Fundamentos Epistemológicos da Medicina 8.2. A Descrição (conceituação descritiva) Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. Formalmente, depois da indiciação e antes da nominação (característica da conceituação da identificação), para a qual fornece importante contributo, o segundo momento do processo do conhecimento é a descrição. Tem-se a descrição como a segunda etapa na qual prossegue o processo de construção do conhecimento acerca do objeto ou fenômeno (que havia sido evidenciado no momento cognitivo anterior), através de informações cada vez mais exatas e completas que se pode obter sobre os objetos do conhecimento. Informações que, em geral, se iniciam em dados sobre a sua forma e sua aparência. Dados que permitem elaborar uma imagem sistematizada daquele objeto que possa se comunicada e entendida e que o identifiquem como uma entidade singular individualizada. Na descrição ou conceituação descritiva se concretiza o processo cognitivo de estabelecer relação entre a coisa descrita e suas características, sejam elas acidentais ou essenciais, permanentes ou transitórias. O reconhecimento das características mais essenciais (do conteúdo e da essência) do objeto descrito conduz ao passo seguinte do processo e é um dos objetivos da descrição a explicação. Isso porqu o conhecimento se inicia na forma e na aparência do objeto e evolui para o rconhecimento dos elemntos de seu conteúdo e de sua essência. Do ponto de vista de sua estrutura, a descrição é um nível do processo cognitivo no qual se indica como o objeto do conhecimento parece ao sujeito 1
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Fundamentos Epistemológicos da Medicina
8.2. A Descrição
(conceituação descritiva)Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.
Formalmente, depois da indiciação e antes da nominação (característica da
conceituação da identificação), para a qual fornece importante contributo, o
segundo momento do processo do conhecimento é a descrição. Tem-se a
descrição como a segunda etapa na qual prossegue o processo de
construção do conhecimento acerca do objeto ou fenômeno (que havia sido
evidenciado no momento cognitivo anterior), através de informações cada
vez mais exatas e completas que se pode obter sobre os objetos do
conhecimento. Informações que, em geral, se iniciam em dados sobre a sua
forma e sua aparência. Dados que permitem elaborar uma imagem
sistematizada daquele objeto que possa se comunicada e entendida e que o
identifiquem como uma entidade singular individualizada.
Na descrição ou conceituação descritiva se concretiza o processo cognitivo
de estabelecer relação entre a coisa descrita e suas características, sejam
elas acidentais ou essenciais, permanentes ou transitórias. O
reconhecimento das características mais essenciais (do conteúdo e da
essência) do objeto descrito conduz ao passo seguinte do processo e é um
dos objetivos da descrição a explicação. Isso porqu o conhecimento se inicia
na forma e na aparência do objeto e evolui para o rconhecimento dos
elemntos de seu conteúdo e de sua essência.
Do ponto de vista de sua estrutura, a descrição é um nível do processo
cognitivo no qual se indica como o objeto do conhecimento parece ao sujeito
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que começou a conhecê-lo na indiciaçåo; como o objeto do conhecimento se
revela aos seus sentidos ou à sua razão. A rigor, o procedimento descritivo
se inicia no mesmo momento em que se dá a evidenciação de um objeto
qualquer, se bem que em termos cognitivos, os dois processos ideativos
sejam tidos como distintos, ainda que não se possa especificar exatamente
seus limites. De certa maneira, o início da descrição se confunde com a
evidenciação e, depois, a desenvolve.
O significado da descrição é diferente nas diferentes escolas filosóficas. Os
os adeptos do fenomenologismo, os positivistas e neo-positivistas
consideram-na o objetivo da ciência e concentram nela sua atenção,
principalmente por considerarem a explicação impossível ou inconfiável.
Na medida em que se aperfeiçoam as descrições, e na medida em que
alguns elementos descritivos vão sendo reconhecidos como mais gerais e
mais essenciais, a descrição se aproxima da definição até se transformar
nela; porque, em geral, só é possível construir definições através da
descoberta das características descritivas mais gerais e mais essenciais e,
por isto, se referem à essência e ao conteúdo da coisa descrita.
A descrição sistemática marcou a revolução científica no Renascimento e o próprio surgimento da ciência como instituição social (e não apenas como acervo de conhecimentos).
O reconhecimento de sua validade como fonte de saber fidedigno e a difusão entre os cientistas de sua prática intensiva, emprestou grande importância a este momento do procedimento cognitivo e foi essencial para o advento posterior da experimentação como elemento científico do procedimento de conhecer.
Nas últimas décadas, os procedimentos descritivos propostos pelos fenomenologistas para o estudo dos fatos psiquiátricos vêm sendo confrontados com os recursos descritivos das neurociências (quantificáveis, por sua própria natureza). Esta confrontação levou a um falso dilema: quantificar ou fenomenolizar? Falso porque estes dois tipos de recursos são diferentes, têm serventias diversas e não colidem. Coexistem sem qualquer antagonismo, na medida em que sejam reconhecidos como momentos progressivamente mais elaborados do procedimento cognitivo.
Convém ter sempre presente que o conhecimento caminha da forma para o conteúdo e da aparência para a essência de seu objeto e pode empregar tanto recursos que se referem à sua quantidade ou às suas qualidades.
Os procedimentos fenomenológicos ou fenomênicos são empregados para a caracterização de objetos inquantificáveis (como os delírios, os sentimentos, a intencionalidade, a dissociação e tantos outros). Métodos quantitativos e
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qualitativos completam os procedimentos de estudo das neurociências, não se excluem excluem.
Mas, em termos científicos, o que significa exatamente descrever? O método
ou processo descritivo do conhecimento consiste em promover a
enumeração das características percebidas ou inferidas do objeto do
conhecimento na consciência cognoscente.
Descrever é enumerar caracterizar os elementos perceptivos da aparência e
da forma do objeto descrito buscando uma reprodução verbal ou gráfica de
sua imagem. Seja este objeto um elemento concreto da realidade, seja uma
entidade abstrata, um ente ideal. Ainda que tais características não sejam
perceptíveis imediata e diretamente, mas possam ser inferido ou suspeitados,
sabidos ou presumidos, buscando-se destacar aqueles dados descritivos que
sejam mais essenciais e mais gerais ao objeto de descrição, qualquer que
venha a ser ele.
A descrição é um nível do processo cognitivo no qual se indica como o objeto
do conhecimento parece ao sujeito que começou a conhecê-lo na
evidenciação; como o objeto do conhecimento se revela aos seus sentidos ou
à sua razão. A rigor, o procedimento descritivo se inicia no mesmo momento
em que se dá a evidenciação, se bem que em termos cognitivos, os dois
processos ideativos sejam tidos como distintos, ainda que não se possa
especificar exatamente seus limites. De certa maneira, o início da descrição
se confunde com a evidenciação e, depois, a desenvolve. Depois da
evidenciação como primeiro passo do processo cognitivo, a descrição é o
momento do conhecimento que integra a evidenciação e a identificação da
coisa conhecida em uma unidade que envolve os sentidos e o pensamento
em uma totalidade.
Brentano (1838-1937) e outros fenomenologistas, como Husserl (1859-1938) e Jaspers (1883-1969) propuseram procedimentos úteis para proporcionar a descrição rigorosa de objetos e processos inquantificáveis ou de difícil quantificação para tornar seu estudo mais fidedigno e válido. A importância da contribuição de Brentano para a psicologia contemporânea decorre da influência teórica que teria exercido sobre Sigmund Freud e, conseqüentemente, sobre sua elaboração da sua teoria psicoanalítica e sobre seus discípulos que exercem influência cultural significativa.
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Esta constatação, no entanto, é indireta porquanto o estilo freudiano fazia com que ele, só muito raramente mencionasse em seus textos suas fontes de conhecimento e as influências exercidas por outrem sobre seu pensamento e as teorias que edificava com eles.
As descrições podem refletir ângulos diferentes de apreciação de uma única
realidade particular que esteja sendo descrita. Aquele ângulo que aquela
fração da realidade, que é o objeto da descrição, porque um mesmo aspecto
da realidade pode ser descrito de diferentes maneiras, de diferentes
perspectivas, de diferentes pontos de interesse em função de objetivos
diferentes; por isto, é possível que uma única coisa seja descrita de diversas
maneiras. E estas descrições, ainda que diferentes, podem não excluir ou
desmentir as demais. De certa forma, descrever é atribuir ou negar conceitos
à coisa descrita; isto é, descrever é enunciar juízos sobre uma coisa.
Os antigos chamavam a descrição de definição insuficiente porque era
empregada quando a definição era desconhecida ou impossível de ser
efetuada por que careciam de recursos cognitivos para realizá-la. De fato,
em qualquer processo cognitivo, descreve-se aquilo que ainda não se pode
definir. Pois, uma vez completada sua definição a descrição deixa de ser
usada.
O significado da descrição pode ser diferente nas diferentes escolas
filosóficas. Os adeptos do fenomenologismo, os positivistas e neo positivistas
consideram-na o objetivo da ciência e concentram nela sua atenção,
principalmente por considerarem a explicação impossível ou inconfiável.
Na medida em que se aperfeiçoam as descrições, e na medida em que
alguns elementos descritivos vão sendo reconhecidos como mais gerais e
mais essenciais, a descrição se aproxima da definição até se transformar
nela; porque, em geral, só é possível construir definições através da
descoberta das características descritivas mais gerais e mais essenciais e,
por isto, se referem à essência e ao conteúdo da coisa descrita.
A descrição sistemática marcou o ponto mais essencial da revolução
científica havida no Renascimento e o próprio surgimento da ciência como
instituição social (e não apenas como acervo de conhecimentos). O
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reconhecimento de sua validade como fonte de saber fidedigno e a difusão
entre os cientistas de sua prática intensiva, emprestou grande importância a
este momento do procedimento cognitivo e foi essencial para o advento
posterior da experimentação como elemento de cientificidade.
Nas últimas décadas, os procedimentos descritivos propostos pelos
fenomenologistas para o estudo dos fatos psiquiátricos vêm sendo
confrontados com os recursos descritivos das neurociências (quantificáveis,
por sua própria natureza). Esta confrontação levou a um falso dilema:
quantificar ou fenomenolizar? Falso porque estes dois tipos de recursos são
diferentes, têm serventias diversas e não colidem.
Os procedimentos fenomenológicos são empregados para a caracterização
de objetos inquantificáveis (como os delírios, os sentimentos, a
intencionalidade, a dissociação). Completam os procedimentos das
neurociências, não os excluem.
Descrição e Linguagem
Existem dois tipos de descrição, a descrição do conhecimento comm e a
descrição do conhecimento científico.
A descrição científica se diferencia da descrição da linguagem comum e da
descrição vulgar culta, que é como se denomina a descrição literária e
descrição poética.
Existem algumas exigências que são características da linguagem científica
e, por isto, também exigidas nas descrições científicas que caracterizam a
chamada ética do estilo científico, sem esquecer que a contaminação do senso
comum é um dos impedimentos do desenvolvimento das ciências.
Tais características são:
= objetividade,
= clareza,
= exatidão,
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= brevidade,
= diretividade,
= afirmatividade.
A objetividade é a qualidade daquilo que existe fora e independente do sujeito
que o contempla, descreve ou estuda. Neste sentido particular, a objetividade
se refere à não-subjetividade, isto é, à recusa da intuição e da introspecção
como fontes de verdade. Mas também se refere à influência de opiniões ou
processos afetivos do sujeito com relação ao objeto.
No senso comum, o dado objetivo costuma se fundir com o subjetivo. Na ciência e na filosofia, a objetividade existe como reação ao subjetivismo e ao intuicionismo presentes na fase especulativa do pensamento filosófico-científico. Não deve se confundido com o objetivismo (que é o defeito metodológico anti-subjetivismo).
A ciência positivista é objetivista (o quanto consegue ser, porque surgiu como reação ao subjetivismo supersticioso), mas na maioria das outras tendências, o dado objetivo pretere o subjetivo, ainda que possa compor com ele uma síntese dialética, ou outro compromisso
O estilo científico deve resultar em um texto ou discurso fácil de ser entendido, representativo daquilo que pretende ser dito, fácil de ser entendido, isento de ambigüidade, obediente às regras da sintaxe empregada.
A exatidão. A comunicação cientifica é uma modalidade da comunicação
educada por definição. Considera a deseducação (ignorância,
desinformação) como defeito a ser corrigido e não como modelo a ser
divulgado. A comunicação científica (texto ou discurso) não deve fazer
concessões aos modismos, à ignorância e à desinformação. A exatidão
metodológica e comunicativa se refere ao emprego de recursos
metodológicos e comunicativos que reduzam o mais possível a possibilidade
de erro e imprecisão; por isto, a medição assumiu tamanha importância para
a atividade científica.
A clareza. O estilo de uma pessoa educada, quanto mais o discursos
científico, deve resultar em um texto ou discurso fácil de ser bem entendido,
devendo ser representativo daquilo que o autor pretende dizer; a
comunicação científica deve ser clara para ser facilmente entendida, além de
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isenta de ambigüidade, obediente às regras da sintaxe empregada.
A comunicação científica é uma modalidade da comunicação educada, a mais educada possível em cada momento do desenvolvimento da cultura. Considera a deseducação (ignorância, desinformação) como defeito a ser corrigido e não como modelo a ser divulgado ou, muito menos, copiado.
A comunicação científica (texto ou discurso) não deve fazer concessões aos modismos, à ignorância e à desinformação. Por mais que esses sejam apreciados por seus cultivadores.
A exigência de brevidade fala por si mesma. O texto científico deve se ater ao
essencial, evitando o circunlóquio, a circunstancialidade (minuciosidade), a
prolixidade.
A diretividade se refere à necessidade do discurso ser direto, não usar
metáforas, nem mesmo a ordem inversa das frases, não recorrer a outras
figuras de linguagem.
A afirmatividade que dizer que a linguagem científica deve empregar frases
afirmativas e não as negativas.
A descrição, em qualquer atividade científica, inclusive na Medicina, mas
especialmente na psiquiatria, deve evitar qualquer pressuposto a priori. Isto
é, não se deve recorrer, para uma descrição científica, a pressupostos
teóricos não comprovados. Os fatos teóricos comprovados podem e devem
ser empregados na elaboração e novos conhecimentos relacionados a eles.
Nem pode ser diferente.
Descrever e Medir
A descrição concretiza o processo cognitivo de estabelecer relação entre a
coisa descrita e suas características, sejam elas acidentais ou essenciais.
Procedimento mental que, como já se mencionou, se inicia no primeiro
instante do conhecimento. A descrição também inclui a descoberta das
características essenciais conduz ao passo seguinte do processo cognitivo
que e é um dos objetivos da descrição. A descrição será tão mais verdadeira,
útil e confiável, no sentido gnosiológico mais exigente, quanto mais
precisamente refletir, o mais exatamente possível, os atributos mais
essenciais e característicos do objeto ou acontecimento descrito
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(principalmente os que podem ser sujeitos à quantificação); ampliando a base
da conceituação e fornecendo elementos para a explicação e para uma
definição científica aceitável. Neste momento cognitivo costuma-se se
empregar o raciocínio analógico com a comparação da coisa estudada com
outras. Comparar é identificar as semelhanças e diferenças que possa haver
entre os objetos ou fenômenos comparados.
Atualmente, ao menos para boa parte dos epistemólogos, a descrição é
considerada como a etapa da investigação científica que consiste em
estabelecer os dados do experimento ou da observação, empregando-se
qualquer sistema de designação possível de ser aceito por aquela ciência,
sobretudo a medição (ou outras formas de quantificação). Isso porque a
descrição seja instrumento característico da observação como método
científico e na análise, como procedimento racional e os procedimentos de
medição sejam muito próprios dela.
A descrição do senso comum costuma empregar elementos inexatos,
assistematizados, contaminados por juízos subjetivos de valor, escalas ou
instrumentos de medida carentes de padronização ou de universalização.
Recursos que constituem erros como procedimento científico. As descrições
vulgares costumam incluir pressupostos a priori, principalmente, aqueles
característicos de uma sub-cultura. A descrição científica deve evitar
qualquer pressuposto a priori e noções teóricas incomprovadas. Isto é, não
se deve recorrer, para uma descrição científica, a crenças e pressupostos
teóricos não comprovados. Os fatos teóricos comprovados podem e devem
ser empregados na elaboração e novos conhecimentos relacionados a eles.
Nem pode ser diferente.
A descrição será tão mais verdadeira, útil e confiável, no sentido gnosiológico
mais exigente, quanto mais precisamente refletir, o mais exatamente
possível, os atributos mais essenciais e característicos do objeto ou
acontecimento descrito (principalmente os que podem ser sujeitos à
quantificação); ampliando a base da conceituação e fornecendo elementos
para a explicação e para uma definição científica aceitável.
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A introdução da medida como instrumento importante da descrição nos
procedimentos de observação e experimentação científicas caracterizou uma
das mais importantes revoluções paradigmáticas da ciência e iniciou a
ciência moderna: a chamada revolução galilaica, porque efetivada pelos
trabalhos de Galileu Galilei. A quantificação representa um momento evoluído
do desenvolvimento científico. Contudo, nem tudo pode ser quantificado. E
enquanto não se pode quantificar, quando se tratar de qualidades, por
exemplo, deve-se empregar outros recursos.
Nesse momento cognitivo costuma-se se empregar o raciocínio analógico
com a comparação da coisa estudada com outra ou outras. Comparar é
identificar as semelhanças e diferenças que possa haver entre os objetos ou
fenômenos comparados. A linguagem empregada em uma descrição influi
poderosamente no resultado daquela tarefa cognitiva. Por isto, pode-se
pretender que os procedimentos descritivos dependem da linguagem
empregada em sua elaboração; assim como a modalidade de linguagem de
uma descrição depende do objeto descrito e dos recursos disponíveis. Pode-
se descrever empregando qualquer linguagem viável capaz de comunicar sa
características da coisas descrita. Pode-se usar as palavras da linguagem
comum ou os símbolos de uma determinada ciência (termoss, símbolos
matemáticos ou químicos, matrizes, gráficos, medidas, reproduções
fotográficas, fonográficas ou outros recursos de gravação ou outros
registros). Enfim, é possível descrever empregando qualquer linguagem
capaz de comunicar os atributos descritos o mais exatamente possível e, por
causa desta necessidade de exatidão, sempre que for possível, os atributos
mencionados em uma descrição devem ser quantificados, porque isto amplia
a exatidão e a confiabilidade da descrição, razão pela qual, a quantificação
está se tornando uma exigência fundamental da descrição científica. Não
obstante, é uma falsidade pretender que uma descrição só será científica se
quantificada. A linguagem será tão mais científica quanto mais exata e fiel.
Uma descrição deve ser considerada tão científica quanto maior for sua
fidedignidade com que comunique com a possível precisão a qualidade do
objeto da descrição. Em alguns casos, a reprodução ideal pode ser aquela
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que reproduza uma imagem da coisa descrita, a partir do ponto de vista que
for considerado mais essencial. Contudo, certos objetos e situações, não
possibilitam quantificação. Estes objetos e estas situações podem ser
Para os positivistas extremados a tarefa da ciência se resume à descrição
dos fatos e que as descrições científicas devem ser, necessariamente,
quantificadas; por isto, os cientistas positivistas (e, como eles, os neo
positivistas e os empiristas) se limitam a descrever ou superdimensionam a
importância da descrição e da quantificação, ao mesmo tempo que negam ou
minimizam a explicação como instrumento do conhecimento científico. Para
eles, o conceito é unicamente descritivo.
O conhecimento construído acerca dos fenômenos e processos naturais,
sociais ou humanos estudados pela Medicina e pela Psiquiatria também
obedece ao processo cognitivo de descrição, sistematização e
ressistematização, por isto, a classificação desempenha, nelas, papel
essencial na sistematização da informação descrita.
O procedimento científico denominado método clínico é essencialmente
analítico-descritivo. E o chamado método ou procedimento fenomenológico é
um conjunto de diretrizes para disciplinar a observação tornando-a mais
válida e fidedigna para possibilitar o estudo das coisas inquantificáveis com
os recursos disponíveis de medida, empregando inclusive a analogia com
outros casos individuais.
A introdução das técnicas de medição cada vez mais precisas como
instrumento da descrição nos procedimentos de observação e
experimentação científicas caracterizou uma das mais importantes
revoluções paradigmáticas da ciência e iniciou a ciência moderna: a chamada
revolução galilaica, porque efetivada pelos trabalhos de Galileu Galilei e se
aperfeiçoa aceleradamente.
A quantificação representa um momento evoluído do desenvolvimento
científico, especificamente da descrição científica. Contudo, nem tudo pode
ser quantificado. E enquanto não se pode quantificar, quando se tratar de
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qualidades, por exemplo, deve-se empregar outros procedimentos
descritivos, ainda que de menos alcance e de menor confiabilidade.
O conhecimento construído acerca dos fenômenos e processos naturais,
sociais ou humanos estudados pela Medicina e pela Psiquiatria também
obedece ao processo cognitivo de descrição, sistematização e
ressistematização, por isto, a classificação desempenha, nelas, papel
essencial na sistematização da informação descrita.
O procedimento científico denominado método clínico é essencialmente
analítico-descritivo. E o chamado método ou procedimento fenomenológico é
um conjunto de diretrizes para disciplinar a observação tornando-a mais
válida e fidedigna para possibilitar o estudo das coisas inquantificáveis com
os recursos disponíveis de medição.
Em diversas situações comuns, e em muitas atividades científicas,
principalmente na área das ciências humanas e sociais necessitam restringir
sua atividade científica à descrição, porque não dispõem de instrumentos
teóricos e práticos que lhes permitam ingressar em uma outra etapa do
conhecimento.
Enquanto o investigador observa os fatos que deve descrever, sua presença atua como uma fator que pode influenciar o desenvolvimento dos fatos observados e serve como um fator de tendenciosidade da investigação. E isto deve ser considerado nos procedimentos de discussão e nas conclusões a que chegar.
Quando o investigador registra os fatos, escrevendo-os enquanto eles se desenrolam, como acontece na maioria das investigações clínicas, por exemplo, esta situação fornece um elemento de causa de erro ainda mais importante naquele estudo. Para diminuir esta possibilidade, deve empregar recursos como: conceder um tempo para que o observado se adapte à situação nova, guardar a distância mínima recomendada pela cultura para aquela situação, se vestir e se comportar discretamente, procurar interferir o mínimo possível na sua atuação.
Na produção científica atual a referência a psiquiatria fenomenológica é
completamente multiformes, não correspondendo à produção de Husserl,
Jaspers, Schneider, Delgado e, entre nós, Isaías Paim. Com excessão do
primeiro, fenomenologista intuitivista, os demais se comportam como
fenomenologistas descritivistas. Os feitores dos sistemas nosográficos
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contemporâneos (CID, DSM) são fenomenologistas quantitativistas.
Descrever, Analisar e Induzir
Descrever, analisar e induzir são processos cognitivos científicos
inseparáveis. E, a despeito das especificidades de cada um deles,
constituem, quase sempre, um complexo lógico-metodológico. Isto porque,
apesar de serem processos de qualidades diferentes, são reunidos em uma
unidade lógica por sua inter-complementariedade metodológica. Em última
análise, o ato ou processo de descrever é, sempre, praticar o procedimento
lógico-cognitivo de analisar, qualquer que for o instrumento teórico ou prático
empregado na descrição.
O momento descritivo do conhecimento representa a fase essencialmente
analítica do processo de conhecer. A noção de análise, como instrumento do
conhecimento, se refere ao processo lógico de decompor o todo em suas
partes constituintes implica necessariamente em uma síntese, a
recomposição, pela imaginação da totalidade através de suas partes; uma
vez que análise e síntese são categoria lógicas essencialmente dialéticas em
sua intercomplementariedade.
Alguns aspectos importantes da técnica de analisar são: usar critérios
idênticos para todos os sujeitos observados; procurar definir o mais
precisamente possível os termos empregados, principalmente aqueles que se
referem a comportamentos; procurar fazer com que a descrição seja o mais
exata e completa que for possível; usar a denominação mais adequada da
terminologia científica disponível para referir cada situação ou elemento
situacional a ser descrito; certificar-se de que os termos estão bem definidos
e guarda correspondência factual com os acontecimentos, situações e
processos que estiverem sendo observados e descritos.
Quando se estuda a síntese, deve-se considerar que o procedimento de
analisar não se limita a uma desarticulação da totalidade, a uma
decomposição do todo em seus componentes. Analisar também implica em
um procedimento indutivo que busca as causas através dos efeitos, as coisas
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mais simples através das mais complexas, os princípios através das
conseqüências. A indução, concluir sobre o geral usando os casos particulares,
é um complemento necessário da análise como instrumento do
conhecimento, no processo de transformar o conhecimento sobre os fatos em
leis sobre certas categorias de objetos.
Por isto, descrever (o que implica em medir e quantificar), analisar (sobretudo
classificar) e induzir (concluir por indução) são os instrumentos cognitivos
mais importantes da observação, que é uma dos métodos gerais da atividade
científica. A observação tem importância particular na atividade médica desde
os tempo hipocráticos. Desde essa época o exercício da clínica médica tem
sido um paciente e repetitivo exercício de observar, repetir a observação e
observar outra vez, sem desprezar coisa alguma, sem deixar de considerar o
fato aparentemente mais insignificante, como ensina Hipócrates.
Talvez por causa dessa afeição e identidade ao método científico de
observar, os médico tenham sido grandes contribuintes para o
desenvolvimento da ciência do século dezenove. O chamado método clínico
de intervenção e de investigação é essencialmente um processo de observar,
descrever, analisar e induzir.
Em uma perspectiva dialética, é impossível distinguir a análise da síntese ou
a indução da dedução porque estas duplas de procedimentos mentais
configuram uma unidade em sua aparente contradição.
Classificar é Redescrever
Classificar se origina do latim, classis = divisão (divisão ordenada) + facere =
fazer. O procedimento de classificar é a operação lógica que consiste em
repartir um conjunto de objetos ou fenômenos (quaisquer que sejam)
sistematizados em classes coordenadas ou subordinadas, segundo critérios
previamente escolhidos.
Classificar é, em resumo, descrever os fenômenos classificados a partir de
pontos de vista diferentes. Em última análise, classificar é simular uma nova
organização dos fatos para permitir conhecer mais sobre eles.Já se viu que
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classificar é analisar. Mas, classificar também é hierarquizar e organizar, re-
hierarquizar e reorganizar os elementos de um conjunto até que se possa
aprender com isso alg sobre auele conjunto e seus comonentes.
O procedimento classificatório exige que se situem alguns objetos
classificados em níveis diferentes de importância ou se declare que merecem
prioridade sobre os demais.
Dois conceitos-chave para a compreensão do processo lógico de classificar
são a coordenação e a subordinação (que já foram mencionados
anteriormente), no caso, a coordenação taxonômica e a subordinação taxonômica.
Coordenação taxonômica a relação entre elementos situados na mesma
ordem na hierarquia de uma estrutura (por exemplo, a coordenação
taxonômica se manifesta nas relações entre os componentes de mesmo nível
da classificação, como os gêneros ou as espécies). é bastante comum que
se possa identificar uma relação de coordenação (ou outra que lhe seja
análoga) entre os elementos de muitos outros tipos de sistema.
Subordinação é um tipo de relação entre os elementos de uma estrutura de
tal modo que um deles é dependente de outro, como uma extensão sua. A
subordinação taxonômica presume uma relação análoga entre os conceitos
classificados em ordens diferentes da hierarquia taxonômica, pela qual o
subordinado está contido no que lhe é superior. O essencial na subordinação
é que o subordinante inclui o subordinado. A subordinação é um tipo de
relação entre as pessoas (inclusive ou principalmente seus papéis e status)
que implica em uma dissimetria no relacionamento e em sua comunicação.
Subordinação taxonômica é um tipo de relação entre os elementos de uma
estrutura de tal modo que um deles é dependente de outro, como uma
extensão sua. A subordinação taxonômica presume uma relação análoga
entre os conceitos classificados em ordens diferentes da hierarquia
taxonômica, pela qual o subordinado está contido no que lhe é superior. O
essencial na subordinação é que o subordinante inclui o subordinado.
Nas ciências sociais e humanas subordinação é um tipo de relação entre
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pessoas como atores sociais (inclusive ou principalmente seus papéis e
status) que implica em uma dissimetria hierárquica no sistema social em que
coexiste que influi no seu relacionamento e em sua comunicação com o
demais.
Na administração pública, o funcionário superior (que também pode ser
chamado ator ou agente social subordinante) desfruta da capacidade de
exercer qualquer função administrativa de seu subordinado (mas não uma
função técnica que seja prerrogativa de uma das profissões ou ocupações
regulamentadas legalmente. Este fato parece muito importante de ser
conhecido especialmente na área da saúde onde existe tanta intrusão
profissional). Noutros casos,a não ser que haja proibição legal expressa, no
serviço público, o chefe pode avocar matéria administrativa atribuída a
subordinado seu e dar-lhe solução, quando avoca a si um processo, por
exemplo.
Classificar é uma modalidades especial de sistematizar a descrição e, por isti,
também é um tipo particular de análise. O processo mental de classificar um
conjunto qualquer de coisas concretas, de coisas abstrata ou informações
consiste no emprego dos procedimentos lógicos elementares, especialmente
a análise e da comparação por seriação, para facilitar o conhecimento ou
organizar o trabalho mental de extrair o saber da natureza; e isto, é um
procedimento que se dá no enriquecimento do conhecimento pela
reelaboração da descrição, tanto no conhecimento vulgar, quanto no
conhecimento científico, no qual desempenha papel muito destacado. Toda
classificação, quaisquer que forem os objetos classificados e quaisquer que
forem os critérios de classificação que se empregue nela, se dá pela
subdivisão de conceitos ou categorias lógicas mais complexos em seus
componentes de menor complexidade, a partir de um critério preestabelecido
que os reúna em grupos mais ou menos homogêneos em função do critério
empregado.
O processo de classificar tem sido, talvez, o instrumento mais importante
para transitar da singularidade para a generalidade, passando pela
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particularidade. Afinal, conhecer é, em primeiro lugar, poder singularizar,
particularizar e generalizar cada vez com maior alcance e maior exatidão.
Recordando que, do ponto de vista da quantidade, as coisas e os conceitos podem ser divididos nas seguintes categorias: o geral (que reúne todo o universo considerado); o particular (que engloba todos os componentes deste universo que ostentem uma qualidade comum); e a singularidade (ou especificidade que se refere a um único daqueles componentes).
Super-simplificando, pode-se afirmar que, na estrutura lógica do
conhecimento, a evidenciação precede e prepara a descrição, que precede e
prepara a conceituação, que precede e prepara explicação, que enriquece a
conceituação, que precede e prepara a definição e que a definição pode
sempre ser modificada sempre que os conhecimentos que a originaram
forem mudados.
Essa cadeia lógica de fenômenos cognitivos em interação põe em evidência
a unidade do processo de conhecer, unidade na qual se articulam diferentes
processos, mas que não pode ser entendida como uma seqüência mecânica
de fases que se sucedem, mas como a articulação extremamente dinâmica
de diferentes momentos de um desenvolvimento vivo; momentos que se
estruturam mais ou menos simultaneamente, exercendo, cada um deles,
permanente influência sobre os demais, enquanto sofre sua influência
(demonstrando sua interação sistêmica). O caráter sistêmico das
classificações reflete a sistematicidade das coisas classificadas.
Não se pode deixar de destacar, nesta construção cognitiva, a interconexão
de todos os seus momentos de maneira dinâmica, evolutiva e
permanentemente em desenvolvimento. Ao mesmo tempo que reflete a
unidade dos conceitos e das coisas que eles representam. Enquanto que, no
interior de cada conceito, se manifesta a unidade de sua dimensão subjetiva
(a idéias) e da objetiva (a palavra). Esta elaboração interessa indistintamente
a todos os tipos de conhecimento (vulgar, científico e filosófico) porque, como
já se afirmou, não se diferenciam por sua estrutura cognitiva, mas pelo
alcance de sua generalização, confiabilidade e validade.
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A Classificação no Conhecimento Vulgar
A classificação não é instrumento cognitivo exclusivo da ciência e da filosofia.
Ao contrário, é muito empregado há muito tempo na elaboração do
conhecimento comum; usada mais ou menos automática, inconsciente e
involuntariamente para permitir perceber, entender e fixar melhor as coisas, o
que se necessita conhecer ou explicar. Quando se estuda a história do
pensamento humano e de suas conquistas, constata-se que a classificação
tem sido extremamente importante na evolução do conhecimento geral e o
das ciências médicas, em particular, porque é uma das maneiras mais fáceis
de obter a conceituação e a explicação através da descrição e re-descrição
sistemáticas.
No processo espontâneo de conhecer o mundo, característico do
conhecimento vulgar, agrupam-se as coisas sejam pessoas, objetos ou
fenômenos, em grupos que compartilham estruturas, componentes ou
características comuns - as classes, de modo a poder raciocinar sobre elas
integrando uma unidade lógica; desde então, no processo de pensar, aquela
classe representa todos os indivíduos contidos nela. Este processo permite
identificar os iguais e a distinguir os diferentes, de modo possibilitar entender
melhor os que os integra ou exclui do conjunto.
A qualidade de buscar do que há de geral e de individual nas coisas, a
análise das relações entre as coisa e suas características, que vem a ser
procedimento essencial na elaboração do conceito, começa a ter importância
no estabelecimento de novas relações da coisa conceituada e na descoberta
de novos atributos seus, além da identificação de suas qualidades mais
importantes (principalmente aquelas que forem reconhecidas como as mais
gerais e mais essenciais aos objetos ou fenômenos conceituados), o que irá
permitir a estruturação dos conceitos. Pois, o conceito se inicia na
identificação de uma característica descritiva mais essencial e mais geral,
retirada dos dados da descrição individual e que passa a representar a coisa
conceituada.
A reunião de objetos em classes (grupos homogêneos) caracterizados pela
17
presença ou ausência de um traço comum, tomado como critério de
sistematização, é um procedimento intelectual que, na maioria da vezes, se
pratica mais ou menos automática e mais ou menos inconscientemente,
sempre que se tem que lidar com coletividades. O pensamento inteligente,
desde a construção dos conceitos e juízos, inclui o procedimento
classificatório em sua estrutura em seu seu elenco de possibilidades
metodológicas. . E o exercício da linguagem também; pois, seria impossível
empregar critérios abstratos para analisar e classificar se este processo não
fosse estruturado pela linguagem, se não se tratasse de uma estrutura lógica
verbalizada. Além disto, o processo classificatório, é um procedimento
fundamental para superar o momento descritivo do conhecimento e promover
seu ingresso no momento explicativo por meio da capacidade de generalizar.
O conceito de classe é extremamente abrangente e dotado de imensa
possibilidade de generalização. Contudo, por este motivo torna-se impreciso
e deve ser usado com cuidado na linguagem científca, Seus muitos sentidos
tornam-no imprestável para o emprego em Filosofia da ciência, a não ser que
seja definida a exata conotação com a qual se apresenta em cada caso e em
um determinado contexto. Por isto, é muito comum que seja empregado
adjetivado, como em classe social, classe econômica, classe taxonômica,
entre outros sentidos. Pessoa instruída não emprega o conceito de classe
sem que sua adjetivação seja óbvia, ainda que possa não estar explícitada.
Classificação, Elo da Descrição, Conceituação e Explicação
A classificação é um instrumento inteligente que permite libertar o
conhecimento da imobilidade da descrição e possibilita-lhe conhecer melhor
as coisas do mundo por meio da descoberta da sua explicação. Tanto no
conhecimento comum, quanto no conhecimento científico, a classificação
pode ser usada como instrumento da superação da descrição e surgimento
da explicação. Na dialética do conhecimento, a explicação costuma nascer
da descrição e o momento descritivo da cognição faz surgir o momento
explicativo. O rearranjo dos componntes de um sistema permite entender
melhor as possíveis relações que etretenham entre si.
18
A classificação pode ser usada tanto como instrumento do conhecimento
comum, quanto do conhecimento científico, como ecurso que possibilita a
superação da descrição e surgimento da explicação. Na dialética do
conhecimento, a explicação costuma nascer da descrição e o momento
descritivo da cognição faz surgir o momento explicativo.
Com o emprego da descrição, da classificação e da análise, na medida em
que o conhecimento sobre uma categoria de coisas evolui e se amplia, o
processo cognitivo de classificar vai deixando de empregar critérios
descritivos (relacionados com sua forma e aparência) e passa a empregar
critérios explicativos, sobretudo genéticos (que explicam sua origem, sua
etiologia e sua patogenia, no caso dos fenômenos mórbidos); as indicações,
o mecanismo de ação e os risco de emprego,no caso dos agentes
terapêuticos.
Descrição, conceituação e explicação são procedimentos cognitivos
progressivamente estruturados e complexos que estão em permanente
interação, retro-alimentando-se e se aperfeiçoando mutuamente. Como
resultado da descrição, da conceituação e da explicação, os conhecimentos
se desenvolvem como uma espiral ascendente, na qual, cada patamar
resulta dos anteriores e, simultaneamente, os enriquece, enriquecendo a si
mesmo com isto. Existe, portanto, interação, reciprocidade e inter-relação
permanentes neste sistema em permanente desenvolvimento que é o
conhecimento. Um dos meios pelos quais se dá (e que alimenta) esta
interação permanente é a classificação, o que confirma o caráter sistêmico do
conhecimento.
Mesmo na construção do conhecimento comum, o processo classificatório
talvez seja o procedimento inteligente mais importante e mais comum para
permitir cultivar essa interação dinâmica e torna o procedimento cognitivo
mais eficaz. Ao contrário do que muitos pensam a classificação não é apenas
um instrumento para o aperfeiçoamento cognitivo da descrição (porque,
inicialmente, a classificação como que unifica a conceituação e a descrição
promovendo seu mútuo enriquecimento); noutro pólo deste processo, a
19
classificação permite ao conhecimento analítico-descritivo passar a sintético-
explicativo. Por isto, pode-se dizer que a descrição precede e prepara a
explicação; e que o momento descritivo do conhecimento deve anteceder ao
momento explicativo, mas se enriquece e se sofistica com ele.
A classificação não é apenas um instrumento para o aperfeiçoamento
cognitivo da descrição (porque, inicialmente, a classificação como que unifica
a conceituação e a descrição promovendo seu mútuo enriquecimento).
Noutro pólo deste processo, a classificação permite ao conhecimento
analítico-descritivo passar a sintético-explicativo e esta é sua função mais
importante como recurso para conhecer e aperfeiçoar o conhecimento. Por
isto, pode-se dizer que a descrição precede e prepara a explicação; e que o
momento descritivo do conhecimento deve anteceder ao momento
explicativo, mas se enriquece e se sofistica com ele. Como se pode
reconhecer na história do amadurecimento da Biologia com a classificação de
Lineu e na Química, com a classificação dos elementos de Mendeleiev.
Embora o processo classificatório seja essencial para a elaboração, o
desenvolvimento e o manejo dos conceitos, mesmo do senso-comum, não se
deve supor que a classificação como instrumento cognitivo se limite a ser um
procedimento construtivo exclusivo do conhecimento vulgar, do senso
comum. Pois, os procedimentos classificatórios são muito utilizados na
construção do conhecimento científico, porque permitem a divisão de um
contingente de objetos ou fenômenos, contidos em um conceito mais
abrangente, em outros conjuntos menos abrangentes ou, mesmo, em
indivíduos, de acordo com algum critério pré-estabelecido que predefina cada
um destes indivíduos, grupos ou séries encontrados. O critério que reúne
cada um desses sub-conjuntos permite identificar um traço característico seu.
Classificação e Conhecimento Científico
A classificação não é apenas um instrumento para o aperfeiçoamento
cognitivo da descrição (porque, inicialmente, a classificação como que unifica
a conceituação e a descrição promovendo seu mútuo enriquecimento).
Noutro pólo deste processo, a classificação permite ao conhecimento
20
analítico-descritivo passar a sintético-explicativo e esta é sua função mais
importante como recurso para conhecer e aperfeiçoar o conhecimento. Por
isto, pode-se dizer que a descrição precede e prepara a explicação; e que o
momento descritivo do conhecimento deve anteceder ao momento
explicativo, mas se enriquece e se sofistica com ele. Como se pode
reconhecer na história do amadurecimento da Biologia com a classificação de
Lineu e na Química, com a classificação dos elementos de Mendeleiev.
O procedimento classificatório é um instrumento cognitivo bastante eficaz em
qualquer dos campos do conhecimento porque possibilita ampliar e
reelaborar qualitativamente aquilo que se sabe sobre as entidades individuais
contidas nas totalidades coletivas e, por isto mesmo, igualmente saber cada
vez mais sobre as totalidades que contêm aqueles indivíduos. Embora se
empregue muito a classificação no conhecimento comum, ela tem sido
superlativamente importante para o desenvolvimento do conhecimentos
científico.
Classificação e Conhecimento Científico
Embora o processo classificatório seja essencial para a elaboração,
desenvolvimento e manejo dos conceitos, mesmo do senso-comum, não se
deve supor que a classificação como instrumento cognitivo se limite a ser um
procedimento construtivo exclusivo do conhecimento vulgar, do senso
comum. Pois, os procedimentos classificatórios são muito utilizados na
construção do conhecimento científico, porque permitem a divisão de um
contingente de objetos ou fenômenos, contidos em um conceito mais
abrangente, em outros conjuntos menos abrangentes ou, mesmo, em
indivíduos, de acordo com algum critério preestabelecido que predefina cada
um destes indivíduos, grupos ou séries encontrados.
A história do conhecimento científico mostra o quanto os procedimentos
classificatórios foram importantes para o desenvolvimento das ciências
naturais. A tábua periódica do elementos químicos elaborada por Mendeleiev
e a classificação dos seres vivos por Lineu constituíram o marco fundamental
da modernização da química e da biologia. As classificações científicas
21
assinalam o ápice e a ultrapassagem da fase analítico-descritiva de uma
ciência e seu ingresso no estágio dedutivo-explicativo. A classificação,
enquanto instrumento do conhecimento científico, denomina-se classificação
heurística e preditiva. O que só acontece dentro de determinadas condições.
As classificações podem ser simples ou complexas; podem traduzir de forma
melhor ou pior as relações entre as coisas que ordenam; podem ser úteis ou
inúteis para algum fim determinado; ou podem ser eficazes ou ineficazes, na
medida em que podem ser frutíferas ou estéreis em uma dada direção, como
por exemplo, a construção do conhecimento científico (no caso das
classificações heurísticas) ou outra finalidade qualquer (no caso das
classificações utilitárias, como as catalogações). Uma classificação pode ser
tecnicamente bem construída ou pode ser uma tolice taxonômica. Pode
atender às exigências de uma boa classificação ou não. Pode ser utilitária ou
científica. O que não pode é ser utilitária, artificial e heterogênea e pretender
ser um instrumento científico.
Quando se estuda a construção do conhecimento científico, verifica-se que
as únicas modalidades de classificação utilizáveis produtivamente na
elaboração e no desenvolvimento do conhecimento científico são naturais e
homogêneas.
O procedimento classificatório que considera cada elemento caracterizável
por si mesmo como uma categoria taxonômica independente em relação às
demais, é a classificação conceitual ou categorial. Isto é, é uma classificação
que ordena seus elementos como se cada um deles fosse qualitativamente
diferente dos demais. Pois, seu critério classificatório produz este resultado.
Nas classificações, por isto mesmo chamadas conceituais ou categoriais,
porque cada um de seus níveis taxonômicos pode ser mencionado como um
conceito particular, cada um destes subconjuntos obtidos pelo emprego deste
procedimento, deverá ser uma unidade conceitual por si mesma, definível e
reconhecível por suas próprias características. Estas classificações
categoriais se diferenciam das dimensionais, nas quais cada entidade
taxonômica é um momento ou uma dimensão da totalidade considerada
22
como um continuum indivisível, a não ser convencionalmente.
Para PLATÃO classificar consiste em distribuir as qualidades de uma
totalidade por uma hierarquia de classes, formando como que uma espécie
de “rede” de conhecimentos, à semelhança de uma árvore que, através de
seus galhos, fosse se desdobrando e se simplificando à medida em que
passasse de um nível para outro. CAIO PRADO Jr., 1 expõe as duas
maneiras opostas pelas quais as pessoas tentam conhecer a realidade.
A primeira, se inicia na identificação dos indivíduos isolados, caminhando
para identificar que grupos homogêneos podem ser formados com estes
elementos, que devem ser reunidos, depois, para fazer descobrir suas
relações com os demais e, assim, conhecer a constituição da totalidade. A
busca do conhecimento sobre o todo a partir do que se sabe sobre seus
componentes particulares e sobre seus elementos, suas partes individuais.
Na segunda maneira de se buscar o conhecimento da realidade, considera-
se antes que tudo a existência da unidade da totalidade e, depois, estuda as
relações existentes dos conjuntos em seu interior para chegar ao
conhecimento dos indivíduos e à individualidade, (aquilo que caracteriza cada
indivíduo ou espécime).
Uma das características do processo cognitivo filosófico chamado método
dialético é que ele dirige o espírito para o conhecimento da individualidade
através do estudo da totalidade, do conhecimento da particularidade através
do estudo da generalidade e do indivíduo isolado através da investigação de
suas relações com os demais e com o mundo. O que se combina com a
concepção sistêmica do mundo e do conhecimento que se tem sobre ele.
Parece equívoco cognitivo se prender a uma destas abordagens parciais e só
aparentemente antinômicas, quando se pode empregar dialeticamente as
duas.
Em um grande número de ciências, como a Biologia (com a classificação de
LINNEU), a Química (com a classificação de MENDELEIEV) e a Patologia
1 Prado Jr., (Notas Introdutórias à Lógica Dialética, Ed Brasiliense)
23
(com as numerosas classificações de patologias elaboradas nos dois últimos
séculos), por exemplo, o procedimento classificatório sistematizado forneceu
os elementos cognitivos necessários para o seu desenvolvimento científico,
permitindo-lhes passar da fase analítico-descritiva à hipotético-explicativa, da
indutiva à dedutiva no processo de desenvolvimento e maturidade científica.
Praticamente todos os ramos da Medicina, sobretudo na clínica, tiveram o
momento decisivo de sua evolução de atividade empírica para atividade
científica na classificação de sintomas, de síndromes, de modos de evolução,
de tipos de início ou terminação, de resposta terapêutica das patologias que
constituíam seu objeto de atenção.
Quando analisadas como procedimentos cognitivos, científicos ou não, se
constata que as classificações podem ser criações heurísticas, instrumentos
mais ou menos artificiais do conhecimento. Isto é, as classificações são
artifícios cognitivos criados para facilitar ou ampliar o conhecimento que se
tenha sobre as coisas classificadas. Dessa forma se assemelham à
identificação e à nominação de um ente qualquer na experiência cognoscente
de alguém. Por isso as classificações são essencialmente diferentes dos
conhecimentos provenientes diretamente das descobertas das coisas da
natureza. Porque não são objetos naturais, são construções lógicas artificiais,
criações cognitivas, embora possam se referir a objetos naturais ou tê-los
como objetos. Ao empregar qualidades essenciais das coisas como critério
norteador da classificação, o classificador as identifica como tais. Ao
descobrir seu caráter essencial, descobre o que há de mais importante sobre
ela.
Este é um aspecto que deve ser destacado neste assunto, as classificações
podem se referir a entes naturais, reais ou a entidades abstratas. Quando,
por exemplo, se agrupam um conjunto de pessoas levando em conta sua
escolaridade, tal procedimento resulta de um artifício, mas reúne indivíduos
reais e um conjunto taxonômico real.
Objetivos das Classificações
Como instrumento cognitivo, particularmente como instrumento do
24
conhecimento científico, as classificações costumam ter dois objetivos gerais
destacados: = a) instrumento de conhecimento (finalidade heurística), ou = b)
facilitar um trabalho que exija a mobilização de um conjunto mais ou menos
complexo ou uma série mais ou menos extensa (finalidade prática ou
utilitária)Sem esquecer que cada classificação específica ou cada conjunto
particular de classificações costuma ter seus próprios objetivos (específicos e
particulares) que sempre exercem influência em seus resultados. A
transformação das classificações científicas em instrumentos do
conhecimento científico depende muito de sua objetivação. Isto é, de sua
libertação dos propósitos subjetivos de quem as elabora ou emprega.
Em geral, as classificações podem ter duas finalidades principais:
- a finalidade heurística (instrumento do conhecimento, principalmente
do conhecimento científico) ou
- a finalidade pragmática (ter uma finalidade útil qualquer).
Baseando-se na finalidade para a qual foi elaborada, as classificações
naturais e homogêneas podem ser:
- classificações heurísiticas e
- classificações pragmáticas.
Do ponto de vista da descrição como instrumento de cientificidade, o objetivo
da ciência é criar uma classificação que tenha a possibilidade de ser um bom
instrumento cognitivo, na medida em que seus critérios produzam
sistematizações que correspondam, representem ou reflitam o mais fielmente
possível as coisas classificadas, tal como elas existem na natureza, na
sociedade, no homem ou no pensamento lógico.
A despeito de poder sistematizar entes naturais, a classificação não é ela
mesma, uma coisa natural. Mas, como acontece com qualquer procedimento
descritivo, na medida em que empregue como taxa atributos essenciais e
reais da coisa classificada, permitem conhecer mais e melhor esta coisa.
As classificações são artefatos cognitivos e culturais, construções lógicas.
25
Por isto, não há classificações certas ou erradas, assim como não há nomes
certos ou errados para as pessoas, objetos e acontecimentos, embora possa
haver descrições ou conceituações falsas ou a atribuição de nomes falsos a
quem já os tem diferentes.
Classificação e Evolução Científica
Nem todas as disciplinas da ciência compartilham a mesma origem, as
ciências podem se originar de dois processos que podem ser denominados
de processo geração primário e processo gerador secundário.
No primeiro caso, uma nova disciplina científica provém do aperfeiçoamento
do conhecimento comum sobre um aspecto do mundo e finda por adquirir
estatuto científico, por satisfazer as exigências de cientificidade.
A Psicologia surgiu assim. Como um ramo da Filosofia que se desprendeu de seu tronco original. A Anatomia se originou do conhecimento prático sobre o corpo humano.
No segundo caso, a institucionalização de uma disciplina científica resulta da
divisão de uma outra ciência já reconhecida, pela subdivisão de seu objeto.
Como aconteceu com as diversas disciplinas científicas originadas da
Química, da Física ou da Matéria Médica.
A Matéria Médica era a ciência médica que tratava dos remédios e tratamentos. Dividiu-se em Farmacologia, Farmacognosia, Farmacodinâmica, Terapêutica.
Uma nova ciência pode provir do aperfeiçoamento do conhecimento comum
sobre um aspecto do mundo ou pode resultar da divisão de uma outra ciência
já reconhecida, pela sub-divisão de seu objeto. No primeiro destes
processos, uma ciência pode surgir naturalmente, pelo acúmulo mais ou
menos gradual de conhecimentos e de meios de conhecer referentes a um
objeto específico, o objeto daquela ciência.
Neste caso, a atividade científica se inicia pelo processo de nomear os
objetos e fenômenos mais evidentes em seu campo de interesse e vai se
acumulando um patrimônio de conhecimentos; este patrimônio se desenvolve
ampliando-se o número de coisas conhecidas e aumentando o conhecimento
26
que se tem sobre elas, até que se obtenha um acervo mínimo de conceitos,
categorias, juízos e leis que versem sobre os objetos e fenômenos existentes
na área do mundo que é tida como o objeto daquela ciência, sua massa
crítica de informações científicas.
Pela segunda maneira, o surgimento de uma ciência pode resultar, como que
por cissiparidade, de outra pré-existente, tendo herdado sua maturidade
cognoscitiva e metodológica da ciência mãe. Quando os conhecimentos de
uma ciência se avolumam e se aprofundam, ela tende a se dividir, como
sucedeu com a física e a química. Neste caso, a ciência original cresce muito
em seu conteúdo e o acúmulo resultante obriga à sua divisão em duas ou
mais outras, de forma a tornar aquele campo do conhecimento alcançável por
seus cultores.
Os procedimentos clássicos de qualquer ciência (entendida como
buscasistemática de conhecimento fidedigno e válido), se iniciavam no
reconhecimento preliminar das características dos objetos e fenômenos
componentes daquele segmento da natureza que pretendessem estudar (a
evidenciação e o momento descritivo). Este, que é o momento inical de todo
conhecimento, mesmo vulgar, foi o método que quase toda atividade
científica, ao menos em seus primeiros passos, empregou para a
identificação de entidades ou individualidades singulares.
LINEU, MENDELEIEV e PINEL exemplificam quanto um processo classificatório natural pode servir ao desenvolvimento de uma ciência em fase inicial, ajudando-a a se libertar do momento contemplativo e passar ao experimental.
Algumas atividades científicas chegaram a se iniciar pela tarefa de classificação, como aconteceu com a biologia que se estruturou como ciência moderna a partir da classificação de LINEU que reuniu a sistematização e a nominação.
Na história das ciências, o termo do momento da conceituação, que está
sendo chamado aqui de conceituação nominativa, nominação, designação ou
notação, inicialmente descritivo, é o que caracteriza e evidencia o nascimento
de uma disciplina científica (porque não pode haver disciplina científica sem
que este momento se tenha cumprido).
27
No processo de conhecer, o momento da nominação ou nomenclatura deve
ser seguido pela fase de classificação; fase que corresponde ao momento
analítico-descritivo daquela atividade (científica ou não), uma vez que o
conhecimento científico nunca se referem a objetos ou acontecimentos
isolados, mas sempre a classes de objetos ou fenômenos, porque o
procedimento científico de classificar permite conhecer mais sobre as
relações dos entes classificados entre si e, assim, aperfeiçoam o
conhecimento que se tem sobre eles. E, assim, o conhecimento passa do
meramente descritivo ao explicativo.
A descrição precede a explicação e é essencial para ela.
É exatamente por isto que, em um momento posterior do processo cognitivo,
quando o momento analítico-descritivo já tiver frutificado suficientemente, virá
o momento de pesquisa das definições genéticas ou a fase explicativo-
dedutiva (como se poderá ver logo adiante, quando se tratar da explicação e
da definição).
Considera-se o momento evolutivo analítico-descritivo como um estágio
menos desenvolvido cognitivamente da atividade científica do que o
explicativo-dedutivo, porque suas possibilidades heurísticas e preditivas são
nitidamente menores, como será evidenciado adiante. Realmente, mesmo do
ponto de vista do senso comum, explicar é muito mais importante do que
descrever. Porque não se conhece realmente, algo que não possa ser
explicado.
O instrumento cognitivo classificatório pode ser um meio eficaz para superar
o momento analítico-indutivo-descritivo e ingressar no momento sintético-
dedutivo-explicativo, como aconteceu na história de numerosas ciências,
inclusive a Psicopatologia quand do seu surgimento no início do século XX.
Porque a classificação completa a descrição, permite conceituação cada vez
mais adequada e propicia o aparecimento da explicação pela seleção dos
componentes cadavez mais essenciais.
A necessidade de se delimitar (e ter definido da melhor maneira possível) o
mundo de coisas a ser classificado é um aspecto preliminar que interessa a
28
todo conhecimento, inclusive ao diagnóstico e permite sua tipificação. Da
mesma maneira que é necessário definir, o melhor possível, cada patamar
classificatório obtido neste processo. No caso do conhecimento das
enfermidades, o diagnóstico vem a ser um destes patamares particulares -
descritivo, no diagnóstico sindrômico e explicativo, no diagnóstico nosológico.
O diagnóstico é um tipo de reconhecimento e se caracteriza por seu objeto ou por sua técnica, por exemplo, o diagnóstico radiológico.
Mais recentemente surgiu um procedimento diagnóstico caracterizado pela atividade do profissional que o executa, o diagnóstico de enfermagem (o diagnóstico dos cuidados especificamente de enfermagem que um paciente apresente. Procedimento que tem sido construído para fazer amadurecer o estatuto profissional dessa profissão.
O diagnóstico medico é um procedimento de reconhecimento do objeto de
trabalho ou caso profissional médico, que tem por objetivo a identificação das
patologias visando quatro objetivos: a) permitir comunicação sobre aquela
entidade; b) explicar sua etiologia e mecanismo patogênico; c) fundamentar a
terapêutica, programas de reabilitação e outros cuidados e, finalmente, d)
possibilitar o prognóstico. O diagnóstico deve ser a identificação das
condições de um doente que sintetize suas necessidades e possibilidades de
cuidados. O diagnóstico médico não é um diagnóstico feito por médico, mas
o diagnóstico a serviço da Medicina (ciência específica da qual saíram muitas
outras, inclusive muito do que é científico nelas).
Os nomes das coisas conhecidas vão se enriquecendo de significado à
medida que se conhece mais sobre elas. Isso ocorre em qualquer nível do
desenvolvimento do processo de construção do conhecimento. Em cada um
deles, os conceitos expressos pelos vocábulos denominadores (ou outros
símbolos que se usem para expressar os fenômenos ou objetos a conhecer,
desde os mais simples aos mais complexos,) serão tão mais eficazes como
instrumento de comunicação e de conhecimento quanto mais exatamente
refletirem as qualidades mais essenciais daquele objeto ou fenômeno a que
se referirem.
Analogamente, a organização sistêmica destes conceitos em uma
classificação que leve em conta as exigências de unidade, totalidade e,
29
sobretudo, de inter-relações sistêmicas, será tão melhor, quanto mais sua
organização for determinada a partir de um táxon que reproduza um
elemento essencial da existência natural das coisas classificadas. Porque,
em uma classificação natural, o objetivo não é inventar uma nova ordem ou
disposição para as coisas naturais, mas ensaiar ou simular muitas, para
descobrir aquela que (ao menos aparentemente) reflita mais fielmente sua
existência real (na natureza, na sociedade ou no pensamento) para os fins
que se pretende.
Principalmente porque, em uma classificação natural, o objetivo não é inventar
uma nova ordem ou disposição para as coisas naturais, mas ensaiar ou
simular muitas, para descobrir aquela que (ao menos aparentemente) indique
ou reflita mais fielmente sua existência real (na natureza, na sociedade ou no
pensamento) para os fins que se pretende. Isto porque, de certa maneira,
quando se classifica, e se ressistematiza, muda-se a ordem natural ou não
das coisas, ordem à qual estão habituados nossa percepção, nosso
julgamento, nossas representações e as noções mais ou menos
estereotipadas que se tem sobre aquele conjunto e mudar, sobretudo, os
paradigmas conceituais sobre as coisas que existem fora ou no interior dele,
para rearranjá-los de maneira diversa, empregando para este rearranjo um
critério classificatório que reordene as coisas segundo outro parâmetro; um
exercício de fazer-de-conta, de simular como seria se ..., ou como seria se não ...
O critério classificatório é a noção diretora que preside esta re-arrumação no
plano verbal. Porque tem esta qualidade de substituir a experiência da
diferença, para suprir a necessidade de imaginar o que poderia acontecer
diante de determinadas circunstâncias, é que o procedimento lógico de
classificar desempenha papel tão importante na edificação do saber, na
aquisição do conhecimento sobre o mundo. De certa forma, portanto,
classificar é simular uma reordenação do mundo conhecido que faça sentido,
é mudar a perspectiva de apreciação, é transformar descrição em explicação
e, por isto, mudar quantidade em qualidade.
As classificações são instrumentos descritivos por excelência, é verdade.
30
Mas também é verdade que são instrumentos científico da busca da
explicação. Ainda que sejam instrumentos cognitivos relativamente toscos e
primitivos, crendo-se que sejam abandonados depois de cumprirem suas
finalidades, quando o conhecimento da ciência que necessita delas
ultrapassar este momento inicial e entrar em uma fase explicativa e
qualitativa, dispondo de recursos mais sofisticados para criara e investigar
hipóteses.
A despeito disto, por enquanto, as ciências que se encontram na fase análitico-descritiva de sua evolução têm que se conformar com seu uso. Isto coloca uma contradição dentro da Medicina, entre as ciências mais maduras e as menos desenvolvidas, ainda que estejam na mesma área de conhecimento, como a psicologia social, a psicopatologia ou, mesmo, a clínica, quando comparadas com as neurociências e com a neuropsicofarmacologia.
Noutro plano, como mostra MOLES, 2 a direção do trabalho das
classificações busca uma ordenação qualitativa das coisas classificadas, pois
a classificação que poderia ser tida por ótima, seria qualitativa. O que coloca
esta técnica de descrição em confronto com a tendência atual da ciência que
é claramente quantitativa. Neste momento, caracterizado pelo reviver do
positivismo, mais voltada para um mundo de tipos que para um mundo de
relações.
Este é um dado curioso pouco entendido (ou desentendido) por muitos que
estudam epistemologia. A classificação que foi, inicialmente, um instrumento
positivista e meramente descritivo, hoje pode ser um recurso dialético e
sistêmico de explicar por causa de sua tendência a identificar os dipolos
dialéticos e estudar suas relações.
Este é um dado curioso pouco entendido (ou desentendido) por muitos que estudam epistemologia. A classificação que foi, inicialmente, um instrumento positivista, hoje pode ser um recurso dialético por causa de sua tendência a identificar os dipolos dialéticos e estudar suas relações.
CLASSIFICAÇÃO DAS CLASSIFICAÇÕES
O conhecimento das classificações, como o de qualquer outro objeto
cognoscente, pode e deve se beneficiar da aplicação do método
2 Moles, A., A Criação Científica, ed. Perspectiva, S.Paulo, 1971, p.134.
31
classificatório em sua elaboração e avaliação como procedimentos
cientificamente reconhecidos. Tendo em vista esta consideração, as
classificações podem ser classificadas de várias maneiras, principalmente na
dependência de seu propósito.
As modalidades mais conhecidas de classificação são as seguintes:
= simples e complexas,
= categoriais e dimensionais,
= naturais e artificiais,
= homogêneas e heterogêneas,
= heurísticas e utilitárias.
Adiante dar-se-á uma breve notícia sobre cada um destes tipos.
Classificações Simples e Complexas
Uma classificação pode ser considerada como simples quando qualquer um
de seus patamares classificatórios contenha três ou menos elementos.
Porque esta parece ser a quantidade máxima com a qual o pensamento
humano trabalha com facilidade. A partir desta marca, a classificação começa
a ser considerada complexa até se tornar ininteligível, mesmo por um sábio.
A classificação mais simples possível, que se baseie em um único táxon ou
princípio organizador, é chamada classificação monotética. Quando se baseia
em muitas variáveis (ou critérios classificatórios) este tipo de taxonomia deve
ser denominado classificação politética.
O valor científico e pragmático de uma classificação se inicia em sua
simplicidade. Quanto mais simples, melhor.
Classificação Natural e Artificial
As classificações também podem ser ordenadas levando-se em conta
numerosos outros critérios de sistematização. Entretanto, para reconhecer as
classificações naturais deve se usar como critério, a essencialidade de seu
táxon em relação aos elementos do universo classificado e sua
32
homogeneidade como sistema lógico, porque este é o critério que pode ser
considerado mais importante na inestigação científica em Medicina.
Provavelmente, do ponto de vista da Filosofia da ciência, a maneira mais útil
de classificar as classificações seja pela natureza de seu critério
classificatório, como se viu atrás, e este critério permite dividi-las em
classificações naturais (quando seu táxon é uma propriedade essencial do
fenômeno classificado) e classificações artificiais (quando a escolha de seu
critério classificatório decorre do objetivo da classificação e não represente
uma característica essencial das coisas classificadas), ainda que estas
designações sejam muito criticáveis.
Para alguns autores as classificações naturais devem ser chamadas
hierarquizadas e as artificiais, não hierarquizadas. Esta denominação não
parece correta por que a hierarquização ou a não hierarquização não é a
característica mais essencial destes tipos de classificação, embora as
classificações naturais tendam a retratar a hierarquização da natureza.
Por outro lado, há quem afirme que uma classificação é hierarquizada quando cada nível representar um grau assinalado por um traço essencial seu, que o caracterize como indivíduo, espécie, gênero, família, classe. Na verdade, seria muito mais lógico pretender que uma classificação fosse hierarquizada quando nela se estabelecerem relações de subordinação entre seus elementos; mas, mesmo nesta eventualidade, melhor seria falar em relações taxonômicas hierarquizadas que em classificação hierarquizada.
Não se pode esquecer que, mesmo as classificações naturais, correspondem a construções heurísticas, a construtos que contêm, sempre, alguma artificialidade e que sua estabilidade temporal vai depender do significado da propriedade que houver sido eleita para táxon. Pois, nunca é demais que se repita, por mais concretos que sejam os objetos dos ordenados em uma classificação, o critério que for usado para sistematizá-los será sempre produto de uma abstração.
Na medida em que se conhece mais e mais alguma coisa, pode-se mudar aquilo que se considera como essencial nela. Daí porque, pode-se afirmar ser bastante possível que um atributo tido como o mais essencial de uma coisa ou processo, em um dado momento do conhecimento, não seja reconhecido assim, no momento seguinte; e que um traço tido como essencial de um certo ponto de vista, pode não ser de outro. Por tudo isto, seria melhor dizer classificação a partir do essencial e do acessório.
Não é demais repetir que unicamente as classificações naturais, isso é, aquelas que levem em conta atributos essenciais das coisas e dos
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processos estudados devem ser chamadas classificações científicas.
As demais, fundamentadas em características acessórias, são apenas classificações utilitárias. Pretender fazê-las científicas, revela incapacidade ou, simplesmente, uma conduta científica fraudulenta. Porque, muitas vezes, neste procedimento de ordenara e reordenar os elementos de um conjunto de coisas que suas características mais gerais e mais essenciais podem ser identificadas.
Classificação Homogênea e Heterogênea
As classificações podem ser construídas a partir de um ou de vários critérios
de classificação. Considerando-a uniformidade do critério em cada patamar
taxonômico, as classificações podem ser classificadas em homogêneas e
heterogêneas. Uma classificação rigorosa e completamente homogênea é
aquela que decorre do emprego de um único critério de classificação (táxon).
Contudo, por não haver qualquer necessidade de rigidez quanto a isto, uma
classificação pode ser considerada homogênea se todos os elementos
classificados em cada patamar taxonômico forem escolhidos pelo mesmo
táxon.
Por exemplo, um grupo de pessoas é classificada: no primeiro patamar pelo
sexo, no segundo pela idade, no terceiro pela escolaridade, no quanto pela
naturalidade. Esta classificação é homogênea. Já se forem classificadas
pelos sexo em um grupo masculino e um grupo feminino; o primeiro destes
grupos for ordenado pela idade e o segundo pela altura, já se tem um
excelente exemplo de classificação heterogênea. É isto que vem
acontecendo com as listas nosográficas contemporâneas (tanto as
classificações da associação psiquiátrica Americana, DSM, quanto a da
Organização Mundial da Saúde, CID/10). São programas nosográficos (e não
nosológicos) e heterogêneos.
Na CID/10 e nos DDSSMM, 3 a heterogeneidade compromete sua
cientificidade, embora não exerça, necessariamente influência sobre a
utilidade que se pretende de seu emprego na prática.
3 Todos os catálogos nosográficos produzidos pela Sociedade Americana de Psiquiatria, desde o primeiro DSM, são classificações heterogêneas e isto as invalida como instrumentos heurísticos e científicos, como mostram muitos autores que as estudaram como Henry Ey, por exemplo (Études Psychiatriques, vol. 3, p. 25).
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Nas classificações homogêneas, cada nível taxonômico é organizado
segundo o mesmo ou os mesmos critérios. Nas classificações heterogêneas,
diferentes critérios se misturam em cada um dos seus níveis, isto é, uma
classificação é chamada de homogênea quando emprega o mesmo táxon em
cada um de seus níveis. O emprego de mais de um critério classificatório em
cada nível resulta em classificações heterogêneas.
É muito difícil acreditar porque e como, instrumentos ideológicos tão obviamente falhos, como são estas listas nosográficas, acabam por se transformar em fontes de preparação de psiquiatras, no primeiro manual de psiquiatria em uso por estudantes e residentes. Na referência obrigatória da maioria dos programas formativos de especialistas que substituem os tratados mais detalhados por estes resumos.
Classificação Heurística (Natural) e Utilitária (Artificial)
As classificações heurísticas são aquelas cujo objetivo é ser instrumento do
conhecimento, enquanto que as classificações utilitárias se prestam
unicamente para ordenar pragmaticamente algumas coisas segundo o
interesse de quem o faz. A ordenação dos objetos e fenômenos em grupos
homogêneos em função de alguma característica comum é uma das
maneiras mais elementares de raciocinar e de ampliar o conhecimento sobre
as coisas.
As classificações empregadas como instrumento de conhecimento científico (as classificações, por isto mesmo, denominadas heurísticas), como já se viu, devem se iniciar pela descrição precisa e sistemática dos objetos ou fenômenos a classificar, o que se constitui no momento descritivo-analítico da classificação.
No momento cognitivo, a descrição torna-se um instrumento da classificação
e, ao mesmo tempo, seu resultado. Porque a classificação enriquece a
descrição, ao ponto de possibilitar a construção do conceito e a permitir inferir
explicações ou, o que é mais comum, possibilitar a construção de hipóteses
explicativas.
A classificação dos conceitos que simbolizam objetos ou fenômenos implica
na utilização simultânea de dois mecanismos: o de apreender o objeto (e,
assim, singularizá-lo) e o de estender seu conteúdo para outros conceitos
que partilhem aquele atributo com ele e com ele se identifiquem (de modo a
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coletivizá-lo).
Quando se dispuser de informações acerca da explicação do fenômeno ou
objeto que estiver sendo conhecido (ou seja, o essencial do conteúdo) dos
fenômenos classificados, a sistematização passa a se fundamentar em dados
explicativos (o momento analítico-explicativo).
Nenhuma classificação há de ser um instrumento científico satisfatório, se os
objetos ou fenômenos que ordenar não estiverem previamente bem
especificados; bem descritos; bem categorizados (ou conceituados) e, por
fim, bem explicados e definidos. Por tudo isto, a evidenciação, a descrição e
a nominação são os momentos mais precoces (ainda que integrados) da
elaboração subjetiva do conhecimento e a nomenclatura (seja de um conceito
descritivo ou explicativo) o primeiro patamar de uma ciência enquanto
sistema lógico reconhecido como científico. Sobretudo, não se deve confundir
uma classificação científica com a nomenclatura que pode e costuma ser
utilitária.
Classificar e Catalogar.
Uma classificação é chamada natural, quando seu critério classificatório é um
elemento essencial da estrutura que classifica e artificial (ou catalogação)
quando seu critério representa algum traço aciental ou característica
accessória das coisas classificadas. é importante ter sempre presente que
apenas as classificações homogêneas e naturais podem ter valor heurístico
e, portanto, serem lidos de conhecimento, principalmente do conhecimento
científico, ainda que não se possa ou se deva tentar absolutizar o valor
heurístico.
Classificação Natural
A classificação natural é um tipo de organização hierarquizada dos elementos
do conceito mais amplo que se pretende classificar, feita a partir de uma
qualidade essencial sua; prosseguindo o processo de organização, num
segundo passo, subdividindo-se o restante obtido, já aí considerado a nova
totalidade a subdividir, até que se defina uma qualidade que identifique
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apenas um indivíduo da série, num processo lógico denominado análise.
Este tipo de classificação se denomina natural porque estas ordenações
sistemáticas refletem a ordem encontrada nas coisas da natureza.
Porque o critério classificatório é um atributo essencial das coisas
classificadas, ele permite conhecer sempre mais sobre aquelas coisas. Por
isto, as classificações naturais são chamadas heurísticas ou científicas (ou,
ainda, classificações filéticas, baseadas em características filogenéticas dos
organismos vivos).
Uma classificação natural deve ter cada um de seus níveis taxonômicos
definido por um critério (o seu táxon) que deve corresponder a uma qualidade
essencial da totalidade composta pelos elementos classificados naquele
patamar classificatório; e, por isto, esse táxon deve ser caracterizador de
toda a subdivisão resultante de seu emprego porque enquadrada por aquele
critério. Isto porque, por definição, a classificação natural utiliza como critério
analítico uma propriedade essencial do material original a ser analisado e
aquele atributo, eleito como táxon, vai determinar e definir toda a categoria do
nível inferior que passa a existir como um conjunto em função dele.
Cada um dos critérios classificatórios (taxa, plural de táxon) das
classificações naturais deve corresponder a uma condição essencial dos
objetos ou processos naturais classificados. Partindo de uma concepção
sistêmica da natureza, como é uma importante tendência epistemológica
contemporânea, ao se descobrir a característica essencial de um conjunto de
objetos ou processos naturais, descobre-se a chave de sua explicação e da
construção de predições válidas sobre aquilo. O que constitui, afinal, os dois
objetivos mais importantes da ciência.
Quando se trata de fenômenos naturais, aplicação direta destas informações
parece muito razoável e há um século vem rendendo dividendos valiosos
para as ciências da natureza. O que não tem acontecido para as ciências da
sociedade e para as ciências do homem. Muito provavelmente porque, a
despeito da natureza sistêmica da estruturação de seus objetos e de seus
fenômenos, tem havido naquelas ciências uma intrusão de valores, critérios e
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procedimentos adequados às ciências naturais, mas inservíveis na
investigação da sociedade e do ser humano.
Classificar é exercitar o método analítico para ampliar o conhecimento sobre
um conjunto de coisas, mas este objetivo somente será atingido, enquanto
instrumento da metodologia científica, quando resultarem em classificações
naturais. A classificação é um modelo exemplar da análise como
procedimento racional e da descrição como instrumento do conhecimento, de
todas as modalidades de conhecer.
A classificação natural é um tipo de organização hierarquizada dos elementos
do conceito mais amplo que se pretende classificar, feita a partir de uma
qualidade essencial sua; prosseguindo o processo de organização, num
segundo passo, subdividindo-se o restante obtido, já aí considerado a nova
totalidade a subdividir, até que se defina uma qualidade que identifique
apenas um indivíduo da série, num processo lógico denominado análise.
Este tipo de classificação se denomina natural porque estas ordenações
sistemáticas refletem a ordem encontrada nas coisas da natureza. Porque o
critério classificatório é um atributo essencial das coisas classificadas, ele
permite conhecer sempre mais sobre aquelas coisas. Por isto, as
classificações naturais são chamadas heurísticas ou científicas (ou, ainda,
classificações filéticas, baseadas em características filogenéticas dos
organismos vivos).
Por isto, quando em uma classificação (ou em um nível taxonômico de uma
classificação) se emprega como táxon um atributo que não seja uma
característica essencial (ou um elemento importante do conteúdo) do
conjunto classificado, aquela classificação não pode ser considerada como
um instrumento do conhecimento científico.
Numa classificação de doenças, por exemplo, quando se escolher a etiologia
como táxon, isto resultará em uma classificação natural, porque se trata de
um atributo natural e essencial, mas escolher a presença deste ou daquele
sintoma pode ser ou não. Pois se sabe que, se bem que alguns sintomas
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sejam patognomônicos de certas enfermidades, a maioria deles é acidental e
não conduz a nenhuma explicação sobre a sua natureza.
Quando se trata de fenômenos naturais, aplicação direta destas informações
parece muito razoável e há um século vem rendendo dividendos valiosos
para as ciências da natureza. O que não tem acontecido para as ciências da
sociedade e para as ciências do homem. Muito provavelmente porque, a
despeito da natureza sistêmica da estruturação de seus objetos e de seus
fenômenos, tem havido naquelas ciências uma intrusão de valores, critérios e
procedimentos adequados às ciências naturais, mas inservíveis na
investigação da sociedade e do ser humano.
Nas classificações naturais, a escolha de um critério que corresponda a uma
característica essencial da coisa classificada permite a utilização do
fenômenos lógico analítico naquilo que interessa mais àquele objeto ou
processo que está sendo classificado, ainda que este traço essencial seja
descoberto após sucessivas tentativas.
As únicas classificações que devem ser chamadas de sistêmicas, aquelas
que poderiam legitimamente ser denominadas sistemas classificatórios, são as
classificações naturais estruturadas de acordo com o mínimo rigor
metodológico em sua construção. Principalmente que obedecessem ao
princípio de homogeneidade taxonômica. E, se isto ainda não existe, a
despeito das muitas tentativas desde Boissier des Sauvages, é porque esta
tarefa ainda não é viável.
A grande dificuldade de se estabelecer uma classificação natural e
homogênea em Psiquiatria reside na dificuldade de identificar os atributos
essenciais (e, mais ainda, o atributo mais essencial para um propósito
qualquer) de cada grupo de fenômenos psicopatológicos por causa da
extrema complexidade e ideologização da matéria.
Mesmo o senso comum informa que o dado essencial mais importante do
conteúdo de uma condição patológica deva ser sua etiologia. Daí porque,
jamais se construirá uma nosologia (classificação explicativa das
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enfermidades) verdadeiramente heurística, sem que se tenha certeza da
etiologia dos fenômenos patológicos classificados. As nosografias
(classificações descritivas das enfermidades) não se prestam a esta função.
Nas ciências naturais, como a Química e a Biologia, em cujo
desenvolvimento inicial, os procedimentos classificatórios desempenharam
papel crucial, evidenciam-se como o conhecimento descritivos que vão
passando ao explicativo. Para que isso aconteça, os elementos de forma
(descritivos) tomados como taxa, deverão ser substituídos por outros,
etiológicos ou, de qualquer maneira, explicativos (dados de definição) porque
este é o caminho natural da elaboração cognitiva: da forma para o conteúdo,
da aparência para a essência, do simples para o complexo e, por isto,
também caminha da descrição para a explicação do conhecimento dos seres
para o conhecimento da natureza de suas relações.
Não é possível supor que uma ordenação baseada exclusivamente em dados descritivos informe sobre a essência das coisas ordenadas.
Classificação Artificial ou Catalogação
Uma ordenação de objetos deve ser chamada de catalogação ou
classificação artificial, (sendo bem melhor denominá-la de catálogo, lista,
listagem, rol) quando se origina em um táxon ou conjunto de taxa que não
correspondem a características essenciais (tidas como não naturais,
impropriamente chamadas artificiais) dos objetos ou fenômenos ordenados
(como tamanho, peso, ordenação alfabética ou outra qualquer que não
represente uma qualidade essencial do grupo). Nela, a escolha do critério da
catalogação resulta só do arbítrio ou do interesse do ordenador.
O termo classificação artificial é impróprio porque toda classificação, já se
disse, é uma construção humana e, portanto, artificial.
A rigor, as assim chamadas classificações artificiais não são classificações,
obedecendo-se ao significado rigoroso deste termo.
Estas classificações que se baseiam em características aparentes, quando
ordenam seres vivos podem ser chamadas classificações fenéticas
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(baseadas em características fenotípicas dos seres biológicos).
A impropriedade da denominação classificação para as ordenações não classificatórias, como as listas alfabéticas ou quaisquer outras fundamentadas em atributos não essenciais das coisas ordenadas, tem exercido influência perniciosa no desenvolvimento científico e técnico, como é bem fácil de imaginar ou reconhecer.
No entanto, sabe-se que as possibilidades heurísticas de uma catalogação são mínimas, devendo ser inteiramente acidentais e casuais, cabendo-lhe unicamente importância pragmática para a finalidade para a qual tenha sido construída. Por isto, em geral, não tem utilidade científica e não contribui para o desenvolvimento da ciência e seu status científico é muito baixo. Talvez por esta razão, pode-se encontrar catalogações de fatos arquitetadas segundo critérios bastante acessórios que são apresentadas como se fossem classificações naturais.
Catalogar ou fazer um rol de objetos é construir uma classificação artificial.
Nas classificações naturais, a escolha de um critério que corresponda a uma
característica essencial da coisa classificada permite a utilização do
fenômenos lógico analítico naquilo que é mais importante àquele objeto ou
processo que está sendo classificado. Na catalogação, emprega-se o critério
que interesse mais ao seu elaborador. O critério diferenciador de uma
catalogação é determinado pela utilidade que se pretende daquela relação de
coisas.
Numa classificação de enfermidades, por exemplo, se a utilidade que ela pretender for disciplinar os diagnósticos e homogeneizar os relatórios de produção de serviços (uma lista nosográfica), não haverá qualquer necessidade da classificação ser heurística. Talvez até deva ser um catálogo de fácil utilização e adequada para aquilo que está destinado.
Contudo, se a pretensão for produzir uma nosologia que possibilite tratar enfermos e facilite o avanço do conhecimento sobre aquelas enfermidades, a trabalho terá que ser produzir uma classificação natural e, por isto, científica.
Classificações Clássicas e Prototípicas
As classificações clássicas operam com categorias características que
formam conjuntos homogêneos.
As classificações prototípicas operam com protótipos (modelos ideais) que
servem de referência. Nas primeiras dá-se a tendência de supervalorizar as
semelhanças e a ignorar as diferenças. Nas segundas, a maior ou menor
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proximidade em relação ao protótipo pode se dar em qualquer dos traços
característicos escolhidos para o protótipo. Nelas, o elemento diferencial é
dado pelo que for típico naquele objeto classificado.
As nosografias psiquiátricas vigentes estão cada vez mais comprometidas com este segundo tipo.
Classificações Empíricas e Inferenciais
As classificações empíricas consideram apenas dados observáveis
empiricamente.
As classificações inferenciais, como a denominação sugere, podem ser
consideradas como dados inferidos a partir de modelos teóricos de
referência.
Classificações Categoriais e Dimensionais
Quando se ordenam os objetos classificados segundo a estrutura de sua
representação gráfica, elas podem ser categoriais ou conceituais
(principalmente as tipologias ou classificações tipológicas) e dimensionais.
As classes nas classificações dimensionais não são mais que momentos
diferenciados de um continuum conceitual, como acontece quando se
ordenam grande número de pessoas em função da altura, do peso ou de
uma aptidão qualquer. A classificação das doenças funcionais, como diabete,
ou certas patologias estruturais, como o astigmatismo, se fazem melhor pelo
processo dimensional. Mas, quando houver a necessidade de classificar
diferentes enfermidades funcionais ou estruturais, então será necessário
adotar um procedimento categorial.
Conceituar é o processo cognitivo de sintetizar em uma palavra, ou em uma
expressão verbal com mais de uma palavra, os atributos tidos como mais
essenciais e mais gerais que se reconhece (ou que se supõe reconhecer) em
um objeto, um processo ou em um fenômeno qualquer objetivo ou subjetivo.
Categorias (conceitos-chave ou conceitos-mestres) são conceitos de tal
maneira gerais sobre um certo aspecto particular do mundo, que expressam
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as propriedades e as leis mais amplas e mais essenciais daquele nível de
organização da natureza, da sociedade ou do pensamento a que se refiram
Podem-se ordenar as classificações dimensionais em três tipos, levando em
conta o número de critérios utilizados simultaneamente nelas: classificações
unidimensionais ou quadros classificatórios de uma dimensão (quando se
opera com um único táxon de cada vez em cada patamar da classificação);
classificações bidimensionais ou quadros classificatórios de duas dimensões
(quando se utilizam dois taxa simultaneamente); e classificações
tridimensionais ou quadros classificatórios com três dimensões (quando se
utilizam três taxa simultaneamente).
O espírito humano parece limitado a imaginar só três, não tendo possibilidade
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de representar mais de três dimensões. Por isto, não há classificações
maiores do que as tridimensionais.
Classificação Monodimensional
Com uma classificação monodimensional usa-se apenas um critério
classificador, por isto os elementos classificados são dispostos em uma única
linha do espaço na qual pode-se enfileirar todos os elementos classificados.
Pode-se trabalhar com diversos tipos de classificações monodimensionais.
Lineares: representada graficamente por uma linha; sem hierarquização,
como uma classificação de diabete que levasse em conta apenas a glicemia,
na qual os elementos classificados são coordenados; ou
Hierarquizada, como uma classificação de neoplasias com alguns tipos de
tumores subordinados a outros.
Em leque ou em árvore: como a antiga classificação das espécies vivas, na
qual cada divisão pode ser subdividida indefinidamente); a classificação das
ciências de Piaget; ou a classificação das doenças mentais de Kleist.
Circulares: quando não são hierarquizadas e não há qualquer importância na
posição de um dos elementos em relação aos demais.
Classificação Bidimensional
A classificação bidimensional emprega um critério no eixo da abcissa e outro
no da ordenada, classificando os elementos posições relativas
simultaneamente a ambos; de modo que ficam dispostos, ao mesmo tempo,
em diversas linhas de um único plano do espaço. A ordenação dos índices
obtidos pela relação entre o peso e a altura fornece um bom exemplo de
classificação bidimensional.
As seguintes características permitem avaliar as classificações
bidimensionais:
a) pertinência que se refere à estrutura lógica de cada um dos níveis
taxonômicos (se os ratos fazem parte dos roedores e os roedores fazem
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parte dos quadrúpedes, os ratos fazem parte dos quadrúpedes);
b) a vizinhança que sugere a evolução, quando há uma nítida continuidade
entre os dois elementos empregados, como por exemplo, a noção de séries
animais;
c) os quadros com duas dimensões utilizam dois critérios distintos;
introduzem, além das propriedades precedentes, como a noção de casa, a de
famílias de casas verticais ou horizontais que são subconjuntos de
propriedades.
Classificação Tridimensional
As classificações tridimensionais são instrumentos taxonômicos que utilizam
três critérios empregados simultaneamente e distribuídos em três eixos,
altura, largura e profundidade de um gráfico, resultando em representações
gráficas tridimensionais, espaciais; estas classificações podem resultar tão
complexas que se coloquem fora das possibilidades de processamento pelo
pensamento, por causa do grau de complexidade que apresentam.
Eysenk e Sheldon empregaram classificações tridimensionais para estudar e
descrever a personalidade. Eysenk empregava os conceitos de psicoticidade,
neuroticidade e introversão-extroversão. Sheldon, os de ectomorfia,
mesomorfia e endomorfia combinados com viscerotonia, somatotonia e
cerebrotonia. Todos classificavam os tipos encontrados em função da relação
que se estabelecesse entre os três pares de fatores em correlação.
Dimensionalidade e Axialidade
Não se deve confundir a noção de dimensionalidade com a de axialidade.
Erro que está se tornando cada vez mais comum por causa da noção de
eixos taxonômicos introduzida pela nosografia norte-americana. Nem se deve
confundir a quantidade das dimensões de um quadro classificatório
(representada pelo número de critérios empregados em cada quadro e
representados cada um deles em uma das dimensões do espaço:
comprimento, altura e profundidade) com os "eixos" utilizados pelas novas
taxonomias nosográficas. Nas nosografias atuais, como a CID/10, os eixos
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são recursos empregados para compatibilizar em um único quadro diferentes
taxonomias, construídas com diferentes critérios e com naturezas distintas.
Na verdade, nas tabelas nosográficas, ao que parece, esses eixos são
alternativas de especificação diagnóstica destinados para cada tipo de
condição clínica ou para cada tipo de patologia diagnosticada sem que haja
a necessidade de se empregar um critério único para transformar aquilo em
um primeiro patamar taxonômico.
As ordenações axiais podem resultar em um processo analítico, na medida
em que os eixos se superpõem sem se integrar, mas não precisam ser
dimensionais, como na maioria das vezes não o são.
Em geral, como nas catalogações nosográficas atuais, os emprego dos eixos
são um recurso para compatibilizar taxonomias categoriais ou categoriais e
dimensionais em uma unidade esquemática, mas não una unidade ou uma
totalidade taxonômica.
Nas classificações dimensionais, nas quais se confundem os conceitos de
eixo e dimensão, e cada uma delas é um eixo taxonômico, suas dimensões e
seus eixos são limitados a três. Mas, isto não significa que os eixos que se
superponham em todas as classificações sejam dimensões taxonômicas. Nas
classificações categoriais que empregam eixos, estes eixos não são
dimensões e nem teriam porque ser. Como não o são nas listas nosográficas
no mercado.
O conceito de classificação multi-axial dos DSMs findou por ser
acompanhado pela CIDs. O processo de classificação bi ou tridimensional se
dá simultaneamente nos dois ou três planos que integram dois ou três
critérios classificadores e o diagnóstico final é uma síntese que integra
aqueles dois critérios em um ponto do espaço. O diagnóstico chamado multi-
axial é um processo de sucessivas classificações superpostas do mesmo
conjunto, variando o táxon e, com isto, produzindo diversos diagnósticos. Um
diagnóstico analítico ou uma sucessão justaposta de diagnósticos sintéticos.
No entanto, na maioria das vezes, uma sucessão de diagnósticos sintéticos
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justapostos não se transforma em um diagnóstico analítico.
Nosologia é uma taxonomia de enfermidades (de condições patológicas).
Nosografia é uma taxonomia de diagnósticos (de conceitos diagnósticos).
Uma classificação nosográfica multi-axial não é nem necessita ser,
necessariamente, dimensional, muitas vezes podendo corresponder,
unicamente, a multi-diagnósticos simultâneos de um mesmo caso clínico.
Sendo que, em cada eixo, quase sempre correspondente a uma classificação
categorial. Nas listas nosográficas vigentes, como a CID/10 e os DSM, cada
entidade clínica representa um diagnóstico categorial elaborado do ponto de
vista de um critério diferente.
Os eixos psicopatológicos mais comuns são: síndromes e sintomas, causa, curso, características da personalidade, nível do desenvolvimento, estressores psicossociais, desempenho pessoal.