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SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS188
VCTOR ABRAMOVICH
Diretor executivo do Centro de Estudos Legais e Sociais
(CELS),
Argentina.
RESUMO
O objetivo do artigo analisar diferentes linhas de trabalho
das
organizaes de direitos humanos que atuam no campo dos
direitos
econmicos, sociais e culturais. Nesse sentido, a partir da
definio das
principais caractersticas desses direitos e de sua estrutura,
analisada a
possibilidade de exigi-los nas instncias judiciais, enfocando
tambm os
problemas e os limites das estratgias de tutela judicial. Na
segunda
parte, abordado o debate sobre o papel dos tribunais em
questes
vinculadas a polticas sociais e examinado, sob a perspectiva
das
organizaes de direitos humanos, o aparente impasse entre as
estratgias de incidncia judicial e as de incidncia poltica, bem
como
sua possvel articulao. [Original em espanhol]
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A estrutura dos direitos econmicos,sociais e culturais e as
possveis estratgias judiciais**
Quem defende a tese de um defeito de origem nos
direitoseconmicos, sociais e culturais enquanto direitos
demandveisacredita que o cerne da impossibilidade de se conseguir
suaexigibilidade est em sua prpria natureza. Os argumentos
usadospelos opositores da aplicao judicial dos direitos
econmicos,sociais e culturais se baseiam na diferena entre a
natureza dessesdireitos e a natureza dos direitos civis e
polticos.
Um dos aspectos sempre reiterados para sustentar a
pretensadistino dos direitos civis e polticos em relao aos
econmicos,sociais e culturais o suposto carter de obrigatoriedade
negativado primeiro gnero de direitos, enquanto os direitos
econmicos,sociais e culturais implicariam o nascimento de obrigaes
positivasque, na maioria dos casos, deveriam ser liquidadas com
recursosdo errio pblico.1 De acordo com essa posio, as
obrigaesnegativas se esgotariam em um no fazer por parte do
Estado:no deter arbitrariamente as pessoas, no aplicar penas
semjulgamento prvio, no restringir a liberdade de expresso,
noviolar a correspondncia nem os papis privados, no interferir
napropriedade privada etc. A estrutura dos direitos
econmicos,sociais e culturais se caracterizaria, ao contrrio, por
obrigar o
LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS,SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS*
Vctor Abramovich
* Este artigo foi elaborado com
a colaborao de Julieta Rossi.
** Esta parte do texto
expressa as concluses de um
trabalho de pesquisa mais
amplo, elaborado em conjunto
com Christian Courtis (2002).
Ver as notas deste texto a
partir da pgina 213.
As referncias bibliogrficas
das fontes mencionadas neste
texto esto na pgina 221.
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS190
Estado a fazer, ou seja, a prestar atendimento positivo:
fornecerservios de sade, assegurar a educao, preservar o
patrimniocultural e artstico da comunidade.
No primeiro caso, bastaria limitar a atividade do
Estado,proibindo sua atuao em algumas reas. No segundo, o
Estadodeveria necessariamente alocar recursos para prestar os
serviosexigidos, de forma positiva.2 Essas distines tm como base
umaviso distorcida e naturalista do papel e do funcionamento
damquina estatal, que coincide com a posio de um Estadomnimo,
responsvel por garantir apenas justia, segurana edefesa.3
Entretanto, at para os pensadores mais tpicos daeconomia poltica
clssica, como Adam Smith e David Ricardo,era mais do que bvia a
inter-relao entre as supostas obrigaesnegativas do Estado em
especial quanto garantia da liberdadede comrcio e uma longa srie de
obrigaes positivas vinculadas manuteno das instituies polticas,
judiciais, de segurana edefesa, condio necessria para o exerccio da
liberdade individual.
Smith, por exemplo, atribui ao Estado um papel ativo nacriao das
condies institucionais e legais para a expanso domercado.4 O mesmo
cabe assinalar com relao a muitos outrosdireitos civis e polticos
tal como o devido processo legal, oacesso justia, a formao de
associaes e o direito de eleger eser eleito que implicam a criao de
condies institucionaiscorrespondentes por parte do Estado
(existncia e manutenode tribunais; estabelecimento de normas e
registros que tornemjuridicamente relevante a atuao coletiva de um
grupo de pessoas;convocao de eleies; organizao de um sistema de
partidospolticos etc.).5
Mesmo certos direitos que parecem se ajustar com maisfacilidade
caracterizao de obrigao negativa, ou seja, querequerem uma limitao
na atividade do Estado a fim de nointerferir na liberdade dos
cidados por exemplo, a proibio dedeteno arbitrria, de censura prvia
imprensa ou de violao correspondncia e aos papis privados ,
acarretam intensaatividade estatal para evitar que agentes do
prprio Estado, ouparticulares, interfiram nessa liberdade, de tal
modo que acontrapartida pelo exerccio desses direitos passa a ser
ocumprimento de funes de polcia, segurana, defesa e justiapor parte
do Estado. Evidentemente, o cumprimento dessasfunes implica
obrigaes positivas, caracterizadas pela alocaode recursos, no
bastando a mera absteno do Estado.6
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VCTOR ABRAMOVICH
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Em sntese, a estrutura dos direitos civis e polticos pode
sercaracterizada como um complexo de obrigaes negativas epositivas
do Estado: obrigao de abster-se de atuar em certosmbitos e de
realizar uma srie de funes, para garantir o gozo daautonomia
individual e impedir que seja prejudicada por outroscidados. Dada a
coincidncia histrica dessa srie de funespositivas com a definio do
Estado liberal moderno, acaracterizao dos direitos civis e polticos
tende a tornar naturalessa atividade estatal e enfatizar os limites
de sua atuao.
Sob essa perspectiva, os direitos civis e polticos se
distinguemdos direitos econmicos, sociais e culturais mais em uma
questode grau do que em aspectos substanciais.7 Pode-se
reconhecerque a faceta mais visvel dos direitos econmicos, sociais
e culturaissejam as obrigaes de fazer, e por isso que s vezes
sodenominados direitos-prestao.8 Contudo, no difcildescobrir,
quando se observa a estrutura desses direitos, a
existnciaconcomitante de obrigaes de no fazer: o direito
sadecompreende a obrigao estatal de no prejudicar a sade; o direito
educao pressupe a obrigao de no piorar a educao; odireito preservao
do patrimnio cultural implica a obrigaode no destruir esse
patrimnio.
por essa razo que muitas das aes legais tendentes aplicao
judicial dos direitos econmicos, sociais e culturais sodirecionadas
para a correo da atividade estatal, quando esta deixade cumprir
obrigaes de no fazer. Em suma, os direitoseconmicos, sociais e
culturais tambm podem ser caracterizadoscomo um complexo de
obrigaes positivas e negativas do Estado,embora nesse caso as
obrigaes positivas se revistam de maiorimportncia simblica para
identific-los. Assim, por exemplo,Contreras Pelez, ao perceber a
impossibilidade de uma distinotaxativa entre ambos os tipos de
direito, afirma que para os direitossociais [...] a prestao estatal
representa verdadeiramente asubstncia, o ncleo, o contedo essencial
do direito; em casoscomo o direito assistncia gratuita para a sade
ou a educao, ainterveno estatal acontece todas as vezes que o
direito exercido;a no-prestao desse servio pelo Estado
pressupeautomaticamente a denegao do direito.9
ainda possvel mostrar outro tipo de problema conceitualque
dificulta a distino radical entre direitos civis e polticos, porum
lado, e direitos econmicos, sociais e culturais, por
outro,ressaltando as limitaes dessas diferenciaes e reafirmando
a
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INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS192
necessidade de um tratamento terico e prtico comum em relaoa
tudo que substancial. A concepo terica e inclusive aregulamentao
jurdica concreta de vrios direitostradicionalmente considerados
direitos de autonomia, que geramobrigaes negativas por parte do
Estado tem variado de talmodo que alguns dos direitos classicamente
considerados civis epolticos adquiriram um indubitvel aspecto
social. A perda docarter absoluto do direito de propriedade com
base no interessepblico o exemplo mais cabal a respeito, ainda que
no seja onico.10 As tendncias atuais do direito de danos
deresponsabilidade civil atribuem um lugar central distribuiosocial
de riscos e benefcios como critrio para determinar aobrigao de
reparar.
O impetuoso surgimento de um direito do consumotransformou de
modo substancial os vnculos contratuais, quandoh consumidores e
usurios participando da relao.11 Aconsiderao tradicional da
liberdade de expresso e de imprensaadquiriu dimenses sociais que
ganham fora pela formulao daliberdade de informao como um direito
de todo membro dasociedade que compreende, em certas circunstncias,
a obrigaopositiva de produzir informao pblica. As liberdades de
empresae de comrcio so restringidas quando seu objeto ou
seudesenvolvimento acarreta um impacto sobre a sade ou o
meioambiente.12 Em suma, muitos direitos que por tradio
estoincludos no catlogo de direitos civis e polticos
foramreinterpretados do ponto de vista social, de modo que as
distinesabsolutas tambm no tm razo de ser em tais casos.13
Nessesentido, a jurisprudncia dos rgos de proteo internacional
dedireitos humanos e, em especial, a Corte Europia de
DireitosHumanos (CEDH), estabeleceu a obrigao positiva dos
Estadosde: remover os obstculos sociais que impossibilitam o acesso
jurisdio; tomar medidas apropriadas para evitar que
alteraesambientais cheguem a constituir uma violao do direito
vidaprivada e familiar;14 e desenvolver aes afirmativas para
impedirriscos previsveis e evitveis que afetem o direito
vida.15
Dada a interdependncia dos direitos civis e polticos comos
direitos econmicos, sociais e culturais, em muitos casos asviolaes
dos primeiros afetam tambm os segundos, e vice-versa.A contundente
diferenciao entre ambas as categorias costumadesvanecer quando se
procura identificar a violao dos direitosem casos concretos. Muitas
vezes, o interesse tutelado por um
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direito civil cobre tambm o interesse tutelado pela definio deum
direito social. O limite entre uma categoria e outra certamente
tnue. Quando no existem mecanismos diretos detutela judicial dos
direitos econmicos, sociais e culturais no direitointerno dos
Estados, ou no sistema internacional de proteo aosdireitos humanos,
uma estratgia indireta consiste em reformularas obrigaes sujeitas
justia do Estado em matria de direitoscivis e polticos, de modo a
discutir a violao por essa via. Talencaminhamento de suma
importncia em pases como, porexemplo, Espanha e Chile, onde a
tutela jurisdicional, por meiode aes como a de amparo, se
restringiu a um catlogo fechadode direitos denominados
fundamentais, que em geral coincidemcom os da lista clssica de
direitos civis. Assim, fica possvel teracesso tutela jurisdicional
em situaes de flagrante violao deum direito social. Nesse sentido,
de suma utilidade consultar omecanismo de tutela de direitos
sociais conexos com direitosfundamentais na jurisprudncia da Corte
Constitucionalcolombiana, como exemplo de uma modalidade de
proteoindireta dos direitos sociais a partir de sua ntima relao com
umdireito civil ou poltico.16
O uso do direito vida para proteger interesses amparadospor
direitos sociais outra estratgia de proteo indireta de
direitoseconmicos, sociais e culturais, adotada no nvel domstico,
masque poderia ser aplicada tambm aos mecanismos de
proteointernacional de direitos humanos. No sistema europeu, o
direito vida tem sido utilizado como forma de proteger
interessesvinculados ao direito sade e de exigir, do Estado,
obrigaespositivas de proteo. No caso L. C. B. vs Reino Unido, o
CEDHafirmou que o primeiro pargrafo do Artigo 2o da Convenoobriga
os Estados no s a se abster de retirar a vida de algum,intencional
e ilegalmente, mas tambm a adotar medidasapropriadas para garantir
a vida. No caso em questo, discutia-seo alcance do dever do Estado
de fornecer informao adequada requerente sobre as circunstncias que
poderiam ter minimizadoou evitado a doena de que sofria.
Tambm foi explorada, como estratgia de exigibilidadeindireta de
reivindicao de direitos sociais, a ntima relao entrea escolha de um
modo de vida individual e o aproveitamento debens culturais que
identificam, por exemplo, uma determinadaminoria, ou um povo
indgena. Nesse sentido, o direito deautonomia ou o direito de
estabelecer um projeto de vida de
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
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forma autnoma se aproxima do direito social de participar
decertas prticas ou bens culturais. Argumentou-se, por isso, queo
projeto de vida de cada membro dessa coletividade
dependeprofundamente do desfrute de bens culturais lngua,
religio,terra ancestral e prticas econmicas tradicionais dos
povosindgenas.17
Poderia ento ser dito que a adscrio de um direito aocatlogo de
direitos civis e polticos, ou ao de direitos econmicos,sociais e
culturais, tem um valor heurstico, ordenador,classificatrio; no
entanto, uma conceitualizao mais rigorosalevaria a admitir um
continuum de direitos, no qual o espao decada direito estaria
determinado pelo peso simblico docomponente de obrigaes positivas
ou negativas nele delineadas.Por esse raciocnio, alguns direitos,
claramente passveis de seremcaracterizados segundo obrigaes
negativas do Estado, ficamenquadrados no horizonte dos direitos
civis e polticos caso,por exemplo, da liberdade de pensamento ou da
liberdade deexpresso sem censura prvia. No outro extremo, alguns
direitosque em sua essncia se caracterizam por obrigaes positivas
doEstado estaro contidos no catlogo de direitos econmicos,sociais e
culturais por exemplo, o direito moradia.18 Noespao intermedirio
entre esses dois extremos h um espectrode direitos que conjugam uma
combinao de obrigaespositivas e negativas, em graus diversos:
identificar se um delesest na categoria dos civis e polticos, ou no
grupo doseconmicos, sociais e culturais resulta de uma
decisoconvencional, mais ou menos arbitrria.
Na mesma linha do que j foi dito, autores como van Hoofou
Asbjorn Eide propem um esquema interpretativo queconsiste em
assinalar nveis de obrigaes estatais quecaracterizariam o complexo
identificador de cada direito,independentemente de atribu-lo ao
conjunto de direitos civis epolticos ou ao de direitos econmicos,
sociais e culturais. Deacordo com a proposta de van Hoof,19 por
exemplo, seria possveldiscernir quatro nveis: obrigaes de
respeitar, de proteger,de garantir e de promover o direito em
questo. As obrigaesde respeitar se definem pelo dever do Estado de
no interferirnem obstaculizar ou impedir o acesso ao desfrute dos
bens queconstituem o objeto do direito. As obrigaes de
protegerconsistem em evitar que terceiros interfiram, obstaculizem
ouimpeam o acesso a esses bens. As obrigaes de garantir
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VCTOR ABRAMOVICH
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pressupem assegurar que o titular do direito tenha acesso aobem
quando no puder faz-lo por si mesmo. As obrigaes depromover se
caracterizam pelo dever de criar condies paraque os titulares do
direito tenham acesso ao bem.
Como se pode ver, o raciocnio de nveis de obrigaes perfeitamente
aplicvel a todo o espectro de direitos, sejam elesclassificados
como direitos civis e polticos ou como direitoseconmicos, sociais e
culturais. Boa parte do trabalho dosorganismos de direitos humanos
e dos rgos internacionais deaplicao das normas internacionais de
direitos humanos emmatria de direito vida e direito integridade
fsica e psquica (eas correspondentes proibies de morte e tortura)
em geralclassificados como civis e polticos consiste em reforar
osaspectos vinculados s obrigaes de proteger e satisfazer
essesdireitos. Diversas medidas so utilizadas para isso, como:
ainvestigao das prticas estatais violadoras; o julgamento ou
oestabelecimento de responsabilidades civis ou penais a
seusperpetradores; a reparao s vtimas; a modificao da legislaoque
estabelece foros especiais para o julgamento de fatos de
morte,desaparecimento e tortura; a modificao dos programas deformao
das foras militares e de segurana; e a incluso de formasde educao
em direitos humanos nos currculos escolares.
Obrigaes positivas e obrigaes negativas
importante repetir que a objeo aplicabilidade judicial
dosdireitos econmicos, sociais e culturais parte da
consideraosimplista de que esses direitos estabelecem
exclusivamenteobrigaes positivas, idia que, como vimos, est longe
de sercorreta.20 Tanto os direitos civis e polticos quanto os
econmicos,sociais e culturais constituem um complexo de obrigaes
positivase negativas. Mas convm aprofundar essa noo, pois de
seuaperfeioamento dependem a extenso e o alcance da exigibilidadede
ambos os tipos de direitos.
No que se refere s obrigaes negativas, trata-se das obrigaesde
se abster de realizar certa atividade por parte do Estado.
Porexemplo: no impedir a expresso ou a difuso de idias; no violara
correspondncia; no deter pessoas arbitrariamente; no impedira
filiao de uma pessoa a um sindicato; no intervir em caso degreve;
no piorar o estado de sade da populao; no impedir umapessoa de ter
acesso educao.
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS196
Quanto s obrigaes positivas, convm estabelecer algumasdistines
que nos daro a pauta do tipo de medidas que sepode exigir do
Estado. Com certo automatismo, costuma-sevincular diretamente as
obrigaes positivas do Estado obrigao de dispor de fundos. No h
dvida de que se trata deum dos modos mais caractersticos de cumprir
as obrigaes defazer ou de dar, em especial ao se falar em sade,
educao eacesso moradia. No entanto, as obrigaes positivas no
seesgotam em aes que se resumem a dispor de reservasoramentrias
para oferecer uma prestao de servios. Asobrigaes de fornecer
servios podem caracterizar-se peloestabelecimento de uma relao
direta entre o Estado e obeneficirio da prestao. Mas possvel, para
o Estado, asseguraro gozo de um direito por meios diferentes, com a
participaoativa de outros sujeitos obrigados.
1. Certos direitos se caracterizam pela obrigao do Estado
deestabelecer algum tipo de regulamentao, sem a qual o exer-ccio de
um direito no tem sentido.21 Nesses casos, a obri-gao do Estado nem
sempre est vinculada transfernciade fundos ao beneficirio da
prestao, mas precisamenteao estabelecimento de normas que concedam
relevncia auma situao determinada ou organizao de uma estru-tura
que se encarregue de pr em prtica certa atividade. Sequisermos dar
um contedo operacional, o direito a asso-ciar-se livremente implica
a obrigao estatal de dar rele-vncia ou reconhecimento jurdico
associao que resul-tar do exerccio desse direito. Da mesma forma, o
direito deconstituir um sindicato ou de se afiliar a um sindicato
im-plica o direito a outorgar conseqncias jurdicas relevantesa sua
atuao. O direito poltico de eleger pressupe a pos-sibilidade de
eleger entre diferentes candidatos, o que porsua vez implica uma
regulamentao que assegure a possi-bilidade de vrios candidatos
representarem partidos polti-cos e se candidatarem s eleies. O
direito informaoimplica ao menos o estabelecimento de uma legislao
esta-tal, tendente a assegurar o acesso informao de origemdiversa e
a pluralidade de vozes e opinies. O direito aocasamento implica a
existncia de uma regulamentao ju-rdica que outorgue alguma
eficincia ao fato de se contrairnpcias. O direito proteo da famlia
pressupe a exis-
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VCTOR ABRAMOVICH
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tncia de normas jurdicas que confiram existncia de umgrupo
familiar algum tipo de considerao diferencial emrelao a sua
inexistncia.
O gozo desses direitos implica um complexo de
normasestabelecendo conseqncias jurdicas relevantes, resultan-tes
da permisso original. Mais uma vez, podem ser novasnormas
permissivas (a possibilidade de uma associao ce-lebrar contratos,
ou de um casal registrar sua moradia comobem de famlia, para
proteg-la de possveis execues etc.);proibies para o Estado (a
impossibilidade de impor restri-es arbitrrias ou discriminatrias no
exerccio dos direi-tos mencionados, ou a proibio de discriminar
filhos nas-cidos fora do matrimnio); ou at de obrigaes para o
Es-tado (reconhecer os candidatos propostos pelos partidospolticos,
ou os delegados sindicais).
2. Em outros casos, a obrigao exige que a
regulamentaoestabelecida pelo Estado limite ou restrinja os poderes
doscidados ou lhes imponha obrigaes de algum tipo. As le-gislaes
vinculadas aos direitos trabalhistas e sindicais emgeral
compartilham essa caracterstica, tal como as normasrelativamente
recentes que regem a defesa do consumidor ea proteo ao meio
ambiente. Assim: o estabelecimento deum salrio-mnimo; o princpio da
equiparao salarial, queestabelece a igualdade de remunerao diante
da igualdadede tarefas; a obrigatoriedade de descansos, jornada de
traba-lho limitada e frias pagas; a proteo contra demisso
arbi-trria; as garantias dos delegados sindicais para o
cumpri-mento de sua gesto etc., teriam pouco sentido se
fossemexigveis ao Estado apenas quando ele atua como emprega-dor.
Nas economias de mercado, o contedo dessas obriga-es estatais
consiste em estabelecer uma regulamentaoque se estenda aos
empregadores privados. Situao equiva-lente a das normas referentes
a relaes de consumo e aobrigaes ambientais.
H ainda casos em que a regulamentao estatal podeestabelecer
limitaes ou restries livre consignao defatores econmicos por parte
do mercado, de modo a pro-mover ou favorecer o acesso de setores
com menos recur-sos a direitos como a moradia. A regulamentao
estataldas taxas de juros em matria hipotecria e a regulamenta-
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
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o das locaes para moradia familiar so exemplos dessetipo de
medida. No entanto, tais restries no se limitamao campo econmico. O
direito de retificao ou resposta um bom exemplo: o Estado
estabelece restries a ummeio jornalstico privado em favor de um
cidado que sesente afetado por uma informao inexata ou
ofensiva.
3. Por ltimo, o Estado pode cumprir sua obrigao fornecen-do
servios populao, de forma exclusiva ou em modali-dades de garantia
mista que incluam, alm de um aporteestatal, regulamentaes que
contemplem os cidados afe-tados por restries, limitaes ou obrigaes.
As medidasestatais de cumprimento das obrigaes positivas
podemassumir mltiplos aspectos: organizao de um servio p-blico (por
exemplo, o funcionamento dos tribunais, queassegura o direito
jurisdio; a previso do cargo do defen-sor pblico, que assegura o
direito de defesa em juzo aosque no podem pagar um advogado
particular; ou a organi-zao do sistema educacional pblico); oferta
de programasde desenvolvimento e capacitao; estabelecimento de
for-mas escalonadas pblico/privadas de cobertura (por exem-plo,
mediante a organizao de formas privadas de aportepara a manuteno de
obras sociais que cubram o direito sade das pessoas empregadas e de
suas famlias, e o estabe-lecimento de um sistema pblico de sade que
cubra o di-reito das pessoas no-amparadas pela estrutura de
empre-go); administrao pblica de crditos diferenciais (por
exem-plo, os crditos hipotecrios destinados moradia); criaode
subsdios; realizao de obras pblicas; prestao de be-nefcios fiscais
ou isenes de impostos.
Como se pode ver, o complexo de obrigaes que um direito
podeabranger muitssimo variado. Os direitos econmicos, sociais
eculturais se caracterizam justamente por envolver um amploespectro
de obrigaes estatais. Em conseqncia, falsa aafirmao de que so
escassas as possibilidades de aplicabilidadejudicial desses
direitos: cada tipo de obrigao oferece um lequede aes possveis, que
vo desde a denncia de descumprimentode obrigaes negativas, passando
por diversas formas de controledo cumprimento de obrigaes
negativas, at chegar exignciade cumprimento de obrigaes positivas
descumpridas.
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Estratgias judiciais
Do que foi dito at agora se depreendem concluses quequestionam
claramente a idia de que s os direitos civis e polticosesto no
mbito da justia.22 Ora, se entendemos que todo direitogera para o
Estado um complexo de obrigaes negativas epositivas, cabe analisar
quais tipos de obrigao oferecem apossibilidade de ser exigidos
mediante atuao judicial. Oproblema nos remete a uma das discusses
clssicas em matriade definio dos direitos: a relao entre um direito
e a ao judicialexistente para exigi-lo. Algumas das dificuldades
conceituaispropostas por essa discusso fonte constante de
respostascirculares dizem respeito estreita vinculao entre a
nooclssica de direito subjetivo, a noo de propriedade e o modelode
Estado liberal.23 As noes substanciais e processuais prpriasda
formao jurdica continental tradicional surgem em boa partedo marco
conceitual determinado por essa vinculao; por isso,muitas das
respostas quase automticas diante da possvel aplicaojudicial aos
direitos econmicos, sociais e culturais insistem emmostrar a falta
de aes ou garantias processuais concretas quetutelem esses
direitos.
Algumas das facetas apontadas se referem ao carter coletivode
muitas reivindicaes vinculadas a direitos econmicos, sociaise
culturais. Referem-se tambm inadequao da estrutura e daposio do
Poder Judicirio para impor obrigaes que exigemdos poderes polticos
disponibilidade de fundos para seucumprimento ou desigualdade que
geraria o sucesso de algumasaes individuais nas quais se tornasse
exigvel um direito,enquanto se mantivesse a situao de
descumprimento nos demaiscasos idnticos no questionados
judicialmente. Nesse sentido,alguns autores expressam como um
obstculo tutela judicial olimitado marco cognitivo de um processo
judicial: o marco dedeciso do litgio judicial nem sempre o mbito
mais adequadopara discutir e decidir questes de polticas pblicas
que podemimplicar priorizar objetivos, distribuir recursos,
equilibrarinteresses contrapostos etc.24 Outros se referem
formaoprofissional dos juzes: certas questes apresentadas
consideraoda judicatura requerem conhecimentos tcnicos especficos
eabundante informao sobre os fatos, aspectos para os quais
umaagncia administrativa especializada seria melhor que um
juiz.25
Mesmo percebendo essa dificuldade terica que
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS200
evidentemente coloca limites tutela judicial de algumas
obrigaesque surgem de direitos econmicos, sociais e culturais
necessriorealizar uma anlise mais precisa para explicitar distintos
tipos desituaes nas quais a violao de direitos econmicos, sociais
eculturais seria corrigvel mediante atuao judicial.
precisoacrescentar, tambm, que a inexistncia de
instrumentosprocessuais concretos para remediar a violao de certas
obrigaesque tm como fonte direitos econmicos, sociais e culturais
noimplica de forma alguma a impossibilidade tcnica de cri-los
edesenvolv-los. O argumento da inexistncia de aes idneasexpe
simplesmente um estado26 suscetvel de ser modificado. Oque se
afirma que os instrumentos processuais tradicionais surgidos no
contexto de litgios que tinham como medida ointeresse individual, o
direito de propriedade e uma concepoabstencionista do Estado se
mostram limitados para exigirjudicialmente tais direitos.27
Por um lado, como dissemos, em muitos casos as violaesde
direitos econmicos, sociais e culturais provm dodescumprimento de
obrigaes negativas por parte do Estado.Alm de alguns dos exemplos
dados, til lembrar que um dosprincpios liminares estabelecidos em
matria de direitoseconmicos, sociais e culturais a obrigao estatal
de nodiscriminar no exerccio desses direitos (ver Artigo 2.2 do
PactoInternacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
PIDESC), o que de fato estabelece importantes obrigaesnegativas
para o Estado. Violaes desse tipo abrem um enormecampo para a
tutela judicial dos direitos econmicos, sociais eculturais, cujo
reconhecimento passa a constituir um limite e,portanto, um padro de
impugnao da atividade estatal que norespeita tais direitos.
Pensemos, por exemplo, na violao estatal do direito sade, a
partir da contaminao do meio ambiente realizadapor seus agentes; ou
na violao do direito moradia, a partirdo despejo forado de
habitantes de uma determinada zonasem que se lhes oferea residncia
alternativa; ou na violaodo direito educao, a partir da limitao do
acesso educaopor razes de sexo, nacionalidade, condio econmica ou
outrofator discriminatrio; ou na violao de qualquer outro
direitodesse tipo, quando a legislao na qual se estabelecem
ascondies de acesso e gozo discriminatria. Nesses casos,
soperfeitamente viveis muitas das aes judiciais tradicionais,
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VCTOR ABRAMOVICH
201Ano 2 Nmero 2 2005
sejam elas aes de inconstitucionalidade, de impugnao ounulidade
de atos regulamentares de alcance geral ou particular,declaratrias,
de amparo, ou inclusive de perdas e danos. Aatividade positiva do
Estado, que acaba por violar os limitesnegativos impostos por
determinado direito econmico, socialou cultural, questionvel
judicialmente e, constatada essavulnerabilidade, o juiz decidir
privar de valor jurdico amanifestao viciada de vontade do Estado,
obrigando-o acorrigi-la de maneira a respeitar o direito
afetado.
Por outro lado, nos deparamos com casos de descumprimentode
obrigaes positivas do Estado, ou seja, omisses do Estadoem suas
obrigaes de realizar aes ou tomar medidas no sentidoda proteo e da
satisfao dos direitos em questo. nesse pontoque surgem mais dvidas
e questionamentos em relao tutelajudicial dos direitos econmicos,
sociais e culturais. No entanto,a questo apresenta uma
multiplicidade de facetas, que convmrevisar. Pode-se entender que
no caso limite, ou seja, nodescumprimento geral e absoluto de toda
obrigao positiva porparte do Estado, seja extremamente difcil
promover seucumprimento direto por meio da atuao judicial. Cabe dar
razoa algumas das tradicionais objees efetuadas nessa matria: o
PoderJudicirio o menos indicado para realizar planejamentos
depoltica pblica; a ao judicial um meio pouco apropriado
paradiscutir medidas de alcance geral; a discusso processual
geraproblemas de desigualdade em relao s pessoas afetadas pelomesmo
descumprimento que no participaram da ao; o PoderJudicirio carece
de meios compulsrios para a execuo foradade uma suposta sentena que
condene o Estado a cumprir umaprestao que havia sido omitida para
todos os casos envolvidosou para editar a regulamentao omitida; a
substituio de medidasgerais por decises ad hoc efetuadas pelo juiz
no caso particularpode ter tambm como resultado desigualdades
indesejveis; etc.
Mesmo admitindo as dificuldades, vale a pena mostraralgumas
nuanas nessas objees. Em princpio, difcil imaginaruma situao na
qual o Estado descumpra integral e absolutamentetoda obrigao
positiva vinculada a um direito econmico, sociale cultural. Como j
comentamos, o Estado cumpre em parte suaobrigao com direitos sade,
moradia ou educao mediantelegislaes que estendem obrigaes aos
cidados, interferindo nomercado por meio de regulamentaes e do
exerccio do poder depolcia, efetuado a priori (por autorizaes,
habilitaes ou licenas)
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS202
ou a posteriori (por fiscalizao). De modo que, cumprida em
partea obrigao de tomar medidas tendentes a garantir esses
direitos,mesmo nos casos em que as medidas no implicam a
prestaodireta de servios por parte do Estado, fica sempre aberta
apossibilidade de questionar judicialmente a violao de obrigaesdo
Estado, por assegurar o direito de forma discriminatria.
As possibilidades so mais evidentes quando de fato o
Estadopresta um servio de forma parcial, discriminando parcelas
inteirasda populao. Podem subsistir, certo, entraves processuais
eoperacionais na formulao de casos semelhantes, mas difcildiscutir
que a realizao parcial ou discriminatria de umaobrigao positiva no
resulte em matria passvel de tutela judicial.Nesse sentido, a
apelao por julgamentos com igualdade detratamento para reivindicar
direitos sociais foi uma viatradicionalmente utilizada pelos
movimentos de direitos humanosem suas estratgias de litgio. Desde o
movimento pelos direitosdas mulheres, que cobravam a equiparao
salarial nos postos detrabalho, at o movimento de direitos civis
nos Estados Unidos ao reivindicar igualdade de acesso a postos de
trabalho, equiparaosalarial e equivalentes condies de educao e sade
pblica , aigualdade de tratamento e a proibio de discriminao
foramvias exploradas com sucesso para exigir indiretamente
direitoseconmicos, sociais e culturais para grupos ou setores
menosprotegidos pelo Estado. Tambm nesse ponto de grande
utilidadeconsultar o desenvolvimento dos critrios e padres de
igualdadee no-discriminao estabelecidos pela Corte Constitucional
daColmbia, e sua aplicao em relao aos direitos sociais.28
Em segundo lugar, alm das mltiplas dificuldades tericase prticas
que se apresentam para a articulao de aes coletivas,muitas vezes o
descumprimento do Estado pode se reformular,mesmo em um contexto
processual tradicional, em termos deviolao individualizada e
concreta, e no de forma genrica. Aviolao geral do direito sade pode
se reconduzir, ou sereformular, mediante a articulao de uma ao
particular lideradapor um titular individual que alegue uma violao
ocasionadapela falta de produo de uma vacina; pela negao de um
serviomdico do qual dependa sua vida ou sua sade;
peloestabelecimento de condies discriminatrias no acesso educao ou
moradia; ou ainda por pautas no-razoveis oudiscriminatrias no
acesso a benefcios de assistncia social (porexemplo, a proibio de
estender a imigrantes ilegais os benefcios
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VCTOR ABRAMOVICH
203Ano 2 Nmero 2 2005
de um programa de medicamentos para tratamento da aids).
Ahabilidade do questionamento fundamentar-se- na descriointeligente
das violaes de obrigaes positivas e negativas, ouento na demonstrao
concreta das conseqncias da violaode uma obrigao positiva baseada
em um direito econmico,social e cultural, sobre o gozo de um
direito civil e poltico. Se aviolao afetar um grupo amplo de
pessoas, na situaodenominada pelo direito processual contemporneo
de interessesou direitos individuais homogneos,29 as numerosas
decisesjudiciais individuais constituiro um sinal de alerta aos
poderespolticos acerca de uma situao de descumprimento
generalizadode obrigaes em matrias relevantes de poltica pblica,
efeitoespecialmente valioso para o aspecto de que trataremos a
seguir.
A resposta da administrao judicial s aes coletivas e diretasde
direitos sociais motivadas pela inao do Estado pode assumirdiversos
perfis. Em princpio, a atuao judicial pode consistirem declarar que
a omisso estatal constitui uma violao do direitoem questo, e assim
intimar o Estado para que assuma a condutadevida. Nesses casos,
cabe ao rgo judicial indicar ao poderpblico o carter da conduta
devida: seja a partir do resultadoconcreto requerido, sem
considerar quais meios empregar (porexemplo, o acesso de uma
parcela da populao a servios mdicosou o remanejamento de pessoas
despejadas arbitrariamente); ouainda, no caso de existir uma nica
medida possvel para obter-seo resultado requerido, descrevendo com
preciso a ao que deveser adotada. Em tais hipteses, a informao
pblica disponvel ea conduta prvia do Estado, seus atos prprios, se
revestem deenorme importncia, pois contribuem para amparar a
discussosobre assuntos de poltica pblica ou de ndole tcnica
porexemplo, acerca das prioridades oramentrias ou de
formulao,projeto ou implementao de medidas oficiais especficas.
nessetipo de caso, em que os obstculos exigibilidade dos
direitossociais so mais evidentes, que o Poder Judicirio costuma
agircom maior reticncia.
No resta dvida de que a implementao de direitoseconmicos,
sociais e culturais depende em parte de atividades deplanejamento,
previso oramentria e implementao que, porsua natureza, cabem ao
poder pblico, sendo limitados os casosem que o Poder Judicirio pode
cumprir a tarefa de suprir ainoperncia daquele. Mesmo em casos
assim, h variadas margenspara a atuao da magistratura, e os
tribunais tm encontrado a
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS204
maneira de garantir a vigncia dos direitos sociais
afetados,baseando sua interveno nos padres jurdicos ditados
pelasconstituies e pelos tratados de direitos humanos e buscando,em
cada caso, a melhor maneira de resguardar a rbita de aodos demais
poderes do Estado. Em certas ocasies, reencaminhamo caso aps
estabelecer seu marco jurdico, para que seja definidaa medida, ou a
poltica pblica, necessria para reparar a violaodos direitos em
questo.
A jurisprudncia dos tribunais domsticos na Amrica Latinad
exemplos de algumas vias exploradas por eles com sucesso
paracumprir a funo de garantir os direitos econmicos, sociais
eculturais. Entre outros casos relevantes, foi por essa via que
seconseguiu que os juzes obrigassem o Estado a:
fornecermedicamentos a todos os portadores de aids do pas; fabricar
umavacina e aplic-la a toda a populao afetada por uma doenaendmica;
criar centros de atendimento materno-infantil para umgrupo social
discriminado; abastecer de gua potvel toda umacomunidade indgena;
estender a cobertura de um benefcioeducacional ou assistencial a um
grupo originalmente excludo;reintegrar a uma escola secundria
privada alunos punidos poruma expulso injustificada.30
O papel da administrao judiciria e a articulaode estratgias
legais e de incidncia poltica
A anlise das circunstncias histricas que levaram a um
maiorativismo judicial em matria de direitos econmicos, sociais
eculturais na Amrica Latina est diretamente relacionada com
aexistncia de fatores polticos que outorgaram ao Poder Judiciriouma
especial legitimao para ocupar novos espaos de deciso,anteriormente
restritos aos demais poderes do Estado. A debilidadedas instituies
democrticas de representao, bem como adeteriorao dos espaos
tradicionais de mediao social e poltica,contriburam para transferir
esfera judicial conflitos coletivosque eram dirimidos em outros
mbitos ou espaos pblicos ousociais, reeditando em especial o tema
dos direitos sociais a velhapolmica sobre as margens de atuao das
instncias judiciais emrelao s instncias administrativas. Em certa
medida, oreconhecimento de direitos judicialmente tutelveis limita
ourestringe o espao de atuao da administrao pblica. A anlisedessa
questo excede o marco conceitual deste trabalho. No
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VCTOR ABRAMOVICH
205Ano 2 Nmero 2 2005
entanto, entendemos que de modo algum essa pergunta pode
serrespondida de forma abstrata, sem nos atermos ao contexto
sociale institucional no qual convocada a interveno da
justia.31
Est claro, entretanto, que a interveno judicial nessescampos, no
interesse de preservar sua legitimidade, deve estarfirmemente
assentada sobre um padro jurdico: a regra de juzo,na qual se baseia
a interveno do Poder Judicirio, s pode serum critrio de anlise da
medida em questo se surgida de umanorma constitucional ou legal
(por exemplo, princpios derazoabilidade, adequao ou igualdade, ou a
anlise decontedos mnimos que podem advir das prprias normas
queestabelecem direitos). Por isso, o Poder Judicirio no tem
comotarefa projetar polticas pblicas, mas sim confrontar as
polticasassumidas com os padres jurdicos aplicveis e, no caso de
haverdivergncias, reenviar a questo aos poderes pertinentes para
queeles ajustem sua atividade.
Quando as normas constitucionais ou legais determinarem,para o
planejamento de polticas pblicas, pautas das quais dependaa vigncia
dos direitos econmicos, sociais e culturais, e os
poderesrespectivos no tiverem adotado medida alguma, caber ao
PoderJudicirio repreender essa omisso e reenviar a questo, para
quealguma medida seja elaborada. Essa dimenso da atuao judicialpode
ser conceituada como a participao em um dilogo entreos distintos
poderes do Estado para a concretizao do programajurdico-poltico
estabelecido pela Constituio ou pelos pactosde direitos humanos.32
Somente em circunstncias excepcionais,quando se justificou pela
magnitude da violao ou pela ausnciatotal de colaborao dos poderes
polticos, os juzes avanaram, apartir de seu prprio critrio, na
definio concreta das medidas aserem adotadas.33
Podemos tentar caracterizar situaes tpicas em que o
PoderJudicirio assumiu a tarefa de verificar o cumprimento de
padresjurdicos no projeto e na execuo de polticas pblicas.
Um primeiro tipo de situao so as intervenes judiciaisque tendem
a dar contedo jurdico a medidas de poltica pblicaassumidas pelo
Estado sem valorar a prpria poltica pblica transformando medidas
formuladas pelo Estado dentro de ummarco de arbitrariedade em
obrigaes jurdicas e, portanto,sujeitas a sanes em caso de
descumprimento. Em sua anlise, otribunal aceita a medida desenhada
pelos outros poderes do Estado,mas transforma seu carter, de mera
deciso arbitrria em obrigao
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS206
constituda. Assim, o Poder Judicirio se torna garantidor
daexecuo da medida. Em muitos casos desse tipo, a medidaformulada
pelo Estado coincide com a reivindicada pelosdemandantes, s que sua
adoo passa a assumir um carterobrigatrio, e sua execuo no fica
sujeita apenas vontade dorgo que a formulou. Um exemplo o caso
Viceconte,34 no qualo Estado argentino assumira a deciso poltica de
fabricar umavacina contra uma doena endmica e epidmica,
elaborandoinclusive um cronograma para sua produo. O tribunal se
limitoua alterar o carter dessa medida, transformando-a em
umaobrigao legal; por esse motivo, citou o Estado nos termos
docronograma, determinando sanes para o caso de inexecuo.
A discusso sobre os problemas de legitimao da magistraturanesse
tipo de ao coletiva, ou de impacto coletivo, tem
arestasparticulares nos casos em que necessrio decidir
exclusivamenteacerca do cumprimento, pela administrao, de obrigaes
muitoclaras fixadas por lei ou por regulamentos sobre matria
social.Supondo que isso ocorra, o tribunal no deve
estabelecercomportamentos ou polticas, limitando-se a fazer
cumprir, executar,o que est disposto em lei. Podemos usar como
exemplo uma leireferente aids que defina com clareza os benefcios
devidos spessoas afetadas, ou um regulamento do Ministrio da Sade
quedetermine a abrangncia da cobertura assistencial para casos de
aidsem todos os hospitais pblicos, em cumprimento a um
mandatojudicial. No ocorre a a discusso sobre a existncia de
umaobrigao, no sentido jurdico, de oferecer o servio, mas apenas
seexamina o descumprimento por parte da administrao.
Ainda que todo ato de interpretao da lei resulte em certamedida
em um ato de criao de direito, a atuao judicial segueos contornos e
as pautas fixadas pelo Congresso, o que, na teoriaclssica de diviso
de poderes, a expresso da vontade polticados interesses
majoritrios.35 O mesmo acontece quando a justia convocada para
executar regulamentaes ou atos emanados daprpria administrao, dos
quais derivam obrigaes jurdicas paraa mesma. A possvel intromisso
em reas ou esferas de atuaoreservadas aos demais poderes no uma
questo que possa sercolocada de forma vlida nesses casos. A justia
se limita a fazercumprir obrigaes da administrao determinadas por
uma lei,ou pela prpria administrao, no exerccio de suas
competnciasregulamentares.
Um segundo tipo de situao se configura naqueles casos em
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VCTOR ABRAMOVICH
207Ano 2 Nmero 2 2005
que o tribunal examina a compatibilidade da poltica pblica como
princpio jurdico aplicvel e, portanto, sua idoneidade
parasatisfazer o direito em questo. Nessas circunstncias, se o
tribunalconsiderar que essa poltica ou um aspecto dela
incompatvelcom o princpio, reenvia a questo aos poderes
concernentes, paraque a reformulem. Os exemplos de princpios a
partir dos quais ostribunais analisam uma poltica pblica so os de
razoabilidade,adequao, no-discriminao, progressividade,
no-retroatividade,transparncia36 etc. Assim, por exemplo, no caso
Grootboom,37 aCorte Constitucional entendeu que a poltica de
moradiadesenvolvida pelo governo sul-africano no era razovel, por
noprever o fornecimento imediato de solues habitacionais aos
setoresda populao com necessidades imperativas de moradia o
tribunalconcluiu que um aspecto da poltica era contrrio ao princpio
darazoabilidade, mas no questionou a totalidade da poltica.
Demaneira geral, os tribunais reconhecem aos demais poderes
umaampla margem para projetar polticas pblicas, de modo que noos
substituem na escolha dos contornos que se ajustem aos
princpiosjurdicos aplicveis.
Se os poderes polticos atuarem de acordo com os
princpiosjurdicos, o Poder Judicirio no chegar a analisar a
possibilidadede ter sido adotada alguma poltica alternativa. A
margem decontrole tambm depende do princpio: a anlise de
razoabilidade menos rigorosa do que uma anlise que se poderia
elaborar combase na noo de medida apropriada do Pacto Internacional
dosDireitos Econmicos, Sociais e Culturais. Importante destacarque,
nesse tipo de caso, a atuao judicial na etapa de execuono consiste
na imposio compulsria de uma condenao,entendida como uma ordem
detalhada e auto-suficiente, comopor exemplo a imposio da obrigao
de pagar um valor lquidoe exigvel; dada continuidade a uma instruo
determinada emtermos gerais, cujo contedo concreto vai sendo
construdo aolongo da instncia, a partir do dilogo entre o juiz e a
autoridadepblica. De modo que a sentena, longe de constituir a
culminaodo processo, opera como um ponto de inflexo que modifica
osentido da atuao jurisdicional: uma vez ditada a sentena, cabeao
Estado planejar o modo de cumprir as instrues do juiz, e otribunal
se limitar a controlar a adequao das medidas concretasadotadas a
partir do mandado expedido.
Em um terceiro tipo de situao, o prprio Poder Judiciriose v
forado a estabelecer a medida a ser adotada. Nesse caso, a
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS208
passividade dos demais poderes diante da vulnerabilidade de
umdireito social levaria o tribunal a verificar a existncia de
umanica medida de poltica pblica adequada ou seja, a inexistnciade
alternativas para satisfazer o direito em questo e ordena
suarealizao. Um bom exemplo pode ser o caso Beviacqua,38 emque a
preservao da vida e da sade de um menino com umadoena de medula de
suma gravidade requeria o tratamento comum medicamento especfico,
que os pais no tinham condiesde pagar. Aqui, ao contrrio dos casos
anteriores, o PoderJudicirio que assume a escolha da medida a ser
adotada e,portanto, da conduta devida.
Pode-se pensar em um quarto tipo de interveno judicial,que se
limite a declarar que a omisso do Estado ilegtima, sempropor
medidas de reparao. Mesmo se a sentena de um juizno resultar
diretamente exeqvel, cabe ressaltar o valor de umaao judicial em
que o Poder Judicirio declare que o Estado estem mora ou descumpriu
obrigaes assumidas em matria dedireitos econmicos, sociais e
culturais. Tanto em decisesjudiciais individuais que sejam
executveis como no citadocaso Beviacqua , ou em decises judiciais
que declarem odescumprimento da obrigao do Estado em
determinadamatria, fazendo eventualmente o comunicado aos
poderespolticos, as sentenas obtidas podem constituir
importantesveculos para encaminhar aos poderes polticos as
necessidades daagenda pblica, mediante uma gramtica de direitos, e
no apenaspor meio de atividades de lobby, ou de demanda
poltico-partidria.
As mltiplas formas de interveno judicial, que obedecema
diferentes nveis ou graus de ativismo, determinam o potencialdas
diversas estratgias de incidncia legal, bem como apossibilidade de
estabelecer articulaes frutferas com outrasestratgias de incidncia
poltica superviso de polticas pblicassociais, lobbying nas
instncias da administrao ou noParlamento, negociao, mobilizao
social ou campanhas deopinio pblica. Por isso, errneo pensar nas
estratgias legaiscomo excludentes de outras estratgias de incidncia
poltica,ou propor como alternativas atuar nos tribunais ou faz-lo
naesfera poltica pblica. Em princpio, toda estratgia dereivindicao
de direitos, especialmente em casos que expressamconflitos
coletivos ou situaes de interesses individuaishomogneos, tem um
claro sentido poltico. Alm disso, nouniverso das aes de
exigibilidade de direitos econmicos, sociais
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VCTOR ABRAMOVICH
209Ano 2 Nmero 2 2005
e culturais, a chave do sucesso est exatamente na articulaodos
diferentes campos, para que a resoluo do caso legal possacontribuir
para transformar as deficincias institucionais, aspolticas de
Estado ou as situaes sociais que esto na raiz doconflito. Em geral,
as estratgias legais bem-sucedidas costumamser as que so apoiadas
pela mobilizao e pelo ativismo dosprotagonistas do conflito
real.
s vezes, as vias legais resguardam ou tornam efetivas
asconquistas obtidas no plano poltico.39 No marco de nossas
frgeisdemocracias, a sano de leis pelo Congresso nem sempre
asseguraa efetividade dos direitos reconhecidos e, como vimos, s
vezes necessrio entrar em litgio para conseguir a implementao e
ocumprimento dessas normas. Dessa forma, em um sistemainstitucional
com fortes falhas, nem as vitrias judiciais em matriade direitos
sociais nem os triunfos polticos so definitivos, e impema utilizao
de todos os meios de reivindicao e de ao disponveis.
Um dos sentidos da adoo de clusulas constitucionais, oude
tratados que estabelecem direitos para as pessoas e obrigaesou
compromissos para o Estado, consiste na possibilidade dereivindicar
o cumprimento desses compromissos no comoconcesso gratuita, e sim
como um programa de governo assumidotanto interna como
internacionalmente. Parece evidente que, nessecontexto, importante
estabelecer mecanismos de comunicao,debate e dilogo que lembrem aos
poderes pblicos oscompromissos assumidos, forando-os a incorporar
nas prioridadesde governo medidas destinadas a cumprir suas
obrigaes emmatria de direitos econmicos, sociais e culturais. Nesse
sentido, especialmente relevante que o prprio Poder
Judiciriocomunique ao poder pblico o descumprimento de suasobrigaes
em relao a essa matria.
A lgica desse processo similar que informa o requisitodo
esgotamento dos recursos internos como condio prvia paraacessar o
sistema internacional de proteo aos direitos humanos:oferecer ao
Estado a possibilidade de conhecimento e reparaoda violao alegada
antes de apelar esfera internacional paradenunciar o
descumprimento. Quando o Executivo no cumpreas obrigaes e
constitudo em mora pelo Judicirio, alm daspossveis conseqncias
adversas no plano internacional, ter deenfrentar a correspondente
responsabilidade poltica derivada dademora em sua atuao perante seu
prprio povo.
Vimos como a margem de atuao do Poder Judicirio pode
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS210
variar consideravelmente, de acordo com as aes de
exigibilidadedireta de direitos econmicos, sociais e culturais
legalizar umadeciso de poltica pblica j assumida pelo Estado;
executar umalei ou uma norma administrativa que determina
obrigaesjurdicas em matria social; estabelecer um padro dentro do
quala administrao deva planejar e implementar aes concretas
esupervisionar sua execuo; determinar uma conduta a seguir;ou, em
certos casos, constituir em mora o Estado em relao auma obrigao,
sem impor um remdio processual ou umadeterminada medida de execuo.
A articulao das aes legaisque possam conduzir a alguns desses
resultados com outrasestratgias de incidncia poltica ser a chave de
uma estratgiaefetiva de exigibilidade. Poderia se supor que a maior
moderaocom que age a justia tornar necessrio um trabalho
polticomais ativo, para conseguir que essa deciso judicial possa se
traduzirna satisfao dos direitos em questo. No entanto, no
existemfatores que obriguem a considerar que as estratgias legais
excluemas vias polticas.
Convm analisar outras suposies que permitam articularessas duas
vias no trabalho de exigibilidade de direitos econmicos,sociais e
culturais. s vezes possvel recorrer interveno judicialapenas com o
objetivo de mostrar outras frentes abertas paraencaminhar demandas
sobre instncias administrativas ou rgoslegislativos do Estado. So
estratgias legais complementares, quepartem de uma perspectiva ou
de um enfoque procedimental:no se exige uma prestao, nem se impugna
diretamente umapoltica ou uma medida referente a direitos sociais.
O que sepretende garantir condies que tornem possvel a adoo
deprocessos deliberativos de produo de normas legislativas ou
atosda administrao.
Nessas situaes, as demandas no pretendem que a justiatenha
conhecimento direto do conflito coletivo e garanta umdireito
social, mas que complemente as demais aes de incidnciapoltica.
Assim, por exemplo, reivindica-se justia a abertura deespaos
institucionais de dilogo, o estabelecimento de seus marcoslegais e
procedimentos, ou a garantia de participao das
pessoaspotencialmente afetadas nesses espaos, sob condies
igualitrias.Tambm se pode pedir o acesso informao pblica
indispensvelpara o controle prvio das polticas e decises a serem
adotadas e a legalidade delas , a produo de dados, se for o caso,
bemcomo a execuo e o cumprimento dos acordos conseguidos por
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VCTOR ABRAMOVICH
211Ano 2 Nmero 2 2005
pessoas ou organizaes sociais, nas diversas instncias formaisou
informais de intercmbio e comunicao com a administrao.
Em alguns pases da Amrica Latina, as organizaes deusurios e
consumidores desenvolveram com sucesso essas viasde ao.
Reivindicaram, por exemplo, a realizao de audinciaspblicas antes da
negociao de tarifas de servios domiciliares energia eltrica, gua,
gs ou dos contratos com as empresasconcessionrias, pedindo acesso
informao pblica indispensvelpara fazer valer seus direitos nesses
mbitos e resguardando (svezes com interveno judicial) o resultado
alcanado aps osprocessos deliberativos. As organizaes
ambientalistas tambmdesenvolveram estratgias de incidncia judicial,
com o objetivode reivindicar espaos de participao e de acesso
informaoantes da adoo de medidas ou polticas que implicavam
riscospara o ambiente. Na mesma modalidade de estratgia legal
seenquadram as aes judiciais dos povos indgenas que buscamconseguir
mecanismos de consulta e participao na tomada dedecises
concernentes a seus territrios culturais.
O movimento de direitos humanos tem muito a aprendersobre essas
estratgias. Quando a administrao dispe de espaosde participao cvica
para discutir ou analisar certas medidas oupolticas (audincias
pblicas no parlamento ou em rgosadministrativos, elaborao
participativa de normas, oramentoparticipativo, conselhos de
planejamento estratgico nas cidades),as aes podem ter como meta a
discusso das condies deadmisso, bem como os mecanismos de debate e
dilogo, a fim degarantir regras bsicas de procedimento. Em tais
situaes, aindaque se discuta formalmente o direito de participao
cvica oucidad, os direitos sociais em questo podem definir o
alcancedessa participao por exemplo, ao configurar a
coletividadeafetada, o setor que deveria merecer ateno prioritria
do Estado,ou contar com um espao institucional de participao antes
daadoo de uma deciso de poltica social.
Assim, por exemplo, no caso da Federao Independente doPovo Shuar
do Equador (FIPSE) contra a empresa petroleira Arcose conseguiu,
com amparo judicial, proibir que a companhianegociasse sua entrada
em territrio indgena para realizaratividades de explorao sem
incluir as legtimas autoridadespolticas do povo indgena. Esse caso,
similar aos tradicionaisconflitos de enquadramento sindical e de
legitimao de sindicatosnos processos de negociao coletiva,
pretendeu resguardar as regras
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS212
do processo de negociao, definindo os atores
legitimamenteautorizados a desenvolv-lo.40
s vezes, a interveno judicial pode ser necessria apenaspara
efetivar um acordo obtido como fruto de uma negociaocom o Estado:
por exemplo, um acordo de realocao de umgrupo de pessoas exposto ao
risco de despejo compulsrio. Aindaque nesses casos se trate de
executar decises assumidas peloEstado, as caractersticas dos
direitos sociais em questo comoo direito moradia determinam as
margens de atuao dajustia e a interpretao do prprio alcance das
obrigaes queemanam desses acordos.41
Entre as aes legais que poderiam se desenvolver no marcodas
estratgias legais indiretas ou procedimentais destacam-seas que
buscam o acesso e a produo de informao pblica.42 Odireito informao
constitui um instrumento imprescindvelpara tornar efetivo o
controle cidado das polticas pblicas narea econmica e social, ao
mesmo tempo que contribui para avigilncia, por parte do prprio
Estado, do grau de efetividadedos direitos econmicos, sociais e
culturais. O Estado deve dispordos meios necessrios para garantir o
acesso informao pblicaem condies de igualdade. Em matria de
direitos econmicos,sociais e culturais, especificamente, o Estado
deve produzir e pr disposio dos cidados, no mnimo, informao sobre:
(a) ascondies das diferentes reas afetadas, em particular quando
suadescrio requer medies expressas por indicadores; e (b) ocontedo
das polticas pblicas desenvolvidas ou projetadas, comexpressa meno
a seus fundamentos, objetivos, prazos derealizao e recursos
envolvidos. As aes de acesso informaocostumam atuar como vias
legais que sustentam o trabalho desuperviso de polticas sociais e a
documentao de violaes aosdireitos econmicos, sociais e
culturais.43
O que caracteriza essas aes indiretas ou complementares que as
vias judiciais, longe de serem o centro da estratgia
deexigibilidade dos direitos econmicos, sociais e culturais,
servempara afirmar as demais aes polticas empreendidas
paraencaminhar as demandas de direitos em um conflito
coletivo:queixas diretas administrao, desenvolvimento de vias
denegociao, ou at lobbying sobre os funcionrios, o Congressoou
empresas privadas. Novamente, fica claro que no h opesexcludentes e
que os instrumentos legais podem potencializar otrabalho de
incidncia poltica.
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VCTOR ABRAMOVICH
213Ano 2 Nmero 2 2005
NOTAS
1. Ver F. Hayek, 1976, vol. 2, cap. 9.
2. Outra tentativa de diferenciao consiste em correlacionar um
tipo
especfico de obrigao do Estado com cada categoria de direitos.
Assim,
para alguns autores, aos direitos civis e polticos correspondem
obrigaes de
resultado, enquanto aos direitos econmicos, sociais e culturais
correspondem
apenas obrigaes de conduta. Para maior aprofundamento,
consultar
R. Garretn Merino, 1996, p. 59; e P. Nikken, 1994. Ver tambm A.
Eide,
1993, pp. 187-219. Ver argumentos contrrios em G. H. J. van
Hoof, 1984,
pp. 97-110; e P. Alston, 1991. De fato, apesar da possibilidade
de sustentar a
distino, ela resulta pouco relevante para diferenciar os
direitos civis e
polticos dos econmicos, sociais e culturais.
3. C. Nino (1993, p. 17) qualifica essa posio de liberalismo
conservador,
embora esclarea que mais conservador(a) que liberal.
4. A esse respeito, ver tambm A. Smith, 1937; L. Billet, 1975,
pp. 430 e ss.;
B. de Sousa Santos, 1991, pp. 175-178.
5. Ver van Hoof, 1984, pp. 97 e ss.
6. Ver tambm, sobre o tema, a opinio de C. Nino, pp. 11-17. Do
ponto de
vista econmico, o argumento a tese central de S. Holmes & C.
R. Sunstein,
1999. Ver tambm R. Bin, 2000; e R. Plant, 1992.
7. Ver tambm F. Contreras Pelez, 1994, p. 21: No existem, em
resumo,
obrigaes negativas puras (ou melhor, direitos que comportem
exclusivamente obrigaes negativas), mas parece possvel afirmar
uma
diferena de grau no que se refere relevncia que as prestaes tm
para
um e outro tipo de direitos.
8. Ver tambm Contreras Pelez, pp. 17-20. E ainda B. de Castro,
Los
derechos sociales: anlisis sistemtico, em Derechos econmicos,
sociales y
culturales, de vrios autores. Mrcia, 1981, pp. 15-17.
9. Contreras Pelez, op. cit., p. 21.
10. Ver Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de So
Jos da
Costa Rica), Artigo 21.1: Toda pessoa tem direito ao uso e gozo
de seus
bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social
(grifo nosso).
11. Ver T. Bourgoignie, 1994.
-
LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS214
12. Ver S. Felgueras, 1996.
13. Ver tambm F. Ewald, 1985, Livro IV.2.
14. CEDH, caso Lpez Ostra vs Espanha, A 303-C (1994). CEDH,
caso
Guerra e Outros vs Itlia, 19 de fevereiro de 1988.
15. Ver na jurisprudncia europia o caso Osman vs Reino Unido,
sentena de
28 de outubro de 1998, no qual a Corte Europia estabeleceu que
entre essas
obrigaes estava o dever primrio de garantir a vida,
implementando uma
legislao penal efetiva para evitar o cometimento de delitos
contra as
pessoas, e mantendo um sistema legal para a preveno e o castigo
das
condutas criminosas. Isso inclui, em determinadas circunstncias,
a obrigao
positiva de adotar medidas operacionais para proteger um
indivduo, ou
indivduos, cuja vida esteja em risco por atos criminosos de
outros indivduos.
A gama de obrigaes positivas impostas ao Estado varia
consideravelmente.
Assim, por exemplo, o dever do Estado de investigar oficialmente
se um
indivduo foi morto pelo uso da fora foi considerado, tambm,
uma
conseqncia do Artigo 2o, lido junto com o dever geral imposto
pelo Artigo 1o
da Conveno. Ver CEDH, Mc Cann e Outros vs Reino Unido, sentena
de 27
de setembro de 1995, e Kaya vs Turquia, sentena de 19 de
fevereiro de 1998.
Mais recentemente, em Mahmut Kaya vs Turquia, sentena de 28 de
maro de
2000, foram estabelecidos deveres positivos em relao ao direito
vida
sobre a base do direito a um recurso efetivo estabelecido no
Artigo 13 da
Conveno.
16. A Corte Constitucional estabeleceu que a aceitao da tutela
para os
direitos econmicos, sociais e culturais s cabe nos casos em que
existe
violao de um direito fundamental, de acordo com os requisitos e
critrios
de distino correspondentes. Ver C. Const., S. Primera de Rev.
Sent T-406,
junho 5/92. Exp. T-778. M. P. Ciro Angarita Barn. Ver tambm M.
J. Cepeda
Espinosa, Derecho constitucional jurisprudencial, legis, Bogot,
2001.
17. Este foi o argumento utilizado no caso Loverace vs Canad
(1981),
Comunicado n. 24/1977. A requerente pertencia etnicamente ao
povo indgena
Maliseet. De acordo com a legislao indgena e as regras fixadas
pela
prpria comunidade para o uso da reserva de Tobique, onde ela
morava, as
mulheres que contrassem matrimnio com um no-indgena perderiam
o
direito a habitar a reserva, mesmo tendo nascido nela. A
peticionria, nascida
na reserva, casara-se com um no-indgena mas depois, ao se
divorciar,
desejava voltar a viver na reserva como parte do povo Maliseet,
ao qual
pertencia. A comunidade lhe negou esse direito. Baseada no
Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Polticos, a autora alegou que
estava sendo
-
VCTOR ABRAMOVICH
215Ano 2 Nmero 2 2005
violado no s seu direito de participar da cultura da comunidade,
garantido
pelo Artigo 27, mas tambm seu direito de fixar residncia (Artigo
12), seu
direito de no sofrer ingerncia em sua vida privada e familiar
(Artigo 17), e
de no ser discriminada por seu gnero (Artigo 26). Em sua alegao,
que foi
aceita pelo Comit de Direitos Humanos (CDH) ficou evidente a
relao
profunda entre a autonomia pessoal e o desfrute dos bens
culturais. Seu plano
de vida estava ligado ao uso do territrio cultural, pois
exclusivamente
naquela reserva existia a comunidade a que ela pertencia. O CDH
entendeu
que, no caso, o Artigo 27 devia ser lido luz dos Artigos 12, 17
e 26, entre
outros, e considerou que a legislao canadense violava o Artigo
27 do Pacto.
18. Mesmo nesse caso possvel apontar obrigaes negativas. De
acordo
com van Hoof, o Estado violaria o direito moradia se admitisse
que as
moradias modestas pertencentes a pessoas de parcos recursos
fossem
demolidas e substitudas por moradias de luxo, fora do alcance
econmico dos
habitantes originais, sem oferecer-lhes a alternativa de
habitaes em termos
razoveis. Ver van Hoof, p. 99. Com mais razo, o Estado deve se
abster de
realizar por si mesmo o remanejamento, em condies como essas. O
exemplo
est longe de ser terico: ver as observaes do Comit de
Direitos
Econmicos, Sociais e Culturais sobre o relatrio apresentado pela
Repblica
Dominicana (UN Doc. E/C.12/1994/15), pontos 11, 19 e 20 (citado
por H.
Steiner & P. Alston, 1996, pp. 321).
19. Ver van Hoof, p. 99. Henry Shue (1980) sugeriu originalmente
essa
distino. No campo do direito internacional dos direitos humanos,
a
distino foi assumida com alguma correo, que reduz a enumerao a
trs
categorias: obrigaes de respeito, obrigaes de proteo e obrigaes
de
garantia, satisfao ou cumprimento nos principais documentos
interpretativos do PIDESC: Comit de Direitos Econmicos, Sociais
e
Culturais: Observao Geral (OG) n. 3 (1990) La ndole de las
Obligaciones
de los Estados-Partes prrafo 1 del art. 2 del Pacto; OG n. 4
(1991) El
Derecho a la Vivienda Adecuada prrafo 1 del art. 11 del Pacto;
OG n. 5
(1994) Personas con Discapacidad; OG n. 6 (1995) Los
Derechos
Econmicos, Sociales y Culturales de las Personas de Edad;
Principios de
Limburgo (1986); Principios de Maastricht (1997); CIJ,
Declaracin y
Plan de Accin de Bangalore (1995). Encontro Latino-Americano
de
Organizaes de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais: Declarao
de
Quito (1998).
20. No mesmo sentido, ver a opinio de R. Alexy (1993, pp.
419-501), que
defende uma concepo ampla das obrigaes positivas do Estado
ou,
segundo sua denominao, direitos a aes positivas do Estado.
Estes
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LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS216
incluiriam os direitos de proteo, os direitos organizao e ao
procedimento e os direitos a prestaes em sentido estrito.
21. Alexy afirma que uma ao s pode ser impossibilitada
juridicamente se
for um ato jurdico. Atos jurdicos so aes que no existiriam sem
as
normas jurdicas que as constituem. Assim, sem as normas do
direito
contratual no seria possvel o ato jurdico da celebrao de um
contrato,
sem o direito de sociedades no seria possvel o ato jurdico de
fundao de
sociedades [...] O carter constitutivo das normas que as
possibilitam
caracteriza tais aes como aes institucionais. As aes
jurdicas
institucionais so impossibilitadas se forem anuladas suas
normas
constitutivas. Portanto, entre a anulao dessas normas e a
impossibilidade
das aes institucionais existe uma relao conceitual (pp.
189-190). Nosso
argumento complementar ao de Alexy: as aes jurdicas
institucionais
no s so impossibilitadas com a anulao das normas que so
constitutivas
para elas, mas tambm quando essas normas no so criadas. Se a
constituio ou um pacto de direitos humanos estabelece direitos
cujo
exerccio depende conceitualmente da criao de normas, isso
implica a
obrigao estatal positiva de criar essas normas. Alexy (pp.
194-195) retoma
o ponto quando trata dos direitos a aes positivas, distinguindo
entre
direitos a aes positivas fcticas e a aes positivas normativas.
Os
direitos a aes positivas normativas so direitos a atos estatais
de
imposio de norma.
22. A esse respeito, ver o voto em separado do juiz Piza
Escalante na
OC4/84, de 19 de janeiro de 1984, Proposta de modificacin a
la
Constitucin Poltica de Costa Rica relacionada con la
naturalizacin, da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu ponto 6: [...]
a distino
entre direitos civis e polticos e direitos econmicos, sociais e
culturais
obedece meramente a razes histricas, e no a diferenas de
natureza
jurdica; de maneira que, na realidade, o que importa distinguir,
com um
critrio tcnico-jurdico, entre direitos subjetivos plenamente
exigveis, vale
dizer, exigveis diretamente por si mesmos, e direitos de carter
progressivo,
que se comportam de fato como direitos reflexos ou interesses
legtimos, ou
seja, exigveis indiretamente, mediante imposies polticas ou de
presso,
por um lado, e de aes judiciais de impugnao interpostas em
oposio ao
direito ou que lhe faa discriminao. Os critrios concretos para
identificar
de que tipo de direitos se trata, em cada caso, so
circunstanciais e
historicamente condicionados, mas pode-se afirmar, em geral, que
quando se
conclui que um determinado direito fundamental no diretamente
exigvel
por si mesmo, se est diante de um direito ao menos exigvel
indiretamente e
de realizao progressiva.
-
VCTOR ABRAMOVICH
217Ano 2 Nmero 2 2005
23. Ver, a respeito, a lcida anlise de J. R. de Lima Lopes,
1994.
24. Ver tambm, por exemplo, Lon L. Fuller, The Forms and Limits
of
Adjudication, 92 Harvard Law Review, p. 353.
25. Ver tambm, por exemplo, Cass R. Sunstein, Response: From
Theory to
Practice, 29 Arizona State Law Journal.
26. Uma lacuna que determina a falta de plenitude do sistema, de
acordo
com a terminologia de Ferrajoli (1999, p. 24). Segundo o autor,
deve-se
reconhecer que para a maior parte de tais direitos [os direitos
sociais] nossa
tradio jurdica no elaborou tcnicas de garantia to eficazes como
as
estabelecidas para os direitos de liberdade. Mas isso depende,
sobretudo, de
um atraso das cincias jurdicas e polticas, que at os dias de
hoje no
teorizaram nem projetaram um Estado social de direito equiparvel
ao velho
Estado liberal; permitiram que o Estado social se desenvolvesse
de fato
mediante uma simples ampliao dos espaos de arbitrariedade dos
aparatos
administrativos, do jogo no-regulamentado dos grupos de presso e
do
clientelismo, da proliferao das discriminaes e dos privilgios e
do
crescimento do caos normativo que elas mesmas denunciam e
contemplam
agora como crise da capacidade reguladora do direito (p.
30).
27. A falta de mecanismos ou garantias judiciais adequados nada
diz sobre a
impossibilidade conceitual de tornar passveis de tutela judicial
os direitos
econmicos, sociais e culturais, mas como j foi dito requer que
sejam
imaginados e criados instrumentos processuais aptos para levar
adiante tais
reivindicaes. Parte dos avanos do direito processual
contemporneo se
direciona para esse objetivo; as novas perspectivas da ao de
amparo, as
possibilidades de formulao de aes de inconstitucionalidade,
o
desenvolvimento da ao declaratria, as class actions, a ao civil
pblica e
os mandados de segurana e de injuno brasileiros, a legitimao
do
Ministrio Pblico ou da Defensoria Pblica para representar
interesses
coletivos, so exemplos dessa tendncia. Cabe acrescentar, alm
disso, que
outra fonte de supostas dificuldades na promoo de aes que
tentam
evidenciar o descumprimento do Estado em matria de direitos
econmicos,
sociais e culturais reside justamente nos privilgios com que o
Estado conta
quando levado a juzo, privilgios que no seriam admissveis se
questes
similares ocorressem entre cidados.
28. Ver a pesquisa: Anlisis jurisprudencial. La igualdad en la
jurisprudencia
de la Corte Constitucional. In: Vrios Autores, Pensamiento
Jurdico
Revista de Teora del Derecho y Anlisis Jurdico. Universidad
Nacional de
Colombia, n. 15, 2002, pp. 347-369.
-
LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS218
29. Ver, a respeito, o Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor,
Artigo 81,
pargrafo nico(iii).
30. Para examinar casos relevantes em torno desse tema podem
ser
consultadas experincias desenvolvidas por Argentina, Repblica
Dominicana,
Venezuela e Nicargua na pesquisa: Los derechos econmicos,
sociales y
culturales. Un desafo impostergable (IIDH, 1999).
31. Em Reyes desnudos. Algunos ejes de caracterizacin de la
actividad
poltica de los tribunales (indito), Christian Courtis mostra que
a pergunta
sobre a legitimidade da atuao judicial no pode ser respondida de
forma
abstrata, considerando uma ou duas variveis normativas, como a
posio dos
tribunais em uma teoria pura da democracia, ou a origem
no-eletiva dos
juzes. A questo da legitimidade requer informao emprica sobre
o
funcionamento do sistema poltico e o conhecimento concreto do
contexto
histrico no qual os juzes atuam. Nesse sentido, a anlise da
legitimidade da
atuao judicial implica a necessria comparao com a anlise da
legitimidade da atuao dos demais poderes.
32. Acerca da legitimidade de um tribunal constitucional em um
Estado
social e democrtico de direito, para atuar resguardando as
condies
procedimentais da gnese democrtica das leis, que inclui a
garantia dos
direitos sociais fundamentais que asseguram a insero no processo
poltico,
ver J. Habermas, 1994, pp. 311 e ss. Sobre o papel dos juzes em
um Estado
constitucional e social de direito pode-se ver, tambm, Ferrajoli
(pp. 23-28).
Outros autores justificam uma interveno judicial forte para
resguardar das
maiorias os direitos de grupos sociais em desvantagem. Ver ainda
Owen Fiss,
1999, pp. 137-159.
33. Assim ocorreu nos mencionados litgios de reforma estrutural.
til
destacar, em resposta s objees apontadas a respeito da
incapacidade da
administrao de justia para resolver questes tcnicas, ou das
limitaes do
processo judicial para tratar questes complexas ou com mltiplos
autores,
que muitos analistas tm valorizado o papel judicial de avanar no
projeto de
polticas e na mudana de prticas institucionais. A pouca
predisposio da
administrao ou das legislaturas de reconhecer e modificar suas
polticas e
aes ilegais determinaria a estrita necessidade de que a questo
fosse
abordada e resolvida por um tribunal imparcial e independente.
Ver, por
exemplo, William Wayne, Two Faces of Judicial Activism, 61
George
Washington Law Review 1 (1992).
34. Cmara Nacional de Apelaciones en lo Contencioso
Administrativo
Federal, Sala IV, caso Viceconte, Mariela vs Estado
Nacional-Ministerio de
-
VCTOR ABRAMOVICH
219Ano 2 Nmero 2 2005
Salud y Accin Social s/ amparo, 2 de junio de 1998, La Ley,
Suplemento de
Derecho Constitucional, 5 nov. 1998. Pode-se consultar o caso na
pesquisa do
IIDH: Los derechos econmicos, sociales y culturales, p. 81.
35. Nesses casos, a discusso entre direitos tutelveis
judicialmente e
atuao livre das instncias polticas limitada, pois a poltica
atua
previamente por meio do Congresso e, de qualquer modo, se
autolimita ao
determinar para si obrigaes legais em matria de poltica social.
A respeito
da clssica discusso sobre a tenso entre democracia e direitos,
com
referncia aos direitos sociais tutelveis judicialmente, pode-se
ver G.
Pisarello, 2001, e tambm E. Rivera Ramos, 2001. Para uma viso
mais geral
do debate suscitado no Reino Unido com a incorporao do estatuto
de
direitos humanos e a conseguinte atribuio de novos poderes
justia em
detrimento do Parlamento, ver M. Loughlin, 2001.
36. A referncia aos casos em que uma norma legal impe a obrigao
de
desenvolver processos de produo de informao e consulta por
exemplo,
aos beneficirios na etapa de projeto e avaliao de uma poltica
social.
Assim, no caso Defensora del Pueblo de la Ciudad vs INSSJP, o
critrio para
a anulao do processo de privatizao foi precisamente a falta de
acesso
informao dos usurios do sistema. Da mesma forma, em outros
casos, o
contencioso-administrativo da justia argentina anulou ajustes de
tarifas de
servios pblicos pela ausncia de audincia pblica entendida como
a
oportunidade de consulta aos usurios prvia adoo da deciso.
37. Corte Constitucional da frica do Sul, caso CCT 11/00,
Governo da
Repblica da frica do Sul e Outros vs Irene Grootboom e
Outros.
38. CSJN, caso Campodnico de Beviacqua, Ana Carina vs Ministerio
de
Salud y Accin Social Secretara de Programas de Salud y Banco
de
Drogas Neoplsicas, sem recurso de fato, 24 out. 2000.
39. No caso Asociacin Benghalensis, um grupo de organizaes
defensoras
dos direitos dos aidticos promoveu uma ao de interesse coletivo,
que foi
resolvida pela Corte Suprema de Justia argentina. A deciso
obrigava o
Poder Executivo a fazer cumprir a lei sobre aids referente
obrigatoriedade
do fornecimento de medicamentos. Essa lei havia sido promulgada
como
resultado de uma intensa campanha de incidncia poltica, em
parte
estimulada pelos mesmos grupos e autores que depois se viram
obrigados a
impulsionar a ao judicial para torn-la efetiva. Tambm se
podem
mencionar os casos em que organizaes de mulheres compareceram
aos
tribunais para exigir a implementao e o cumprimento da legislao
sobre
sade reprodutiva pela qual haviam lutado no Congresso.
-
LINHAS DE TRABALHO EM DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
INSTRUMENTOS E ALIADOS
SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS220
40. Ver Tarimiat, Firmes en nuestro territorio. FIPSE vs Arco.
Quito: CDES,
2001. Disponvel em .
Acesso em 7 jan. 2005.
41. Em um caso relativo a um acordo entre famlias despejadas e o
Governo
da Cidade de Buenos Aires foi demandado judicialmente o
cumprimento das
obrigaes estatais que j haviam sido estabelecidas: construo de
casas
em um terreno fiscal e soluo temporria para as necessidades
habitacionais do grupo durante a execuo das obras. Nessa ao, que
era
fundamentalmente de execuo do acordo, foram utilizados os
padres
constitucionais e internacionais sobre o direito moradia para
interpretar a
abrangncia da obrigatoriedade de oferecer moradia temporria
com
determinadas caractersticas, o que foi solicitado como medida
cautelar. O
Tribunal atendeu ao pedido e ordenou que as famlias fossem
abrigadas em
hotis da cidade, sob determinados requisitos de habitabilidade.
Ainda que o
acordo tenha resultado da negociao e da presso poltica sobre o
governo,
foi o litgio que o tornou efetivo e determinou o alcance legal
das obrigaes
assumidas pelo Estado. Ver Agero Aurelio Eduvigio e Outros vs
Governo da
Cidade de Buenos Aires s/ amparo (Artigo 14 CCABA), Exp.
4437/0.
Resoluo de 26 fev. 2002.
42. Ao adotar o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos,
Sociais e
Culturais, o Estado se obriga a levantar informaes e formular um
plano,
como destaca o Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais.
Em alguns
temas como o direito moradia adequada expressamente reconhecida
a
obrigao do Estado de implementar de forma imediata uma vigilncia
eficaz
da situao da moradia em sua jurisdio, e para isso precisa
realizar um
levantamento do problema e dos grupos que se encontram em
situao
vulnervel ou em dificuldades pessoas desabrigadas e suas
famlias, pessoas
alojadas de forma inadequada, pessoas que no tm acesso a
instalaes
bsicas, pessoas que vivem em assentamentos ilegais, pessoas
sujeitas a despejo
forado e grupos de baixa renda (OG n. 4, ponto 13). Em relao ao
direito
educao primria obrigatria e gratuita, aqueles Estados que no a
tiverem
implementado no momento da ratificao assumem o compromisso de
elaborar
e adotar, dentro de um prazo de dois anos, um plano detalhado
para sua
implementao progressiva (Artigo 14, PIDESC). Essas obrigaes
de
vigilncia, reunio de informao e preparao de um plano de ao para
a
implementao progressiva so extensivas, como medidas imediatas,
aos demais
direitos consagrados no Pacto (OG n. 1, pontos 3 e 4).
43. Ver tambm Abramovich & Courtis, 2000.
-
VCTOR ABRAMOVICH
221Ano 2 Nmero 2 2005
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Traduo:
Maria Lucia de Oliveira Marques