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W~ber, Max (1921 [1999]) Economia e Sociedade. Braslia: Editora
da UNB, Capitulo III "Os Tipos de Dominao": 139-188
Captulo III
OS TIPOS DE DOMINAO
1. A vigncia da legitimidade
1. Segundo a definio j dada (captulo I, 16), chamamos "dominao"
a probabilidade de encontrar obedincia para ordens especficas (ou
todas) dentro de determinado grupo de ~oas. No significa, portanto,
toda espcie de possibilidade de exercer "poder" ou "influncia"
sobre outras. pessoas. Em cada caso individual, a dominao
("autoridade") assim definida pode basear-se nos mais diversos
motivos de submisso: desde o hbito inconsciente at consideraes
puramente racionais, refe-rentes a fins. Certo mnimo de vontade de
obedecer, isto , de interesse (externo ou interno) na obedincia,
faz parte de toda relao autntica de dominao.
Nem toda dominao se serve de meios econmicos. E ainda muito
menos tem fins econmicos. Mas toda dominao de uma pluralidade de
pessoas requer normal-mente (no invariavelmente) um quadro de
pessoas (quadro administrativo, veja cap-tulo 1, 12), isto , a
probabilidade (normalmente) confivel de que haia uma ao diigida
espe~ialmeIJte execuo de disposies gerais e ordens concretas, por
parte de pessoas identificveis com cuia obedincia Se pode contar.
Esse quadro administrativo pode estar vinculado obedincia ao senhor
(ou aos senhores) por costume ou de modo puramente afetivo, ou por
interesses materiais ou por motivos ideais (racionais referentes a
valores). A natureza desses motivos determina em amplo grau o tipo
de dominao. Motivos puramente materiais e racionais referentes a
fins da vinculao entre senhor e quadro administrativo significam,
aqui, bem como em todos os demais casos, uma rela_o relativamente
intvel. Em regra, entram nessas relaes tambm outros motivos -
afetivos ou racionais referentes a valores. Em casos
extracotidianos, estes podem ser os nicos decisivos. No cotidiano,
essas e outras relaes so dominadas pelo costume e, alm disso, por
interesses_materiais e racionais referentes a fins. Mas nem o
costume ou a situao de interesses, nem os motivos puramente
afetivos ou racionais referentes a valores da vinculao poderiam
constituir fundamentos confiveis de uma dominao. Normalmente,
junta-se a esses fatores outro elemento: a crena na
legitimidade.
Conforme ensina a experincia, nenhuma dominao contenta-se
voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos ou
racionais referentes a valores, como possibilidades de sua
persistncia. Todas procuram despertar e cultivar a crena em sua
"legitimidade". Dependendo da natureza da legitimidade pretendida
diferem o tip da obedincia e do quadro administrativo destinado a
garanti-la, bem como o carter do exerccio da dominao. E tambm, com
isso, seus efeitos. Por isso, conve-niente distinguir as classes de
dominao segundo suas pretenses tpicas legitimidade. Para esse fim,
prtico partir de condies modernas e, portanto, conhecidas.
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1. A deciso de escolher para a distino este ponto de partida e
nenhum outro s JX>de ser justificada pelo resultado A
circunstncia de que, dessa maneira, outros traos discriminativos
tpicos passam, por enquanto, para o segundo plano e s mais tarde
possam ser includos na anlise no parece um inconveniente decisivo.
A ~ade:' de uma dominao - j que guarda relaes bem definidas para
com a legitimidaaeaa ''propriedade tem urn..,;ll~
qe~de !!1.9,90 alfillm ~ puramente "ideal". 2. Nem toda
''pretenso'' convencional ou juridicamente garantida pode ser
chamada "rela-
o de dominao" De outro modo, o trabalhador, na proporo de sua
pretenso salarial, seria "senhor" do empregador, j que a seu pedido
pode ser-lhe posto disposio um executor de medidas judiciais. Na
verdade, formalmente, ele , em relao ao outro, parceiro numa troca,
com "direito" a receber determinadas prestaes. No entanto, o
conceito de relao de dominao no exclui a possibilidade de esta ter
surgido em virtude de um contrato formalmente livre: assim, a
dominao do patro sobre o trabalhador, que se manifesa nos
regulamentos e instrues de trabalho, ou do senhor sobre o vassalo,
que entra voluntariamente na relao feudal. A circunstncia de que a
obedincia em virtude de disciplina militar formalmente
"invo-luntria", enquanto que a obedincia em virtude de disciplina
de oficina formalmente "volun-tria", nada muda no fato de que tambm
a disciplina de oficina submisso a uma dominao. Tambm o cargo de
funcionrio pblico assumido por contrato e denuncivel, e mesmo a
relao de "sdito" pode ser aceita e (demro de certos limites)
desfeita voluntariamente. A involuntariedade absoluta s existe no
caso do escravo. Por outro lado, no se pode chamar "dominao"
qualquer "poder" econmico condicionado por situao monoplica, isto ,
neste caso, a possibilidade de "ditar" aos parceiros as condies da
troca, assim como qualquer outra "influncia" condicionada por
superioridade ertica, esportiva, argumentativa etc Quando um grande
banco capaz de impor a outros um "cartel de condies", isto no se
pode chamar "dominao" enquanto no exista uma relao de obedincia
imediata, de forma que sejam dadas e controladas em sua execuo
instrues por sua direo, com a pretenso e a probabi-lidade de que
sejam respeitadas pura e simplesmente como tais. Naturamente, nesse
caso, como em todos os demais, a transio fluida: da
responsabilidade por dvidas at a escravizao por dvidas existem
todas as situaes intermdias possveis. E a posio de um "salo" pode
chegar aos limites de uma situao de poder autoritria, mas nem por
isso ser "dominao". Na realidade, urna diferenciao exata muitas
vezes impossvel, e justamente por isso toma-se maior a necessidade
de conceitos claros.
/) 3. A "I~" de uma dominao dev.e
naturalme_nte..ser..considerada apenas uma p~a.ck.-:Oe~erngrau
relevante, ser reconhecida e praticamente tratada como tal. Nem de
longe ocorre que tda obedincia a urrfaaffilnsteja
or'ieruapilmordialmente (ou, pelo menos, sempre) por essa crena. A
obedincia de um indivduo ou de grupos inteiros pode ser dissimulada
por uma questo de oportunidade, exercida na prtica por interesse
material prprio ou aceita como inevitvel por fraqueza e desamparo
individuais. Mas isso no decisivo para identificar uma dominao. O
decisivo que a pr>pr1,_J2rer.eo.l!Lde legitimidade, por sua
natureza, seja "vlida" em grau relevante, consolide sua existncia e
determine, entre outros fatores, a natureza dos meios de dominao
escolhidos. Uma dominao pode tambm estar garantida de modo to
absoluto - caso freqente na prtica ~ por uma comunidade ev_i.cJence
de interesses entre() senh
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ECONOMIA E SOCIEDADE 141
6. O mbito da influncia com carter de dominao sobre as rt:1aes
sociais e os fenme-nos culturais muito maior do que parece primeira
vista. Por exemplo, a dominao que se exerce na escola que se
reflete nas formas de linguagem oral e escrita consideradas
ortodo:tas. Os dialetos que funcionam como linguagem oficial das
associaes polticas autocfalas, portanto, de seus regentes, vieram a
ser essas formas ortodoxas de linguagem oral e escrita e levaram s
separaes "nacionais" (por exemplo, entre a Alemanha e a Holanda}
Mas a dominao exercida pelos pais e pela escola estende-se para
muito alm da influncia sobre aqueles bens culturais (aparentemente
apenas) formais at a formao do carter dos jovens e, com isso, dos
homens.
7. A circunstncia de o dirigente e o quadro administrativo de
uma associao aparecerem formalmente como "servidores" dos
dominados, no constitui, naturalmente, nenhuma prova contra o
carter de "dominao". Mais tarde voltaremos a falar particularmente
dos fenmenos materiais da chamada "democracia". Em quase todos os
casos concebveis, cabe atribuir ao dirigente e ao quadro um mmimo
de mando decisivo e, portanto, de "dominao".
2. H trs tipos puros ~a. A vigncia de sua legitimidade pode ser,
primordialmente:
1. de ~ai: baseada na crena na legitimidade das ordens estatudas
e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, esto
nomeados para exercer a dominao (dominao legal), ou
2. de carter tradicional: baseada na crena cotidiana na
santidade das tradies vigentes desde sempre e na legitimidade
daqueles que, em virtude dessas tradies, representam a autoridade
(dominao tradicional), ou, por fim,
3. de c:acter car~o: baseada na ven~ro extracotidiana da
santidade, do poder herico ou do carter e~~rnplar de uma-pessoa e
das ordens por esta reveladas ou cradas(d.ominao crismtica).
No caso da dominao baseada em estatutos, obedece-se ordem
impessoal, objetiva e legalmente estatuda e aos superiores por ela
determinados, em virtude da legalidade formal de suas disposies e
dentro do mbito de vigncia destas. No caso da dominao tradicional,
obedece-se pessoa do senhor nomeada pela tradio e vinculada a esta
(dentro do mbito de vigncia dela), em virtude de devoo aos hbitos
costumeiros. No caso da dominao carismtica, obedece-se ao lder
carismaticamente qualificado como tal, em virtude de confiana
pessoal em revelao, herosmo ou exem-plaridade dentro do mbito da
crena nesse seu carisma.
l. A utilidade desta classificao s pode ser comprovada pelo
resultado que traz no que se refere sistemtica. O conceito de
"carisma" ("graa")foi tomado da terminologia do cristia-nismo
primitivo. Para a hierocracia crist, quem primeiro elucidou o
conceito, porm sem explicar a terminologia, foi Rudolph SouM em
Kirchenrecht, seguido por outros (por exemplo, Karl Hou.), em
Enthusiasmus und Bussgevvalt [1898] que escreveram sobre certas
conseqncias importantes dele. O conceito, portanto, no novo.
2. O fato de que nenhum dos trs tipos ideais, a serem examinados
mais de perto no que segue, costuma existir historicamente em forma
realmente "pura", no d~ impedir em ocasio alguma a fixao _do
conceito na forma mais pura possvel. Mais adiante ( 11 e seg.), ser
considerada a transformao do carisma puro ao ser absorvido pelo
cotidiano e ao aproxi-mar-se assim substancialmente das formas de
dominao empricas. Mas ainda assim vale para todo fenmeno histrico
emprico de dominao que ele no costuma ser um "livro bem
racioci-nado". E a tipologia sociolgica oferece ao trabalho
histrico emprico somente a vantagem - que freqentemente no deve ser
subestimada - de poder dizer, no caso particular de uma forma de
dominao, o que h nele de "carismtico'', de "carisma hereditrio" (
10, 11), de "carisma i!l5titucional", de "patriarcal"( 7), de
"burocrtico"( 4), de "estamental" etc., ou seja, em qu ela se
aproxima de um destes tipos, alm da de trabalhar com conceitos
razoavel-
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mente inequvocos. Nem de longe se cogita aqui sugerir que toda a
realidade histrica pode ser "encaixada" no esquema conceituai
desenvolvido no que segue.
2. A dominao legal com quadro administrativo burocrtico
Observao preliminar: Partimos aqui deliberadamente da forma de
administrao especi-ficamente moderna, para poder depois contrastar
com esta as outras formas.
3. A dominao legal baseia-se na vigncia das seguintes idias,
entrelaadas entre si:
1. que to_Qo direito, mediante pacto ou imposio, pode ser
estatudo de modo racional- racional referente a fins ou racional
referente a valores (ou ambas as coisas) -=cffi a pretenso de ser
respeitado pelo menos pelos membros da associao, mas tambm, em
regra, por pessoas que, dentro do mbito de poder desta (em caso de
associaes territoriais: dentro do territrio), realizem aes sociais
ou entrem em deter-minadas relaes sociais, declaradas relevantes
pela ordem da associao;
2. que todo direito , segundo sua essncia, um cosmos de regras
abstratas, nor-malmente estatudas com determinadas intenes; que a
judicatura a aplicao dessas regras ao caso particular e que a
administrao o cuidado racional de interesses pre-vistos pelas
ordens da associao, dentro dos limites das normas jurdicas e
segundo princpios indicveis de forma geral, os quais encontram
aprovao ou pelo menos no so desaprovados nas ordens da
associao;
3. que, portanto, o senhor legal tpico, o "superior'', enquanto
ordena e, com isso, manda, obedece por sua parte ordem impessoal
pela qual orienta suas dispo-sies;
Isto se aplica tambm ao senhor legal que no "funcionrio pblico",
por exemplo, o presidente eleito de um Estado.
4. que como se costuma express-lo - quem obedece s o faz como
membro da associao e s obedece ''ao direito'';
Como membro de uma unio, comunidade, igreja; no Estado: como
cidado.
5. que se aplica, em correspondncia com o tpico 3, a idia de que
os membros da associao, ao obedecerem ao senhor, no o fazem pessoa
deste mas, sim, quelas ordens impessoais e que, por isso, s esto
obrigados obedincia dentro da compe-tncia objetiva, racionalmente
limitada, que lhe foi atribuda por essas ordens.
As categorias fundamentais da dominao racional so, portanto, 1.
um exerccio contnuo, vinculado a determinadas regras, de funes
oficiais,
dentro de 2. determinada competncia, o que significa: a) um mTfo
objetivamente limitado, em virtude da distribuio dos servios,
de servios obrigatrios, b) com atribuio dos poderes de mando
eventualmente requeridos e c) li~de sua aplicao. A um exerccio
organizado desta forma denominamos ''autoridade
institucional''.
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ECONOMIA E SOCIEDADE 143
"Autoridade institucional" existe, neste sentido, naturalmente
em grandes empresas priva-das, partidos, exrcitos, do mesmo modo
que no "Estado" e na "igreja". Assim, tambm,. no sentido desta
terminologia o presidente eleito do Estado (ou o colgio dos
ministros ou dos "representantes do povo" eleitos) uma "autoridade
institucional". Mas essas categorias no interessam por enquanto.
Nem toda autoridade institucional tem "poderes de mando" neste
mesmo sentido; mas tampouco essa distino interessa aqui.
A essas categorias se junta 3. o princpio da hierarquia ofidal,
isto , de organizao de instncias fixas
de controle e superviso para cada autoridade institucional, com
o direito de apelao ou reclamao das subordinadas s superiores.
Regula-se de forma diversa a questo de se e quando a prpria
instncia de reclamao repe a disJX)Sio a ser alterada por outra
"correta" ou d as respectivas instrues instncia subordinada qual se
refere a reclamao.
4. As "regras" segundo as quais se procede poqem ser: a) regras
tcnicas; b)normas. Na aplicao destas, para atingir racionalidade
plena, necessria, em ambos
os casos, uma qualificao profissional. Normalmente, portanto, s
esto qualificados participao no quadro administrativo de uma
associao os que podem comprovar uma especializao profissional, e s
estes podem ser aceitos como funcionrios. Os "funcionrios"
constituem tipicamente o quadro administrativo de associaes
racio-nais, sejam estas polticas, hierocrticas, econmicas
(especialmente, capitalistas) ou outras.
5. Aplica-se (em caso de racionalidade) o princpo da separao
absoluta entre o quadro administrativo e os meios de admnistrao e
produo. Os funcionrios, empregados e trabalhadores do quadro
administrativo no esto de posse dos meios materiais de administrao
e produo, mas os recebem em espcie ou em dinheiro e tm
responsabilidade contbil. Aplica-se o princpio da separao absoluta
entre o patrimnio (ou capital) da instituio (empresa)e o patrimnio
privado (da gesto patri-monial), bem como entre o local das
atividades profissionais (escritrio) e o domiclio dos
funcionrios.
6. Em caso de racionalidade plena, no h qualquer apropriao do
cargo pelo detentor. Quando est constitudo um "direito" ao "cargo"
(como, por exemplo, no caso dos juzes e, recentemente, no de sees
crescentes dos funcionrios pblicos e mesmo dos trabalhadores), ele
no serve normalmente para o fim de uma apropriao pelo funcionrio,
mas sim para garantir seu trabal!ip de carter puramente objetivo
("independente"), apenas vinculado a determinadas normas, no
respectivo cargo.
7. Aplica-se o princpio da documentao dos processos
administrativos, mesmo nos casos em que a discusso oral , na
prtica, a regra ou at consta no regulamento: pelo menos as
consideraes preliminares e requisitos, bem como as~ decises,
dispo-sies e ordenaes finais, de todas as espcies, esto fixadas por
escrito. A documen-tao e o exerccio contnuo de atividades pelos
funcionrios constituem, em conjunto, o escritrio, como ponto
essencial de toda moderna ao da associao.
8. A dominao legal pode assumir formas muito diversas, das quais
falaremos mais tarde em particular. Limitar-nos-emos, em seguida,
anlise tpico-ideal da estru-tura de dominao mais pura dentro do
quadro administrativo: do "funcionalismo'', ou seja, da
"burocracia". ----
O fato de deixarmos de lado a natureza tpica do dirigente se
explica por eira.instncias que s mais adiante sero totalmente
compreensveis. Alguns tipos muito importantes de domi-
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nao racional pertencem formalmente, por seu dirigente, a outras
categorias (carismtico-here-ditrios: monarquia hereditria;
carismticos: presidente plebiscitrio); outros so materialmen-te, em
aspectos importantes, de carter racional, porm construdos numa
forma intermediria entre burocracia e carismatismo (governo de
gabinete); e outros, por fim, so liderados pelos dirigentes
(carismticos ou burocrticos) de outras associaes ("partidos",
ministrios de parti-do) O tipo do quadro administrativo racional
legal suscetvel de aplicao universal e o mais imponante na vida
cotidiana, pois na vida cotidiana dominao , em primeiro lugar,
admi-nistrao.
4. O tipo mais puro de dominao..legal aquele que se exerce por
meio de um quadro ;y:fministratiYQ brQJtiJico. Somente o dirigente
da associao possui sua posio de senhor, em virtude ou de apropriao
ou de eleio ou de designao da sucesso. Mas suas competncias
senhoriais so tambm competncias legais. O con-junto do quadro
administrativo se compe, no tipo mais puro, de funcionrios
indivi-dyais (monocracia, em oposio "colegialidade", da qual
falaremos mais tarde), os quais:
1. so pe~gaJmeme livres; obedecem somente s obrigaes objetivas
de seu cargo;
2. s~QlJOfil~seleo segundo 5. a qualifca_o profissional no caso
mais racional: qualificao verificada
mediante prova e certificada por diploma; 6. so remunerados com
salrios fixos em dinheiro, na maioria dos casos com
direito a aposentadoria; em certas circunstncias (especialmente
em empresas privadas), podem ser demitidos pelo patro, porm sempre
podem demitir-se por sua vez; seu salrio est escalonado, em
primeiro lugar, segundo a posio na hierarquia e, alm disso, segundo
a responsabilidade do cargo e o princpio da correspondncia posio
social (captulo IV);
7. exei:ce!ll su cargo rnmo profSS!()_(lnii=a ou principal; 8.
tm a perspectiva de uma carreira:. "progre$,.,o.'..'...mr tempo de
servio ou
eficincia, ou ambas as coisas, dependendo do critrio dos
superiores; 9. trabalham em "separao absoluta dos meios
c:l!Ilinjg.r.ativos" e sem apro-
priao do cargo;- -- 1 O. esto submetidos a um sistema rigoroso e
h"Il!9.Bneo de disciplina e controle do ~erviQ. --- ---~--------
------Esta ordem aplicvel igualmente, em princpio, e historicamente
comprovada
(em maior ou menor aproxima
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ECONOMIA E SOCIEDADE 145
2. A dominao burocrtica realiza-se em sua forma mais pura onde
rege, de modo mais puro, o princpio da nomeao dos funcionrios. No
existe, no mesmo sentido da hierarquia de funcionrios nomeados, uma
hierarquia de funcionrios eleitos, j que a prpria disciplina nunca
pode alcanar o mesmo grau de rigor quando o funcionrio subordinado
pode prevale-cer-se de sua eleio do mesmo modo que o superior e
suas possibilidades no dependem do juzo deste ltimo (sobre os
funcionrios eleitos, veja 14)
3. A nomeao por contrato, portanto, a livre seleo, um elemento
essencial da buro-cracia moderna. Quando trabalham funcionrios
no-livres (escravos, ministeriais) dentro de estruturas
hierrquicas, com competncias objetivas, portanto, de modo
burocrtico formal, falamos de "burocracia patrimonial".
4. O grau de qualificao profissional cresce continuamente na
burocracia. Tambm os funcionrios dos partidos e sindicatos precisam
de conhecimento especfico (empiricamente ad-quirido). A
circunstncia de os "ministros" e "presidentes do Estado" modernos
serem os nicos "funcionrios" dos quais no se exige qualificao
profissional alguma demonstra que eles so funcionrios apenas no
sentido formal da palavra, no material, do mesmo modo que o
"diretor-geral" de uma grande sociedade annima privada. E, alm
disso, a posio do empresrio capita-lista est to apropriada quanto a
do "monarca". No topo da dominao burocrtica existe, portanto,
inevitavelmente pelo menos um elemento que no tem carter puramente
burocrtico. Representa apenas uma categoria de dominao mediante um
quadro administrativo especial.
5. O salrio fixo o normal. (Denominamos "prebendas" as receitas
apropriadas de emo-lumentos; sobre o conceito, veja 8.) Tambm
normal o salrio em dinheiro. Esta no , de modo algum, uma
caracterstica substancial do conceito; mas corresponde de forma
mais pura ao tipo. (Emolumentos em espcie tm carter de "prebenda".
A prebenda normalmente uma categoria da apropriao de oportunidades
de aquisio e de cargos.) Mas as transies aqui so totalmente
fluidas, conforme mostram precisamente estes exemplos. As
apropriaes em virtude de arrendamento, compra ou penhora de cargos
no pertencem burocracia pura, mas, sim, a outra categoria ( 7 a, 3,
no final).
6. "Cargos" como "profisso acessria" e "cargos honorficos"
pertencem a categorias a serem examinadas mais tarde ( 19 e seg.).
O funcionrio "burocrtico" tpico exerce seu cargo como profisso
principal.
7. A separao dos meios administrativos realizada exatamente no
mesmo sentido nas burocracias pblica e privada (por exemplo, na
grande empresa capitalista).
8. As "autoridades institucionais" de carter colegial sero
consideradas em particular mais adiante( 15). Esto diminuindo
rapidamente em favor da direo efetivamente e, na maioria dos casos,
tambm formalmente monocrtica (por exemplo, na Prssia, os "governos"
colegiais h muito tempo deram lugar ao presidente monocrtico). O
decisivo para essa tendncia o interesse numa administrao rpida,
inequvoca e por isso independente de compromissos e variaes de
opinio da maioria.
9. claro que os oficiais modernos constituem uma categoria de
fundonrios nomeados com caractersticas estamentais particulares,
das quais falaremos em outra ocasio (captulo IV), em contraste com
a de lderes eleitos, os condottieri carismticos ( 10), por um lado,
e, por outro, alm dos oficiais empresrios capitalistas (exrcito de
mercenrios), os compradores de cargos de oficiais( 7 a, no final)
As transies podem ser fluidas. Os "servidores" patrimoniais,
separados dos meios administrativos, e os empresrios capitalistas
de exrcitos foram, assim como, freqentemente, os empresrios
capitalistas privados, precursores da burocracia moderna. Os
pormenores sero dados mais adiante.
S. A administrao puramente burocrtica, portanto, a administrao
burocrti-co-monocrtica mediante documentao, considerada do ponto de
vista formal, , se- / gundo toda a experincia, a forma mais
racional de exerccio de dumi.Q.!!' porque ) nela se alcana
tecgica~11r~_Q_rnximod~ r~p.Q~n:i~m ~ID -~:'!J1l!d~ qe_pr~ci~
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de formas de associao'' mcxlernas'' em todas as reas (Estado,
Igreja, exrcito, partido, empresa econmica, associao de
interessados, unio, fundao e o que mais seja) pura e simplesmente o
mesmo que o desenvolvimento e crescimento contnuos da administrao
burocrtica: o desenvolvimento desta constitui, por exemplo,
a"'elula germinativa do mcxlerno Estado ocidental. Que ningum se
deixe enganar, nem por um momento, por quaisquer instncias
aparentemente contrrias, sejam estas represen-taes colegiadas de
interessados ou comisses parlamentares ou "ditaduras de
comiss-rios" ou funcionrios honorfico.sou juzes leigos (ou at
resmngos contra "So Buro-crcio''), ao fato de que tcxlo trabalho
contnuo dos funcionrios realiza-se em escrit-rios. Toda nossa vida
cotidiana est encaixada nesse quadro. Pois uma vez que a
adminis-trao burocrtica por toda parte - ceteris paribus - a mais
racional do ponto de vista tcnico-formal, ela pura e simplesmente
inevitvel para as necessidades da administrao de massas (de pessoas
ou objetos) S existe escolha entre "burocra-tizao" e "diletantizao"
da administrao, e o grande __!9.strumento de superioridade
da-_uroqt_ica. o con!JecinI~nfqp.s_o[iss_ional, cuja
indispensabilfde absoluta est condicionada pela mcxlema tcnica e
economia da prcxluo de bens, esteja esta organizada de mcxlo
capitalista ou socialista - neste ltimo caso, a pretenso de atingir
o mesmo rendimento tcnico significaria um aumento enorme da
importncia da burocracia especializada. Do mesmo mcxlo que os
dominados s podem defender-se normalmente contra uma dominao
burocrtica existente criando uma contra-orga-nizao prpria, tambm
sujeita burocratizao, o prprio aparelho burocrtico obrigado a
continuar funcionando em virtude de interesses de natureza material
ou puramente objetiva, isto , ideal: sem ele, numa sociedade com
separao do.s funcio-nrios, empregado.s e trabalhadores dos meios
administrativos e com indispensabilidade de disciplina e
qualificao, a possibilidade de existncia mcxlerna acabaria para
tcxlos, menos para aqueles que ainda se encontrassem de posse dos
meio.s de abastecimento (os camponeses) Para a revoluo que chegou
ao poder e para o inimigo ocupante, esse aparelho continua
geralmente funcionando da mesma forma que para o governo legal at
ento existente. Mas a questo sempre: quem que domina o aparelho
burocrtico existente. E essa dominao sempre s possvel de modo muito
limitado ao no profissional: na maioria das vezes, o conselheiro
titular experiente est, ao longo do tempo, em condio superior do
ministro leigo, na imposio de sua vontade. A necessidade de uma
administrao contnua, rigorosa, intensa e calculvel, criada
historicamente pelo capitalismo - no s, mas, sem dvida,
principalmente por ele (este no pode existir sem aquela) e que
tcxlo socialismo racional simplesmente seria obrigado a adotar e at
intensificar, condiciona esse destino da burocracia como ncleo de
toda administrao de massas. Somente a pequena organizao (poltica,
hierocrtica, econmica ou de unio) poderia em boa medida dispens-la.
Do mesmo mcxlo que o capitalismo, em sua fase atual de
desenvolvimento, exige a burocracia
ainda que os dois tenham razes histricas diversas-, ele
constitui tambm o funda-mento econmico mais racional - por colocar
fiscalmente disposio dela os neces-srios meio.s monetrios - sobre o
qual ela pcxle existir em sua forma mais racional.
Alm de determinadas condies fiscais, a administrao burocrtica
pressupe, como fatores.sendal, determinadas condies tcnicas de
comunicao e transporte. Sua preciso exige a ferrovia, o telgrafo, o
telefone, e liga-se a estes em extenso crescente. Isso em nada
seria alterado por uma ordem socialista. O problema saber (veja
captulo II, 12) se esta seria capaz de criar condies semelhantes s
da ordem capitalista para uma administrao racional, o que
significaria precisamente no caso dela: uma administrao
rigorosamente burocrtica orientada por regras formais ainda mais
fixas. Em caso contrrio, teramos de novo uma daquelas grandes
irracionalidades
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ECONOMIA E SOCIEDADE 147
antinomia da racionalidade formal e racional-, que a Sociologia
levada a constatar com tanta freqncia.
Administrao burocrtica significa: dominao em virtude de
conhecimento; este seu carter fundamental especificamente racional.
Alm da posio de formidvel poder devida ao conhecimento
profissional, a burocracia (ou o senhor que dela se serve )tem a
tendncia de fortalec-la ainda mais pelo saber prtico de servio: o
conheci-mento de fatos adquirido na execuo das tarefas ou obtido
via "documentao". O conceito (no s, mas especificamente) burocrtico
do "segredo oficial" -comparvel, em sua relao ao conhecimento
profissional, aos segredos das empresas comerciais no que concerne
aos tcnicos provm dessa pretenso de poder.
Superior burocracia, em relao ao conhecimento conhecimento
profissional e dos fatos, dentro do mbito de seus interesses -, ,
em regra, somente o interessado privado com orientao aquisitiva,
isto , o empresrio capitalista. Este constitui a nca instncia
realmente imune (pelo menos, relativamente) dominao inevitvel pelo
conhecimento burocrtico racional. Todos os demais, dentro de suas
associaes de massas, esto inapelavelmente sujeitos ao domnio
burocrtico, do mesmo modo que dominao material do equipamento de
preciso na produo de bens em massa.
Do ponto de vista social, a dominao burocrtica significa, em
geral: 1. a tendncia ao nivelamento
.DQJnt~~~s~_!Q_Ji5-ibilidad~e_c:erutamenta...univ~!]fil a partir
dos profissionalmente mais quaflficados;
2. a tendncia plutocratizao no interesse de um processo muito
extenso de qualificao profissional (freqentemente quase at o fim da
terceira dcada da vida);
3. a dominao da impesoa/iqaQe. formalista: sineira et studio,
sem dio e paixo, e, portanto, sem "amor" e "entusiasmo'\ sob a
presso de simples conceitos de dever, sem consideraes pessoais, de
modo formalmente igual para "cada qual", isto , cada qual dos
interessados que efetivamente se encontram em situao igual - assim
que o funcionrio ideal exerce seu cargo.
Mas do mesmo modo que a burocratizao cria um nivelamento
estamental (ten-dncia normal e tambm historicamente comprovvel como
tal), todo nivelamento so-cial, por sua vez, fomenta a burocracia
que, por toda parte, a sombra inescapvel da progressiva "democracia
de massas". E isso pela eliminao do detentor do domnio estamental
em virtude da apropriao dos meios e do poder administrativos e, no
inte-resse da "igualdade", pelo afastamento do detentor de cargos
capacitado adminis-trao "honorria" ou "acessria" em virtude de
propriedade. Voltaremos a este assunto em outra ocasio.
O "esprito" normal da burocracia racional , em termos gerais, o
seguinte: 1. formalismo, reclamado portados os interessados na
proteo de oportunidades
pessoais de vida, de qualquer espcie porque, de outro modo, a
conseqncia seria arbitrariedade e porque o formalismo a tendncia
que exige menos esforo. Em contradio aparente - e parcialmente
efetiva - a esta tendncia desta classe de inte-resses est
2. a tendncia dos funcionrios a uma execuo
materialmenfs;utilim.ri_st
-
148 MAX WEBER
3. A dominao tradicional
6. Denominamos uma dominao tradicional quando sua k~gitimidade
repousa na crena na santi~~e
-
ECONOMIA E SOCIEDADE
')') funcionrios domsticos dependentes, particularmente
''ministeriais''; 8) clientes; e) colonos; O libertados; b)
("recrutamento extrapatrimonial", em virtude de):
149
a) relaes pessoais de confiana ("favoritos" independentes, de
todas as esp-cies~ ou
m pacto de fidelidade com o senhor legitimado (vassalos) e, por
fim, ')') funcionrios livres que entram na relao de piedade para
com o senhor. Com respeito a a a: um princpio de administrao muito
freqente nas dominaes
tradicionais colocar nas posies mais importantes membros do cl
do senhor. Com respeito a a {3: escravos e (a ')libertados
encontram-se em dominaes patrimoniais
freqentemente em todas as posies at as mais altas (no foi raro o
caso de ex-escravos na posio de gro-vizir)
Com respeito a a y: os funcionrios domsticos tpicos - o senescal
(gro-servo), o mare-chal (cavalaria), o camareiro, o copeiro, o
mordomo (chefe da criadagem e eventualmente dos vassalos)- so
encontrados por toda parte na Europa. No Oriente, tm importncia
especial o gro-eunuco (guarda do harm); entre os prncipes negros
freqentemente o verdugo e, por toda parte, o mdico de cmara, o
astrlogo e cargos semelhantes.
Com respeito a a 8: tanto na China quanto no Egito, a clientela
do rei foi a fonte do funcionalismo patrimonial.
Com respeito a a e: encontramos exrcitos de colonos em todo o
Oriente, mas tambm no domnio da nobreza romana. (O Oriente islmico
da poca moderna ainda conheceu exrcitos de escravos.)
Com respeito aba: o sistema de "favoritos" uma caracterstica
especfica de todo patrimo-nialismo e muitas vezes motivo de
"revolues tradicionalistas" (sobre o conceito, veja no fim do).
Com respeito a b {3: dos vassalos cabe tratar em particular. Com
respeito a b y: a "burocracia" surgiu primeiro em Estados
patrimoniais, e isso como
funcionalismo com recrutamento extrapatrimonial. Mas esses
funcionrios eram, conforme cabe logo observar, no incio servidores
pessoais do senhor.
Ao quadro administrativo da dominao tradicional, em seu tipo
puro, faltam: a) a "competncia" fixa segundo regras objetivas; b) a
hierarquia racional fixa; e) a nomeao regulada por contrato livre e
o ascenso regulado; d) a formao profissional (como norma); e)
(muitas vezes) o salrio fixo e (ainda mais freqentemente) o salrio
pago
em dinheiro. Com respeito a a: em lugar da competncia objetiva
fixa existe a concorrncia
entre os respeaivos encargos e responsabilidades atribudos
inicialmente pelo senhor a seu arbtrio, mas que logo assumem carter
duradouro e muitas vezes acabam sendo estereotipados pela tradio.
Cria-se essa concorrncia particularmente pela disputa por
oportunidades de emolumentos devidos tanto aos encarregados quanto
ao prprio senhor quando se recorre a seus servios. Em virtude de
tais interesses constituem-se freqentemente, pela primeira vez, as
competncias objetivas e, com isso, a existncia de uma "autoridade
institucional".
Todos os encarregados com incumbncia permanente so,
inicialmente, funcio-nrios domsticos do senhor; sua incumbncia no
ligada casa (''extrapatrimonial''), que deriva de sua funo domstica
em virtude de afinidades objetivas e muitas vezes bastante
superficiais entre campos de atividade, lhe atribuda inicialmente
pelo senhor
-
150 MAX WEBER
por puro arbtrio, mais tarde estereotipado pela tradio. Alm dos
funcionrios doms-ticos, existiam, no princpio, apenas encarregados
ad hoc.
A ausncia da idia de "competncia" revela-se facilmente, por
exemplo, pelo exame da lista dos ttulos dos funcionrios do amigo
Oriente. Com raras excees, impossvel encontrar como duradoura e
fixa uma esfera de atividade objetiva, racionalmente delimitada,
com carter de "competncia" em nosso sentido.
A existncia de uma delimitao de incumbncias duradouras de fato
au:~vs de concor-rncia e compromissos entre interesses em
emolumentos observa-se particularmente na Idade Mdia. Os efeitos
dessa circunstncia foram de grande alcance. Os interesses em
emolumentos dos poderosos tribunais reais e do tambm poderoso
estamento dos advogados, na Inglaterra, em parte impediram e em
parte limitaram o domnio do direito romano e cannico. A delimitao
irracional de numerosas autorizaes ligadas aos cargos, em todas as
pocas, ficou estereotipada em virtude de uma dada demarcao das
esferas de interesses em emolumentos.
Com respeito a b}. a determinao de se a decs!:o final de um
assunto ou de uma queixa contra este cabe ao prprio senhor ou a
quais sejam os respectivos encarre-gados, ou
a) regulada pela tradio, s vezes considerando-se a procedncia de
determi-nadas normas jurdicas ou precedentes de origem externa
(sistema do tribunal supremo~ ou
/3) depende totalmente do arbtrio do senhor, ao qual cedem todos
os encarre-gados onde quer que pessoalmente aparea
Ao lado do sistema tradicionalista do tribunal supremo existe o
princpio jurdico alemo, proveniente da esfera do poder absoluto do
senhor, de que ao senhor presente cabe toda jurisdi-o, do mesmo
modo que o jus evocandi, derivado da mesma origem e da graa livre
do senhor, e seu desdobramento moderno: a "justia de gabinete". O
tribunal supremo era, na Idade Mdia, freqentemente a autoridade
jurisprudencial a partir da qual se importava o direito de outros
lugares.
Com respeito a e: os funcionrios domsticos e favoritos so
recrutados muitas vezes de modo puramente patrimonial: escravos ou
servos (ministeriais) do senhor. Ou, quando recrutados de mexia
extrapatrimonial, so prebendrios (veja mais adiante) que este
transfere segundo seu juzo formalmente livre. S a entrada de
vassalos livres e a atribuio de funes em virtude de contratos
feudais mcxiifica fundamentalmente essa situao, sem trazer, no
entanto, mudana alguma nos pontos a e b uma vez que nem a natureza
nem a extenso dos feudos determinada por critrios objetivos. Um
.ascenso - exceto, em determinadas circunstncias, no caso de
estrutura preben dria do quadro administrativo (veja 8)- s possvel
por arbtrio e graa do senhor.
Com respeito a d: em princpio, tcxios os funcionrios domsticos e
favoritos do senhor carecem de uma formao profissional racional
como qualificao funda mental. O comeo da formao profissional dos
funcionrios (qualquer que seja a natu-reza dela) marca, por toda
parte, uma poca no estilo da administrao.
Certo grau de instruo emprica j foi necessrio para algumas funes
em pocas bem an~as. No entanto, a arte de ler e escrever,
originalmente uma verdadeira "arte" de alto valor de raridade,
influenciou muitas vezes - exemplo mais importante: a China - de
modo decisivo todo o desenvolvimento cultural, atravs da conduta de
vida dos literatos, eliminando o recruta-mento intr:apatrimonial
dos funcionrios e limitando assim "estamentalmente" o poder do
senhor (veja 7 a, tpico 3}
-
ECONOMIA E SOCltun..._ 151
Com respeito a e: os funcionrios domsticos e favoritos foram
originalmente alimentados na mesa do senhor e equipados a partir de
seu guarda-roupa. Seu afasta-mento da mesa do senhor significa, em
regra, a criao de prebendas (no princpio, receitas em espcie), cuja
natureza e extenso facilmente acabam estereotipadas. Alm disso,
tanto os rgos do senhor encarregados de servios extradomsticos
quanto ele mesmo tm direito a determinadas "taxas" (muitas vezes
combinadas, para cada caso individual, com os solicitantes de um
"favor", sem haver tarifao alguma).
Sobre o conceito de "prebenda'', veja 8.
7 a. l. Os tif>OS pr!.mt:i()_s_cia dominao tradicional so os
casos em que faltam um quadro administrativo pessoal do senhor:
a) a ger,9mQcracia e b) o p~triarcalismo primrio. Denomina-se
gerontocraja a situao em que, havendo alguma dominao dentro
da associao, esta ex~rqQ~L.Pcl9~Jrnis_ velhos (originTmente, no
sentido literal da palavra: pela idade), sendo eles os melhores
-onhecedores da tradio sagrada. A geron-tocracia encontrada
freqentemente em associaes que no so primordialmente econmicas ou
familiares. chamadatriarcalismo a situao em que, dentro de uma
associao (domstica), muitas vezes prifiloroiTmente econmica e
familiar, a don.r nae-exercida por um indivduo determinado
(normalmente) segundo regras fixas de sucesso. No rara a
coexistncia de gerontocracia e patriarcalismo. Em todo caso, o
decisivo que o poder, tanto dos gerontocratas quanto dos
patriarcas, no tipo puro, se orienta pela idia dos dominados
(''associados'') de que essa dominao, apesar de constituir um
direito pessoal e tradicional do senhor, exerce-se materialmente
como direito preeminente dos associados e, por isso, no interesse
destes, no havendo, portan-to, apropriao livre desse direito por
parte do senhor. A ausncia total, nestes tipos de dominao, de um
quadro administrativo pessoal ("patrimonial") do senhor que
determina essa situao. O senhor depende em grande parte da vontade
de obedecer dos associados, uma vez que no possui "quadro
administrativo". Os associados ainda so, portanto, "companheiros",
e no "sc!itos". Mas so "companheiros" em virtude da tradio, e no
"membros" em virtude de estatutos. Devem obedincia ao senhor, e no
a regras estatudas. Mas ao senhor apenas a devem de acordo com a
tradio. O senhor, por sua parte, est estritamente vinculado
tradio.
Sobre as formas de gerontocracia, veja mais adiante. O
patriarcalismo primrio lhe afim na medida em que a dominao atua de
modo obrigatrio apenas dentro da casa. Fora desta, porm, sua ao -
como no caso dos xeques rabes - tem carter apenas exemplar,
limitando-se portanto, como na dominao carismtica, a bons exemplos
ou a conselhos e outros meios de influncia.
2. Ao surgi_Ll!!ll 9l1a.Qro adrriinistrativo (e militar)
puramente pessoal do senhor, toda domina tradicional tende ao
patrimonialismo e, com grau extremo de poder senhorial, ao
sultanismo:
os "companheiros" tornam-se "sditos"; o direito do senhor,
interpretado at ento como direito preeminente dos associados,
converte-se em seu direito prprio, apropriado por ele da mesma
forma (em princpio) que um objeto possudo de natureza qualquer,
valorizvel (por venda, penhora ou partilha entre herdeiros), em
princpio, como outra oportunidade econmica qualquer. Externamente,
o poder de senhor patri-monial apia-se em guardas pessoais e
exrcitos formados de escravos (muitas vezes
- 152 , MAX WEBER marcados a ferro), colonos ou sditos forados ou
- para tornar o mais indissolvel possvel a unio de interesses
perante os ltimos - de mercenrios (exrcitos patrimo-niais). Em
virtude desse poder, o senhor amplia o alcance de seu arbtrio e de
sua graa, desligados da tradio, s custas da vinculao tradicional
patriarcal e geronto-crtica. Denominamos patrimonial toda dominao
que, originariamente orientada pela tradio, se exerce em virtude de
pleno direito pessoal, e s(!ltanista tq
-
ECONOMIA E SOCIEDADE 153
res prprios, regulados por ordens particulares do senhor ou por
compromissos espe-ciais com as pessoas apropriadas.
Caso 1: por exemplo, cargos cortesos de um senhor, apropriados
como feudos. Caso 2: por exemplo, senhores territoriais que, em
virtude de privilgios senhoriais ou por usurpao (na maioria das
vezes, os primeiros so a legalizao da segunda), se apropriaram de
direitos de mando.
A apropriao por parte de indivduos pode repousar em 1)
arrendamento; 2) penhora; 3) venda; 4) privilgio pessoal,
hereditrio ou livremente apropriado, incondicionado ou
condicionado por determinadas contraprestaes, atribudo a) como
remunerao de servios ou a fim de comprar obedincia, ou b) em vinude
do reconhecimento da usurpao efetiva de poderes de mando; 5)
apropriao por uma associao ou uma camada social estamentalmente
quali-
ficada, o que em regra conseqncia de um compromisso entre o
serihor ~g_gt,.I_Q!o administrativo, ou por uma camada estamental'
unida por relaes ssociativas; isto pode -
a) deixar ao senhor a liberdade de seleo absoluta ou relativa em
cada caso individual, ou
{:j) estatuir regras fixas referentes deteno pessoal do
respeaivo cargo; 6) feudos, caso do qual trataremos
separadamente.
1. Os meios de administrao, na gerontocracia e no patrarcalismo
puro segundo a idia neles reinante, porm, muitas vezes pouco dara
-, esto apropriados pela associao administrada ou pelas gestes
patrimoniais que participam na administrao: a administrao se
realiza "em favor" da associao. A apropriao pelo senhor como tal
pertence ao mundo de idias do patrimonialismo e pode realizar-se em
extenso muito diversa at a regalia absoluta do solo e a escravatura
total dos sditos ("direito de venda" do senhor) A apropriao
estamental significa apropriao de pelo menos uma parte dos meios de
administrao por pane dos membros do quadro administrativo. Assim,
enquanto que, no patrimonialismo puro, h separao total enrre os
administradores e os meios de administrao, no patrimonialismo
esta-mental a situao exatamente inversa: o administrador est de
posse de todos os meios de administrao ou, pelo menos, de parte
essencial destes. Por exemplo, o vassalo que se equipava a si
mesmo, o conde enfeudado que cobrava para si mesmo as taxas
judiciais e outras, bem como os tributos, e a partir de meios
prprios (entre eles tambm os apropriados) rusteava suas obrigaes
perante o senhor feudal, e o jagirdar, na ndia, que mantinha seu
contingente militar com sua prebenda tributria, todos eles estavam
de plena posse dos meios de adminis-trao, enquanto que o coronel,
que recrutava um regimento mercenrio por iniciativa prpria,
recebendo para isso determinadas quantias da caixa do prncipe e
equilibrando o dficit por diminuio dos servios ou pelo esplio ou
requisies, estava apenas parcialmente (e de forma regulada) de
posse dos meios de administrao. Por outro lado, o fara que
recrutava exrcitos de escravos ou colonos e deixava o comando com
clientes reais, vestindo, alimentando e armando os soldados a
partir de seus armazns, estava, como senhor patrimonial, de plena
posse pessoal dos meios de administrao. Nesses casos, a regulao
formal nem sempre o fator decisivo: os mamelucos eram formalmente
escravos e foram recrutados por meio da .. compra'' pelo senhor
mas de fato monopolizavam os poderes de mando de modo to
completo quanto qualquer associao de ministeriais os feudos
funcionais [feudos doados a funcionrios (N. T. )]. A apro-priao de
terras funcionais_por uma associao fechada, porm sem apropriao
individual, ocorre tanto com distribuio livre destas pelo senhor,
dentro da associao (caso 5a do texto),
-
154 MAX WEBER quanto com regulao da qualificao necessria para
obt-las (caso 5{J do texto), JX>r exemplo, pela exigncia de
determinada qualificao militar ou outra (de natureza ritual) de
pretendente e, JX>r outro lado (quando pode comprov-lo), pelo
direito preferencial dos consangneos mais prximos. O mesmo ocorre
com cargos de artesos ou camJX>neses ligados corte ou a uma
COCJX>rao e cujos servios se destinam a satisfazer necessidades
militares ou administrativas.
2. A apropriao mediante arrendamento (especialmente de arrecadao
de impostos), penhora ou venda era conhecida tanto no Ocidente
quanto no Oriente e na ndia; na Antiguidade, no foi raro o caso de
leiloar cargos sacerdotais. Nos casos de arrendamento, a finalidade
foi em parte de natureza puramente JX>ltico-financeira (situao
de necessidade particularmente em conseqncia de gastos de guerra),
em parte de natureza tcnico-financeira (garantia de uma receita
fixa em dinheiro, aplicvel para fins de gesto patrimonial); nos
casos de penhora e venda, a finalidade foi geralmente a primeira;
no Estado do Vaticano, tambm a criao de rendas para parentes.
Tiveram ainda papel importante a apropriao mediante a penhora no
sculo XVIII, na Frana, para os cargos dos juristas (parlamentos), e
a apropriao mediante venda (regulada) de cargos de oficiais, no
exrcito ingls, at o sculo XIX Na Idade Mdia, o privilgio, como sano
de usurpaes ou remunerao paga ou prometida JX>r servios
JX>lti-cos, foi comum tanto no Ocidente quanto em outras
partes.
8. O s~rvidor patrimonial pode obter seu sustento:~ a) por
alimentao na mesa do senhor; b) por emolumentos-(namaioria das
vezes, em espcie) provenientes das reservas
de bens e dirilielfcfdo senhor); e) por terras funcionais; d)
por oportunidades apropriadas de rendas, taxas ou impostos, e e)
por f euds. Quando as formas de sustento de b a d so conferidas
sempre de novo, com
apropriao individual mas no hereditria, sendo tradicionalmente
determinada sua extenso (b e e) ou clientela (d), trata-se de
"prebendas", e quando existe um quadro administrativo
principalmente mantido dessa forma, trata-se de prebendalismo.
Neste quadro pode haver um ascenso por idade ou por determinados
servios objetivamente mensurveis e pode ser exigida a qualificao
estamental e, portanto, a honra estamental (sobre o conceito de
"estamento", veja captulo IV)
Chamamos "feudos" poderes de mando apropriados quando so
conferidos pri-mordialmente por contrato a individualmente
qualificados e os direitos e deveres rec-procos se orientam, em
primeiro lugar, por conceitos de honra estamentais, o que significa
neste caso: militaristas. Na presena de um quadro administrativo
primordial-mente mantido por meio de feudos temos um feudalismo de
feudo.
Feudo e prebenda militar confundem-se muitas vezes at serem
indistinguveis. (Sobre isto, veja o exame do "estamento", captulo
IV.)
Nos casos d e e, s vezes tambm no e, o detentor apropriante dos
poderes de mando paga os custos da administrao e, eventualmente, do
equipamento militar, na forma j descrita, a partir dos meios da
prebenda ou, ento, do feudo. Sua relao de dominao para com os
sditos pode ento assumir carter patrimonial (isto , tornar-se
hereditria, alienvel ou partilhvel entre herdeiros}
l. A alimentao na mesa do senhor, ou, segundo seu juzo, a partir
de suas reservas, foi a situao primria tanto dos servidores do.5
prncipes quanto dos funcionrios domsticos, sacerdotes e todo.5 os
tiJX>s de servidores patrimoniais (por exemplo, os senhores
territoriais). A" casa dos homens", a forma mas antiga de orgarzao
profissional militar (da qual trataremos mais tarde, em particular)
tinha freqentememe o carter de um comunismo com base na gesto
patrimonial de consumo do senhor. O afastamento da mesa do senhor
{ou do templo ou da catedral) e a substituio dessa sustentao direta
JX>r emolumentos ou terras funcionais nem sempre foram
considerado.5 desejveis, apesar de serem a regra quando se formou a
famlia
-
ECONOMIA E SOCIEDADE 155 prpria. Emolumentos em espcie para os
sacerdotes e funcionrios afastados da mesa do senhor ou do templo
constituram, em todo o Oriente Prltjmo, a forma originria de
manuteno dos fur:cionrios, e tambm exstiram na China, na India e em
muitos lugares do Ocidente. Encontramos terras funcionais
conferidas em troca de servios militares em todo o Oriente desde os
comeos da Antiguidade, do mesmo modo que na Idade Mdia, na
Alemanha, como forma de sustentao dos funcionrios, domsticos ou no,
ministeriais e vinculados corte. As receitas dos sipaios turcos,
bem como dos samurais japoneses e de numerosos ministeriais e
cavaleiros semelhantes, no Oriente, so - segundo nossa terminologia
- "prebendas", e no feudos, como mais tarde explicaremos. Essas
pessoas podem viver tanto da dependncia de determinadas rendas da
terra quanto das receitas tributrias de certos distritos. No ltimo
caso, as prebendas se combinam -como tendncia geral, mas no
necessariamente -com a apropriao de poderes de mando nesses
distritos, ou esta conseqncia daquelas. O conce.ito de "feudo" s
pode ser examinado mais de perto em conexo com o de "Estado". Seu
objeto pode ser tanto terras senhoriais (portanto, uma dominao
patrimonial)quanto os mais diversos tipos de oportunidades de
rendas ou taxas.
2. A apropriao de oportunidades de rendas, taxas ou receitas de
impostos encontrada por toda parte na forma de prebendas e feudos
de todas as espcies; especialmente na ndia, como forma independente
e bastante desenvolvida: concesso de receicas em troca de
recruta-mento e manut{.,1o de contingentes militares e pagamento de
custos administrativos.
9. A domina~o ~!Eiflli>nial e especialmente a
patrimonial-estamental trata, no caso do tipo puro, igualmente
todos os p
-
156 MAX WEBER
1. O fato de participarem tambm, em certas circunstncias,
camadas no privilegiachs estamentalmente (camponeses) nada altera
nosso conceito. Pois o tipicamente decisivo o direito prprio dos
privilegiados. A ausncia de todas as camadas estamentalmente
privilegiadas daria evidentemente outro tipo.
2. O tipo se desenvolveu por completo apenas no Ocidente. Os
detalhes de sua peculia-ridade e a causa de seu surgimento
precisamente ali sero discutidos mais adiante, em particular.
3. A existncia de um quadro administrativo estamental prprio no
constitua a regra, e s em casos muito excepcionais ele tinha
poderes de mando prprios.
9 a. A dominao tradicional costuma atuar sobre as formas da
gesto econ-mica, em primeiro lugar e de modo muito geral, mediante
um certo fortalecimento das idias tradicionais. Da maneira mais
forte atuam, neste sentido, a dominao geron-tocrtica e a puramente
patriarcal, que, por no se apoiarem em um quadro adminis-trativo
particular do senhor, que se encontra em oposio aos demais membros
da associao, dependem, para manter a prpria legitimidade, em grau
extremo, da obser-vao da tradio, em todos os seus aspectos. Alm
disso:
l. A atuao sobre a economia depende da forma tpica das finanas
da associao de dominao (captulo II, 38).
Neste sentido, patrimonialismo pode significar coi~as muito
diversas. Tpicos so, particularmente: -------- - -- -
a) o oikos do senhor com proviso das necessidades, total ou
predominantemente, mediante liturgias em espcie (prestaes em espcie
e servios pessoais). Nesse caso, as relaes econmicas esto
rigorosamente vinculadas tradio, o desenvolvimento do mercado
bastante dificultado, o uso de dinheiro orientado pelo material
deste e pelo consumo, sendo impossvel o nascimento do capitalismo.
Muito prximo deste caso, quanto aos efeitos, est outro que lhe
afim:
b) a proviso das necessidades que prjvilt!&i--d~terlllinados
estamentos. Tambm neste caso, o desenvolvimento do mercado est
limitado, ainda que no necessariamente no mesmo grau, pela depresso
da "capacidade aquisitiva" em virtude das exigncias da associao de
dominao, para fins prprios, em relao propriedade e capacidade das
economias individuais.
O patrimonialismo tambm pode ser: e) monopolista, com proviso
das necessidades, em parte, mediante determinadas
taxas e, em parte, mediante impostos. Neste caso, o
desenvolvimento do mercado est irracionalmente limitado em maior ou
menor grau, dependendo da natureza dos mono-plios; as maiores
oportunidades aquisitivas encontram-se nas mos do senhor e de seu
quadro administrativo, e o desenvolvimento do capitalismo est
ou
a) diretamente impedido, em caso de direo prpria e completa da
adminis-trao, ou
{3) desviado para o campo do capitalismo poltico (captulo II, 31
), em caso de existirem como medidas financeiras o arrendamento ou
a compra de cargos e o recrutamento capitalista de exrcitos ou
funcionrios administrativos.
A economia fiscal do patrimonialismo, e muito mais ainda do
sultanismo, atua de modo ITacional,-ffiesffio--ri-presena de
economia monetria, e isso:
1) effivrtde da coexistncia de a) vinculao tradicional quanto a
extenso e natureza das exigncias em relao
a fontes tributrias diretas, e {3) liberdade completa e,
portanto, arbitrariedade, quanto a extenso e natureza,
na fixao: 1) das taxas; 2) dos impostos e 3) na criao de
monoplios. Tudo isso existe pelo menos como pretenso: na realidade,
ocorreu historicamente em maior
-
ECONOMIA E SOCIEDADE 157
grau no caso 1 (de acordo com o princpio da "faruldade de
requerimento" do senhor e do quadro administrativo), muito menos no
caso 2 e em grau diverso no caso 3;,
2) porque falta geralmente, para a racionalizao da economia, a
possibilidade de calrular exatamente no apenas as cargas
tributrias, mas tambm o grau de liberdade das atividades
aquisitivas privadas.
d) em casos individuais, no entanto, a economia fiscal
patrimonial pode atuar de modo racionalizador por meio de cuidados
planejados dirigidos capacidade tribu-tria e criao racional de
monoplios. Mas isto um "acaso", condicionado por cirrunstncias
histricas especiais existentes, em parte, no Ocidente.
A poltica financeira, em caso de diviso estamental dos p
-
158 MAX WEBER
uma magnitude constante e no um fator varivel para cada
funcionrio. Em caso de arrendamento de cargos, o funcionrio, para
obter lucro de seu capital investido, v-se imediatamente obrigado a
aplicar meios de extorso, por mais irracionais que sejam seus
efeitos;
d) pela tendncia, inerente a todo patriarcalismo e
patrimonialismo e conseqn-cia da natureza da vigncia da
legitunidade e do interesse de ver satisfeitos os dominados,
regulao materialmente orientada da economia - por ideais
"culturais" utilitrios ou tico-sociais ou materiais- e, portanto,
ao rompimento de sua racionalidade formal, orientada pelo direito
dos juristas. Esse efeito decisivo, em grau extremo, no
patrimo-nialismo hierocraticamente orientado, enquanto que os
efeitos do sultanismo puro de-vem-se mais a sua arbitrariedade
fiscal.
Por todas estas razes, ainda que sob a dominao de poderes
patrimoniais-nor-mais estejam arraigados e muitas vezes florescendo
exuberantemente:
a) o capitalismo comercial; b) o ci:>~~~mo de arrendamento de
impostos e de arrendamento e compra de
cargos; c) o capitalismo baseado. em fornecimento de bens ao
Estado ou financiamento
de guerras e, em determ1nactas drctinstncias, - --d) o
capital~plantatiO~Qolonial,
isto no ocorre com o empreendimento aquisitivo orientado pela
situao no mercado dos consumidores privados e que se caracteriza
por capital fixo e organizao racional de trabalho livre,
extremamente sensvel s irracionalidades da justia, administrao e
tributao, que perturbam a possibilidade de clculo.
A situao fundamentalmente diversa somente quando o senhor
patrimonial, por interesses de poder e financeiros prprios, recorre
administrao racional com funcionrios profissionalmente
qualificados. Para isso so necessrios: 1) a exstnda de uma formao
profissional; 2) um motivo suficientemente forte, em regra: a
concor-rnda aguda entre vrios poderes patrimoniais parciais dentro
do mesmo mbito cultu-ral; 3) um elemento muito peculiar: a
incorporao de as.sociaes comunais urbanas aos poderes patrimoniais
concorrentes, como apoio de sua potncia financeira.
1. O capitalismo moderno, especificamente ocidental, foi
preparado nas associaes urba-nas, especificamente ocidentais,
tambm, e administradas de modo (relativamente) racional (cuja
peculiaridade examinaremos mais adiante, em particular).
Desenvolveu-se nos sculos XVI a XVIII primariamente dentro das
associaes polticas estamentais holandesas e inglesas,
caraae-rizadas pelo predomnio do poder e dos interesses aquisitivos
burgueses, enquanto que as imita es secundrias, fiscal ou
utilitariamente condicionadas, nos Estados puramente patrimoniais
ou influenciados por tendncias feudal-estamentais do continente,
bem como as indstrias mono-plicas dos Stuarts, no se encontraram em
continuidade real com o desenvolvimento capitalista autnomo que
mais tarde se iniciou. Isso apesar de algumas medidas isoJadas
(referentes poltica agrria e industrial), em virtude de sua
orientao por modelos ingleses, holandeses ou, mais tarde,
franceses, terem criado condies preparativas muito importantes para
o nascimento desse capitalismo (isto tambm ser examinado em
particular)
2. Os Estados patrimoniais da Idade Mdia distinguem-se
fundamentalmente de todos os outros quadros administrativos, em
todas as demais associaes poltias do mundo, em virtude da natureza
formalmente racional de uma pane de seu quadro administrativo
(sobretudo juristas, profanos e cannicos) Sobre a fonte desse
desenvolvimento e sua significao falaremos ainda em paniadar. Devem
bastar, por enquanto, as observaes gerais feitas no fim do
texto.
4. Dominao carismtica 10. Denominamos "carisma" uma qualidade
pessoal considerada extracotidiana
(na origem, magicamente condicionada, no cilSC>filnto dos
profetas quarit dos sbios
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ECONOMIA E SOCIEDADE 159
curandeiros ou jurdicos, chefes de caadores e heris de guerra) e
em virtude da qual se atribuem a uma pessoa P-Qderes ou qualidades
sobreoan1rais, sobre-humanos ou, pelo menos, extracotidianos
especficos ou ento se a toma como enviad por Deus, com exemplar e,
.portanto, como "lder". o modo objetivamente "correto" como essa
qualidade teria de ser avaliada, a partir de algum ponto de vista
tici, esttico ou outro qualquer, no tem importncia alguma para
nosso conceito: o que importa como de fato ela avaliada pelos
carismaticamente dominados-os "adeptos".
O carisma de um berserker(cujos acessos manacos foram
atribuidos, aparentemente sem razo, ao uso de determinadas drogas:
na Bizncio da Idade Mdia, um certo nmero de indiv-duos dotados do
carisma da raiva belicosa foi mantido como uma espcie de
instrumento de guerra), de um "xam" (um mago cujos xtases, no tipo
puro, teriam por condio prvia a pos.sibilidade de ataques de
epilepsia), do fundador do mormonismo (que, talvez, porm no com
plena certeza, represente um tipo de embusteiro refinado) ou de um
literato entregue aos prprios sucessos demaggicos, como Kurt
Eisner, tratado, pela Sociologia no-valorativa, absolutamente da
mesma maneira que o carisma daqueles que, no juzo corrente, so os
"maio-res" heris, profetas ou salvadores.
l. Sobre a validade do carisma decide o livre reconhecimento
deste pelos domina-dos, consolidado em virtude de provas -
originariamente, em virtude de milagres - e oriundo da entrega
revelao, da ve~ao ele heris ou da confiana noJder. Mas esse
reconhecimento (em caso de carisma genuno) no a razo da
legitimidade; constitui, antes, um dever das pessoas chamadas a
reconhecer essa qualidade, em virtude de vocao e provas.
Psicologicamente, esse ''reconhecimento'' uma entrega crente e
inteiramente pessoal nascida do entusiasmo ou da misria e
esperana.
~m profeta jmais co~id~rou. que sua qualidade lependesse .da
opinio.da multido a seu respeito; nenhum rei eleito ou duque
carismtico jamais tratou os Oporn!ntes ou i11.d!f!'!..r~otes seno
como prevaricadores: quem no participou de uma expedio rilliar de
um lder cujos componentes toram recrutados de maneira formalmente
voluntria ficou exposto, no mundo inteiro, ao escrnio dos
outros.
2. Se IXJr muito temIXJ no h provas do carisma, se o agraciado
carismtico parece abandonado por seu deus ou sua fora mgica ou
herica, se lhe falha o sucesso de modo permanente e, sobretudo, se
sua lidc[.all# __ pp traz.nenhum bem:estar:. aos
d~os, ento h a possibilidade de desvanecey_Slli\ JlYJQr.~~
gr~t~ca. Este o sentido carismtico genumoaaaominao "pela graa de
Deus".
Mesmo os antigos reis germnicos tinham s vezes de enfrentar o
"desprezo" dos sditos. Na China, a qualificao carismtica (no
modificada pelo carisma hereditrio, veja 11) do monarca estava
fixada de modo to absoluto que todo infortnio, de natureza qualquer
- no apenas derrotas de guerra, mas tambm secas, inundaes, fenmenos
astronmicos funestos etc. - podia obrig-lo expiao pblica e,
eventualmente, renncia ao trono. Nesses casos, ele no possua o
carisma da "virtude" exigida (e classicamente determinada) pelo
esprito do cu e, portanto, no era legtimo "filho do cu".
3. A associao de dominao comunidade [dos adeptos (N. T. )] uma
relao comunitria de carter emocional. O quadro administrativo do
senhor carismtico no um grupo de "funcionrios profissionais", e
muito menos ainda tem formao profis-sional. No selecionado segundo
critrios de dependncia domstica ou pessoal, mas
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160 MAX WEBER
segundo qualidades carismticas: ao "profeta" correspQdem os
"discpulos"; ao "prn-cipe guerreiro", o "squito"; ao "lder'', em
geral, os "homens de confiana". No h "colocao" ou "destituio", nem
"carreira" ou "ascenso", mas apenas nomeao segundo a inspirao do
lder, em virrude da qualificao carismtica do invocado. No existe
"hierarquia" mas somente a interveno do lder no caso de
insuficincia carismtica do quadro administrativo para determnadas
tarefas, em geral ou no caso individual, eventualmente a pedido
deste quadro. No existe "clientela" nem "compe-tncia" limitada, mas
tambm no h apropriao de poderes funcionais em virtude de
"privilgios'', mas apenas (eventualmente) limitaes espaciais ou
objetivamente condicionadas do carisma e da "misso". No existe
"salrio" nem "prebenda", vivendo os discpulos ou sequazes
(originariamente) com o senhor em comunismo de amor ou camaradagem,
a partir dos meios obtidos de fontes mecnicas. No h "autoridades
institucionais" fixas, mas apenas "emissrios" carismaticamente
encarregados, dentro dos limites da misso senhorial e do carisma
prprio. No h regulamento algum, nem normas jurdicas abstratas, nem
jurisdio racional por elas orientada, nem sabedorias ou sentenas
jurdicas orientadas por precedentes tradicionais, mas o formalmente
deci-sivo so criaes de direito, para cada caso individual, e
originariamente somente juzos de Deus e revelaes. Materialmente,
porm, aplica-se a toda dominao carismtica genuna a frase: "Est
escrito mas em verdade vos digo". O profeta genuno, bem como o
prncipe guerreiro genuno e todo lder genuno em geral, anuncia,
cria, exige mandamentos novos - no sentido originrio do carisma: em
virtude de revelao, do orculo, da inspirao, ou ento de sua vontade
criadora concreta, reconhecida, devido a sua origem, pela
comunidade religiosa, guerreira, de partido ou outra qual-quer. O
reconhecimento um dever. Quando a determinada diretiva se ope outra
concorrente, dada por outra pessoa com a pretenso de validade
carismtica, temos uma luta pela liderana que s pode ser decidida
por meios mgicos ou pelo reconhe-cimento (obrigatrio) por parte da
comunidade, luta em que, de um lado, somente pode estar o direito
e, do outro, somente a infrao sujeita a expiao.
A dominao carismtica, como algo extracotidiano, ope-se
estritamente tanto dominao racional, especialmente a burocrtica,
quanto tradicional, especialmente a patriarcal e patrimonial ou a
estamental. Ambas so formas de dominao especifi-camente cotidianas
- a carismtica (genuna) especificamente o contrrio. A domi-nao
burocrtica especificamente racional no sentido da vinculao a regras
discursi-vamente analisveis; a carismtica especificamente
irracional no sentido de no conhe-cer regras. A dominao tradicional
est vinculada aos precedentes do passado e, nesse sentido, tambm
orientada por regras; a carismtica derruba o passado (dentro de seu
mbito) e, nesse sentido, especificamente revolucionria. Esta no
conhece a apropriao do poder senhorial ao modo de uma propriedade
de bens, seja pelo senhor seja por poderes estamentais. S "legtima"
enquanto e na medida em que "vale", isto , encontra reconhecimento,
o carisma pessoal, em virtude de provas; e os homens de confiana,
discpulos ou sequazes s lhe so "teis" enquanto tem vigncia sua
confirmao carismtica.
O que dissemos dificilmente requer explicaes. Vale tanto para o
dominador carismtico puramente" plebiscitrio" (o "imprio do gro" de
Napoleo, que fez de plebeus reis e generais) quanto para o profeta
ou o heri de guerra.
4. O carisma puro especificamente_~-~~~c:?n~ia.:. ~~i~i, on~,e
-~te, uma "v
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ECONOMIA E SOCIEDADE 161
como fonte de renda - o que, no entanto, mais um ideal do que
uma reali~de. No que o carisma sempre renuncie propriedade e
aquisio desta, como o fazem, em certas circunstncias (veja
adiante), os profetas e seus discpulos. O heri de guerra e seu
squito procuram esplio; o dominador plebiscitrio ou lder carismtico
de par-tido busca meios materiais para assegurar seu poder; o
primeiro, alm disso, procura o esplendor material de sua dominao
para firmar seu prestgio de senhor. O que todos eles desdenham -
enquanto existe o tipo carismtico genuno a economia cotidiana
tradicional ou racional, a obteno de "receitas" regulares por meio
de uma atividade econmica contnua dirigida para esse fim. A
manuteno por mecenas grandes mecenas (doaes, corrupo, gorjetas em
grande escala) - ou por mendi-cncia, de um lado, e esplio ou
extorso violenta ou (formalmente) pacfica, de outro, so as formas
tpicas da proviso de necessidades carismticas. Do ponto de vista da
economia racional, uma atitude tipicamente '' antieconmica'', pois
recusa todo entre-laamento com o cotidiano. Em sua absoluta
indiferena ntima, s pode "apanhar", por assim dizer, oportunidades
aquisitivas ocasionais. O "viver de rendas", como forma de dispensa
de toda ao econmica, pode - para alguns tipos - ser o fundamento
econmico de existncias carismticas. Mas isso no costuma aplicar-se
aos "revolucio-nrios" carismticos normais.
A renncia a cargos eclesisticos pelos jesutas uma aplicao
racionalizada desse princpio de discpulos''. evidente que todos os
heris da ascese, as ordens mendicantes e os combatentes pela f
tambm pertencem a essa categoria. Quase todos os profetas foram
mantidos de forma mecnica. A frase de Paulo, dirigida contra o
parasitismo dos missionrios-" Quem no trabalha, no deve comer"-, no
significa, naturalmente, uma afirmao da "economia", seno apenas o
dever de cuidar da prpria subsistncia, de algum modo e (X)r
atividade "acessria", (X)is a parbola verdadeiramente carismtica
dos "lrios do campo" no realizvel em seu sentido literal, mas
apenas no sentido de niio se preocupar com as necessidades do dia
seguinte. Por outro lado, imaginvel, no caso de um gru(X) de
discpulos carismticos de carter primaria-mente artstico, que se
considere normal a renncia s lutas econmicas apenas para
"economi-camente independentes" (rentistas, (X)rtanto),
limitando-se a vocao verdadeira a estes (como no crculo de Stefan
George, pelo menos segundo a inteno originria).
5. O carisma a grande fo!S--I_yplucionria nas pocas com forte
vin9-1l_
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162 MAX WEBER
cialmente seu carter: tradicionaliza-se ou racionaliza-se
(legaliza-se), ou ambas as coi-sas, em vrios aspectos. Os motivos
que impulsionam pira isso so os seguintes:
a) o interesse ideal ou material dos adeptos na persistncia e
reanimao contnua da comunidade;
b) o interesse ideal e o material, ambos mais fortes, do quadro
administrativo: dos sequazes, discpulos, homens de confiana de um
partido etc. , em
1. continuar a existncia da relao, e isto 2. de tal modo que
esteja colocada, ideal e materialmente, a posio prpria
sobre um fundamento cotidiano duradouro: externamente, o
estabelecimento da exis-tncia familiar ou, pelo menos, da existncia
saturada, em lugar das ''misses estranhas famlia e economia, e
isoladas do mundo.
Esses interesses tornam-se tipicamente atuais quando desaparece
a pessoa porta-dora do carisma e surge a questo da sucesso. O modo
como esta se resolve - desde que se resolva, persistindo, portanto,
a comunidade carismtica (ou nascendo s ento) - essencialmente
decisivo para a natureza geral das relaes sociais que ento se
desenvolvem.
Pode haver os seguintes tipos de solues: a) Escolha nova,
segundo determinadas caraaersticas, de uma pessoa qualificada
para a liderana por ser portadora do carisma.
Tipo bastante puro: a escolha do novo Datai-Lama (qiana a ser
escolhida segundo indcios da encarnao do divino, semelhante escolha
do touro Apis).
Neste caso, a legitimidade do novo portador do carisma est
ligada a caracte-rsticas, isto , "regras" para as quais existe uma
tradio (tradicionalizao), retroce-dendo, portanto, o carter
puramente pessoal.
b) Por rev~orculo, sorteio, juzo de Deus ou outras tcnicas de
seleo. Neste caso, a egltimidade do novo portador do carisma est
deduzida da legitimidade da respectiva tmica (legalizao).
Os schphetim israelitas, segundo se diz, tinham s vezes esse
carter. Diz-se que o antigo orculo da guerra designou Saul.
c) Por designao do sucessor pelo portador anterior do carisma e
reconheci-mento pela comunidade.
Forma muito freqente. A criao das magistraturas romanas
(conservada com maior clare-za na designao dos ditadores e na
instituio do interrex) tinha originariamente es.se carter.
A legitimidade torna-se ento uma legitimidade adquirida por
designao.
d) Por designao do sucessor pelo quadro administrativo
carismaticamente quali-ficado, e reconhecimento pela comunidade.
Mas nem de longe se deve associar esse processo com a idia de
"eleio" ou "direito de pr-eleio" ou "proposta eleitoral". No se
trata de uma seleo livre, mas estritamente vinculada a determinados
deveres, nem de votos de maiorias, mas da designao jl.L5ta, seleo
da pessoa cerca, do verda-deiro portador do carisma, na escolha do
qual pode tambm acertar a minoria. A unani-midade um postulado, o
reconhecimento de erros um dever, a persistncia nestes
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ECONOMIA E SOCIEDADE 163
uma falta muito grave, uma escolha "falsa" uma infrao
(originariamente mgica) a ser expiada.
Neste caso, no entanto, a legitimidade d facilmente a impresso
de basear-se na aquisio de um direito, realizada com todas as
cautelas da justeza e na maioria das vezes ligada a determinadas
formalidades (entronizao etc.).
Este o sentido originrio da coroao, no Ocidente, de bispos e
reis pelo clero ou por prncipes, com consentimento da comunidade, e
de muitos processos anlogos no mundo inteiro. Que nisso tenha
orge(11 a idia da "eleio" uma coisa que cabe examinar
posteriormente.
e) Pela idia de que o carisma seja uma qualidade do sa.ngue e,
portanto, stja inerente ao cl do portador, especialmente aos
parentes mais prximos: carisma heredi-trio. Neste caso, a ordem de
sucesso no necessariamente a mesma que para os direitos
apropriados, seno muitas vezes heterognea, ou se tem de verificar,
por meio dos mtodos a-d, quem seja o herdeiro "autntico" dentro do
cl.
Entre os negros, h o duelo entre irmos. Uma ordem de sucesso que
no perturba a relao com os espritos dos antepassados (a gerao
seguinte) encontrada, por exemplo, na China. O seniorato ou a
designao pelo squito foram muito freqentes no Oriente (da
explica-se o "dever" da exterminao de todos os demais pretendentes
possveis na dinastia Osman}
Somente no Ocidente medieval e no Japo, alm de alguns casos
isolados, penetrou o princpio inequvoco do direito de sucesso do
primognito, favorecendo muito a consolidao das associaes polticas
(evitando lutas entre vrios pretendentes do cl com carisma
hereditrio).
A f no se refere, nestes casos, s qualidades carismticas de uma
pes.soa, mas, sim, aquisio legtima em virtude da ordem de sucesso
(tradicionalizao e legaliza-o) O conceito de "senhor pela graa de
Deus" muda completamente seu sentido e significa agora: senhor por
direito prprio, e no por um direito que depende do reconhecimento
por parte dos dominados. O carisma pessoal pode faltar por
completo.
A monarquia hereditria, as inmeras hierocracias hereditrias na
sia e o carisma heredi-trio dos cls como indcio da alta posio
social e da qualificao para feudos e prebendas (veja o seguinte)
pertencem a esta categoria.
f) Pela idia de que o carisma seja uma qualidade (originalmente
mgica) que, por meios hierrgicos de um portador dele, pos.sa ser
transmitida para outras pessoas ou produzida nestas: objetivao do
carisma, particularmente carisma de cargo. A crena na legitimidade,
nestes casos, no se refere mais a uma pes.soa, mas, sim, s
qualidades adquiridas e eficcia dos atos hierrgicos.
Exemplo mais importante: o carisma sacerdotal, transmitido ou
confirmado por uno, consagrao ou aposio de mo, e o carisma real,
por uno e coroao. O charaaer indelebilis significa o desligamento
das faculdades carismticas do cargo das qualidades da pessoa do
sacer-dote. Precisamente por isso suscitou lutas incessantes, desde
o donatismo e o montanismo at a revoluo puritana (batista) (o
"mercenrio" dos quacres o pregador com carisma de cargo}
12. Paralelamente rotiniz.ao do carisma por motivo da nomeao de
um sucessor manifestam-se os interesses na rotiniz..ao por parte do
quadro administrativo.
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164 MAX WEBER
Somente in statu nascendi e enquanto o senhor carismtico rege de
modo genuinamente extra cotidiano, pode o quadro administrativo
vive, ooin este senhor, reconhecido por f e entusiasmo, de forma
mecnica ou em funo de esplio ou de receitas ocasionais. Somente a
pequena camada de discpulos ou sequazes entusiasmados dispe-se a
viver dessa maneira, coloca sua vida a servio de sua "vocao", de
modo apenas "ideal". A grande maioria quer faz-lo (ao longo do
tempo) tambm de modo material, e tem de faz-lo, para no
desaparecer.
Por isso, a rotiniZao do carisma realiza-se, tambm, 1. na forma
de apropriao de poderes de mando e oportunidades aquisitivas
pelos sequazes ou discpulos, e com regulao de seu recrutamento.
2. Essa tradionalizao ou legalizao (segundo existam ou no
estatutos) pode
assumir diferentes formas tpicas: 1) o modo de recrutamento
genuno segundo o carisma pessoal. Os sequazes
ou discpulos, em caso de rotinizao do carisma, podem estabelecer
normas para o recrutamento, especialmente
a) normas de educao, ou b) normas de prova. O carisma s pode ser
"despertado" e "provado", e no "aprendido" ou "incul-
cado''. Todas as espcies de ascese mgica (de feiticeiros ou
heris )e todos os noviciada5 pertencem a esta categoria de
fechamento da associao do quadro administrativo (sobre a educao
carismtica, veja captulo IV). Somente o novio provado tem acesso
aos poderes de mando O lder carismtico genuno pode opor-se com xito
a essas preten-ses - mas no o sucessor, e menos ainda o eleito pelo
quadro administrativo( 11 d[p. 162]}
Pertence a esse tip:> toda ascese de magos e guerreiros na
"casa dos homens", com consa-grao dos educandos e classes etrias.
Quem no passa na prova de guerreiro, fica "mulher", ou seja,
excludo do squito.
2) As normas carismticas em transformar-se facilmente em
estamentais tradi-h onais (carlSm tico- er 1 rias Quando existe
carisma hereditrio( 11 e) do ler,
muito provvel tambm a vigncia desse princpio para o quadro
administrativo e evenrualmeme at para os adeptos, como regra de
seleo e emprego dessas pessoas. Quando uma associao poltica est
dominada rigorosa e completamente por esse prin-cpio do carisma
hereditrio, realizando-se toda apropriao de poderes de mando,
feudos, prebendas e oportunidades aquisitivas, de todas as espcies,
segundo esse princi-pio, temos o tipo "estado de linhagem". Todos
os poderes e oportunidades de todas as espcies so
tradicionalizados. Os chefes de cl (gerontocratas ou patriarcas
tradicio-nais, no pessoalmente legitimados por carisma) regulam a
realizao dos prindpio.s, direito que no pode ser retirado de seu
cl. No a namreza do cargo que determina a "posio social" do homem
ou de seu cl, mas a posio de d carismtico-hereditria decisiva para
os cargos que lhes so adequada5.
Exemplos principais: o Japo, antes da burocratizao; em grande
pane, tambm a China (as "velhas" famlias), ames da racionalizao,
nas diversas partes do Estado; a lndia, com as ordens das castas; a
Rssia, ames da introduo do mestnitchesrvo e depois em outra forma;
igualmente, por toda parte, os "estamentos hereditrios" com
privilgios fixos (sobre isso, cap-tulo IV)
3) O quadro administrativo pode exigir e realizar a criao e
apropriao de
-
ECONOMIA E SOCIEDADE 165
cargos e oportunidades aquisitivas individuais para seus'
membros. Neste caso surgetn, segundo haja tradicionalizao ou
legalizao:
a) prebendas (prebendalizao - veja antes~ b) cargos
(patrimonializao e burocratizao veja antes~ e) feudos (feudalizao
[-veja adiante, 12 bl),
os quais so apropriados, em lugar da manuteno originria,
puramente acosmstica, a partir de meios mecnicos ou esplio. Em
pormenores,
a: a) prebendas de mendicncia, {3) prebendas de rendas em
espcie, y) prebendas de impostos em dinheiro, 3) prebendas de
emolumentos,
pela regulao da manuteno, inicialmente puramente mecnica (a) ou
puramente na base de esplio (/3, y ), orientada pela organizao
financeira racional.
Com respeito a a) budismo, fJ) prebendas de arroz, na China e no
Japo, "Y) caso normal em todos os Estados conquistadores
racionalizados, , a) inmeros exemplos isolados, por toda parte,
especialmente sacerdotes e juzes; na lndia
tambm autoridades militares.
Com respeito a b: a tendncia ao "carisma de cargo" das misses
carismticas pode ser de carter mais patrimonial ou mais burocrtico.
O primeiro caso constitui a regra, o segundo encontramos na
Antiguidade e no Ocidente moderno, mais raramente e como exceo
tambm em outras partes.
Com respeito a e a: feudo de terras com conservao do carter de
misso do cargo como tal.
Com respeito a e {3: apropriao plena, com carter de feudo, dos
poderes de mando.
Ambos dificilmente separveis. A orientao do cargo pelo carter de
misso dificilmente desaparece por completo, nem na Idade Mdia.
12 a. Condio prvia da rotinizao do carisma a eliminao de sua
atitude alheia economia, sua adaptao a formas fiscais (financeiras)
da proviso das necessi-dades e, com isso, a condies econmicas
capazes de render impostos e tributos. Em relao aos "leigos" das
misses em processo de prebendalizao est o "clero", o membro
participante (com "participao", x>..ijpoc;)do quadro
administrativo carism-tico, mas agora rotinizado (sacerdotes da"
igreja" nascente); perante os "sditos fiscais", esto os vassalos,
prebendrios e funcionrios da associao poltica nascente em caso de
racionalidade, do "Estado"-, ou talvez os funcionrios de partido,
que substi-turam os "homens de confiana".
Esse proces.so pode ser observado tipicamente entre os budistas
e nas seitas hindustas (veja na Sociologia da religio} Do mesmo
modo, em todos os imprios racionalizados de conquis tadores. Alm
disso, em partidos e outras formaes de origem carismtica.
Com a rotinizao, a associao de dominao carismtica desemboca,
portanto, em grande parte, nas formas da dominao cotidiana: da
patrimonial - especialmente,
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166 MAX WEBER
estamental - ou da burocrtica. O primitivo carter particular
manifesta-se na honra esta mental carismtico-hereditria ou de cargo
dos apropriantes, tanto do senhor quanto do quadro administrativo,
portanto, na natureza do prestgio da liderana. Um monarca
hereditrio "pela graa de Deus" no um simples senhor patrimonial,
patriarca ou xeque, como um vassalo tambm no um simples ministerial
ou funcionrio. Os pormenores pertencem teoria dos "estamentos".
A rotinizao no se realiza, em regra, sem lutas. No inci, so
inesquecveis as exigncias pessoais em relao ao carisma do senhor, e
a luta entre o carisma de cargo ou o hereditrio e o pessoal
constitui um processo tpico na histria.
1. A transformao do poder expiatrio (absolvio de pecados
mortais) de um poder pessoal dos prprios mrtires e ascetas em um
poder de cargo de bispos e sacerdotes realizou-se muito mais
lentamente no Oriente do que no Ocidente, sob a influncia do
conceito romano de "cargo". Revolues de lderes carismticos contra
poderes carismtico-hereditrios ou institu-cionalizados encontram-se
em associaes de todas as espcies, desde o Estado at os sindicatos
(especialmente agora!). Quanto mais desenvolvidas so as dependncias
intereconmicas da eco-nomia monetria tanto mais forte toma-se a
presso das necessidades cotidianas dos adeptos e, com isso, a
tendncia rotinizao que atuou por toda parte e, em regra,
rapidamente venceu. O carisma um fenmeno inicial tpico de dominaes
religiosas (profticas) ou polticas (de conquista) que, no entanto,
cede aos poderes do cotidiano logo que a dominao est assegurada e,
sobretudo, assim que assume carter de massa.
2. Em todos os casos, um motivo impulsor da rotinizao do carisma
, naturalmente, o empenho por assegurar, vale dizer, por legitimar
as posies sociais de mando e as oportu-nidades econmicas para os
sequazes e adeptos do senhor. Outro a necessidade objetiva da
adaptao das ordens e do quadro administrativo s exigncias e condies
normais de uma administrao cotidiana. Estes constituem,
particularmente, pontos de referncia para uma tradi-o
administrativa e jurisdicional necessrios tanto a um quadro
administrativo normal quanto aos dominados. Alm disso, preciso
haver alguma ordenao dos cargos dos membros dos quadros
administrativos. Por fim e sobretudo-assunto ao qual voltaremos
mais tarde em mincia -, a adaptao dos quadros administrativos e de
todas as disposies administrativas s condies econmicas cotidianas
-cobertura dos custos por esplio, contribuies, doaes e
hospitalidade -, tal como ocorre no estdio atual do carisma
guerreiro e prof tico, no constituem fundamentos possveis de uma
administrao cotidiana duradoura.
3. A rotinizao no ocasionada, portanto, somente pelo problema do
sucessor e est muito longe de afetar apenas este ltimo. Ao
contrrio, o problema principal a transio dos quadros e princpios
administrativos carismticos para os cotidianos. Mas o problema do
sucessor afeta a rotinizao do ncleo carismtico - o prprio senhor e
sua legitimidade-, mostrando, em oposio ao problema da transio para
ordens e quadros administrativos tradicionais ou legais, concepes
peculiares e caractersticas s compreensveis do ponto de vista desse
processo. As mais importantes delas so a designao carismtica do
sucessor e o carisma hereditrio.
4. O exemplo historicamente mais importante da designao do
sucessor pelo prprio senhor carismtico , conforme mencionado, Roma.
Para o rex, ela est confirmada pela tradio; para o ditador e
oco-regente e sucessor no principado, est comprovada nos tempos
histricos; a forma de nomeao de todos os funcionrios com imperium
mostra claramente que tambm para eles existia a designao do
sucessor pelo procnsul, com reserva de seu reconhecimento por parte
da milcia. Pois a prova e, na origem, a excluso evidentemente
arbitrria do candidato pelo magistrado em exerccio mostra
claramente o desenvolvimento.
5. Os exemplos mais importantes da designao do sucessor pelo
squito carismtico so a nomeao dos bispos e especialmente do papa,
em virtude da designao - originariamente - pelo clero e do
reconhecimento pela comunidade, e a eleio do rei alemo, que (como
parece provvel segundo as exposies de U. Stutz) imita, em forma
modificada, a nomeao dos bispos: designao por determinados prncipes
e reconhecimento pelo "povo" (em armas). Formas semelhantes so
muito freqentes ,
6. O pas clssico do desenvolvimento do carisma hereditrio foi a
India. Todas as quali-dades profissionais e especialmente
qualidades de autoridade e posies de liderana eram ali
-
ECONOMIA E SOCIEDADE 167
consideradas rigorosamente vinculadas ao carisma hereditrio. A
pretenso a feudos constitudos por direitos de mando estava ligada
pertinncia ao cl do rei; os feudos eram avaliados pelo mais velho
do cl. Todas as funes hierocrticas - inclusive a singularmente
importante e influente de guru (directeur de J'me) - , todas as
relaes com clientes, que tambm eram distribudas, todas as posies
estabelecidas dentro de uma aldeia (sacerdote, barbeiro, lavador,
vigia etc.) eram consideradas vinculadas ao carisma hereditrio. A
fundao de uma seita signifi-cava a fundao de uma hierarquia
hereditria. (O mesmo se aplica -ao taosmo chins.) Tambm no "Estado
de linhagem" japons (antes da introduo do Estado
patrimonial-burocrtico, orien-tado pelo modelo chins, que levou
prebendalizao e feudalizao), a estrutura social era puramente
carismtico-hereditria (pormenores em outro contexto).
Esse direito carismtico-hereditrio s posies de liderana
desenvolveu-se em forma semelhante no mundo inteiro. A qualificao
em virtude de capacidade pessoal foi substituda pela qualificao em
virtude de descendncia. Esse fenmeno constitui por toda pa11e o
funda-mento sobre o qual se desenvolveram os estamentos
hereditrios, tanto na nobreza romana quanto, segundo Tcito, no
conceito germnico da stirps regia, nas regras dos t0meios e da
capacidade de fundao da Idade Mdia tardia, nos modernos estudos de
pedigree da nova aristocracia americana e, em geral, em todo lugar
onde se convive com a diferenciao "esta-mental" (sobre isto, veja
adiante)
Relao com a economia: a rorinizao do carisma , em aspectos muito
essenciais, idntica adaptao s condies da economia corno fora
cotidiana continuamente atuante Neste processo, a economia a parte
dirigente, e no a dirigida. Em grau extremo serve a a transformao
carismtico-hereditria ou carismtica de cargo corno meio da
legitimao de poderes de disposio existentes ou adquiridos.
Particularmente a conservao das monarquias hereditrias est tambm
fortemente condicionada -alm das ideologias de fidelidade que
certamente no deixam de ter importncia -pela considerao de que toda
propriedade herdada e legitimamente adquirida possa ser abalada com
a eliminao da vinculao ntima santidade da herana do trono; no um
acaso, portanto, que essa atitude seja mais adequada s camadas
possuidoras do que ao proletariado.
Alm disso, no parece possvel dizer algo muito geral (e ao mesmo
tempo de contedo objetivo e valioso) sobre as relaes com a economia
das diversas possibi-lidades de adaptao: este aspecto fica
reservado para um exame particular. A prebenda-lizao, a f eudalizao
e a apropriao carismtico-hereditria de possibilidades de todo tipo
podem, em todos os casos, exercer seus efeitos estereotipantes, ao
desenvol-ver-se a partir tanto do carisma quanto de condies
iniciais de carter patrimonial ou burocrtico, e repercutir assim
sobre a economia. O poder do carisma, em geral tambm fortemente
revolucionrio no mbito econmico e freqentemente destrutivo no
incio, por estar (eventualmente) orientado por idias "novas" e sem
"pressuposto" - atua ento em sentido contrrio ao inicial.
Sobre a economia de revolues (carismticas) convm falar
separadamente. Ela pode ser muito diversa.