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A HISTRIA CULTURAL E A HISTRIA DALITERATURA MEDIEVAL ALGUMAS
REFERNCIAS ESCRITURA DO ORALE ORALIDADE DO ESCRITO
Mrcia Maria de Medeiros*
Toda a literatura no fundamentalmente teatro?Paul Zumthor
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as questes
refe-rentes ao fenmeno da oralidade dentro da literatura medieval,
especifica-mente tendo por aporte de anlise o romance de cavalaria.
A premissainicial do trabalho nasce devido ao fato de se saber que
a literatura domedievo tem em sua gnese um processo eminentemente
oral, sendo mui-to mais feita para ser ouvida do que para ser lida.
Diante desse contexto otexto literrio em questo mantm em sua forma
escrita vrias nuancesdessa oralidade, a qual esse artigo pretende
analisar.PALAVRAS-CHAVE: literatura medieval, histria oral e
histria cultural.
ABSTRACT: This article has by objective to analize the questions
that reffersat oral phenomenon at medieval literature, having by
focus the romance ofcavalry. This work borns because people knows
that medieval literature hasyour genesis with a process where the
literature was made to be listen andnot read. So, the literary text
has in your written form many things aboutthis caracteristic that
this article intends to analize.KEYWORDS: medieval literature, oral
history and cultural history.
Quando se fala em histria cultural, existe uma referncia
terico-metodolgica a uma rea da histria a qual foi redescoberta
pelos historia-dores nos anos de 1970 e desde ento vem desfrutando
de uma vastarenovao no mundo acadmico. Essa rea de uma imensido
descon-certante, ela mesma plena de diferenas entre seus
defensores, o que dificul-
Fronteiras, Dourados, MS, v. 10, n. 17, p. 97-111, jan./jun.
2008.
* Graduada em Histria pela Universidade de Passo Fundo. Mestra
em Histria pelaPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Doutora em Letras pela Universi-dade Estadual de Londrina.
Professora titular das cadeiras de Histria Antiga I e II eHistria
Medieval da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
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9 8 Fronteiras, Dourados, MS, v. 10, n. 17, jan./jun. 2008
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ta enormemente a criao de um conceito-chave para
nomenclatur-la.Sobre o assunto, Peter Burke na obra O que histria
cultural diz que:
O que histria cultural? (...) a questo ainda esperauma resposta
definitiva. (...). As fronteiras do temacertamente se ampliaram,
mas est ficando cada vezmais difcil dizer exatamente o que elas
encerram.Uma soluo para o problema da definio de histriacultural
poderia ser deslocar a ateno dos objetos paraos mtodos de estudo.
Aqui tambm, no entanto, oque encontramos variedade e controvrsia.
(BURKE,2005, p. 9).
Entretanto, em meio a esse campo de vasta turbulncia, uma das
for-mas de histria cultural melhor articulada a que ordena a
construo dahistria da leitura, definida de forma contrastante
histria da escrita etendo como precedente a histria do livro. Essas
prticas de estudo procu-ram enfatizar e compreender entre outros
fenmenos: o papel do leitor, asmudanas nas prticas de leitura e nos
usos culturais que se originam dotexto escrito. Durante certo tempo
elas correram de forma paralela crti-ca literria, mas depois dos
trabalhos de Roger Chartier, houve em entrela-amento de ambas as
formas de estudo1.
Outros focos de preocupao dos historiadores da leitura e do
livroso as reaes dos leitores aos textos, as quais podem ser
estudadas partin-do das anotaes desses leitores margem de seus
livros ou ento dosgrifos que eles fazem na medida em que vo lendo.
Existem tambm tra-balhos sobre os gostos literrios: esses podem
levar em conta o gruposocial que l (mulheres, por exemplo) e serem
enquadrados em outras cate-gorias de histria (gnero nesse
caso).
Este texto busca analisar um contexto que muito especfico no
quese refere ao espao da histria da cultura ocidental: ele procura
abordar aliteratura medieval como objeto, especialmente os anos que
tangenciam ossculos XI ao XIII. Quando os estudiosos se debruam
sobre os alfarrbiosdo tempo e tentam perscrutar o mistrio da
cultura contido nas entrelinhasdesses sculos, se encontram diante
de um desafio.
Isso porque no possvel para esse momento encontrar uma
identi-dade cultural capaz de situar o indivduo no tempo e no
espao: o universoque se abre mostra a sua gama de caleidoscpio onde
cada um parece semover entre diferentes cdigos de expresso, os
quais se insistem em ana-lisar de forma separada. O ingresso nesse
universo se faz somente median-
1 Sobre o assunto ver: BURKE, Peter. O que histria cultural? Rio
de Janeiro: Jorge Zahar,2005.
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Fronteiras, Dourados, MS, v. 10, n. 17, jan./jun. 2008 99
te um pesado encargo, como expressa Segismundo Spina, na obra A
cultu-ra literria medieval:
O ingresso na cultura medieval, em especial a literria,no se faz
sem pagarmos um pesado tributo; a com-preenso dos valores dessa
poca exige do estudiosouma perspectiva ecumnica, pois as grandes
criaes doesprito medieval na arte, na literatura, na filosofia so
frutos de uma coletividade que ultrapassa frontei-ras nacionais.
(SPINA, 1997, p. 12).
Na verdade, seria mesmo pertinente perguntar se existia na idade
mdiauma literatura ou quem sabe literaturas. O fato que o medievo
desco-nhece inclusive o termo, pelo menos no que se refere ao
conceito atual domesmo. Segundo Michel Zink no texto Literatura
(s): em latim, litteraturatem o mesmo sentido que grammatica e
designa, como esta palavra, ou agramtica propriamente dita ou a
leitura comentada dos autores e o conhe-cimento que proporciona,
mas no as obras em si. (ZINK, 2006, p. 79)2.
Mais que em qualquer outro momento da histria da literatura,
operodo em questo mimetizou as questes da arte com elementos de
cunhosocial, ou dito de outra forma: ser um letrado na idade mdia
(litteratus)significava possuir a aptido para ler, para escrever, e
principalmente, signi-ficava possuir um determinado status social,
que opunha o indivduo dota-do desses elementos ao povo iletrado
(illiteratus), a gente simples.
Mesmo nas lnguas vulgares no existe um registro determinado
paraa atividade ou para as obras literrias: esses dialetos dispem
apenas depalavras especficas para designar cada gnero em
particular, sendo esteltimo definido de forma peculiar devido a
questes de esttica do textoou de um tipo de interpretao. Para que
se entenda melhor essa questo,basta aferir a Michel Zink, em texto
supracitado, quando ele diz que: emfrancs, a palavra poeta s
aparece no fim do sculo XIII, (...): ela designaos autores antigos
(ZINK, 2006, p. 79). Dessa forma, o historiador que sedebrua sobre
o mundo medieval tentando perscrutar sua histria da lite-ratura
enfrenta um dilema: o termo tal como utilizado hoje pode ser
em-pregado, mas ele representa um paradoxo, pois a um s tempo
inadequa-do, porm insubstituvel.
2 ZINK, Michel. Literatura(s). In: In: LE GOFF, Jacques &
SCHMITT, Jean-Claude. Dicion-rio temtico do Ocidente Medieval.
Bauru-SP: Edusc, 2006. Ademais, vale salientar que a noode
literatura algo historicamente demarcado, com um espao muito
limitado no tempo:ela normalmente se refere civilizao europia,
ocidental, entre os sculos XVII ou XVIII ehoje. Sobre o assunto
ver: ZUMTHOR, Paul. Performance, recepo e leitura. . 2 ed. So
Paulo:Cosac Naify, 2007.
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Isso porque no mundo contemporneo a literatura ope-se a
outrasdisciplinas como a histria ou a filosofia, para no falar das
cincias mate-mticas ou da natureza. Nesse contexto ela somente pode
supor aquilo que fictcio, ou ento, ela supe uma escritura sem os
rigores do academicismocientfico, portanto sem compromisso. Tal
jogo de oposio no se apli-ca ao medievo onde a arte da expresso e
da escrita aplica-se igualmentea todos os contedos (ZINK, 2006, p.
80).
Os textos de cunho didtico, ou os textos que se auferiam
cientficosno tinham de, necessariamente, ficar encerrados em nveis
diferenciados,nem excludos do mundo das Letras. Todos eles faziam
parte de um con-texto maior, ordenado pelo ensejo da escritura, da
construo da mem-ria... talvez para evitar um medo to conhecido dos
homens de todos ostempos: o medo de ser esquecido.
Roger Chartier, no texto Inscrever e apagar: cultura escrita e
literatura, res-salta que as sociedades europias tinham um grande
medo que lhes obceca-va, qual seja, o medo do esquecimento. Por
isso elas passaram a fixar pormeio da escrita os traos essenciais
do seu passado, a lembrana de seusmortos ou a glria dos vivos; mas,
principalmente, passaram a registrartodos os textos que no deveriam
desaparecer (CHARTIER, 2007, p. 9).
Assim, desde os tempos do medievo, a escrita teve um papel
impor-tante na sociedade: ela era responsvel por evitar a
fatalidade da perda e doesquecimento. Mas nem tudo o que foi
escrito se eternizou: alguns textosforam traados em suportes que
permitiam escrever, apagar e depoisescrever de novo (CHARTIER,
2007, p. 10). Diante desse fenmeno comopreconizar aquilo que
essencial em termos do que a idade mdia cons-truiu no que tange ao
que se chama de cultura literria?
No h como estabelecer um desempenho ideal para tudo que
essetempo articulou nesse sentido: assim sendo, se vaga em meio a
hipteses semque se possa decidir evidentemente por uma delas. Atrs
de cada texto, seprocura a identidade do autor, ou de vrios
autores, os quais se gostariam decolocar em nveis precisos. Aqui se
fala sobre a construo da chamada idiade autoridade, conforme aufere
Jean Batany:
(...) a autoridade de uma fonte escrita conservada ouperdida, a
autoridade moral de um grande personagemou de um narrador, os
desgnios de escrita de um clrigolutando com sua folha branca, as
intenes de duploregistro de um recitante s voltas com os
ouvintes... masnunca sabemos quantos, nem quais, desses nveis
aflo-ram verdadeiramente no texto. (BATANY, 2006, p. 383)3.
3 BATANY, Jean. Escrito/oral. In: LE GOFF, Jacques &
SCHMITT, Jean-Claude. Dicion-rio temtico do Ocidente Medieval.
Bauru-SP: Edusc, 2006.
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Quanto mais as pesquisas voltadas para desvendar o mistrio da
cul-tura no ocidente medieval avanam, mais elas se fecham sobre os
caminhosque pareciam to claramente traados. Entretanto, mesmo
diante de tantasdificuldades, alguns elementos importantes devem
ser considerados no quediz respeito ao fenmeno ora estudado, a
saber, a cultura literria medieval.
Antes de tudo, cabe ressaltar que o universo onde a literatura
medievalse desenvolve confuso: fatores de diversas ordens interagem
nesse mun-do de maneira que se torna invivel uma tentativa sumria e
ntida da for-mao, elaborao e difuso da matria literria nesse perodo
da histria.
A estrutura social do medievo sofre a influncia da igreja, o
mundopoltico assiste a invaso dos brbaros e a formao do Imprio
Carolngio,para depois se fragmentar em mirades de feudos onde cada
senhor rei.Fenmenos como as Cruzadas e a conseqente interlocuo com
as cultu-ras orientais (bizantina e asitica) trouxeram substratos
diferenciados queinfluenciaram o ocidente.
As heresias tornavam o mundo medieval um cenrio de disputas
teo-lgicas e palco de heterodoxias religiosas, o qual ainda contava
com res-duos culturais oriundos da Antiguidade Clssica, atenuada e
descaracterizadapela Igreja conforme preconiza Segismundo Spina
(SPINA, 1997, 16). Nessemundo to complexo, os falares romnicos vo
tentar superar o latim comoinstrumento de comunicao oral e escrita.
Nesse contexto to rico e todiverso, no h como explicitar o que
estilo literrio: o conceito no seaplica com clareza.
H que se referendar tambm, a questo que norteia um dos
elemen-tos formadores da literatura, no caso, a lngua. As
regularidades que apare-cem nas ocorrncias da fala s podem se
tornar normas de uma lngua seapoiadas em subplanos de uma
identidade cultural com contornos mais oumenos precisos. Nesse
sentido, Tefilo Braga, em sua obra Histria da litera-tura
portuguesa I Idade Mdia, referenda:
Para que uma literatura se forme necessrio que umaraa fixe os
seus caracteres antropolgicos pela prolon-gada hereditariedade, que
funde a agregao ou consen-so moral de Nacionalidade, tendo o
estmulo de resis-tncia na sua Tradio e na unidade da Lngua
discipli-nada pela escrita, universalizando a relao psicolgicadas
emoes populares com as manifestaes concebi-das pelos gnios
artsticos. (BRAGA, s/d, p. 11).4
Sabe-se que a gramtica ensinada no tempo de Santo Agostinho
esta-va mais ou menos fundamentada nos usos de uma fala cotidiana,
mas
4 Os grifos em letras maisculas acompanham o original.
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indubitavelmente no era compatvel com ela. Esse falar cotidiano
se esten-dia de um lado ao outro do Antigo Imprio Romano e se
manteve presen-te mesmo com os abalos que culminaram com a queda do
j referidoImprio 5.
Aqui cabe referendo a especulaes muito simples: quando se
deixoude falar latim? Quando o latim deixou de ser compreendido?
Mais impor-tante ainda: que latim se falava? Sim, porque os
documentos que referemao latim dos sculos VI e VII j demonstram que
ele passava por umprocesso de adaptao.
Segundo Jean Batany, em texto supracitado o que existiam ento
eramdois estilos diferentes: um literrio, utilizado nos livros e
pelos membros doclero; e o outro, um estilo rstico, ao qual se
recorria para se fazer entenderpelos leigos, talvez inicialmente
mais por necessidade prtica que por qual-quer outro tipo de cuidado
ou pretenso (BATANY, 2006, p. 84).
Acentuando essa diferena estilstica, o latim considerado
literrio tor-nava-se paulatinamente ininteligvel aos leigos, ainda
mais diante dos esfor-os envidados pela Reforma Carolngia, que
buscou devolver ao latim asua pureza original, afastando-o ainda
mais da lngua falada6.
Entretanto, a necessidade de fazer o discurso penetrar at o
fundo deum grupo social que se queria integralmente cristo
modificou a ordenaodas prticas lingsticas: o Conclio de Tours, no
ano de 813, ordenou aosbispos que no pregassem somente em latim,
mas que traduzissem seussermes de forma que os mesmos se tornassem
compreensveis aos rsticos.
Isso no quer dizer que os chamados dialetos locais fossem, a
partirdaqui, elevados a uma categoria privilegiada: ainda no se
havia constitudoum texto modelar (uma gramtica) que elevasse esses
falares cotidianosalm do nvel simples da fala propriamente dita:
eles continuavam sendodefinidos por seu carter no cultural.
Pode-se dizer que a sociedade medieval culmina em uma
pluralidadede identidades culturais fundamentadas geograficamente,
porm percebe-
5 Sobre a queda do Imprio Romano ver: ANDERSON, Perry. Passagens
da Antiguidade aoFeudalismo. So Paulo: Brasiliense, 1994; FRANCO
Jr., Hilrio. A Idade Mdia: o nascimen-to do ocidente. So Paulo:
Brasiliense, 1992; LE GOFF, Jacques. A civilizao do
ocidentemedieval. So Paulo: EDUSC, 2005.6 D-se o nome de Reforma
Carolngia ao processo ordenado durante o reinado de CarlosMagno no
perodo que corresponde a chamada Alta Idade Mdia, de acordo com a
divisocronolgica estabelecida por Hilrio Franco Jnior (VIII-X).
Nesse momento da histriamedieval, o imperador carolngio buscou
fortalecer as questes relativas difuso dacultura crist alicerando
as bases daquilo que seria o cerne da cultura medieval. Sobre
oassunto ver: FRANCO Jr., Hilrio. A Idade Mdia: o nascimento do
ocidente.So Paulo:Brasiliense, 1992.
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Fronteiras, Dourados, MS, v. 10, n. 17, jan./jun. 2008 103
se que existe uma hierarquizao, um reagrupamento dessas mesmas
iden-tidades e uma oposio que acontecem a partir do sculo XI: a
disputaentre a questo dos franceses e dos provenais.
No sculo XII, a Provena vai afirmar a sua identidade lingstica
emtextos lricos cantados at na Itlia: embora esse fundo lingstico
tenhamais correlao com o Limousin que com a Provena, o essencial
queexiste uma lngua, uma cultura, e um canto que a propaga7.
Segundo Jean Batany, essa questo lingstica teve vrios
desdobra-mentos, inclusive polticos, como se aufere na citao abaixo
transcrita:
Ao norte, a base poltica da lngua mais visvel: desdeo sculo IX,
comea a transferncia das funes pas-torais s funes rgias na comunho
das lnguas vul-gares (...). A lngua comum, chamada lngua do
pai(...) at o sculo XI, torna-se a lngua da me (...) noXII, para
melhor se opor ao latim, lngua do Pai ce-leste. Mas, na verdade,
ela j comea a ser, insidio-samente, a lngua do rei, que substituir
no sculo XIVum Deus tornado muito distante como Pai.(BATANY, 2006,
p. 386).
Nesse contexto percebe-se que havia uma reivindicao incipiente
dofalar e que essa reivindicao era transposta para as obras que
eram pro-duzidas. Esse processo muito lento, mas marca o fenmeno de
transpo-sio do latim para o nvel dos dialetos regionais, os quais
tenderam apassar a categoria de lngua, pois eram identificveis e
constituam o indcioda formao de uma identidade cultural
regional.
Algumas transformaes merecem ser apontadas como preponde-rantes
diante desse quadro: esses falares regionais, no necessariamente
soum lugar simblico da liberdade criadora em oposio a sistemas
lingsticosj normatizados. Eles tambm tm suas regras e seus
silogismos.
No caso do latim, ele se viu forado a enfrentar transformaes
lexicaise sintticas, sendo nesse processo favorecido por muitos
elementos comoo avano considervel das cincias e das tcnicas nos
sculos XIII-XIV. Eles vai se tornar uma lngua rgida quando os
renascentistas tentarem devol-ver a sua raiz ao purismo primitivo
que nem eles conheciam.7 Limousin uma provncia que fica no centro
da Frana. J a Provena uma regio quefica prxima a costa do
Mediterrneo: na verdade a questo relativa ao processo lingsticoque
ordena essa rixa aquilo que passar para a histria da literatura
universal como acontingncia da langue d oc e da langue d oil. A
primeira, falada ao sul, conhecida comooccitnica, e seu nome vem da
palavra c, que significa sim. Ela faz o contraste com asegunda,
nortista, cuja deriva oil, vem do latim hoc ille, tendo o mesmo
significado. importante referendar esse processo porque a
literatura da Europa continental, principal-mente da regio
mediterrnica ser fortemente influenciada pelo modelo constitudo
porpela literatura em lngua d oc i e em lngua d oil.
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Na Renascena o contexto da expresso lingstica ver impor-se
umamscara de cultura que teria sido importada diretamente do mundo
antigo.Segundo Jean Batany, esse disfarce mais eficaz do que a
fisionomia realque ele encobre: o fato de que as culturas medievais
no sabiam efetiva-mente se fazer representar (BATANY, 2006, p.
387).
A grande questo a ser ressaltada que o estabelecimento do
textoescrito e a onda de sons percebidos como fala no coincidem, em
seuconfronto, nem com a criao da gramtica nem com a retrica. At
por-que os primeiros esto em um loco onde a expresso mxima
constitudapela liberdade de criao. J os segundos preconizam a
utilizao de nor-mas e regras. Entretanto, a problemtica que envolve
oral e escrito aindamais que a que envolve lngua e fala suscita
discusses entre os pesqui-sadores.
Onde est a fala atrs do texto escrito? Essa pergunta pesou
profun-damente na redescoberta da literatura medieval e por muito
tempo impsum norte especial aos textos do medievo, questionando
sobre suas origense seu carter: seriam eles textos de carter
popular ou erudito? De ondeteriam advindo?
Esse fenmeno quase impediu o estudo dos textos por eles
mesmos,em um movimento que negou as razes orais dessa literatura
(impossveisde provar) e ops-lhe uma escrita de cunho erudito, a
qual teria tido porfontes modelares os textos latinos. Esse excesso
de ordenao em direoao escrito levou, a partir de 1950, a construo
de uma posio oposta queretornava a crena nas tradies orais,
fundadoras da literatura medieval.
Na opinio de Jean Batany, esse debate mal conduzido, acabou
sendomais bem expresso quando:
(...) comeamos a formular melhor: a obsesso pelasorigens
encobria o problema da performance (ato deexpresso pelo qual o
pblico recebe o texto), e os pa-ralelos entre oral e popular,
escrito e erudito mer-gulhavam a pesquisa em um nevoeiro de
preconceitosideolgicos. Comea a se ver melhor que toda a
moda-lidade de fala tende, na essncia, a objetivar-se em umainscrio
grfica, em sentido lato, mas sem perder suanatureza vocal (...)
(BATANY, 2006, p. 388-389).8
8 Os grifos acompanham o original. H que se salientar que a
performance tende ao canto.Ela tambm se presta ao teatro por vrias
razes: o gestual, a possibilidade de recitao oude leitura
dialogada. A tcnica de quem recita tambm pode ser performtica:
mudar o tomde voz, por exemplo, ou praticar uma imitao. Os atos de
quem realiza uma performanceobjetivam aproxim-lo de seu pblico ou
fazer com que o pblico preste ateno suaao.
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Fronteiras, Dourados, MS, v. 10, n. 17, jan./jun. 2008 105
Essa perspectiva de ordenao deu um novo sentido ao fenmenodo
estudo da literatura do medievo: isso porque, percebeu-se que
nessemundo onde o texto literrio era feito para ser ouvido e no
lido, as regrasde aplicao que o recitador (fosse ele alfabetizado
ou no) aplicava, pro-curavam fazer o enunciado para uma espcie de
leitura. Michel Zink seguea mesma linha de raciocnio, pois
preconiza que a obra medieval pelo me-nos at o sculo XIV, s tem
existncia plena quando sustentada pela vozde um artista, quando
atualizada pelo canto, recitao ou leitura em voz alta(ZINK, 2006,
p. 80).
Paul Zumthor, na obra Performance, recepo e leitura agrega a
essa discus-so mais um elemento. Segundo ele, foi justamente a
propsito da IdadeMdia que se colocou para o pesquisador Paul
Zumthor, a questo davocalidade. Os medievalistas das dcadas de 1960
e 1970 gostavam depolemizar a respeito da medida em que as tradies
orais teriam influenciadoa poesia medieval. Sobre o assunto, refere
Zumthor que:
Era um ponto vlido de informao, mas que em nadaalcanava o
essencial, isto , o efeito exercido pela orali-dade sobre o prprio
sentido e o alcance social dostextos que nos so transmitidos pelos
manuscritos.Era preciso ento se concentrar na natureza, no
sentidoprprio e nos efeitos da voz humana, independente-mente dos
condicionamentos culturais particulares...para voltar em seguida a
eles e re-historicizar, re-espacializar, se assim posso dizer, as
modalidades di-versas de sua manifestao. (ZUMTHOR, 2007, p.
12).
O cuidado que os recitadores tinham em dizer a histria da
formamais verdadeira, pressupunha a necessidade de estabelecer uma
realidadefixa e eterna, que corresponderia imortalidade do texto,
mesmo se esteltimo se modificasse cada vez que fosse narrado: no
universo do medievo,o escriba apenas administra essa tendncia, pois
nesse mundo onde todifcil escrever, a escrita um caso limite. Sobre
o assunto informaSegismundo Spina que:
As dificuldades materiais da produo literria (os pro-cessos
tcnicos da escritura muito complicados, a rari-dade do pergaminho,
etc.) tornaram impraticvel a for-mao de movimentos literrios, o que
explica o fatode ser a literatura da poca eminentemente oral.
(SPINA,1997, p. 16).
At os alvores do sculo XII, a literaturas em lngua verncula
queestavam nascendo, conheciam apenas os gneros cantados tais como
a can-o de gesta e a poesia lrica. Sobre o assunto Michel Zink
revela que:
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A primeira conserva artificialmente as marcas da orali-dade,
mesmo quando escrita (sem o qu, o que sabe-ramos dela?): a encenao
do recitante, interpelao dopblico, efeitos de eco e repeties
ligados composi-o estrfica. A segunda, que exige do poeta que
sejatambm compositor, s vezes denuncia seu modo oralde transmisso,
ao nomear o menestrel a cuja memriaconfiou a cano ou desejar que
ela encontre um cantordigno de si. (ZINK, 2006, p. 81).
Com certeza o escriba no deixou de escrever na Idade Mdia, e
bemmais do que a idia de que esse perodo foi a idade das trevas
permiteperceber: mas justamente porque faltam documentos que
impossveldar aos textos escritos que foram salvos uma importncia
maior do queeles realmente tm e auferir que eles so a origem dessa
literatura.
E ademais, em uma sociedade onde a maioria das pessoas era
analfa-beta, os textos escritos continuariam representando uma
parcela nfima emquantidade numrica, se comparados aos textos
falados. Mesmo os ro-mances (de cavalaria), primeiro gnero medieval
a ser destinado leitura,eram lidos em voz alta. A ao dos menestris
deixava um largo espao mmica e interpretao dramatizada9.
Da essa grande importncia da voz para o texto literrio
produzidono medievo: na verdade, a voz, com suas qualidades
prprias, seu timbre,faz parte integrante desse universo literrio.
Na idade mdia, no basta serum bom msico, a voz tem que acompanhar o
trovador que canta a suabalada, criando um mimetismo que junta o
texto, a msica e a fala.
O homem contemporneo, to acostumado autoridade do escrito,no
penetra facilmente nesse universo de sonoridade, o qual costuma
sefechar quando confrontado com proposies que dizem respeito
snormatizaes atuais sobre a literatura. Pois agora, o escrito tem
uma auto-ridade especial: a oposio entre letrado/iletrado decisiva.
Essa heranafoi legada pelos senhores da Renascena.
A partir da, os textos antigos passaram a ser os nicos modelos
auto-rizados: tudo se consolidava no mundo escrito. Todos os
autores preten-dem extrair sua matria de fontes escritas, de
preferncia de um livro, me-lhor ainda se ele for latino. O final da
idade mdia concede outro espao aotexto to diligentemente
conservado, copiado e reutilizado pelos monges:esse espao tambm se
abre ao livro enquanto objeto.
Mas mesmo com esses esforos, essa cultura nunca esteve
totalmente
9 Sem dvida que esse ato abre margem de importncia para as
questes referentes aodesenvolvimento do teatro, por exemplo.
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encerrada nas bibliotecas, sobretudo entre os sculos XIII e XIV.
Nesseperodo, a atividade universitria no comportava exames escritos
estandonorteada inteiramente em cursos e exerccios orais, os quais
se baseavamem testemunhos e dossis10. O mundo da literatura
medieval continua sen-do mais falado que escrito: nas escolas o
professor lia e o aluno ouvia. Nasigrejas, os sermes conservados em
latim eram copiados e guardados, masno sem antes terem sido
pronunciados. E a contradio permanece, de-monstrando a preeminncia
do oral e do escrito.
Outro aspecto ainda fomenta o carter ambguo das literaturas
medie-vais: elas so herdeiras da cultura clssica, greco-latina, a
qual toma porparmetro. Entretanto, no raras vezes, promovem uma
ruptura com essaherana produzindo elementos de uma originalidade
sem precedentes. Essefenmeno ocorre pela influncia cultural que
chega ao ocidente mediterrnicooriundas do mundo germnico, do mundo
que se situava ao norte do antigoimprio romano ocidental11. Sobre o
assunto, afirma Michel Zink que:
As lnguas clticas e germnicas, que existiam indepen-dentemente
do latim, tiveram manifestaes literriasprecoces (sculo VII-VIII),
cujo vestgio escrito estsubordinado implantao da cultura latina nas
re-gies onde elas so faladas. (ZINK, 2006, p. 83).
A idade mdia ser o momento da histria em que as lnguas
vernculasemergem e se cristalizam, interpondo-se aos textos latinos
e tornando omundo uma imensa torre de Babel. Curioso que essa
interposio acon-tece em primeiro lugar como uma concorrncia a esse
latim e depois comouma espcie de decorrncia dele.
Portanto, possvel dizer que entre as tantas tenses que ordenam
omundo medieval12 existe a que referenda o domnio cultural, a um s
tem-po bem marcado e fragmentado, coerente e diverso: pode-se dizer
queesse domnio o do espao do latim enquanto lngua erudita (latim
doImprio Romano e da igreja), mas que mantm uma srie de relaes
di-versas com vrias lnguas vernculas: esse movimento repercutir
sobre aexpresso literria nessas lnguas e sobre o desenvolvimento da
mesma. Na
10 Sobre o assunto ver: LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na
Idade Mdia. So Paulo: JosOlympio, 2003.11 A referncia aqui se faz
em relao tradio cultural do norte da Europa, como a celta,por
exemplo. As razes culturais oriundas da Esccia, Inglaterra, Pas de
Gales, Irlanda,Noruega, Finlndia, Dinamarca, entre outros pases, so
estranhas a latinidade e conduzema criao de um estrato literrio
novo e diferenciado no mote at ento conhecido.12 Sobre o assunto
ver: LE GOFF, Jacques. A civilizao do Ocidente Medieval. So
Paulo:EDUSC, 2005.
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realidade, nesse espao cultural em constante movimento, as
influncias sedo de forma sincrnica quando se trata de uma lngua
verncula em dire-o a outra e no mais segundo um modelo diacrnico de
uma filiaopartindo do latim e do modelo universalista e antigo que
ele representa.
A latinidade sofre alguns severos arranhes, mas permanece viva
emonopolizando o essencial da atividade cultural e intelectual.
Sobre esseassunto, Michel Zink diz que:
O ensino nas escolas e universidades, a maior parte oua quase
totalidade do que se escreve no mbito da teo-logia, da filosofia,
das artes liberais, das artes tcnicas,da medicina, do direito e,
durante muito tempo, dahistria: tudo est em latim. O que verdade no
cam-po da cincia, tambm o , embora as circunstncias eas propores
sejam diferentes, no campo literrio. Ahistria das literaturas
medievais a histria combina-da da literatura latina e das
literaturas em lnguas vulga-res. (ZINK, 2006, p. 82).
Os povos germnicos que adentraram o imprio romano foram
con-vertidos ao cristianismo, e de certa forma, eram admiradores e
imitadoresdo imprio que estava em seus estertores finais quando de
seu ingressonessas fronteiras13. Por isso, quase no ameaavam a
latinidade. Entretanto,a igreja, nica detentora de um arcabouo
administrativo que permitiu aesse mundo fragmentado pensar em
possibilidades de rearticulao no sen-tido universalista, passou a
ser tambm a dona das chaves do saber.
Nesse processo, ela podia apagar a memria desses textos latinos,
osquais, os prprios doutores da igreja, como Santo Agostinho e So
Jernimo,tinham justificado como sendo de excelncia para o estudo.
Entre os scu-los VI e VII, houve a tentativa de obliterao desses
clssicos. Mas oRenascimento Carolngio salvaguardar essas obras do
esquecimento.
Depois do sculo VIII, inmeras cpias de Ovdio, Homero,
Virglio,entre outros, sero feitas nos mosteiros patrocinados por
Carlos Magno. Aao dos copistas ser uma importante atividade na
idade mdia. Manterviva a literatura clssica de origem greco-latina:
eis o primeiro estofo dacultura literria do medievo. E h que se
salientar, essa sobrevivncia noera somente um trabalho de
conservao.
Segundo Segismundo Spina, esse perodo dominado, (...) por
umaliteratura de tipo monstico, que, at certo ponto, pode ser
reduzida a nar-rativas hagiogrficas e a poemas litrgicos, cuja
forma fundamental
13 Sobre o assunto ver: FRANCO JNIOR, Hilrio. A Idade Mdia:
nascimento do ociden-te. So Paulo: Brasiliense, 1999.
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representada pelos hinos (SPINA, 1997, p. 16)14. Essa produo
escritaera um privilgio dos mosteiros, centros irradiadores do
conhecimentonesse perodo.
Na opinio de Michel Zink, essa literatura reflete todo o
contexto doqual ela se origina: o mundo latino que de certa forma
lhe ordena e omundo estranho a essa mesma latinidade, de onde
nascem novas condi-es inerentes emergncia das lnguas vulgares e da
cultura que lhes prpria (ZINK, 2006, p. 82). Latina ou verncula,
essa literatura nascentetoma por modelo os clssicos da retrica
antiga.
Assim sendo, fazer reviver um texto medieval faz
obrigatoriamente oestudioso se colocar em um contexto onde o texto
era mais ouvido quelido, onde esse texto podia ser narrado ou
recriado meio que de improvisoe ao mesmo tempo, apreciado e
registrado ou na memria ou no papel. Odever e o prazer de escutar
estavam na base do prazer de escrever: quasesempre a obra era
ditada, s vezes aps ter sido rascunhada sobre tabuinhasde cera, as
quais logo eram apagadas, constituindo-se em simples auxiliaresda
memria.
Sobre o assunto diz Roger Chartier na obra Inscrever e apagar:
culturaescrita e literatura que:
A memria descrita com freqncia como uma cole-o de tabuletas
(...) e isso at em Hamlet, que deveapagar das tables of [his]
memory todos os arquivos in-teis para conservar somente as palavras
do fantasma:Remember me e, reciprocamente, as tabuletas so osuporte
privilegiado, mas nem sempre necessrio, dainveno e da composio
poticas, que convocam osmateriais para as idias e os fragmentos de
textos clas-sificados na memria.A memria desempenha um papel
essencial na trans-misso dos poemas. O poeta um cantor cuja voz
esuspiros habitam os cnticos. A maneira comum e pre-visvel de sua
publicao , ento, uma recitao ou umadeclamao, apoiada na memorizao
do texto.(CHARTIER, 2007, p. 33)15.
Em um mundo como o contemporneo, o canto visto e entendidocomo
uma espcie de deformao da fala. Porm, no mundo medievalele era a
plena realizao da fala, efetuando as mais ricas possibilidades
14 Hagiografia um tipo de texto tradicional da idade mdia, o
qual narra vida dos santos.A mais conhecida hagiografia do perodo
medieval, sem dvida alguma a Legenda urea,de autoria do dominicano
Jacopo de Varazze e traduzida no Brasil por Hilrio FrancoJnior.15
Os grifos acompanham o original.
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tanto de expresso fnica quanto de linguagem propriamente ditas.
Essasensibilidade do medievo em relao ao canto demonstra que havia
a pos-sibilidade de uma maior riqueza de interpretao e de reao
afetiva frenteao texto literrio. Sobre o assunto, referenda Jean
Batany:
Se os romancistas franceses do sculo XIII
divertem-seintroduzindo na narrativa canes que no fazem a aoavanar,
no apenas para apresentar algum amigojogral, e sim para que o
pblico, leitores ou ouvintes,alegre-se no momento em que o romance,
passandopara um registro claramente musical, atinge a
plenitudefnica e ideolgica qual as obras lricas, em sua
perfor-mance solitria, alcanavam talvez muito rpido paraserem
eficazes, mas que funciona plenamente quandoa cano foi preparada
por uma narrativa. (BATANY,2006, p. 392).
Esses procedimentos foram desaparecendo medida que se
multipli-caram os textos em prosa, a partir do sculo XIII. Mas isso
no quer dizerque a prosa medieval franqueasse a oposio entre
escrito e oral, na verdadeessa prosa era feita para ser enunciada
de maneira retrica. Ou dito de outraforma: longe de contradizer a
vocalizao, a transcrio grfica auxiliava-ade diversas maneiras
(BATANY, 2006, p. 392).
A partir do momento em que se toma conscincia dessa vocalidadeda
literatura medieval, se pode voltar aos problemas das tradies e
dasorigens que ordenaram essa esfera cultural do medievo,
considerando-seum elemento que, na verdade se enquadra dentro do
aspecto da circularidadecultural que Carlo Ginzburg referenda em O
queijo e os vermes16: a difusosocial dos textos eruditos em direo
cultura popular (oral) e a extensodos hbitos de oralidade em direo
cultura erudita (escrita).
Pode-se dizer, nesse contexto e parafraseando Paul Zumthor que o
oraltorna-se escrito, e o escrito quer tornar-se uma imagem do
oral: mas dequalquer forma se mantm a autoridade da voz nesse
contexto (ZUMTHOR,1993). Uma autoridade que referenda, no medievo
uma garantia, um regis-tro. No sentido contemporneo, uma autoridade
que impe ao ouvinte umasrie de exigncias justificadas pela presena
de um contato pessoal, enquantoque a escrita coloca as suas
ordenaes de forma absoluta e despersonalizada.Por isso, ao invs de
tentar classificar os textos da idade mdia em duascategorias, quais
sejam, falada e escrita, preciso compreender essa nuancede
duplicidade para entender o que eles querem dizer.
16 Sobre o assunto ver: GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes.
So Paulo: Companhia dasLetras, 1988.
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