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Hibridaes estticas midiatizadas: dilogos entre msica e
quadrinhos
Hibridaciones estticas mediatizadas: dilogos entre la msica y el
cmic
Midiatics aesthetics hibridations: dialogs between music and
comics
Laan Mendes de Barros1
Resumo Reflexes sobre experincia esttica na cultura midiatizada
contem-pornea, ilustradas pela identificao e anlise de produes que
apresentam hibridizaes entre msica e histria em quadrinhos. O
objeto esttico e a per-cepo esttica em um contexto de hibridaes
culturais e interculturalidades. Interaes entre criao e fruio,
entre potica e esttica de produtos miditicos. Breve estudo de
bandas brasileiras contemporneas de msica popular que com-binam
sons, palavras e imagens visuais. Recuperao da obra Tubares
voado-res, de Arrigo Barnab e Luiz G, de 1984, que pode ser vista
como experincia paradigmtica de hibridizao entre viso e escuta no
contexto da mdia.
Palavras-chave: Experincia esttica; Cultura midiatizada;
Hibridao entre vi-so e escuta; Msica e histria em quadrinhos
Resumen Reflexiones sobre la experiencia esttica en la cultura
mediatiza-da contempornea, ilustradas por la identificacin y el
anlisis de producciones que cuentan con hibridaciones entre la
msica y el cmic. El objeto esttico y la percepcin esttica en un
contexto de hibridacin cultural y interculturalidades.
Interacciones entre la creacin y la recepcin, entre la potica y la
esttica de los productos de los medios de comunicacin. Breve
estudio de grupos musicales brasileos contemporneos que combinan
msica jovem, palabras y imgenes vi-suales. Recuperacin de la obra
Tubares voadores de Arrigo Barnab y Luiz G,
1 Doutor em Cincia Sociais da Comunicao pela ECA-USP, com
ps-doutorado na Universit Stendhal Grenoble 3, na Frana. Professor
titular e docente do Programa de Ps-graduao em Comunicao Social da
Uni-versidade de So Paulo USP, So Paulo, SP, Brasil;
[email protected]
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de 1984, que puede ser tomada como una experiencia paradigmtica
de la hibri-dacin entre la visin y la escucha en el contexto de los
medios de comunicacin.
Palabras-clave: Experiencia esttica; Cultura mediatizada;
Hibridacin entre visin y escucha; Msica popular y el comic
Abstract Toughts about the aesthetic experience in the
contemporany midi-atized culture, ilustrated by the identification
and the analysis of productions that presents an hidridization
between music and comics. The aesthetic object and the aesthetic
perception in a context of cultural hibridations and
intercultur-alities. Interactions between criation and fruition,
between poetic and aesthetic of midia products. A brief study of
brazilian comtemporany bands of popular music that mash up sounds,
words and visual images. Bringing back the album Tubares voadores,
from Arrigo Barnab and Luiz G, from 1984, that can be viewed as a
paradigmatic experience of hibridization between vision and hearing
in the midia context.
Keywords: Aesthetic experience; Midiatized culture; Hibridation
between vision and hearing; Music and comics
Data de submisso: 15/04/2013Data de aceite: 17/05/2013
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Introduo
Neste artigo retomamos reflexes trabalhadas em outras ocasies
(BAR-ROS, 2011, 2012a e 2012b) sobre as relaes entre potica e
esttica dos produtos miditicos e a produo de sentidos experienciada
no contexto da recepo, a partir dos ensinamentos de Mikel Dufrenne
(1992). Nesta ocasio, aprofundamos a discusso a respeito da
midiatizao da cultura e da natureza hbrida que ela assume na
contemporaneidade fatores que nos ajudam a compreender os processos
de criao e recriao de produes artsticas presentes na mdia. Em
especial, focamos a questo da hibridizao entre viso e escuta na
cultura midiatizada, uma das perspectivas previstas para o dossi
desta edio de Comunicao, Mdia e Consumo.
Para tanto, transitamos entre conceitos que apontam para a
natureza plural e difusa da cultura nestes tempos de convergncia
miditica e in-terconexo em escala global, de hibridaes tecnolgicas
e intercultura-lidades. Tambm retomamos os conceitos de mediaes e
midiatizao, bem presentes nas formulaes de Jess Martn-Barbero e Jos
Luiz Bra-ga, que podem nos ajudar a estabelecer nexos entre
experincia esttica e o que temos chamado de experincia potica nos
estudos dos processos e produtos miditicos. Por outro lado,
incorporamos novas leituras do filsofo alemo Hans-Georg Gadamer, do
filsofo francs Jacques Ran-cire e do comuniclogo catalo Josep Mara
Catal Domnech.
A ttulo de ilustrao, ensaiamos neste texto alguns exerccios de
apli-cao das formulaes sobre experincia esttica com as quais
lidamos, realizados na forma de breves anlises de produes
artstico-miditicas recentes que mesclam msica popular e histria em
quadrinhos. Como contraponto a essas novas experincias
potico-estticas, trazemos, de maneira mais detalhada, uma criao de
Arrigo Barnab e Luiz G, de 1984, intitulada Tubares voadores.
Nos estudos contemporneos dos fenmenos miditicos tem sido
fre-quente a articulao entre comunicao e cultura visual. A
proliferao de meios e aparatos audiovisuais caracterstica da
sociedade interconec-tada em rede tem criado novos ambientes para a
produo e o consumo
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de bens culturais, com especial presena de linguagens visuais.
Mas vale observar como essas visualidades se articulam com
sonoridades tambm presentes na cultura midiatizada
contempornea.
So muitas as manifestaes de hibridao cultural e tecnolgica na
mdia contempornea. Alguns meios so essencialmente hbridos, seja no
aspecto tecnolgico, ou na combinao de linguagens. Vivemos tem-pos
de multimdia, de experincias poticas e estticas que no mais se
enquadram em categorias e gneros fechados. Se tal complexidade j
estava presente no cinema e em outros meios audiovisuais, no mundo
da Web ela se aprofunda e se dinamiza, articula informao e
entreteni-mento, intensifica dimenses ldicas e onricas. Nesse amplo
universo tm nos chamado a ateno experincias estticas hbridas que
articu-lam msica e histria em quadrinhos. verdade que a combinao
en-tre msica e imagem j estava presente nos videoclipes, to
difundidos no universo televisivo. No entanto, o jogo entre canes e
histria em quadrinhos ilustra bem as reflexes que aqui trazemos
sobre objetos e percepes hbridas da cultura presente na atual
sociedade em midia-tizao.
Objeto esttico, percepo esttica: criao e recriao
Para subsidiar a discusso sobre a natureza hbrida da cultura
contem-pornea presente na mdia e as dinmicas de produo e consumo
mar-cadas por processos de constante recriao, recuperamos aqui
elementos da fenomenologia da experincia esttica proposta pelo
filsofo francs Mikel Dufrenne. Daquela obra paradigmtica, publicada
em 1953, re-lembramos os ttulos dos dois volumes: I) Lobjet
esthtique (1992a) e II) La perception esthtique (1992b), que
identificam bem as duas dimen-ses s quais o pensamento esttico se
dedica: a obra produzida pelo artista e sua fruio por parte do
receptor. A relao dialtica entre ob-jeto esttico e percepo esttica
elemento essencial do pensamento de Dufrenne, que valoriza os
processos de interpretao vivenciados no campo da fruio. Para ele,
artista e espectador se associam e comparti-lham a obra de
arte.
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O espectador , portanto, um sujeito ativo que vivencia nova
poiesis no contexto da aisthesis. Ele dialoga com o autor, a partir
da interpreta-o da obra, produzindo novos sentidos, sempre que
busca o entendi-mento na perspectiva da compreenso, para alm da
mera recuperao dos sentidos propostos pelo autor, como ocorre na
chave da explicao. O receptor pode ser visto como um espectador
emancipado, conforme nos prope Jacques Rancire, uma vez que agente
dos processos de ob-servao, seleo, comparao e interpretao do objeto
esttico, a partir de seu campo semntico e seu universo de
representaes:
O espectador tambm age, tal como o aluno ou o intelectual. Ele
obser-va, seleciona, compara, interpreta. Relaciona o que v com
muitas outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de
lugares. Compe seu prprio poema com elementos do poema que tem
diante de si. Partici-pa da performance refazendo-a sua maneira,
furtando-se, por exemplo, energia vital que esta supostamente deve
transmitir para transform-la em pura imagem e associar essa pura
imagem a uma histria que leu e sonhou, viveu ou inventou. Assim, so
ao mesmo tempo espectadores distantes e intrpretes ativos do
espetculo que lhes proposto. (RAN-CIRE, 2012, p. 17).
A questo da interpretao, que coloca o espectador-receptor em uma
relao dialtica e dialgica com o artista-emissor, remete-nos ao
campo de hermenutica. Se o artista interpreta a vida, a natureza,
em sua obra, a partir de seu campo de representaes, o espectador
interpreta a obra luz de suas perspectivas de vida e insero social.
Com isso, a produo de sentidos se d na esfera da fruio, que no se
limita, por certo, a um estado contemplativo na perspectiva do
pensamento idealista do espectador frente obra. Como afirmamos
anteriormente (BARROS, 2012a, p. 5), a fruio implica o exerccio de
apropriao e de socializao da produo de sentidos, que ganha, ento
uma dimenso coletiva e cultural. O uso da hermenutica nos estudos
dos fenmenos artsticos e comunicacionais tem crescido e permitido
adensar nossa compreenso sobre a produo de sentidos em relao aos
produtos artsticos presentes na cultura midiatizada. Os
ensinamentos de Hans-Georg Gadamer em Hermenutica da obra de
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92 hibridaes estticas midiatizadas: dilogos entre msica e
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arte (2010) nos ajudam a compreender a relao dialtica e dialgica
que se d na interao artista-obra-espectador:
Ns somos como que inseridos pela obra em um dilogo. Com isso, se
devemos descrever corretamente a oposio aparente entre uma obra de
arte ou uma obra literria e seu intrprete, a estrutura do dilogo no
de maneira alguma ampliada a tal ponto que acaba por se tornar
va-zia. Esta oposio em verdade uma relao recproca de participao.
Como acontece em todo dilogo, o outro sempre um ouvinte que vem ao
encontro, de modo que o seu horizonte de expectativa, horizonte por
qual me escuta, por assim dizer acolhe e modifica concomitantemente
a minha prpria inteno de sentido. [...]Isto tambm me parece vlido
no caso da nossa lida com as obras. O ter-mo tcnico que costumamos
utilizar para tanto comunicao. Comuni-cao no significa: aprender,
conceber, apoderar-se e colocar disposi-o, mas sim participar do
mundo comum em que nos compreendemos. (GADAMER, 2010, p. 141).
A obra se apresenta, ento, mais do que como um meio de
transmis-so para o referido dilogo entre os dois sujeitos as duas
pontas da produo de sentidos. Ela pode ser pensada na perspectiva
das media-es, tal qual nos prope Jess Martn-Barbero (1997), em seu
clssico deslocamento, dos meios s mediaes. O dilogo, como nos
ensina Gadamer, pressupe uma relao de alteridade. Os interlocutores
vo ao encontro um do outro, colocam-se no lugar do outro. O
receptor compa-rece com o seu horizonte de expectativas, que
incorpora um complexo conjunto de mediaes socioculturais. As
expectativas com as quais se confronta com a obra, em dilogo com o
artista, so balizadas por essas mediaes. E, assim, na percepo
esttica, o espectador acolhe e reela-bora os sentidos do objeto
esttico, que pode ser pensado na perspecti-va da comunicao,
entendida como dilogo, no qual os interlocutores compartilham os
sentidos, que se tornam comuns a eles. Sentidos que so
compartilhados, tambm, pelos sujeitos com suas comunidades de
apropriao, em seus contextos sociais. Dessa forma, o processo de
cria-o se desdobra em constante recriao, como uma obra aberta (ECO,
1968), na qual a autoria original da obra se dilui, ao mesmo tempo
em que se enriquece pelas interpretaes que a obra recebe.
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Essas dinmicas de recriao potico-esttica trazem tona a ideia de
inteligncia coletiva formulada por Pierre Lvy (1998). O autor
francs ficou bem conhecido por conta de suas reflexes sobre a
cibercultura, em que os saberes circulam em sistema de rede. Se o
conhecimento na sociedade interconectada resultante de uma
inteligncia coletiva ao mesmo tempo em que a alimenta , poderamos
falar de sensibilida-des coletivas, quando nos referimos ao
universo das artes, disponveis no universo miditico, dinamizado
pelas navegaes em escala global.
no contexto social, em que esto inseridos os sujeitos dos
processos sgnicos, que a experincia esttica se concretiza. Como
sustenta Jos Luiz Braga (2006), vivemos em uma sociedade em
constante midiatiza-o, na qual os sentidos circulam em um processo
constante de ressig-nificao, balizado por um sistema de interao
social sobre a mdia. Para ele:
A sociedade dispe (pelo menos potencialmente) de processos de
enfren-tamento que, por sua pluralidade mesmo, por pouco que haja
(ou hou-vesse) acesso a essa diversidade, seriam estimuladores de
reflexo, cotejo e aprendizagem. Os dispositivos sociais elaboram
mltiplas perspectivas e as fazem circular. (BRAGA, 2006, p.
307-308).
Nesse confronto entre sociedade e mdia os processos de recriao e
produo de sentidos ainda so marcados por relaes de domina-o e
subordinao. Por vezes, como comentamos a partir das ideias de
Rancire, o espectador no se encontra emancipado, permanece
embrutecido. Vivemos em uma sociedade de culturas hbridas, como
descreve Nestor Garca Canclini (2008), em que o atraso e a
moderni-dade ocupam o mesmo espao, em relaes de conquistas e
resistncias. J Octvio Ianni prefere pensar que vivemos processos
constantes de transculturao, ao pensar as ideias de contato,
intercmbio, permuta, aculturao, assimilao, hibridao e mestiagem.
Tal denominao aponta a natureza transversal dessas relaes
interculturais, que nem sempre se do de forma pacfica, mas resultam
de negociaes, con-vencimentos, concesses e conquistas. Para Ianni,
a histria dos povos e coletividades, das naes e nacionalidades, ou
das culturas e civiliza-
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94 hibridaes estticas midiatizadas: dilogos entre msica e
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es pode ser lida como uma histria de um amplo processo de
trans-culturao. (IANNI, 2000, p. 99).
HQ Arte sequencial Comics Graphic novel
Adotamos neste texto o termo histria em quadrinhos, de maneira
ge-nrica, sem maiores discusses conceituais ou histricas. No
entanto, embora no pretendamos aprofundar o estudo nesse campo da
indstria editorial, convm identificar, ainda que brevemente,
algumas termino-logias presentes no universo desse gnero de
arte-literatura, que mistura narrativas textuais e linguagem
iconogrfica.2
O termo Histria em Quadrinhos ou simplesmente HQ utiliza-do por
vrios autores do mundo acadmico. Dentre eles, pesquisadores
vinculados a Programas de Ps-Graduao da rea da Comunicao no Brasil.
o caso, por exemplo, de Waldomiro de Castro Santos Vergueiro, de
Roberto Elisio dos Santos, de Marcos Antonio Nicolau e de Henrique
Paiva de Magalhes. A denominao acaba sendo utilizada de maneira
ampla, para identificar desde as breves narrativas em formato de
tiras cmicas, presentes nos jornais impressos, at densas obras de
literatura, estruturadas em captulos, que usam a linguagem dos
quadrinhos e so editadas em livros volumosos, com encadernao de
luxo. Nesse amplo leque de formas e dimenses, o formato revista o
mais comum, ocu-pa lugar de destaque. No Brasil, tais publicaes
vendidas em bancas, a preos acessveis, receberam o nome de gibi.
Elas tm natureza seria-da, com narrativas estruturadas em torno de
personagens em grande parte, personagens heroicos que se tornam
emblemticos.
O fundamental na identificao desse meio de comunicao, a his-tria
em quadrinhos, a presena da narrativa como ocorre com toda histria
estruturada em quadros sequencializados, compostos por ima-gens
visuais e, quase sempre, elementos verbais. Na linguagem
iconogr-fica das HQs, observa-se a predominncia de desenhos
figurativos, que
2 Na discusso dos conceitos arte sequencial, comics e graphic
novel, contamos com a colaborao de Iber Moreno Rosrio e Barros,
mestrando do PsCom da Metodista e pesquisador do Ncleo de Estudos
de Poltica, Histria e Cultura POLITHICULT, da PUC-SP.
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compem com outros elementos visuais mais abstratos, como o
prprio formato dos quadros e dos bales que abrigam expresses
verbais fa-ladas ou pensadas pelos personagens. Em alguns, a
linguagem grfica mescla desenho e fotografia na composio de imagens
visuais. Os ele-mentos grficos tambm exploram cores e texturas
visuais. As prprias letras ganham formato visual, que atribuem
outros sentidos ao texto.
O menino quadradinho, de Ziraldo (1989), um excelente exemplo
desse jogo entre elementos verbais e no verbais nas histrias em
qua-drinhos. Nesse livro, o autor vai migrando das imagens para o
texto ao longo da narrativa, na medida em que o personagem passa da
infncia idade adulta. Ziraldo recorre metalinguagem, ao utilizar
traos mais infantis no incio da histria que comea com a expresso
clssica era uma vez... que se sofisticam no momento em que o
personagem passa pela juventude. Depois, gradativamente, as imagens
vo dando lugar s palavras escritas, com as letras diminuindo de
tamanho pouco a pouco. Nas pginas iniciais temos uma histria em
quadrinhos; j nas pginas finais, temos um bloco de texto,
delimitado por margens, no formato convencional da ampla maioria
dos livros.
A histria em quadrinhos tem seus primrdios nas caricaturas e
char-ges publicadas nos jornais, ainda no sculo XIX. Como relata
Henrique Magalhes (2009, p. 45), ela aparece no Brasil naquele
mesmo perodo, com forte crtica poltica e social, aproximando-se da
charge e do car-tum. O pesquisador registra que
As primeiras dcadas do sculo XX viram surgir outros gneros de
quadri-nhos, com o desenvolvimento da imprensa e a criao de
distribuidoras, os chamados syndicates. [...] Se inicialmente os
quadrinhos sugeriam uma leitura crtica e em seguida infantil, logo
conquistaram o pblico juvenil, veiculando histrias heroicas e
fantsticas. (MAGALHES, 2009, p. 45).
Em meados do sculo XX, as histrias em quadrinhos se
populari-zaram, em diferentes partes do mundo, como produto de
destaque da indstria cultural. As narrativas com super-heris deram
grande impulso ao gnero, criando cones da cultura pop, presentes no
cenrio cultural at os nossos dias. Nos EUA duas editoras se
tornaram hegemnicas no
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campo das HQs, a DC Comics e a Marvel Comics, e difundiram seus
produtos mundo afora; e com eles, a ideologia estadunidense, no
contex-to da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria, que
contrapunha dois modelos poltico-econmicos: capitalismo e
comunismo.
nesse segmento que a denominao comics se aplica e se expande no
universo das HQs. Ele adotado para designar os quadrinhos
mains-tream (populares, prprios da indstria do entretenimento).
Original-mente, essa modalidade de histria em quadrinhos era
caracterizada por abordagens de cunho mais cmico, humorstico. Porm,
com o tempo, houve uma desvinculao e o termo passou a ser usado de
maneira mais ampla. Os comics so conhecidos por trabalharem em
arcos de hist-ria; ou seja, a jornada do heri contada e recontada
diversas vezes por diferentes roteiristas e desenhistas, perdendo
assim a natureza autoral presente na exclusividade do criador do
personagem. Assim, novos pro-dutos com contedo j conhecido so
disponibilizados no mercado.
J o quadrinhista e estudioso Will Eisner referncia no mundo dos
quadrinhos traz a expresso arte sequencial. Em seu livro
Quadri-nhos e arte sequencial (EISNER, 2010, p. 122), ele sustenta
que as duas dimenses, escrita e imagem, esto irrevogavelmente
entrelaadas na arte sequencial, vista por ele como o ato de urdir
um tecido. A ideia de arte sequencial sugere uma sintaxe prpria das
HQs, que demanda uma semntica plena de imaginao, pois na passagem
de um quadro a outro, no intervalo ali existente, muitos sentidos
podem ser elaborados. como se fossem as entrelinhas dos textos
verbais. No objeto esttico, a fragmentao da ao em quadros
estanques, em imagens estticas, faz com que partes da ao fiquem
escondidas, reelaboradas apenas no exer-ccio de interpretao do
leitor.
Graphic novel outro termo que merece a nossa ateno. Trata-se de
produes de maior complexidade, publicadas em livros, com
persona-gens mais densos e histrias mais elaboradas. A estrutura
dessas verda-deiras obras de literatura se aproxima bastante dos
livros, com captulos, prefcios etc. Alm da narrativa principal,
tais publicaes trazem infor-maes complementares como hipertextos
sobre o contexto em que o texto se insere. Por vezes, a narrativa
principal entrecortada por
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outras narrativas transversais. Diferentemente dos Comics,
publicados em revistas, as Graphics novel mantm um carter autoral
por parte do criador da histria e dos personagens que dela fazem
parte. Dois grandes expoentes desse segmento so Alan Moore e Frank
Miller.
O gnero vem crescendo, com o surgimento de novos autores e
esti-los, ganhando reconhecimento da crtica e novos adeptos. Dentre
lana-mentos recentes, destacamos duas obras de Craig Thompson,
Retalhos e Habibi, e uma obra de Chris Ware, Jimmy Corrigam: o
menino mais esperto do mundo.
Msica e quadrinhos: experincias hbridas
Trazemos aqui quatro bandas musicais contemporneas brasileiras
que realizam experincias potico-estticas que mesclam msica e
histria em quadrinhos, som e artes visuais. So elas: Maraska,
Loungetude 46, X-Sampa e Pedra. Tais grupos se inserem em um espao
alternativo do cenrio cultural, ocupando territrios sonoros e
artsticos bem carac-tersticos, meio undergrounds, que se situam
margem das dinmicas comerciais da indstria cultural e atraem um
pblico especfico, predo-minantemente jovem, articulado por meio de
redes de relacionamento. Essas bandas tm o seu nicho, ocupam espaos
de criao artstica e de escuta segmentados, independem dos meios de
comunicao de massa.
Essas experincias estticas como outras que escapam das frmu-las
descartveis da indstria cultural so concretizadas em objetos e
percepes estticas que mesclam linguagens e sensaes, que se abrem
para dimenses ldicas e onricas presentes na produo de sentidos, nos
planos da poiesis e da aisthesis, da criao e da recepo.
As referidas bandas chamaram a nossa ateno a partir de um
co-mentrio do jornalista Gilberto Dimenstein na rdio CBN, que foi
ao ar em 12 de novembro de 2012, no qual ele divulgava uma srie de
shows que aconteceriam no Sesc Consolao, na cidade de So Paulo, e
fazia a chamada para o site Catraca Livre, que disponibilizava a
programa-o completa do evento. No site, uma matria trazia o ttulo
Esttica dos quadrinhos na msica inspira a srie HQ Show e o lead
meio
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98 hibridaes estticas midiatizadas: dilogos entre msica e
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subttulo Evento traz bandas que dialogam com as duas linguagens.
Como estvamos s voltas com a temtica da hibridao miditica e
cul-tural e havamos, naquela poca, reencontrado um velho disco de
vinil de Arrigo Barnab, com seu belo encarte, o assunto nos
atraiu.
Do grupo Maraska, selecionamos o vdeo Contos e cantos do
Maraska: Pscircodelia, que traz uma sntese de seu CD-livro:
Pscircodelia, publi-cado pela editora Devir, disponvel em: . A pea
audio- visual tem incio com uma sonora que reproduz o toque de um
desperta-dor, redundada por inscries textuais bip...bip...bip. No
desenho, com imagens estticas em sequncia, o personagem que nunca
aparece de corpo inteiro se levanta da cama, bravo com a situao, e
passa a rea-lizar as rotinas do incio do dia. Ele dialoga com o
espectador e com a prpria narrativa em movimentos de metalinguagem.
Em determinado momento do clipe, vem uma breve nota que apresenta o
CD-livro HQ e a proposta da prpria banda como uma narrativa VISUAL
e MUSICAL. A banda multimdia Maraska mostra seus contos por meio da
arte repre-sentada pelos quadrinhos, msica, vdeos e
performances.... Seguem-se rpidas aparies dos componentes da banda
e uma sinopse da obra. O livro HQ, que reproduz elementos de
Graphics novel, traz a histria de um quadrinhista que coloca a sua
sanidade em xeque quando suas histrias so invadidas por um
enigmtico palhao. As histrias-canes do Maraska so povoadas por
fadas, seres fantsticos e personagens cir-censes. Os quadrinhos
compem no s o cenrio visual das msicas, mas esto refletidos na
dimenso ldica que elas trazem.
A banda Loungetude 46 que traz no nome uma referncia loca-lizao
da cidade de So Paulo tambm incorpora a mdia impressa em seus
lanamentos musicais. O disco Ao e reao acompanhado de um livreto,
com as letras das msicas, ilustradas com imagens que seguem o
estilo das histrias em quadrinhos. verdade que a ideia da arte
sequencial fica menos evidente, uma vez que cada pgina traz uma
composio grfica. No entanto, os personagens integrantes da prpria
banda , em representaes caricatas, do ao caderno um carter de HQ. A
msica requintada em termos meldicos e harmnicos, mescla ele-
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mentos de jazz e ritmos brasileiros. As letras so elaboradas e
guardam uma dinmica prpria dos jogos e brincadeiras. Os arranjos so
limpos, sem complicaes. O clima descontrado e reflete a
informalidade do universo dos quadrinhos.
J a banda X-Sampa tem a articulao msica-quadrinhos em seu prprio
processo produtivo e nas dinmicas de shows. Em seu site, a ex-posio
de msicas se mescla com imagens de HQ, presentes tambm em camisetas
e peas de decorao, e mapas que sugerem passeios pela cidade, algo
prximo do universo videogame. Os msicos so tambm desenhistas. Suas
produes de HQ foram transformadas em painis, levados a exposies
pblicas, onde a banda toca composies pre-dominantemente
instrumentais feitas a partir das imagens que esto expostas. Um
vdeo da banda, disponvel no YouTube, documenta bem esse processo
produtivo, que articula experincia potica e experincia esttica, em
dinmicas de criao e recriao. A exposio, denominada Sopa graphics,
ganha um carter performtico e reflete a dinmica de trabalho da
banda. Os integrantes relatam como a msica realimenta as HQs e como
as HQs impulsionam a msica do grupo. O vdeo es-t disponvel em: .
Mais do que um produto acabado, editado em CD ou livro, a produo da
X-Sampa aparece como um processo em constante construo, pleno de
hibridaes semiticas e culturais.
A banda Pedra assume mais explicitamente a linguagem do rock, em
releituras de clssicos da MPB e composies prprias. Aqui
seleciona-mos a interpretao da msica Cuide-se bem, de Guilherme
Arantes, que tem um belo clipe disponvel no YouTube: . A pea feita
em linguagem HQ tem um carter plstico, que casa msica e imagem de
maneira harmnica e bem acabada, embora produzida de forma
artesa-nal. A interpretao da banda montada na estrutura clssica das
ban-das de rock tem intensidade e peso. Alm da interpretao
competente do cantor, os solos de guitarra e viradas de bateria
envolvem os amantes do gnero. A narrativa dos versos da cano
ilustrada com imagens de arte sequencial, que ganham animao no vdeo
produzido.
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Tubares voadores
bem provvel que muitos dos admiradores das bandas anteriormente
descritas nem tenham ouvido falar do compositor Arrigo Barnab e do
desenhista Luiz G; tampouco, do emblemtico disco Tubares voadores
(um long-play, de vinil). Talvez a maioria dos seguidores das
bandas Ma-raska, Loungetude 46, X-Sampa e Pedra nem tivesse nascido
em 1984, quando o referido disco foi lanado. Mas vale a pena trazer
para esta reflexo aquela produo, em especial, a msica-HQ Tubares
voadores. Trata-se de uma obra paradigmtica quando se pensa em
experincias estticas hbridas, com a combinao de msica e histria em
quadri-nhos. Uma obra que ilustra bem a ideia inteligncia coletiva
apresen-tada por Pierre Lvy (1998).
A influncia do cinema e dos Comics j estava presente na
atmosfera e linguagem da msica do compositor paranaense, que havia
se mudado para So Paulo e se juntado a outros msicos experimentais
indepen-dentes, que se reuniam no teatro e centro cultural Lira
Paulistana, e criaram um movimento cultural que, nos anos 1980,
ficou conhecido como Vanguarda Paulistana. O movimento que foi
saudado como gran-de novidade no cenrio musical brasileiro, desde a
Tropiclia, contava tambm com nomes como Itamar Assumpo, N Ozzetti,
Tet Espn-dola e Eliete Negreiros, e com grupos musicais como Lngua
de Trapo, Rumo, e Premeditando o Breque. Na mesma esteira surgiram
as bandas de rock daquele perodo, tais como Ira!, Ultraje a Rigor e
Tits.
H trs quadras do Lira Paulistana, na mesma rua Teodoro Sampaio,
mantnhamos com dois amigos um ateli de artes plsticas, aps forma-o
na Faculdades de Belas Artes de So Paulo. Msica e pintura
preen-chiam aquele espao, davam forma esttica ao nosso tempo. O
advento da msica independente, com as primeiras produes fonogrficas
re-alizadas margem das grandes gravadoras, chamava a nossa ateno. O
pioneiro dessa iniciativa foi Antonio Adolfo, com o disco Feito em
casa, que tenho at hoje. Dentre aqueles desbravadores, o grupo Boca
Livre foi o que mais nos acompanhou, como trilha musical para a
vida. Eram tempos de rupturas, de conquistas da liberdade e de
mobilizao polti-
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ca. Tempos de experimentao e de dilogos entre linguagens
artsticas, nos quais o espao cultural do Lira Paulistana era ponto
de referncia.
O primeiro disco de Arrigo Barnab, intitulado Clara Crocodilo,
ain-da frequentava nossa vitrola e seguia nos surpreendendo quando
o segundo, Tubares voadores, chegou s nossas mos, pouco tempo aps
ter sido lanado, em 1984. O encarte do disco, em formato revista,
tinha a maioria de suas pginas dedicadas msica tema do lbum,
Tubares voadores. Elas so reproduzidas a seguir (Figuras 1 a
6).
A cada nova audio-leitura daquela produo artstica, feita a
partir do tempo-espao em que se encontra o leitor, novos sentidos
so produ-zidos. Cada leitor, em interao com seus grupos de
relacionamento, suas comunidades de apropriao, efetiva uma nova
percepo esttica a cada nova experincia de escuta-leitura.
Justifica-se, portanto, a incluso da histria em quadrinhos de Luiz
G, sem maiores direcionamentos de nossa parte, nas pginas que se
seguem. Assim o leitor de nosso artigo poder, tambm, fazer suas
interpretaes. Para completar tal experi-ncia esttica, indicamos o
vdeo preparado pelo msico e videomaker fluminense Jeffin Rodegheri
(Jefferson Marques Rodegheri), com uma montagem daquela criao de
Arrigo Barnab e Luiz G, disponvel em: .
Conforme documenta o pesquisador Iber Moreno Rosrio e Barros, no
artigo Dodecafonia e Quadrinhos, publicado no blog Quadrinheiros,
que ele assina como Sidekick,
Arrigo j havia acertado que a capa de seu segundo lbum seria
feita por Luiz G. Ao visit-lo um dia para definir como seriam as
ilustraes, o compositor v um quadrinho que G havia feito baseado em
um comen-trio de um amigo. O comentrio era de um pster que G tinha,
no qual figuravam alguns avies dos Flying Tigers (esquadrilha
americana de voluntrios que foram destacados para defender a China
durante a Se-gunda Guerra Mundial). Inspirado pelo comentrio de que
deveria haver uma HQ sobre eles, Luiz G tem a ideia de colocar
Tubares voadores em meio a uma cidade.Arrigo ento resolve musicar
os quadrinhos, e coloca o nome do seu se-gundo lbum de Tubares
voadores. Junto ao LP vinha um encarte com os quadrinhos completos.
(ROSRIO E BARROS, 2012).
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Figuras 1 a 6. Histria em quadrinhos Tubares voadores, de Luiz G
no encarte do disco de Arrigo Barnab, que leva o mesmo nome.
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O autor considera Tubares voadores uma experincia que mistura o
visual com o auditivo e com o surrealismo caracterstico da msica
dodecafnica de Arrigo Barnab. Ele tambm apresenta no blog uma
imagem ilustrativa dos Flying Tigers, reproduzida abaixo (Figura
7).
De fato, aquela produo compartilhada de Arrigo Barnab e Luiz G
tinha mesmo um carter inovador; seja pela linguagem musical do
compositor, que mesclava referncias meldico-harmnicas da msica
clssica contempornea (que ele trazia de sua formao em composio e
regncia, na ECA-USP) com elementos de rock e msica eletrnica, se-ja
pela ideia surrealista do desenhista em propor tubares voadores
flutu-ando entre os prdios, em uma linguagem ao mesmo tempo
dramtica e cmica, como em uma tragicomdia. A fruio dessa obra
hbrida, com-posta de msica e histria em quadrinhos, constitui-se em
experincia esttica mpar, pois o objeto esttico permite diferentes
leituras, dada a sua complexidade. Algo raro na poca em que o disco
foi lanado. Nota--se que a composio de Arrigo Barnab no funciona
apenas como um fundo musical da narrativa composta em quadrinhos de
Luiz G. Msica e HQ funcionam em simbiose, formam uma pea nica. Uma
carrega de dramaticidade a outra. Uma ironiza a outra, como em um
movimento
Figura 7. Avies da esquadrilha americana que ficou conhecida
como Flying Tigers (Foto de R. T. Smith).
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antropofgico. O objeto esttico, assim complexo e pleno de
hibridaes, cria um ambiente envolvente para a percepo esttica; em
uma potica que convida a uma esttica de natureza at mesmo
catrtica.
A criao iniciada com a arte sequencial de Luiz G, que fora
mu-sicada por Arrigo Barnab, ganha na interpretao da banda Sabor de
Veneno novos sentidos, trazidos pela execuo do arranjo do
composi-tor, em que cada msico acaba inserindo suas intenes e
expresses. A voz principal de Vnia Bastos que, ento, integrava a
banda e as locues e contracantos do prprio compositor. At Luiz G
comparece na gravao, so dele os gritos de dor que surgem a cada
ataque dos tu-bares, a cada mordida ou dilacerao. Gritos de medo,
de pavor. Tudo ocorre em um cenrio surrealista, meio circense, que
mesclam sons da cidade, de crianas brincando no parque e citaes de
cantigas de roda.
J na narrativa visual dos quadrinhos de Luiz G, o realismo do
ce-nrio, composto por edifcios bem representados, em perspectiva,
quase fotogrfica, contrasta com o trao caricato e cmico dos
personagens, que nos remetem linguagem dos cartuns. Os tubares que
voam entre os prdios e dilaceram os corpos tambm seguem um trao
figurativo realista, com competente uso dos contrastes, dos jogos
de luz e sombra, que lhes confere maior dramaticidade. Fica
evidente a aproximao do desenho s formas presentes na linguagem
cinematogrfica dos filmes de terror. As imagens extrapolam os
quadros, como invadindo o espao do leitor, colocando-o tambm em
risco. como se ele tambm fizesse parte da cena e da histria como um
todo. Os elementos textuais da nar-rativa ganham formas grficas,
prprias da linguagem HQ, so mais que letras silenciosas. So gritos
e gemidos, rudos e sonoridades ali represen-tados de forma que j
produziriam uma dimenso acstica no processo de leitura da pea
grfica, mas que ganham novas dimenses quando a leitura acompanhada
pela escuta da msica, em uma nova experincia esttica de natureza
hbrida.
Aquela obra visual-musical, que experimentara diferentes
reelabora-es no processo de sua produo e gravao e que, por certo,
era rein-ventada a cada execuo ao vivo da banda , permitia nova
produo de sentidos quando a cada experincia de escuta-leitura,
quando o receptor
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tinha sua disposio o disco e o encarte, em forma de revista HQ.
Isso acontecia naquele contexto cultural e pode acontecer ainda
hoje, em outro contexto histrico e social.
Aquele processo iniciado h cerca de 30 anos, marcado por
constante recriao, por articulaes hbridas e interaes multimdia,
continua se metamorfoseando. Os Tubares voadores chegam aos nossos
dias em um novo suporte, a Web. A j citada montagem em vdeo de
Jeffin Rodeghe-ri permite novas experincias estticas da criao de
Arrigo Barnab e Luiz G.
Formas hbridas, tecnologias hbridas, poticas e estticas hbridas.
Assim se configura a cultura midiatizada contempornea, dinamizada
por apropriaes, recriaes e novas representaes, cruzadas por
media-es socioculturais. Como argumentamos em recente artigo
publicado na revista Contempornea, da UFBA, na sociedade
interconectada, fa-lar de consumo musical implica a adoo de outra
perspectiva de an-lise, na qual produo, circulao e consumo se
articulam, de forma multidirecional. (BARROS, 2012b).
As bandas citadas neste artigo e, em especial, o caso da pea
Tubares voadores que mereceu nosso destaque so exemplos da
experincia esttica hbrida e multidimensional que marca nossos dias.
Certamen-te, outras produes contemporneas tambm trazem essa mescla
de linguagens do mundo da msica e das histrias em quadrinhos.3 Os
des-taques aqui trazidos refletem as limitaes de nossas referncias
e espe-cificidades de nossa percepo esttica. Interessa-nos pensar
como essas manifestaes da cultura midiatizada exploram o ambiente
multimidi-tico em que estamos mergulhados.
Fade out
A conhecida ideia de obra aberta, proposta por Umberto Eco
(1968), se aplica bem a essas produes artstico-miditicas da cultura
contempo-
3 Os CDs de Ed Motta trazem, com frequncia, encartes cuja
linguagem HQ est presente, elaborados por sua mulher, Edna Lopes,
que artista grfica.
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rnea. Nelas a experincia esttica no fica limitada ao objeto
esttico, mas se completa na percepo esttica, na interao do artista
compo-sitor, msico, quadrinhista, desenhista com o receptor,
vivenciada nos processos de interpretao. Ao nos propor uma
hermenutica da obra de arte, Hans-Georg Gadamer (2010) fala desse
carter transitrio e em constante transformao da obra de arte, que
ele sugere ser pensada co-mo construto. Para ele (GADAMER, 2010, p.
52), o construto que a obra de arte precisa ser sempre novamente
erigido nas artes reprodu-toras. Trata-se, pois, de um jogo entre
obra e fruidor, de um confronto entre objeto esttico e percepo
esttica, experienciado em uma relao especular. Segundo o filsofo
alemo,
O jogo da arte muito mais um espelho que sempre emerge novamente
atravs dos milnios diante de ns, um espelho no qual olhamos para ns
mesmos com frequncia de maneira por demais inesperada, com
fre-quncia de maneira por demais estranha no qual olhamos como
somos, como poderamos ser, o que acontece conosco. (GADAMER, 2010,
p. 56).
Nesse jogo, o espectador se apropria da obra, transformando-a em
ob-jeto esttico. No mbito da percepo esttica, ele vivencia uma
relao de troca, de natureza especular. Neste sentido poderamos
tom-lo como um expectador, que projeta suas expectativas ao
confrontar o objeto esttico, a parir de seu campo semntico e de seu
universo simblico. A produo de sentidos se d, ento, em uma dinmica
dialtica, plena de polissemias.
As produes aqui trazidas a ttulo de ilustrao, que se apresentam
como experincias hbridas entre msica e histria em quadrinhos,
ilus-tram nosso entendimento de que a produo de sentidos algo
dinmi-co, que envolve obra e intrprete em um jogo especular. Na
sociedade midiatizada em que vivemos preciso pensar a cultura e as
produes miditicas em uma perspectiva hbrida, em constante
transformao, em um contexto de interculturalidades e mediaes
intermiditicas, em que o receptor vivencia na experincia esttica
uma experincia potica. Mais que um receptculo das mensagens a ele
transmitidas, o recep-tor se torna, ento, um fruidor. Neste
sentido, o confronto de Rancire
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(2011) entre embrutecimento e emancipao do espectador nos
de-safia a entender a dimenso pedaggica da comunicao, na formao de
leitores-ouvintes ativos, de interlocutores.
Quando isso acontece nas interseces entre arte e mdia, entre
est-tica e comunicao, a liberdade de participao dos interlocutores,
ento emancipados, se amplia e o fenmeno comunicacional alcana a sua
essncia prevista na ideia de compartilhamento, de tornar comum a
muitos, conforme origem etimolgica do verbo comunicar, do latim
communicare. A experincia esttica na cultura midiatizada
contempo-rnea pode ser dinamizada como tal, como um jogo de
inter-relaes criativas, marcadas pela interatividade e
possibilidades de constante re-criao. O contexto de convergncia
tecnolgica, hibridaes miditicas e interculturalidades propcio a
essa redescoberta da relao interacio-nal da comunicao. Em especial,
quando visualidades e sonoridades so trazidas para a mesma
experincia potico-esttica.
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