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Merleau-Ponty leitor dos clssicos
Carlos Alberto Ribeiro de [email protected] de So
Paulo, So Paulo, Brasil
resumo Este trabalho pretende comentar a doutrina que
Merleau-Ponty expe, em seus distin-
tos perodos, sobre o que caracteriza a obra clssica e sua
interpretao. Aponta-se como
pressupostos dessa doutrina a admisso de uma certa filosofia da
linguagem, bem como de
uma particular teoria da produtividade. Em funo disso,
pergunta-se se, efetivamente, foi
feita, ali, uma crtica radical da filosofia da conscincia, como
usualmente se supe.
palavras-chave arte; filosofia; criao; interpretao; linguagem;
intencionalidade
I
Qual seria, para Merleau-Ponty, o verdadeiro ou autntico prazer
dotexto? Se esta pergunta mimetiza, em sua prpria formulao, o ttulo
deum livro que Roland Barthes publicou em 1973, porque soa
constante,na filosofia de Merleau-Ponty, apontar para uma
convergncia plena entrearte e filosofia, ao menos em nosso mundo
contemporneo. Assim, se ametafsica clssica podia ser considerada
como uma especialidadeinteiramente divorciada da literatura, para
Merleau-Ponty exatamenteisso que muda, quando se abre uma nova
dimenso de pesquisa que, sena verdade no foi inaugurada pela
filosofia da existncia, todaviaencontra, nesta, o seu mais forte
eco e a sua legitimao oficial.Nesta novadimenso de pesquisa, no se
trata mais de explicar o mundo, atravsde uma teia de conceitos, nem
mesmo de investigar as suas condies depossibilidade.Agora se
reconhece que a vida metafsica latente, assim
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Recebido em 20 de dezembro de 2011.Aceito em 10 de fevereiro de
2012.
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como a metafsica explicitao da vida, e o que se torna urgente
formular uma experincia do mundo, situada aqum de todo
sobrevooconceitual. E se assim, a filosofia e a literatura tm a
mesma tarefa, poisse a verdadeira filosofia significa reaprender a
ver o mundo, ento umahistria narrada pode significar o mundo tanto
quanto um tratado defilosofia (MERLEAU-PONTY, 1945, p. XVI). E essa
comunidade deobjeto e de tarefas levar a uma homogeneidade das
tcnicas de exposio,a expresso filosfica assumindo, doravante, as
mesmas ambiguidadesda expresso literria (MERLEAU-PONTY, 1966,
p.49).
Se no mundo contemporneo a arte e a filosofia caminham de
mosdadas, rezando ambas pela mesma cartilha, aquela da volta ao
concreto, porque, aqui e ali, se redescobre o mundo percebido. Este
mundopercebido aquele em que vivemos, mas que fomos levados a
esquecer,dada a ao deletria da filosofia francesa - ou antes, do
espritofrancs em geral. Porque so estes dois irmos siameses que o
desva-lorizam sistematicamente, enquanto mera aparncia, aquilo que
apenasencobriria e velaria o verdadeiro mundo, soletrado sempre e
apenaspela cincia (MERLEAU-PONTY, 2002, p.12). E se essa censura
norepresenta qualquer desmentido da cincia, porque se trata,
sobretu-do, de perguntar se esta nos fornece uma representao to
completado mundo, que no daria mais lugar a nenhuma questo vlida,
ao ladode sua tpica prpria, sempre restrita s leis, ao clculo e
mensurao.Mais ainda, a prpria cincia contempornea, liberta dos
mitos da cin-cia clssica, que nos convida a esta reabilitao do
mundo percebido, aoreconhecer-se como sempre aproximativa.Afinal, o
concreto no podeser deduzido das leis, ao contrrio, a lei sua
expresso aproximativa, oque deixa sempre subsistir uma opacidade. E
se doravante o concretoconvida a cincia a uma elucidao interminvel,
ele no pode mais serconsiderado, ao modo clssico, como uma aparncia
a ser sempreultrapassada (MERLEAU-PONTY, 2002, p.15).
Vem da o elo estreito entre uma filosofia da percepo, que se
dedi-ca a reaprender a ver aquele mundo, sempre recalcado pelo
espritofrancs, e a arte em geral, ou a pintura, em particular, que
nos reconduz viso da coisa mesma (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 53).Tanto
napercepo quanto na arte, a definio e a anlise no substituem a
expe-rincia direta.Tanto no poema quanto na coisa percebida, no se
pode
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separar o fundo e a forma, o que apresentado e a maneira pela
qualaquilo se apresenta. E por isso mesmo o romance bem sucedido
noexiste como soma de ideias ou de teses, mas sim como uma coisa
sens-vel, que se trata de perceber nos seus detalhes.Assim como na
literatura,tanto na percepo quanto na pintura impossvel separar a
coisa de suasmaneiras de aparecer (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 56). Por
isso,nenhuma surpresa se Czanne, lido por Merleau-Ponty, fosse
apresenta-do por ele como sendo o retratista, por excelncia, do
horizonte da pr-objetividade, tal como este era descrito na
Fenomenologia da percepo.Afinal, Czanne no separava as coisas de
suas maneiras de aparecer e,por isso mesmo, ao seu modo, ele j
retraava a genealogia do objetivoa partir do pr-objetivo, do
determinado a partir de sua fonte noindeterminado positivo, ele se
dedicava a pintar a vibrao das aparn-cias que o bero das coisas
(MERLEAU-PONTY, 1966, p. 30). Emsuma, Czanne j pintava a mesma
etiologia que a Fenomenologia dapercepo nos narrava.
E sabe-se que esta convergncia entre arte e filosofia no , de
formaalguma, uma obsesso exclusiva do jovem Merleau-Ponty, atrelada
suafilosofia da existncia.Ao contrrio, ela permanecer reafirmada em
Ovisvel e o invisvel.Afinal, ali se dir que a filosofia faz ver por
palavras, eque ela faz isso simplesmente como toda a literatura
(MERLEAU-PONTY, 1964, p. 319). Se o sensvel e a vida no inspiram
nada a quemno escritor, eles so plenos de coisas a se dizer para
aquele que fil-sofo, - quer dizer,escritor. E, por isso, a
filosofia do sensvel poderser apresentada como literatura
(MERLEAU-PONTY, 1964, p. 305). EMerleau-Ponty no deixar de indicar
que uma de suas metas, neste seultimo perodo, era precisamente
retomar e aprofundar a viso de Souriau,aquela que considerava a
filosofia como sendo nada mais, nada menos, doque a arte suprema
(MERLEAU-PONTY, 1964, p. 251).
Isso significaria que o prazer merleau-pontyano do texto seria
umprazer esttico, no sentido usual ou corriqueiro da palavra? As
suaspginas indicam, de forma bem barulhenta, que se trata
exatamente docontrrio.Afinal, mesmo nos ensaios em que comenta
exclusivamente asobras de arte, e no de filosofia, Merleau-Ponty no
deixar de exprimirsua exasperao diante dos temas usuais da esttica,
a ponto de relembrarum texto em que Heidegger censurava uma certa
esttica, por situar,
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abusivamente, a obra de arte nos domnios do confeiteiro.Assim,
quan-do analisa a pintura de Czanne, Merleau-Ponty faz questo de
sublinharque sua obra no qualquer fabricao orientada pelos desejos
dobom gosto (MERLEAU-PONTY, 1966, p 30). Uma tese que, no finaldas
contas, devemos simplesmente generalizar, reconhecendo que nemmesmo
existe arte de agrado (MERLEAU-PONTY, 1966, p. 32). Essaobsesso
permanecer no perodo intermedirio da filosofia deMerleau-Ponty, com
o reconhecimento de que o insubstituvel na obrade arte aquilo que
faz dela muito mais que um meio de prazer: umrgo do esprito
(MERLEAU-PONTY, 1960, p. 96). E o ltimo textoque Merleau-Ponty
publica em vida, O olho e o esprito, discorrer longa-mente sobre a
pintura, sem enunciar, em momento algum, qualquerjuzo de gosto.
Nos textos de seu primeiro perodo, o essencial da arte, assim
como dafilosofia, estar na criao de um sentido absolutamente
indito.Tese quesofrer uma certa inflexo, no perodo
intermedirio.Assim, se Balzac eCzanne so mais que animais
cultivados, precisamente pelo reco-nhecimento de que o fundamental
na arte a criao de um sentidointeiramente novo, e no propiciar
qualquer prazer esttico. Afinal,sempre se pode fabricar objetos que
do prazer, simplesmente ligandode outra maneira ideias j prontas e
apresentando formas j vistas(MERLEAU-PONTY, 1966, p. 32). A
verdadeira arte expresso, -coisa que ningum deve confundir com a
mera traduo de um pensa-mento j dado. Assim, se exprimir criar, e
se a criao no se d semsituao e sem motivao, resta que o sentido
daquilo que o artistavai dizer no est em parte alguma, nem nas
coisas, que ainda no sosentido, nem nele mesmo, em sua vida no
formulada (MERLEAU-PONTY, 1966, p. 32).Assim, no primeiro perodo de
sua filosofia, paraMerleu-Ponty expresso esta operao difcil e
genial, no sentidokantiano da palavra, em que, por princpio, a
concepo no podepreceder a execuo. E nessa mesma linha que a
Fenomenologia dapercepo opor a fala autntica, aquela que formula
pela primeira vez,a uma expresso segunda, que constitui o uso comum
de nossalinguagem emprica (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 207).
Overdadeiro autor, partilhando com seu leitor a mesma linguagem
insti-tuda, insensivelmente desvia os signos de seu sentido comum,
e empurra
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o leitor para um outro sentido, que este terminar por alcanar. O
livro um aparelho para criar significaes, a linguagem falante a
ope-rao pela qual um certo arranjo dos signos e significaes
disponveissecreta uma significao nova (MERLEAU-PONTY, 1969, p.
19/20).Assim, o prazer merleau-pontyano do texto sempre aquele
trazido pelocontato com um sentido indito.
Isso excluir liminarmente, do comentrio merleau-pontyano da
arteou da filosofia, categorias como imitao ou semelhana. Se o
quadrorepresenta objetos, ou at mesmo pessoas que tm nomes, sua
funo no, de forma alguma, nos dirigir a algo de exterior. Isso
seria supor que asignificao da pintura est fora dela, em coisas
para as quais ela apontaria.Mas no este o trabalho da pintura
vlida, como aquela de Czanne,que longe de ser imitao do mundo,
sempre um mundo para si(MERLEAU-PONTY, 2002, p. 56). Na experincia
do quadro, no hreenvio a algo de exterior, ou semelhana em relao a
algum modelo.O espetculo presente na tela algo que se basta. E o
mesmo vale paraa literatura, desde que saibamos distinguir, com
Mallarm, o uso poticoda lngua, da tagarelice quotidiana. Se o
tagarela apenas nomeia coisasno uso emprico da linguagem, a fala
potica inteiramente guiada pelaprpria linguagem, sem referncia
direta ao prprio mundo, nem verdade prosaica (MERLEAU-PONTY, 2002,
p. 60). E tem todo cabi-mento estender ao romance e literatura em
geral, o que Mallarm diziada poesia. E exatamente isso que
Merleau-Ponty estender, tambm, prpria filosofia.Afinal, neste
momento, s podia ser de bom tom procla-mar, em alto e bom som, que
a filosofia no o reflexo de uma verdadeprvia mas, assim como a
arte, a realizao de uma verdade(MERLEAU-PONTY, 1945, p. XV).
Nos textos de seu primeiro perodo, esta criatividade era
comentadapor Merleau-Ponty, seguindo fielmente as lies de
Goldstein, comosendo uma produtividade do homem (MERLEAU-PONTY,
1945, p.229). Mas resta que, nesse momento, a palavra homem s podia
sercompreendida, por Merleau-Ponty, no interior de uma certa
filosofia daconscincia. E isso no era, de forma alguma, sem
consequncias.Assim,quando se procurava descrever a inteno
significativa em estadonascente, esta tarefa no se fazia sem
instalar uma oposio entrenatureza e cultura. Afinal, Merleau-Ponty
descrever este momento da
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criao como sendo aquele em que a existncia se polariza em
umcerto sentido que no pode ser definido por nenhum ser natural. E
afala autntica ou criadora ser compreendida, neste momento,
comosendo o excesso de nossa existncia em face do ser
natural(MERLEAU-PONTY, 1945, p. 229). E sabe-se que esta existncia
serpura e simplesmente identificada ao cogito tcito. Por trs da
palavrahomem, o cogito tcito que sempre se transcende em direo a
umcomportamento novo..., ou em direo ao seu prprio pensamento
pormeio de seu corpo e de sua fala (MERLEAU-PONTY, 1945, pp.
462/226) uma conscincia a soberana detentora daquela
produtividadeou potncia aberta e indefinida de significar, o polo
de onde se irradiaum sentido indito, que posteriormente se
sedimentar na cultura. EMerleau-Ponty no deixar de indicar que essa
produtividade deve servista por ns como um fato ltimo, pois
qualquer explicao resul-taria em neg-la, seja a explicao empirista,
que reconduz as signifi-caes novas s significaes dadas, seja a
explicao idealista, que pe umsaber absoluto imanente s primeiras
formas do saber (MERLEAU-PONTY, 1945. p. 447). Nessas
circunstncias, como no haveria umadvida de Czanne? Se a criao tem
sua fonte exclusiva em um cogi-to insular, como no suspeitar, a
cada momento, tanto da validade daobra, para o seu prprio criador,
hoje e amanh, quanto da sua comuni-cabilidade s outras
conscincias?
Nos textos do perodo intermedirio de Merleau-Ponty, a vida
dopintor ou do escritor j no ser mais to dura. E isso porque, ali,
j seprepara a reabilitao ontolgica do sensvel, a inscrio plena
dointeligvel no sensvel. Uma vez neutralizado o poder imperial
daconscincia, no se dir mais que o sentido daquilo que o artista
vaidizer no est em parte alguma. Se permanece verdadeiro que a
pinturanunca representao, mas sim expresso criadora, resta que,
doravante,o pintor concentra, na tela, um sentido difuso no que ele
v, o estilogermina na superfcie de sua experincia, onde um sentido
operante elatente encontra os emblemas que o libertam e o tornam
manejvel peloartista, ao mesmo tempo que acessvel aos outros
(MERLEAU-PONTY,1960, p 66). Da mesma forma, se o escritor faz um
uso criador dalinguagem, a fala autntica apenas libera um sentido
cativo nas coisas, agrande prosa no seno a arte de captar um
sentido que jamais tinha
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sido objetivado at ento, e de torna-lo acessvel a todos os que
falam amesma lngua (MERLEAU-PONTY, 2000, p. 45). Assim, se a
obraliterria certamente criada, resta que essa criao no se faz mais
ex nihi-lo, mas sim a partir daquilo que o escritor v
(MERLEAU-PONTY,1996, p. 217). E, por isso mesmo, entrar em eclipse
a ideia de um mila-gre da expresso, to presente na Fenomenologia da
percepo. Assim, sedoravante a criao artstica sempre metamorfose de
um sentido cativonas coisas, ela no o no sentido dos contos de
fadas, milagre,magia,criao absoluta em uma solido que, agora,
Merleau-Pontyconsiderar agressiva, e que era, certamente, a solido
de seu antigoCzanne.Agora, longe de celebrar qualquer solido
ontolgica, a meta-morfose do sentido cativo nas coisas ser
sociabilidade originria,resposta quilo que o mundo, o passado, as
obras feitas pediam(MERLEAU-PONTY,1960, p. 73).Assim, doravante
todas as artes devemser vistas como leituras criativas do mundo. E
se antes a filosofia era arealizao de uma verdade, o contrrio mesmo
de qualquer reflexo deuma verdade prvia, a partir de agora ela se
tornar aquela discreta leitu-ra do mundo, que Foucault
expressamente censurar: sua tarefa sertraduzir o simbolismo tcito
da vida em um simbolismo consciente,seu papel ser aquele de gestora
da passagem do sentido latente aosentido manifesto (MERLEAU-PONTY,
1989, p. 58).
Por isso, claro que, no interior deste novo cenrio, no haver
maislugar algum para qualquer dvida de Czanne. Muito pelo
contrrio.O Czanne comentado por Merleau-Ponty no seu primeiro
perodo,ainda era algum visado atravs das lentes de uma filosofia da
mambiguidade, aquela que se comprazia com uma pura mistura da
fini-tude e da universalidade, da interioridade e da
exterioridade(MERLEAU-PONTY, 2000, p.48). Doravante, aquela dvida
arcaicade Czanne ceder seu estrelato a uma convico nova e bem
firme,como aquela de Stendhal, com a sua certeza de que seria lido
em cemanos (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 93).Afinal, no interior desta
novainterpretao, o pblico ao qual a arte se dirige, antes de ser
antecipada-mente dado, suscitado pela prpria obra. O artista mais
forma o seupblico do que o segue, ele lhe prope valores que apenas
a seguir estepblico reconhecer como seus valores. Mais ainda, se h
um julgamentoda obra, ele se confunde com o dilogo perptuo entre
todas as falas, e a
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antiga dvida ser substituda pela certeza interior de ter dito
aquiloque, nas coisas, esperava ser dito, e que, portanto, no
poderia deixar deser entendido por X... (MERLEAU-PONTY, 1960, pp.
92/3). E seexpresso caminha de homem a homem atravs do mundo comum
queeles vivem, ento ser preciso reconhecer que, em regime de
boaambiguidade, ningum precisa escolher entre o para si e o para
outrem,visto que, no momento da expresso, o autor e seu publico
esto liga-dos sem concesso (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 92). Se aquilo
que oescritor diz no pr existe sua obra, todavia no h mais qualquer
difi-culdade em compreender como pode haver criao de um sentido
novoe, ao mesmo tempo, sua compreenso por outrem.Afinal, o mundo
queo escritor diz o mundo visvel, sensvel e mudo,ao qual estamos
todosabertos (MERLEAU-PONTY, 1996, p. 203).
Mas certo tambm que esta celebrao eufrica do sentido indi-to, em
qualquer uma de suas variantes, seja em sua criao absoluta,nos
textos do primeiro perodo, seja na sua metamorfose criadora deum
sentido latente na experincia, ali na fase intermediria, ainda
nopermite, por si s, que se possa discernir entre o autor clssico e
o noclssico. Se essa distino, trivialmente necessria, s levemente
sugeri-da nos textos da primeira fase, ela ser explicitada por
Merleau-Ponty emseu perodo intermedirio.Agora se dir que aquilo que
faz da obra dearte um rgo do esprito, que tem seu anlogo em todo
pensamentofilosfico ou poltico, desde que este seja produtivo,
conter,melhorque ideias, matrizes de ideias, cujo sentido ns nunca
terminaremos dedesdobrar (MERLEAU-PONTY, 1960, pp. 96/7).A obra
clssica aque-la que se presta a um comentrio infinito. Em suas
corriqueiras analogiasde tudo com a decodificao fenomenolgica de
nossa vida perceptiva,Merleau-Ponty dir que o grande livro to
singular e inesgotvelquanto a coisa vista (MERLEAU-PONTY, 1969, p.
16). E se assim,apenas a obra clssica pode ser caracterizada como
uma instituio. Se ainstituio matriz simblica, que faz com que haja
abertura de umcampo, de um porvir, porque ela o estabelecimento, em
uma expe-rincia, de dimenses em relao s quais toda uma srie de
outrasexperincias tero sentido, ela inaugura uma histria
(MERLEAU-PONTY, 2003. p. 38). Por isso, se a significao total de um
livro sexiste no infinito, como soma dos encontros de outros
espritos com a
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obra, resta que este sentido externo s existe graas a um
sentidointerno obra, que sempre aberto (MERELAU-PONTY, 2003, p.41).
Desde ento, se Goethe dizia que o gnio produtividade pstu-ma, na
traduo proposta por Merleau-Ponty ns deveremos afirmarque toda
instituio gnio (MERLEAU-PONTY, 2003, p. 38).
primeira vista, esta tese de Merleau-Ponty parece apenas
reeditarum lugar comum bastante trivial, por todos ns bem
conhecido.Afinal,quando talo Calvino se perguntava o que um
clssico, sua resposta iaexatamente nesta direo: a obra clssica
aquela que faculta inmerasleituras. E desde os anos 1950, Umberto
Eco apresentava como carac-terstica mais marcante da nova arte
querer compreender-se semprecomo obra aberta, aquela que deixa a
critrio exclusivo de seu distintopblico as suas inevitavelmente
mltiplas interpretaes. Mais ainda,quando Walter Benjamin se referia
aura da obra de arte, ele sinalizavacom isso a evidncia que a obra
de arte um produto, mas to enig-mtico, que nenhuma inspeo de seu
consumidor seria capaz de esgo-tar a sua significao. E se quisermos
recuar para bem mais longe notempo, ali no 49 da Crtica da
faculdade de julgar, Kant apresentava aideia esttica como uma
representao que d muito a pensar, massem que qualquer pensamento
determinado, qualquer conceito, lhe sejaadequado.Assim, a ideia
esttica nos conduz a vrios pensamentos deter-minados, sem que
qualquer um deles a exprima adequadamente. Por isso,Kant dir que
nenhuma lngua pode exprimir completamente uma ideiaesttica, e
torn-la inteligvel. Mas ento, ser que Merleau-Ponty apenasreataria
com este iderio, h muito tempo enraizado, e por isso mesmobastante
difuso? Digamos, na contracorrente, que o especfico de
suacompreenso da obra clssica s se revela quando situamos a sua
teseno interior do cenrio filosfico em que ela se instala, e que
lhe d, alis,seu fundamento. E esse cenrio envolve uma determinada
filosofia dalinguagem, bem como uma particular filosofia da
produtividade.
II
Esta compreenso de Merleau-Ponty sobre o que um clssico
indisso-civel, em primeiro lugar, de sua tese segundo a qual toda
linguagem
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criadora indireta ou alusiva. Se o escritor fosse,
invariavelmente, umbem sucedido prosador sartriano, - este
personagem sempre siderado pelassignificaes diretas, - nem haveria
lugar para mltiplas interpretaesde uma obra.Afinal, se ao contrrio
do poeta, que transforma as palavrasem coisas, o prosador ao gosto
de Sartre algum que lida com signifi-cados, ele tem na sua
linguagem um instrumento para a busca da verdade.Se a prosa
essencialmente utilitria e o prosador se serve das palavras,aqui a
linguagem se presta a um uso bem definido. A arte da prosa seexerce
sobre o discurso, sua matria naturalmente significante: vale
dizer,as palavras no so, de incio, objetos, mas designaes de
objetos(SARTRE, 1989, p. 18). Se a linguagem do prosador
essencialmentedesignativa, ento se deve dar razo a Valry: existe
prosa quando nossoolhar atravessa a palavra como o sol ao vidro. E
por isso, garante Sartre,frequentemente estamos em posse de uma
ideia, que nos foi comunicadapor palavras, sem que nos lembremos de
nenhuma delas. E se assim, naprosa bem sucedida a prpria linguagem
deve se apagar, ou se fazer esque-cer, ao colocar o seu feliz
leitor em contato direto com a coisa mesma.
Este prosador sartriano era, por isso, apenas um usurio a mais
daqui-lo que Merleau-Ponty chamava de fantasma de uma linguagem
pura.Essa linguagem pura era aquela sempre cativa da concepo
clssica daexpresso, invariavelmente compreendida como uma pura
relao dedenotao entre signos e significaes (MERLEAU-PONTY, 1969,
p,40). Essa linguagem direta, que se faz esquecer em benefcio da
coisamesma, trata a literatura como mera variante do enunciado,
supostaforma pura de expresso, que associa signos a acontecimentos
ou aideias, e nos faz simplesmente escorregar do signo para o
objeto que eledesigna. Sabe-se qual ser a objeo de fundo que
Merleau-Ponty dirigira essa concepo clssica da expresso: se este
trivial simples ainda podecomentar a nossa linguagem instituda ou
emprica, resta que ele incapaz de dar conta da linguagem criadora
ou transcendental.Aquelaexpresso pura ser sempre une jeune fille
range, visto que ela scontm aquilo que mostra (MERLEAU-PONTY, 1969,
p. 7). Se a fala puro signo para uma pura significao, ento no h
virtude da fala,nenhum poder nela escondido (MERLEAU-PONTY, 1969,
p. 12).
justamente este poder escondido da fala criadora que
Merleau-Ponty pretende resgatar, atravs de sua muito particular
apropriao das
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teses de Saussure. O que ter por resultado final, como se sabe,
umacompreenso no mais instrumentalista ou sartriana da linguagem.
Longede entrar na sua nova cena como simples meio para um fim que
lhe exterior, mera traduo de um texto ideal pr-dado, a linguagem
serinterpretada, doravante, como uma espcie de ser (MERELEAU-PONTY,
1960, p. 54). Ela ter, portanto, uma vida prpria, e por issomesmo
nunca se reduzir pura denotao de uma significao que lheseria prvia.
Afinal, a lio a se extrair de Saussure a de que os signosnada
exprimem quando tomados um a um, isoladamente, mas apenas emseu
jogo com os demais signos. Se os signos so diacrticos, se eles
sdizem alguma coisa enquanto se perfilam sobre os outros signos,
entoo sentido a maneira pela qual um signo se comporta em relao
aosoutros signos, a relao lateral de signo a signo que funda a
relao finaldo signo ao sentido (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 51). E se
essalinguagem criadora assim sempre indireta ou alusiva, o sentido
no podeser destacado da prpria linguagem, e esta no pode se fazer
apagar ouesquecer, em benefcio de um suposto sentido puro.Ao
contrario doque ocorria em regime de expresso pura, a linguagem
indireta, longede ser um mero ndice para significaes prontas,
aquilo que faz existiras significaes (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 53).
E se assim, nenhu-ma linguagem se perfaz para fazer aparecer a
coisa mesma, visto que osentido est implicado pelo edifcio das
palavras, antes que designado porelas (MERLEAU-PONTY, 1960, p,
103). E se a coisa mesma, asignificao sem signo, no passa de pura
iluso, ns deveremos aban-donar tambm os outros mitos conjugados
quele da expresso pura, bemcomo extrair as consequncias desta nova
interpretao.
Assim, se nossa linguagem nunca denotativa, se no podemos
nemmesmo sonhar com uma linguagem que nos d acesso a
significaesnuas, se os signos tomados um a um no tm poder
significante que sepossa isolar, se o prprio sentido no nada de
prvio linguagem, mass existe graas ao seu trabalho, ento ser
preciso renunciar ao lxico cls-sico da adequao entre um
representante e um representado, visto queno h significao prvia
linguagem qual esta deveria se adequar.Desde ento, se deve
reconhecer que no h expresso absoluta ouconsumada, assim como
nenhuma comunicao poder ser integralou definitiva (MERLEAU-PONTY,
1969, p. 42). Por isso, se o prosador
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segundo Merleau-Ponty tambm se ocupa com a verdade, assim comoo
seu homnimo sartriano, ele saber, contudo, que sua linguagem
apenasfaz transparecer o verdadeiro, mas no o toca. E se assim, se
alinguagem nunca cessa para dar lugar a um sentido puro, existir
sempreuma opacidade da linguagem, sancionada por sua perptua
referncia asi mesma (MERLEAU-PONTY, 1960, pp. 98/ 54).
Mas para Merleau-Ponty esta opacidade, longe de representar
umobstculo a ser ultrapassado por alguma ao purificadora sobre
anossa linguagem, justamente o que faz desta linguagem um poder
espi-ritual, algo que d a pensar, que sempre pode inaugurar
umadiscusso, ao invs de monotonamente reproduzir coisas.Assim
sendo, apenas quando concebemos a linguagem como indireta que se
podecompreender porque uma obra clssica contm, antes que ideias,
matrizesde ideias, que nunca terminaremos de desdobrar. E por isso
o prosador aogosto de Merleau-Ponty estar bem distante daquele
outro, que tinha seurosto rascunhado por Sartre.Ao menos, ele
sempre saber que so apenashomnimos entre si o romance como resenha
de acontecimentos,como enunciado de ideias, teses ou concluses,
como significao mani-festa ou prosaica, e o romance como operao de
um estilo, significaooblqua ou latente (MERLEAU-PONTY, 1960, p.
96).
esta doutrina da linguagem indireta que estar subjacente s teses
doMerleau-Ponty leitor ou historiador dos clssicos da filosofia. Se
o livrovlido aquele que se ultrapassa enquanto acontecimento
datado, porque ele tem sentido fora de seu contexto histrico. Mais
ainda,ele stem sentido fora desse contexto (MERLEAU-PONTY, 1964. p.
253).Se esta filosofia fala falante, no fala falada, porque a prosa
da filosofiatambm no ser tecida por qualquer linguagem direta.Ao
contrrio, paraMerleau-Ponty a filosofia inseparvel da expresso
literria, daexpresso indireta (MERLEAU-PONTY, 1996, p. 391). Essa
aproximaofinal entre arte e filosofia trar o benefcio que se
conhece: se a prosafilosfica , ela tambm, expresso indireta, ser
preciso reconhecer queuma filosofia, assim como uma obra de arte,
um objeto que podesuscitar mais pensamentos que aqueles ali
contidos (MERLEAU-PONTY, 1964. p. 253). Mas essa tese, justamente,
suscita uma questopreliminar, que dar incio ao severo processo de
Merleau-Ponty contra ahistria objetiva da filosofia, que ter em
Gueroult o seu alvo principal:
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ser que podemos, efetivamente, recensear os pensamentos
realmentecontidos em uma filosofia?
Em histria da filosofia, ser que estaramos invariavelmente
condena-dos alternativa entre, por um lado, deformar a obra ou, por
outro, repro-duzi-la literalmente? Seramos sempre ou verdicos ou
falsificadores? ParaMerleau-Ponty, quem acredita nessa alternativa
pensa que o filsofo sempre um prosador sartriano a mais e, por
isso, quer que a significaode uma obra seja inteiramente positiva e
suscetvel, de direito, a uminventrio que delimite aquilo que ali
est e aquilo que ali no est(MERLEAU-PONTY, 1960, p. 202). Mas essa
pretenso seria, ao menos,minimamente sensata? Existem razes de
sobra para se duvidar. Emregime de linguagem indireta, ser preciso
reconhecer que a filosofia,assim como a arte, no cerca seu objeto,
no o tem em mos de maneiraque no deixe nada a desejar
(MERLEAU-PONTY, 1969, p. 129).Assim, nenhuma surpresa se, na
estante de Merleau-Ponty, Sartre e Guer-oult estiverem situados na
mesma prateleira. Contra Sartre, vale a penarelembrar que nenhuma
fronteira indica at onde vai Descartes, e em queponto comeam seus
sucessores. Por isso, tem tanto cabimento enumeraros pensamentos
que esto em Descartes, e aqueles que esto em seussucessores, quanto
fazer o inventrio de uma lngua (MERLEAU-PONTY, 1989, p. 146).
Gueroult e Sartre rezam pela mesma cartilha, e isso que fica claro
para quem avalia o sentido das metamorfoses dopensamento de
Descartes.
Por um lado, bem certo que Espinosa, Malebranche e
Leibnizreivindicam, cada um deles, o seu Descartes e, sua maneira,
distribuemdiferentemente os acentos, bem como mudam a relao entre
figura efundo na obra de Descartes (MERLEAU-PONTY, 1969, p. 129).
Masser que devemos falar, ao estilo da histria objetiva, que cada
um deles,ao seu modo, falsifica Descartes? prefervel reconhecer
que, emregime de linguagem indireta, a oposio entre o verdadeiro e
o falso no to pertinente para a avaliao de conjunto de uma
interpretao.Afinal, o pensamento do filsofo, - o mais decidido que
este seja a serexplcito, a se definir, a se distinguir assim como a
pensamento alusivodo romancista, no exprime sem subentendido
(MERLEAU-PONTY,1969, p. 137). Desde ento, se Descartes Descartes,
ele tambm tudoaquilo que o anunciava e tudo aquilo que derivou
dele, como o
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ocasionalismo de Malebranche, escondido em um canto da
Diptrica(MERELAU-PONTY, 1969, p. 130). Nessas circunstancias, teria
cabi-mento traar o limite entre aquilo que Descartes pensou e
aquilo que sepensou a partir dele? Vem da a comparao que
Merleau-Ponty farentre o campo do esprito e o campo visual: assim
como este, aqueletambm no limitado por qualquer fronteira ntida,
mas se perde emuma zona vaga, em que a alternativa entre a presena
plena e a puraausncia no tem mais lugar (MERELAU-PONTY, 1969, p.
131).
Mas se isso aponta apenas para uma mera analogia entre ver e
ler,sempre contestvel, como qualquer analogia, resta que
Merleau-pontyformular ainda uma razo de princpio para que se proba,
liminar-mente, o inventrio dos pensamentos que estariam realmente
contidosem alguma filosofia. A saber, o pensamento de um filsofo no
umasoma de ideias, mas antes, um movimento que deixa atrs de si
seurastro e antecipa seu porvir (MERLEAU-PONTY, 1969, p. 132). Se
aoinvs de ser positiva, a significao da obra aberta, essa
significaocomo que solicita a sua prpria metamorfose, e em vo que
seprocurar algum pensamento que s pertenceria a Descartes. Por
isso, seem regime de linguagem indireta o fechamento de um
pensamento impossvel, a questo de se saber a quem um pensamento
pertence, nolimite, no pode ter qualquer sentido. (MERLEAU-PONTY,
1969, p.133). E por isso ter todo cabimento propor, ao lado da
histria dafilosofia la Gueroult, uma histria do subentendido, em
que alinguagem filosfica no ser mais considerada como soma de
enuncia-dos e de solues (MERELAU-PONTY, 1964, p. 252).
Mas esta prpria histria do subentendido suscita uma certa
suspei-ta, aquela relativa ao Gueroult que posa, pomposamente,
diante de seudistinto pblico, como o campeo mximo da objetividade
em histriada filosofia. Que sentido pode ter esta objetividade se,
em regime delinguagem indireta, a adequao apenas sinalizada, mas
nunca efetiva-mente alcanada? (MERLEAU-PONTY, 1996, p. 391). E se
danatureza mesma da expresso o fato de que ali no se pode enumerar
oque dito e o que subentendido, ento toda interpretao de
umafilosofia envolve uma escolha subjetiva. A prpria interpretao
deDescartes por Gueroult envolve uma perspectiva subjetiva. E
paraMerleau-Ponty o subjetivo, ali, j est exatamente na pressuposio
de
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que toda filosofia feita de problemas, que ela criao e soluo
deproblemas (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 241). Afirmar que a
filosofiagira em torno de problemas, que ela se resume a determinar
incgnitasa partir de termos conhecidos, no efetivamente uma escolha
subjetiva?Afinal, se nas Regulae Descartes define assim as suas
questes, resta queestas no recobrem a totalidade de sua filosofia
(MERLEAU-PONTY,1996, p. 221). E sabe-se que Merleau-Ponty recusar,
expressamente, apertinncia da noo de problema para comentar a sua
prpria filosofia.
Isso significaria reconhecer que, em histria da filosofia,
estaramoscondenados, de antemo, seja a uma histria que se quer
objetiva, e quepor isso mesmo insignificante (MERLEAU-PONTY, 1964,
p. 239),seja ao puro e simples carnaval da subjetividade, ao
relativismo e ao ceti-cismo? No se trata disso.Trata-se, sobretudo,
de indicar que no estamosobrigados a escolher entre Gueroult ou
Hegel. O que Merleau-Pontyprocura definir uma histria da filosofia
que no seja nem o aplaina-mento da histria em uma filosofia, mas
que tambm no seja idolatria,retomada ou repetio de Descartes
(MERELAU-PONTY, 1964, p.251). Mas como obter este difcil equilbrio,
um meio termo nuncaprevisto por qualquer dos membros de nossas
escolas ou escolhas rivais?Trata-se de encontrar um terceiro
caminho que escape ao dilema que seformula a partir da pergunta
feita por Gouhier: pode-se colocar a umafilosofia questes que ela
no se colocou? Responder no, fazer delasobras separadas, negar a
filosofia. Responder sim, reduzir a histria filosofia
(MERLEAU-PONTY, 1964, p. 252/3). Merleau-Ponty histo-riador de
Husserl ser o bom exemplo da tentativa de se percorrer umaterceira
via, que escape daquela disjuno.
Afinal, pode-se muito bem ler Husserl, mantendo a profiltica
equidis-tncia daqueles vcios simtricos e inversos, a saber, sem
mutil-lo avara-mente do que ele deu a pensar aos outros, como faz a
histria objetiva,mas tambm sem fazer dessa leitura uma deformao
arbitrria. Para tanto,basta comear por reconhecer a existncia de um
impensadode Husserl,algo que, por um lado, dele,mas que, por outro
lado,d acesso a outracoisa (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 202). Mas para
empreender estatarefa, preciso comear por circunscrever um certo
plano em que sesitua esta leitura vertical ou filosofante da
histria da filosofia. E isso sefaz diferenciando, na obra, entre os
objetos de pensamento ou as coisas
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ditas, por um lado, e as articulaes entre as coisas ditas, por
outro.Como sempre em Merleau-Ponty, vale a analogia entre a obra e
a vidaperceptiva.Assim como as coisas percebidas tm seus
horizontes,que noso coisas e que no so nada, as obras de pensamento
so feitas tambmde certas articulaes entre as coisas ditas. Mas
essas articulaes noso objetos de pensamento e por isso, nesse
plano,no h dilema da inter-pretao objetiva e do arbitrrio
(MERELAU-PONTY, 1960, p. 202).Assim como o horizonte do percebido
no subsiste isoladamente, a obrano deve ser submetida ao pensamento
isolante, e s seremos fiis s suasarticulaes pensando-as novamente.
Por isso, se existe uma verdade deDescartes, sob a condio de que a
leiamos entre as linhas(MERLEAU-PONTY, 1964, p. 242). Se pensar
equivalente a circuns-crever um horizonte, ento pensar no possuir
objetos de pensamento, circunscrever, por eles, um domnio a pensar,
que portanto nopensamos ainda (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 202).
Correlativamente,compreender a obra ser explorar o horizonte que
ela abre, serapreender por coexistncia, lateralmente, por estilo, e
atravs dissoalcanar, de um s golpe, os longnquos desse estilo e
deste aparelhocultural (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 242).
Mas claro, tambm, que esta histria vertical da filosofia no
sesustenta sem a arcaica postulao de uma philosophia
perennis.Assim, pode-se repetir, exausto, que nessa histria no se
reduz as filosofias a umafilosofia, a um plano nico, mas que, ao
contrrio, se reconhece nelas umescalonamento em profundidade
(MERLEAU-PONTY, 1964, p. 239).Mas se a nica maneira de restituir a
Descartes a sua verdade pens-lanovamente,quer dizer, a partir de ns
(MERELAU-PONTY, 1964, p.251), o historiador vertical precisar
distinguir, ao menos idealmente,entre os problemas de Descartes e
Malebranche, tais como eles ospensam, e os problemas que os movem
verdadeiramente. Mas essesproblemas que os movem verdadeiramente,
so aqueles que ns formu-lamos (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 253). Assim,
este historiadorconhece Descartes e Malebranche bem melhor do que
estes conhecerama si mesmos, seu olhar privilegiado o nico a
circunscrever os proble-mas que os movem verdadeiramente. E se
Merleau-Ponty historiadorafirma que, na prtica, nem necessrio fazer
essa distino entre osproblemas deles e aqueles que ns formulamos,
porque parte-se da
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convico de que a projeo de um pensamento no outro sempre
deixatransparecer um mesmo ncleo de ser. O escalonamento em
profun-didade das filosofias no probe que elas reenviem umas s
outras, vistoque, aqui como ali, trata-se do mesmo Ser
(MERLEAU-PONTY,1964, p. 239).
Por isso, se Gueroult recomenda que sigamos os filsofos em
seusproblemas, resta que seus problemas so interiores quele do Ser:
isso,eles o professam todos, e portanto ns podemos, ns devemos,
pens-losnesse horizonte (MERELAU-PONTY, 1964, p. 251). Assim, se
ahistria vertical no impe a Descartes um ponto de vista exterior
suafilosofia, uma questo que no seria sua, porque se supe,
singelamente,poder mostrar que h um absoluto, uma filosofia, que
imanente histria da filosofia (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 242). E se
assim,todas as filosofias clssicas estaro, doravante, em regime de
eternidadeexistencial, e a histria vertical, que as l e interpreta,
no pode inspirarqualquer relativismo, visto que o pensamento
interrogativo, que fazcada filosofia falar, no nem pode ser
ultrapassado pelo que virdepois (MERLEAU-PONTY, 1964, p.
253).Afinal, os diferentes balbu-cios do Ser ecoam, sempre, o mesmo
Ser. Por isso, se a histria objeti-va de Gueroult criticvel por ser
racionalismo dogmtico, por seruma filosofia, e no aquilo que ela
pretende ser,histria daquilo que ,a histria-Dichtung, que
Merleau-Ponty pretende herdar de Husserl, aosseus olhos no
censurvel, de forma alguma, por exprimi-lo como fil-sofo, mas antes
por no exprimi-lo completamente (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 231).
Assim, para Merleau-Ponty a distancia entre ahistria objetiva e a
histria vertical, se traduz no abismo existenteentre uma filosofia
(certamente, no clssica) e a filosofia.
Mas se a doutrina da linguagem indireta condio necessria parase
compreender o que Merleau-Ponty entende por uma obra clssica, elano
, de forma alguma, a sua condio suficiente.Afinal, a obra clssicano
apenas aquela que, antes de conter ideias, contm matrizes deideias.
Muito mais do que isso, essencial a essa descrio do autor cls-sico
a tese de que ns nunca terminaremos de desdobrar o sentido de
suaobra. Se o grande livro to singular e inesgotvel quanto a coisa
vista,esta postulao de uma interpretao infinita no se calca, de
forma algu-ma, em qualquer analogia, sempre remota, entre a viso e
a leitura. Ela se
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funda, ao contrrio, em uma certa filosofia da produtividade, em
queesta no se reporta, inteira, a qualquer cogito imperialista, uma
filosofia queMerleau-Ponty s esboa, com as devidas barbas, em seu
ltimo perodo.
III
A recusa de um papel fundante ao cogito tcito que, no primeiro
perododa filosofia de Merleau-Ponty, detinha o privilgio de titular
exclusivodaquela produtividade em que se originavam as criaes
humanas,sempre reportadas a uma intencionalidade da conscincia,
levar a umareviso daquilo que era uma de suas mais evidentes
consequncias: aoposio abrupta e integral entre natureza e cultura.
Uma vez recusada afilosofia da conscincia, ser um mero corolrio
reconhecer que oponto de vista da criao, do Gebilde humano, - e o
ponto de vista donatural (do Lebenswelt como Natureza) so todos os
dois abstratos einsuficientes (MERLEAU-PONTY, 1964, pp. 227/28). E
sabe-se queno se tratar apenas de neutralizar uma oposio, mas sim
de estabelecer,entre as duas regies, uma relao de fundao.
Doravante, o impor-tante ser redescobrir uma Natureza-para-ns como
solo de todanossa cultura, e onde se enraza em particular nossa
atividade criadora,que, portanto, no incondicionada...
(MERLEAU-PONTY, 1996, p.44). A reabilitao ontolgica do sensvel, que
nos textos do perodointermedirio j marcava sua presena, mas apenas
no plano das conse-quncias, encontrar doravante as suas premissas,
e enfim se saber porque a expresso propriamente dita, tal como a
linguagem a obtm,retoma e amplifica uma outra expresso, que se
desvela na arqueologiado mundo percebido (MERLEAU-PONTY, 1968,
pp.12/13). Mas soalgumas das condies a serem preenchidas para se
legitimar estafundao do logos proferido no logos silencioso do
mundo sensvel, quesero reveladoras de quem , afinal, Merleau-Ponty
leitor dos clssicos, aomenos em seu desenlace final.
Sabe-se que a primeira dessas condies ser afastar a
compreensoclssica e cartesiana da natureza como produto. Se
Descartes foi oprimeiro a formular uma ideia de natureza que extrai
as consequncias daideia de Deus, com ele este mundo visvel se torna
a nica manifestao
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possvel de uma produtividade infinita e, desde ento, no
naturante quese refugia tudo o que podia ser interior natureza,
todo sentido contrabandeado para Deus, a natureza perde todo e
qualquer interior,tornando-se apenas a realizao exterior de uma
racionalidade que estem Deus (MERLEAU-PONTY, 1995, p. 27). Se o
naturado se tornamero produto, ele pura atualidade, sem
potencialidades escondidas, eleest destitudo de toda e qualquer
produtividade.Contra a compreensocartesiana, trata-se agora de dar
direito de cidadania a uma noo denatureza que se inspira em
Schelling, uma natureza que no apenasproduto, no efeito morto, mas
tambm produtividade(MERLEAU-PONTY, 1995, p. 61). Se a natureza
pensada como meroproduto se deriva do infinito positivo, ento ser
preciso reconhecer quea filosofia s respira quando ela rejeita o
pensamento do infinitamenteinfinito, para ver o mundo em sua
estranheza (MERLEAU-PONTY,2000, p. 370). Uma rejeio que, por si s,
no contudo qualquer garan-tia, visto que a concepo cartesiana de
natureza pode muito bem sobre-viver ao complexo ontolgicoque lhe
deu origem. o que ocorre comSartre, censurado expressamente por
Merleau-Ponty, visto que, no inte-rior de sua ontologia,o Ser sem
exigncia, sem atividade, sem poten-cialidades (MERLEAU-PONTY, 1995,
p. 161). Uma censura que, naverdade, se estende facilmente prpria
Fenomenologia da Percepo, j queali a natureza, tal como esta se
apresentava na cena dirigida peloMerleau-Ponty de ento, tambm
estava despojada de qualquer ativi-dade ou produtividade, sendo
apenas um mero correlatomorto daintencionalidade e do esquema
corporal.
O benefcio que se espera deste namoro crepuscular com o
roman-tismo? Agora se poder reconhecer que a natureza tem sentido,
que ela autoproduo de um sentido, doravante ela tem um interior,
sedetermina de dentro, ela no mais objeto, aquilo que est diantede
ns, mas antes o nosso solo (MERLEAU-PONTY, 1995, pp.19/20) Neste
novo cenrio, a natureza finalmente poder ser vistacomo um fundo
ontolgico, que se prolonga na arte ou na filosofia, emtodo caso, na
obra vlida ou bem sucedida. A natureza sercompreendida como uma
produtividade originria que continua sob ascriaes artificiais do
homem (MERLEAU-PONTY, 1995, p. 169). Seo mundo do silncio, o mundo
percebido, uma ordem em que h
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significaes que so anteriores linguagem, ento toda criao humana
chamada e engendrada pelo Lebenswelt, ela o prolonga e o
testemunha(MERLEAU-PONTY, 1964, p.228). O logos da linguagem se
apoia nologos do mundo natural, esttico, e se h um logos do mundo
sensvel e umesprito selvagem que anima a linguagem, ser preciso
reconhecer quea comunicao no invisvel continua o que institudo pela
comuni-cao no visvel, ela seu outro lado (MERLEAU-PONTY, 1995,
p.290). Mas para que se possa efetivamente afirmar que o logos
silenciosochama o logos proferido, ser preciso afirmar que o Ser
infinito.No o infinito positivo, que objeto, mas o infinito do
Lebenswelt, quesendo infinito de Offenheit, negativo, aquele que
efetivamente nosultrapassa, e pode dar conta da profundidade do
ser, de um fundoinesgotvel do ser (MERLEAU-PONTY, 1964, p.223).
graas a essapostulao de um infinito que se encontrar a condio
suficiente parapoder afirmar que o mundo perceptivo no fundo o Ser
no sentido deHeidegger, que, apreendido pela filosofia em sua
universalidade,aparece como contendo tudo aquilo que algum dia ser
dito(MERLEAU-PONTY, 1964, pp. 223/224).
Assim, se a obra clssica aquela que contm, mais que
ideias,matrizes de ideias cujo sentido nunca terminaremos de
desdobrar, se ela passvel de um comentrio infinito, porque,
enquanto criao artifi-cial do homem, ela continua uma produtividade
originria que inesgotvel. Se a natureza o que h de mais velho, ela
tambm algo de sempre novo (MERLEAU-PONTY, 1995, p. 169). Se a
obraclssica pode ser comentada ao infinito, porque o Lebenswelt que
elaprolonga e exprime j tinha a faculdade da eterna novidade. Era
Nietzschequem observava que uma das maneiras de se preservar o
cristianismo,quando este j perdeu a sua forma dogmtica, impor ao
mundo a facul-dade da eterna novidade. Merleau-Ponty pode muito bem
proclamar-seum ateu (MERLEAU-PONTY, 2000, p.369). Mas qual o
alcance realdessa confisso? Afinal, o cristianismo pode muito bem
sobreviver morte do Deus dos clssicos. Assim, se o mundo no mais
Deus, onovssimo ateu desejar sempre supor que este mundo deve, no
entan-to, ser apto divina fora criadora, infinita fora de
transmutao... sempre ainda a velha maneira religiosa de pensar e
desejar, uma espciede aspirao a acreditar que, em alguma coisa, o
mundo igual ao velho,
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querido, infinito deus ilimitadamente criador que em alguma
coisa ovelho deus vive ainda (NIETZSCHE, 1983, p. 395). Afinal,
pode-semuito bem criticar o infinito positivo, e substitu-lo por um
infinitonegativo. Mas o resultado que se espera desta operao visa,
na verdade,garantir ao mundo o seu fundo inesgotvel de ser, a sua
faculdade daeterna novidade.Assim, Merleau-Ponty pode galhardamente
afirmar que,para ele, a filosofia consiste em dar um outro nome a
isto que, pormuito tempo, foi cristalizado sob o nome de Deus
(MERLEAU-PONTY, 2000, p. 371). Mas resta saber para onde aponta
esta novacerimnia de batismo, quando ela gira em torno destes
nomes, quasesinnimos entre si, que so Ser bruto, mundo percebido,
mundo-da- vida ou natureza-para-ns.
Merleau-Ponty teria feito uma crtica, efetivamente radical,
dafilosofia da conscincia? Os textos sugerem, enfaticamente, que
no.Arecusa da conscincia individual no uma recusa da conscincia em
geral,e aquele Ser que, doravante, estar no centro da suposta nova
cena,como o englobante, no sendo qualquer conscincia individual
ter,contudo, todos os traos de uma conscincia, s que, agora,
universal oucsmica. Afinal, por que tanta insistncia em diferenciar
a natureza dasimples coisa? Porque, ao contrrio da simples coisa,
esta naturezatem um interior, ela autoproduo de um sentido, tem
umaprodutividade ou atividade. Atributos que so tpicos de
umaconscincia. E se Whitehead compreendia a natureza como uma
esp-cie de atividade, que se exerce sem ser comparvel atividade de
umaconscincia ou de um esprito, aqui, o pronome deve ser
claramentesublinhado, e a excluso do modelo da conscincia
individual noproibir, de forma alguma, que se fale em uma
subjetividade danatureza (MERLEAU-PONTY, 1995, p. 161). E quando
Merleau-Ponty for procurar um conceito vlido de natureza, ser para
apontar anecessidade de se encontrar algona juntura do Ser e do
nada, vistoque a natureza sempre ser este subjetivo-objetivo
(MERLEAU-PONTY, 1995, p. 102).
Da mesma maneira, Merleau-Ponty pode muito bem censurar aanlise
husserliana por estar bloqueada pelo quadro dos atos que afilosofia
da conscincia lhe impe. Mas o que, ao fim e ao cabo, seprope no
lugar disso? Simplesmente, se dir que preciso retomar e
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desenvolver a intencionalidade Fungierende ou latente, que a
intenciona-lidade interior ao ser (MERLEAU-PONTY, 1964, pp.297/8).
Mas seexiste uma intencionalidade interior ao ser, este ser ser,
necessaria-mente, uma espcie de conscincia.Alm do mais, sabe-se que
falar emintencionalidade, ipso facto, falar em teleologia. E ser
justamenteesta teleologia que estar no centro da cena de
Merleau-Ponty, no finalde seu ensaio sobre O filsofo e sua sombra.A
teleologia ser apre-sentada, ali, como sendo o verdadeiro
irrelativo, aquilo que junturae membrura do Ser, que se consuma
atravs do homem (MERLEAU-PONTY, 1960, p.228). Se este Ser habitado
por intencionalidade e,logo, por teleologia, ele pensado segundo o
modelo de uma conscin-cia e, por isso, Merleau-Ponty se deixava
seduzir, espontaneamente, poruma linguagem singelamente
antropomrfica, ao descrever a passagem dosentido perceptivo ao
sentido lingustico: ele dizia que a linguagemrealiza, rompendo o
silncio, aquilo mesmo que o silncio queria, masno obtinha
(MERLEAU-PONTY, 1964, p. 230).Assim, se esta teleolo-gia se consuma
apenas atravs da criao humana, ento este homemser, por princpio, um
personagem central e essencial Offenbarung donovo absoluto. Uma vez
criticado e afastado o humanismo, comopedem os sons dos novos
tempos, resta que o lugar do rei ser ocupa-do, doravante, por um
evidente antropocentrismo que, por maisestilizado e etreo que seja,
no deixa de ser, apenas, um bastante orto-doxo antropocentrismo
cristo.
E se assim, que ns compartilhemos, com Merleau-Ponty, o
seuprazer do texto. Colaboremos, portanto, mesmo com nossa
nfimaparte e fora, nesta tarefa infinita que a leitura e
interpretao dosclssicos, sempre to inesgotveis quanto a coisa
percebida. Mas, aomenos, faamos isso sabendo que, neste precioso
momento, estaremossendo, todos, na cerimnia de reconhecimento de
cada sentido indito,os novos crentes de um iderio que, sem sombra
de dvida, genuina-mente cristo. Afinal, os textos de Merleau-Ponty
indicam, suficiente-mente, que, no derradeiro ato de sua vida como
filsofo, este antigocolaborador da revista Esprit permaneceu,
integral e religiosamente, fiel sua arcaica origem.
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