Página 1 de 46 Área de Competências-Chave Cultura, Língua e Comunicação RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS Recursos de apoio ao desenvolvimento do processo de RVCC, nível secundário Núcleo Gerador 6 – URBANISMO E MOBILIDADE DR2 – Tema: Ruralidade e Urbanidade
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Área de Competências-Chave
Cultura, Língua e Comunicação
RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Recursos de apoio ao desenvolvimento do processo de RVCC, nível secundário
Núcleo Gerador 6 – URBANISMO E MOBILIDADE
DR2 – Tema: Ruralidade e Urbanidade
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Tema 2: Ruralidade e Urbanidade COMPETÊNCIA: Intervir em contextos profissionais considerando a ruralidade ou
urbanidade que os envolvem e procurando retirar daí benefícios para a integração
socioprofissional.
Oposição entre mundo rural e urbano: complementaridade e simbiose
“Historicamente, o mundo rural destaca-se por se
organizar em torno de quatro aspetos bem conhecidos:
- uma função principal: a produção de alimentos;
- uma atividade económica dominante: a agricultura;
- um grupo social de referência: a família camponesa,
com modos de vida, valores e comportamentos
próprios;
- um tipo de paisagem que reflete a conquista de equilíbrios
entre as características naturais e o tipo de atividades desenvolvidas.
Este mundo rural secular opõe-se claramente ao mundo urbano, marcado por funções, atividades, grupos
sociais e paisagens, não só distintos, mas, mais do que isso, em grande medida construídos "contra" o mundo
rural. Esta oposição tende a ser encarada como "natural" e, por isso, recorrentemente associada a relações
de natureza simbiótica: campo e cidade são complementares e mantêm um relacionamento estável num
contexto (aparentemente?) marcado pelo equilíbrio e pela harmonia de conjunto) ”.
Fonte: Ferrão, J. (2000). “Relações entre mundo rural e mundo urbano”, in Sociologia, Problemas e Práticas, 0.0 33, CIES, Oeiras, Celta (adaptado).
O ESPAÇO RURAL
O que são áreas rurais?
Tradicionalmente, define-se espaço rural como um espaço reconhecidamente com características que
opõem o campo à cidade. De entre essas características,
destaca-se:
· uma grande proporção de população ocupada com o
trabalho agrícola;
· a predominância do natural sobre a artificialização
humana própria das paisagens urbanas;
· a menor dimensão dos povoados relativamente às
cidades ou vilas; a baixa densidade populacional;
· a maior homogeneidade nas relações sociais entre a
população rural,
· com maior conservadorismo nas crenças e nas atitudes;
· a menor intensidade na mobilidade, tanto espacial como social;
Santo Tirso, vista junto ao rio Ave Disponível na Internet: http://www.rumaonline.eu/afr/
Vista de Monsanto, considerada a aldeia mais portuguesa de Portugal, Idanha a Nova
Disponível na Internet: http://www.leme.pt/imagens/portugal/idanha-a-
nova/monsanto/0002.html
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· a existência de uma rede social mais fechada, que inclui a cooperação na vida económica e um elevado
grau de ajuda mútua.
Sendo a agricultura a atividade dominante no espaço rural, são frequentemente utilizados diversos
termos que nem sempre dizem respeito ao que se pretende abordar. Uma paisagem rural é caracterizada por um vasto
espaço que é ocupado por elementos ligados à
agricultura mas também a outras atividades não
ligadas à produção agrícola, como indústrias,
comércio e serviços diversificados. Trata-se de um
espaço que gradualmente tem vindo a registar
alterações em resultado da expansão urbana,
sobretudo nas áreas mais próximas das grandes
cidades.
No que respeita às atividades relacionadas com a
produção agrícola, no espaço rural há a considerar:
- o espaço agrícola, ocupado apenas pelos campos
de cultivo – produção agrícola vegetal e animal;
- o espaço agrário, que, para além de englobar o
espaço agrícola, é um espaço também ocupado pela superfície florestal e pelos terrenos incultos; e por
habitações, estufas, armazéns, celeiros, moinhos, estábulos, caminhos, canais de rega, entre outras
construções ligadas à exploração agrícola.
O mundo rural em transformação
As áreas rurais tiveram, durante um longo período, uma vocação essencialmente agrícola. O estudo do
espaço rural confundiu-se durante muito tempo com o estudo dos campos agrícolas. O campo significava
tudo o que não era urbano.
No entanto, registaram-se grandes alterações, sobretudo no decurso do
século XX. A Revolução Industrial iniciada
nos finais do século XVII veio introduzir
alterações na oposição, anteriormente
clara, entre áreas rurais e urbanas.
Embora mais tarde do que no resto da
Europa, em Portugal o desenvolvimento
de uma sociedade urbano-industrial
trouxe duas consequências para as áreas
rurais:
- a perda de importância económica,
devido à diminuição do peso da
agricultura na estrutura económica
nacional face ao processo de in-
dustrialização e de terciarização;
“A agricultura continua a ser um
motor essencial da economia
rural. Contudo a diversificação da
estrutura socioeconómica das
zonas rurais é essencial para o
desenvolvimento de atividades
não agrícolas dentro e fora das
explorações agrícolas, tendo em
vista a criação de novas fontes de
rendimento e emprego,
contribuindo diretamente para a
melhoria do rendimento dos
agregados familiares, a fixação da
população, a ocupação do
território e o reforço da
economia rural”.
in http://www.dgadr.mamaot.pt - Direcção-Geral de
Agricultura e Desenvolvimento Rural (adaptado).
Espaço rural - Adjetivo que se
opõe a urbano. Designa tudo o
que respeita ao campo, e o seu
sentido é muito mais lato do que
o de agrícola. A população rural
compreende, não só os
camponeses, como também
todas as pessoas que exercem
atividades de artesanato, comér-
cio e serviços, sem esquecer as
que vão trabalhar para a cidade.
Nos países muito urbanizados, é
difícil traçar um limite nítido para
o habitat rural, pois as constru-
ções antigas, que foram feitas
sobretudo para camponeses,
estão hoje ocupadas por pessoas
que vão todos os dias trabalhar
para a cidade.
in http://www.dgadr.mamaot.pt - Direcção-Geral de
Agricultura e Desenvolvimento Rural (adaptado).
Paisagem duriense Disponível na Internet: http://www.panoramio.com/photo/62886994
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- a criação de um estigma de decadência associado a estas áreas, em contraponto com as principias
aglomerações urbanas e industriais, símbolos de oportunidades e do progresso.
Ao contrário dos países mais desenvolvidos da Europa, em
Portugal o abandono dos campos, sobretudo entre os anos de
1960 e 1980, resultou da oposição entre os níveis de
desenvolvimento rural e urbano, e não de um processo de
mecanização da agricultura. Esta manteve, em termos gerais, o
seu caráter tradicional e os baixos rendimentos, incentivando
as populações rurais a emigrarem.
O forte êxodo rural ocorrido em Portugal e os intensos fluxos
emigratórios para a Europa resultaram assim dos contrastes
entre as condições de vida existentes nas áreas rurais e nas áreas
urbanas, onde as oportunidades de emprego criadas pelo
processo de industrialização e terciarização estavam em
expansão.
As áreas rurais passaram a ser fornecedoras de mão de obra
desqualificada e barata para as atividades em crescimento
acelerado nas cidades do litoral. O despovoamento e o
envelhecimento demográfico são realidades que marcam de forma profunda a paisagem rural e constituem obstáculos ao
desenvolvimento destas áreas.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), e de acordo
com os resultados do Recenseamento Agrícola 2009, as
explorações agrícolas ainda ocupam metade da área geográfica
do país. Contudo, entre 1999 e 2009, a superfície agrícola
diminuiu mais de 450 mil hectares. A dimensão média das
explorações, em termos de superfície agrícola útil, aumentou cerca
de 2,5 hectares, situando-se atualmente em 11,9 hectares.
As características do agricultor típico são reveladoras da importância social que esta atividade continua
a ter nos meios rurais, já que grande parte do trabalho agrícola é realizado pela mão-de-obra familiar. No
entanto, as empresas agrícolas têm vindo a assumir uma importância crescente na produção especializada
de certos produtos e na dinamização do setor agrícola em algumas regiões.
Para além destas alterações na agricultura, nos últimos anos assiste-se à tentativa de valorizar o
chamado mundo rural não agrícola, nomeadamente o seu património natural, histórico e cultural e
paisagístico.
A distribuição das principais culturas
A superfície total das explorações agrícolas representa cerca de metade do território português, onde se
evidencia o predomínio da Superfície Agrícola Útil (78 %) e das matas e florestas (18 %). A Superfície Agrícola
Útil (SAU) inclui terras aráveis, horta familiar, culturas e pastagens permanentes.
A análise da evolução da composição da SAU desde 1999 permite constatar: a manutenção da área de
culturas permanentes (cerca de 18 %); a redução da área ocupada por culturas temporárias (de 30 % para 26
%); o aumento significativo da área de pastagens (de 30 % para 50 %); a redução do pousio; e a expressão
potencial agrícola na periferia das cidades foram ocupados, de forma irresponsável, pelo processo de
urbanização em curso.
Ao contrário da superfície agrícola, a área ocupada pela
floresta é inferior à área dos solos considerados tecnicamente
ajustados à silvicultura. A utilização de solos para fins distintos
aos da respetiva capacidade potencial é uma das causas dos
baixos rendimentos e da sua degradação progressiva. Outro dos
problemas relacionado com a utilização dos solos é a ina-
dequação dos sistemas de cultura e o recurso a técnicas nem
sempre ajustadas.
O sistema intensivo
precisa de solos férteis e
com recursos hídricos, para
ter rendimentos e produtividades elevadas, pois ocupa
permanentemente o solo. O sistema extensivo adapta-se melhor às
regiões de solos mais pobres e onde a água escasseia, recorrendo ao
afolhamento, à rotação de culturas e ao pousio como práticas para
manter ou melhorar a fertilidade dos solos e evitar o empobrecimento
provocado pela excessiva exploração dos mesmos. A utilização destes
sistemas agrícolas noutras condições e tipos de solos pode diminuir o
rendimento agrícola e contribuir para a desertificação acelerada dos
mesmos. Por exemplo,
a utilização incorreta
da rotação de culturas,
ou o recurso ao pousio
absoluto, sem
ocupação do terreno
em descanso com
culturas forrageiras ou
pastagens artificiais,
expõe a camada
superficial do solo à
ação dos agentes
erosivos, reduzindo a sua fertilidade futura. Também a
monocultura, associada aos sistemas extensivos
utilizando de forma continuada a mesma cultura, pode
conduzir ao esgotamento seletivo de certos nutrientes
dos solos.
O uso excessivo de fertilizantes químicos e pesticidas
tem aumentado a toxicidade de alguns solos e
contribuído para diminuir a sua fertilidade em poucos
anos. Por isso, a introdução de práticas agrícolas que
visam a proteção e a valorização de solos com boa
aptidão agrícola é determinante para a obtenção de
rendimentos agrícolas mais elevados e estáveis. Daí que
alguns agricultores estejam a optar por introduzir novos
procedimentos para o melhoramento e conservação do solo, como:
“A agricultura biológica (AB) é um modo de produção agrícola que procura utilizar práticas agrícolas que fomentem a manutenção e melhoria da fertilidade do solo, baseando-se no funcionamento e equilíbrio do ecossistema, permitindo uma gestão sustentável do ambiente e da paisagem. Para atingir estes objetivos, a agricultura biológica baseia-se numa série de objetivos e princípios, assim como em práticas comuns desenvolvidas para minimizar o impacte humano sobre o ambiente e assegurar que o sistema agrícola funciona da forma mais natural possível. Essas práticas incluem: · A rotação de culturas; · Limites ao uso de pesticidas e fertilizantes sintéticos, de antibióticos, aditivos alimentares e auxiliares tecnológicos, e outro tipo de produtos; · A proibição do uso de organismos geneticamente modificados; · A escolha de espécies adaptadas às condições locais; · A utilização de práticas de produção animal apropriadas a cada espécie. o modo de produção biológico está sujeito a legislação específica.” Fonte: http://www.dgadr.marnaot.pt - Direção-Geral da
Agricultura e Desenvolvimento Rural, Consultado em 02-
01-2014 (adaptado).
Cultura intensiva do milho, Santo Tirso Disponível na Internet:
escalada dos preços dos meios de produção, as causas mais prováveis para esta alteração prendem-se com a
gradual liberalização do mercado das culturas arvenses.
Além destas medidas, a reforma da PAC de 2003 veio introduzir um regime de pagamento único (RPU),
em que a maioria dos subsídios passou a ser paga independentemente do volume de produção. Esta medida,
que procurava desligar as ajudas da produção e continha preocupações de segurança alimentar, de respeito
pelo ambiente e de estabilização do rendimento dos produtores agrícolas, contribuiu para alterar a estrutura
da SAU. Foram ainda implementadas outras ajudas que tornaram o setor da pecuária extensiva mais atrativo
do que as culturas arvenses.
As novas oportunidades para as áreas rurais
A (re)descoberta da multifuncionalidade do espaço rural
As zonas rurais representam cerca de 81,4%
do território nacional e acolhem 33%
população.
As áreas rurais portuguesas não são
uniformes. Existem contrastes significativos
entre as que ficam geograficamente próximas
dos grandes centros urbanos do litoral, e por
isso são influenciadas pelo grande dinamismo
económico destas áreas, e as que se encontram
predominantemente localizadas no interior do
país. Estas regiões, consideradas desfavoreci-
das, sofrem de graves insuficiências e
fragilidades em relação às áreas urbanas.
O despovoamento dos campos e o
consequente envelhecimento demográfico, o
baixo nível de instrução e qualificação da mão-
de-obra e a ausência ou oferta insuficiente de
equipamentos e serviços, tornam muitas áreas
rurais do interior repulsivas. A agricultura
continua a ser o motor da economia rural.
Contudo, o desenvolvimento de atividades
não agrícolas dentro e fora das explorações
agrícolas tem sido fundamental na
diversificação da estrutura socioeconómica das
zonas rurais e na consolidação do seu tecido
produtivo.
A diversificação de atividades ajuda a
promover o desenvolvimento rural das
regiões menos favorecidas, na medida em que
possibilita a criação de novas fontes de
rendimento e emprego, contribuindo
A invenção do mundo rural não agrícola: redescobrir velhas complementaridades, gerir espaços patrimoniais de baixa densidade
“Nos anos 80 assiste-se à invenção social de uma nova
realidade: 0 mundo rural não agrícola. Esta perspetiva introduz elementos no modo de encarar os mundos rural e urbano, em si e na forma como se relacionam.
Em primeiro lugar, rompe-se explícita e deliberadamente com dois dos elementos da tetralogia secularmente associada ao mundo rural: a sua função principal não tem de ser necessariamente a produção de alimentos e a atividade predominante pode não ser agrícola. Em segundo lugar, a valorização da dimensão não agrícola do mundo rural é socialmente construída a partir da ideia de património, ob-servando-se três tendências que, no entanto, são convergentes: . um movimento de renaturalização, centrado na conservação
e proteção da natureza; . a procura de autenticidade, que leva a encarar a conservação
e a proteção dos patrimónios históricos e culturais como vias privilegiadas para valorizar memórias e identidades;
. a mercantilização das paisagens, como resposta à rápida expansão de novas práticas de consumo decorrentes do aumento dos tempos livres, da melhoria do nível de vida e, como consequência, da valorização das atividades de turismo e lazer.
Em terceiro lugar, deve referir-se que esta nova visão do mundo rural assume como inevitáveis e corretas as práticas de pluriatividade e de plurirrendimento das famílias camponesas enquadrando-as numa estratégia mais ampla de transformação do mundo rural em espaços multifuncionais com valor patrimonial. [...] As atividades que contribuem para manter vivo o mundo rural devem ser remuneradas não apenas pelo seu valor económico, mas também pelas funções sociais e ambientais que asseguram.
Finalmente, e em quarto lugar, a problemática do mundo rural profundo foi sendo crescentemente abordada à luz de uma nova conceção: a dos espaços de baixa densidade, não só física, associada ao despovoamento intenso que caracteriza estas áreas, mas também relacional. Populações envelhecidas, empresas de reduzida dimensão e com funcionamento atomizado, ausência de movimentos significativos de as-sociativismo ou ainda instituições públicas pouco dinâmicas transformam estas áreas em espaços sem a "espessura" social, económica e institucional necessária para suportar estratégias endógenas de desenvolvimento sustentadas no tempo.”
Fonte: Ferrão, J. (2000). “Relações entre mundo rural e mundo urbano>>,
in Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 33, CIES, Oeiras, Celta (adaptador).
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diretamente para a melhoria do rendimento dos agregados familiares, a fixação da população, a ocupação
do território e o reforço da economia rural.
Deste modo, a população ativa
rural passa a dispor de alternativas ou
complementos aos rendimentos
exclusivamente com origem na
atividade agrícola.
As áreas rurais constituem-se cada
vez mais como espaços multifuncio-
nais, de produção agrícola, pecuária ou
silvícola, de conservação da natureza,
de qualidade ambiental, de
preservação do património cultural,
edificado, natural e paisagístico e de
lazer e turismo
A política de desenvolvimento rural
em Portugal no período de 2007-2013 baseou-se nos três “eixos temáticos”:
· aumento da competitividade do setor agrícola e silvícola;
· melhoria do ambiente e da paisagem rural;
· promoção da qualidade de vida nas zonas rurais e da diversificação da economia rural.
A estratégia de desenvolvimento rural para o período de 2014-2020 apresenta como principais
objetivos:
desenvolver a produção agrícola e florestal sustentável em todo o território nacional;
aumentar a concentração da produção e da oferta;
criar e distribuir valor de forma equitativa ao longo da cadeia agroalimentar.
No sentido de promover o desenvolvimento das áreas rurais a partir do potencial endógeno de cada
região, tem sido fundamental o apoio da União Europeia através dos Fundos Estruturais.
Para garantir a coerência da assistência estrutural
comunitária com as orientações estratégicas da
Comunidade e as prioridades nacionais e regionais,
foram definidas prioridades e criados instrumentos de
programação para gerir o acesso aos fundos, o chamado
Quadro Comunitário de Apoio (QCA), substituído em
2007 pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional
(QREN)
Estes instrumentos são negociados a partir dos
Planos de Desenvolvimento Regional definidos pelo
governo, associando assim diretamente 0 Planeamento e 0 Ordenamento do território à elaboração e
realização dos QCA/QREN.
Uma parte do investimento realizado apoiou igualmente projetos baseados na experiência adquirida com
a iniciativa comunitária LEADER, que desde 2007 foi integrada no Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvi-
mento Rural (FEADER).
No meio rural, o caminho da sustentabilidade passa pela garantia da sua pluridimensionalidade. Nesse
sentido, a diversificação das atividades económicas poderá ajudar a inverter a tendência para o
despovoamento e o envelhecimento, permitindo criar emprego e fixar a população.
Cartaz de divulgação do Programa 2020 Disponível na Internet: http://www.apoios2020.pt/noticias.html
Igreja Românica de Roriz, Roriz, Santo Tirso Disponível na Internet: http://es.paperblog.com/iglesia-romanica-de-sao-pedro-de-roriz-santo-tirso-
2243109/
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A melhoria das acessibilidades inter e intraregionais, através da modernização das redes de transportes
de comunicação e de energia, e a instalação de infraestruturas e equipamentos de apoio à atividade
económica têm sido fundamentais para atrair o investimento na indústria, no turismo ou em novos projetos
do complexo agroflorestal.
Estratégias integradas de desenvolvimento rural
Entre as atividades que têm assumido algum
protagonismo destacam-se o turismo no espaço rural, a
indústria agroalimentar e a atividade industrial associada à
exploração florestal, projetos de regadio e o comércio de
produtos tradicionais (feiras de gastronomia e artesanato),
para além dos serviços de suporte.
O desenvolvimento de iniciativas promotoras de
crescimento económico, nomeadamente através da criação
de microempresas e de PME industriais, e de serviços de
apoio à população rural, é uma estratégia necessária à revitalização das regiões rurais.
A agricultura e o desenvolvimento rural continuam a ser vitais para a prossecução dos objetivos
relacionados com a segurança alimentar e com um desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, um
aumento da produção agrícola está muito dependente de uma intensificação dos sistemas de cultura, sendo
que tal incremento obriga a um aumento da utilização de dois recursos fundamentais, a água e o solo.
A água e o solo são recursos finitos e fatores de produção em que uma maior produtividade depende
essencialmente de um aumento da utilização de
tecnologias.
O investimento no regadio conduz a uma maior
produção alimentar, a um rendimento agrícola mais
elevado, a uma maior taxa de emprego e a preços
de alimentos mais baixos. O regadio tem, por isso,
um papel fundamental na produção alimentar e no
desenvolvimento das áreas rurais.
Contudo, a preocupação com a preservação da
qualidade da água é crescente e integra os novos
investimentos hidroagrícolas.
O mundo rural possui um património cultural,
edificado, natural e paisagístico de grande riqueza. Este património material e imaterial, que importa
preservar, pode constituir igualmente um motor de desenvolvimento do território onde se situa. Reconhecer
o valor do passado, proteger e valorizar o património rural, torná-lo conhecido, acessível e interativo com as
populações rurais é uma tarefa indispensável à manutenção dos equilíbrios ecológicos, à preservação da au-
toestima e do desenvolvimento económico, social e cultural.
A valorização do saber-fazer local, a produção e comercialização de produtos tradicionais e a recuperação
do património edificado são alguns dos exemplos de ações que contribuem para o desenvolvimento das
regiões rurais.
Casa da Picaria, Guimarei, Santo Tirso Disponível na Internet: http://www.booking.com/hotel/pt/quinta-da-picaria.pt-
pt.html
Casa de Campo, Estorães, Ponte de Lima Disponível na Internet:
Disponível na Internet: http://www.panoramio.com/user/7883402/tags/Concelho%20Santo
%20Tirso
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melhores condições. No entanto, os programas de realojamento em bairros sociais nem sempre são bem-
sucedidos, pois originam outros problemas, como a segregação étnica e racial.
Como têm evoluído as áreas urbanas em Portugal?
O crescimento da população urbana
As áreas urbanas são grandes centros de emprego e de oportunidades de negócios para muitas pessoas,
devido à concentração de inúmeras atividades do setor secundário e, principalmente, do setor terciário. O
resultado é a expansão contínua das áreas
urbanas em número de habitantes, em
atividades e em superfície, tanto na
horizontal como na vertical. Este processo de
urbanização traduz-se, em termos
demográficos, pelo aumento do número de
pessoas que habitam nas cidades (população
urbana) relativamente às que residem no
espaço rural (população rural).
Em Portugal, este fenómeno incidiu
principalmente nas áreas urbanas do litoral.
Estas tornaram-se focos de atração para as
populações que abandonam as áreas rurais e
procuram uma vida melhor na cidade. Nas
regiões interiores, onde se assiste a um maior
despovoamento dos campos, as cidades, embora de menor dimensão, constituem-se igualmente como
centros de emprego importantes para as populações que vivem no espaço rural circundante.
O processo de urbanização em Portugal teve um grande crescimento nos últimos quarenta anos do século
passado. O grande afluxo de pessoas às áreas urbanas, provenientes dos campos (êxodo rural) e do
estrangeiro (imigração), traduziu-se no aumento da população urbana: muitos aglomerados densificaram-se
em número de habitantes e de atividades económicas.
Este movimento do exterior para o interior do espaço urbano corresponde a uma etapa no crescimento
das áreas urbanas a que se dá o nome de fase centrípeta. Nesta fase, muitos foram os aglomerados em
Portugal que adquiriram o estatuto oficial de cidade.
A terciarização da sociedade
Em simultâneo com o aumento da taxa de urbanização decorre o crescimento da terciarização da
economia e da sociedade, isto é, devido à expansão das atividades ligadas ao comércio e aos serviços, o
setor terciário aumenta significativamente em relação ao primário e ao secundário, que entram em
declínio.
Estas alterações na estrutura da economia e do emprego têm implicações na transformação do modo de
vida das pessoas, que passa a ser cada vez mais urbano.
Bairro social, Lisboa Disponível na Internet: https://ambcvlumiar.wordpress.com/2010/02/09/o-que-e-que-
falhou-nos-bairros-sociais/
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A densificação das áreas urbanas originou, por sua vez, vários problemas: as cidades cresceram muito
rapidamente em população e em
atividades; os preços da habitação
tornaram-se mais elevados; as suas
infraestruturas, nomeadamente as que
dizem respeito à circulação rodoviária,
não acompanharam esse ritmo de
crescimento - é grande o
congestionamento do espaço
intraurbano, a acessibilidade é menor,
crescem as dificuldades de
estacionamento, etc. Dessa forma,
assistiu-se a uma degradação da quali-
dade de vida geral da população
urbana, levando a um movimento de
saída para os subúrbios de pessoas e de
atividades económicas, sobretudo as que necessitam de mais superfície para se instalar ou se expandir, e as
que são menos sensíveis à distância em relação à cidade-centro.
A expansão dos subúrbios
A expansão urbana é influenciada por diversos fatores de ordem demográfica, económica e social, dos
quais se salientam o desenvolvimento dos vários modos de transporte e das respetivas infraestruturas, e a
maior mobilidade das famílias, graças ao automóvel privado. Este fenómeno ocorre, essencialmente, nas
áreas suburbanas, em aglomerados mais ou
menos rurais ou com uma feição industrial.
Aí se instala um grande número de pessoas
que saem da cidade, ou provêm de outras
regiões do País e do estrangeiro,
beneficiando da proximidade e do acesso a
eixos rodoviários e ferroviários que se
dirigem aos centros urbanos.
À volta das cidades, surgem e ntão áreas
mais ou menos vastas com características
marcadamente urbanas, não só na sua
morfologia mas também no modo de vida
dos seus habitantes. As antigas habitações,
atividades e ritmos ligados à vida rural vão
sendo substituídos pelos urbanos. Estes
aglomerados passam a ser habitados
sobretudo por uma população flutuante, que todas as manhãs se deslocam para a cidade para trabalhar e
regressa no final do dia, após o horário de trabalho. Surge, desta forma, um novo tipo de migrações, que tem
um caráter diário e uma natureza predominantemente económica - as migrações pendulares.
Espaço de escritórios, Lisboa Disponível na Internet: http://www.custojusto.pt/lisboa/predios/lisboa-expo-terreno-para-
escritorios-10552438
Vista da cidade da Amadora
Disponível na Internet: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=634983
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A fase centrífuga da expansão urbana
Pode afirmar-se que o processo de suburbanização corresponde a outro momento da expansão urbana
- o de descentralização ou fase centrífuga, isto é, a fase em que ocorre a saída de população da cidade para
a periferia, segundo um padrão de localização tentacular, relacionado com os eixos de circulação a partir
da cidade.
Entre a metrópole e os subúrbios existe uma complementaridade, verificando-se uma grande
dependência destes em relação à
primeira. À medida que, nos
subúrbios, se instala um maior e
mais diversificado número de
funções (hipermercados, parques
de escritórios, armazéns e unidades
fabris), esta dependência reduz-se
substancialmente, alterando-se
também a identidade destas áreas
enquanto bairros-dormitório.
Com o apetrechamento dos
subúrbios numa diversidade de
atividades e equipamentos, e com a
melhoria das acessibilidades, o
preço do solo torna-se mais
elevado. A procura pelo setor da
habitação acentua-se, inclusivamente a orientada para as classes sociais mais altas, aparecendo um mosaico
de áreas residenciais com características muito distintas.
O crescimento da população e a diversificação das funções acabaram por fazer com que muitos destes
aglomerados suburbanos fossem elevados à condição de cidade. Alguns figuram mesmo entre as cidades de
maior dimensão: casos de Vila Nova de Gaia e Amadora, com mais de 100.000 habitantes.
O processo de urbanização não termina nas áreas suburbanas. A tendência de expansão do tecido urbano
para além destas áreas mantém-se, em resultado da construção contínua de habitações e da instalação de
atividades económicas em lugares cada vez mais distantes da cidade; desencadeia-se, assim, o processo de
periurbanização.
As áreas periurbanas surgem em espaços com características rurais, situados para além dos seus
subúrbios. A existência de espaços a preços bastante inferiores desencadeou a realização de projetos
imobiliários que passam a ser habitados por uma população que diariamente se desloca à cidade para
trabalhar.
Que problemas afetam as áreas urbanas?
A degradação da qualidade de vida nas cidades
A qualidade de vida nas cidades é, atualmente, uma preocupação constante para os seus responsáveis. O
crescimento urbano realizou-se a um ritmo elevado e, em muitos casos, sem ter em conta o ordenamento.
Vista da cidade da Maia
Disponível na Internet: http://fr.academic.ru/dic.nsf/frwiki/1102358
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Surgiram vários problemas de ordem social e ambiental, que tendem a afastar as populações das cidades,
levando ao esvaziamento progressivo dos seus centros e
ao envelhecimento da população residente.
A saturação das infraestruturas
O crescimento populacional nas áreas urbanas e o
crescente aumento e a diversificação das atividades têm
como consequência a saturação das suas infraestruturas
(saneamento básico, distribuição de luz, gás e água), uma
vez que o seu desenvolvimento não acompanhou o ritmo
de aumento populacional, entrando, assim, em rutura.
Devido aos maiores consumos per capita, as redes de
distribuição tomam-se insuficientes, obrigando a
renovações constantes, de forma a evitar as quebras no fornecimento. Os problemas e as carências são
igualmente preocupantes nas áreas de urbanização ilegal, agravados pela falta de passeios e de ruas
asfaltadas.
Face à quantidade de população existente
nas áreas urbanas, são também sentidas as
carências nos equipamentos sociais de
educação e saúde (escolas, infantários,
hospitais e centros de saúde).
Em termos ambientais, a saturação das
infraestruturas também é visível na elevada
produção de lixos domésticos, o que obriga a
refletir sobre as formas de recolha,
tratamento e eliminação dos mesmos; na
deficiente limpeza das ruas e na grande
emissão de efluentes domésticos ou gerados
pelas atividades económicas, com
consequências na contaminação de aquíferos e
cursos de água.
A redução da mobilidade e da acessibilidade
A população é obrigada a movimentar-se mais frequentemente e entre locais cada vez mais distantes,
levando a uma maior procura de transportes. No entanto, a frequente insuficiência dos sistemas de
transportes públicos, a descoordenação entre operadores e a reduzida intermodalidade dos modos de
transporte não conseguem satisfazer as necessidades nas deslocações diárias.
O automóvel individual tomou-se, para a maioria da população urbana, a solução mais viável. Assim, o
número de automóveis que circulam nas cidades é cada vez maior, o que agrava as condições em que se faz
a circulação no seu interior e nos movimentos de entrada e de saída. O intenso tráfego automóvel
desencadeia frequentes congestionamentos, reduzindo drasticamente a acessibilidade às várias áreas da
VCI do Porto congestionada
Disponível na Internet: http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=3004802&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=2162
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Edifício degradado na cidade do Porto Disponível na Internet:
Num Bairro Moderno Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estancam-se as nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamizada. Rez-de-chaussée repousam sossegados, Abriram-se, nalguns, as persianas, E dum ou doutro, em quartos estucados, Ou entre a rama do papéis pintados, Reluzem, num almoço, as porcelanas. Como é saudável ter o seu conchego, E a sua vida fácil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexia. E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho da horta aglomerada Pousara, ajoelhando, a sua giga. E eu, apesar do sol, examinei-a. Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esguelhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos. Do patamar responde-lhe um criado: "Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais." É muito descansado, Atira um cobre lívido, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces. Subitamente - que visão de artista! - Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do Sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista
Nós
I
Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E a Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.
Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas
(Até então nós só tivéramos sarampo).
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas
Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!
Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.
Na parte mercantil, foco da epidemia,
Um pânico! Nem um navio entrava a barra,
A alfândega parou, nenhuma loja abria,
E os turbulentos cais cessaram a algazarra.
Pela manhã, em vez dos trens dos baptizados,
Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!
Como um domingo inglês na city, que desterros!
Sem canalização, em muitos burgos ermos
Secavam dejecções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,
Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!
Uma iluminação a azeite de purgueira,
De noite amarelava os prédios macilentos.
Barricas de alcatrão ardiam; de maneira
Que tinham tons de inferno outros armamentos.
Porém, lá fora, à solta, exageradamente
Enquanto acontecia essa calamidade,
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Cheio de belas proporções carnais?! Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma ou outra campainha Toca, frenética, de vez em quando. E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, aos bocados. Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injetados. As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite; E os nabos - ossos nus, da cor do leite, E os cachos de uvas - os rosários de olhos. Há colos, ombros, bocas, um semblante Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como alguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que lembrou um ventre. E, como um feto, enfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vívida, escarlate, Bons corações pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros, nas cenouras. O Sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me, prazenteira: "Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..." Eu acerquei-me dela, sem desprezo; E, pelas duas asas a quebrar, Nós levantamos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular. "Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!" E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, Que brotam dum excesso de virtude Ou duma digestão desconhecida. E enquanto sigo para o lado oposto, E ao longe rodam umas carruagens, A pobre, afasta-se, ao calor de agosto,
Toda a vegetação, pletórica, potente,
Ganhava imenso com a enorme mortandade!
II
Num ímpeto de seiva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,
Como uma universal celebração de bodas,
Amaram-se! E depois houve soberbos partos.
Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,
Triste de ouvir falar em órfãos e em viúvas,
E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.
Ele, dum lado, via os filhos achacados,
Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!
E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,
E um salutar refúgio e um lucro na vivenda!
E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!
III
Tínhamos nós voltado à capital maldita,
Eu vinha de polir isto tranquilamente,
Quando nos sucedeu uma cruel desdita,
Pois um de nós caiu, de súbito, doente.
Uma tuberculose abria-lhe cavernas!
Dá-me rebate ainda o seu tossir profundo!
E eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas,
Com que se despediu de todos e do mundo!
Pobre rapaz robusto e cheio de futuro!
Não sei dum infortúnio imenso como o seu!
Vi o seu fim chegar como um medonho muro,
E, sem querer, aflito e atónito, morreu!
De tal maneira que hoje, eu desgostoso e azedo
Com tanta crueldade e tantas injustiças,
Se inda trabalho é como os presos no degredo,
Com planos de vingança e ideias insubmissas.
E agora, de tal modo a minha vida é dura,
Tenho momentos maus, tão tristes, tão perversos,
Que sinto só desdém pela literatura,
E até desprezo e esqueço os meus amados versos!
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Descolorida nas maçãs do rosto, E sem quadris na saia de ramagens. Um pequerrucho rega a trepadeira Duma janela azul; e, com o ralo Do regador, parece que joeira Ou que borrifa estrelas; e a poeira Que eleva nuvens alvas a incensá-lo. Chegam do gigo emanações sadias, Ouço um canário - que infantil chilrada! Lidam ménages entre as gelosias, E o sol estende, pelas frontarias, Seus raios de laranja destilada. E pitoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, Duma desgraça alegre que me incita, Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas. E, como as grossas pernas dum gigante, Sem tronco, mas atléticas, inteiras, Carregam sobre a pobre caminhante, Sobre a verdura rústica, abundante, Duas frugais abóboras carneiras. Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'
O Sentimento dum Ocidental
I Avé-Maria Nas nossas ruas, ao anoitecer, Há tal soturnidade, há tal melancolia, Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. O céu parece baixo e de neblina, O gás extravasado enjoa-me, perturba; E os edifícios, com as chaminés, e a turba Toldam-se duma cor monótona e londrina. Batem carros de aluguer, ao fundo, Levando à via-férrea os que se vão. Felizes! Ocorrem-me em revista, exposições, países: Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo! Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
III Ao Gás E saio. A noite pesa, esmaga. Nos Passeios de lajedo arrastam-se as impuras. Ó moles hospitais! Sai das embocaduras Um sopro que arrepia os ombros quase nus. Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso Ver círios laterais, ver filas de capelas, Com santos e fiéis, andores, ramos, velas, Em uma catedral de um comprimento imenso. As burguesinhas do Catolicismo Resvalam pelo chão minado pelos canos; E lembram-me, ao chorar doente dos pianos, As freiras que os jejuns matavam de histerismo. Num cutileiro, de avental, ao torno, Um forjador maneja um malho, rubramente;
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As edificações somente emadeiradas: Como morcegos, ao cair das badaladas, Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros. Voltam os calafates, aos magotes, De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos; Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos, Ou erro pelos cais a que se atracam botes. E evoco, então, as crónicas navais: Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado! Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado! Singram soberbas naus que eu não verei jamais! E o fim da tarde inspira-me; e incomoda! De um couraçado inglês vogam os escaleres; E em terra num tinir de louças e talheres Flamejam, ao jantar alguns hotéis da moda. Num trem de praça arengam dois dentistas; Um trôpego arlequim braceja numas andas; Os querubins do lar flutuam nas varandas; Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas! Vazam-se os arsenais e as oficinas; Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras; E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras, Correndo com firmeza, assomam as varinas. Vêm sacudindo as ancas opulentas! Seus troncos varonis recordam-me pilastras; E algumas, à cabeça, embalam nas canastras Os filhos que depois naufragam nas tormentas. Descalças! Nas descargas de carvão, Desde manhã à noite, a bordo das fragatas; E apinham-se num bairro aonde miam gatas, E o peixe podre gera os focos de infecção!
II Noite Fechada Toca-se às grades, nas cadeias. Som Que mortifica e deixa umas loucuras mansas! O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças, Bem raramente encerra uma mulher de “dom”! E eu desconfio, até, de um aneurisma Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes; À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes, Chora-me o coração que se enche e que se abisma.
E de uma padaria exala-se, inda quente, Um cheiro salutar e honesto a pão no forno. E eu que medito um livro que exacerbe, Quisera que o real e a análise mo dessem; Casas de confecções e modas resplandecem; Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe. Longas descidas! Não poder pintar Com versos magistrais, salubres e sinceros, A esguia difusão dos vossos reverberos, E a vossa palidez romântica e lunar! Que grande cobra, a lúbrica pessoa, Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo! Sua excelência atrai, magnética, entre luxo, Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa. E aquela velha, de bandós! Por vezes, A sua traine imita um leque antigo, aberto, Nas barras verticais, a duas tintas. Perto, Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses. Desdobram-se tecidos estrangeiros; Plantas ornamentais secam nos mostradores; Flocos de pós-de-arroz pairam sufocadores, E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros. Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco; Da solidão regouga um cauteleiro rouco; Tornam-se mausoléus as armações fulgentes. “Dó da miséria!... Compaixão de mim!...” E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso, Pede-me esmola um homenzinho idoso, Meu velho professor nas aulas de Latim!
III Horas Mortas O tecto fundo de oxigénio, de ar, Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras; Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras, Enleva-me a quimera azul de transmigrar. Por baixo, que portões! Que arruamentos! Um parafuso cai nas lajes, às escuras: Colocam-se taipais, rangem as fechaduras, E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos. E eu sigo, como as linhas de uma pauta A dupla correnteza augusta das fachadas;
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A espaços, iluminam-se os andares, E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos Alastram em lençol os seus reflexos brancos; E a Lua lembra o circo e os jogos malabares. Duas igrejas, num saudoso largo, Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero: Nelas esfumo um ermo inquisidor severo, Assim que pela História eu me aventuro e alargo. Na parte que abateu no terremoto, Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas; Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas, E os sinos dum tanger monástico e devoto. Mas, num recinto público e vulgar, Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras, Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras, Um épico doutrora ascende, num pilar! E eu sonho o Cólera, imagino a Febre, Nesta acumulação de corpos enfezados; Sombrios e espectrais recolhem os soldados; Inflama-se um palácio em face de um casebre. Partem patrulhas de cavalaria Dos arcos dos quartéis que foram já conventos: Idade Média! A pé, outras, a passos lentos, Derramam-se por toda a capital, que esfria. Triste cidade! Eu temo que me avives Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes, Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes, Curvadas a sorrir às montras dos ourives. E mais: as costureiras, as floristas Descem dos magasins, causam-me sobressaltos; Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos E muitas delas são comparsas ou coristas. E eu, de luneta de uma lente só, Eu acho sempre assunto a quadros revoltados: Entro na brasserie; às mesas de emigrados, Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas, As notas pastoris de uma longínqua flauta. Se eu não morresse, nunca! E eternamente Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas! Esqueço-me a prever castíssimas esposas, Que aninhem em mansões de vidro transparente! Ó nossos filhões! Que de sonhos ágeis, Pousando, vos trarão a nitidez às vidas! Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas, Numas habitações translúcidas e frágeis. Ah! Como a raça ruiva do porvir, E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes, Nós vamos explorar todos os continentes E pelas vastidões aquáticas seguir! Mas se vivemos, os emparedados, Sem árvores, no vale escuro das muralhas!... Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas E os gritos de socorro ouvir, estrangulados. E nestes nebulosos corredores Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas; Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas, Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores. Eu não receio, todavia, os roubos; Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes; E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes, Amareladamente, os cães parecem lobos. E os guardas, que revistam as escadas, Caminham de lanterna e servem de chaveiros; Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros, Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas. E, enorme, nesta massa irregular De prédios sepulcrais, com dimensões de montes, A Dor humana busca os amplos horizontes, E tem marés, de fel, como um sinistro mar! Cesário Verde
Eu Sou do Tamanho do que Vejo
Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
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Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII" , Heterónimo de Fernando Pessoa
Esta é a cidade Esta é a Cidade, e é bela. Pela ocular da janela foco o sémen da rua. Um formigueiro se agita, se esgueira, freme, crepita, ziguezagueia e flutua. Freme como a sede bebe numa avidez de garganta, como um cavalo se espanta ou como um ventre concebe. Treme e freme, freme e treme, friorento voo de libélula sobre o charco imundo e estreme. Barco de incógnito leme cada homem, cada célula. É como um tecido orgânico que não seca nem coagula, que a si mesmo se estimula e vai, num medido pânico. Aperfeiçoo a focagem. Olho imagem por imagem numa comoção crescente. Enchem-se-me os olhos de água. Tanto sonho! Tanta mágoa! Tanta coisa! Tanta gente! São automóveis, lambretas, motos, vespas, bicicletas, carros, carrinhos, carretas, e gente, sempre mais gente, gente, gente, gente, gente, num tumulto permanente que não cansa nem descansa, um rio que no mar se lança em caudalosa corrente. Tanto sonho! Tanta esperança! Tanta mágoa! Tanta gente! António Gedeão, in 'Antologia Poética'
A minha aldeia Minha aldeia é todo o mundo. Todo o mundo me pertence. Aqui me encontro e confundo com gente de todo o mundo que a todo o mundo pertence. Bate o sol na minha aldeia com várias inclinações. Angulo novo, nova ideia; outros graus, outras razões. Que os homens da minha aldeia são centenas de milhões. Os homens da minha aldeia divergem por natureza. O mesmo sonho os separa, a mesma fria certeza os afasta e desampara, rumorejante seara onde se odeia em beleza. Os homens da minha aldeia formigam raivosamente com os pés colados ao chão. Nessa prisão permanente cada qual é seu irmão. Valência de fora e dentro ligam tudo ao mesmo centro numa inquebrável cadeia. Longas raízes que imergem, todos os homens convergem no centro da minha aldeia. António Gedeão, in 'Antologia Poética'
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Balada de Lisboa Em cada esquina te vais Em cada esquina te vejo Esta é a cidade que tem Teu nome escrito no cais A cidade onde desenho Teu rosto com sol e Tejo Caravelas te levaram Caravelas te perderam Esta é a cidade onde chegas Nas manhãs de tua ausência Tão perto de mim tão longe Tão fora de seres presente Esta e a cidade onde estás Como quem não volta mais Tão dentro de mim tão que Nunca ninguém por ninguém Em cada dia regressas Em cada dia te vais
Em cada rua me foges Em cada rua te vejo Tão doente da viagem Teu rosto de sol e Tejo Esta é a cidade onde moras Como quem está de passagem Às vezes pergunto se Às vezes pergunto quem Esta é a cidade onde estás Com quem nunca mais vem Tão longe de mim tão perto Ninguém assim por ninguém Manuel Alegre, in "Babilónia"