DO BARRO LOUA:o saber-fazer das louceiras da Regio Bragantina do
Par
Relatrio Final
Perodo de pesquisa: dezembro/2012 a maro/2013
Locais: Primavera, Quatipuru e Bragana/PA
Texto: Simone Jares
Fotografias: Gilmara Menezes e Simone Jares
BELM-PA ABRIL/2013SUMRIO
1.
Apresentao................................................................................................................
32. Mestras dos saberes e
fazeres.....................................................................................
52.1. A sabedoria e o mistrio do
barro......................................................................
52.2. O tempero do
barro.........................................................................................
82.3. Mos criadoras: a modelagem da loua de
barro.............................................102.4. O processo
de
queima..........................................................................................132.5.
O preparo da
manicuera.....................................................................................153.
Um saber que
resiste...................................................................................................174.
Tradio que se reinventa com as novas
geraes...................................................195.
Referncias..................................................................................................................226.
Anexos..........................................................................................................................256.1.
Glossrio da
louceira...........................................................................................25
6.2. Entrevistas
(transcries)....................................................................................266.2.
Vdeo documentrio
experimental.....................................................................40
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Figura 2 Figura 3 Extrao do barro, Vila Que Era,
Bragana-PAFigura 4 Transporte do barro, Vila Que Era,
Bragana-PAFigura 5 D. Joaquina Costa do Nascimento, louceira
tradicional, Primavera-PAFigura 6 Charmote e cariap
(antiplsticos)Figura 7 Pelos de barro preparados para a modelagem
da louaFigura 8 Modelagem da loua de barro (I)Figura 9 Modelagem da
loua de barro (II)Figura 10 Modelagem da loua de barro (III)Figura
11 Modelagem da loua de barro (IV)Figura 12 Caroo de inaj usado no
polimento da loua Figura 13 D. Maria Francisca de Souza, louceira
tradicional, Boa Vista, Quatipuru-PAFigura 14 Matame, decorao da
loua de barro tradicionalFigura 15 Queima a cu abertoFigura 16
Panelo de barro usado na preparao do mingau denominado de
manicueraFigura 17 D. Francisca da Costa Miranda, louceira
tradicional, Ilha de Quatipuru-Mirim/PAFigura 18 Residncia, Ilha de
Quatipuru-Mirim-PAFigura 19 D. Maria Odete Ferreira Ramos, louceira
tradicional, Ilha de Quatipuru-Mirim/PAFigura 20 Paneles, quintal
em Ilha de Quatipuru-Mirim/PAFigura 21 Ateli de produo cermica,
Vila Que Era, Bragana/PAFigura 22 Josias Furtado da Silva, arteso,
Vila Que Era, Bragana/PAFigura 23 Pilagem do charmoteFigura 24
Modelagem da loua de barro em moldeFigura 25 Queima da loua de
barro em fornoFigura 26 Defumao da loua de barroFigura 27 Panela
defumadaFigura 28 Brincando de ser louceira (I)Figura 29 Brincando
de ser louceira (II)Figura 30 Brincando de ser louceira (III)
1. Apresentao
2. Mestras dos saberes e fazeres 2.1. A sabedoria e o mistrio do
barro
Alguidares, panelas, potes, pratos, tigelas, torradores... pelas
mos das louceiras da Regio Bragantina, o barro ganha muitas formas
e, tantas outras que a imaginao e a experincia na arte de model-lo,
possibilitarem-lhes. Foi assim h geraes: filhas aprenderam com suas
mes; aquelas, depois de tornadas mes, ensinaram aos filhos.
Este saber que acompanhava os estgios de formao familiar das
mulheres caboclas, iniciava-se aproximadamente entre os seis e os
doze anos, quando as meninas acompanhavam suas mes at o barreiro
para a retirada da matria-prima e, como uma brincadeira, comeavam a
ensaiar a modelagem de suas primeiras louas. (...) essa cultura
muito antiga, de gerao pra gerao, n, porque eu j aprendi com a
minha me e, a minha me falava que aprendeu com a me dela, ento
assim. A a minha me ia fazer loia, eu tambm ia aprendendo com ela,
fazendo um pratinho, uma tigelinha e daqui a pouco eu j foi
aprendendo a fazer mais, as loias mais maior, panela, pote, panelo,
vrias peas.[footnoteRef:1] [1: Entrevista concedida por D. Nazar,
louceira tradicional, em 05/12/2012, Vila Que Era, Bragana-PA.]
Relatos como esse se repetem nas histrias contadas pelas
louceiras desta regio. Histrias que revisitam nas memrias do
passado familiar saberes transmitidos desde a infncia destas
mulheres.
2.2. O tempero do barro
2.4. O processo de queima da loua
A queima da loua no modo tradicional se d a cu aberto. As
antigas louceiras explicam cada uma a seu modo, o processo. Ela
tando bem enxuta, a loua, a gente vai colocar ela pra esquentar.
Digamos assim, faz-se o fogo no fogo a lenha, ou mesmo no cho sem
vento e, vai esquentando aquela loua, esquentando, a, ela esquenta
um pouquinho de um lado, vai virando, esquenta do outro, at ela
enxugar bem assim, pegar uma consistncia pra que ela no espoque, n?
Porque se voc for colocar o fogo rapidinho nela, e ela esquentar,
ela espoca, ela racha. Ento, tem que ir devagar, esquentando ela
devagar. Quando ela t bem ... a quentura tomada assim, digamos
completa, n, a voc cobre ela com a casca de pau, ou com pau pobre
com madeira leve, no se coloca madeira pesada porque ela pode
quebrar a loua, n, madeira leve.[footnoteRef:2] [2: Entrevista
concedida por D. Val, em 06/12/2012, Jabaroca, Primavera-PA.]
Na descrio do processo de queima da loua h cuidados especiais
narrados pelas louceiras, imprescindveis para ter um bom resultado
ao final do mesmo. A necessidade de acompanhamento da louceira no
ato de esquentar a loua, por exemplo, considerado fundamental para
que no ocorram perdas. (...) eu agarrava, botava, fazia dois, trs
alguidar desse eu fazia, botava numas trempe assim, emborcava eles
pra poder esquentar, no logo assim em cima pra queimar, que assim
doido pra rachar. A gente esquenta ele um bocadinho a vai botando
fogo, botando fogo, a quando ver que ele t bem quente, a gente, eu
abotava, arrodiava daquela casca, a o fogo velho pegava. Tirava, o
bicho chega ficava encarnado como um tijolo quando queimado
mesmo.[footnoteRef:3] [3: Entrevista concedida por D. Chica, em
06/12/2012, Boa Vista, Quatipuru-PA.]
Quando indagadas sobre o tempo de queima das louas, a resposta
das antigas louceiras sempre indefinida, pois o tempo para elas no
medido em horas como o nosso. O tempo de queima o da alquimia da
argila com o fogo que termina quando o mesmo cessa, completando o
cozimento da loua, conforme relato da artes: at terminar a fogueira
em cima dela. Depois que terminar aquela fogueira, deixar ela ficar
fria, n, da a gente tira.[footnoteRef:4] [4: Entrevista concedida
por D. Val, em 06/12/2012, Jabaroca, Primavera-PA.]
Neste tipo de queima tradicional, as peas so colocadas junto a
uma fogueira feita no quintal da louceira. A fogueira preparada com
lenha, um conjunto de pedras arrumado de modo a servir de sustentao
s peas que so amontoadas em pequenas quantidades e, em seguida,
cobertas com cascas de rvores (aaizeiro, sororoca, guarim) e,
depois queimadas. Neste processo de queima, as louas passam menos
tempo submetidas ao calor e ganham matizes diferenciados daquelas
que passam pela queima em forno. Adquirem tons de cinza manchados
em sua superfcie externa (figura 15).Figura 15
A queima na fogueira preferida pelas louceiras mais
tradicionais, pois, segundo relatos, menos trabalhosa e controlada
pela artes.Por que pra mim eu j era acostumada, eu acho melhor
arrumar ela, eu mesma arrumo, n, e no forno mais dificuldade pra
mim, pra mim t entrando dentro dele por que ele pequeno, pra mim
arrumar ele n e, leva mais lenha. Leva mais lenha porque leva
muitas horas queimando. Tem que ser tora de pau, o forno pertence
mais pro homem do que pra mulher queimar. E a eu no tenho mais essa
resistncia, n? Pra t cortando lenha de machado, t carregando, no
tenho mais j tanta fora e, na fogueira no, eu vou aquecendo,
aquecendo, a daqui a pouco eu vou cobrindo s com aaizeira, n, com
casca de aaizeira que a paxiiba, a posso tocar fogo a o fogo queima
que voc pode ver a loua queimada... E no forno no, no forno d mais
trabalho... s pra homem mesmo, no forno...[footnoteRef:5] [5:
Entrevista concedida por D. Nazar, em 05/12/ 2012, Vila Que Era,
Bragana-PA.]
A queima realizada no forno referida como uma atividade de
domnio masculino. No relato da louceira acima, a fora fsica e a
resistncia do homem combinam mais com esta forma de queima. No
ateli de propriedade da famlia desta louceira, convivem dois modos
de fabricao artesanal da loua de barro: o seu, maneira tradicional
a partir da modelagem manual com a queima a cu aberto e, o de seu
filho, com a modelagem por meio de moldes em gesso e a queima em
forno.
2. 5. O preparo da manicuera
Uma importante prtica cultural associada ao modo tradicional de
produo das louas consiste no preparo do mingau, denominado de
manicuera ou mandicuera, em paneles de barro, referido pelas
louceiras como um hbito agregador de pessoas. Abaixo, em seu
depoimento, a louceira ressalta que o preparo estava associado s
celebraes, momentos festivos na comunidade, onde havia o
ajuntamento de pessoas, tanto aqueles de carter profano, quanto
religiosos.Ns fazia cada panelo (...) bastava dizer que ia fazer
manicuera a festa j tava na frente... A manicuera tu rala a
mandiocaba e agarra e espreme que nem quem espreme a mandioca sabe,
e acabando coa bem coadinho na peneira fina a bota-se um pano,
assim um pano bom, novo, bota ali dentro daquela peneira o pano a,
vai botando a calda ali, aquele pano j perparado s praquilo, pra
coar a calda, pra no ir com o bagao da mandiocaba, n. S mesmo a
calda. A pode botar l no panelo e botar as trs tacuru (pedras) em
trocha dele(...) fervido at encarnar aquela calda, quando encarna,
comea a encarnar a, tu solta o arroz. O bicho ferve, ferve, ferve
at amolecer. O arroz tando mole, tu bota a tapioca que pra ajudar a
endurecer a calda... Que fica que uma beleza, no fica aguado, j
dizia a finada minha me, no fica frouxo (...) A manicuera fica boa,
no fica nem dura, nem mole, fica bonita pra correr no copo quando a
gente toma.[footnoteRef:6] [6: Entrevista concedida por D. Chica,
em 06/12/2012, Boa Vista, Quatipuru-PA.] Figura 16
Todas as louceiras das localidades pesquisadas, em algum momento
de suas vidas fizeram seus prprios paneles e, neles, cozinharam o
mingau. Os relatos referem esse costume como antigo, contudo, na
atualidade pouco comum. O principal ingrediente do mingau o lquido
(chamado de tucupi) extrado de uma espcie de mandioca denominada de
mandiocaba. Cada uma das louceiras contou-nos sua receita de como
preparar o mingau, descrevendo minuciosamente o processo. O mingau
feito do tucupi da mandiocaba, da mandioca, da rvore da mandiocaba
... tira a mandioca, passa no ralo, depois, passa no tipiti pra
espremer, pra tirar o tucupi. Aquele tucupi passa-se num pano fino
pra no cair o bagao, n, a, pe pra ferver, s ele mesmo. Pe pra
ferver, um panelo ou dois s pra, digamos assim que, vai ser feito o
mingau n, e um s pra ferver pra colocar o lquido dentro dele
daquele um ou dois paneles n, conforme for o toque que voc for
fazer o mingau. A ferve, o dia todo seu mingau no fogo. Pode se
levantar umas 4 horas da manh e comear a trabalhar. Ferve, ferve at
apurar, at ficar doce por ele mesmo n, aquele tucupi vai ficar
doce, porque o tucupi j doce, mas de qualquer maneira ele pra ficar
mesmo adocicado, gostoso, tem que ferver muito, ferver o dia
todo.[footnoteRef:7] [7: Entrevista concedida por D. Val, em
06/12/2012, Jabaroca, Primavera-PA.]
O preparo da manicuera envolve quase um dia inteiro, pois o bom
cozimento da mandiocaba fundamental para garantir o sabor. Apurar o
mingau o procedimento seguinte, o que significa dizer que o lquido
vai ganhar uma colorao avermelhada ou nas palavras da louceira, vai
ficar bem coradinha, para em seguida, acrescentar-se os outros
ingredientes, conforme nos conta: Mais ou menos umas 4 horas da
tarde, conforme for, a gente vai apurar. Apurar assim, , ver o
gosto, se j t bem coradinha, a v o gosto, se j est mesmo no ponto.
A coloca-se o arroz, no esse arroz, o arroz comum n, esse arroz
natural mesmo, n, comum como chamamos. A coloca-se o arroz, o kilo,
ou conforme for o tanto que de tucupi, n, o lquido. Deixa o arroz
amolecer, quando ele t molezinho... a voc tira, antes voc tira um
pouco na panela, na vasilha n, pra esfriar aquele lquido, mas do
lquido cozido, no o lquido cru. Aquele lquido pra fazer, pra
misturar a goma, a tapioca da mandioca, entendeu? Mistura-se a
tapioca ali dentro daquele liquido cozido, fria. A o arroz j t
mole, a voc vai e derrama aquele da tapioca n, que foi aguado
naquele lquido frio, dentro daquele panelo. A com muito cuidado,
vai fazendo, remexendo, remexendo at ele engrossar que pra dar
aquela consistncia assim, babosazinha... entendeu? A pronto deixa
ferver uns 10 minutos pra cozer a tapioca a, tira-se o fogo de
baixo, pronto, a deixa l. A, depois quando tiver j terminado com
aquele fogo, a voc abaixa o panelo. A pronto, deixa esfriar, a t
pronto pra beber. Tem gente que gosta de colocar um pouquinho de
sal, n, pra no ficar assim aquele doce muito enjoado. Eu sempre
coloco um pouquinho de sal, s um pouquinho mesmo, no para salgar, s
pra consistir um pouquinho, entendeu? Eu sei assim, agora no sei
outras pessoas... Essa a minha receita, que eu aprendi com a minha
me, com os meus antigos, n?
Na localidade de Vila Que Era, em Bragana, segundo relatos, o
mingau de manicuera era preparado na poca das festividades do santo
preto[footnoteRef:8]. [8: A festividade da Marujada (declarada
patrimnio cultural e artstico do Estado do Par pela Lei no
7.330/2009) ocorre anualmente no ms de dezembro e, organizada pela
Irmandade do Glorioso So Benedito na cidade de Bragana, desde o
final do sculo XVIII. Durante os meses do ano que antecedem a festa
propriamente dita, realizada a esmolao que consiste na peregrinao
das trs imagens do santo preto pelas regies de campos, praias e
vilas, momento de oraes, congraamento entre os devotos e de
arrecadao de doaes para a festa do santo. Alm de Bragana, a
Marujada tambm ocorre em Tracuateua, Quatipuru, Vila de Ftima
(localidade pertencente a Tracuateua), Augusto Corra e Primavera.
IN: MORAES, Maria Jos Pinto da Costa de. Tocando a Memria Rabeca.
Belm: Instituto de Artes do Par, 2006. ]
(...) s vezes tinha que um santo ia ficar na casa da gente, n,
voc conhece, quando So Benedito fica na casa da gente, pois , que
vem muita gente pra casa da gente... a gente fazia um panelo de
mandicuera pra ofertar aquela bebida, n, pro povo que vinha,
n.[footnoteRef:9] [9: Entrevista concedida por D. Nazar, em
05/12/2012, Vila Que Era, Bragana-PA.]
Na localidade de Jabaroca, em Primavera, a antiga louceira
recorda do costume de tomar manicuera durante as festas de fim de
ano.Sempre faziam por Natal, pra beber, n, antigamente. A minha me
fazia assim no 1 de ano, final de ano mesmo. Natal, final de ano, a
mame fazia. A gente tambm fazia, agora no j fazem outros festejos
mais diferentes, n, tanta da comida nova que a gente j sabe fazer,
n. O mingau j nem usa mais, bolo de macaxeira, n, assim j nem usa
mais, j quer saber de bolo confeitado...[footnoteRef:10] [10:
Entrevista concedida por D. Val, em 06/12/2012, Jabaroca,
Primavera-PA.]
Outro momento referido pelas louceiras tradicionais como de
costume de fazer a manicuera, dava-se por ocasio do Dia de Finados.
(...) uns dois anos atrs tinha, o pessoal levavam pra vender. Esse
costume vem dos antigos, n? E mesmo tambm era uma hora que se
juntava muita gente, n, e aproveitava pra fazer uma feirazinha.
Agora, esse ano no venderam, mas galinha com arroz, suco... Todo
mundo se encontra, tem gente que vem de fora, a, at nove, dez horas
aproveita pra merendar.[footnoteRef:11] [11: Entrevista concedida
por D. Val, em 06/12/2012, Jabaroca, Primavera-PA.]
Atualmente, o mingau no tem sido mais feito em panelas de barro.
Esse costume, segundo as louceiras, est se extinguindo, embora a
manicuera ainda seja uma iguaria apreciada na regio.
3. Um saber que resiste
O ofcio de fabricar louas de barro ainda uma prtica cultural
presente no cotidiano de algumas localidades. As louceiras que
fizeram dele um meio de sustento de suas famlias, ou pelo menos,
uma alternativa de complementao de renda, no entanto, mantm-se em
atividade a despeito das dificuldades. No relato da artes abaixo,
fabricar a loua de barro, no passado, representava uma alternativa
de renda para a mulher, especialmente nas festividades locais,
quando as vendas aumentavam. A a gente vendia, ento quando eu
conheci minha me tambm fazia muita loia pra vender final do ano, em
dezembro, pela festa de So Benedito, ela levava muita loua pra
vender. No s ela como muitas louceiras, no era s a minha me, era
vrias pessoas, porque no tinha emprego, n, no tinha a renda, a a
renda que tinha era fazer loua de barro pra vender. E a quase todas
as louceiras faziam loua pra vender.[footnoteRef:12] [12:
Entrevista concedida por D. Nazar, em 05/12/ 2012, Vila Que Era,
Bragana-PA.]
A introduo de eletrodomsticos como a geladeira, e, de outros
utenslios de uso domstico tais como panelas de alumnio, baldes e
tigelas plsticas, foi um dos fatores citados por algumas louceiras
como desestimuladores da produo cermica tradicional. Entretanto,
esse fator no deve ser visto de forma isolada, pois outras questes
como a escassez dos recursos naturais bem como as mudanas de
comportamento das novas geraes, tambm podem ser entendidos como
ameaadores da continuidade da transmisso desse ofcio
tradicional.Era panela, era bacia, era alguidar, era pote... pra
usar em casa. Com a continuao fomos desprezando, n? No acabar, se a
gente for fazer a gente ainda faz, n? Mas que desprezou, agora e
ningum mais usa mais pote, tem geladeira, chegou energia pra
c...[footnoteRef:13] [13: Entrevista concedida por D. Val, em
06/12/2012, Jabaroca, Primavera-PA.]
Embora no relato das louceiras mais idosas, fique evidente o
desuso das louas de barro no mbito domstico, por questes relativas
mudana de hbitos acarretada pela insero de novas tecnologias e
utenslios industrializados, ainda assim, diante de um cenrio de
mudanas cada vez mais velozes, o saber-fazer das louceiras
tradicionais continua vivo.Na ilha de Quatipuru-Mirim, localidade
pertencente vila homnima, as mos geis e experientes de D. Chica,
louceira tradicional, produzem at trs paneles por
dia[footnoteRef:14]. [14: Informao coletada de entrevista concedida
em novembro de 2012, Quatipuru-Mirim-PA.]
Na maioria das casas deste vilarejo praiano, avistamos paneles
sustensos nos jiraus das casas, encimados por calhas feitas em tubo
PVC, gambiarras a cu aberto, criadas para armazenar gua da chuva ou
de poos, um bem preciosssimo para os moradores de l. A produo desta
louceira alm de garantir o consumo local, atende a outras regies,
constituindo para a mesma, um meio de sustento familiar. Figura
18Figura 17
Em outra residncia da ilha, conhecemos uma louceira no mais
praticante do ofcio. Em seu quintal, inmeros paneles de sua
fabricao, esto por l espalhados, alguns deles funcionando como
vasos de plantas. Esta louceira, revelou-nos uma pequena coleo de
miniaturas de alguidares, panelas e tijelas que pertenciam s suas
filhas, do tempo em que ensinava as mesmas. Figura 19
Na localidade de Vila Que Era, distante cerca de 8 km da cidade
de Bragana, situada na Estrada de Camut, encontramos um ncleo
familiar produtor de louas de barro. Moradora do lugar desde seu
nascimento, D. Nazar (60 anos), nos dias atuais juntamente com seu
filho Josias (28 anos) e a nora, Luciane (26 anos), dedicam-se
fabricao artesanal de louas de barro. A louceira cujo ofcio
aprendeu com a me, tem no filho, a continuidade do saber,
entretanto, com algumas caractersticas que se diferem do modo
tradicional de produo, ainda praticado por ela. Figura 21Figura
20
4. Tradio que se reinventa com as novas geraes
No ateli da louceira tradicional de Vila Que Era, o espao
partilhado com o filho, tambm arteso, produtor de louas de barro.
ele o continuador deste saber-fazer feminino. A necessidade de
tornar a produo da loua um empreendimento economicamente vivel, fez
o arteso buscar qualificao como empreendedor. A depois a, j
apareceu o SEBRAE, descobriu a gente, n, me descobriu que eu
trabalhava com loua de barro a, ele veio. Ns formamos uma associao,
ns era 17 scios. S que tambm no tinha, vamos dizer assim, que, era
muito pouco o preo, no tinha sada ainda, a gente ainda no tinha
mercado. O mercado era pouco, a eles abandonaram, a saram, porque
eram pai de famlia, a a renda no dava pra se asustentarem. Eles
abandonaram, a ficou atualmente s eu e o Josias trabalhando, e aqui
ns ainda estamos trabalhando, n.[footnoteRef:15] [15: Entrevista
concedida por D. Nazar, louceira tradicional, em 05/12/2012, Vila
Que Era, Bragana-PA.] Figura 22
Deste modo, frente do empreendimento familiar, aprendeu e passou
a desenvolver a tcnica de modelagem com o auxlio de um molde
construdo em gesso por ele mesmo, e, aprendeu a manejar o processo
de queima da cermica em forno. Mesmo com uma produo voltada
comercializao, o arteso tem completo domnio de todas as etapas de
fabricao das louas, desde a extrao da matria-prima no barreiro
queima e defumao das mesmas. Recebe o auxlio da esposa na fase de
acabamento da loua. O alisamento continua sendo executado do modo
tradicional, com caroo de inaj (tanto externa quanto internamente).
Figura 23
Observa-se em sua loua, o cuidado com a identificao, isto ,
dados apresentados ao consumidor sobre a procedncia da pea, uma
orientao j incorporada pela famlia produtora que atende tanto ao
mercado interno quanto o externo (outros estados e tambm encomendas
internacionais).Neste ncleo de produo familiar, alm do
aproveitamento dos recursos naturais para a confeco de ferramentas,
o arteso faz o reuso de materiais como tubos PVC, frascos e
coadores plsticos, entre outros. A cuim, por exemplo, usada no
alisamento do barro, feita de um pedao de embalagem plstica. A
preparao do charmote segue o costume tradicional com a pilagem dos
cacos de telha ou de louas quebradas. O arteso apenas adaptou
alguns apetrechos (figura 23) para facilitar seu trabalho. Aps esta
etapa, o charmote misturado ao barro e, com as mos e o auxlio de um
rolo (ferro e PVC), o arteso amassa e prepara o barro para a
modelagem.A modelagem das panelas realizada com o auxlio de moldes
em gesso. Em seguida, a modelagem e fixao das alas, feita a tampa
da pea (tambm modelada em um molde), bem como a colocao da ala.
Assim, d-se o processo de modelagem do formato de panela mais usual
e de maior comercializao no ateli (figura 24).Figura 24
A etapa de finalizao da loua de barro neste ncleo produtivo a
defumao. Constitui um tratamento realizado na superfcie interna da
loua com o intuito de impermeabiliz-la, tornando-a adequada para
qualquer uso, seja para ir ao fogo ou no. Um forno diferenciado do
de queima foi especialmente projetado pelo arteso para realizar a
defumao. Figura 27Figura 26
Os tipos de louas so bem diversos neste ncleo de produo
artesanal. Alm dos formatos tradicionais tais como panelas, potes,
alguidares, torradores, produz-se tigelas, travessas, frigideiras,
chaleiras, richs, dentre outros objetos utilitrios. O arteso tambm
nutre um interesse por objetos antigos e, inspira-se nos prprios
achados que faz no seu terreno (um stio arqueolgico ainda no
pesquisado pelos cientistas), de moedas antigas a inmeros cacos
cermicos.
Durante a documentao do processo de fabricao das louas neste
ateli, realizado em trs dias de pesquisa de campo, tivemos a grata
oportunidade de observar as crianas, filhas do arteso e suas primas
(quatro garotas na faixa etria entre 5 e 8 anos), brincarem de ser
louceiras. Figura 28
Neste processo de educao informal, a vivncia cotidiana e os
estmulos oferecidos pelos pais artesos so muito importantes para
incentivar a continuidade da tradio cermica local. Figura 29Figura
29
A brincadeira partiu espontaneamente das crianas. Cada uma delas
ganhou do arteso uma bolinha de barro e uma tbua para fazer a
modelagem de suas louinhas. De forma ldica, ali naquele momento de
brincadeira, as pequenas louceiras estavam refazendo o percurso
criativo de sua av e seu pai. O interesse e o respeito por estes
saberes ainda cultivado na infncia podem contribuir para sua
continuidade entre as novas geraes. Figura 30
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Costa Atlntica Amaznica durante o holoceno. In: PEREIRA, Edith;
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Emlio Goeldi, IPHAN, SECULT, v. 1., p. 35-48, 2010.
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SIMES, Mario F. Coletores-pescadores ceramistas do litoral do
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SOUZA, Marzane Pinto de. Mos de arte e o saber-fazer dos artesos
de Icoaraci: um estudo antropolgico sobre sociedade, identidade e
identificaes. Dissertao de Mestrado. Niteri: Universidade Federal
Fluminense, 2002.
6. Anexos
6.1. Glossrio das louceiras
Agraduar a temperatura dosar a quantidade dos ingredientes
(cariap, charmote) misturados no barro para a feitura da
loua.Alguidar - tigela grande utilizada para amassar o aa.Anaj ou
inaj - caroo de fruto usado para dar o polimento na loua de
barro.Amachucar ou empelar o barro amassar o barro de modo a
mistur-lo aos temperos.Apurar o mingau deix-lo cozinhar o
suficiente para que o lquido (tucupi) da mandiocaba ganhe uma
colorao avermelhada.Barreiro lugar de onde se extrai o barro.Barro
bom barro adequado para fabricar a loua.Cariap ou carip a casca
retirada da rvore que queimada e pilada e, depois misturada ao
barro a fim de modelar a loua.Charmote ou chamote p de telhas ou de
tijolos antigos que pilado e peneirado para ser misturado ao barro.
Cuim esptula feita de cuia utilizada para unir os morres de barro e
alisar a superfcie da loua.Encarnada ou corada cor do tucupi da
mandiocaba depois de ferver bastante.Esquentar a loua acender aos
poucos a fogueira a cu aberto para preparar a loua para a queima
propriamente dita. Espocar a loua quebra da loua ou rachamento,
efeitos causados pela queima mal realizada da loua. Guarim ou
guarum folha colocada embaixo da pea a fim de auxiliar a louceira
nos movimentos circulares que executa durante sua modelagem. Tambm
costume usarem a folha de bananeira.Jutaicica ou itaicica resina
extrada da rvore do juta utilizada para dar brilho, ao mesmo tempo
que, impermeabilizar a loua de barro.Loua ou loia utenslios
domsticos fabricados em barro tais como: pratos, potes, panelas,
alguidares, tigelas, entre outras peas. Me d gua ser mtico
considerado pelos caboclos e caboclas, protetora das guas dos rios,
lagos e igaraps da Amaznia.Malacacheta pedra de mica, que
proporciona brilho quando usada na mistura do barro.Manicuera ou
mandicuera mingau feito com o tucupi da mandiocaba (espcie de
mandioca) em paneles de barro e servido em ocasies festivas na
regio. Matame bordado confeccionado como decorao na loua feito com
o dedo ou com um pedao de pau. As louceiras mais antigas faziam com
o grelo da goiabeira usando a cuim.Morro roletes de barro modelados
que unidos formam o bojo da loua.Mutiro ajuntamento de pessoas em
prl da realizao de uma determinada atividade.Pelo bolas de barro
retiradas do barreiro.So Benedito santo de devoo muito querido na
regio bragantina, o qual homenageado anualmente no ms de dezembro
com a festividade da Marujada, promovida pela Irmandade do Glorioso
So Benedito, existente desde o final do sculo XVIII.Tempero
ingredientes (cariap, charmote, pedra de malacacheta) adicionados
ao barro para fazer a loua.Terrina vasilha quadrada ou retangular
usada para servir alimentos.Urup cogumelo conhecido popularmente
como orelha de pau, usado para dar acabamento na borda da loua de
barro.
6.2. Entrevistas (transcries)
Entrevista concedida por D. Joaquina, louceira tradicional, em
14/11/2012, Primavera-PA.Foto: Simone Jares, nov./2012.
Fale p/ ns seu nome completo e sua idade:Joaquina Costa do
Nascimento, 82 anos.
Como foi que a senhora aprendeu a fazer cermica... as tigelas,
os alguidares, os potes de barro?Eu ajudava a minha me, temperava o
barro, mas l pra onde ns morava...
E onde era?Ns morava l pra mata do Pitor, pra l de Bragana,
Mocajuba...ns morava pra l...
A senhora nasceu l?No, eu nasci em Peixe-Boi.
E das suas lembranas quando foi que a senhora comeou a ajudar
sua me?Eu ajudava quando eu tava de 12 anos que ela fazia, eu
ajudava ela bem. J pilava o carip pra ela, pra ela fazer... A
quando eu me casei que eu vim me embora pra c pra Primavera, a foi
que eu continuei a fazer, n? A eu me casei e teve o primeiro filho.
E a eu fazia, eles me encomendavam. Eu vinha buscar barro a no
ARDEP (?), levava na cabea. T com a costa... at hoje tenho dor na
costa, queria levar demais, n, pra fazer uma panela, um alguidar
que me encomendavam n, a eu levava pra l pra treze, aqui na treze
aqui, entre aqui Primavera e a entrada de Salinas. Tinha um terreno
a no meio de viagem, a eu morava, me casei e, fui morar pra l. A eu
fazia essas louas j depois que eu casei, minha me j tinha ido
embora pra Monte Dourado. Pra l ela morreu, no vi minha me... A eu
fiquei casada aqui, morava na treze(...)
As louas eram mais p/ serem usadas em casa mesmo ou a senhora
vendia?Era eu s fazia l na treze, eu fazia pra trocar a troco de
franguinho assim pra mim criar, n? A eu no tinha dinheiro pra
comprar criao, n, a elas souberam que eu fazia, a eu tinha minhas
louas, meu alguidar, meu torrador, minha panela... eu ainda tinha
panela, eu... no sei quem foi, eu encomendei um carip, eu fazia
panela... gostava de fazer arroz n, com banha de porco na panela de
barro (...) A eu deixei de fazer panela, no tinha mais, fazia s
mesmo alguidar, a fazia aquele alguidar maior que esse a (gesticula
mostrando um alguidar de sua produo antiga). Fazia, elas me davam s
vezes um casal de franguinhos. Eu criava era muito.
Eu queria que a senhora contasse um pouquinho pra gente como era
pra buscar esse barro, de onde vinha esse barro...Esse barro eu
tirava ali da beira do ARDEP, era de l da beira sabe, no tem um
igarap? Pois , de l e tem de outra beira de novo, tirava. Eu vinha
buscar, levava, convidada uma, me conheci com as colega de l tudo,
a convidava, ah eu tambm vou, pra tu fazer uma vasilha pra mim, uma
bacia, um alguidar, a ns vinha, levava na cabea. Enrolava, empelava
aquele barro, a gente tira n? Eu conhecia... esse aqui tem areia,
no muito bom, a ns ia noutro canto de novo, a fazia aqui plo, o
tanto que a gente dava conta de levar, a ns levava pra l. Tirava
com a mo mesmo, se sujava tudo, eu tirava, empelava tudo, levava os
plos assim desse tamanho, quando levava aquilo um bolinho, mas pesa
que s no sei o qu, barro n? A a gente ia embora, uma boa distncia 9
km daqui pra treze, n?
Como a senhora fazia, os passos pra fazer um alguidar desses...A
quando eu chegava l, quando dava tempo que ele endurecesse, n, que
tava duro j o plo, que eu no tinha tempo era pra roa, a eu no
parava... a ia l e endurecia n, a eu agarrava ele j tava duro
aquele plo, eu pegava uma faca ou terado velho, a cortava todinho,
a botava numa vasilha, no tinha vasilha, eu tinha aqueles corat
grande na jazeira da capoeira, n? A eu trazia, tinha era muito no
auxlio da roa assim, a eu botava de molho, botava de molho, quando
ele amolecia ficava molezinho como eu tirava l na beira do rio, a
eu amassava com tempero. O tempero j tinha pisado, ou caco de
tijolo, ou caco de telha, pq no existia carip... carip era mais
longe, a eu agarrava e amassava com aquele p, do tijolo ou caco de
telha que eu pilava, peneirava n, na vasilha a eu empelava assim no
corat de novo, empelava, empelava, pra unir o barro com aquele p
pra fazer o alguidar. A quando eu via que tava bom, que tava
empelado com aquele p, bem a eu botava pro lado, melava dois, trs
pelos, botava pra li, numa horinha que eu tinha tempo, a eu
fazia... aquilo era tudo as carreira pra poder j ir pra roa,
capinar... Meu marido, ele me ajudou muito mas, na mar, ele ia pra
mar pescar, quando no tirava caranguejo pra vender, ajudar a
criar... ia pra l. E a quando era no dia de tecer, eu tecia aquele
plo de barro j tava preparado ali dois, trs plos assim que eu
fazia, a eu tinha a mesa, eu fazia numa mesinha que eu tinha, a eu
fazia aqueles morro, deste tamanho assim (gesticula com as mos), a
eu ia tecendo, fazia primeiro uma rodinha, no comeo do alguidar, n,
esse fundinho dele a, da eu ia tecendo at o tamanho que eu
quisesse. Fazia aqueles morrozinho, desse tamanho assim ou no mais
comprido do tamanho da mesa, fazia comprido ia tecendo. No parece
assim, porque a gente alisa bem alisadinho. Tem o caroo do inaj que
a gente passa antes de endurecer, a gente passa tudinho pra ficar
lisinho. A a gente fazia daquele plo de barro, o tanto que a gente
quiser, maior, menor, baciinha, assim a gente vai pregando at o
tanto que queira fazer a vasilha. Eu fazia pratinho pros menino
comer... A quando ele tava duro, assim seco, a eu fazia, botava ele
l na beira do fogo, tinha muita lenha, a quando no l na beira da
roa, eu ia buscar logo uma capemba de inaj n, tem aquelas capemba
que cai seca, n, a eu trazia, achava melhor (...) A eu agarrava,
botava, fazia dois, trs alguidar desse eu fazia, botava numas
trempe assim, emborcava eles pra poder esquentar, no logo assim em
cima pra queimar, que assim doido pra rachar. A gente esquenta ele
um bocadinho a vai botando fogo, botando fogo, a quando ver que ele
t bem quente, a gente, eu abotava, arrodiava daquela casca, a o
fogo velho pegava. Tirava, o bicho chega ficava encarnado como um
tijolo quando queimado mesmo.
Quanto tempo p/ queimar?Deixava ele queimando, a eu ia
trabalhar, a quando eu ia na roa, na roa era perto n, a eu as vez
arrancava um paneiro de mandioca a j tava tudo descoberto a eu
ia... Isso aqui a gente passa itaicica (jutaicica), pra no entrar
gua, a gente queima bem queimado pra no entrar no. Eu tinha j, os
meninos arrumavam, l os conhecido encomendei itaicica, eles
arrumavam por l, parece que arrancavam na terra, na roa. L no meu
terreno tinha, mas no eu tinha tempo de procurar itaicica. A eu
encomendava itaicica, a eu amolecia ela, a botava num morro a pra
poder passar pra dar brilho. Ficava que uma beleza... Depois de
queimado que passa a itaicica.
Porque era importante colocar a juitacica?Pra no entrar gua,
aquilo conserva a loua.
A senhora fazia alguidar, torrador, panela...O que eu fazia bem
era torrador pra torrar caf. Tinha muita era encomenda. Eu fazia
era de dois, trs. (...) Quando no tinha carip, fazia de pedra. Essa
pedra que eu t dizendo, n, eu queimava a pedra, pilava e passava
numa peneira bem fina. Eu comprava uma peneira. Era uma pedra bem
fofa assim, meia preta, prpria pra gente pilar. Eu fazia pouco, no
tinha muito dessa pedra (...)
A senhora pintava a panela?No, no pintava panela. No tempo da
minha me, tinha muitas louceira no tempo da minha me (na colnia
Montenegro, Bragana). Elas faziam pratinho, bacia, agora a pintura,
eu no sei como fazia.Por que a senhora parou de fazer loua de
barro?Por que eu no quis mais, era muito trabalho. Comeei a ter
filho, eu teve oito filhos, n, no dei mais conta. Lutava com filho.
Pra vim buscar barro pra c, a foi o tempo que eu foi me embora pra
c e, pra c era mais longe n. Ir buscar lenha pra queimar, no
tinha... Quando ns morava ainda l na ARDEP, eu ainda fiz uns
alguidar ainda, l na ARDEP. De l eu me mudei praquela casa que de
um filho meu, a comprei esse pedao aqui, mandei construir essa casa
aqui, e aqui estou.
Como pra escolher o barro bom?Um que no tem muita tabatinga, nem
areia, s quase o barro mesmo que a gente amachuca assim, s o puro
barro, mesmo, aquele barro liso n. Tudo assim na ribanceira a gente
tira, barro bom pra loua. Tem uns que no prestam. Mas a eu acho que
abeirando, logo mar n, o barro pertence mais.... l pra onde ns
morava, teve uma mulher l que achou barro bom pra loua na gua doce.
Mas difcil, o barro mais da mar.
Entrevista concedida por D. Val, louceira tradicional, em
06/12/2012, localidade de Jabaroca, Primavera-PAFoto: Gilmara
Menezes, dez./2012.
D. Val, seu nome completo:Vanderci da Silva Souza.
Sua idade:62 anos.
A senhora vive em Jabaroca h quanto tempo?Desde que nasci.
Esse ofcio de fazer louas como foi que a senhora aprendeu? Conta
um pouco dessa histria pra gente...A minha av fazia, depois a minha
me, a veio a minha tia que irm do meu pai... e as vizinhana tambm
se juntavam pra tirar o barro, pra fazer, n... At se juntavam assim
em mutiro, 3, 4, 5 mulheres e tirava o barro e misturava pra fazer
a loua. Queimavam junto tambm, n, pegava aquelas casca de pau,
aquelas casca bem forte, e montava as louas, esquentava e cobriam
pra fazer aquela fogueira. Depois de queimada passava uma cola
chamada de itaicica, chamam de itaicica, n, uma cola dum pau que
mistura, s vezes em bacia, alguidar, passava ela com sal. Quando
passava aquela itaicica, a ficava aparecendo aquelas listras
bonitas, o que a gente quisesse, n, desenho, nomes, qualquer coisa
assim que gente quisesse fazer. Mas, no caso de panela, pote, a no
podia se usar isso, n, porque com a continuao do fogo ela secava
aquilo, desaparecia n, aquele desenho.
E o barreiro era perto de sua casa?O barreiro ali, ali na
frente, a nesse canto, logo a na frente(...) Pegava um pedao de
pau, afinava assim a ponta, tipo assim uma talbinha n, assim, que
furava o cho, tirava aquele barro preto de cima, a logo embaixo
tinha o barro, esse que era o bom, n, pra fazer o preparo.
Tinha algum ritual que vocs faziam quando estavam retirando o
barro? A senhora pode contar pra gente...Tinha uma face de
brincadeira...uma brincadeira pra me dgua no quebrar as louas a
gente pegava e fazia um bonequinho, colocava l na beira do barreiro
e, quando ela viesse olhar, ela dizia, ah isso aqui pra no
quebrar... esse negcio todo de antiguidade, n? Sempre eu via minha
av, minha me, todo o pessoal fazia, at eu gostava de fazer os
bonequinhos de barro. Colocava l na beira do buraco, depois de
entupido n, que a gente tirava o barro. Aquela terra preta que tava
em cima, a gente tornava a jogar no buraco pra entupir, justamente
pra gado no cair dentro, pra no quebrar as pernas. Nesse tempo
tinha muito gado andando pelo campo.
Hoje a senhora no tira mais barro?No tiro porque no h mais
assim... ningum t usando mais as louas, j deixo at pra trs o modo
de louas de barro...
Quando a senhora casou fazia suas louas?At que eu ainda fiz
ainda, alguidar, bacia... Fazia bacias bonitas, grandes (....) eu
tinha uma bacia bem bonita (...) quando a mame dizia assim, a gente
vai tecer a bacia n, que a gente passa aquele negcio, aquela
colherzinha feita de banda de cuia (cuim), e vai crescendo o barro
n, vai crescendo, vai crescendo, a a mame dizia assim: banha o teu
filho em bacia de barro pra ele ficar grande, pra ele crescer...
essas coisas de antiguidade n...
A gente queria que a senhora contasse como era esse seu fazer?
Depois que a senhora trazia o barro como era que a senhora fazia at
chegar na loua?Tinha uns que amassava logo, a mistura j tava
esperando n, quando chegava do campo, o barro, logo a gente
amassava. Outros diziam assim, no, bora deixar passar uns 3 dias
que pra diminuir, a deixava passar o barro uns 3 dias, a depois
continuava a amassar, n, quando a gente traz do campo aquelas bolas
[trecho no compreendido] a depois misturava na massa no ingrediente
da pedra moda, ou p do carip ou nesse p dessa pedra malacacheta...
que mais brilhosa, n, quando queimada fica aparecendo os
brilhosinho na loua(...)
Essa pedra a senhora achava aonde?Ela daqui do lugar, de um
lugar chamado, pra trs, depois de Bacabal tem outro lugar mais na
frente ainda que chamado de... [trecho no compreendido] e l que tem
bastante pedra dessa...
Continuando o processo...Fazia aquela mistura n, depois de
triturado.
A sua loua era misturada com vrios ingredientes?No. Se misturar
s com uma, era s com uma. Se for s com o p da telha, tambm a telha,
no dessa telha agora, n, que j tem mais processo, era telha do
prprio barro que se usava aqui mesmo que justamente at uma pequena,
uma mini-olariazinha, era do meu pai, ele era quem fazia telha
tambm. A a gente usava tambm. Pilava a telha que quebrava, n,
colocava tambm, mas era melhor mesmo das pedra, das preciosas, das
pedras brilhosinha, que a gente chamava de pedra preciosa, ficava
bonita a loua...
Como era pra fazer a loua? Primeiro a gente pegava uma bolinha
de barro, achatava, colocava numa folha de bananeira, ou de guarim,
ou qualquer folha de palmeira assim usada, n? Batia, achatava
assim, mais ou menos 1 cm de altura, aquele fundo redondinho, a,
depois fundava assim abeirando aquela roda com o dedo. A depois
rodava outro pedacinho de barro, fazia aquela roda, fazia assim um
paviozinho da altura de um dedo. A ia pregando nos lados das louas.
Pregava uma boa altura, conforme o tamanho que voc quisesse fazer
as louas. A, depois de pregado aqueles pavios ao redor daquele
negcio, a pegava... chamvamos de cuim, um negocinho de cuia, tipo
assim um modelo de uma colher, s que era assim compridinho assim.
Aquele negocinho era pra rapar aquele negcio, alisar, crescer, com
aquele movimento, com aquela pazinha era que a gente fazia aquele
movimento, n? Primeiro crescia, raspava assim a beirada todinha, a
depois rodava por dentro aquele negcio, entendeu? Que era pra
fechar, desaparecer aqueles morro que estavam grudados nas laterais
daquela loua. Da, depois que formava aquele bujo assim, aquele
negcio, a se fosse panela tornava a dar outro enchimento de novo,
depois tornava a dar outra viradinha... a a gente fazia o modelo.
Se fosse bacia j ficava reto. Alguidar tambm a gente faz s um
quebradinho assim, conforme o modelo, n?
E os enfeites, a senhora usava na sua loua?O enfeite era o dedo
na beirada do alguidar. Na beiradinha das bacias, a gente fazia
aqueles tiquezinhos assim (gesticula mostrando com os dedos o
movimento executado). Tem umas que faziam com a prpria pazinha do
pau, da colher, feita de cuia, mas quem tinha o dedo fino fazia
assim, uns tiquezinhos assim abeirando, a, fazia aqueles
bordadinhos.
Que tipos de loua a senhora fazia? Que formatos?Era panela, era
bacia, era alguidar, era pote... pra usar em casa. Com a continuao
fomos desprezando, n? No acabar, se a gente for fazer a gente ainda
faz, n? Mas que desprezou, agora ningum mais usa mais pote, tem
geladeira, chegou energia pra c...
A senhora ainda tem loua em casa?No.
Como a senhora fazia o polimento da loua?O polimento caroo de
inaj. Tira o caroo de inaj, n, a tira aquela pele, a com aquele
carocinho que a gente vai passando... com um dia da loua feita, at
com dois dias n, conforme o tempo. A, ela j t enxuta, a gente pega
uma faquinha vai rapando aonde t um pouco alto, onde t um pouco
beirudo, n, assim acontece, a gente vai passando aquele negcio por
fora e por dentro, alisa, que fica muito brilhozinho aquilo ali.
Aquele negcio ajuda a unir mais barro, n? Aquele alisamento ajuda a
unir bem o barro.
E a queima como era?Ela tando bem enxuta a loua, a gente vai
colocar ela pra esquentar. Digamos assim, faz-se o fogo no fogo a
lenha, ou mesmo no cho sem vento e, vai esquentando aquela loua,
esquentando, a, ela esquenta um pouquinho de um lado, vai virando,
esquenta do outro, at ela enxugar bem assim, pegar uma consistncia
pra que ela no espoque, n? Porque se voc for colocar o fogo
rapidinho nela, e ela esquentar, ela espoca, ela racha. Ento, tem
que ir devagar, esquentando ela devagar. Quando ela t bem ... a
quentura tomada assim, digamos completa, n, a voc cobre ela com a
casca de pau, ou com pau pobre com madeira leve, no se coloca
madeira pesada porque ela pode quebrar a loua, n, madeira leve.
Quanto tempo de queima? at terminar a fogueira em cima dela.
Depois que terminar aquela fogueira, deixar ela ficar fria, n, da a
gente retira.
E as louas que, por exemplo, serviam para amassar aa e colocar
gua, como era para preparar a parte de dentro da loua? assim mesmo,
como eu falei... A itaicica s pra dar o brilho na loua, em alguidar
e em bacia, n, em panela ningum coloca. Se for colocar itaicica nas
panelas, ela d um mau gosto assim, ela solta um gostinho, n? Ela
vai derreter, a no fica bem o alimento, fica com um gosto ruim.
A senhora fazia manicuera naqueles paneles de barro?Fazia... um
panelo mesmo, pra sustentar a gente colocava em cima de pedra...
Trs pedras da mesma altura, a sentava o panelo pelos lados era
colocado as lenhas, as toras, pra ferver.
No faz mais manicuera?No momento no porque t com uns trs anos
que eu no plantei mais. Mas se Deus quiser vou achar a muda e quero
fazer na minha roa uns plantio.
Como que faz o mingau da manicuera?O mingau feito do tucupi da
mandiocaba, da mandioca, da rvore da mandiocaba ... tira a
mandioca, passa no ralo, depois, passa no tipiti pra espremer, pra
tirar o tucupi. Aquele tucupi passa-se num pano fino pra no cair o
bagao, n, a, pe pra ferver, s ele mesmo. Pe pra ferver, um panelo
ou dois s pra, digamos assim que, vai ser feito o mingau n, e um s
pra ferver pra colocar o lquido dentro dele daquele um ou dois
paneles n, conforme for o toque que voc for fazer o mingau. A
ferve, o dia todo seu mingau no fogo. Pode se levantar umas 4 horas
da manh e comear a trabalhar. Ferve, ferve at apurar, at ficar doce
por ele mesmo n, aquele tucupi vai ficar doce, porque o tucupi j
doce, mas de qualquer maneira ele pra ficar mesmo adocicado,
gostoso, tem que ferver muito, ferver o dia todo. Mais ou menos
umas 4 horas da tarde, conforme for, a gente vai apurar. Apurar
assim, , ver o gosto, se j t bem coradinha, a v o gosto, se j est
mesmo no ponto. A coloca-se o arroz, no esse arroz, o arroz comum
n, esse arroz natural mesmo, n, comum como chamamos. A coloca-se o
arroz, o kilo, ou conforme for o tanto que de tucupi, n, o lquido.
Deixa o arroz amolecer, quando ele t molezinho... a voc tira, antes
voc tira um pouco na panela, na vasilha n, pra esfriar aquele
lquido, mas do lquido cozido, no o lquido cru. Aquele lquido pra
fazer, pra misturar a goma, a tapioca da mandioca, entendeu?
Mistura-se a tapioca ali dentro daquele liquido cozido, fria. A o
arroz j t mole, a voc vai e derrama aquele da tapioca n, que foi
aguado naquele lquido frio, dentro daquele panelo. A com muito
cuidado, vai fazendo, remexendo, remexendo at ele engrossar que pra
dar aquela consistncia assim, babosazinha... entendeu? A pronto
deixa ferver uns 10 minutos pra cozer a tapioca a, tira-se o fogo
de baixo, pronto, a deixa l. A, depois quando tiver j terminado com
aquele fogo, a voc abaixa o panelo. A pronto, deixa esfriar, a t
pronto pra beber. Tem gente que gosta de colocar um pouquinho de
sal, n, pra no ficar assim aquele doce muito enjoado. Eu sempre
coloco um pouquinho de sal, s um pouquinho mesmo, no para salgar, s
pra consistir um pouquinho, entendeu? Eu sei assim, agora no sei
outras pessoas... Essa a minha receita, que eu aprendi com a minha
me, com os meus antigos, n?
Esse mingau era feito em uma poca especial?Sempre faziam por
Natal, pra beber, n, antigamente. A minha me fazia assim no
primeiro de ano, final de ano mesmo, Natal, final de ano a mame
fazia. A gente tambm fazia, agora no j fazem outros festejos mais
diferentes, n, tanta da comida nova que a gente j sabe fazer, n. O
mingau j nem usa mais, bolo de macaxeira, n, assim j nem usa mais,
j quer saber de bolo confeitado...
Aqui em Jabaroca ainda existe o costume de fazer a manicuera no
dia de finados na frente do cemitrio?Esse ano no teve, mas uns dois
anos atrs tinha, o pessoal levavam pra vender. Esse costume vem dos
antigos, n? E mesmo tambm era uma hora que se juntava muita gente,
n, e aproveitava pra fazer uma feirazinha. Agora, esse ano no
venderam, mas galinha com arroz, suco... Todo mundo se encontra,
tem gente que vem de fora, a, at nove, dez horas aproveita pra
merendar.
Entrevista concedida por D. Chica, em 06 de dezembro de 2012,
Boa Vista, Quatipuru-PA.Fotos: Gilmara Menezes, dez./2012.
Como seu nome todo?Maria Francisca de Souza.
Qual sua idade?83 anos.
Onde a senhora nasceu?No Maranhozinho, pra l de Bragana.
Como foi que a senhora aprendeu a tirar barro?Ns ia tirar barro,
eu com a comadre Raimunda (irm) (...) ns ia tirar barro, era assim
do outro lado do Caet, a barreira que tinha o barro, n, o nosso
porto ficava assim e a barreira ficava assim do outro lado, era s
atravessar. A, ns tirava assim aqueles plo de barro pra mame,
carregava tudinho e punha em cima da barreira do porto de casa. Ela
cortava assim umas folhas de sororoca, botava em cima da raiz do
taprev, que o pai lavro, bem lavradinha assim pra senta a folha tem
que senta... tudo isso a gente tem que contar, no ? (...)
E como foi pra aprender a fazer loua?Ns fazia panelinha, ns
fazia, alguidarzinho, tudo ns fazia... aquelas chaleirinha, ns
fazia, botava o biquinho assim que nem a gente compra na loja. A
mame dizia: onde tu viste j, chaleira? Ela perguntava pra mim. Eu
vi l na casa do meu av Mrcio. O meu av Mrcio era um preto velho,
pai do meu padrinho, n. Ela dizia: tu viste l? Eu vi. Eu preguntei
o que era aquilo e ele me disse que era uma chaleira. Eu preguntei
do que era feito aquilo? Ele disse que era de barro, que ele
comprou da minha madrinha Gregria, que quem tinha feito a chaleira
foi minha madrinha Gregria. Ela morava bem perto de ns. Ela fazia
muita loua. Quando era assim dia de domingo eu ia de tarde na casa
dela e preguntava: madrinha quando a senhora vai fazer sua loua?
Ela dizia: eu vou fazer da manh em diante porque j t amassado o
barro... amassado que ela chama era temperado com carip, n?
Madrinha eu venho pra c, eu venho espiar como a senhora faz? Ela
dizia: pra qu minha filha? Pra mim aprender, eu quero aprender.
(...)
E quando a senhora casou a senhora fazia suas louas?Eu fazia.
Ele (marido) fazia era tirar barro pra mim. Levava, chegava com
aqueles pelo de barro espetado assim no pau pelo meio, um daqui,
outro daqui, um na frente, outro atrs. Era pertinho o porto (...)
era s chegar, tirava e deixava no sol em cima daquelas raiz grande,
assim, taprevazeiro grande, bem na beira do porto. Era s carregar
de l da canoa e sentar em cima da raiz dele, o bicho ficava
enfeitado. Quando a gente ia l tava sequinha que era uma beleza.
Era s... fazer a rodilha e botar na cabea e carregava pra casa, era
pertinho. ...chegava l j tinha... cortava a palha de coco (...)
fazia aquele montoal, tempo de vero, passava dois, trs dias se ia l
tava duro que nem pau. Carregava, puxava pra dentro de casa,
metia-lhe o pau, quebrava tudinho, botava dentro daqueles alguidar
medonho (grande), botava de molho, hoje, depois de amanh j ia
amachucar (amassar), pronto, a, aprontava o carip e a amachucar. De
machucado tornava a fazer os plos, botava tudinho l empelado,
cobria com uma cuia pra no endurecer. No outro dia ia s... (gesto
com as mos demonstrando a forma de modelar o barro)
Quais as louas que a senhora gostava de fazer?Era alguidar,
panelo, panela, aqueles alguidar bonito, eu queima, ficava lindo!
Eu fazia aquelas flor dentro, n... sabe com que? Com a gua com sal.
A gua bem salgada. Botava o sal e mexia, mexia, at desmanchar
aquele sal. Se provava tava pegando fogo de salgado. A se podia
fazer as flor, quando tava esquentando, era s segurar e fazer as
flor que se queria fazer. Fazia aqueles boto nas flor e a se botava
pra queimar (...) Quando voc tirava dali, tava s aquela marca
branca na loua.
Nas festas vcs faziam a manicuera? Como era feito esse mingau?Ns
fazia cada panelo (...) bastava dizer que ia fazer manicuera a
festa j tava na frente (...) A manicuera tu rala a mandiocaba e
agarra e espreme que nem quem espreme a mandioca sabe, e acabando
coa bem coadinho na peneira fina a bota-se um pano, assim um pano
bom, novo, bota ali dentro daquela peneira o pano a, vai botando a
calda ali, aquele pano j perparado s praquilo, pra coar a calda,
pra no ir com o bagao da mandiocaba, n. S mesmo a calda. A pode
botar l no panelo e botar as trs tacuru (pedras) em trocha
dele(...) fervido at encarnar aquela calda, quando encarna, comea a
encarnar a, tu solta o arroz. O bicho ferve, ferve, ferve at
amolecer. O arroz tando mole, tu bota a tapioca que pra ajudar a
endurecer a calda... Que fica que uma beleza, no fica aguado, j
dizia a finada minha me, no fica frouxo (...) a manicuera fica boa,
no fica nem dura, nem mole, fica bonita pra correr no copo quando a
gente toma(...)
Quanto tempo pra ficar pronto?Ah... mas depois que ela comea a
ferver s a calda, que ela comea a encarnar, voc pode botar o arroz.
At amolecer o arroz, tempo de endurecer ela, endurecer no, pe-se um
bocadinho de tapioca que pra ela ajudar o arroz, que pra ela no
ficar uma coisa assim solto, n, ela fica assim um grosso meio
pesado, que ela role no copo... a manicuera tem uma frescura com
ela, depois que ela engrossa beleza (...) Se voc acertar, de apurar
ela j de tardinha, se s vai tomar ela no outro dia. Quanto mais ela
fria, mais ela boa.
Tem algum dia especial para tomar manicuera? Qual ?Esse dia
especial um dia que a gente t dizendo assim ora amanh a gente vai
fazer uma manicuera. Tendo a mandiocaba, amanh a gente vai fazer a
manicuera (...)
Aqui na Boa Vista o pessoal tem costume de fazer manicuera no
dia de finados?Tem costume, agora eles no tem a mandiocaba.
(...)
Quando foi a ltima vez que a senhora tomou a manicuera?Faz uns
trs anos que ns no toma a manicuera, a ltima vez foi l em
Quatipuru, a gente foi acender crio. A vela em cima do defunto e
tavam l vendendo na porta do cemitrio... tomemo manicuera at ficar
triste...
Voltando para sua loua de barro, como a senhora fazia o
acabamento de suas peas?Bota assim no vento, deixa enxugar. A gente
faz, ela t molinha, n. A a gente coloca ali, de vez em quando a
gente vai l arreparar assim se j t endurecendo. A quando ela t dura
assim, a gente pega um caroo ou de tucum ou de anaj (inaj), anaj
melhor, fica bem lisinho. A, vai melando assim o caroo (gesticula
mostrando que o caroo melado com a saliva da prpria boca). Vai
alisando, at alisar tudo. Os antigos dizia primeiro do lado de
fora, a passa pro lado de dentro. Alisa todinho. Todinho a a gente
bota uma folha que nem folha de banana, a gente bota ali no fundo
assim e bate aquele pedao do tamanho que quer (...) bota aquele plo
redondo e bate, bate, no deixa ficar caroo (...) Pega assim uma
bolinha de barro, em cima de uma talba, repare bem... que fique
deste tamaninho (gesticula com as mos) agora se pega vai carcando
assim, tudinho... acabou este, pegue outro at se carca assim, vai
tornando de novo, at ficar o tamanho que oc quer este rolinho a, se
pega se vai pregando assim naquele do outro beicinho em cima
daquele que se botou. A se prega este outro (...) tu tem dois aqui
assim, um em cima do outro, tu torna a agarrar outro pelinho,
amassa, amachuca em cima da talba... custa.... a se agarra aquele
pelinho, t desse tamaninho aquele marronzinho, se bota de novo
aqui, da onde findo este, fico aqui, a se bota aqui de novo.. t bom
este, j t dessa altura j (...) A tu ajeita tudinho com aquele cuim,
de cuia a gente faz aquilo, sabe, a tu prega tudinho, a tu abre,
ajeita daqui e some tudinho o morro daqui, a vai sumir daqui
(...)
E os enfeites, a senhora gostava de enfeitar as suas louas?Eu
fazia assim quando a gente tava esquentando ela, sabe, esquentando,
quando ela t crua ainda, a gente agarra bota ela pra esquentar
quando j t bem quente ali, j quase na hora de botar pra cobrir com
pau, com cascas, a gente agarra e faz assim (gesticula, riscando
com o dedo traos imaginrios dentro do torrador que carrega em seu
colo). Aqui, faz aqui... a tu fazes aqui tipo um ramo, aqui tu faz
outro, a tu no faz mais nada... s bem salgado quando t quente,
quando t esquentando pra ti botar pra ti cobrir (...) tu fazes um
bolinho assim de pano, aquele paninho fino, agarra, do tamanho
deste prego, a mete naquela gua bem salgada, ele t quente, tu t
esquentando ele aqui, quando tiver bem quente, tu pega este paninho
enrolado, tu pega bota aqui e faz aquele ramo aqui assim, assim,
faz tipo um raminho assim e agora tu agarra e emborca l (...) a tu
cobre todinho aquele mongrude de loua e deixa tocar fogo e deixa
pererecar (...) antes disto esfriar, porque aqui na frigideira no
passa, s passa se for assim num prato, a gente faz prato e bota
todinho aqueles ramos e passa aquela gua bem salgada que quando tu
tirar dali tu passa a mo (...) e agarra um pedao de itaicica e a
coloca nele todinho (...) num prato, fica bonito...
Quanto tempo queimando?Assim que terminar, aquela casca
terminou, fica s a cinza. A deixa esfriar um bocadinho e agora
tira. S queima quando t seca. Bem sequinha. A gente alisa e deixa,
bem alisado.
Entrevista concedida por D. Nazar, louceira tradicional, em
05/12/2012, Vila Que Era, Bragana-PA.Foto: Gilmara Menezes,
dez./2012.
Fale seu nome primeiro p/ ns... completo:Meu nome Maria de Nazar
Furtado da Silva.
A senhora tem quantos anos?Eu fez, completei 60 anos. Nasci aqui
nessa localidade e, aqui eu estou. S saio mesmo pra passear, mas
nunca me mudei daqui.
Como o nome da sua localidade?Vila Que Era.
Como que a senhora comeou a fazer louas de barro?Olha, essa
cultura muito antiga, de gerao pra gerao, n, porque eu j aprendi
com a minha me e, a minha me falava que aprendeu com ela, com a me
dela, ento assim. A a minha me ia fazer loia, eu tambm ia
aprendendo com ela, fazendo um pratinho, uma tigelinha e daqui a
pouco eu j foi aprendendo a fazer mais, as loias mais maior,
panela, pote, panelo, vrias peas. A a gente vendia, ento quando eu
conheci minha me tambm fazia muita loia pra vender final do ano, em
dezembro, pela festa de So Benedito, ela levava muita loua pra
vender. No s ela como muitas louceiras, no era s a minha me, era
vrias pessoas, porque no tinha emprego, n, no tinha a renda, a a
renda que tinha era fazer loua de barro pra vender. E a quase todas
as louceiras faziam loua pra vender. A com os tempos foi
melhorando, n, foi melhorando mais, a as pessoas foram se
aposentando, a j no foram mais fazendo loua, mas eu fiquei nessa
cultura. Sempre fazendo loua, porque a o pessoal me procurava
bastante pra fazer. A eu fiquei fazendo, fazendo pra mim, fazendo
pro povo da minha comunidade, pra Bragana, pra outros lugares. A
depois a, j apareceu o SEBRAE, descobriu a gente, n, me descobriu
que eu trabalhava com loua de barro a, ele veio. Ns formamos uma
associao, ns era 17 scios. S que tambm no tinha, vamos dizer assim,
que, era muito pouco o preo, no tinha sada ainda, a gente ainda no
tinha mercado. O mercado era pouco, a eles abandonaram, a saram,
porque eram pai de famlia, a a renda no dava pra se asustentarem.
Eles abandonaram, a ficou atualmente s eu e o Josias trabalhando, e
aqui ns ainda estamos trabalhando, n. Eu, No vou dizer assim que eu
ainda trabalho muito, no, mas a folga que eu tenho, eu trabalho.
Fao panela, fao alguidar, n, mas que a minha pea antiga, tudo
manual, tudo na mo...
A senhora faz mais pro seu uso ou a senhora vende?Pra uso e pra
vender. Tudo que se faz aqui, tudo se vende, graas a Deus.
Deixa eu voltar um pouquinho no tempo, vamos voltar um pouquinho
pra sua infncia, n, quando vocs am tirar barro, como que era...A
gente ia de canoa, todo tempo de canoa, at hoje a gente vai de
canoa, de barco...
Como que era, tinha algum ritual que vocs faziam quando iam
retirar o barro. Eu queria que a senhora contasse.O ritual que
tinha era que depois que a gente terminava de tirar o barro, a
gente tinha que fazer umas peazinha pra deixar l, da onde a gente
tirou aquele barro ali...
Por que?Por que falavam assim, que tinha o dono l, n, tinha o
dono do barro, ento a gente tinha que deixar aquelas pecinhas pra
eles ali, n... agora eu no sei porque, isso j era da antiguidade,
no foi dagora no... quando eu conheci j tinha essa histria...
A senhora via a sua me fazendo igual?Via, e eu tambm, quando eu
vou tirar, eu fao, n..
At hoje?At hoje quando eu vou tirar, eu trago a quantia que eu
quero, n, mas a eu fao uma peinha e deixo l... Int porque o barro
tem um mistrio... Sou acostumada a tirar barro. H muitos anos, tiro
barro, no s eu como as outras louceiras. Se voc chegar l e, voc no
pedir que voc vai tirar o barro, voc acha alguma dificuldade. Tem
muitas das vezes que voc no encontra nem o barro l. Agora, se voc
chegar l no barreiro alegre, pedindo, aonde voc quiser... Agora no
posso lhe dizer porque o mistrio, n... mas, que tem, tem...
E como o seu fazer... eu queria que a senhora contasse um pouco
como so... cada parte do seu trabalho, n, depois que o barro chega
em casa, como que a senhora faz...Olha, depois que o barro chega a,
a gente pe ele pra secar, n, pra secar, depois de secado a gente
corta ele ou quebra, pe de molho, deixa passar 3 dias ou 4 ou 5...
a vai tirar o chamote ou carip. Pisa ele, tira n, a quantidade que
queira, e vai crivar ele, depois vai misturar...
Explica pra gente o que o charmote.O chamote o p da telha, o p
da prpria loua, n, da prpria pea da gente, a gente aproveita. Vamos
dizer se fazer um panelo s de carip, pra aquele panelo que s faa
mandicuera, assim, um mingau, quer dizer, aquele p daquele...
aquilo serve, vai servir... agora s no serve assim, se cozinhar
outras comidas que deixe um gosto ruim, a no pode aproveitar, mas
agora atualmente a gente t usando mais o chamote da telha. Da
telha, do tijolo, a gente quebra e tira o chamote.
E o cariap, como o processo?O carip uma casca de pau, a gente
compra na loja, o carip, no comrcio, n...
E prepara como o cariap pra fazer a loua?Mi, mi tambm ele, faz o
prprio chamote n, pisa ele, pode pisar ele, a mistura com chamote,
a vai misturar com o barro. Tambm que agradua a temperatura dele,
no pode botar nem de mais, nem de menos. Se colocar demais, racha,
a a loua no abre, n, ele embassa, o chamote, embassa sendo demais,
Sendo normal, na medida certa, fica perfeito.
Na sua loua, a senhora usa as duas coisas: o chamote e o
cariap?Uso. Todo tempo eu uso. Uso s o carip e, uso misturado. Por
que um panelo pra ir ao fogo direto, queimando com aquelas toras de
pau, a s o carip puro. Agora s pra usar, tem que ser o carip mesmo
e o chamote que ainda fica mais resistncia ao fogo, gs, qualquer um
fogo que seja...
Depois dessa mistura n, misturar o barro, como o processo
seguinte?A a gente vai fazer a loua, vai fazer ou a panela, ou o
alguidar, ou uma pea que a gente queira fazer n, ou uma bacia, ou
uma travessa, ou uma tigela... do jeito que a gente quiser, depois
que j tiver tudo pronto a pode fazer o que a agente quiser ... por
que s vezes a gente no tem s um pedido, s de panela. s vezes tem
panela, tem de alguidar, tem de pote, tem de tigela, travessa, tem
de fogareiro e, hoje em dia j no mais o fogareiro, o rich, n...
E a como a senhora faz a pea em si?A, depois eu fao a pea, vou
dar o acabamento... O acabamento com urup, n, urup que aquele que
pregado no pau. A, depois passa a semente do anaj, a fica polindo,
polindo... pe pra secar e, vai esquentar que pra queimar n... Eu
queimo mais na fogueira que no fogo...
Por que a senhora gosta mais de fazer a queima na fogueira?Por
que pra mim eu j era acostumada, eu acho melhor arrumar ela, eu
mesma arrumar, n, e no forno mais dificuldade pra mim, pra mim t
entrando dentro dele por que ele pequeno, pra mim arrumar ele n e,
leva mais lenha. Leva mais lenha porque leva muitas horas
queimando. Tem que ser tora de pau, o forno pertence mais pro homem
do que pra mulher queimar. E a eu no tenho mais essa resistncia n
pra t cortando lenha de machado, t carregando, no tenho mais j
tanta fora... e na fogueira no, eu vou aquecendo, aquecendo, a
daqui a pouco eu vou cobrindo s com aaizeira, n com casca de
aaizeira que a paxiiba, a posso tocar fogo a o fogo queima que voc
pode ver a loua queimada... E no forno no, no forno d mais
trabalho... s pra homem mesmo, no forno...
Depois da pea pronta, dessa pea que a senhora modelou, que a
senhora deu a forma que queria, a senhora faz algum outro processo
nela?Olha, no alguidar eu fao, que a jutaicica, n... A jutaicica
que a resina de uma rvore, do juta que a gente compra. A gente
compra aos kilos, de quarta, de meio-kilo, at que difcil, muito
difcil da gente encontrar porque d mais s nas matas, e, aqui j no
tem mata, mas a gente compra...
E qual o efeito da jutaicica na pea? que ela fica brilhando,
assim bem maciazinha mesmo. D um brilho na loua. D um brilho que
fosse um polimento que a gente tivesse usado.
Mas toda loua?S em alguidar e tigela, em peas que no v ao fogo
por que se for ela derrete. As que vai ao fogo a gente no usa
jutaicica, s usa naquelas que no vai ao fogo.E a esse aprendizado,
o seu filho aprendeu do mesmo jeito que a senhora, vendo a senhora
fazer?Foi, vendo eu, fazendo. A ele aprendeu, a quando o SEBRAE
veio, ele fez curso, n, a ele aprendeu muito mais tambm com o
SEBRAE, concursado n...
E suas meninas?Elas aprenderam, todas elas sabem fazer, mas o
destino delas estudarem. Elas no quiseram, elas queriam era estudar
e, graas a Deus, estudaram n, conseguiram o objetivo delas n, que
elas queriam... elas queriam estudar...
Bom que, algum t continuando n?Mas algum ainda no deixou e, acho
que no vai deixar n... Espero que no, porque uma renda pra ele, d
pra ele sobreviver, j tem duas filhas, tem a famlia dele... E bem
procurado o produto dele, bem procurado.
E a manicuera?Olha a mandicuera tambm feita no panelo de barro.
muito gostosa uma mandicuera feita na panela de barro.
A senhora faz manicuera?Olha, eu fao, mas atualmente agora eu no
tenho pra fazer n. A gente no plantou mais, a eu comecei a
abandonar tambm de plantar, mas tem que faa aqui.
Como que a senhora faz a sua manicuera?Olha, a mandicuera assim:
a gente pega a mandioca, n, ela uma mandioca, pega ela, arranca
ela, pe pra canoa, lava, rala, a espreme o caldo dela, a pe pra
cozinhar no panelo. Pe 6 horas da manh e vai d ponto nela 5:30 da
tarde ou 7 horas pra d ponto, 5 horas da tarde porque na mandicuera
a vai a tapioca, que pra engrossar ela, vai o arroz, alm do arroz,
vai a tapioca da mandioca, que pra ela ficar gostosa. Quanto mais
ferver melhor pra ela ficar vermelha, se no ferver ela no fica
vermelha e, no fica doce tambm e, pode fazer mal se ela for crua
n...
Quando foi a ltima vez que a senhora fez manicuera?T com 6 anos
que eu fez. Eu fez int na beira desse forno, panelo a n... panelo
de barro. De 6 anos pra c eu no fez mais. Tem quem faa...
Porque muito trabalhoso?Ele trabalhoso, mas uma bebida muito
boa, muito gostosa, a faz gosto a gente trabalhar...
T muito difcil achar roa de mandiocaba por aqui?Olha s quem tem
meu compadre, mas eu acho que no, t fcil que pra c tem mandiocaba.
Aqui ns s temos mandioca, mas tem... no difcil no... bonita a
mandioca, ela bem grande, pode ser pequena a rvore, mas a mandioca
todo tempo ela grada...
E a senhora costumava fazer o mingau em alguma ocasio
especial?Sim, pra uma assim, s vezes tinha que um santo ia ficar na
casa da gente, n, voc conhece, quando So Benedito fica na casa da
gente, pois , que vem muita gente pra casa da gente... a gente
fazia um panelo de mandicuera pra ofertar aquela bebida n pro povo
que vinha n... Hoje em dia j muita gente no quer fazer , j quer s
vender, no quer mais adular...
6.3. Vdeo documentrio experimental
Sinopse: Documentrio de carter experimental que aborda o modo
tradicional de fabricao das louas de barro, herdado das populaes
indgenas que no passado habitaram a regio hoje conhecida como
Bragantina. O saber-fazer narrado pelas louceiras dos municpios de
Primavera, Quatipuru e Bragana/PA. (8min27seg)
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