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 Os problem as do m undo nào pode m se r resolv idos por céticos ou ni cos. cui os horizontes s e limitam às realidades evidentes. Temos necessidade de homens capazes de imaginar o que nunca existiu.
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80 Homens Para Mudar o Mundo

Jul 21, 2015

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"Os problemas do mundo no podem ser resolvidos por cticos ou cnicos. cuios horizontes se limitam s realidades evidentes. Temos necessidade de homens capazes de imaginar o que nunca existiu."

80 HOMENSPARA MUDAR

O MUNDO

~

...

..,

EDITORA

So Paulo

Copyright O Sylvain Darnil and Mathieu Le Roux. Proibida a reproduo no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorizao do editor. Direitos exclusivos da edio por

Rua Dr. Andrade Pertence, 1211125 -Vila Olimpia CEP 04549-020 - So Paulo - SP E-mail: [email protected] www.clioeditora.com.br

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Darnil, Sylvaiu 80 homens para mudar o mundo I Sylvain Darnil, Mathieu Le Roux ; traduo Rita Myrian Zagordo. - So Paulo : Clio Editora, 2009. Ttulo original: 80 hommens pour changer le monde.1. Desenvolvimento sustentvel 2. Empreendimentos 3. Executivos 4. Novas empresas I. Roux, Mathieu Le. 1 . Ttulo. 1

ndice para catlogo sisternitico:1. Empresrios : Ensaios biogrficos 338.04092

ISBN: 978-85-7831-015-8

Projeto grfico editorao: AGA Estdio Prparao e reviso: Ana Luiza Couto etrulia Cobiaco Capa: Gustavo Pofiela Design

A Anthony e Erwin, que nos deixaram. A Thomas, Lorenzo e Giorgio, que acabaram de chegar...

"No existefatalidade. O mundo de amanh ser o quefaremos dele. Um mundo de harmonia e de equilbrio entre os homens e com a natureza. Esses empresrios dedicados so seus precursores e nos oferecem uma viso de esperana e de otimismo... Que o amanh chegue logo!" Franois Lemarchaiid Fundador e presidente da Natures & Dcouvertes "Face a necessidade urgente de inventar uma coabitao mais harmoniosa com nosso meio ambiente afim de oferecer a nossosfilhos 'um planeta vivo', esta volta ao mundo a procura de personalidades que pessoalmente se dedicam a fazer evoluir a sociedade demonstra que 7hodore Monod tinha razo: 'a utopia simplesmente o que ainda no foi experimentado'. Que este belo livro, realizado com paixo e devotamento, possa ser fonte abundante de inspiraes e comprometimentos." Cdric du Monceau Diretor geral do WWF Franga"O desenvolvimento sustentvel um sonho ou u m ideal longrzquo? Esta volta ao mundo apaixonante, ao encorztro de empresrios pioneiros, nos mostra que mesmo uma realidade atual, rica de esperanas para o amanh." Bertrand Collomb Presidente da Lafarge

, . Prefacio ............................................................................................. 11 Introduo ............................................................................................ 15

consumidores (atares) .................................................................. 27 2. Peter Malaise - EcoverIBlgica: Ecover, produtos de limpeza que preservam a Terra ................................................... 33 3. Peter Koppert - KoppertIHolanda: Agricultura sustentvel: , . e stmples!.......................................................................................39 4. Jorgen Christensen - EcoparqueIDinamarca: O ecoparque de Kalundborg, uma verdadeira 'kimbiose industrial" ................. 45 5. ran Peter Bergvist - Scandic HotellSucia: O hoteleiro ecologzco........................................................................................ 50 6. Karl Stutzle - SafechemIAlemanha: Produtos qumicos para alugar ................................................................................. 56 7. Carlo Petrini - Slow FoodIItlia: Carlo, para , . os tnttrnos................................................................................... 601 .

1. Tristan Lecomte - Alter EcoIFrana: 60 milhes de

1. Govindappa Venkataswamy - Hospitais AravindIndia

Project ImpactIEstados Unidos: O McDonald's da catarata ........................................................ 69 2. Chandra Gurung - WWFINepal: Ecoturismo no Nepal ............. 7 5

- DavidGreeri -

3. Sulo Shah - Formation CarpetsINepal: Para mudar o mundo, ela criou sua loja ..................................................................................... 8 1 4. Muhammad Yunus - Grameen BankIBangladesh: 'Para u m mundo sem pobreza" ............................................................. 85 5. Iftekhar Enayetullah e Maqsood Sinha - Waste Concernl Bangladesh: Resduos: uma mina de ouro ................................. 92 6. Suraiya Haque - PhulkiIBangladesh: Centenas de creches e m Bangladesh ................................................................................. 99 7. Allen Chan - Sino ForestIChina: Reflorestamento, u m novo ,. negocro .......................................................................................... 104 8. Takao Furuno - Duck RiceIJapo: U m pouco mais de arroz, meu pato? ................................................................................. 110

1. 'ihomas Dinwoodie - PowerlightIEstados Unidos: Novamente sob o sol ....................................................................... 117 2. Dov Charney - American ApparelIEstados Unidos: Uma "etiqueta" 100% norte-americana .............................................. 123 3. Neil Peterson - FlexcarIEstados Unidos: "E se tivssemos .,. , u m carro comunrtarro? ,.............................................................. 129 4. Amory Lovins - RMIIEstados Unidos: Energia para dar e vender................................................................................... 134 5. William Drayton - AshokaIEstados Unidos: Compromisso para mudar o mundo ...................................................................140 6. William McDonough - McDonough & PartnersIEstados Unidos: Arquiteto para o planeta ............................................... 145 7. Gary Hirshberg - Stonyfield/Estados Unidos: A revoluo da alimentao biolgica .............................................................151 8. Oliver Peoples - MetabolixIEstados Unidos: Bioplstico: . , rsso efantastrco! ....................................................................... 156 9. Amy Domini - Domini Social IndexIEstados Unidos: A mulher ouvidos dos donos da Wall Street .............. 161 que murmurava "ticaa'nos 10. Ray Anderson - InterfaceIEstados Unidos: O presidente de empresa que se converteu ..................................................... 166r .

1. Giiy e Neca Marcovaldi - Projeto TamariBrasil: Tudo pelas

tartarugas ............................................................................................ 177 2. Rodrigo Raggio - CDlIRrasil: O especialista em ,. inforn~atrcacidado .......................................................................... 183 3. Jaime Lerner - Cidade de CuritibaIBrasil: O acupuntor urbano ................................................................................................. 187 4. Fbio Rosa - 1DEMSIBrasil: Da vela ao painel solar ..........................................................................................194 5. Hernando de Soto - ILDIPeru: O eldorado da . informal ......................................................................... 199 . econom~a 6. Garth Japhet - Sou1 City/frica do Sul: Televiso realidade em Soweto ............................................................................................206 7. Nick Moon - ApproteciQunia: Tecnologias adaptadas para enipreender ............................................................................. 21 0Concluso ............................................................................................ 16 2 Nossa iniciativa para sermos neutros para o clima .......................221

Para saber mais ...................................................................................223h d i c e dos temas abordados ...........................................................235 Agradecimentos ..................................................................................239

14 ecologia uma ocasio magnfica, talvez altima ocasio, de devolver sentido no progresso. As mulheres e os homens encontradospelos autores deste livro podem contribuir muito para isso."

Nicolas Hulot

Nasci em um mundo bastante simples. Em 1972, existiam os "bons" e os "maus", que poderiam ser os comunistas ou os outros, segundo quem falava...A diviso era incontornvel, e cada um era livre para escolher seu campo. Hoje, definir-se mais complexo. Se alguns jovens se comprazem nas referncias de ontem, outros tentam construir em funo dos novos desafios reais e globais: mudanas climticas, corrupo, luta contra a pobreza, falta de gua, danos biodiversidade ... Este livro dedicado a eles. Cada vez mais numerosos, esses jovens no se reconhecem nos modelos do passado que so considerados, por eles, inadequados a sua realidade. Ao contrrio da gerao de 1968, que continua como referncia em matria de alternativa ideolgica, essa gerao aparentemente integrada, preferencialmente diplomada e provm de meios sociais favorecidos. Seus membros adotam cdigos de vesturio e lingusticas idnticos aos de seus vizinhos mais "clssicos". Mas seu comportamento no normal seno na aparncia. Eles relutam em seguir o caminho de seus pais, fazer carreira em uma grande empresa, ter conforto e possuir um bom carro. E, apesar disso, trabalham duro. Raramente esto afiliados a um partido poltico e, no entanto, esto comprometidos at o

pescoo com o surgimento de uma nova viso de mundo. Eles denunciam a abordagem tpica da revolta estudantil de 1968 por sua ineficcia, e no podem conceber seu comprometimento de outra forma seno como contribuio para a sociedade, de maneira concreta, eficaz e mensurvel. Mathieu e Sylvain so, a meu ver, como eles. Vieram a meu encontro em setembro de 2002 com dois atributos distintos. O primeiro rene as qualidades de todo jovem diplomado: a energia, a vontade, a ambio. O segundo me convenceu a me engajar com eles. Seu projeto fruto puro desta nova forma de comprometimento: um estado de esprito que associa idealismo e pragmatismo. Uma vontade de resultado e de impacto, mas no sem se importar em qual direo.A empresa da qual participei da fundao, BeCitizen, foi pensada como uma ferramenta para influenciar, por suas atividades, as sociedades em direo a um desenvolvimento mais sustentvel. Os vinte colaboradores que me rodeiam hoje partilham todos uma mesma preocupao de resultado concreto, para um impacto global positivo. Sem ser ainda verdadeiramente conhecida, a BeCitizen j recebe dezenas de currculos por semana. Jovens com diversos diplomas, alguns iniciantes e outros mais experientes, que ontem teriam postulado posies em grupos bem maiores e hoje rejeitam essas estruturas por sua falta de sentido, ou no as concebem como uma passagem obrigatria para tornar eficaz seu compromisso seguinte... Eles privilegiam o sentido de ao ao estatuto da funo. Eles querem, de agora em diante, ser bem-sucedidos em suas vidas, em vez de "na vida".

Talvez esses jovens tenham hoje conscincia de sua condio de privilegiados, na qualidade de ricos (pertencentes a um sexto do planeta que consome 80% dos recursos mundiais), educados e livres (cidados de um Estado de direito e democrtico). Eles percebem que essa situao confortvel os torna responsveis face aqueles que no usufruem essas vantagens. Com efeito, com relao aos cinco sextos restantes: como pensar n o amanh quando

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o cotidiano no est garantido? Quando a ausncia de educao exclui? Quando mesmo pensar um delito? A revoluo da Internet acentua a tomada de conscincia dessa gerao. Poliglota e conectada, sente-se mais do que nunca ligada ao planeta inteiro. A reduo recente nos custos de transporte permitiu a ela, aos vinte e cinco anos, viajar - e, portanto observar - muito mais que a gerao precedente em toda uma vida. Confrontando suas preocupaes com as da outra, essa gerao est cadavez mais consciente dos desafios sociais e ambientais para os quais dever, rapidamente, encontrar respostas. Cada vez mais os jovens se acham corresponsveis por seu futuro comum - "entrar no mesmo barco" e procuram agir. Alm disso, tm conscincia de que o Estado no se permite mais responder sozinho a esses novos desafios. Da minha parte, tinha dezesseis anos em 1988, e continuo marcado na vida pela defasagem ocorrida entre a crise do sangue contaminado e a lentido poltica para fazer frente a ela. Depois me convenci de que a complexidade das novas crises torna ultrapassada qualquer tentativa de solues exclusivamente vindas do alto, e impele, ao contrrio, a soluo por meio da implicao de todos. Essa nova gerao assume a responsabilidade, tendo percebido precocemente que nossos primognitos tm muito a fazer para manter seus privilgios. Eles querem se ocupar do mundo no qual seus filhos vo viver. Essa a razo pela qual, coletivamente, devemos contribuir para inventar e adotar solues inovadoras para responder aos novos desafios sociais e ambientais, e isso como cidado, acionista, consumidor, instituio, militante e empresrio.-

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isso que Sylvain e Mathieu decidiram nos provar partindo ao redor do mundo a procura de homens e mulheres que praticas-

sem, inventassem, sensibilizassem, criassem, informassem, construssem solues viveis. Os personagens apresentados aqui so apaixonados, empresrios que tomaram conscincia dos desafios e decidiram no se submeter, mas agir. Este livro uma mensagem de otimismo que prova, por meio do exemplo, que possvel ima-

ginar solues diferentes e igualmente eficazes, igualmente confortveis - e muito mais sustentveis, mais respeitosas ao homem e a seu meio ambiente. Que este livro possa convencer vocs de que um outro mundo possvel, e incit-los a agir nesse sentido, inspirando-os com solues como as que foram descritas aqui, mas, sobretudo, comeando a imaginar as suas... Maximiiien Rouer Fundador e presidente da BeCitizen'

1. A BeCitizen te m como atividades o aconselhamsnto estratgica a empresas, a sensibilizao. a informadoa noite. Alm disso, para no produzir muito volume, esrzvarnos equipados somente com um saco de dormir mais leve, sufic.iente para a maioria dos pases quentes, mas um pouco fino lis para enfrentar o frescor escandinavo. Fazia somente cinaus no exterior e o frio nos paralisava. Algumas horas mais , a chuva comeava a martelar o tecido... Na verdade, no -*chamas os olhos a noite toda. s oito horas da manh do dia seguinte, devamos encontrar um dos diretores da mais importante cadeia de hotis da Escandinna, reconhecido por seu comprometimento ambiental. Uma rpida passada por um posto de servio para colocar uma camisa e escovar os dentes, e os dados estavam lanados. Depois de uma noite de camping selvagem, estvamos prontos para discutir a gesto de uma cadeia de hotis trs estrelas... A cadeia do Scandic Hotel estava, no inicio dos anos 1990, em uma situao financeira extremamente debilitada. Quando, em 1992, Roland Nilsson foi nomeado para dirigir a empresa, os prejuzos dos dois ltimos anos atingiam mais US$ de 50 milhes. A indstria turstica mundial tinha sofrido um grande golpe com as consequncias da guerra do Iraque. Mas, enquanto a maior parte dos dirigentes considerava as medidas ambientais como aes de comunicao teis quando tudo ia bem, Roland Nilsson fez delas o centro da estratgia de revitalizao do Scandic Hotel. A pevformance ambiental deveria transformar a administrao da empresa e lhe permitir renovar-se com o lucro. E, para insuflar a mudana nas mentalidades de uma empresa historicamente criada por um grupo petroleiro norte-americano' pouco preocupado com o planeta, era necessria a interveno do dr. Karl-Henrik Robkrt. Esse professor cancerologista est na origem da criao da ONG ambiental The Natural Step e teve uma grande participao na sensibilizao da sociedade sueca. Seu primeiro conselho foi de envolver todos os cinco mil colaboradores do Scandic. Foram, ento, organizadas jornadas de formao, do diretor i camareira, para expor as abordagens ambientais do pr1. Em 1963, o gmpo foi inaugurado sob o nome de Esso Motor Hotel, antes de ser revcndido,em 1983.a um grupo sueco.

ximo sculo: a energia, os resduos, a poluio ou o aquecimento climtico...Os funcionrios compreenderam as grandes regras que a harmonia com o meio ambiente impem e, assim responsabilizados, sugeriram mais de duas mil ideias para seus hotis. A abordagem recomendada por l h e Natural Step era original, no procurava de maneira nenhuma aplicar receitas ou ferramentas, mas contava com a criatividade de todos para resolver problemas claramente identificados. Todos os colaboradores participaram de uma grande "caa aos recursos" e numerosas sugestes apareceram. Para diminuir o consumo de produtos de limpeza qumicos e suas embalagens, uma camareira props substituir todos os sabonetes e xampus, que acabavam na cesta de lixo aps uma ou duas utilizaes, por recipientes afixados parede. Os pisos em tacos de madeira foram preferidos ao carpete.' A classificao dos resduos era generalizada nos quartos. Pedia-se aos clientes que indicassem se desejavam mudar os lenis todos os dias quando de uma estada de mais de duas noites, a fim de economizar o consumo de gua e de eletricidade nas lavagens. O metal, o plstico ou o cromo, materiais no renovveis, foram banidos dos quartos em benefcio da madeira. Detalhe simblico: mesmo o carto que abria a fechadura era de madeira e no de plstico. Essa coleo de inovaes permitiu hoje ao Scandic afirmar que seus novos quartos so 97% reciclveis. Alm dos efeitos de slogan e de comunicao, a empresa, porm, sobretudo dessa forma, tirou vantagem no plano financeiro. O consumo total de energia foi reduzido em 24% em trs anos e o da gua em 12%, e a produo de resduos (cuja totalidade classificada), em 45%. De um investimento inicial de 200 mil, a sociedade pde economizar ao longo dos cinco anos seguintes cerca de 2 milhes. Alm do mais, a imagem dos hotis melhorou consideravelmente. Atualmente, oito suecos em dez citam espontaneamente o Scandic nas pesquisas de imagem de marca.1. O nilon um derivado do petrleo, ao passo que a madeira 6 o produto de florestas exploradas sustentavelmenteno norte do pas.

Embora a empresa tenha apresentado prejuzos em 1992, houuma renovao com os lucros a partir de 1994. E desde que bland Nilsson quis que a empresa entrasse na bolsa em 1996, oito vezes mais demanda por aes do Scandic. A aposta desse audacioso presidente foi, portanto, vitoriosa. Atualmente, O exemplo do Scandic prova que o comprometimento ambiental no tem nada de "paixo dispendiosa", mas constitui uma linha importante de desempenho. Alm disso, fato significativo, o responsvel pelo meio ambiente , tambm, diretor de compras. Os desempenhos financeiro e ambiental esto, assim, vinculados no mais alto grau.

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ran Peter Bergkvist, nosso interlocutor durante essa entrevista, tambm um convertido da primeira hora. Em 1991, era diretor de um hotel da cadeia Reaso. Durante uma de suas reunies de trabalho, um colaborador lhe perguntou se o hotel tinha uma poltica ambiental. A resposta evidentemente era-no"; na poca, ningum ainda tinha realmente pensado nisso. No mesmo momento acabava de nascer sua segunda filha. De acordo com ele, esses acontecimentos combinados marcaram sua tomada de conscikncia e a deciso de, em sua escala, fazer alguma coisa. A pergunta do colaborador no seria deixada sem resposta. Ele decidiu realizar um grande movimento para fazer emergir boas ideias e as primeiras iniciativas apareceram. Seu hotel rapidamente demonstrou ser um exemplo e ele se tornou coordenador da poltica ambiental de todos os hotis Reaso. Quando a cadeia hoteleira foi recomprada em 1996 pelos Scandic Hotels, foi muito natural que ele aceitasse um cargo na diretoria ambiental.

O Scandic Hotel hoje a mais importante cadeia de hotis da Escandinvia, contando com 141 hotis e mais de 23 mil apartamentos em nove pases. Aps 1996, 9.500 apartamentos foram convertidos em ecorooms,l sistematicamente os mais novos e, progressivamente, os mais antigos. A razo de 1.500 a 2 mil apartamentos novos por ano, o objetivo converter mais da metade do total.1. Apartamentos ecolgicos.

As formas de melhoramento, segundo Jan Peter Bergkvist, so tambm numerosas na construo dos edifcios, na normatizao das prticas ou no surgimento de novas ideias. Recentemente, por exemplo, um funcionrio sugeriu manter a temperatura dentro dos apartamentos em dezesseis graus quando no estivessem ocupados. Quando um apartamento designado a um hspede, o sistema de computao comanda automaticamente a elevao da temperatura a vinte graus. Essa manobra leva cerca de dez minutos, ou seja, um pouco mais do que a mdia de sete minutos necessrios para que o cliente chegue a seu apartamento. Essa ideia simples permitiu reduzir um consumo, j baixo, em 14% adicionais. O Scandic tambm gostaria de oferecer em todos seus hotis cafs da manh provenientes da agricultura biolgica. Mas no existem atualmente tantas fazendas biolgicas na Sucia para suprir um cliente que serve quase quatorze milhes de cafs por ano... Atualmente, um caf em dez provm da agricultura biolgica, mas se essa proporo no aumenta infelizmente por falta de fornecedores suficientes. Em 2001, o grupo foi adquirido pelo Hilton 1nternational.A partir desse momento, o desafio para Jan Peter adquiriu uma outra dimenso. Reconhecendo o carter pioneiro do Scandic, David Mitchells, presidente do Hilton, pediu a ele que assumisse a diretoria mundial de meio ambiente do grupo. A obra gigantesca, mas Jan Peter e o exemplo do Scandic nos provaram que as medidas ambientais no tm mais nada que ver com a simples cosmtica... No momento de nos despedirmos de nosso anfitrio, ele nos props passar uma noite em um apartamento ecolgico de um dos hotis do grupo. Por pura preocupao com a investigao, vocs bem imaginam, aceitamos o convite! Os resultados de nossa minuciosa pesquisa, efetuada da sala de ginstica sauna, e do buf do caf da manh at a cama coberta com colcha de algodo, so conclusivos. Uma noite no "apartamento ecolgico" mais agradvel do que uma noite sob a barraca! Um outro nacionais: no tema da transforma~o grandes multidas

Karl-Henrik Robrts um professor em cancerologia sueco, fundador da organizao no governamental The Natural Step. Ele conseguiu introduzir na sociedade cientfica escandinava um consenso para criar regras simples de conduta sustentvel para todos os atos humanos. Sua abordagem, como o exemplo do Scandic bem o mostra, antes sensibilizar a populao para os desafios do planeta. Uma vez que as novas regras do jogo sejam fixadas e aceitas, cada um livre para repensar sua vida e adaptar seus atos! Atualmente, sua organizao pode se orgulhar de ter feito evoluir grandes grupos em direo a uma maior sustentabilidade, como o Scandic Hotel, a Ikea ou a Electrolux.

Karl Sttzle - Dusseldorf (Alemanha)

Diretorgeral da Safechem, empresa de locao de produtos qumicos.

Desafio: Reduzir drasticamente a utilizao de um produto qumico

til, porm muito nocivo. Ideia predominante: Devemos esperar que u m produto assim to eficaz, menos nocivo e mais barato aparea um dia ... Solugo sustentvel: Conservar o produto atual, mas permitir que uma mesma quantidade desse produto seja utilizada uma centena de vezes em vez de uma vez s.Quando decidimos partir procura de pioneiros do desenvolvimento sustentvel, no pensamos, sinceramente, encontrar grande coisa no setor da qumica tradicional. Engano nosso, pois, quando passamos pela Alemanha, pudemos constatar que, mesmo entre os qumicos, a inovao ambienta1 existe e algumas respostas fornecidas merecem esclarecimento. Nosso encontro com o diretor da Safechem, uma companhia alem filial da gigante americana Dow Chemicals, nos convenceu de que ser qumico e ecologista no conduz sistematicamente esquizofrenia... Solventes clorados: isso o que a Safechem vende. Tranquilizemse! Como sem dvida para a maioria de vocs, o assunto nos era pouco familiar antes de abrirmos as portas dessa companhia. Por outro lado, estvamos intrigados, pois um livro importante sobre a eficcia energtical cita essas companhia como exemplo. E como adoramos1. Facteur 4, de Amory Lovins, Hunter Lovins e Ernst von Weisacker, Ed. Terre Vivante, 1997.

ficar intrigados, fomos ao encontro de Karl Stutzle, o iniciador de uma verdadeira revoluo em seu setor de atividade. O solvente clorado um produto benigno para o meio ambiente? Na verdade, no. Todos os derivados qumicos que contm cloro so substncias que no apreciam muito a fauna e a flora dos lagos e do solo. Como se pode vender um tal produto de maneira ecolgica? No incio dos anos 1980, na Alemanha e na Sua, uma onda de protestos contra o uso desses solventes comeou a tomar forma. Rumores de proibio eram at persistentes. Todo o setor estava ameaado. As tcnicas de limpeza que utilizam o solvente clorado so necessrias para o bom funcionamento de diversos processos industriais. O solvente utilizado para limpar a graxa de peas metlicas, o que permite fazer funcionar corretamente os airbags ou fazer a manuteno de peas de avies cujo bom funcionamento pode se revelar vital. Outros processos existem, mas, se so menos poluentes, so geralmente menos eficazes e os clientes se queixam. Karl Stutzle era, em 1990, um executivo da empresa Dow Chemical a quem foi confiado o quebra-cabea dos solventes clorados. O mercado estava em colapso. As vendas passaram de 180 mil toneladas em 1986 para menos de 60 mil toneladas em 1991. Os partidos ecologistas, as ONGs e o pblico continuavam a apontar esses produtos como extremamente nocivos. A reduo era objetivamente uma boa notcia para o meio ambiente, mas no para o dono da companhia que os vendia. Pelo menos a primeira vista, e se continussemos a adotar como nico critrio de desempenho aquele do mximo de toneladas de produto vendidas... A idia de Karl Stutzle partiu da constatao de que os clientes no compram esse solvente por seu peso, mas pelo servio prestado: limpar peas metlicas. O que conta para o cliente final no nunca se entulhar de solvente clorado, mas assegurar a limpeza de seus produtos. Essa mudana de abordagem inofensiva virou de ponta-cabea toda a atividade da Safechem. Karl Stutzle criou, ento, uma minirrevoluo na Dow. Ele sugeriu que o objetivo no era mais o de vender o mximo de solvente, mais vender o mximo de servios de limpeza de graxa de peas metlicas. Uma diferena sutil!

Essa mudana de perspectiva implica que o solvente no seno um elemento da prestao de servios e que vendido em um circuito fechado. Entregam-se ao cliente final dois recipientes, um cheio de solvente e outro vazio. Os dois so conectados hermeticamente a uma bacia de lavagem. Uma vez a operao terminada, a Safechem recupera os dois recipientes. Aquele que estava cheio est vazio e o vazio, cheio. Nesse sistema perfeitamente controlado e hermtico, nenhuma gota de produto escapou. Todo o solvente utilizado recuperado pela Safechem para ser reciclado (92%do contedo) ou incinerado, em ltima instncia. O solvente clorado no mais vendido, mas, de certa forma, a1ugado.l Uma mesma molcula de solvente que anteriormente era utilizada apenas umavez antes de se encontrar em plena natureza vai ser utilizada uma centena de vezes. Ao se adotar uma lgica de "servio': as quantidades de solventes clorados utilizadas passaram de 25 toneladas por ano e por cliente, em 1988, para 2 toneladas em 2002. Os custos com embalagem foram tambm drasticamente reduzidos, j que os recipientes em ao so reutilizados indefinidamente.E, apesar da reduo nas quantidades de solventes vendidos, o faturamento da Safechem aumentou. Na Alemanha, a companhia representava somente 6% do mercado em 1994, ao passo que a partir de 1999 representava mais de 50%.Nesse mercado delicado, em que os clientes no sabem como administrar serenamente esse composto to nocivo, a Safechem soube trazer uma soluo de consenso e controle para clientes encantados de ver seu processo de limpeza de graxa melhorar, exigindo deles menos tempo e energia. Ao avaliar seu desempenho, no mais por tonelada de produto vendido, mas de servios prestados, tornou-se de interesse da Safechem reciclar o produto ao mxim0.A partir desse momento, ningum na empresa perdia por proteger o meio ambiente! Presente desde ento na ustria, Sua, Frana e Itlia, essa PME2 conta com 28 empregados para um faturamento de 12 milhe~.~ Atualmente, todos os participantes do setor se inspiram na "abor1. Do ponto de vista jundica o solvente no pode ser alugado por razes de responsabilidade em caso de acidente, mas a propriedade de um bem por alguns dias se parece, para o ns.) mais wmum dos mortais ( . . , com uma locao. 2. Pequena e Mdia Empresa (N.do T.). 3. Nmeros para o ano de 2002.

dagem Safechem para tentar recuperar o atraso em relao as inovaes de seu concorrente. H muito tempo criticada pelo Partido Verde da Alemanha, a empresa atualmente citada como exemplo pelo ministro do Meio Ambiente, como uma sada bem-sucedida e inteligente para a resoluo do dilema ecolgico. Quando pedimos a Karl Stutzle que explicasse as razes de seu comprometimento precoce para tentar conciliar seu trabalho com o meio ambiente, ele reconhece uma dupla influncia: a de um homem sensvel aos problemas ecolgicos, tendo passado sua infncia no campo e membro ativo da WWF,' mas tambm a de um homem de negcios que notou que uma abordagem alternativa permitiria salvar uma empresa e seus funcionrios, assegurando ao mesmo tempo aos clientes o mesmo nvel de eficincia. A histria de Karl Stutzle tambm a ilustrao perfeita de que um diretor de uma indstria qumica, que tambm doador de programas para a proteo dos tigres brancos indianos, pode conseguir alinhar seus atos e seus valores.

1.Worldwide Fund for Nature -Fundo Mundial para a Natureza (N. do T.)

Carlo Petrini - Bra (Itlia) Fundador do Slow Food, movimento internacionalpara a ecogastronomia".

Desaio: Proteger os sabores e as receitas da terra para combater a m alimentao. Ideia predominante: Um projeto que acarretar forosamente perda de dinheiro, de tempo e de divertimento em relao aos modelos dos ftist-foods. Soluo sustenthvel: Privilegiar o prazer e a qualidade para suscitar o desejo e seduzir progressivamente cada vez mais adeptos na Itlia, na Sua... e mesmo nos Estados Unidos! Muitas vezes imaginamos o ecologista como um personagem simptico, mas fora de seu tempo, refratrio a toda novidade e que leva uma vida um pouco montona, sem prazer real. Um simples encontro com Carlo Petrini pulveriza o clich&em pleno voo. No corao da regio italiana do Piemonte, no ambiente encantador de um velho prdio de alvenaria com ares de claustro antigo, ele um militante entusiasta,um encantador brilhante e afvel que nos recebeu para contar sua histria. Ele est na origem da criao de um movimento que, denunciando a uniformizao de nossos hbitos alimentares e prticas agrcolas, se esfora para demonstrar que no se pode ser co1ogista"sem ser um bon vivant. E, sobretudo, no se pode ser bon vivant sem ser"ecologista~.. Se Carlo nunca conseguia explicar seu trabalho a sua me, porque ele mudava muitas vezes e nunca realmente se fixava em nenhum deles. Para ele, tudo remonta a seus dezenove anos e sua descoberta

da Paris da revolta de maio de 1968. Seus ideais brandidos em pleno Quartier Latin vo infiuenciar seu comprometimento e suas escolhas militantes. Diploma de sociologia no bolso, travou sua primeira luta pela liberdade de expresso na Itlia dos anos 1970.Graas a uma velha estao transmissora recuperada da guerra greco-cipriota, criou clandestinamentea primeira rdio livre do pas. Ao final de uma srie de protestos que conduz juntamente com Dario Fo, futuro Prmio Nobel de Literatura, seu movimento lanou o primeiro debate nacional verdadeiro, que chegar a um fim alguns anos mais tarde pela liberao das ondas de rdio. Na vida "civil: era animador cultural e organizava festivais de msica popular e tnica. Participou, tambm, de uma revista de cultura gastronmica milanesa, a Gola. Foi, porm, aps uma nova viagem Frana, "a segunda ptria de todo piemonts", que ele se admirou ao ver at que ponto nosso pais se preocupava em preservar as tradies culinrias. De volta a sua regio natal, Carlo se desesperou ao constatar, por outro lado, que a Itlia perdia uma a uma suas receitas e seus produtos de antigamente, sugados pela espiral da padronizao da alimentao. Em 1986, a abertura de uma lanchonete McDonald's na praa da Espanha, em Roma, desencadeou as paixes. Numerosos foram aqueles que se recusaram a ver desfigurado o conjunto arquitetural por um gigantesco "M" amarelo e piscante. O assunto se resolveu com um "compromisso italiana': que, segundo Carlo, deixou ~"McDonald's instalar uma lanchonete onde a fachada no estragasse a aparncia, mas onde os hambrgueres continuavam a estragar os estmagos romanos". Se bem que o acontecimento animasse a conversa de um jantar entre amigos, festejado como se deve, Carlo e alguns outros decidiram agir. Eles resolveram criar uma associao para uma gastronomia alternativa, mais saudvel e com mais respeito pelas tradies. O nome encontrado: "Slow Food': Carlo no tinha, de forma nenhuma, contudo, a inteno de fazer de sua associao um simples local de protesto e comeou a refletir sobre formas de agir. Ele estava bem consciente de que no se podia realmente criticar o modelo "McDonaldS, Coca-Cola" sem propor um outro, convincente, acessvel, mas, sobretudo, atraente e cativante. Em 1988, a Opra Comique de Paris celebrou a criao da Associa-

o Internacional "Slow Food" ,cujo manifesto fundador prometia uma arte de viver que respeitava a diversidade dos sabores e garantia uma situao decente para os produtores. Elogio feito lentido, no como princpio absoluto, mas justo, para que,"de tempo em tempo, voc tenha seu tempo". E o emblema do movimento escolhido: um escargot, porque ele , segundo Car10,"lento e delicioso". Carlo edita o primeiro guia de vinhos da Itlia, cujo sucesso nas livrarias to inesperado quanto bem-vindo para a publicidade da Slow Food. Respondendo a uma expectativa do pblico, seu jovem movimento passa de quinhentos a cinco mil membros em alguns meses. Uma das primeiras misses da associao identificar e proteger os "produtos em via de extino". Para inventariar esse capital cultural gastronmico, Carlo cria a metfora da "arca do sabor", que faz o inventrio exaustivo de todos os produtos, know-how e receitas da regio que esto ameaados de desaparecer. Mas identificar e catalogar as receitas no suficiente para isso. Evidentemente, muito mais urgente ajudar os produtores locais a ganharem a vida com seus produtos, cujas vendas despencam. Como o WWF faria com relao a um animal em perigo, a Slow Food cria os "sentinelas do sabor". Esses grupos de voluntrios so enviados s regies gastronmicas e se esforam, com relao a um certo produto ou receita, para relan-10 comercialmente nos mercados. Especialistas em marketing, distribuio ou finanas debruam-se sobre os modelos econmicos locais para tirar o produto e seus produtores do impasse. O frango capo de Morozzo, por exemplo, cujas vendas declinavam, foi verdadeiramente abraado pelas equipes da associao. Elas comearam por comprar um grande quantidade para salvar, em curto prazo, a produo. Depois, uma verdadeira campanha de comunicao recolocou esse delicioso prato tradicional na moda. Atualmente, o frango capo vendido a preos mais altos, e a atividade da aldeia de Morozzo voltou. Para que esses produtos esquecidos fossem conhecidos, o primeiro salo do sabo'r foi lanado em 1996,permitindo a centenas de pequenos produtores fazer que seus produtos e receitas tradicionais fossem descobertos por cerca de 20 mil visitantes vindos do mun-

inteiro. A edio do salo realizada em Turim em outubro de 1 permitiu que mais de 140 mil visitantes saboreassem mel da 4 nia, batatas de Maori, peixes de pesca tardia ou biscoitos feitos n o amaranto de Prou. Esses "atelis do sabor" veem dezenas amadores italianos, norte-americanos ou alemes sentarem-se, no no tempo de escola, para reaprender a apreciar os sabores .conhecidos ou simplesmente esquecidos. A Slow Food atualmente se estende alm da pennsula italiana. O ~vimento conta hoje com mais de 40 mil membros na Itlia, 9 mil i Estados Unidos e 6 mil na Sua, tendo sido criados albergues em is de cem pases. Mais do que nunca, sua misso a de defender :omunidades locais e seu know-how culinrio. O movimento funna como uma verdadeira empresa, com mais de cem funcionrios na sede da cidade de Bra. Apesar de Carlo Petnni ter dificuldade em aceitar o ttulo de presidente, a Slow Food gera toda uma gama de atividades, entre as quais uma editora que publica cerca de quarenta ttulos. O guia de boa mesa um verdadeiro best-seller na Itlia, e a revista Slow traduzida em cinco idiomas. No auge desse sucesso popular, a Slow Food acaba de criar a primeiramuniversidadedo sabor". Seu objetivo de formar em gastronomia e agroecologia estudantes de horizontes diferentes. Em 2004, a primeira promoo j contava com 65 estudantes originrios de 13 pases diferentes. A universidade inteiramente "independente da indstria" e financiada graas aos lucros de um "banco de vinho''. Essa coleo de mais de 200 mil garrafas, que se valorizam envelhecendo no frescor das adegas, garante rendimentos regulares, como o complexo hoteleiro que foi construdo com a ambio de atrair os numerosos amantes da arte de viver Slow Food.A construo prope uma piscina, uma academia de ginstica e sutes duplex com uma vista espetacular sobre autnticas runas romanas. Bem entendido: no centro de tudo, imponentes cozinhas acolhero os melhores chefs de passagem. Os estudantes dessa escola da arte de viver culinria so os melhores embaixadores de umaugastronomia inteligente".Formando esses futuros especialistas que iro se juntar A equipes de orgas nizaes internacionais, administraes ou empresas agroalimen-

tares, Carlo Petrini sabe que a revoluo operada por ele lenta e doce, mas slida. Apesar de se declarar em "solidariedade total" com Jos Bov, sentimos bem que sua abordagem radicalmente diferente. Ele se esfora para construir em vez de destruir, e aposta que o apelo a um novo hedonismo uma mensagem mais eficaz que a culpabilidade pelas peties e golpes de glria miditicos. A luta da Slow Food est evidentemente comprometida com uma agricultura mais sustentvel, pois "comer menos, comer melhor", o slogan da associao, equivale, antes de tudo, a "cultivar menos, cultivar melhor". Dentro do contexto da volta da causa do produtivismo alimentar que resultou nas crises da vaca-louca ou da gripe aviria, o comprometimento com uma ecogastronomia , mais do que nunca, atual. Muitos so aqueles que afirmam que "Petrini um gnio!". A pequena associao, criada h 15 anos por um bando de militantes idealistas, tornou-se uma mquina formidvel. Seus 80 mil membros lhe permite rivalizar com os grandes do setor utilizando suas prprias armas, do marketing vira1 comunicao pelos sentidos. Alm da luta de Carlo Petrini, a Slow Food um excelente exemplo de uma abordagem radicalmente moderna, que alia muito bem um forte comprometimento dos valores humanistas com as ferramentas da empresa moderna. Definitivamente,Carlo Petrini demonstra uma evidncia: para construir o mundo com o qual sonhamos, deve-se dar a todos vontade de nele viver! Um outro pioneiro do tema "modos de vida": Franois Lemarchand concorda, tambm, com a anlise de Carlo Petrini sobre a necessidade de reconectar as populaes urbanas com o campo. O fundador da revista Nafure & Dcouverfes tomou para si a misso de fazer que as populaes citadinas redescobrissem a natureza. Encontramos em suas revistas, em ambientes suaves e estudados,todos os objetos teis para recriar esse Wiculo com a natureza: do telescpio a ferramentas para o jardim. Conhecer para fazer respeitar. A empresa demonstra claramente sua vocao militante. Nafure & Dcouvertes , alis, reconhecida

na Frana como uma empresa pioneira na responsabilidade social. De seus lucros, 10%so revertidos para projetos de preservao da biodiversidade. Foi, em 1995, a primeira empresa na Frana a publicar um relatrio do desenvolvimento sustentvel. Para Franois Lemarchand, especialista reconhecido em marketing, os consumidores atualmente esto mais interessadosno que eles fazem do que no que eles tm. Ele afirma que entramos em uma era de riqueza de ser e prev mesmo que o ato do consumo comea a veiculr um valor quase negativo e em breve ultrapassado... Se seu instinto em s relao A tendncias estiver uma vez mais certo, temos a esperar uma verdadeira revoluo!

Govindappa Venkataswamy - Madurai (Tamil Nadu/ndia) Fundador do hospital de cirurgia oftalrnolgica Aravind. David Green - So Francisco (Califrnia/Estados Unidos) Fundador da empresa Project Impact.

0 MCDONALD'S DA CATARATADesafio: Generalizar o acesso ao atendimento a todos aqueles que .+elenecessitem. Ideia predominante: Um projeto incontestavelmente justo e caridoso .?ue acarretar prejuzofinanceiro. Soluo sustentvel: Conceber u m novo modelo de intervenes de catarata mais produtivo, sem prejudicar a qualidade das cirurgias, suscitando ao mesmo tempo a solidariedade natural dos pacientes em .nelhor condiofinanceira em relao aos maispobres. Quando descobrimos Madurai, a capital do estado de Tamil Nadu, na ndia, j fazia um ms que percorramos o subcontinente e tentvamos pretensiosamente aprender sua cu1tura.A ndia perturbadora em muitos aspectos, mas o que nos incomoda,alm das vacas sagradas e pratos muito condimentados, que nos deixamos facilmente prender na armadilha do dilogo cultural... Os indianos nos parecem prximos, parecem-se conosco fisicamente e falam um bom ingls. Mas isso para a. Todo o resto totalmente diferente, extico, na melhor das hipteses, e incompreensvel, na pior. Foi por acaso, em nossas pesquisas na Internet, que ouvimos falar da experincia surpreendente do Aravind Eye Hospital e de seu fundador, Govindappa Venkataswamy,o emblemtico Dr.V Esse nome digno dos melhores filmes de James Bond o de um octogenrio que ainda dirige o hospital de atendimento ocular de Madurai. Em uma cidade suja e efervescente, penetramos em um

hospital moderno onde formiga uma multido de pacientes e de enfermeiras atarefadas.Vamos encontrar ali seu fundador e guru. Govindappavenkataswamy um dos cirurgies indianos mais reconhecidos, estimando-se que mais de 100 mil pacientes tenham passado por suas mos. Entretanto, a primeira coisa que nos surpreendeu ao encontr-lo foi a deformao de seus dedos. Uma artrose muito grave o corri h mais de cinquenta anos... Sua iniciativa, imagem de sua vida, nos deixou admirados. Existe atualmente no mundo cerca de 45 milhes de pessoas que no enxergam e 135 milhes de pessoas que enxergam mal. Estimase que, se nada for feito, esses nmeros devero duplicar ate 2020. A catarata, uma doena motivada pelo envelhecimento e carncias alimentares, est na origem de 80%dos casos de cegueira, principalmente na Asia e na frica. Por outro lado, essa doena pode ser curada por meio de uma interveno bastante simples, que consiste em substituir o cristalino que se tornou opaco por uma lente artificial perfeitamente transparente. A operao cirrgica, no entanto, utiliza tcnicas aperfeioadas e pessoal qualificado. Nas clnicas especializadas, seu custo, consequentemente, muito elevado. O Dr. V. encontrou um meio de reduzir esses custos radicalmente, de forma a permitir que centenas de milhares de pacientes recuperem a viso, graas a um modelo aclamado pela Organizao Mundial da Sade (OMS). Filho de um fazendeiro do sul da ndia, Govindappa cresceu em uma pequena aldeia de Tamil Nadu. Criana, passava seus dias a ajudar nos campos e guardar os bfalos de sua famlia. No era seno ao cair da noite que podia utilizar o tempo que ihe restava para aprender a ler e a escrever, mesmo no cho, sobre a terra batida de uma escola improvisada. Apesar dessas condies difceis, seus esforos ihe permitiram entrar para a universidade, obtendo, em 1944, um diploma de medicina. Alguns meses mais tarde, alistou-se no Exrcito britnico a fim de participar de um esforo de guerra.Ao voltar em 1947,assistiu a morte, em trabalho de parto, de trs de suas primas, e decidiu fazer da obstetrcia sua especialidade. Um ano mais tarde, porm, foi vtima de crises muito graves de artrite deformante, to brutais quanto inexplicveis. Seus membros lhe faziam sofrer atrozmente e, em alguns meses, encontrava-se imobilizado em um leito de hospital. No foi seno

Lepois de um ano de esforos que ele conseguiu, aps um programa ?ercleo de reeducao, levantar-se sozinho. Sequelas terrveis o atormentam ainda hoje: seus dedos so contorcidos, sua marcha, difcil, e 'eu sofrimento,to intenso quanto silencioso. Impossibilitado, ento, de praticar a obstetrcia, ele se formou sozinho em cirurgia oftlmica. Muito rapidamente, tornou-se um cio rurgio reconhecido e assumiu a responsabilidade pelo s e ~ de atendimento ocular do hospital pblico de Madurai. Apesar de sua deficincia, tornou-se um dos melhores cirurgies da Asia e operava diariamente dezenas de pacientes. Durante essas duas dcadas, lutou para obter fundos do governo central indiano a fim de montar acampamentos mveis, nico meio, segundo ele, de atender aos pacientes mais pobres nas aldeias distantes e cuidar deles. Esses pacientes, ignorando que a doena podia ser curada, perdiam a vida poucos meses depois, sendo considerados por seus parentes prximos, segundo o Dr.V., como"bocas para alimentar, sem braos para trabalhar". Essa primeira iniciativa bem-sucedida alimentou sua ambio crescente. Por ocasio de sua aposentadoria forada, Dr. V. montou, enfim, seu prprio hospital. O Aravind Eye Hospital, modesto estabelecimento de onze leitos, foi inaugurado em 1976, sendo ali aplicado um modelo indito. Os pacientes que podem pagar o fazem para poder financiar o atendimento gratuito dos mais pobres. Um tero dos pacientes paga ento um preo normal, e o restante operado gratuitamente. O hospital, economicamente independente e perfeitamente rentvel, cresceu rapidamente. Dois anos mais tarde, um novo edifcio foi construdo para acoiher uma centena de leitos. Os pacientes afldarn. Formavam-se novos cirurgies e enfermeiras e numerosos acampamentos mveis nos campos foram organizados a fim de operar os camponeses sem recursos. Dois novos hospitais foram inaugurados nas cidades do Estado. Ao recuperarem a viso, os pacientes do Dr. V. podiam novamente voltar atividade. Um estudo conduzido junt- "ueles que tinham perdido seus empregos em seguida A cegueira ra que 85%deles conseguiram recuper-los aps a interveno! m problema, contudo,persistia. Para realizar a operao de catarata, os cirurgiestinham de comprar as lentes apreos proibitivos,entre US$150 e 300. Somente poucas multinacionais ocidentais partilhavam

o mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, metade das pessoas entre 64 e 75 anos atingida pela catarata e 1,3 milho de pacientes so operados a cada ano - um mercado rentvel para os laboratrios farmacuticos, j que o custo total dessa doena nos Estados Unidos 6 de US$ 3,4 biihes. Mas, para essas empresas cobertas de patentes, o mercado indiano, se bem que importante em volume, no representa quase nada em valor. David Green, um norte-americano parceiro de longa data do hospital, e que encontraramos em San Francisco alguns meses mais tarde, se encarregava de obter gratuitamente as lentes junto aos fabricantes sensibiiiados com sua causa. At o dia em que eles decidiram simplesmente parar de fazer as doaes. Enquanto as equipes de seu projeto decidiram procurar novos financiamentos para compr-las, David Green encarou o problema pelo lado inverso: quis conseguir fabricar essas lentes na ndia, a custo reduzido. Em 1992,ele reuniu oftalmologistas, cientistas aposentados e pesquisadores entre dois turnos para imaginar como produzir as lentes sem quebrar patentes. Foi ento criada a Aurolab, uma empresa independente do hospital sem ins lucrativos, com a finalidade de tentar a experincia. Graas a mo de obra barata mas, sobretudo, a uma reduo nos custos e uma produo em grande escala, as primeiras lentes foram vendidas a US$10 cada uma, isto , entre quinze e trinta vezes menos do que os preos correntes. Da lente a operao, os dois empreendedores, David Green e Dr. V., revolucionaram profundamente os modelos tradicionais para reduzir drasticamente os preos. Em seguida a uma viagem aos Estados Unidos, o Dr. V. maravilhou-se diante do sucesso dos restaurantes McDonald's e anunciou: "Se pudemos inventar uma organizao capaz de vender hambrgueres de boa qualidade em cada esquina de rua do pas e a um preo acessvel,por que no utilizar esses tesouros de inventividade e de eficcia para uma causa mais nobre: a de devolver a viso?': Ele queria criar o "McDonald'sn da catarata. Os pacientes operados no ficavam mais do que algumas horas, os materiais utilizados para os leitos e os quartos eram locais e baratos. As equipes operavam diversos pacientes em cada sala. um; vez terminada a operaqo em um, o cirurgio se voltava e comeava em outro, enquanto as enfermeiras terminavam e faziam entrar o seguinte...O Dr.V nos confiou:'~umentandoo nmero de pacientes operados a cada dia, sem jamais sacrificar a qualidade

de nossas intervenes, reduzimos os custos da operao de US$1.700 nos Estados Unidos para US$10 em Madurai!': Os resultados da Aurolab e dos hospitais Aravind comprovam o sucesso do modelo. A cada dia, 2.800 lentes saem das fbricas a preos unitrios que j chegam a US$ 5. Terceiro produtor mundial em volume, a Aurolab j exporta suas lentes, bem como material mdico e produtos farmacuticos necessrios para a operao,para mais de 120 pases no mundo. Um centro de pesquisa e um "banco de olhos"' puderam ser criados. E 20 a 25 acampamentos mveis so organizados para garantir o atendimento e a preveno nas zonas rurais. O grupo Aravind conta atualmente com cinco hospitais e acolhe 1,5 milho de pacientes a cada ano. Das 200 mil operaes anuais, 47% so gratuitas para o paciente e 18% saem a um preo mais baixo que o preo de custo. Somente 35% dos pacientes pagam o preo normal, para financiar o conjunto. E o mais surpreendente que ningum no hospital verifica os rendimentos dos pacientes! Uma pessoa em boa situao financeira poderia teoricamente ser operada sem pagar nada. O Dr. V. nos revela: "No controlo a administrao, meu objetivo devolver a viso". O sistema autorregulvel e ningum trapaceia. As pessoas em boa situao financeira frequentemente esto prontas a pagar para evitar fila e porque acreditam no modelo. Depois do incio da aventura, os hospitais Aravind j viram passar 16 milhes de pacientes, tendo operado com sucesso 1,s milho deles. Sempre independente, o grupo financia seu crescimento e nunca A totalidade dos lucros - os renfoi ajudado por qualquer funda~.~ dimentos so divulgados anualmente - reinvestida para duplicar o modelo e construir novos hospitais. O Aravind considerado um dos centros mundiais de excelncia em cirurgia oftalmolgica e a OMS o tornou seu hospital modelo para a luta contra a cegueira. Nessa especialidade, um em cada dez cirurgies asiticos formado em um dos hospitais do grupo. E no raro cruzar nos corredores do hospital com cirurgies em formao europeus, japoneses ou norte-america1. O banco de olhos permite devolver a viso a pacientes graas a doaes de rgos. 2. A nica exceo 6 o banco de olhos, financiado por doaes do Rotary Club International.

nos. Enfm, h j alguns anos hospitais que seguem o mesmo modelo foram montados no Camboja, no Nepal, no Egito ou em Malawi. David Green tornou-se um cruzado da transferncia de tecnologias do Norte para o Sul.A OMS nos informa que 90% dos medicamentos e materiais mdicos so produzidos nos Estados Unidos, na Europa e no Tapo. Sua tarefa imensa. Ele transps o modelo das lentes para os aparelhos auditivos e, em breve, o far para os medicamentos de triterapia. Os aparelhos auditivos custam entre US$ 1.500 e US5 3.000 nos pases desenvolvidos, ao passo que ele consegue vend-los por US$40! "Existe um mercado fabuloso de 250 milhes de surdos e pessoas que ouvem mal nos pases em desenvolvimento, e ele totalmente inexplorado. Meu objetivo vender 500 mil aparelhos dentro dos prximos cinco anos." David Green aplica o raciocnio de Ford, que democratizou o automvel, para o setor da sade. Era hora de se pensar nisso... Quando encontramos David Green, ele acabava de i n t e ~ na r Conferncia de Davos e nos confiou suas dificuldades para convencer os dirigentes de multinacionais tradicionais."A preocupao que essas empresas com aes na bolsa so projetadas para maximizar o retorno rpido sobre o investimento e, mesmo com boa vontade, elas A devem satisfazer os acionistas cada vez mais ~ulosos." finalidade " de sua nova abordagem completamente diferente. Ele quer tornar e as tecnoloaias e os remdios acessveis no maior nmero ~ossvel ao menor custo, sem pagar taxas de marketing ou de royalties. Ele est convencido de que seu modelo pode ser facilmente copiado por empreendedores sociais em todo o mundo, por pouco que se tenha desmitificado a estrutura dos custos. "Sim, possvel produzir tratamentos a preo baixo, de boa qualidade, sem quebrar patentes. Ns provamos isso com as lentes intraoculares e estamos fazendo isso com os aparelhos auditivos."David nos abriu os olhos sobre o potencial extraordinrio desses novos empreendedores, que, para mudar o mundo, criam empresas. Quanto ao Dr:V., quando comentamos com ele todos os sucessos que marcaram seus ltimos trinta anos, ele nos lembrou, humildemente, no crepsculo da sua vida, o longo caminho que falta percorrer para erradicar definitivamente a cegueira no mundo. Sua experincia, sua vontade inquebrantvel e sua viso nos mostram o caminho para isso.

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Chandra Gurung - Katmandu (Nepal) Fundador do primeiro parque natural de ecoturismo no Nepal.

Desafio: Como desenvolver uma regio pobre e a renda de seus habitantes sem degradar o meio ambiente local. Ideia predominante:No se pode ter u m turismo verde e u m turismo rentvel. Soluo sustentvel: Permitir aumentar a renda da populao local fazendo dela a principal protetora dos ecossistemas.Percorrendo a ndia h dois meses, nos acostumamos com a multido. O bilho de habitantes do subcontinente no passa jamais despercebido, e tudo na ndia se faz obrigatoriamente no meio de uma multido confusa. Depois de uma parada na cidade santa de Benares, pegamos a estrada em direo a um dos lugares mais lindos do mundo: o Nepal. Por reao, sem dvida, decidimos nos isolar dentro do parque nacional do macio dos Annapurnas, em pleno corao da cadeia de montanhas do Himalaia. Durante oito dias de caminhada, marchamos e nos acotovelamos com uma populao discreta, acolhedora e sorridente, passando bem no meio de esplndidas paisagens de picos cobertos de neves eternas. Nessa regio inspita a nossos olhos ocidentais, os nepaleses vivem com simplicidade, da criao de iaques e de moedas estrangeiras gastas nos albergues e nas lojinhas de ch pelos viajantes de passagem. Nenhuma estrada corta asregio, todo o caminho feito a p ou no lombo de um burro. Aqui, o tempo parece ter parado, tudo calmo, vive-se ao ritmo do sol. Na atmosfera grandiosa dos cumes, nume-

rosos encontros nos fazem descobrir pouco a pouco as ricas facetas dessa etnia montanhesa. Raramente durante a viagem tivemos a sensao de mergulhar to intensamente em uma cultura, contudo to diferente da nossa. A caminhada chega ao fim. Estamos de volta Katmandu, a capital do pas, onde procuramos identificar quem est por trs da poltica nepalesa de conservao dos parques naturais e outras reservas de animais. Para isso nos encontramos com o responsvel nacional pelo WWF: Chandra Gurung, ex-diretor da King Mahendra Trust for Nature Conservation' (KMTNC), que nos acolheu calorosamente em seus escritrios. Depois de alguns minutos de conversa, compreendemos com surpresa que Chandra era exatamente quem procurvamos. Na verdade, foi ele que, em meados dos anos 1980, conseguiu envolver a populao local para fazer do parque nacional dos Annapurnas um modelo mundialmente reconhecido de ecoturismo. O Nepal, nico reino hindu do mundo, um dos pases mais pobres da sia. De uma populao de 23 milhes de habitantes, 42% vivem abaixo do limiar da pobreza, quer dizer, com menos de US$ 1 por dia. Nesse territrio exguo, dominado pelas mais altas montanhas do mundo, nove habitantes em dez so fazendeiros e a grande maioria deles vive na nica regio favorvel agricultura: o Terai, prximo da fronteira com a fndia A densidade populacional ali tal2 que o potencial de desenvolvimento do pas no mais agrcola, no h mais lugar...Nessas condies,numerosos esforos foram feitos h mais de vinte anos para desenvolver o turismo. Paraso para aqueles em busca de aventuras radicais e para os amantes da fauna selvagem, o Nepal faz sonhar. Foi assim que o turismo tornou-se rapidamente o primeiro setor econmico do pas, mas ao preo de uma inquietante presso sobre os ecossistemas locais. A regio dos Annapurnas se estende por 7.600 km2 (5% do territrio nacional), com uma populao de 120 mil habitantes. L, uma centena de idiomas diferentes falada por mais de 96 etnias. A regio dos Annapurnas tambm o frgil hbitat de 1.226 esp1. Grupo do Rei Mahendra para a Conservaao da Natureza. 2. Contam-se 12habitantespor hectare de zona cultivvel, ao passo que em outros pases do Sudeste da sia h apenas de 5 a 6 habitantes por hectare.

cies de plantas, 101 de mamferos, 478 de pssaros e 39 de rpteis. A regio oferece aos viajantes apaixonados esplndidas paisagens. E, graas notoriedade das exploraes de Maurice Herzog,' a regio dos Annapurnas tornou-se o principal destino turstico do pas. Para acolher os turistas, mas tambm por causa do importante aumento da populao (2,3%ao ano, dobra!rido a cada pero,do ,. de 30 anos), a populao utiliza abundantemente a maaeira como fonte de aquecimento. O risco ecolgico enorme, e n;io somerite para a manuteno da biodiversidade. O Programa (ias Nae~ e s Unidas para o Meio Ambiente (PNUE) declarou essa regio como a mais exposta da sia a futuras catstrofes naturais. Ao cortar de forma persistente as florestas para cozinhar seus alimentos e aquecer suas habitaes e os abrigos para os turistas, a populao local desregula o ecossistema local, ameaando gravemente a biodiversidade e se expondo aos perigos da mono sob os Bancos das montanhas desmatadas. Em 1986, diante de um desmatamento macio (da ordem de 50 mil hectares por ano) e da exploso da produo de resduos, o rei Mahendra decidiu tornar o macio dos Annapurnas uma zona cuja gesto foi confiada a uma ONG baseada em de conse~ao, Katmandu: a KMTNC. Chandra Gurung nos confia: "Nessa poca, o modelo de referncia era Chitwan, o primeiro Parque Nacional, protegido pelo exrcito desde 1973". O Chitwan fora concebido como um recinto totalmente fechado s comunidades locais, consideradas ento como uma ameaa para a conservao da fauna e da flora selvagem. A populao, com os recursos naturais como a madeira ou as plantas medicinais cortados, foram tambm privadas de meios de subsistncia. Sem colheita nem caa, sofria para subsistir a suas necessidades. Em um ambiente de descontentamento geral, as rixas com o exrcito se multiplicaram. Tomando a direo oposta das prticas da poca e contra o conselho de numerosos especialistas mundiais da conservao, Chandra Gurung recusou-se a tornar essas zonas parques "de proteo". Aps um estudo de oito meses em contato com a populao nas regies8

1. Maurice Henog foi o primeiro alpinista a escalar o Annapuma 1, um pico com m i as de 8.000 m de altitude.

prximas de sua aldeia natal, ele teve a certeza de que 'a conservao dos espaos naturais e o desenvolvimento econmico da populao so compatveis e que a participao das comunidades , inclusive, a principal chave para o sucesso? Chandra no tem nada de apparatchik.' Ele viveu durante quinze anos na pequena aldeia de Siklis, ao p do Macchapuchare, um dos mais lindos picos do Nepal. Seu irmo e sua irm, respectivamente pais de sete e nove filhos, ainda l residem. Mais do que ningum ele compreende que, se sensibilizarmos as comunidades com relao aos desafios ecolgicos locais e que alternativas viveis podem ser imaginadas, elas sero as primeiras a agir para a conservao de sua regio. Chandra se dedicou, ento, a numerosas campanhas de sensibilizao, explicando s comunidades que o ecossistema de suas regies, suas florestas, sua fauna e sua flora so para elas um verdadeiro capital e que, com a condio de serem bem valorizadas, geraro uma renda importante. Pode-se, ao mesmo tempo, atrair turistas para melhorar o nvel de vida local, bastando para isso minimizar os impactos produzidos por eles sobre o meio ambiente. Assim, ele formou comits de desenvolvimento em 55 aldeias do parque. Cada um deles responsvel por implantar projetos locais para a conservao dos recursos, instalar fontes de energia alternativa ou assegurar a preservao da herana cultural (templos, monumentos e moinhos de pedra). Assim, aquecedores de gua solares asseguram aos habitantes gua quente sem consumo de madeira, minibarragens so instaladas sobre cursos d'gua para gerar a eletricidade necessria para iluminar as casas. Outro exemplo: a caa aos mamferos proibida e so os prprios aldees que fazem que essa lei seja respeitada. Viveiros so criados para reflorestamento. E, para atrair mais turistas, formam-se encarregados e cozinheiros dos abrigos para preparar outros pratos que no o famoso dalbhat, o prato nacional nepals ? base de arroz e lentilhas. Um prato deliI cioso, mas enjoativo quando servido em todas as refeies durante quinze dias. Os comits tambm colocaram em operao um sistema para limitar os resduos de embalagens plsticas: eles forne1. Palavra m a que significa membro de partido poltico, especialmente o comunista (N. do T).

cem gua potvel em cada etapa da caminhada, evitando assim que milhares de garrafas sejam jogadas na natureza. Os outros resduos so coletados, reutilizados e reciclados. Um cdigo de conduta ecolgica para os caminhantes at foi editado por meio da iniciativa de um comit de aldeos. Todas essas melhorias foram escolhidas pelas comunidades locais aps treinamento dado pela KMTNC, tendo sido financiadas metade por elas e metade pela entrada - de 2 25 para o parque - que ' cada caminhante deve pagar. Quinze anos mais tarde, os resultados comprovam que a aposta de Chandra Gurung foi ganha. A maior parte dos 1.500 abrigos do parque funciona com energia solar ou hidrulica, a quantidade de resduos foi radicalmente reduzida e o desmatamento interrompido, no sendo mais raro observar pegadas do leopardo-das-neves, espcie que se acreditava condenada A extino. Paralelamente, a renda da populao aumentou sensivelmente. Um caminhante gastava em 1986 o equivalente a 3 por dia e somente 7% dessa receita permanecia nas comunidades locais. O pagamento voltava para os organizadores das caminhadas, que traziam diretamente da capital Katmandu os guias, o material, a alimentao e mesmo os carregadores.Atualmente, os turistas gastam mais de 20 por dia, dos quais mais de 60% volta para os camponeses que se tornaram donos de albergues. Em 2001,75 mil turistas vieram para essa regio dos Annapurnas e esse modelo, atualmente reconhecido como um formidvel sucesso pela comunidade internacional, est em vias de ser reproduzido em outras zonas de conservao do Nepa1,como o Kangchenjunga e o Manaslu. O que mais nos surpreendeu nessa caminhada foi que os nepaleses no gastam integralmente sua renda suplementar para aumentar suas casas ou comprar bens de consumo. Eles se dedicam tambm a investir na renovao de seus monumentos e na construo de escolas para valorizar seu patrimnio e se preparar para o futuro. Atualmente diretor nacional do WWF, Chandra Gurung teve de deixar a KMTNC aps dois mandatos de quatro anos. Ele assume agora uma nova causa, como a da volta dos rinocerontes a alguns parques nacionais, e luta, igualmente, pela abertura aos

turistas estrangeiros do reino mtico de Mustang, uma regio afastada prxima ao Tibet. Sua experincia e suas convices o levam a pensar que ainda muito cedo para abrir demasiadamente essa regio ao turismo. Nenhuma infraestrutura foi ainda construda, e a populao no foi treinada. Infelizmente, o governo dessa jovem democracia' parece mais interessado nos lucros imediatos do que na viso de sabedoria que Chandra encarna. "Foi muito difcil fazer que minhas idias sobre o parque dos Annapurnas fossem aceitas pela primeira vez. Acontece a mesma coisa com Mustang, mas espero confiante. Eu conseguirei." Todos ns esperamos ...

1. O pas abriu-se em 1990, mas passa por certa instabilidade poltica desde 1996,quando uma rebelio maosta -rampeu em algamas regies.

Sulo Shrestha Shah - Katmandu (Nepal) Fundadora da Formation Carpets, uma empresa de co !etapetes.

PARA MUDAR

O MUNDO,

ELA CRIOU SUA LOJA

Desafio: Emancipar as mulheres e melhorar a situao da populao pobre do Nepal. Ideia predominante: Um modelo de empresa social e tica no vivel em um pas pobre como o Nepal. Soluo sustentvel: Criar uma empresa produtiva e lucrativa, responsvelpela educao de crianas. Ao voltarmos doloridos e exaustos de nossa caminhada nos Annapurnas, nosso encontro com Sulo Shah recarregou radicalmente nossas baterias. A energia serena que emana dessa elegante nepalesa de cerca de 50 anos muito comunicativa. E, quando se nativo, como ela, de um pas devastado pelo analfabetismo e a pobreza, essa energia no pede mais do que ser utilizada. Quando Sulo Shah, sada de uma famlia abastada de Katmandu, voltou da Alemanha em meados dos anos 1980 com um doutorado em matemtica no bolso, ela tinha a firme inteno de fazer que o Nepal evolusse. Ao obter um cargo no Ministrio da Educao nacional, jovem e ambiciosa, ela comeou atacando uma verdadeira montanha: a reforma dos programas das escolas de seu pas. Sua primeira confrontao com a fora burocrtica e a "poltican pblica lhe deixou uma lembranqa amarga. Aps trs anos de esforos e uma

ensima proposta recusada por razes absurdas, ela pediu demisso. Um dos colaboradores que a rodeavam na poca lhe exps, ento, com bastante clareza suas escolhas."No importa se voc agir como um lder inspirador ou se no fizer nada..." No tendo nenhuma inteno de no fazer nada e sentindo-se ainda um pouco jovem para encarnar uma tal liderana, Sulo Shah segue por mais um tempo o movimento, juntando-se s fileiras de uma ONG. Mais de oitocentas organizaes no governamentais esto estabelecidas em Katmandu, com a ajuda internacional representando 60% do oramento do Estado. Sulo se v ento diante da dificuldade da escolha. Ela passa a integrar uma associao que atua no campo da educao nas aldeias afastadas. Com uma atitude resolutamente direcionada responsabilizao da populao, ela obtm excelentes resultados. Uma vez mais, porm, as brigas internas, a atitude condescendente dos outros membros do escritrio e a impresso geral de trabalhar no que Sulo Shah descreve como "uma fazenda de dlares" a decepcionam. Ela deixa novamente a organizao, pois no pde fazer frutificar suas idias...Segunda decepo. Nesse momento, Sulo est bem decidida: ela no quer mais patres, e cria ento uma empresa."Eu no sou Madre Teresa': nos diz ela,"mas mesmo assim senti a necessidade de realizar finalmente coisas concretas e benficas para as pessoas em minha volta:' J que os programas clssicos para melhorar o nvel da educao no avanavam to rapidamente quanto ela gostaria e no acreditando mais no modelo da ajuda internacional, uma empresa privada que ela decide montar. E a atividade ser um meio de melhorar duradouramente as condies de vida das populaes locais, empregando-as.A empresa dever, evidentemente,ser rentvel para assegurar a continuidade do modelo. Nesse novo papel de empresria, Sulo vai poder aproveitar sua energia, sua criatividade e sua incrvel facilidade de trazer a adeso de seus interlocutores. Sob o nome de Formation Carpets, essa fbrica de tapetes artesanais comea timidamente sua atividade em 1992. Com seis empregados no incio, Sulo esfora-se para vender seus produtos nos Estados Unidos e na Alemanha. Ignorando tudo sobre a fabricao de tapetes, sua grande facilidade para falar lhe permite convencer um alto dig-

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nitrio do contexto em uma viagem organizada pela ONU aos Estados Unidos para empresrios da confeco nepalesa. No somente consegue entrar para esse clube de empresrios reconhecidos, dando assim a sua marca uma certa notoriedade, como tambm obtm no pas um dos melhores contratos da viagem junto a um comprador norte-americano seduzido pelo charme dessa mulher de convico. Os resultados seguem-se rapidamente, com a conrrarao de trinta empregados a partir do primeiro ano, e mais trinta outros dois anos mais tarde. Os empregados, cuja quase totalidade de mulheres, provm das classes mais pobres da sociedade. evidente que o arraigado ao cora_ E-da atividade da comprometimento social estincio, a empresa se . ao Formation Carpets. Desde o distingue proibindo sistematicamente o trabalho infantil. "Quando comecei", declara Sulo Shah, "no tinha realmente conscincia dos desafios do trabalho infantil, e me contentava em envi-los de volta quando os via perambulando no ateli. Bem depressa compreendi que era simplesmente impossvel aos pais criar seus filhos nessas condies." Ela decidiu, ento, criar uma escola anexa fbrica a fim de reservar a esses crianas uma sorte melhor do que a de seus pais, que, na maioria, comearam a trabalhar com a idade de oito anos. Para financiar essa medida, seria preciso aumentar os preos e explicar aos clientes finais que existia um preo justo abaixo do qual era impossvel trabalhar decentemente. Para informar aos clientes sobre essa nova atitude, ela inventou a primeira etiqueta tica dos atelis de confeco de tapetes. A associao "Rugmark", fundada pela iniciativa de empresrios como Sulo e uma ONG, permitiu que cerca de duas mil crianas fossem retiradas dos bancos de fiao para serem colocadas nos bancos da escola. O movimento participou, sobretudo, de uma tomada de conscincia da causa das crianas pelo setor como um todo. Se bem que em 1997 a metade das mos que confeccionava tapetes no Nepal era ainda a de crianas com menos de quatorze anos, o nmero caiu para menos de 5% desde 1999.l Mas Sulo no se contentava em agir em benefcio das crianas: Ela implantou, igualmente, um amplo pro1. Fonte: State o World's Children do Unicef, 1997. Relatrio de anlise da situao da f indstria do tapete no Nepal, setembro de 1999.

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grama de cobertura de sade para seus empregados, obrigando-os a ter um dia de repouso por semana. Por todos os meios, ela tentava faz-los sair do que denuncia como sendo "uma mentalidade de escravo" e props diversos cursos de alfabetizao. Bem entendido, ela oferecia tambm salrios decentes e forava as equipes a misturarem as diferentes castas para colocar fim a toda forma de discriminao. Como se pode imaginar, essas boas prticas favoreciam um excelente ambiente dentro da empresa. Favoreciam, tambm, as vendas, pois o mercado comeava a observar mais de perto as condies de trabalho, e a iniciativa pioneira da Formation Carpets seduzia. Mas nos momentos mais difceis que a solidez do modelo se confirma. Em um determinado ano, o nmero de pedidos caiu brutalmente, pois o mercado alemo estava em baixa. Sulo se viu obrigada a dar suas primeiras licenas para salvar a empresa."Eu no estava nem um pouco satisfeita quando anunciei a deciso a meus empregados. Mas qual no foi a surpresa quando trinta e cinco mulheres se apresentaram espontaneamente como voluntrias para evitar que outras em situaes mais precrias fossem atingidas!" Sulo compreendeu, ento, que seus esforos tinham valido a pena. Dois meses mais tarde, quando a demanda comeou a reviver, todo mundo foi recontratado. O grupo voltou mais unido do que nunca. Atualmente, a empresa emprega mais de 160 empregados e foi reconhecida pela ONU como um exemplo de emancipao sustentvel das mulheres pelo trabalho. A experincia de Sulo Shah e de sua empresa de dimenso humana nos mostrou claramente o potencial da mudana que um empresrio sensibilizado pode causar na sociedade. A empresa uma estrutura possvel que, o mnimo que podemos dizer, conveio melhor ao temperamento de Sulo Shah do que os universos administrativos ou associativos.Alm disso, os 25% de lucro que a Formation Carpets obtm nos anos bons lhe permitem duplicar seu modelo. Como mulher de negcios lutadora, Sulo Chah decidiu criar uma holding que investe em empresas similares, de fabricao de tapetes, txtil ou de papel. Ela as transforma segundo o modelo "social" da Formation Carpets. "Se ns conseguimos, por que os outros no conseguiro?" Essa pergunta perturbadora que Sula Shah faz com seu ar falsamente inocente a todos os empresrios do Nepal.

MuhammadYunus - Dacca (Bangladesh)

Fundador do Grameen Bank, o primeiro banco de microcrdito do mundo.

Desafio: Como ajudar a populao mais desfavorecida a sair de uma

condio de extrema pobreza sem entrar e m uma lgica de assistencialismo? Ideia predominante: Os bancos emprestam somente aos ricos. Soluo sustenthvel: Inventar u m banco quepermite a trs tomadores de emprstimo em quatro sarem de uma condio de extrema pobreza e aplic-lo no mundo inteiro.Bangladesh um dos pases mais pobres do mundo. Cento e vinte milhes de pessoas vivem em um territrio com superfcie equivalente a um quarto da superfcie da Frana. Chegamos a Dacca, a maior cidade do pas e capital mundial do riquix, os txis puxados pelos braos de homens. Vista da Europa, essa regio do mundo nos mostrada somente por ocasio de catstrofes naturais. A cada ano, com efeito, o pas enfrenta graves inundaes no penodo da mono. Ao desembarcarmos, nos aguardava um pas em perptua urgncia. O que descobrimos, em pleno Ramadan, foi uma repblica islmica mais moderada, povoada por homens e mulheres sorridentes, curiosos e muito acolhedores. Nenhum de nossos interlocutores nunca sonhou que ocidentais pudessem se interessar por seu pas, e menos ainda identificar, ali, empresrios de sucesso. Mas esse pas que imaginvamos perdido nos permitiu estudar uma das iniciativas mais bem-sucedidas e promissoras de nossa viagem.

Tnhamos todos os modelos, heris, homens e mulheres que sonhvamos encontrar pelo menos uma vez em nossa vida. Bem, tnhamos encontrado o nosso. Surpresos pelo fato de que um certo nmero de pessoas prximas a ns ignorava ainda sua histria, nossa reportagem nasceu da ideia de que poderamos ser teis se consegussemos, em nossa escala, fazer que se conhecessem mais os empresrios de sua fibra. Muhammad Yunus o criador do conceito do microcrdito, uma das mais importantes inovaes do sculo XX em matria de luta contra a pobreza. Ele sonha, nos prximos anos, melhorar a vida cotidiana de pelo menos 100 milhes de pessoas em todo o mundo. Como esse professor de economia, graas a uma ideia muito simples, criou em alguns anos um fenmeno suscetvel de "enviar a pobreza para os museus"? Terceiro filho de uma famlia de quatorze filhos, dos quais cinco morreram ao nascer, Muhammad Yunus nasceu na Bengala Ocidental em 1940, naquele tempo ainda em territrio indiano. Seu pai era proprietrio de uma modesta joalheria e estimulava seus filhos a estudarem longamente e com seriedade. Aps um trajeto escolar brilhante, foi oferecida a Muhammad uma bolsa para fazer doutorado nos Estados Unidos. O objetivo principal desse jovem de apenas vinte anos era "a economia e o desenvolvimento". Muhammad passou sete anos nos Estados Unidos e tornou-se professor de economia na Universidade do Colorado. Em 1971, a separao do Paquisto faz nascer um novo Estado independente: Bangladesh. Ele decidiu voltar e obteve um cargo no departamento de economia da Universidade de Chittagong, a segunda cidade do pas. Trs anos aps sua volta, uma terrvel fome se abateu sobre o pas, matando mais de um milho e meio de pessoas. Esse acontecimento iria mudar sua vida: "As pessoas morriam de fome na rua e eu continuava a ensinar elegantes teorias econmicas sem nenhum contato com a realidade. Comecei a compreender que era muito arrogante pretender ter todas as respostas, protegido como estava dentro de uma sala de aula. Decidi que os prprios pobres iam se tornar meus professores". Durante o ano de 1976,Muhammad foi com seus estudantes ao vilarejo de Jobra, logo ao lado de sua universidade, para travar um

dilogo com seus habitantes. Ao final de alguns meses, comeou a montar-uma cooperativa para os agricultores do vilarejo e se dedicou a resolver problemas de irrigao, uma das principais causas das pssimas colheitas da poca. Mas, rapidamente, tomou conscincia de que suas aes deviam se direcionar para aqueles que tinham mais necessidade: os mais pobres do vilarejo. E ele constatou que a grande maioria deles era incapaz de se dirigir aos bancos tradicionais, pois estes os consideravam insolventes. Para Yunus, essa recusa de acesso ao crdito a fonte de todas as excluses. Uma vendedora de frutas e legumes tempores, por exemplo, forada a emprestar 60 thakas ( 1) de um agiota para comprar suas frutas de manh, recuperando 75 durante o dia graas s vendas que ela realiza nos mercados, mas deve devolver 70 na mesma tarde. Ela paga, portanto, at 20% de juros ao dia e seu lucro magro lhe permite somente sobreviver. Investir para melhorar sua situao impossvel. Mas, para essa prisioneira de um crculo vicioso, Muhammad Yunus tinha um verdadeiro plano de fuga... Segundo ele,"a pobreza muito raramente devida a problemas pessoais, preguia ou falta de inteligncia,mas, sistematicamente,ao custo proibitivo do capital, mesmo de pequenas somas': Apesar da quantidade e da qualidade de seu trabalho, essas pessoas nunca sairo de suas condies se todos seus recursos forem desperdiados com juros abusivos. O que lhes falta, estruturalmente, o acesso a um pequeno capital, reembolsvel a taxas mais justas e em um prazo mais escalonado. 'Xssim elas podero entrar em um crculo econmico e gerar seus prprios rendimentos." Muhammad Yunus estava convencido de que sua intuio estava certa. Para prov-la, desembolsou de seu prprio bolso 850 thakas ( 24). Esses pequenos emprstimos ajudaram a financiar os microprojetos de 42 mulheres entre os mais pobres de Jobra. Era suficiente, por exemplo, para que pudessem comprar uma galinha e gerar uma renda diria pela venda dos ovos. Alguns ovos poderiam ser chocados e se tornar uma segunda galinha, que dobraria a renda da vendedora. Na data do vencimento, Muhammad Yunus foi reembolsado integralmente.Para ele, a experincia foi um sucesso."Essas mulheres tinham, acima de tudo, todo o dinheiro para me reembolsar, para me provar qve mereciam minha confiana. Seus olhares-

reconhecidos e sua pontualidade multiplicaram minha vontade de estender a experincia!" Inicialmente, Muhammad tentou convencer os banqueiros locais, obtendo sistematicamente as mesmas respostas: "Os pobres no so solventes, no oferecem nenhuma garantia no caso de falta de pagamento. muito arriscado. Isso no ir funcionar". Os funcionrios do governo no foram mais conciliadores.Em suma, ningum acreditava, somente ele. Aps dois anos de esforos vos, sempre convencido de que tinha um modelo revolucionrio, deixou seu cargo de professor e decidiu criar sua prpria empresa. O Grameen Bank,"banco do vilarejo" em bengali, nasceu em 1976 e se estendeu rapidamente para vinte, quarenta, cem vilarejos do distrito. Um quarto de sculo mais tarde, os resultados conseguiram convencer os mais cticos. Em Bangladesh, o banco tornou-se uma verdadeira instituio.' Ele est presente em 46.660 vilarejos e j emprestou mais de 62 4,5 bilhes a 12 milhes de clientes, dos quais 96% mulheres. A experincia comprovou que elas so, com efeito, mais responsveis e mais srias do que os homens... O banco participa tambm de uma verdadeira revoluo de mentalidades nos domiclios desse pas muulmano com cultura patriarcal bem arraigada. As taxas de reembolso que inquietavam tanto os banqueiros agora so superiores aquelas dos bancos tradi~ionais.~ clientes so organizados em grupos Os de cinco, em que cada uma das devedoras se sente responsvel perante as quatro outras e pode, eventualmente, solicitar uma ajuda em caso de inadimplncia. O Grameen no obriga a assinatura de qualquer contrato, no entra com qualquer ao e no exige qualquer garantia ou cauo de seus clientes! A nica condio de elegibilidade compreender como o banco funciona. A instituio criada por Muhammad emprega atualmente mais de 12 mil pessoas. uma verdadeira empresa, que paga salrios equivalentes queles dos bancos "tradicionais". Funcionando unicamente com fundos prprios, todos os anos depois1. Um emprego em quatro depende de fianciamentos do microcrdito. 2. A exceu dos anos de 1983,1991 e 1993.

de sua criao apresentou lucros que so integralmente reinvestidos em um fundo que serve para reparar o causada lei islnlica pelas catstrofes naturais. Para contornar c a,. , ~ que probe a um muulmano emprestar dinALciru a rana ur;:.. r o s , 94% do capital do banco pertence a seus clientes. Assim, eles emprestam "virtualmente" dinheiro a eles nlesmos, e: o Alcor;o respeitado. Compreende-se que o sucesso do banco e o resultado de uma ideia simples, de uma vontade consistente e de uma srie de inovaes astuciosas. Esse modelo atualrnente aplicado em mais de 57 pases em todo o mundo, entre os quais China e frica do Sul, mas tambm em pases desenvolvidos, como os Estados Unidos ou a Frana. O microcrdito atinge mais de 55 milhes de famlias no mundo, das quais 27 milhes entre elas dispem de menos de US$1 por dia por habitante. Graas ao microcrdito, trs tomadores de emprstimo em quatro saem de urna condio de extrema pobreza, e isso definitivamente.A ONU decidiu fazer de 2005 o ano do microfinanciamento a fim de atender 100 milhes de domiclios no final do ano. Pragmtico,humilde evoluntarioso, MuhammadYunus tambbm uma fantstica "fbrica de ideias". Depois de dez anos, ele se lanou a outros projetos ambiciosos com o mesmo objetivo de resolver um problema social de maneira sustentvel, utilizando as regras da empresa e do mercado. Muhammad nos explica: "Procuramos encontrar outros mercados inexplorados. Nosso objetivo sempre foi de atingir os excludos do sistema, graas a produtos ou servios de qualidade, adaptados a suas necessidades e vendidos a preos acessveis". Dessa reflexo nasceu a Grameen Telecom. Essa operadora prope aos habitantes dos vilarejos adquirir um telefone mvel graas a um emprstimo do banco e vender os minutos de comunicao s pessoas de seu conhecimento. O preo praticado duas vezes menor do que o das operadoras tradicionais, e os clientes obtm um rendimento adicional de 50 I 100 por ms, uma verdadeira fortuna para a Bangladesh rural. ,anada h cinco anos, .a Grameen Telecom j vendeu 75 mil teefones na metade dos vilarejos do pas, alcanando 12,6 milhes ie usurios. O modelo rentvel, e a empresa tornou-se a segunda >peradorade telefonia mvel do pas.n7 . -

A ltima idia do professor Yunus disponibilizar painis solares a 70% dos habitantes de Bangladesh que no tm acesso eletricidade. O usurio paga somente 15% do preo dos painis na instalao, e o saldo em mensalidades divididas em 24 ou 36 meses. Alm de se beneficiar da luz e da eletricidade para fazer funcionar uma mquina de costura ou uma bomba de gua que melhorem seus rendimentos, o cliente investe em uma energia limpa e renovvel. Mais de 33 mil casas j foram equipadas, e o objetivo declarado atingir 100 mil domiclios at 2008. Muhammad Yunus, atualmente frente de um verdadeiro imprio, no mudou o modo de vida por isso. Vive em companhia de sua mulher e de sua filha Deena em um pequeno apartamento de dois quartos, localizado no 12"andar da torre Grameen. Eterno entusiasta, est intimamente convencido de que "os novos empresrios iro trazer as solues para os grandes problemas planetrios".As empresas com vocao social so o melhor remdio contra os sofrimentos do mundo. Elas estaro, segundo ele, mais bem equipadas no futuro do que as empresas tradicionais. Quando pode, exorta os jovens a "nunca procurar um trabalho, mas a cri-lo". Numerosos admiradores do modelo Grameen, entre eles Bill Clinton, consideram que Muhammad Yunus merece um Prmio Nobel de economia. Muito longe dessas preocupaes, ele conclui nossa entrevista lembrando que, para vencer a pobreza, no basta lanar projetos gigantescos: " preciso preocupar-se, antes de tudo, com o primeiro elo da cadeia: o homem. Dando a ele esperana? Um outro exemplo no campo do microcrdito: Na fndia, Elaben Bhatt a mulher que fundou o primeiro sindicato para vendedoras ambulantes da regio do Gujarat, o SEWA (Self Employed Women Associationl). A associao permitiu a essas mulheres do setor informal, excludas dos mercados oficiais e vtimas de perseguies das autoridades, serem reconhecidas e respeitadas. Elaben lutou para obter licenas e tambm criou um banco de microcrdito segundo o modelo do Grameen. Para'as 700 mil adeses do sindicato, atualmente 1. Associao das Mulheres Autnomas.

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possvel obter emprstimos a taxas de juros decentes e investir e m suas atividades para melhorar a vida. C o m o no G r a m e m Bank, 98% dos emprstimos so reemboIsados... O microcrdito no se aplica unicamente aos pases em desenvolvimento. H mais de vinte anos, Maria Nowak luta nesse campo e junto aos tomadores de deciso financeiros para que seja desenvolvido na Frana. Aps ter, com sucesso, replicado o modelo Grameen na frica Ocidental e na Europa Central, fundou a Associao para o Direito Iniciativa Econmica (Adie) e a rede europeia de microfinanciamento. A partir de 1989,25 mil empresas foram criadas, gerando cerca de 30 mil empregos graas a emprstimos de, no mximo, 5 mil.

Iftekhar Enayetullah e Maqsood Sinha - Dacca (Bangladesh) Fundadores da Waste Concern, uma empresa de tratamento de resduos.

Desafio: Gerar os resduos da capital de u m pas em desenvolvimento, tendo em conta a exploso da populao e a falta de meios da cidade. Ideia predominante: Uma nica soluo: copiar o modelo de tratamento de resduos aplicado nos pases do Norte. Soluo sustentvel: Implantar uma rede de coletas descentralizadas que recupera a matria-prima orgnica dos resduos para fabricar adubo. Entre os problemas apresentados pela exploso demogrica nos pases do Sul, o menos atraente para as pessoas desejosas de se engajarem em uma causa , de longe, o dos resduos. No toram o nariz to depressa, pois em Bangladesh, decididamente um timo reservatrio de empresrios, dois engenheiros resolvidos a melhorar o destino de seu pas provaram que o problema dos resduos no mais um assunto do qual ningum deseja ouvir falar... Iftekhar Enayetullah e Maqsood Sinha so dois bengaleses na faixa dos trinta anos e originrios de Dacca que viram sua cidade afundar sob uma montanha de resduos durante vinte anos. Esses dois graduados em urbanismo e em arquitetura, a priori, renunciaram a carreiras clssicas, tranquilas e bem pagas para se dedicarem a esse flagelo. A razo principal do problema dos resduos , segundo eles, bastante simples. Em vinte e cinco anos, o xodo rural fez passar a populao de Dacca de 2 para 11 milhes de habitantes. Consequncias inevitveis do modo de via urbano, 3.500 toneladas

de resduos so geradas todos os dias. Esse lixo acaba, no melhor dos casos, no depsito de limo; no pior, nos rios ou abandonado nas ruas da cidade. Essa situao no somente antiesttica: ela favorece a proliferao de infeces e de doenas nas zonas mais pobres. Para os numerosos habitantes das favelas, a compra de medicamentos constitui um dos primeiros itens de despesa. A cultura de Bangladesh, no entanto, gosta de tudo menos de desperdcio. Uma parte da populao das favelas sobrevive recuperando elementos "reciclveis" nos centros de coleta de lixo. Estima-se que o trabalho desses lixeiros improvisados, apelidados de "tokais", permite reduzir em 15% os dejetos da cidade.' Por outro lado, ningum se interessa pelo que compe 80% desses dejetos: a matria orgnica. No tendo ainda sucumbido aos efeitos nocivos das embalagens para tudo, oito em dez quilos nas lixeiras de Dacca so compostos por restos de alimentos. Se os "tokais" no do nenhum valor a esses resduos, esse no o caso de nossos dois empreendedores. Essa matria 4, na verdade, perfeitamente utilizvel. Pode-se transform-la em adubo biolgico! Foi com essa idia na cabea que, em 1995, Iftekhar Enayetullah e Maqsood Sinha imaginaram criar diversos centros de tratamento de resduos, reciclando o que . poderia ser recidado e compostando2 a matria orgnica. Essa abordagem descentralizada e utilizando ao parecia perfeitamente mximo uma mo de obra abundante lhes adaptada situao de Dacca. Convencidos da legitimidade de seu modelo e entusiasmados com a idia da evoluo de sua cidade, eles visitaram a administrao para tentar convencer as autoridades... Infelizmente, a maior parte dos ministros prometia somente a construo de gigantescas usinas de tratamento automatizadas, como as que se v na Europa ou no Japo. Como o-capital necessrio para esses projetos to colossal quanto raro em Bangladesh, os dejetos de Dacca teriam de esperar e continuariam a poluir o pas. Todos os prs e contras foram apresentados, at que um deA

1. Fonte:Waste Concern. 2. O composto o resultado da transformao de materias orgnicas, como os resduos alimentares, folhas, dejetos de jardinagem, papel, madeira, esterco e resduos agricolas. A compostagem decompe e transforma o todo em hmus, similar ao da terra.

seus interlocutores exclamou de repente: "Se a ideia de vocs to genial, basta vocs mesmos fazerem!". Iftekhar e Maqsood tomaram o tecnocrata ao p da letra e decidiram criar a Waste Corcern, graas ao apoio de um filantropo norte-americano que desejava ver se o empreendimento funcionaria. A ideia era bastante simples. Tratava-se de organizar a coleta de dejetos de porta em porta, no nvel do bairro, reciclar o que pudesse ser reciclado e guardar os 80% da matria orgnica, deixando-os