborda-
gem completa da aceitao de teorias cientficas deveria enfocar
mui-
tos outros fatores alm das crenas que os cientistas podem ter em
suas
virtudes epistmicas. Mas no este tipo de considerao que
faremos
neste captulo. Ao contrrio, procuraremos nos ater quelas teorias
da
aceitao que enfocaram especificamente os fatores epstmicos,
dei-
xando de lado os fatores sociais, psicolgicos, etc., que podem
influen-
ciar determinado grupo de cientistas a aceitar ou no alguma
teoria. A
razo para fazermos essa delimitao a de podermos discutir o
papel
que a crena desempenha na aceitao de uma teoria cientfica, o
que
um tpico problema epistemolgco da cincia. Em outros termos,
o
que desejamos investigar o tipo de crena que est presente na
acei-
tao de teorias cientficas.3
preciso lembrarmos que os filsofos da cincia discordam entre si
tambm ao apontar quais so as virtudes epistmicas. A esta questo
retornaremos abaixo, assim como no captulo 5. "Teorias da
explicao".
Os outros fatores que podem atuar na aceitao de teorias sero
considerados no captulo 4, "Teorias do progresso", quando
discutiremos as idias de Thomas Kuhn, como j indicamos antes.
-
30 31
Tendo delimitado o tema deste modo, encontramos dois grupos
que se opem a respeito desse assunto. De um lado, temos os
realistas
cientficos, que afirmam que uma teoria cientfica jjm relato
aproxi-
madamente verdadeiro de como o mundo . Para eles, portanto,
a
crena envolvida na aceitao de uma teoria a crena em sua
verda-
de aproximada. De outro lado, os anti-realistas afirmam que as
teorias
cientficas so, no mximo, bons instrumentos de predio, que
po-
dem funcionar bem empricamente, mesmo no se aproximando da
verdade, Para estes, a nica crena que est envolvida na aceitao
de
uma teoria cientfica a crena em sua adequao emprica. Tomare-
mos dois representantes tpicos - e eminentes - destes dois
grupos: do
realismo cientfico, Richard Boyd, e do anti-realismo, Bas van
Fraassen.
como h muitas formas de realismo e ant-realismo a respeito
das
teorias cientficas, preciso que caracterizemos exatamente estas
duas
doutrinas. Mas sua caracterizao exata depende ainda de
considera-
es de carter geral, que faremos na prxima seo.
2.2 O realismo cientfico: teorias e entidades
Dissemos acima que, para o realista cientfico, as teorias que
se
encontram nas disciplinas cientficas so verdadeiras, ou
aproximada-
mente verdadeiras, e, enquanto tal, so aceitas, isto : quem
aceita uma
teoria cientfica, aceita-a como um relato aproximadamente
verdadeiro de
como o mundo . Um primeiro aspecto a destacar aqui que
os^realistas
assumem uma concepo da verdade como correspon-\/
dflEi^-PHseja:"uma teoria verdadeira se o que ela diz
corresponde ao
mundo ou s coisas das quais ela fala,4 Mas no ficou ainda claro
por que
tal posio denominada realismo cientfico. Vejamos.
Suponhamos que uma teoria seja aceita como verdadeira, isto
, como um rekto_gy_e_ coiresponde realidade, Neste caso, se
tal
O que a verdade ou o que significa exatamente dizer que
determinado enunciado
(ou teoria) verdadeiro(a) so questes clssicas da filosofia da
lgica, cuja discusso
extrapola os limites deste livro. Compreender a verdade como a
correspondncia
entre uma proposio e os objetos dos quais ela fala uma das
formas de entender o
assunto. Esta doutrina sobre a verdade uma condio necessria do
realismo cien-
tfico. Para uma discusso geral sobre as teorias da verdade, ver
Haack 1978 (e 1982),
cap. 7.
teoria fala, por exemplo, de determinadas entidades
nobservveis,
ento, para o_reaista, quem aceita tal teoria aceita tambm que
tais
entidades existem, que elas so reais. Esta a posio que
encontra
mos, por exemplo, nos textos de Wilfrid Sellars, que diz que se
temos
boa razo para sustentar uma teoria, ento pso facto temos boa
razo
para acreditar que aquelas entidades postuladas pela teoria
existem
(5elars "
Tomemos um exemplo mais especfico: a teoria atmica
tradjcip-nal,
que procura descrever a constituio da matria como um agregado
de
molculas e estas, por sua vez, como compostos de tomos que
so
diferentes entre si por possurem diferente nmero de prtons,
nu-trons ou
eltrons, caracterizando, assim, as diferentes substncias
co-nljeddas, e
explicando suas propriedades aparentes diversas por meio de
suas
diferentes constituies atmicas. Tal teoria postula a existn-
'"/, cia das
partculas constitutivas dos tomos (prtons, nutrons, eltrons,
etc,) que
so entidades nobservveis. Para o realista em geral, se a
teoria
(aproximadamente) verdadeira, ento estas entidades que ela
postula e
descreve realmente existem e so (aproximadamente) da forma como
a
teoria diz que elas so,
Uma outra doutrina realista nestes moldes a que pode ser
encontrada nas obras de Richard Boyd (1981 e 1984, entre
outros
textos). Ao afirmar a verdade aproximada das teorias cientficas,
o
realista cientfico tambm sustenta, segundo Boyd, a existncia
das
entidades nobservveis postuladas por tais teorias. E esta relao
en-
tre o realismo a respeito (da verdade)-das teorias cientficas e
o realis-
mo a respeito (da existncia) das entidades inobservyeis
postuladas
por elas parece algo necessrio, pois se algum aceita uma teoria
como
verdadeira (ou aproximadamente verdadeira), parece impossvel
que
no aceite tambm que as entidades postuladas pela teoria
existam.
Mas, de fato, tal relao entre o realismo sobre as teorias e o
realismo
sobre as entidades no considerada necessria por outros
autores,
estes tambm realistas. Alm disso, a exata compreenso deste
pro-
blema depende tambm de uma discusso sobre a interpretao que
dada linguagem cientfica.
Alguns autores chamaram a ateno para este ponto, entre os
quais encontramos lan Hackng (1983), Ele defende que o
realismo
-
32 33
de teorias no est necessariamente ligado ao realismo de
entidades,
isto , algum pode ser um realista de teorias sem ser um realista
de
entidades e, inversamente, pode ser um realista de entidades sem
ser
um realista de teorias. Comecemos por este segundo caso, que
parece
mais simples.
Segundo Hacking, que se diz ele mesmo um realista apenas de
entidades, assim como Nancy Cartwright (1983), tambm os
Padres
da Igreja eram realistas apenas de entidades, na medida em
que
afirmavam que Deus (uma entidade inobservvel) existe, mas que
ne-
nhuma teoria humana poderia descrev-lo adequada e
completamen-
te, no podendo, portanto, nunca ser verdadeira. Do mesmo
modo,
Hacking defende que aquelas entidades inobservveis postuladas
pe-
las teorias cientficas existem, uma vez que elas podem ser
detectadas em aparelhos utilizados em experimentos, mas suas
descries feitas
pelas teorias cientficas no so satisfatrias e, portanto, tais
teorias
no so verdadeiras, nem podem ser aceitas enquanto tal.
Hacking se refere, em particular, aos experimentos feitos
com
aceleradores de partculas. Se podemos interferir na natureza e
mani-
pulara partculas subatmicas, ento tais partculas existem,
embora
no possamos representar tais entidades nobservveis adequada e
cor-
retamente por meio de nossas teorias sobre a constituio da
matria.
O caso de algum ser um realista de teorias sem ser um realista
de
entidades exige uma explicao um pouco mais detalhada. O
exemplo
dado por Hacking de um pensador que tenha defendido tal doutrina
o
filsofo Bertrand Russell. Segundo Hacking, Russell aceitava que
as
teorias fossem verdadeiras, mas no que as entidades
nobservveis
existissem. Os termos encontrados nas teorias cientficas que
se
referem a entidades nobservveis ('eltron', 'prtons', 'quark',
por
exemplo seriam apenas frmulas econmicas por meio das quais
resumimos uma srie de observaes, mas que no denotam
entidades
reais. Mesmo assim, na medida em que do conta,. dos
fenmenos,
as teorias que empregam tais termos podem ser consideradas
verdadeiras, Mas elas so verdadeiras apenas porque
correspondem
s coisas observveis, no porque correspondam s coisas
inobservveis,
Este caso de Russell nos leva, ento, a considerar a questo
da
interpretao que se d linguagem da cincia. Para ele, os
termos
que se refeririam a entidades nobservveis ('quark', por exemplo)
no
possuem significado cognitivo, no tm um correspondente no
mun-
do, no denotam nada. Isto quer dizer que o vocabulrio terico
da
linguagem cientfica (o conjunto dos termos referentes a
coisas
inobservveis) tomado no-literalmente, ou seja: se uma teoria
fala
de quarks, ela no se refere a entidades determinadas, mas
apenas
emprega um termo que resume certas observaes; o termo
'quark'
no tem um sentido literal, no corresponde a uma entidade
especfi-
ca, Russell sustenta, portanto, uma interpretao no-literal da
lingua-
gem da cincia, o que no o caso de todos os anti-realistas,
como
comentaremos a seguir,6
Um realista cientfico como Boyd, ao contrrio de Russell,
sus-
tenta uma interpretao literal da linguagem cientfica, Para ele,
se
uma teoria fala de certa entidade, o termo empregado se refere a
algo
determinado, tem um sentido literal, denota um objeto
especfico,
mesmo se se trata de um objeto inobservvel. Mas uma
interpretao
literal da linguagem da cincia no leva necessariamente ao
realismo
cientfico. Um.bom exemplo disso Bas van Fraassen (1980),
cuja
teoria da cincia, denominada empirismo construtivo,
analisaremos
detidamente abaixo.
Van Fraassen, como veremos, ao mesmo tempo um anti-rea-
lista de teorias e de entidades, mas ele, contudo, conserva uma
inter-
pretao literal da linguagem da cincia, discordando, portanto,
no
caso especfico das entidades, no apenas dos realistas, mas
tambm
de Russell. Para van Fraassen, se uma teoria emprega um termo,
como
'eltron', por exemplo, ento devemos entender que o termo
denota
um objeto especfico, diferente de outros objetos, denotados, por
exem-
plo, por termos como 'prton' ou 'nutron'. Mas, embora denote
ob-
jetos determinados, tais objetos, para van Fraassen, no SO
reais, mas
so apenas fices(\an Fraassen 1977), Mas isto exige alguma
expl-
5 Lembremos que Russell seria um anti-realista de entidades,
embora, segundo Hacking,
um realista de teorias, j que aceita que uma teoria seja
verdadeira no caso de corresponder s coisas observadas.
-
34 35
cao mais, pois parece estranho sustentar uma interpretao literal
da
linguagem cientfica e, ao mesmo tempo, afirmar que as
entidades
inobservveis so fices.
Sendo fices, as entidades inobservveis podem ser reais ou
no, Trata-se de uma situao similar quela que ocorre com
persona-
gens de obras literrias, que tambm so fices, embora possam
existir
na vida real. Se tomamos literalmente o que uma obra de fico diz
a
respeito de suas personagens, nem por isso precisamos acreditar
que as
personagens existam. A existncia de pessoas que sejam como
as
personagens de uma obra literria irrelevante para a qualidade
da
obra de fico enquanto tal. Da mesma forma, para van Fraassen,
as
teorias cientficas podem ser avaliadas independentemente da
existn-
cia das entidades inobservveis a que elas possam se referir.
Conserva-se uma interpretao literal da linguagem da cincia,
mas
isso no implica que as entidades nobservveis de que as
teorias
cientficas falam existam realmente. Assim, se uma teoria fala
de
eltrons, ento ela fala de entidades determinadas; o termo
'eltron'
no uma forma abreviada de nos referirmos apenas a observaes,
como sustenta Russell. Mas isso no quer dizer que se afirme
que
existem eltrons. Eles so fices, e podem existir ou no. Do
mesmo
modo, em uma interpretao literal da linguagem literria,
tomando,
por exemplo, Esa e Jac, de Machado de Assis, temos a histria
de dois irmos gmeos, o que no quer dizer que tenha havido,
no
incio do sculo, no Rio de Janeiro, dois irmos gmeos cuja
histria tenha sido tal como narra o autor do romance, Enquanto
uma
construo dramtica, o romance preserva suas qualidades
independentemente da existncia de pessoas reais que
correspondam
s personagens da fico literria.
Assim como Boyd, van Fraassen adota uma interpretao lite-
ral da linguagem da cincia, mas a diferena entre eles - e que
faz do
primeiro um realista e do segundo um antirrealista que, para
Boyd, as
entidades inobservveis denotadas pelos termos tericos das
teorias
cientficas ('eltron', 'quark', etc.) so reais, enquanto para van
Fraassen,
elas so apenas fices, que podem ser reais ou no, como as
persona-
gens das obras literrias.
_
Isto , as teorias precisam dar conta dos fenmenos, daquilo
que
observamos, e para tanto postulam entidades inobservveis, corno
/
no caso de uma teoria atmica que explica as qualidades
aparentes/
diferentes de duas substncias com base na hiptese de que
elas
possuem nmeros atmicos diferentes. Mas sendo empiricamente
adequada, uma teoria no precisa ser tambm verdadeira. No
preciso que ela faa um relato exato do mundo, inclusive e
princi-
palmente de seus aspectos inobservveis,- e nem preciso que
se
acredite que as entidades inobservveis postuladas pela teoria
exis-
tem. Esta distino entre verdade e adequao emprica delicada
e fundamental para o empirismo construtivo de van Fraassen e
voltaremos a discuti-la adiante,
Retomando as consideraes sobre os realismos de entidade e
de teoria, vemos, assim, que h diversas variaes possveis,
combi-
nando formas de realismo e de antirrealismo. Vimos que Boyd
ao
mesmo tempo um realista de teorias e de entidades/ Russell
apenas
um realista de teorias, mas um antirrealista de entidades/
Hacking e
Nancy Cartwright so, ao contrrio, realistas de entidades,
mas
antirrealistas de teorias/ e, finalmente, van Fraassen um
antirrealista de teorias e de entidades. E devemos introduzir
certa
terminologia aqui, para, com mais facilidade, nos referirmos
depois a
estas variaes pos-
Esta , pelo menos, a opinio mais comum. Contudo alguma forma de
anti-realismo radical pode pregar
mesmo que as teorias cientficas no precisam ter nenhum
compromisso com a correspondncia a uma
suposta realidade independente da teoria. De outro lado, a
opinio tambm comum de que as obras
literrias no tm compromissos com a correspondncia a fatos reais
ou pelo menos possveis no
unanime. Devemos lembrar que os naturalistas, entre os quais, de
modo especial, Emile Zola, viam a
literatura como uma forma de retratar a vida real, pelo menos em
seus traos essenciais, ainda que os
fatos narrados fossem fictcios, tendo, portanto, um compromisso
com a realidade. Para Zola, a
literatura deveria ser uma cincia, como ele defende em L Roman
Experimental.
Mas claro que uma teoria cientfica, diferentemente de um
romance, possui um compromisso maior com a realidade,6 ou
assim
pretendem os cientistas que formulam tais teorias, yan Fraassen
sabe
muito bem disso. Ele est ciente de que uma teoria cientfica
deve
possuir qualidades que em geral no so exigidas de uma obra
literria. Mas ele afirma que dentre tais qualidades no est a
verdade das teorias cientficas, e sim uma adequao
emprica.
-
36 37
sveis do realismo e do anti-realismo. Alguns termos j correntes
na
filosofia da cincia seriam adequados para aplicarmos a alguns
dos
tipos de doutrinas que acabamos de considerar.
Podemos chamar o anti-realismo de teorias, por exemplo, de
instrumentalismo, Neste caso, o que temos a ideia de que as
teorias
cientficas no so consideradas nem verdadeiras nem falsas, elas
no
so avaliadas segundo seu valor de verdade, mas sua relao com
a
experincia apenas a de permitirem fazer predies corretas, ou
apro-
ximadamente acuradas, Elas so consideradas, portanto, no mais
que
instrumentos ou ferramentas de predico,7
Quanto ao anti-realismo de entidades, podemos cham-lo de
nominalismo, com o sentido de que os termos relativos a
entidades
inobservveis no denotam entidades reais, mas sim fices (van
Fraassen), ou ento so meras frmulas econmicas para nos
referir-
mos a observaes (Russell). Deste modo, se o que entra em
conside-
rao a verdade das teorias cientficas, a polmica entre
realistas
(de teorias) e instrumentalistas; e se o que se considera a
existncia
das entidades inobservveis, temos a polmica entre realistas (de
enti-
dades) e nominalistas.
2.3 Verdade aproximada
Antes de voltarmos a pontos especficos das discusses entre
realistas e anti-realistas, devemos examinar outras questes
relativas
ao realismo de Boyd, que tomamos como uma doutrina realista
tpica,
tanto em relao s teorias cientficas quanto em relao s
entidades
inobservveis.
Negando o instrumentalismo, Boyd afirma que as teorias cien-
tficas no so meros instrumentos de predio, mas, ao contrrio,
sen-
do aproximadamente verdadeiras (relatos aproximados de como
o
A rigor, poderamos ainda distinguir duas variaes do
instrumentalismo, conforme seja adotada uma interpretao literal ou
no da linguagem cientfica. Sob uma inter-pretao literal, teramos o
instrumentalismo episfemo/gico, e sob uma interpreta-co no-lteral,
teramos o instrumentalismo semntico. Sobre este ponto, pode-se
consultar Newton-Smith 1981. Na presente discusso, contudo, no nos
parece necessrio entrar nestes detalhes.
mundo ), elas podem, obviamente, ser tambm bons instrumentos
cT~predio. Em outras palavras, se uma teoria cientfica um
bom
instrumento de predico, porque ela aproximadamente
verdadeira.
O que explicasse essa confiabilidade instrumental que
algumas teorias apresentam exatamente o fato de estarem elas
prximas da verdade.
E negando tambm o nominalismo, Boyd afirma que as teorias
cientficas so tambm guias confiveis para fazermos
descobertas,
Assim, uma teoria empiricamente adequada que fale de
partculas
subatmicas est nos ajudando a conhecer certos aspectos
inobservveis
do mundo, especificamente, neste caso, da constituio ntima
da
matria. As entidades observveis que os cientistas descobrem
em
seus experimentos (estes realizados sob a orientao de teorias
cientfi-
cas), e que eles descrevem em verses atualizadas das teorias
emprega-
das, so reais. Desta forma, as teorias no so apenas instrumentos
de
predio, como querem os instrumentalistas, mas so tambm
instru-
mentos de descoberta.
De que maneira seria possvel que as teorias cientficas
permitis-
sem fazer descobertas? Segundo Boyd, h uma relao dialtica
entre
mundo e mente, isto , entre o nosso conhecimento do mundo e
ele
prprio, de tal sorte que a realidade sempre corrige aquilo que
pensamos
a seu respeito. Boyd diz que tal relao dialtica porque, de um
lado, o
conhecimento que temos ern determinado momento o guia que
pos-
sumos para realizarmos novas descobertas sobre o mundo e,
portanto,
para ampliarmos nosso saber sobre ele, Mas, de outro lado, essas
novas
descobertas vo provocar ajustes no nosso conhecimento j
estabeleci-
do, vo corrigir antigos erros e torn-lo, pois, mais prximo da
realida-
de, refletindo-a de maneira mais fiel e exata (Boyd 1 981 ).
De forma mais especfica, Boyd explica que, na verdade, p que
temos so diversos processos dialticos de ajuste, pois no apenas
o co-
nhecimento em geral (as teorias cientficas) se ajusta realidade,
mas
tambm a prpria linguagem empregada pela cincia e a
metodologia
cientfica sofrem um processo de ajuste em relao realidade,
Com relao linguagem cientfica, Boyd diz que no apenas
os termos que so empregados nela devem sofrer um refinamento
-
38 39
denotacional, isto , possuir uma referncia cada vez mais exata,
mas
os prprios mecanismos de referncia devem tambm sofrer um
ajuste
realidade, Mas o que seriam exatamente tais mecanismos de
refe-
rncia! Eles so as formas pelas quais nossa linguagem cientfica
de-
nota objetos do mundo. Mas isso, contudo, ainda um pouco
vago.
Em um artigo sobre o uso da metfora na atividade cientfica,
Boyd
(1979) tem oportunidade de explicar um pouco melhor o que
entende
a este respeito,
A metfora, diz Boyd, um dos muitos dispositivos ao alcance
do cientista para acomodar a linguagem cientfica ao mundo. Por
meio
dela, podemos adivinhar as similaridades entre diferentes
objetos. Em-
bora a metfora seja uma forma no-exata ou imprpria de falar, ela
se
baseia em uma similaridade entre dois objetos e com base em
tal
similaridade, de alguma forma apreendida, que ela pode nos levar
a
fazer descobertas. Tomemos exemplos; quando dizemos que um
gs
semelhante a uma nuvem de pequenas bolas elsticas, no
estamos
ainda descrevendo exatamente como o gs , mas estamos fazendo
progressos para tanto. Do mesmo modo, quando dizemos que
deter-
minada pessoa, que possui um comportamento diferente da
maioria,
urn monstro, ainda no o descrevemos adequadamente do ponto
de
vista psicolgico, mas estamos caminhando para isso, ao cunharmos
o
conceito de monstruosidade psicolgica a partir do conceito
biolgico
de monstruosidade, isto , aquilo que caracteriza os
indivduos
rnal-formados,
Deste modo, o uso de metforas pode nos levar, atravs das
descobertas que possamos fazer, a abandonar a prpria metfora,
che-
gando a uma forma prpria de falar, ajustando nossos termos
cientfi-
cos s coisas a que eles se referem e que as teorias cientficas
procuram
descrever,
O caso dos mtodos cientficos similar. Empregando determi-nados
mtodos, fazemos descobertas. Com estas, aperfeioamos nos-sas
teorias, das quais extramos novos mtodos, mais eficazes pra fazer
descobertas, e assim por diante. O resultado que passamos sempre a
teorias mais prximas da verdade. Aqui chegamos a um conceito
crucial do realismo cientfico de Boyd e de outros autores
realistas. O que verdade aproximada!
A explicao vaga de que um enunciado aproximadamente
verdadeiro se ele semelhante a um enunciado verdadeiro no
satisfatria. De fato, os realistas tm bastante dificuldade para
explicar
com clareza esse conceito de verdade aproximada, como observa
JJ.C.
Smart (1979), que afirma tambm que o futuro do realismo
cientfico
repousa na possibilidade de definir claramente tal conceito,
Boyd e outros realistas cientficos introduzem o conceito de
ver-
dade aproximada por considerarem o conceito de verdade exata
inade-
quado para avaliar as teorias cientficas. Supondo a verdade como
cor-
respondncia entre as teorias e o mundo, uma teoria ser
exatamente
verdadeira-se o que ela diz a respeito do mundo o caso, isto ,
se o
relato que ela faz do mundo adequado, Ao contrrio, uma teoria
ser
falsa se o que ela diz no o caso, isto , se seu relato no
adequado,
ou se ele no corresponde ao que ocoire no mundo, Estas so
noes
intuitivas de 'verdadeiro' e 'falso' para a concepo da verdade
como
correspondncia.8 Esta concepo da verdade dita bvalente, isto
,
admite apenas estes dois valores de verdade: verdadeiro e falso,
As-
sim, para a concepo coirespondencial clssica da verdade, uma
teo-
ria cientfica verdadeira ou falsa,
Boyd parece conservar a concepo da verdade como corres-
pondncia,9 mas ele enfatiza que uma teoria cientfica falsa
apreendeu
certos gros de verdade, isto , que ela aproximadamente
verdadeira,
embora seja falsa, A noo intuitiva, no muito precisa, que
Boyd
parece defender a de que um relato aproximadamente
verdadeiro
se ele contm certas partes verdadeiras, embora contenha outras
que
so falsas (Boyd 1976 e 1990). Desta forma, podemos ter uma
suces-
so de relatos, cada vez mais prximos da verdade, se suas partes
ver-
dadeiras forem cada vez maiores e se forem menores suas partes
falsas,
8 Como j indicamos acima, h outras teorias da verdade. Os
principais autores liga dos concepo da verdade como correspondncia
so B. Russell e L. Wittgenstein. Alm de Haack 1978, cap. 7, ver
Wittgenstein 1993; para uma explicao da teoria de Wittgenstein,
indicamos Santos 1993.
9 Devemos dizer "parece", neste caso, porque no inteiramente
claro se, afinal, Boyd ainda mantm a concepo da verdade como
correspondncia. O assunto um tanto complexo para tratarmos aqui.
Sobre esse ponto, ver Dutra 1993, cap. 4.
-
40
exatamente assim que ocorre, segundo Boyd, a acomodao de nos-sas
teorias ao mundo, o processo dialtico no qual o conhecimento
sedesenvolve.
Mesmo especificando, ainda que de forma vaga e intuitiva, eno
exata e rigorosa, como se desejaria, o que verdade aproximada,resta
para o realista o problema dos critrios mediante os quais pode-mos
dizer quando uma teoria cientfica aproximadamente verdadei-ra. Este
problema no diferente daquele que deveremos examinar noprximo
captulo, dedicado s teorias da confirmao. Trata-se semprede saber
por que meios podemos dizer se urna teoria verdadeira, oufalsa, ou,
neste caso do realismo de Boyd, aproximadamente verdadei-ra/ isto ,
como podemos confirmar ou infirmar uma teoria cientfica.
Boyd no fornece uma metodologia da confirmao, como se-ria de se
esperar, pois se os cientistas aceitam teorias por acreditaremem
sua verdade aproximada, como quer o realista cientfico, entoseria
preciso mostrar tambm o que fundamentaria tal crena na ver-dade
aproximada das teorias cientficas. A sada de Boyd para tal
pro-blema, evitando as complicaes que as teorias da confirmao
en-frentam (como veremos no prximo captulo), consiste em apelar
paraa tradio estabelecida em determinado campo de investigaes
cien-tficas. Vejamos,
A tradio estabelecida, diz Boyd, sendo ela mesma fruto
doprocesso dialtico de acomodao entre mente e mundo,
aproxima-damente verdadeira e, portanto, ocupa uma posio
privilegiada noconhecimento, Por esta razo, s so aceitas aquelas
teorias que seassemelhem s teorias da tradio estabelecida (Boyd
1981, 1984 e1973). O critrio mediante o qual se avalia, de sada, a
verdade apro-ximada de uma teoria cientfica , pois, sua
plausibilidade em relao tradio estabelecida, Assim, as teorias
cientficas so aceitas na con-dio de aproximadamente verdadeiras,
mas sua verdade aproximada avaliada, antes de mais nada, em termos
de sua plausibilidade emface da tradio cientfica estabelecida. ,
portanto, em ltima instn-cia, a crena na verdade aproximada da
tradio estabelecida que, paraBoyd, respalda a aceitao daquelas
teorias cientficas que entram naconsiderao dos cientistas.
41
No podemos deixar de assinalar aqui a crcularidade que hnessa
doutrina, como, alis, j apontaram alguns comentadores dasideias de
Boyd,10 pois, se avaliamos a verdade aproximada de umateoria
cientfica a ser aceita ou rejeitada por sua plausibilidade emrelao
s teorias incorporadas na tradio estabelecida, com base emqu
podemos avaliar a verdade aproximada desta prpria
tradio!Evidentemente, com base nela mesma, o que circular, pois as
teoriasda tradio sero ditas aproximadamente verdadeiras por se
asseme-lharem a si mesmas.
De fato, para Boyd, h uma sada possvel dessa crcularidade,j que
ele considera sempre a cincia de forma dinmina, isto , sem-pre em
seu processo contnuo de acomodao realidade. Assim, atradio'
estabelecida, em certo momento da histria da cincia, per-mitiria
avaliar futuros acrscimos ou modificaes (as novas teorias)que, uma
vez aceitas, se consolidariam em uma nova conformao datradio.
Contudo, no certo que isso livre Boyd de todos os seusproblemas de
circularidade.11
2.4 Os ant-realsmos
Como acabamos de ver no caso de Boyd, os realistas
cientficosafirmam que as teonasjo,aceitas najcqiidcLde relatos
aproximada-mente verdadeiros. Isto permite,mrealista explicar por
que as teoriascientficas so bons instrumentos, de predio. Se uma
teoria predizcorretamente (ou de forma aproximada) os, fenmenos,
porque ela aproximadamente verdadeira. Assim,, a verdade aproximada
umaexplicao para o sucesso preditivo das .teorias. Mas a abordagem
deBoyd admite, como vimos, queliaja teorias preditivamente
bem-suce-didas que sejam, contudo, falsas, j que uma teoria
aproximadamenteverdadeira , a rigor, falsa, E este um ponto no qual
costumeirainenteos anti-realistas tm insistido: teorias falsas
podem ser bons instru-mentos de predio. Isto , embora no relate, os
fatos exatamente
Ver Fine 1984a e Laudan 1984. Outros problemas de circularidade
na doutrina deBoyd sero examinados no captulo 6.Ver Dutra 1993,
cap. 4, e tambm a discusso do captulo 6.
-
42
corno eles so, uma teoria pode faz-o de forma suficiente para
permi-tir predies corretas. Vejamos um exemplo.
Depois da aceitao da teoria heliocntrica de Coprnico, a teo-ria
geocntrica de Ptolomeu foi tomada como falsa, sendo a de
Copmicoadmitida como verdadeira. Para sermos mais rigorosos, como
insiste orealista cientfico, nos termos de Boyd, devemos dizer; a
teoria deCopmico foi tomada como mais prxima da verdade que a
teoria dePtolomeu, Mas, neste caso, o que temos que duas teorias
falsas (em-bora com diferentes graus de aproximao em relao verdade)
sopreditivamente bem-suceddas, pois a teoria de Ptolomeu, rejeitada
pe-los copernicanos, no era menos bem-sucedida que a teoria de
Coprnicopara explicar o movimento aparente dos astros, A preferncia
pela teo-ria de Copmico, em deferimento da teoria de Ptolomeu, no
se baseavana maior capacidade preditva da primeira, mas apenas na
plausibilidadede sua ontologia, isto , a natureza dos astros,
Este fato, j bastante discutido pelos filsofos e historiadores
dacincia, sempre lembrado pelos nstrumentalstas para argumentarque
o que interessa em relao s teorias cientficas que elas sejambons
instrumentos preditivos apenas, e no que elas realmente digamo que
o caso, A respeito de Ptolomeu e Coprnico, no interessa se a Terra
que est no centro do universo, ou se o Sol que ocupa talposio. Para
a fsica posterior a Coprnico (a mecnica de Newton,por exemplo), no
se trata nem de uma coisa, nem de outra,- e, contu-do, ambas as
teorias so bons instrumentos preditivos. Para o instiu-mentalista,
isto significa que no devemos perguntar pela verdade (apro-ximada)
das teorias cientficas, mas apenas por sua adequao emprica,isto ,
por sua capacidade de prever corretamente os fenmenos,
O argumento anti-realista se baseia no fato de que podemos
terduas ou mais teorias diferentes que predizem corretamente os
fenme-nos, mas que postulam entidades inobservveis diferentes.
Neste caso,as teorias so preditivamente ou empiricamente
equivalentes, mas soontologicamente distintas, pois afirmam a
existncia de entidadesinobservveis diferentes, mas com a mesma
capacidade preditiva. Asmesmas observaes confirmam uma ou outra
destas teorias e, logo,estas explicam bem os mesmos fatos
observados. Tas teorias so, por-
43
tanto, diz osW^rrmnaa das teorias pelas observaes impede
qupossamosescolher uma delas como verdadeira, ou como mais prxima
da_ver-dade que as outras.
Van Fraassen um dos autores instrumental istas que funda-menta
sua"discusso contra os realistas cientficos na subdetermnaodas
teorias pelas observaes, Para ele, a subdeterminao nos mostraque no
devemos exigir a verdade das teorias cientficas, isto , suaverdade
a respeito dos aspectos inobservveis do mundo, mas deve-mos antes,
diz van Fraassen, exigir apenas a adequao emprica dasteorias.
Assim, uma teoria cientfica no deve ser aceita como
(aproxi-madamente) verdadeira, como quer o realista cientfico, mas
apenascom empiricamente adequada (van Fraassen 1980, p, 1ss),
Que diferena h entre a crena na adequao emprica de umateoria e a
crena em sua verdade] No que diz respeito confirmaodas teorias, to
difcil dizer, pela experincia, que elas sejamempiricamente
adequadas quanto que sejam verdadeiras, pois, paradizer que uma
teoria empiricamente adequada, temos de poderconfront-la com todas
as observaes, passadas, presentes e futuras, oque impossvel (van
Fraassen 1980, p, 12 e 69). Portanto, a experi-ncia no pode
justificar a crena na adequao emprica, assim comono pode tambm
justificar a crena na verdade de uma teoria. Mash, ainda assim, uma
diferena, diz van Fraassen, que de livrar acincia da metafsica,
isto , de abrirmos mo da crena a respeito decoisas inobservveis e
ficarmos apenas no nvel das coisas observveis,Alm disso, como
veremos abaixo, van Fraassen define a adequaoemprica de tal modo
que ela se torna, semanticamente, uma exign-cia mais fraca que a
exigncia de verdade,
2.5 A abordagem semntica
Dissemos acima que van Fraassen um nstrumentalsta e
umnominalista, opondo-se ao realismo cientfico e ideia de que a
aceita-o de uma teoria cientfica envolve a crena em sua verdade
(aproxi-mada) e na existncia das entidades inobservveis postuladas
por ela,
-
44
Contudo, van Fraassen denomTia sua doutrina empirismo
construti-vo, e devemos, portanto, explicar um pouco esta denominao
e, con-sequentemente, identificar com mais nitidez a posio deste
autor,12
Segundo ele, quando aceitamos uma teoria cientfica, h
duasdimenses envolvidas nisso. Primeiramente, existe a
dimensoepistmca, que diz respeito ao tipo de crena que entra na
aceitao deuma teoria cientfica. A este respeito, a doutrina de van
Fraassen emprista por afirmar que a crena que est envolvida na
aceitao deuma teoria apenas a crena em sua adequao emprica, isto ,
acrena de que a teoria salva os fenmenos Q\\e corretamente oque
observvel, O empirista construtivo afasta, portanto, tanto acrena
na verdade (aproximada) das teorias quanto a crena na exis-tncia
das eTitidades inobservveis postuladas pela teoria, apresentan-do,
assim, os aspectos instrumentalista e nominalista a que nos
referi-mos antes/ a nica crena envolvida na aceitao de uma teoria
acrena em sua adequao emprica e as entidades inobservveis,
comotambm j vimos, so consideradas por van Fraassen fices.
Em segundo lugar, van Fraassen argumenta tambm que a acei-tao de
uma teoria cientfica apresenta ainda uma dimenso pragm-tica, que no
diz respeito mais crena que est envolvida na aceita-o, mas sim
preferncia que possamos ter por uma ou outra teoriano em razo de
suas qualidades ou virtudes epistmicas, mas poroutros motivos, como
sua simplicidade, seu poder explicativo, ou ain-da sua
plausibilidade em face de outras teorias que j tenhamos aceitono
passado, que seriam as virtudes pragmticas das teorias, segundovan
Fraassen.
Esta distino entre virtudes epistmicas e virtudes pragmticas
fundamental para o empirismo construtivo. Van Fraassen sustentaque
as virtudes epistmicas das teorias so aquelas que dizem respeito
relao entre a teoria e o mundo. Assim, verdade e adequaoemprica so
virtudes epistmicas, mas as virtudes de uma teoria quedizem
respeito a sua utilidade ou a seu uso so virtudes pragmticas.
12 Nossa apresentao mais detalhada do empirismo construtivo de
van Fraassen vaiseguir fundamentalmente seu livro The Sdentific
/mage (1980). Outras refernciassero indicadas quando for
necessrio.
45
Desta forma, a simplicidade de uma teoria, que a torna de
aplicaomais fcil, ou sua_plausibilidade, que permite sua incorporao
a siste-mas existentes e sua aplicao conjunta com outras teorias,
ou aindaseu poder explicativo, que permite explicar fatos, em
determinadoscontextos, so todas elas virtudes pragmticas.
No caso das virtudes pragmticas das teorias, alm da prpriateoria
e daqueles fatos do mundo aos quais ela se refere, entra
emconsiderao tambm um certo contexto de aplicao. Uma teoria no
aplicvel independentemente de contextos, diz van Fraassen,
Porexemplo, uma teoria pode ter, em um certo contexto, um alto
poderexplicativo, mas, em outro, ser muito pouco explicativa.13
A dimenso pragmtica da aceitao de teorias cientficas, dizvan
Fraassen, leva o cientista que aceita uma teoria a se
comprometercom um programa de pesquisa e a dialogar com a natureza
medianteum certo esquema conceituai, e no mediante outros. Por
exemplo, ofsico clssico, que aceitou a mecnica de Newton, pensa o
universocom os conceitos de espao e tempo absolutos, enquanto um
fsicorelativsta, tendo aceitado a teoria da relatividade de
Einstein, entende oespao e o tempo como relativos. E tais diferenas
conceituais, comobem sabemos, acarretam grandes diferenas
experimentais.
Mas esse programa de pesquisa com o qual um cientista
secompromete ao aceitar uma teoria cientfica, acrescenta van
Fraassen,no um programa de descobertas sobre o mundo, como afirma
orealista cientfico, mas sim um programa de construo de modelosque
sejam empiricamente adequados, E por isso que o empirismo devan
Fraassen construtivo. Os modelos que os cientistas constremdevem
ser adequados aos fenmenos, mas no precisam aspirar a
serverdadeiros com respeito s coisas inobservveis. Van Fraassen
enten-de jLcnda, portanto, como uma ativdade de construo de
modelosque devem ser empiricamente adequados apenas, mas que no
preci-sam ser verdadeiros.
por esta razo que van Fraassen desenvolveu tambm uma teoria
pragmtica daexplicao cientfica, que examinaremos no captulo 5,
"Teorias da explicao". Nes-sa ocasio, teremos oportunidade de
esclarecer um pouco mais o papel dos contex-tos de aplicao em relao
s virtudes pragmticas das teorias cientficas.
-
46
Isso requer uma explicao mais detalhada, o que nos leva questo
da abordagem semntica que.,van Fraassen tambm defende. necessrio
conhec-la um pouco para poder entender exatamente adiferena entre
verdade e adequao emprica e,..portanto, finalmente,a grande
diferena entre o empfrismo construtivo de van Fraassen e orealismo
cientfico de Boyd e outros, isso permitir tambm mostrar adiferena
entre o empirismo construtivo e outras formas de empirismo,como o
empirismo lgico de Rudolf Carnap,
Os empiristas lgicos distinguiam entre enunciados tericos
eenunciados observacionais. Estes ltimos so aqueles enunciados
nosquais ocorrem apenas termos de observao, Eles so, portanto,
rela-tos de experincias. J os enunciados tericos so aqueles que
contmtambm termos que no so de observao. Por exemplo, um enunci-ado
que fale de eltrons um enunciado terico e no observacional,j que
contm o termo 'eltron', que no corresponde a observaesou
experincias de algo imediatamente dado.14
claro que, neste caso, os empiristas lgicos precisavam
dizerclaramente o que a experincia. Para resolver esse problema,
Carnap,inicialmente, adotou o que se denominou fenomenalismo, ou a
tesede que a experincia constituda pelos dados dos sentidos e,
portan-to, que os termos observacionais devem corresponder quilo
que ossentidos nos do imediatamente. Posteriormente, sobretudo por
causadas discusses com Otto Neurath e tambm com Popper, Carnap
pas-sou a defender o fisicalismo, a tese de que os termos
observacionaiscorrespondem a objetos fsicos. Contudo, essa
divergncia entrefenomenalismo e fisicalismo no afetava o ponto
principal, que era ode especificar um certo domnio do que
observvel, ou um conjuntode termos observacionais que constituiria
a base emprica que garanti-ria o significado dos enunciados
cientficos.
Os enunciados que se encontram nas diversas cincias, contu-do,
no contm apenas termos observacionais, mas, ao contrrio,
umamultiplicidade enorme de termos tericos, isto , termos que se
refe-
14 Uma das referncias obrigatrias sobre o empirismo lgico p
clssico Carnap 1967.Uma exposio geral e pormenorizada do empirismo
lgico e de sua evoluo apresentada em Suppe 1974.
47
rem a objetos que no nos so dados imediatamente na experincia,Os
empiristas lgicos fixaram, ento, as condies sob as quais
osenunciados tericos poderiam ser tambm admitidos. Os
e7iunciadostericos so considerados significativos e, portanto, de
valor cognitivo,se puderem ser traduzidos para enunciados
observacionais. Em outrostermos, um enunciado terico deve ser
admitido no coipo da cinciaapenas se for verifcvel.16
Dadas essasjcondies, para o^empmsj^jgjros^cincia pos-sui um
vocabulrio obseivacionalejjm, vocabulrio terico, que deveser
redutvel ao vocabulrio observacional Alrn disso, as teorias
cien-tficas so entendidas como conjuntos. consistentes de
enunciados ousistemas axiomticos, contendo seus postulados ou
princpios dos quais,'via as regras da lgica clssica, os. outros
enunciados do sis|ema po-dem ser deduzidos, Esta forma de
compreenAertsifntficas chamada de concepo ou abordagem axiomtica ou
sjntfca.
A concepo semntica, adotada por van Fraassen, radical-mente
dlrerenT djuntos jk_ mqde/o^ejno ipnTsintTica.^^^co 9e modelo.
Frequentemente, os cientistas falam de modelos. Por exemplo,os
fsicos falam do modelo do tomo, elaborado por Bohr, Contudo, otermo
'modelo' tem significados diferentes quando empregado
peloscientistas, como no exemplo acima, e pelos filsofos da cincia
queesto ligados abordagem semntica. Mas, ao mesmo tempo, h umacerta
relao entre estes diferentes usos do termo. Comecemos pelosentido
que 'modelo' tem na lgica e 7ia matemtica, para depois pas-sarmos
para o sentido que o termo adquire em outras disciplinas.
Consideremos, por exemplo, o caso da semntica para o clcu-lo de
predicados de primeira ordem, em que entra em questo o valor
No prximo captulo, "Teorias da confirmao", voltaremos mais
detalhadamente aestas questes relativas ao verificacionismo dos
empiristas lgicos.H diversos autores que precederam van Fraassen na
abordagem semntica, sendoo mais antigo deles E. Beth (1948 e 1960).
Entre os autores mais recentes que defen-dem a abordagem semntica,
podemos citar R Suppes (1967; 1979; e 1969).
-
48
de verdade de sentenas em uma linguagem L (de primeira
ordem),contendo quantifcadores [ V (todo) e 3 (algum)],
propriedades, relaese letras sentenciais \A, B, C, et c,],
constantes individuais [a, b,c,..,, t],variveis [u, y, w, x, y, d,
os parnteses [ ) , ( ] e os operadores usuais[-1 (negao), v
(disjuno), & (conjuno), > (implicao material) e, tal
que:
t/- {Andr, Berenice},
17 Supomos tambm, obviamente, regras de formao que nos dem as
frmulas bemformadas nessa linguagem L, como tambm podemos encontrar
nos manuais delgica elementar clssica. Uma exposio bsica e acessvel
se encontra em Nolt &Rohatyn 1991.
49
/(
-
50
dos e tambm elemento do conjunto dos bacharis, Portanto, emnosso
modelo, M, a sentena acima verdadeira,
O tipo de modelo que acabamos de exemplificar chamadode modelo
semntico, e consiste, generalizando, em um conjunto deobjetos e
relaes e operaes sobre tais objetos. Os modelos semn-ticos so,
portanto, conjuntos ordenados de elementos, tal como emnosso
exemplo acima, em que temos nosso modelo, M, como ojparordenado .
Os modelos semnticos so compreendidos,16ento, por Suppes, van
Fraassen e outros defensores da abordagemsemntica como entidades
abstraas no-lingusticas (por exemplo,conjuntos), A funo bsica de um
modelo semntico nos permitirinterpretar os termos e sentenas de uma
dada linguagem e, conse-quentemente, permitir tambm decidir, por
exemplo, se uma deter-minada sentena de tal linguagem verdadeira ou
falsa, ou aindadecidir sobre suas outras possveis propriedades
semnticas, como aadequao emprica.
Contudo, o termo 'modelo' possu outros significados, alm
desseque acabamos de ver, encontrado na lgica (e na matemtica),
Fala-se,muitas vezes, de modelo como uma rplica de outro objeto.
Esse umsentido que encontramos no uso comum do termo e mesmo no
usoque dele fazem, por exemplo, os engenheiros, quando falam de
mode-lo de navio, modelo de avio, etc, Tambm entre os fsicos
encontra-mos um significado de 'modelo' que est prximo desse, como
coisafsica concreta, construda em analogia com outra, isto , uma
rplica, nesse sentido que temos, por exemplo, as referncias ao
modelo dotomo, feito por Bohr, que j mencionamos antes.
Mas aqui ainda h um detalhe importante, O modelo do to-mo, de
Bohr, um modelo genrico, que se aplicaria indistintamentea tomos de
hidrognio, oxignio, etc,, isto , quaisquer elementos databela
peridica. Neste caso, diz van Fraassen, o que temos ,
maispropriamente falando, um mode/o4ipo (van Fraassen 1980, p,
44),Mas seja o modelo fsico determinado, ou ento o modelo-tipo
(gen-rico) de que fala van Fraassen, qual seria a relao entre estes
e o
Sobre os modelos semnticos, assim como os modelos fsicos, sobre
os quais falare-mos em seguida, ver Suppes 1969, p. llss.
51
modelo semntico! ^ SW^Q^^^--I^^SLSSt&^Si _9ue ,,osmodelos
semnticos contm modelos fsicos como elementos seus. Esta uma das
razes fundamentais para que os defensores da abordagemsemntica
afirmem que ela mais adequada para explicar a cinciaque a abordagem
sinttica dos empiristas lgicos, ela est mais prxi-ma da prtica
cientfica.
2.6 Adequao emprica
Van Fraassen diz que uma teoria empiricamente adequada seela
verdadeira em relao s coisas observveis, isto , se ela salva os
ifenmenos. A abordagem semntica, da qual expusemos acima algu- ;mas
ideias centrais, lhe permite explicar de maneira mais exata a no-
ico de adequao emprica, Vejamos.
J que a atividade cientfica , segundo van Fraassen, uma
ati-vjdade de construo de modelos gue devem ser empiricamente
ade-quados,_pjgor ou apresentar urria_tpria cientfica, diz de,
especifi-car uma famlia de estruturas ou modelos e, nestes, indicar
certas par-tes FoTro""quTas que representam diretamente as coisas
observveis,-tais partes dos modelos so chamadas de
suhestaiuras^mpncas. Sen-dcTquiI~que""descrito por relatos
experimentais, medies, etc. aschamadas "aparncias, podemos dizer
que uma teoria empiricamentedequacl se ela possui pelo menos um
modelo tal que todas as apa-rncifs isomrficas a subestruturas
empricas desse modelo (vanFraassnT98, p. 64).
Deste modo, o que o cientista deve fazer, quando prope
umateoria, segundo o empirista construtivo, esperando que ela
sejaempiricamente adequada, elaborar uma srie de modelos, de for-ma
a que pelo menos um deles contenha subestruturas empricas(aquelas
partes que representam coisas observveis) que sejamisomrficas a
todas as aparncias, isto , ajudo o que possamos ob-servar axespeito
daqu^ele domnio de, fenmenos aos quais a teoria serefere. Dizer que
as aparncias e as subestruturas empricas de ummodelo da teoria
devem ser somrficas (para que a teoria sejaempiricamente adequada)
significa dizer que as aparncias e as
-
52
subestruturas empricas do modelo devem possuir uma analogia dei
fJ22' s* '^ tds os elementos encontrados nas aparncias devem
estar representados de algum modo nas subestruturas empricas no;
mesmo arranjo ou organizao que ocorre nas prprias aparncias.
nesse sentido, ento, que podemos dizer que uma teoria
cientficafornece uma imagem do mundo.
Se o isomorfismo dessa imagem se d apenas com o que observvel,
ento a teoria empiricamente adequada, mas se
f porventura o isomorfismo entre um modelo da teoria e o mundoi
for completo (isto , tanto nos aspectos observveis quanto
naque-
I ls inobservveis), ento podemos dizer que a teoria verdadeiraj
(van Fraassen 1980, p. 197), Assim, a verdade a correspondn-
cia exata entre a realidade e um dos modelos da teoria, enquanto
aadequao emprica apenas a correspondncia entre assubestruturas
empricas de um modelo da teoria e as aparncias oucoisas observveis.
Por isso mesmo van Fraassen diz, rejurmda-mente, que a adequao
emprica a verdade a respeito apenas doque e observvel,
Para entendermos melhor o empirismo construtivo de vanFraassen
como uma forma de anti-realismo, preciso ainda explicar-mos o que
ele entende por fora emprica e por equivalncia empricade duas
teorias cientficas.
Sejam duas teorias cientficas T^ e T. Se para cada modelo Mde
T.,, h um modelo M2 de T2, tal que todas as subestruturas
empricasde M1 sejam somrficas a subestruturas empricas de M2/ ento
T empiricamente pelo menos to forte quanto T2, o que se
representaassim:
Mas se, alm disso,
ento, T, e T2 so empiricamente equivalentes.
53
Dizer que uma teoria e empiricamente equivalente a outra
sig-nifica afirmar que as duas teorias so empiricamente adequadas
emrelao ao mesmo conjunto de fenmenos ou coisas observveis, isto,
que ambas do conta das aparncias ou salvam os fenmenos demodo
igual. Ojjn^Mo^dessasjteonas podem ter diferenas em reja-oji suas
P^les que representem coisas inobservveis, mas emxla-o a suas
subestruturas empricas (aquelas partes dos modelos querepresentam
coisas observveis), as teorias so equivalentes. Por isso,duas
teorias podem postular entidades inobservveis diferentes ^con-tudo,
salvar os fenmenos de forma equivalente. Neste caso, dizemosque as
teorias so ontologicamente distintas, mas
empricamente,equ-valentes. E isto quer dizer, finalmente, que as
mesmas observaes socompatveis com ambas as teorias, que o que os
anti-realistas estoquerendo dizF quando falam de subdeterminao das
teorias pelasobservaes.
Se temos teorias ^ jentficas empiricamente_equjvalentes,
asdiferencjs^.jntrejelas_se do _aJSLS.J}^YS^J,!l s^EXX^
'-LS^Ltanto, njioj^odejnjo^^
"Bse-rvaes possveis. PorjssoyanJFraassen argumenta que
razespragmticas ou no-epistmicas JH!1^ JQ1J:H!2!I2^ ^o"ll~um"foria
cientifica. Para escolhermos entre duas teorias
TrnpTrTcmenTe equivalentes, no podemos alegar razesepstmicas,
mas apenas razes pragmticas, j que as observaesno podem favorecer
uma em detrimento da outra. Mas isso querdizer, por fim, que no
preciso ter a crena na verdade das teorias,nem na existncia das
entidades inobservveis por elas postuladas,Por isso van Fraassen
insiste que a nica crena presente na aceita-o de uma teoria
cientfica a crena em sua adequao empricaque, complementada com
razes pragmticas, nos leva a fazer es-colhas entre diferentes
teorias.
Muitos comentadores tm insistido - e com razo - que essateoria
da cincia de van Fraassen, to bem elaborada como , repousana
distino fundamental entre verdade e adequao emprica, que elepode
fazer mediante a abordagem semntica, mas que, alm disso, a
-
54 55
prpria distino entre verdade e adequao emprica repousa, por
suavez, em uma outra, entre coisas observveis e coisas
inobservveis,Este um problema particularmente importante em relao
aoempirismo construtivo e a qualquer forma de empirismo, e
devemosdar uma palavra a seu respeito tambm.19
Urna das objees clssicas distino que os empiristas fazementre
observvel e inobservvel apresentada por prover Maxwell,que critica
Carnap a respeito desse ponto,20 Maxwell argumenta quea distino que
os empiristas fazem entre observvel e inobservvel arbitrria porque
tomando, por exemplo, a srie: olhar atravs de umavidraa, de culos,
de binculos, de um microscpio de baixa potn-cia, de um microscpio
de alta potncia,.,, no temos como determi-nar com exatido onde
termina a observao.
Van Fraassen_oncorda com a maior parte das crticas deMaxwell a
outros empiristas, como Carnap, Em particular, vanFraassen reprova
qualquer tentativa de determinar os lirmtes^daobservabilidade por
meio de teorias filosficas sobre a percepo, as-sim como condena
tambm a ideia dos empiristas lgicos de fazer adistino entre
un^vcabjario observacional eum vocabulrio teri-co. A ideia
fundamental de van Fraassen que os limites daobservabilidade so uma
questo emprica e que, portanto, so as ci-ncias especiais que devem
nos dar os meios para distinguir observvelde inobservvel. Mas estas
cincias especiais nos revelam dois tiposdiferentes de limites da
observabilidade: limites gerais e limites espe-ciais (van Fraassen
1985).
Os limites gerais da observabilidade, segundo o atual
retraiocientfico do mundo, diz van Fraassen, abrigam como
observveisaquelas estruturas pequenas, em escala csmica, que se
encontramdentro do cone do passado absoluto de um determinado ponto
doespao-tempo. Os termos utilizados por van Fraassen indicam que
ele
pensa que as teorias cientficas que determinam os limites gerais
daobservabilidade so teorias do tipo da teoria da relatividade. De
fato,especificamente, parece que van Fraassen se refere teoria
geral darelatividade.21
Estes limites gerais da observabilidade so independentes
doobservador, isto , no tm relao alguma conosco, os seres huma-nos,
que, obviamente, somos os sujeitos epistmicos em questo, ouseja,
aqueles que vo fazer observaes. Mas, ao contrrio, os
limitesespeciais da observabilidade so dados por aquelas teorias
que se ocu-pam de nossa constituio biolgica ou psicolgica, isto ,
da consti-tuio especfica dos membros da comunidade epistmica dos
sereshumanos. Assim, mesmo estando dentro dos limites gerais
daobservabilidade, algumas estruturas no sero observveis,
porqueestaro fora dos limites especiais da observabilidade.
Vejamos um exemplo: os eltrons de que falam as teorias
damicrofsica esto dentro dos limites gerais da observabilidade,
mas, na'medida em que eles no so acessveis aos sentidos dos seres
huma-nos, eles esto fora dos limites especiais da observabilidade e
so, por-tanto, inobservveis. Ao contrrio, uma cadeira est dentro
dos limi-tes tanto gerais quanto especiais, da obseivabilidade.
A soluo dada por van Fraassen para essa questo dos limitesda
observabilidade naturalista, e por isso vamos discuti-la no
captu-lo 6. Por ora, restringir-nos-emos apenas a comentrios a
respeito dadistino entre obseivvel e inobservvel em gerai.
Independentementede como tal distino possa ser feita, se ela for
possvel, pode-se sus-tentar a diferena entre verdade e adequao
emprica, e requerer paraas teorias cientficas apenas esta ltima
virtude, sustentando, portanto,uma postura empirista, Neste caso,
aceita-se uma teoria cieiitfica nacondio de empiricamente adequada,
de uma correta descrio doque obseivvel, sem compromissos com a
constituio do mundoem seus aspectos inobservveis. Uma das formas de
argumentar dos
19 Faremos abaixo uma exposio resumida e algo simplificada, para
que seja acessvel.Uma discusso longa e mais abrangente pode ser
encontrada em Dutra 1993, assimcomo nas referncias ali
fornecidas.
20 Ver Carnap 1956 e Maxwell 1962.
Uma explicao dos conceitos fundamentais de tal teoria que
interessam para a pre-sente discusso extrapola, contudo, os limites
deste livro. Sugerimos, ento, a leiturade obras especializadas e,
em especial, indicamos uma que relativamente acessvel:Lacey
1972.
-
56
realistas, tentando rebater os argumentos dos
anti-realistas__algarque a distino entre observvel e inobservvel no
pode ser feita
V\e e que, portanto, no se pode sustentar uma posturaempirista
consequente.
Alm disso, os realistas desafiam os anti-realistas a oferecer
umaj resposta ao problema do sucesso preditivo das teorias
cientficas. Quan-/ do o realista diz que as teorias cientficas
permitem fazer boas predi-
/ coes porque elas so aproximadamente verdadeiras, de fato, ele
estl dando uma boa explicao para o sucesso preditivo da cincia.
Mas,
j por outro lado, como alegam alguns anti-realistas, se temos
mais deuma teoria de sucesso, isto , teorias empiricamente
equivalentes, te-mos a situao de subdeterminao, e no preciso ter a
crena naverdade (aproximada) das teorias.
Assim, podemos reconhecer uma diferena fundamental entreos
programas epistemolgicos realistas e anti-realistas no seguinte:
osrealistas do um_ maior destaque questo do sucesso preditivo
dacincia, enquanto os anti-reIST"dl mais nfase ao problema
dasubdeterminacJLq. Ambas as tendncias tm suas virtudes e seus
de-feitos e, afinal, uma escolha por uma delas depende de
considerarmais importante um dos problemas acima citados, ou ento o
recursoa algum argumento que invoque a prpria natureza da
epstemologiada cincia, o que encontramos em Boyd e van Fraassen,
sobretudo noprimeiro. Mas como isso nos leva aos problemas
metaflosficos que se-ro discutidos no captulo 6, deixaremos estas
questes de lado por ora.
Teorias da confirmao
Vimos no captulo anterior que uma das razes que podem le-var um
cientista a aceitar uma teoria o fato de ser ela bem confirma-da.
No caso de haver duas teorias competidoras, segundo essa formade
pensar, parece razovel que a preferncia seja por aquela que
possuium maior grau de confirmao.
Quando falamos - ainda de uma forma intuitiva e aproximada- da
confirmao de uma teoria, temos em mente o confronto da teo-ria com
a experincia, isto , com as observaes. Sejijeora for, porexemplo,
aproximadamente verdadeira, como defendem os realistascientficos,
ento ela permite predizer com alguma preciso o compor-tamento das
coisas de que trata. Por isso, os cientistas envolvidos noprocess~9
teste emprico de uma teoria procuraro formular experi-mentos que
envolvam aquelas situaes nas quais ser possvel confe-rir se as
predies feitas com base na teoria so corretas.
A ideia intuitiva que temos de grau de confirmao est associ-ada
repetio de experimentos para testar uma teoria. primeiravista,
parece que quanto mais testes pelos quais a teoria passar comxito,
mais confiana temos em seu poder preditivo. Como vimos antes,para
ojealisja^ esta confiabilidade preditiva da teoria explicada
pormuTdo c p n c e i t o 3 d e aProximada: a teoria
empiricamentebem-sucedida porque aproximadamente verdadeira. Mas
tambm oanti-realista, como vimos no caso de van Fraassen, tematiza
aconfiabilidade preditiva da teoria, sua adequao emprica,
procuran-do explicar a relao entre teoria e experincia sem os
compromissosontolgicos que o realista possu (por exemplo, com a
existncia da-quelas entidades inobservveis postuladas pela
teoria).
Mas nem o realista, nem o anti-realista - por estarem,
obvia-mente, preocupados com o problema da aceitao - tematizam
os