-
A disseminao do uso das novas tecnologias da informao e
comunicao: efeitos na sociedade
New information and communication technologies (ICTs)
dissemination: social effects
Aleixina Maria Lopes Andalcio Mestre em Onda da Informao (UFMG)
e Analista de Sistemas do Centro de Computao da UFMG E-mail:
[email protected]
Resumo
Tecnologias, apesar de serem sempre produto da sociedade, tambm
contribuem para sua conformao e transformao. Este artigo levanta
alguns dos efeitos que a disseminao do uso das novas tecnologias de
informao e comunicao provocam hoje na vida pessoal, profissional e
social das pessoas, ou seja, na nossa sociedade. 0 que fica daro
que tais efeitos precisam ainda ser mais bem estudados, pois essas
tecnologias ainda so um fenmeno muito recente na histria do homem.
Palavras-chave: tecnologias de informao e comunicao, efeitos,
sociedade
Ao longo dos milhares de anos de sua histria na Terra, o homem
aprendeu a desenvolver instrumentos e ferramentas que o ajudassem a
superar as dificuldades encontradas ao lidar com o mundo e lhe
permitissem aumentar sua capacidade de intervir nesse mundo. Essa
tambm a origem das tecnologias de informao e comunicao, que
surgiram em funo da necessidade humana de lidar com o crescimento
desenfreado da produo de informao no mundo contemporneo (MARQUES
NETO, 2002).
O computador no nico representante das tecnologias de informao e
comunicao, entre as quais tambm encontramos o papel, arquivos,
fichrios, fax, telefone, livro, jornal, correio, televiso, telex,
copiadoras, projetores (de slides, de transparncias, de filmes e
multimdia), mas pode ser considerado, hoje, o principal deles. Isso
talvez se deva sua possibilidade de utilizao na soluo de diversos
tipos de problemas relacionados informao e de expandir a capacidade
humana de armazenar dados (MARQUES NETO, 2002).
A Internet, a rede de computadores capazes de se comunicar uns
com os outros, apesar de ser um fenmeno recente na histria da
humanidade, tendo surgido a partir de 1969, tornou-se um meio para
todas as formas de comunicao, de interao e de
organizao social (CASTELLS, 2003). Ela , hoje, o mais conhecido
representante* das novas tecnologias de informao e comunicao e,
segundo Castells, "no precisa de explicao, pois j sabemos o que
Internet" (CASTELLS, 2003, p. 255).
No h como ignorar a participao das tecnologias de informao e
comunicao na sociedade atual, o que traz, claro, efeitos para essa
sociedade, efeitos estes que tm sido alvo de vrios estudos.
Palmquist (1992) relacionou trabalhos que enfocam como as
tecnologias baseadas em computadores afetam a vida dos indivduos,
os quais se detm sobre as transformaes que elas trouxeram para a
cultura, a vida domstica, a vida comunitria, o exerccio
profissional, as interaes sociais, a qualidade de vida e satisfao
no trabalho, e o exerccio da cidadania. E esse tipo de efeito que
se pretende discutir aqui.
Um breve histrico
As chamadas tecnologias da informao, tambm agregadas sob o nome
de informtica, se inseriram na vida das pessoas com uma velocidade
muito grande. Os primeiros computadores surgiram em 1945, sendo que
o primeiro computador de uso geral, o ENIAC, foi apresentado ao
pblico em 1946 (LVY, 1999).
Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005.
-
Durante muito tempo, computadores foram equipamentos enormes e
caros, aos quais apenas um grupo restrito de profissionais tinha
acesso, cenrio que mudou completamente a partir da dcada de 1970.
Conforme nos apresentam Lvy (1999) e Castells (1999), o surgimento
do microprocessador, em 1971, provocou uma verdadeira revoluo no
campo profissional, social e pessoal. Hoje, o computador est nas
casas das pessoas, e um modelo que cabe na palma da mo tem mais
capacidade de processar e armazenar informaes que qualquer
computador de grande porte (mainframe) existente poca do surgimento
do microprocessador. A utilizao dos computadores tambm foi
simplificada com o desenvolvimento de programas (software), de
controle (sistemas operacionais, como o Windows), de aplicao
(editores de texto, planilhas eletrnicas etc.), alm de novas
interfaces com o usurio, como monitores, teclados, impressoras
etc., e o uso de cones, em vez de comandos complicados, permitindo
seu uso por qualquer pessoa, sem a necessidade de ser um
profissional especializado na rea de informtica (LVY, 1993).
Nos anos 1980, a informtica comeou a fundir-se com as
telecomunicaes, a editorao, o cinema e a televiso (LVY, 1999),
tornando-se presente em atividades cotidianas das pessoas, tanto na
vida profissional quanto na vida privada. A esses avanos somou-se a
possibilidade de interligar os computadores em rede, que
multiplica, mediante o compartilhamento, a capacidade de
processamento e armazenamento de informaes. A Internet, rede
inicialmente desenvolvida com objetivos militares, mas que logo foi
adotada pela comunidade em geral, o exemplo mais conhecido desse
tipo de conexo, e teve seu uso disseminado mais rapidamente que
qualquer outra tecnologia de comunicao at ento criada pelo homem.
Em 1995, uma pesquisa dava conta da existncia de cerca de 350
milhes de usurios da Internet, enquanto previses conservadoras
para
o perodo 2005-2007 indicam um nmero de 2 bilhes de usurios, ou
seja, a tera parte da populao do planeta, sendo que nas naes mais
desenvolvidas a taxa de penetrao estar entre 75% e 80% da populao
(CASTELLS, 2003).
Efeitos na sociabilidade
As novas formas de sociabilidade possibilitadas pelo
desenvolvimento das tecnologias de informao e comunicao esto sendo
estudadas por pesquisadores de vrias reas. Conforme apresentado por
Lvy (1999), esse desenvolvimento propiciou o surgimento do
ciberespao, "novo espao de comunicao, de sociabilidade, de
organizao e de transao, mas tambm novo mercado da informao edo
conhecimento' (p.32). O intercmbio entre indivduos passou a
prescindir do compartilhamento de um mesmo espao. Cmeras de vdeo e
outros dispositivos multimdia conectados Internet permitem a
transmisso instantnea de imagens e sons entre pontos distantes
entre si, possibilitando a realizao de contatos pessoais mesmo que
os indivduos envolvidos na interao estejam fisicamente distantes.
Um exemplo disso a realizao de teleconferncias, cuja utilizao comea
a se estender tambm s interaes pessoais. Isso pode tornar
necessrio, inclusive, rever o conceito de interao face a face
utilizado por Berger e Luckmann (2002), para os quais a realidade
da vida cotidiana partilhada e a forma mais importante de faz-lo a
interao face a face, aquela na qual colidem o aqui e agora de
indivduos diferentes. Para esses autores, apenas na situao face a
face o outro plenamente real. A necessidade de reviso se apresenta
em funo do desencaixe propiciado pelas novas tecnologias da
informao e da comunicao, pois o intercmbio entre as expressividades
de indivduos diferentes passou a prescindir do compartilhamento de
um mesmo espao, o aqui propugnado por Berger e Luckmann (2002).
Para Martn-Barbero (2003), as redes eletrnicas so o espao no
qual circulam o capital, as finanas, e tambm um lugar de encontro
"de minorias e comunidades
Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005.
-
marginalizadas ou de coletividades de pesquisa e trabalho
educativo ou artstico" (MARTN-BARBERO, 2003, p.59). Grupos virtuais
criados nas redes eletrnicas podem dar origem, principalmente nas
grandes cidades, a encontros e aes, tornando-se grupos
territorializados. Para ele, a comunicao miditica aparece "como
parte das desterritorializaes e relocalizaes que acarretam as
migraes sociais e as fragmentaes culturais da vida urbana; do campo
de tenses entre tradio e inovao, entre a grande arte e as culturas
do povo; do espao em que se redefine o alcance do pblico e o
sentido da democracia" (MARTN-BARBERO, 2003, p.64).
Martn-Barbero (2003) acrescenta que necessrio buscar investigar
e compreender os novos modos de se estar junto, principalmente
entre as geraes mais novas, que se conformam em grupalidades
mestias nos modos de falar e vestir e na msica que fazem e ouvem; e
as relaes entre o sistema educativo e o. ambiente educativo difuso
e descentralizado constitudo pelos meios de comunicao. As
grupalidades dos jovens podem ser, inclusive, virtuais, pois eles
"vivem hoje a emergncia das novas sensibilidades, dotadas de uma
especial empatia com a cultura tecnolgica, que vai da informao
absorvida pelo adolescente em sua relao com a televiso facilidade
para mover-se na complexidade das redes informticas"
(MARTN-BARBERO, 2003, p.66). Os jovens apresentam, segundo o autor,
uma empatia cognitiva e uma cumplicidade expressiva na relao com as
tecnologias audiovisuais e informticas, que usam com facilidade e
nas quais encontram seu idioma e seu ritmo, levando produo de novas
comunidades, que correspondem a novos modos de perceber e de narrar
a identidade.
As tecnologias de informao e comunicao abriram novas
possibilidades de sociabilidade, o que foi comprovado por Bretas
(2000), em estudo sobre interaes telemticas, realizado com
adolescentes de trs escolas de Belo Horizonte. Para essa autora, a
Internet, alm de ser o principal vetor da globalizao, com grande
reflexo na
economia, tambm "um novo espao de socializao do conhecimento e
de novas configuraes para o convvio social" (BRETAS, 2000, p.202),
"envolvendo pessoas em relacionamentos at ento no concebidos"
(BRETAS, 2000, p.39). As regras da interao nessa instncia diferem
daquelas das relaes presenciais, pois abre-se, inclusive, a
possibilidade de simulaes de relacionamentos.
Em 1996, Palacios chamou a ateno para a necessidade de se
estudar as formas de sociabilidade surgidas em decorrncia da
"incorporao de crescentes parcelas da populao, em todo mundo, a
esta nova forma de comunicar e vivenciar a realidade que so as
redes telemticas, com todos os seus efeitos sobre o cotidiano das
pessoas" (PALACIOS, 1996, p.91). Esse autor levantou alguns pontos
que considera merecedores de discusso: a juno entre comunicao
massiva e interatividade promovida pela exploso telemtica; a
apropriao cotidiana da tcnica pelas comunidades virtuais,
eliminando a clivagem entre cultura e tcnica; a inverso do processo
de formao de laos nas comunidades virtuais, nas quais as pessoas se
conhecem primeiro e s depois se encontram fisicamente, o que pode
nem acontecer; e a interao entre imagens projetadas,
"desencarnadas", independentes de um corpo fsico (PALACIOS,
1996).
Para Ribeiro (2001), as prticas sociais no mundo virtual ainda
so incipientes e suas caractersticas esto em processo de definio, o
mesmo acontecendo com a avaliao de seus efeitos sobre a vida
cotidiana dos participantes dessas novas formas de relacionamento.
Para esse autor, o ciberespao pode ser visto como um "no-lugar", um
espao de comunicao pura, nas qual as relaes so vivenciadas mediante
construes imaginrias, mediadas pelo computador. No h papis
pr-estabelecidos a seguir, o prprio cibernauta (aquele que navega
nos mares cibernticos) quem determina e formata os papis que
exercer e onde eles sero inseridos. Tambm esse usurio do ciberespao
que escolhe com quem e quando quer se relacionar, o que muito mais
difcil nas relaes face a ce.
Lemos (2002) outro pesquisador
Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005.
-
que tem se debruado sobre aspectos da vida social nas redes
telemticas, a chamada ciber-socialidade. Esse autor considera a
cibercultura como produto social e cultural da sinergia entre a
sociabilidade esttica contempornea (definida por ligaes orgnicas,
efmeras e simblicas) e as tecnologias microeletrnicas. Como as
formas de uma determinada sociedade se cristalizam em objetos
tcnicos, instituies e imaginrio, a cibercultura seria a expresso
cotidiana da rebeldia contra as formas institudas e cristalizadas
da vida social que se impe numa forma tcnica, em um mundo saturado
de objetos tcnicos. Ento, a tecnologia moderna, associada
racionalidade e objetividade, passa a ser utilizada como
instrumento para compartilhamento de emoes, convivncia e formao
comunitria. O que vemos so equipamentos criados para funcionarem
como mquinas de calcular passarem a potencializar "o ldico, a
efervescncia comunitria e a apropriao artstica" (LEMOS, 2002,
p.112).
Efeitos cognitivos e comportamentais
Muitos autores tm se interessado pelos efeitos cognitivos e
comportamentais associados disseminao do uso das novas tecnologias
da informao e da comunicao. Martn-Barbero (2003) defende que hoje
necessria uma mudana nas categorias com as quais pensamos o espao,
j que as novas tecnologias (satlites, informtica, televiso e
outras) esto transformando o sentido do lugar no mundo, criando um
mundo intercomunicado.
Para Lvy (1993), o mundo das telecomunicaes e da informtica leva
a novas maneiras de pensar e de conviver, nas quais "escrita,
leitura, viso, audio, criao, aprendizagem so capturados por uma
informtica cada vez mais avanada (LVY, 1993, p.7). Para ele, a
velocidade de mudana das bases do funcionamento social e das
atividades cognitivas no passa despercebida, forando uma reviso da
filosofia do conhecimento e uma anlise da articulao entre gneros
de
conhecimento e tecnologias intelectuais, uma vez que "certas
tcnicas de armazenamento e de processamento das representaes tornam
possveis ou condicionam certas evolues culturaisn
(LVY, 1993, p.10). Para Lvy (1993), as conseqncias do sucesso
dos instrumentos de comunicao e dos computadores ainda no foram
analisadas de forma suficiente, mas j est claro que esta poca um
dos momentos em que uma nova configurao tcnica leva a um novo
estilo de humanidade. Tambm Castells (2003) apresenta a Internet
como um "meio de comunicao que constitui a forma organizativa de
nossas sociedades" (CASTELLS, 2003, p.287), pois estas seriam
construdas em torno de redes de informao que utilizam a tecnologia
microeletrnica que a Internet disponibiliza.
Oliveira (2003) considera que os sistemas de informao
disponibilizados na Internet passaram a fazer parte da vida e do
trabalho das pessoas, mas que a incorporao das novas tecnologias
aos hbitos envolve mudanas de comportamento que requerem um lento
amadurecimento. Entretanto, esse novo ambiente altera a insero
social das pessoas, por possibilitar uma maior independncia dos
indivduos em relao ao trabalho em locais fixos e em grandes grupos,
dando lugar ao trabalho em pequenos escritrios ou em casa. E alguns
outros problemas podem advir disso: tendncia ao isolamento, falta
do aprendizado social por convivncia e perda de tempo com a leitura
de grande carga de mensagens eletrnicas e outras atividades
acessrias.
necessrio lembrar que, como muitos outros instrumentos
desenvolvidos pelo homem, as tecnologias de informao e comunicao
contribuem para a superao de dificuldades encontradas ao lidar com
o mundo, no caso, com o crescimento desenfreado da produo de
informao (MARQUES NETO, 2002), mas podem gerar outras. Menou (1999)
chama a ateno para dificuldades encontradas ao se realizar estudos
sobre o impacto da Internet, os quais, apesar disso, esto
proliferando em ritmo s
Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005.
-
comparvel ao crescimento da prpria Internet: a noo de impacto,
em si; a fascinao pela tecnologia; a impossibilidade de separar a
Internet de outras tecnologias da informao e da comunicao, bem como
de fatores ambientais; identificao e rastreamento de usurios; falta
de esquemas e modelos conceituais estabelecidos; fragilidade das
definies; variedade de mtodos e abordagens; singularidade dos
estudos; e a escassez de estudos longitudinais, devida ao fato de a
Internet ser ainda uma experincia recente. Esse autor defende que
as mudanas produzidas pela Internet na vida das pessoas s podero
ser mais bem compreendidas pela acumulao de evidncias parciais e
sugere algumas iniciativas para se chegar a isso: inventariar os
grupos de pesquisa relacionados e facilitar sua conexo em rede;
construir e manter portal para facilitar o acesso literatura,
biblioteca digital e ao banco de dados sobre o tema; promover
esforo cooperativo para coligir, clarificar e reconciliar os vrios
modelos e esquemas; inventariar, rever e indicar mtodos adequados;
construir agenda de pesquisa e facilitar a interao entre grupos de
pesquisa, indstrias e usurios, visando o desenvolvimento de estudos
combinados ou comparativos.
Efeitos fsicos e mentais
No que diz respeito s mudanas fsicas provocadas pelo uso de
computadores e da Internet, Menou (1999) acentua ainda que elas
precisam ser mais bem estudadas, j que so priorizados estudos sobre
mudanas comportamentais. Um exemplo desse efeito a possibilidade de
que a gerao que est crescendo no ambiente informatizado venha a
apresentar deficincias psicomotoras. Weil (2000) tambm apresenta
vrios aspectos patognicos relacionados com o uso exagerado das
tecnologias de informao
;http://www11.folha.uol.com. e c o m u n i o > q u e e i e c
h a m o u d e b r / f o l h a / i n f o r m a t i c a / . c t i ..
, normose informacional: isolamento e ult124u12165.shtml . , r ...
.. . . desmembramento ramiliar; dissonncia 2
http://veja.abril.com.br/030304/ cognitiva entre aspirao e
capacidade p_085.html real de absoro da informao; ligao
sutil entre o computador e o ser humano (denominada simbiose
neuroci-berntica); neurose do virtual, com dificuldades em lidar
com a realidade do cotidiano; divulgao da mentalidade violenta;
desequilbrio dos hemisfrios cerebrais; possibilidade de atrofia da
funo numrica da mente humana; e frustraes nas comunicaes e relaes
humanas. Bawa (1997) buscou identificar e discutir problemas de
sade que podem estar relacionados com o uso do computador, tais
como o estresse provocado pela interao com o computador, leses por
esforos repetitivos, efeitos da radiao emitida pelo monitor e
fadiga visual provocada pela leitura na tela. Essa autora apresenta
tambm medidas para prevenir e tratar os problemas de sade
relacionados com o computador.
O uso sem controle de tecnologias de informao e comunicao pode
acarretar problemas de sade, j tendo at sido veiculadas na mdia
notcias de mortes de usurios de computador e Internet provocadas
por trombose venosa aguda devida permanncia por muitas horas
seguidas sentados diante da tela1. Entretanto, algumas das
preocupaes manifestadas quando comeou a disseminao dessas
ferramentas, como as de que as pessoas deixariam de relacionar-se,
que se tornariam ainda mais sedentrias e que poderiam perder o
-contato com a realidade, parecem ter sido exageradas. Conforme
matria publicada na edio 1843 da revista Veja, de 3 de maro de
2004, uma pesquisa feita nos Estados Unidos mostrou que os
internautas praticam mais exerccios fsicos, lem mais livros e tm
vida social mais agitada do que aqueles, de mesmo nvel
socioeconmico, que no utilizam a rede, o que parece estar
relacionado com a economia de tempo propiciada pelo uso das
tenologias e a facilidade de acesso a informaes sobre sade e
cultura2. Talvez esses resultados possam servir como argumento para
contestar a posio de Lucien Sfez (1996), para quem a seduo pelas
tecnologias da comunicao poderia propiciar o aparecimento do que
ele chamou de
64 Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005.
-
tautismo, neologismo formado pela contrao de tautologia
(proposio que tem por sujeito e predicado um mesmo conceito3) e
autismo (o isolamento esquizofrnico, a no-comunicao), criado para
designar a confuso entre representao e expresso. No contexto do uso
das tecnologias de informao e comunicao, principalmente o
computador e a Internet, o resultado seria o isolamento social, o
aprisionamento em um mundo virtual, o desligamento do mundo real, o
que no parece estar acontecendo.
Efeitos encontrados em uma pesquisa de campo
O trabalho de campo de minha pesquisa no mestrado incluiu
entrevistas com doutorandos e recm-doutores do curso de doutorado
em Cincias Humanas: Sociologia e Poltica, da Faculdade de Filosofia
e Cincias Humanas da UFMG (FAFICH / UFMG), com o objetivo de
verificar como as ferramentas de tecnologia de informao e comunicao
esto sendo utilizadas como instrumentos auxiliar es no trabalho de
pesquisa nas Cincias Sociais. Foram entrevistados dez participantes
do programa, sendo que trs j haviam concludo seu doutorado e trs
eram professores do curso. Foi tambm includo na amostra um aluno do
mestrado, apontado por participantes do doutorado cmo algum que
fazia uso intensivo das ferramentas d tecnologia de informao e
comunicao. Assim, no total, foram entrevistados catorze sujeitos,
dos quais cinco (35,7%) so do sexo feminino; oito (57,1%) tm idade
na faixa de 30-39 anos; quatro (28,6%), entre 40-49 anos; um
(7,1%), entre 50-59 anos; e um (7,1%), acima de 60 anos. Trs dos
sujeitos foram entrevistados por meio do correio eletrnico e os
demais o foram pessoalmente.
Essa pesquisa mostrou que as ferramentas de tecnologia de
informao e comunicao j fazem parte do cotidiano dos pesquisadores.
Todos os entrevistados mencionaram ter computador em casa, o que
est de acordo com aquilo que Lvy (1999) e Castells (1999) relatam
sobre a evoluo das tecnologias da informao e
comunicao: rapidamente elas passaram a fazer parte do cotidiano
das pessoas* participando hoje de suas atividades pessoais,
profissionais e sociais. O aluno do mestrado relatou ter
acompanhado toda a evoluo ocorrida nessa rea, pois foi um dos
usurios de primeira hora dos computadores, antes ainda da revoluo
provocada pela microinformtica na dcada de 1980. Na opinio desse
pesquisador, a utilizao das ferramentas de tecnologia de informao e
comunicao hoje muito mais simples do que quando comeou a
us-las.
Apenas um entrevistado declarou no ter acesso domstico Internet,
opo feita, segundo ele, em funo de fatores econmicos (alto custo da
assinatura do provedor e do uso da linha telefnica, enquanto na
universidade esse acesso gratuito), pessoais (prefere utilizar seu
tempo livre em atividades que no envolvem o uso da rede mundial) e
mesmo ideolgicos, pois isso acaba gerando sobrecarga de
trabalho.
Mudanas na forma de trabalhar, de pensar e de se relacionar,
provocadas pela utilizao de tecnologias de informao e comunicao
tambm apareceram nos relatos, o que confirma LVY (1993). O hbito de
rascunhar textos manuscritos est sendo abandonado, em favor da
digitao direta em um editor de textos. A hipertextual idade da
Internet facilita a busca pela satisfao da curiosidade, mas tambm
considerada fator de disperso. E o correio eletrnico, citado por
todos como instrumento essencial para o exerccio profissional,
passou a servir tambm para manter contatos puramente sociais,
substituindo o telefone e o correio tradicional.
Fora do contexto de pesquisa, houve relatos de bate-papo em
salas virtuais, leitura de jornais pela Internet, uso de jogos em
rede ou locais, obteno de msicas em formato eletrnico e consulta
programao cultural pela Internet, o que demonstra a participao mais
ampla que essas ferramentas tm na vida pessoal e social dessas
pessoas, o que est de acordo com o que encontrado na literatura
(BRETAS, 2000; PALACIOS, 1996; LEMOS, 2002). Mas alguns dos
entrevistados fizeram questo de reafirmar
3 Ferreira, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio Aurlio,
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d.
Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005. 65
-
que usam as ferramentas da tecnologia de informao e comunicao
apenas no contexto profissional, preferindo investir o tempo livre
em leitura, conversa, namoro, boteco ou mesmo tric. Um deles,
apesar de entusiasta dessas ferramentas, colocou o fato de acabar
passando muito tempo diante do computador no rol das desvantagens
do uso dessa tecnologia.
As ferramentas da tecnologia de informao e comunicao so
utilizadas por todos os entrevistados, no exerccio de suas
atividades de pesquisa, sendo j consideradas imprescindveis, mesmo
por aqueles que no se mostram entusiasmados com elas. A ferramenta
mais presente no cotidiano dos entrevistados , sem dvida, o correio
eletrnico, usado principalmente para troca de informaes com colegas
de trabalho e pesquisadores de outras instituies, o que s reafirma
a importncia desse servio como instrumento de comunicao no trabalho
acadmico. Enquanto isso, outras formas de comunicao eletrnica so
praticamente descartadas na atividade de pesquisa. A teleconferncia
no utilizada por nenhum deles e o acesso a salas virtuais {chai) s
foi relatado por trs entrevistados, sendo que um s o faz como
atividade de lazer. O mesmo acontece com as listas e grupos de
discusso virtuais, que foram utilizados por apenas trs
entrevistados, em situao no relacionada pesquisa em si, e foram
logo abandonados por dois deles.
Apesar da a existncia de uma preocupao com o uso excessivo de
computadores e Internet, isso no foi encontrado no grupo
pesquisado, pois a grande maioria dos entrevistados declarou s
fazer uso das tecnologias de informao e comunicao em suas
atividades de pesquisa e ensino. A grande exceo o correio
eletrnico, usado tanto para contatos profissionais quanto pessoais.
Pelo que foi levantado nos relatos, mesmo entre aqueles mais
entusiasmados com o uso das novas tecnologias, nenhum dos
entrevistados parece se enquadrar no esteretipo de nerd viciado em
computador ou Internet. Um dos entrevistados acredita que as salas
virtuais
so um interessante campo de estudos para os cientistas sociais,
por se tratar de um novo espao social que envolve questes de grupo
e comportamento, mas quase no h pesquisadores da rea se dedicando a
esse assunto.
Conduso
O uso das novas tecnologias de informao e comunicao j se faz
presente nas atividades mais corriqueiras do mundo contemporneo.
Entretanto, quando tratamos, no desenvolvimento deste trabalho, dos
efeitos que o uso dessas tecnologias provoca na sociedade,
necessrio ressaltar o fato de que so ainda efeitos sobre apenas uma
pequena parte da sociedade, aquela parte que tem acesso a tais
tecnologias. Dados atuais mostram que h ainda um longo caminho a
percorrer ante? que isso seja realidade para uma parcela
significativa da populao mundial, principalmente nos pases em
desenvolvimento, como o caso do Brasil. S ento ser realmente
possvel falar em efeitos sobre a sociedade.
preciso estar atento para o fato de que, mesmo com tais
tecnologias assumindo um carter global, estamos tratando de
instrumentos aos quais apenas uma pequena parcela da populao
mundial tem acesso. O acesso Internet, que apresenta uma taxa mdia
de penetrao de 25-30% nos pases ricos (sendo de cerca de 50% nos
Estados Unidos, Finlndia e Sucia), de apenas 3% na maioria do
planeta, com ndices menores que 1% na frica e no sul da sia
(CASTELLS, 2003). De acordo com dados apresentados pela Fundao
Getlio Vargas (NERI, 2003), no Brasil, em 2001, apenas 12,46% dos
brasileiros dispunham de acesso a computador e s 8,31% estavam
conectados Internet.
Essa uma realidade em que as tecnologias de informao e comunicao
se inserem como mais um fator de diviso da populao entre os que tm
e os que no tm, mais um elemento de excluso da maior parte da
sociedade, o que implica em fragilidade no mercado de trabalho e
perda de competitividade econmica. Implica tambm em baixa
capacidade educativa e cultural de uso da Internet,
Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005.
-
ou seja, de "saber onde est a informao, como busc-la, como
transform-la em conhecimento especifico parajazer aquilo que se
quer fazer (CASTELLS, 2003, p. 267), uma vez que essa capacidade de
aprender a aprender socialmente desigual e ligada origem social e
familiar, bem como ao nvel cultural e de educao (CASTELLS, 2003). A
democratizao do uso das novas tecnologias da informao e comunicao
essencial para a insero de parcelas marginalizadas da populao.
O que parece ficar claro que o fenmeno da disseminao das
tecnologias de informao e comunicao traz implicaes sociais que
aguam a curiosidade dos pesquisadores, mas tambm que ainda
necessria a realizao de maiores estudos sobre os efeitos fsicos,
cognitivos, comportamentais e sociais dessas novas tecnologias na
nossa sociedade, uma vez que muito recente sua insero na vida das
pessoas. O ciberespao possibilita novas formas de relao e
socializao, cuja compreenso est apenas comeando, necessitando
inclusive do desenvolvimento de instrumentos de investigao
apropriados.
Abstract
Technologies, in spite of being a product from our society, they
also contribute to its transformation and conformation. This artide
presents some of the effects of information and communication tech
nologies (ICTs) dissemination on the society: personal,
professional and social lfe. Our condusion is that these effects
need to be further analysed because the introduction of ICTs is
still on its early stages. Key words: information and comunication
technologies, effects, society.
Referncia
BAWA, Joanna. Computador e sade - manual do usurio: problemas,
preveno e cura. So Paulo: Summus,1997.230p.
* BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construo social da
realidade. Petrpolis: Vozes, 2002.247p. BRETAS, Maria Beatriz
Almeida Sathler. Interaes telemticas: um estudo sobre jovens
internautas de Belo Horizonte. Tese (Doutorado em Cincia da
Informao) - Escola de Cincia da Informao, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.23.1 p.
v CASTELLS, Manuel. A revoluo da tecnologia da informao. In:
CASTELLS, Manuel. A sociedade em
rede. So Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 49-86. . Internet e
sociedade em rede. In:
MORAES, Denis de (org.) . Por uma outra comunicao: mdia,
mundializao cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003, p.
255-287. LEMOS, Andr. Aspectos da cibercultura: vida social nas
redes telemticas. In: PRADO, Jos Luiz Aidar (org.). Crtica das
prticas miditicas. So Paulo: Hacker Editores, 2002, p. 111-129.
LVY, Pierre. As tecnologias da inteligncia: o futuro do pensamento
na era da informtica. So Paulo: Editora 34,1993.203p.
. Gbercultura. So Paulo: Editora 34, 1999.260p. MARQUES NETO,
Humberto Torres. A tecnologia da informao na escola. In:
C0SCARELLI, Carla Viana (org.). Novas tecnologias: novos textos,
novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autntica, 2002. p.51-63.
MARTlN-BARBERO, Jess. Globalizao comunicacional e transformao
cultural. In: MORAES, Denis de (org.). Por uma outra comunicao:
mdia, mundializao cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003,
p. 57-86. MEN0U, Michei J. Impacto da Internet: algumas questes
conceituais e metodolgicas, ou como acertar um alvo em movimento
atrs da cortina de fumaa. Datagrama Zero, n.0, dez/99. Disponvel
em: http://www.dgzero.org/dez99/ F_l_art .htm. Acessado em:
10/7/2003. NERI, Marcelo Crtes (coord.). Mapa da excluso digital.
Rio de Janeiro: FGV/IBRE, 2003. Disponvel em:
http://www2.fgv.br/ibre/cps/mapa_exclusao/
apresentacao/apresentacao.htm. Acessado em: 05/ 01/2004. OLIVEIRA,
Jos Palazzo Moreira de. Sistemas de informao e sodedade. Cincia e
Cultura, So Paulo, v. 55, n. 2, p. 39-41,2003. Disponvel em:
http:// www.inf .ufrgs.br/~palazzo/docs/Art igos/03 SBPC.pdf.
Acessado em: 25/10/2003. PALACI0S, Marcos. Cotidiano e
sociabilidade no ciberespao: apontamentos para discusso. In: FAUSTO
NETO, Antnio; PINTO, Milton Jos. 0 indivduo e as mdias. Rio de
Janeiro: Diadorim, 1996, p. 87-102. PALMQUIST, Ruth A. The impact
of information technology on the individual. Annual Review of
Information Science and Technology, v. 27, p. 2-42, 1992. RIBEIRO,
Jos Carlos. Um breve olhar sobre a sociabilidade no ciberespao. In:
S. LEMOS, Andr; PALACI0S, Marcos (orgs.). As janelas do ciberespao.
Porto Alegre: Sulina, 2001, p. 138-150. SFEZ, L. Informao, saber e
comunicao. Informare: Cadernos do Programa de Ps-Graduao em Cincia
da Informao, Rio de Janeiro, v.2, n. 1, p. 5-13,1996. WEIL, Pierre.
A normose informacional. Cincia da Informao, Braslia, v. 29, n.2,
2000. Disponvel em: http:/ /www.ibict.br/cionline/290200/
29020008.htm. Acessado em: 4/6/2003.
Aleixina Maria Lopes Andalcio. A disseminao do uso das novas
tecnologias da informao e comunicao: efeitos na sociedade.
Comunicao e Informao, V 8, n 1: pg 60 - 67. - jan/jun. 2005.