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 · 2019-03-20 · SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................9 A INTERFERÊNCIA DOS CONDOMÍNIOS

Jul 16, 2020

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COLETÂNEA 2

SUSTENTABILIDADE SOCIAL,

ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR

DOS DIREITOS HUMANOS

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Coordenadores

VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR

ELOETE CAMILLI OLIVEIRA

Organizadores

JOSÉ MARIO TAFURI

SANDRO MANSUR GIBRAN

COLETÂNEA 2

SUSTENTABILIDADE SOCIAL,

ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR

DOS DIREITOS HUMANOS

ISBN 978-85-87875-08-2

AENA

2013 | Curitiba

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Campus Milton Vianna Filho: Rua Chile, 1.678 - Rebouças - CEP 80220-181

Telefone: +55 41 3213-8700

Site: www.unicuritiba.edu.br

Facebook: www.facebook.com/unicuritiba

Twitter: www.twitter.com/unicuritiba

YouTube:www.youtube.com/unicuritibaoficial

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................9

A INTERFERÊNCIA DOS CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS FECHADOS NA

DINÂMICA DAS CIDADES

ALESSANDRA RAIMONDI HARDT E HELOISA FERNANDES CAMARA..........................................13

EXERCENDO O DIREITO REGRESSIVO NA IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO

AVELINO PINTO NOGUEIRA JÚNIOR E FELIPE HASSON...............................................................43

A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A MODULAÇÃO DE EFEITOS NAS

DECISÕES DO STF: UTILIDADES E CRÍTICAS

EDUARDO MONTE JORGE HEY MARTINS E ROOSEVELT ARRAES.............................................69

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS:

ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA DO ESTADO

GEOVANA TIE AMORIM SHIBUYA E REGINA MARIA BUENO BACELLAR..................................101

O INVENTOR E A RELAÇÃO DE EMPREGO

GUILHERME LUIS STAHLSCHMIDT SALLES E ERIKA PAULA DE CAMPOS...............................129

A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL E A APLICABILIDADE

DO DECRETO 6.514/2008

GUSTAVO ARRIOLA MAINGUÉ E REGINA MARIA BUENO BACELLAR.......................................159

REPERCUSSÕES CIVIS DO INADIMPLEMENTO DO CONTRATO DE

FRANCHISING

HENDEL FAVARIN MARTINES E ELOETE CAMILLI OLIVEIRA......................................................183

AUDITORIA JURÍDICA AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO E

CONTROLE DE DANOS SOCIOAMBIENTAIS NA INDÚSTRIA

LAÍSA MUSIAL E REGINA MARIA BUENO BACELLAR...................................................................207

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DIREITO TRIBUTÁRIO ELETRÔNICO: CHOQUE DE LINGUAGENS

LEILAINE PEREIRA DA SILVA E MAURICIO DALRI TIMM DO VALLE...........................................235

REFLEXÕES SOBRE O DIREITO URBANÍSTICO NO BRASIL, A EFICÁCIA DE

SEUS PRINCÍPIOS E O PLANO DIRETOR.

MARIA ALICE DIB CRIPPA E REGINA MARIA BUENO BACELLAR..............................................267

O CRITÉRIO ESPACIAL DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER

NATUREZA (ISS) E OS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA

MARINA KUJO MONTEIRO E SMITH ROBERT BARRENI..............................................................293

REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS: OS REGIMES EM ESPÉCIE

NICOLLE BRITO MALUCELLI E MAURICIO DALRI TIMM DO VALLE............................................325

PENHORA DE QUOTAS NA SOCIEDADE LIMITADA POR OBRIGAÇÃO

PESSOAL DO SÓCIO

PAULO ROBERTO LEBIEDZIEJEWSKI E SANDRO MANSUR GIBRAN.........................................349

A POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO PELOS

CREDORES QUANDO DO DESPACHO QUE DEFERE O PROCESSAMENTO DA

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

PEDRO CARDOSO DE ALMEIDA ANDRADE COSTA E LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA............397

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL DE

2002

VINICIUS AFFONSO CARVALHO DE SOUZA E ELOETE CAMILLI OLIVEIRA..............................423

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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INTRODUÇÃO

A Coletânea Sustentabilidade Social, Econômica e Ambiental em favor dos

Direitos Humanos é uma obra coletiva, resultante da pesquisa realizada por alunos e

professores do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, destinada a

elaboração dos Trabalhos de Curso dos acadêmicos no ano de 2013. Os artigos

foram selecionados por afinidade ao tema “sustentabilidade” envolvendo diversas

áreas do Direito.

O primeiro artigo, elaborado por Aimée Isabella S. Mendes e Maria da Glória

Colucci busca inserir o conceito de sadia qualidade de vida no contexto do Direito

Ambiental brasileiro. Este artigo foca a hermenêutica dos princípios, buscando na

essência destes o dever de responsabilização de agentes poluidores face às vítimas

humanas, ainda que de forma indireta.

A interferência dos condomínios horizontais fechados na dinâmica das

cidades, estudado por Alessandra Raimondi Hardt e Heloisa Fernandes Câmara

demonstra a valorização obtida pelos mesmos, em face dos altos índices de

criminalidade nos grandes centros urbanos. Expõem ainda, que esta realidade social

levou muitos indivíduos a optarem por espécies de moradias afastadas dos centros

urbanos, incentivando a segregação espacial e social, culminando com maior

sensação de insegurança e, alimentando esse círculo vicioso, fomentando o medo

da violência, de assaltos e, sobretudo, do desconhecido.

Em estudo sobre o exercício do direito regressivo na importação e

exportação, Avelino Pinto Nogueira Junior e Felipe Hasson, afirmam que o

transporte internacional, tem como porta de entrada das mercadorias importadas os

Portos, Aeroportos e Estações Aduaneiras, sendo aí a principal fonte de constatação

das faltas e avarias e em decorrência delas, a transferência de responsabilidade.

Neste artigo, demonstram que o exercício para que o direito de regresso possa ser

exercido, os operadores deverão estar em completa sintonia com as legislações

nacionais e internacionais, bem como de acordo com a doutrina majoritária e os

usos e costumes do comércio internacional.

Eduardo Monte Jorge Hey Martins e Roosevelt Arraes após pesquisa

desenvolvida nas decisões do Supremo Tribunal Federal trouxeram reflexões e

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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criticas sobre a modulação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade das

normas, sobre a ótica da análise econômica do direito.

O reconhecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um

direito difuso motivou o trabalho de Geovana Tie Amorim Shibuya e Regina Maria

Bueno Bacellar, clamando para que o Estado, por sua atividade fiscalizatória

intensifique a proteção jurídica ambiental adotando uma forma mais severa da

responsabilidade civil, tornando eficaz a reparação dos danos causados.

A propriedade intelectual, protegida pela Constituição vigente entre os direitos

e garantias fundamentais, vem ampliando a sua relevância com o desenvolvimento

social, econômico e cultural. Observando o comércio nacional e internacional nas

últimas décadas, pode-se afirmar que os bens, fruto da produção intelectual,

representam parcela significativa do valor total de um empreendimento econômico.

Neste contexto, Guilherme Luís Stahlschmidt desenvolveu a sua pesquisa

envolvendo as relações empregatícias, que tem por objeto a produção destes bens

intangíveis.

Gustavo Arriola Maingué e Regina Maria Bueno Bacellar em análise ao

decreto 6.514/2008 detalharam o procedimento administrativo ambiental, nas suas

mais diversas fases e com as suas peculiaridades.

. O aumento do número de franquias, a necessidade do bom relacionamento

entre as partes contratantes, a gestão, a transparência e responsabilidade dos

envolvidos, aliados a pouca divulgação dos efeitos de seu descumprimento, motivou

Hendel Favarin Martines e Eloete Camilli Oliveira a pesquisarem sobre as

repercussões civis do inadimplemento do contrato de franchising.

Buscando a defesa do meio ambiente, Laísa Musial e Regina Maria Bueno

Bacellar ressaltaram que o desenvolvimento sustentável conquistou espaço no

cenário atual, obrigando os agentes envolvidos ao cumprimento de normas e

princípios de Direito Ambiental. Este objetivo pode ser ampliado através da Auditoria

Jurídica Ambiental. Esclarecendo a exata compreensão e finalidade do instrumento

deste instrumento, as autoras demonstram os benefícios advindos em decorrência

da mesma.

Leilaine Pereira da Silva e Mauricio Dalri Timm do Valle no artigo apresentado

fazem reflexões sobre o contemporâneo choque de linguagens decorrente da

informatização do Direito Tributário, ressaltando os novos formatos de deveres

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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instrumentais e a comunicação aprimorada do fisco por meio do cruzamento

eletrônico de dados.

Maria Alice Dib Crippa e Regina Maria Bacellar trazem informações sobre o

direito urbanístico no Brasil, a eficácia de seus princípios e o plano diretor.

Salientando a importância do planejamento urbano para evitar que em decorrência

do fenômeno da urbanização muitas cidades sejam atingidas por transformações

que acarretem problemas sociais e estruturais.

. O Critério Espacial do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e

os Conflitos de Competência escrito por Marina Kujo Monteiro analisa o

posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema

pesquisado, envolvendo o Decreto n.406/1968 e a Lei Complementar n.116/2003.

Nicolle Brito Malucelli e Mauricio Dalri Timm do Valle analisam os regimes

aduaneiros especiais, observando suas peculiaridades, funcionamento e previsões

legais com ênfase no Regime Aduaneiro Especial de Drawback, entretanto, sem

deixar de mencionar outros regimes.

Paulo Roberto Lebiedziejewski motivado pela polêmica possibilidade de

penhora de quotas na sociedade limitada por obrigação pessoal do sócio

desenvolveu o seu trabalho analisando questões de direito material e formal.

Tema objeto de inúmeras divergências no Poder Judiciário Brasileiro no

âmbito das recuperações de empresas foi tratado por Pedro Cardoso de Almeida

Andrade e Luís Osório Morais Panza no artigo “A possibilidade de interposição de

Agravo de Instrumento pelos credores quando do despacho que defere o

processamento da Recuperação Judicial”, analisando as diversas correntes sobre a

natureza jurídica do ato processual, seus efeitos e recursos cabíveis.

A limitação da responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas

confronta situações que merecem reflexões: uma como instrumento de incentivo ao

desenvolvimento de atividades econômicas e consequente aumento da

empregabilidade, arrecadação tributária, consumo, entre outras; entretanto, diante

do mau uso deste instituto pode tornar-se instrumento para fraudar credores. Este

tema, sempre instigante foi objeto do artigo escrito por Vinicius Affonso Carvalho de

Souza e Eloete Camilli Oliveira.

Os artigos apresentados nesta Coletânea, e escritos a partir do trabalho de

pesquisa conjunta dos acadêmicos e professores do UNICURITIBA, foram indicados

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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para publicação, por comissão examinadora formada por docentes da citada

Instituição de Ensino.

Sem a pretensão de esgotar os temas abordados, mas de trazê-los para

reflexão e instigar o prosseguimento das pesquisas á partir deles, desejando que a

leitura desta Coletânea Sustentabilidade Social, Econômica e Ambiental em favor

dos Direitos Humanos chama a atenção de todos para este tripé indispensável para

a sociedade.

ELOETE CAMILLI OLIVEIRA

Doutora pela UFPR. Mestre pela PUCPR. Professora adjunta nível III da Pontifícia

Universidade Católica do Paraná, representante dos docentes no CEPE -

UNICURITIBA, professor titular – UNICURITIBA, Supervisora do setor de Registro

dos Trabalhos de Conclusão de Curso do UNICURITIBA.

JOSÉ MARIO TAFURI

Mestre e Especialista pela PUCPR. Professor Adjunto do UNICURITIBA,

Representante dos Coordenadores no CONSEPE- UNICURITIBA, Coordenador do

Curso de Direito – UNICURITIBA

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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A INTERFERÊNCIA DOS CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS FECHADOS

NA DINÂMICA DAS CIDADES

THE INTERFERENCE OF HORIZONTAL GATED COMMUNITIES IN

THE DYNAMICS OF CITIES

Alessandra Raimondi Hardt1

Heloisa Fernandes Camara2

1 Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR,

graduanda em Direito pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.

2 Mestre em Direito do Estado na Universidade Federal do Paraná (2010). Graduada em Direito pela

Universidade Federal do Paraná (2008). Professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos no

Centro Universitário Curitiba. Participante do grupo de pesquisa Constitucionalismo e Democracia

(UFPR) e Direito e Subjetividade (UFPR). Com experiência em pesquisa em Direitos Humanos e

Direitos Fundamentais, ditadura militar brasileira e justiça de transição.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Insegurança Urbana e Segregação Social. 3. Os Condomínios

Fechados. 4. Consequências para a Cidade. 5. Direito à Cidade. 6. Considerações

finais. Referências.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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RESUMO

O presente estudo tem por finalidade demonstrar as características dos condomínios

horizontais fechados, que se tornaram uma forma de moradia muito valorizada na

atualidade em decorrência, sobretudo da extrema criminalidade existente nos

grandes centros urbanos. Por conseguinte, muitos passaram a optar por espécies de

moradias afastadas dos centros urbanos, incentivando a segregação espacial e

social, culminando com maior sensação de insegurança e, alimentando esse círculo

vicioso, fomentando o medo da violência, de assaltos e, sobretudo, do

desconhecido. A partir dessa situação, houve a privatização de diversos espaços,

que se tornaram clubes, shopping centers, condomínios residenciais e empresariais,

mas que, no entanto, não são abertos a todos os cidadãos. Nesta seara, se

destacam os condomínios fechados, que englobam somente os iguais, de uma

mesma classe social, sem que haja a intromissão de estranhos, em ambientes

murados e constantemente monitorados. No entanto, estes causam uma extrema

segregação da malha urbana, geram problemas ambientais, criando espaços

vulneráveis e excluindo a cidade e o meio urbano. Pretende-se destacar, ainda, a

interferência desses empreendimentos na malha urbana e na segregação social

existente nas grandes cidades, abordando, por fim, a sua influência no direito à

cidade, que se traduz na garantia de moradia, saúde, infraestrutura, lazer, educação,

trabalho e cultura para todos os cidadãos. Utilizou-se como embasamento teórico

bibliografia relacionada ao tema, assim como artigos e notícias sobre o assunto.

Palavras-chave: condomínios fechados, segregação espacial e social, privatização

dos espaços públicos, direito à cidade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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ABSTRACT

The present study aims to demonstrate features of horizontal gated communities,

which have become nowadays a highly valued form of housing, due mainly extreme

crime existing in large urban centers. Consequently, many people choose housing

species remote from urban centers, encouraging social and spatial segregation,

culminating with a greater sense of insecurity and feeding this vicious circle, fostering

fear of violence, assaults, and especially the unknown. From this situation, there was

the privatization of several spaces that have become clubs, shopping malls,

residential and business communities, but which nevertheless are not open to all

citizens. In this field, we highlight the gated communities, which include only the

equal of the same social class, without the intrusion of strangers in environments

walled and constantly monitored. However, these cause an extreme segregation of

the urban fabric, creating environmental problems, vulnerable spaces and excluding

the city and urban environment. It is intended to highlight also the interference of

these enterprises in the urban and social segregation existing in large cities,

addressing, finally, its influence on the right to the city, which translates in securing

housing, health, infrastructure, leisure, education, work and culture for all citizens.

Theoretical literature related to the topic, as well as articles and news on the subject,

were used.

Keywords: gated communities, spatial and social segregation, privatization of public

spaces, right to the city

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende analisar de que forma os condomínios

horizontais fechados interferem na dinâmica urbana, criando espaços de segregação

espacial e social, fomentados pela insegurança nas grandes cidades, que atinge

tanto as classes mais abastadas quanto as com menor poder aquisitivo. No contexto

atual, as autoridades públicas perderam a credibilidade e o respeito da população,

tendo em vista a falta de atuação em relação ao aumento da taxa de criminalidade,

os inúmeros crimes não solucionados e a falta de investimento público em

segurança, iluminação das vias e equipamentos urbanos. Sendo assim, a sociedade

intensifica suas próprias medidas de proteção e controle, de separação e construção

de barreiras simbólicas e materiais.

Atualmente algumas formas de habitar são comparadas aos burgos da Idade

Média, em que havia muros, fossos e animais para a proteção da população interna.

Além da moradia, espaços de lazer, recreação e trabalho também seguem esse

conceito segregador e individualista, ficando cada vez mais escasso o contato

interpessoal nos espaços coletivos.

Os condomínios horizontais fechados com suas grades, muros e sistemas de

vigilância, se tornaram, portanto, o principal artifício contra a violência e insegurança

nas grandes cidades. No entanto, esses empreendimentos interferem na

organização e planejamento da cidade (ou falta deste), gerando consequências para

os centros urbanos e tolhendo de muitos habitantes o Direito à Cidade, que se

traduz como o direito a uma cidade democrática e participativa, com garantia de

moradia, saúde, infraestrutura, lazer, educação, trabalho e cultura para todos os

cidadãos.

2 INSEGURANÇA URBANA E SEGREGAÇÃO SOCIAL

Atualmente a sociedade não mais acredita na atuação das autoridades

públicas no combate ao crime e ao mal que atingem a sociedade. De acordo com

recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, 70% da população não acredita na

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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atuação da polícia.3 A pesquisadora Teresa Caldeira afirma, que como

consequência “as pessoas intensificam suas próprias medidas de encerramento e

controle, de separação e construção de barreiras, tanto simbólicas (como

preconceito e estigmatização de alguns grupos) como materiais (muros, cercas e

toda parafernália eletrônica de segurança)”. Ainda, os cidadãos “tendem a apoiar

medidas privadas de proteção que são violentas e ilegais, tais como a ação de

justiceiros e abusos da polícia” (CALDEIRA, 2011, p. 90).

Como é difícil impor a ordem por meio das instituições existentes, que são incapazes de controlar o mal e portanto de construir uma sociedade melhor, as pessoas sentem que estão constantemente expostas às forças naturais do mal e ao abuso daqueles que se colocam acima da lei. Para se proteger, elas têm de confiar em seus próprios meios de isolamento, controle, separação e distanciamento. Ou seja, para se sentirem seguras, elas têm de construir muros (CALDEIRA, 2011, p. 98).

Portanto, “à medida que o crime violento aumenta, os abusos persistem e as

pessoas procuram meios privados e frequentemente ilegais de proteção, entramos

num círculo vicioso que só vai resultar no aumento da violência” (CALDEIRA, 2011,

p. 205).

[...] a maioria das medidas empreendidas sobre a bandeira da segurança são divisórias, semeiam a desconfiança mútua, separam as pessoas, dispondo-as a farejar inimigos e conspiradores por trás de toda discordância e divergência, tornando por fim ainda mais solitários os que se isolam (BAUMAN, 2000, p. 13).

Nesse sentido, Marcelo Lopes de Souza em seu livro intitulado “Fobópole” –

resultado das palavras gregas phóbos, que significa “medo”, e pólis, que significa

“cidade” – aborda temas como medo, insegurança e planejamento urbano. Segundo

Souza (2008, p. 40), “uma 'fobópole' é uma cidade em que grande parte de seus

habitantes, presumivelmente, padece de estresse crônico por causa da violência, do

3 UOL NOTÍCIAS. Pesquisa aponta que 70% dos brasileiros não confiam na polícia. Disponível em:

<http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2013/11/05/confianca-na-policia-cai-

proxima-a-de-partidos-no-pais.htm>. Acesso em: 05 nov. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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medo da violência e da sensação de insegurança“, e é nessas circunstâncias em

que vivemos atualmente, independente de classe social, sexo ou gênero.

De acordo com reportagem da Revista Trip, os assassinatos aumentaram

20% no primeiro semestre de 2012 na cidade de São Paulo, onde houve uma onda

histórica de crimes no fim do mesmo ano.4 “Isso abre espaço para medidas radicais

de vigilância e para a febre dos condomínios fechados de alto padrão, com interiores

monitorados, muros intransponíveis e seguranças com botões de pânico” 5. A

tendência de a população optar por se excluir, se isolar do “outro” tem como causa

diversos fatores, entre eles, o medo, a repulsa do desconhecido e a forte sensação

de insegurança na modernidade.

A distância social é marcada de várias maneiras. Ela pode ser criada materialmente através do uso de grades, que ajudam a marcar uma casa própria como algo claramente distinto de cortiços e favelas. O uso de cerceamento ainda oferece o sentimento de proteção, crucial em tempos de medo do crime. Mas concepções depreciativas dos pobres também cumprem a função de criar distanciamento social: elas formam uma espécie de cerca simbólica que tanto marca fronteiras quanto encerra uma categoria e, portanto, previne as perigosas misturas de categorias (CALDEIRA, 2011, p. 70).

“Essas regras [que organizam o espaço urbano] variam cultural e

historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida pública e indicam como

os grupos sociais se inter-relacionam no espaço da cidade” (CALDEIRA, 2011, p.

211).

Na modernidade, a partir das invenções do telefone, televisão e internet,

podemos nos comunicar e obter informações sem estarmos concentrados em um

único ambiente, ao mesmo tempo em que com o incremento dos meios de

transporte, podemos estar onde quisermos rapidamente. Conforme o autor Philippe

Panerai (2006, p. 23), essa “dispersão da cidade pelo território, a apologia da baixa

densidade e da autonomia da moradia, liberada de suas amarras graças ao

automóvel e ao telefone” se chama Broadacre city.

4 REVISTA TRIP. O medo mora dentro. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/revista/218/reportagens/o-medo-mora-dentro.html>. Acesso em: 02 mar. 2013. 5 REVISTA TRIP. O medo mora dentro. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/revista/218/reportagens/o-medo-mora-dentro.html>. Acesso em: 02 mar. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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No entanto, ao mesmo tempo em que abandonamos o espaço urbano central,

estamos abandonando qualidade de vida. Já em 1970, na obra “A Revolução

Urbana”, o filósofo e sociólogo Henri Lefebvre (1999, p. 29) anteviu: “aproxima-se o

dia em que será preciso limitar os direitos e poderes do automóvel, não sem

dificuldades e destruições”, alegando que o abandono da cidade e a invasão e

dependência do carro destroem a vida social e urbana, fazendo do estacionamento

uma obsessão e da circulação uma prioridade.

A segregação das novas elites globais; seu afastamento dos compromissos que tinham com o populus do local no passado; a distância crescente entre os espaços onde vivem os separatistas e o espaço onde habitam os que foram deixados para trás; estas são provavelmente as mais significativas das tendências sociais, culturais e políticas associadas à passagem da fase sólida para a fase líquida da modernidade (BAUMAN, 2009, p. 28).

Para o sociólogo Zygmunt Bauman (2009, p. 46), é possível que o impulso

para um ambiente homogêneo, territorialmente isolado, tenha origem na “mixofobia”,

que é justamente o medo de se misturar com o “outro”. Sendo assim, ocorre essa

autosegregação, decorrente da individualização moderna e quebra nas relações

sociais, que acaba gerando impactos na sociedade. Para Souza (2008, p. 73),

A autosegregação é uma solução escapista. Representa uma fuga e não um enfrentamento, muito menos um enfrentamento construtivo. Como tal, não passa de uma pseudosolução. Se, de uma parte, os “condomínios fechados” prometem solucionar os problemas de segurança de indivíduos e famílias de classe média ou da elite, de outra deixam intactas as causas da violência e da insegurança que os nutrem. Pior: no longo prazo, colaboram para deteriorar a qualidade de vida, a civilidade e as condições de exercício da própria cidadania na cidade, sob determinados aspectos.

De acordo com Caldeira (2011, p. 211), em São Paulo, e possivelmente nas

grandes metrópoles do país, houve basicamente três formas de segregação social

no século XX. Até meados de 1940, as cidades eram concentradas e heterogêneas,

onde os grupos sociais dividiam uma mesma área urbana reduzida e se

diferenciavam através dos tipos de moradia. Entre 1940 e 1980, na forma urbana

denominada pela autora de centro-periferia, “as classes média e alta concentram-se

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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nos bairros centrais com boa infraestrutura, e os pobres vivem nas precárias e

distantes periferias”.

Em suma, o crescimento da pobreza, combinado com melhores condições e terrenos mais valorizados na periferia, expulsou os mais pobres para os limites da cidade ou para outros municípios da região metropolitana, tornou a autoconstrução mais difícil e forçou uma considerável parcela da população mais pobre a viver em favelas ou cortiços (CALDEIRA, 2011, p. 240).

A partir dos anos 1980, ocorre uma mudança nas cidades e em suas regiões

metropolitanas, “as transformações recentes estão gerando espaços nos quais os

diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão separados por

muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular em áreas comuns”

(CALDEIRA, 2011, p. 211).

Essa maior heterogeneidade na distribuição de renda é uma característica das novas áreas de expansão da cidade e da região metropolitana, onde os empreendimentos imobiliários para pessoas com rendas mais altas estão localizados em regiões que eram pobres e parcamente habitadas, e onde os apartamentos para as classes altas são construídos ao lado de imensas favelas (CALDEIRA, 2011, p. 247).

Essa situação é constantemente comparada ao conceito de “medievalização”,

onde os cidadãos transformam suas residências em fortalezas para impedir uma

possível invasão inimiga. Caldeira chama o principal instrumento desse novo padrão

de segregação de “enclaves fortificados”:

Os enclaves fortificados são espaços privatizados, fechados e monitorados, destinados à residência, lazer, trabalho e consumo. Podem ser shopping centers, conjuntos comerciais e empresariais, ou condomínios residenciais. Eles atraem aqueles que temem a heterogeneidade social dos bairros urbanos mais antigos e preferem abandoná-los para os pobres, os “marginais”, os sem-teto. Por serem espaços fechados cujo acesso é controlado privadamente, ainda que tenham uso coletivo e semipúblico, eles transformam profundamente o caráter do espaço público (grifo nosso) (CALDEIRA, 2011, p. 11-12).

“Aqueles que escolhem habitar esses espaços valorizam viver entre pessoas

seletas (ou seja, do mesmo grupo social) e longe das interações indesejadas,

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movimento, heterogeneidade, perigo e imprevisibilidade das ruas” (CALDEIRA,

2011, p. 259). Sendo assim, nesse contexto, “os moradores não mostram tolerância

em relação a pessoas de diferentes grupos sociais nem interesse em encontrar

soluções comuns para seus problemas urbanos” (CALDEIRA, 2011, p. 255).

Em vez disso, eles adotam técnicas cada vez mais sofisticadas de distanciamento e divisão social. Assim os enclaves fortificados - prédios se apartamentos, condomínios fechados, conjuntos de escritórios ou shopping centers - constituem o cerne de uma nova maneira de organizar a segregação, a discriminação social e a reestruturação econômica em São Paulo. Diferentes classes sociais vivem mais próximas umas das outras em algumas áreas, mas são mantidas separadas por barreiras físicas e sistemas de identificação e controle (CALDEIRA, 2011, p. 255).

Muito do que foi construído após a 2ª Guerra Mundial, consistia em torres e

habitações isoladas, bem como blocos intermináveis de casas individuais. Esse

moderno desenvolvimento urbano destruiu grande parte do nosso património

urbano, arruinando comunidades estabelecidas, descolando pessoas de suas casas

e empresas, ocasionando o aumento da segregação social, a diminuição da esfera

pública, bem como prejudicando o meio ambiente.6

O final dos anos 1960 e início dos anos 1970 marcou ainda outro nível de

incerteza. O fator medo certamente tem crescido ao longo das últimas décadas, se

medido por carros e casas que atualmente estão sempre trancados, sistemas de

segurança, a popularidade de condomínios fechados, a aquisição de armas de fogo,

bem como o aumento da vigilância dos espaços públicos, e ainda os relatórios

intermináveis de perigo emitidos pelos meios de comunicação de massa.

No universo do crime, as barreiras estão enraizadas não apenas nos discursos, mas também materialmente nos muros da cidade, nas residências de pessoas de todas as classes sociais e nas tecnologias de segurança. Preconceitos e derrogações não apenas são verbais, mas se reproduzem em rituais de suspeita e investigação nas entradas de edifícios públicos e privados (CALDEIRA, 2011, p. 44).

Algumas das razões para o nosso aumento da sensação de insegurança

incluem, portanto, uma aceleração na taxa de mudança em nossas vidas, bem como 6 ELLIN, Nan. Fear and City Building. The Hedgehog Review, Charlottesville, v.5, n.3, p. 43-61, mar.2003.

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o declínio do espaço público, o crescente fosso entre os ricos e os pobres e o

aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos.7

A violência e o medo combinam-se a processos de mudança social nas cidades contemporâneas, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação social. Nas três ultimas décadas, diferentes grupos sociais, especialmente das classes mais altas, têm usado o medo da violência e do crime para justificar tanto novas tecnologias de exclusão social quanto sua retirada dos bairros tradicionais das cidades (CALDEIRA, 2011, p. 9).

De acordo com Souza (2008, p. 153), podem-se dividir os espaços

fragmentados em três grupos. Os “espaços por excelência da autosegregação”, que

seriam os condomínios fechados, bem como os loteamentos urbanos, utilizados

pelos moradores de classes mais abastadas. Esses espaços “simbolizam o 'possuir-

mais-que direitos' e, mesmo, o 'estar-acima-da-lei”, que podemos encontrar na

famosa frase utilizada pelo Roberto Damatta, 'você sabe com quem está falando?'.

Já os “espaços por excelência da segregação induzida” englobam as favelas e

prisões, simbolizando “o ‘não-ter-reconhecidos-certos-direitos’, o ser ‘subcidadão’ ou

‘cidadão de segunda classe’”. Por fim, os espaços públicos, que “simbolizam, com a

sua 'anemia', a expansão da heteronomia e o enfraquecimento da democracia no

quotidiano”.

Os espaços públicos são espaços “de todos”, no sentido de serem, teoricamente, acessíveis a todos os cidadãos; contudo, mesmo sob o regime democrático-representativo um logradouro público pode ser alvo de uma “privatização branca”, ao passo que, por exemplo, uma ocupação de sem-teto pode se mostrar, a despeito de um certo grau de “fechamento” (para fins de proteção), ao mesmo tempo bastante aberta para o exterior e internamente dotada de uma cena pública dinâmica e democrática (SOUZA, 2008, p. 82).

Segundo Bauman (2009, p. 42), “A intenção desses espaços vetados é

claramente dividir, segregar, excluir, e não criar pontes, convivências agradáveis e

locais de encontro, facilitar as comunicações e reunir os habitantes da cidade”.

7 ELLIN, Nan. Fear and City Building. The Hedgehog Review, Charlottesville, v.5, n.3, p. 43-61, mar.2003.

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A segregação, observada no atual contexto, diferencia-se daquela do período histórico anterior pela criação de novas formas de distanciamento e de divisão entre segmentos sociais, por meio das barreiras físicas (muros, grades) e com espaços residenciais e comerciais exclusivos e, ainda, pela privatização de espaços públicos e por sistemas de identificação e controle nos condomínios fechados, que exacerbam o isolamento de classe.8

Nesse sentido, o uso do solo e a forma de ocupação das cidades

acompanham e estão intimamente relacionados às relações sociais, bem como ao

pensamento característico da época em que vivemos, que atualmente é regida por

um medo obsessivo, por conta do aumento da criminalidade nos grandes centros

urbanos.

Hoje temos a disposição um maior número de artifícios para nos proteger do

que tínhamos outrora, no entanto, o sentimento de insegurança é crescente.

Ao contrário da evidência objetiva, são as pessoas que vivem no maior conforto já registrado, mais mimadas e acarinhadas do que qualquer outro povo na história, que se sentem mais ameaçadas, inseguras e amedrontadas, mais inclinadas ao pânico e mais apaixonadas por tudo aquilo que se refira à segurança e proteção do que os povos da maioria das sociedades do passado e do presente (BAUMAN, 2006, p. 169).

Como bem exposto em artigo do periódico britânico The Guardian,

“essa exclusão voluntária é espelhada pelo isolamento involuntário da sociedade

daqueles que estão presos nos guetos de pessoas socialmente excluídas”, logo,

“não são portões que devemos construir, mas pontes” (tradução nossa).9

3 OS CONDOMÍNIOS FECHADOS

Os condomínios fechados surgiram na década de 70, assim como o

fenômeno de segregação e fragmentação, com o principal intuito de promover mais

8 POLLI, Simone Aparecida. Curitiba, Metrópole Corporativa. Fronteiras da Desigualdade. 178 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 86. 9 THE GUARDIAN. No Refuge from reality. Disponível em:

<http://www.guardian.co.uk/politics/2002/dec/02/ukcrime.housing>. Acesso em: 02 mar. 2013. “It is

not gates we need to build, but bridges”.

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qualidade de vida a seus moradores, já que se localizavam afastados do caos

urbano. “Enquanto os condomínios dos anos 70 eram basicamente prédios de

apartamentos, nos anos 90 eles podem ser de dois tipos: vertical ou horizontal”

(CALDEIRA, 2011, p. 260).

Esse tipo de empreendimento imobiliário foi estimulado pelo novo zoneamento, que permitia que os prédios excedessem os coeficientes de aproveitamento em algumas áreas se diminuíssem a taxa de ocupação e criassem áreas verdes e equipamentos para uso coletivo (CALDEIRA, 2011, p. 227).

O que inicialmente era usufruído apenas pela classe alta, atualmente vem

sendo alvo também da classe média, o que pode ser identificado no filme brasileiro

“O Som ao Redor” 10, que nos permite perceber que independente do quanto nos

enclausuramos em moradias muradas, o som externo, da rua, de cachorros latindo,

de obras em andamento não pode ser mascarado.

No entanto, 40 anos depois, o maior apelo desses empreendimentos é a

segurança; os condomínios são uma resposta ao aumento do medo da criminalidade

e violência nas grandes metrópoles. Porém, seus moradores vivem uma ilusão, já

que a segurança não é garantida pelas parafernálias instaladas para este fim.

As soluções disponíveis criam (por assim dizer) o problema que pretendem resolver: os construtores de gated communities, ou de condomínios estritamente vigiados, e os arquitetos dos espaços vedados criam, reproduzem e intensificam a necessidade, e portanto a demanda, que, ao contrário, afirmam satisfazer (BAUMAN, 2009, p. 49).

Para Souza, a intensificação da autosegregação com a proliferação dos

chamados “condomínios exclusivos” é um importante componente da fragmentação

do tecido sociopolítico-espacial (SOUZA, 2008, p. 69-70). “Os condomínios fechados

são a versão residencial de uma categoria mais ampla de novos empreendimentos

urbanos” (CALDEIRA, 2011, p. 258), que, como exposto anteriormente, Caldeira

10 O SOM AO REDOR. Direção: Kleber Mendonça Filho. Atores: Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Irma

Brown e outros. Brasil: CinemaScópio, 2012. 1 DVD (131 min), widescreen, color.

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chama de enclaves fortificados. Esses empreendimentos muitas vezes ocupam

vasta porção de terra, em locais inacessíveis, podendo ser comparados e causando

tanto impacto quanto “estações de triagem, aeroportos, campos militares, portos,

complexos industriais”, que são comumente mais extensos que os próprios centros

urbanos, de acordo com Panerai (2006, p. 45).

Os anúncios imobiliários prometem uma mudança no estilo de vida e diversos

outros benefícios aos moradores, principalmente segurança e comodidade.

Fazendo apelos à ecologia, saúde, ordem, lazer e, é claro, segurança, os anúncios apresentam os condomínios fechados como o oposto ao caos, poluição e perigos da cidade. Essas imagens são compartilhadas por aqueles que decidem deixar o centro para habitar os novos conjuntos, mesmo que sejam situados em áreas com infraestrutura precária e que requerem longas horas no trânsito (grifo nosso) (CALDEIRA, 2011, p. 266).

No entanto, apesar do maior motivo para que o cidadão opte pelos mesmos

ser o medo da violência, essa nova maneira de viver gera uma extrema segregação

espacial, aumentando assim a violência que tanto aflige tais usuários.11 Por

conseguinte, aumenta a preocupação com a violência e gastos com segurança. “No

Brasil, a corrida da classe média para os ‘abrigos’ reflete uma descrença no Estado,

que tem como atributo garantir a segurança”.12

Sendo assim, a classe mais abastada opta por se enclausurar em

condomínios fechados, que se assemelham aos guetos, com suas próprias leis,

onde só entra quem for permitido e onde há constante e constrangedora vigilância.

No entanto, “os guetos reais são lugares dos quais não se pode sair; o principal

propósito do gueto voluntário, ao contrário, é impedir a entrada de intrusos – os de

dentro podem sair à vontade” (BAUMAN, 2003, p. 106). “Os nossos guetos

voluntários são resultado da vontade de defender a própria segurança procurando

somente a companhia dos semelhantes e afastando os estrangeiros” (BAUMAN,

2009, p. 85). Todavia, eles acabam por esconder e negar a cidade.

11 HARDT, Alessandra R. Percepção e inserção de condomínios horizontais na cidade de Curitiba. In: Seminário de Iniciação Científica, 2009, Curitiba. Caderno de Resumos do XVII Seminário de Iniciação Científica. Curitiba: Champagnat, 2009. 12 REVISTA TRIP. O medo mora dentro. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/revista/218/reportagens/o-medo-mora-dentro.html>. Acesso em: 02 mar. 2013.

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“Desocupados” e pessoas “à espreita” são objeto de temor e ódio, e é à distância em relação a esses tipos, prometida pela guarda fortemente armada em constante ronda e pela densa rede de câmeras espiãs que torna as “comunidades cercadas” tão atraentes e procuradas e acaba por ser o ponto mais destacado pelos agentes imobiliários, acima de qualquer outro traço, em seus anúncios (BAUMAN, 2003, p. 53).

Esse aspecto de segregação pode ser claramente observado nos primeiros

minutos do filme mexicano “Zona do Crime”,13 em uma cena onde aparece um

condomínio fechado de alto padrão, com muros altos, cercas elétricas e

monitoramento e, em contraste a este cenário, uma imensa favela no lado de fora

dos muros. No entanto, todos os recursos de segurança não impedem uma invasão

seguida de furto e homicídio, tudo acompanhado de uma revolta dos moradores do

residencial, que resolvem “fazer justiça com as próprias mãos”, ignorando por

completo as leis do Estado vigentes.

Como afirma Caldeira (2011, p. 280), “quando os problemas são classificados

como internos a atitude de evitar interferências e publicidade parece prevalecer”.

Neste caso, ainda que o filme trate de uma ficção, percebemos ambas as situações

na realidade. Segundo Caldeira (2011, p. 98), ainda, “as pessoas ricas desfrutam do

privilégio de estar acima da lei e da sociedade porque sua posição social garante

que elas não serão punidas”.

Segundo reportagem do jornal Gazeta do Povo de 31 de maio de 2009,14

“estima-se que atualmente mais de um milhão de brasileiros esteja morando em

condomínios fechados e que na Grande Curitiba eles já são mais de duzentos”.

Existem ainda condomínios de menor porte, com apenas algumas casas, que muitas

vezes apresentam somente uma rua interna, sem área de lazer ou convívio social.

13 ZONA DO CRIME. Direção: Rodrigo Plá. Atores: Daniel Giménez Cacho, Maribel Verdú, Alan

Chávez e outros. México: Dreamland, 2007. 1 DVD (97 min), widescreen, color.

14 GAZETA DO POVO. Vida entre muros. Disponível em:

<http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/viverbem/conteudo.phtml?tl=1&id=891861&tit=Vida-entre-

muros> acesso 02 mar. 2013.

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Se somados os dois modelos chega-se a mais de quatro milhões de pessoas,

segundo Veja Online,15 ou seja, um décimo da classe média brasileira optou por

viver atrás de muros. Nos Estados Unidos, as gated communities, como são

denominados os condomínios fechados, são mais de vinte mil, tendo superado a

população de oito milhões de pessoas.

Uma gated community corresponde a um habitat nucleado e murado, por razões de segurança. Sob a influência do medo, do sentimento de insegurança que se dissemina, morar em casas isoladas e mesmo em prédios de apartamentos que não estejam protegidos pelo aparato de segurança de um verdadeiro “condomínio exclusivo” vai-se apresentando como uma opção cada vez menos atraente em favor do tipo de habitat apresentado por uma gated community. A organização espacial da cidade se vai, na esteira disso, modificando (SOUZA, 2008, p. 71-72).

4 CONSEQUÊNCIAS PARA A CIDADE

De acordo com o art. 2º da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979,

o parcelamento do solo urbano somente pode ser feito mediante loteamento ou

desmembramento16, logo o conceito de “condomínio horizontal fechado” é usado

como meio de propaganda para empreendimentos denominados pela Lei de

Zoneamento e Uso do Solo como “conjuntos habitacionais”.

Muitos dos “condomínios” atualmente existentes são, na realidade, falsos condomínios: são, no fundo, loteamentos fechados, coisa que afronta a Lei Federal 6.766/79, uma vez que um loteamento (caracterizado, diversamente de um verdadeiro condomínio, por possuir em seu interior logradouros públicos) não pode ser fechado (SOUZA, 2008, p. 75).

No loteamento existe a subdivisão da gleba em lotes destinados a edificações

e abertura de vias públicas. Porém o que ocorre nos condomínios fechados é a

divisão da gleba em unidades autônomas integrantes de um mesmo lote, sobre o

15 VEJA ONLINE. Viver em condomínio. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/150502/p_094.html>.

Acesso em: 02 mar. 2013.

16 BRASIL, Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 dez 1979.

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qual cada morador tem a fração ideal, porcentagem que determinada pessoa possui

em conjunto com outra. Neste caso, toda a infraestrutura é destinada somente aos

moradores dos condomínios, sem que haja a doação de área pública.

Os empresários ligados à produção de “condomínios” preferem a forma de loteamento porque, no caso de um verdadeiro condomínio horizontal (em cujo interior só existem vias de acesso que não constituem logradouros públicos), não há propriamente lotes individualizados, mas sim apenas um grande lote cujos proprietários possuem, além de suas casas, “frações ideais” do mesmo, ao passo que no caso de um “pseudocondomínio” “'loteamento fechado”) as parcelas do terreno são vendidas individualmente a cada proprietário, que constrói a sua casa e utiliza o seu lote ao seu gosto e como lhe aprouver (respeitadas, eventualmente, algumas regras municipais ou mesmo do “condomínio”, amiúde muito gerais) (SOUZA, 2008, p. 75).

Devido a essa lacuna na Lei Federal nº 6.766/79 em relação à

regulamentação dos condomínios fechados, o quê se vê é a descaracterização da

cidade, onde deveria existir a interação entre espaços públicos e privados. Assim,

crescem as desigualdades e contrastes sociais, evidenciando através de muros e

cercas ainda mais a situação do nosso país. Muitos deles estão localizados em

regiões distantes, onde a disponibilidade de terra é maior. Nesses locais é ainda

mais perceptível a diferença socioeconômica do entorno dos empreendimentos,

carecidos até mesmo de infraestrutura básica e pavimentação das vias.

A referida segmentação reduz a mobilidade espacial intraurbana – tanto de pobres (por exemplo, quando os moradores de uma determinada favela territorializada por uma quadrilha ligada a uma certa “facção” do tráfico de drogas de varejo se veem desencorajados ou impedidos de visitar amigos ou parentes que moram em outra favela, controlada por uma “facção” rival) quanto da classe média (que vai deixando de frequentar vários espaços, por medo da violência). Com isso, exclusões e auto exclusões são criadas e reforçadas (SOUZA, 2008, p. 59).

A despeito da enorme propaganda em relação à proximidade desse tipo de

empreendimento com a natureza, não raras vezes eles são uma ameaça ao próprio

meio ambiente, tendo em vista que “o avanço sobre as áreas periféricas remove a

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cobertura vegetal natural e expande as fronteiras do espaço habitável, levando

asfalto, rede elétrica e grama onde antes havia cerrado ou mata atlântica”.17

Outro grande problema dos condomínios é o descaso por parte dos

empreendedores quanto ao sistema viário existente, criando uma descontinuidade

nas ruas, dificultando a fluidez no tráfego de veículos e pedestres. Não por acaso, o

transporte público e o sistema viário foram importantes pautas das reinvindicações

nas manifestações populares de junho deste ano. Ainda, além da existência de

extensos muros e cercas, que muitas vezes obstruem possíveis vias, o desenho da

malha viária interna normalmente não segue o padrão das vias públicas.

O fato de os condomínios fechados estarem normalmente localizados

distantes dos centros urbanos faz com que a mobilidade no entorno seja dificultada.

A princípio os moradores de classe alta que lá residem possuem veículos que lhes

permitem essa mobilidade a qualquer hora do dia. No entanto, a distância e a

escassez de transporte público dificulta o trânsito dos empregados. Ainda, algo

construído com o intuído de proteção protege poucos, mas deixa, por outro lado,

muitos vulneráveis a assaltos e à ação de criminosos.

Ademais, o pedestre é comumente ignorado no momento de planejamento

desses empreendimentos. A localização é muitas vezes um fator de risco para

quem transita no seu entorno. A iluminação pública e infraestrutura são precárias,

existe pouco trânsito de pessoas, pouco comércio e serviços.

Os carros trafegam em alta velocidade, restringindo ainda mais o pouco espaço de

calçada que é reservado ao pedestre. Ou seja, esses enclaves que têm por objetivo

garantir a segurança de seus moradores, ao mesmo tempo põem em risco a vida

dos transeuntes do seu entorno.

Somado a esses fatores, os altos muros que circundam essas ruas fazem

com que essas regiões estejam comumente desertas, sem vida pública, atraindo

marginais e criminosos, que veem esses locais como alvos fáceis de atuação.

17 REVISTA FÓRUM. Exclusão pela distância e a negação da cidade. Disponível em: <http://revistaforum.com.br/blog/2013/08/exclusao-pela-distancia-e-a-negacao-da-cidade/>. Acesso em: 01 set. 2013.

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Tanto a formação de enclaves territoriais criminosos, quanto a proliferação de “condomínios exclusivos” vão enfraquecendo a vida pública no quotidiano, seja elas interdições diretas de acesso e locomoção, seja pelo medo de frequentar certos locais em certos horários e sob certas circunstâncias, seja, ainda, pelo temor ou pela impossibilidade de expressar livremente opiniões e associar-se livremente. Espaços públicos vão sendo, por causa do medo, ou “abandonados” ou, então, “cercados” e “monitorados”, o que tampouco favorece uma vida pública livre, densa e espontânea (grifo nosso) (SOUZA, 2008, p. 85).

Juntamente com os condomínios fechados, que surgiram na década de 70,

“uns poucos incorporadores começaram a construir algo semelhante às new towns e

edge cities americanas, isto é, áreas suburbanas que combinam empreendimentos

residenciais com centros comerciais e espaço para escritórios” (CALDEIRA, 2011, p.

263).

Nesse sentido, os minibairros estão em alta na cidade de São Paulo, de

acordo com recente reportagem da Folha de São Paulo,18 em que se afirma que

“empreendimentos assim são a nova tendência urbanística e aposta de grandes

construtoras para os próximos anos”.

Esses minibairros são formados por grandes áreas arrematadas pelas construtoras. Seus projetos prometem unir numa mesma região torres residenciais, comerciais, empresariais e hotéis no entorno de uma área verde pública, sem ter grades ou muros. Apenas os condomínios dentro deles são fechados, como outro prédio qualquer, mas com ruas de uso público.19

Os referidos empreendimentos devem se enquadrar nas regras das

operações urbanas da prefeitura, no entanto, conforme reportagem, alguns

lançamentos sofrem com problemas de congestionamento, falta de transporte

público, enchentes, em suma, os problemas enfrentados por regiões de grandes

18 FOLHA DE SÃO PAULO. Com áreas públicas e privadas, minibairro vira moda em SP. Disponível

em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1243846-com-areas-publica-e-privada-minibairro-vira-

moda-em-sp.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2013.

19 FOLHA DE SÃO PAULO. Com áreas públicas e privadas, minibairro vira moda em SP. Disponível

em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1243846-com-areas-publica-e-privada-minibairro-vira-

moda-em-sp.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2013.

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condomínios fechados. Para a correta implantação desse novo conceito, faz-se

necessário um enorme planejamento urbanístico e ambiental, assim os seus

usuários podem usufruir da comodidade de ter o local de trabalho, lazer e moradia

próximos, sem precisar atravessar a cidade todos os dias ou fazer uso do

automóvel.

Esse tipo de empreendimento tem alta procura, enquanto edifícios

exclusivamente residenciais estão caindo em desuso. No entanto, existe uma

grande contradição nessa situação. Ainda que as pessoas optem por residenciais

com inúmeros diferenciais de lazer, esses espaços são parcamente utilizados.

Segundo Caldeira (2011, p. 268),

O pouco uso das áreas comuns poderia também indicar que a presença de todas essas instalações – algumas delas bastante luxuosas – é mais uma marca de status do que uma condição necessária para uma vida cotidiana mais gratificante. Em outras palavras, essas instalações parecem ter a ver mais com ostentação do que com um novo padrão de sociabilidade entre vizinhos ou com novos conceitos de vida privada. Só as crianças parecem desenvolver sua sociabilidade nos condomínios, mas mesmo isso parece não sobreviver depois que elas desenvolvem outras relações em suas escolas particulares ou nos clubes que as famílias não deixam de frequentar. (grifo nosso)

Sendo assim, existem alguns resultados ambíguos com relação à escolha de

se isolar nos chamados “enclaves fortificados”.

As rejeições e ambiguidades ocorrem especialmente em relação a três pontos sobre os quais os enclaves fortificados operam as transformações mais profundas: avaliações sobre moradias coletivas em oposição às casas isoladas; sobre as áreas centrais e bem urbanizadas da cidade em contraste com as áreas distantes; sobre residências fechadas versus residências abertas (CALDEIRA, 2011, p. 284).

Primeiramente, ainda que as classes altas e médias optem por apartamentos

ou condomínios horizontais como forma de moradia em detrimento de casas

isoladas, não existe interação entre os moradores desses residenciais.

O “pseudocondomínio”, muito mais que o verdadeiro condomínio horizontal, combina com a mentalidade individualista das classes médias contemporâneas. O referencial “comunitário”, bastante utilizado na publicidade de “condomínios” no Brasil, é, assim, assaz enganador e contraditório (SOUZA, 2008, p. 75).

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Em segundo lugar, observa-se que os moradores preferem morar em

condomínios afastados dos centros urbanos, mesmo que para isso precisem ficar

mais tempo no trânsito e estejam afastados da maior parte dos serviços e

comércios.

Por último, tem-se a contradição de se viver em um lugar enclausurado

sentindo-se livre ao mesmo tempo. Segundo Caldeira (2011, p. 291), “a necessidade

de cercar e fechar afetou moradores pobres e ricos e transformou sua maneira de

viver e a qualidade das interações públicas na cidade”.

Na contramão dessa tendência, a cidade colombiana Medellín, premiada

neste ano como “cidade mais inovadora do mundo” pela Urban Land Institute20,

começou a sofrer em 200421 diversas transformações especificamente na área de

planejamento urbano para se tornar modelo de cidade sustentável no mundo. A

estratégia da prefeitura desta que é a segunda maior cidade da Colômbia foi

bastante simples.

O poder público entendeu que a participação da população na construção de

uma nova cidade era essencial, ao contrário do que temos visto em termos de

segregação no Brasil.

O foco está nos bairros mais pobres e mais isolados. Novas construções em larga escala de escolas, bibliotecas, espaços verdes, espaços culturais e centros de conhecimento têm contribuído para a redução da criminalidade e do desemprego e para a melhora da qualidade de vida na cidade.22

Nesse sentido setores pobres da cidade foram recuperados, violência e

criminalidade diminuíram drasticamente, aumentou-se o número de espaços

públicos e, o mais importante, houve a integração de pessoas de diferentes classes

20 URBAN LAND INSTITUTE. Medellín voted city of the year. Disponível em: < http://www.uli.org/urban-land-magazine/medellin-named-most-innovative-city/>. Acesso em 24 set. 2013. 21 PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS. Medellín, inovação em planejamento e infraestrutura urbana. Disponível em: <http://www.cidadessustentaveis.org.br/boas-praticas/medellin-inovacao-em-planejamento-e-infraestrutura-urbana>. Acesso em: 24 set. 2013. 22 PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS. Medellín, inovação em planejamento e infraestrutura

urbana. Disponível em: <http://www.cidadessustentaveis.org.br/boas-praticas/medellin-inovacao-em-

planejamento-e-infraestrutura-urbana>. Acesso em: 24 set. 2013.

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sociais atuando pelo bem comum. Como resultado, Medellín passou de uma das

mais perigosas cidades do mundo em 1992, para cidade mais inovadora em 2013.

Dessa forma, percebe-se que a melhor forma de combater a violência e, por

conseguinte, eliminar o medo incessante que a sociedade mantém do “outro”, seria

justamente o oposto, a difusão de espaços públicos em que a comunidade interaja e

passe a conhecer melhor uns aos outros.

De um ponto de vista político-pedagógico, pode-se afirmar que os “condomínios exclusivos” ameaçam o fortalecimento de valores de civilidade e solidariedade cidadã, uma vez que são ambientes de socialização que, a um só tempo, pressupõem e reforçam um descompromisso para com a cidade como um todo. Reforçam porque, implicando um empobrecimento adicional da vivência da cidade e da experiência do contato com o Outro (entendido esse Outro como o favelado, o morador de rua, o suburbano...), o enclausuramento voluntário só pode terminar por reforçar preconceitos, na esteira da ignorância e do medo. O espaço urbano também educa – ou “deseduca”. No caso dos condomínios, educa não para a liberdade, para o diálogo, para o respeito à diferença, para a solidariedade, mas sim para o ódio de classe (não raro amalgamado com o ódio racial), para o elitismo arrogante, para o temor e o desinteresse (e o desrespeito) em face dos diferentes (grifo nosso) (SOUZA, 2008, p. 74).

Para Souza (2008, p. 55), “é em cidades sociopolítico-espacialmente

fragmentadas que o medo generalizado prospera e se sente em casa”.

5 DIREITO À CIDADE

Atualmente, a cidade em sua totalidade acaba não sendo usufruída por todos

os cidadãos, mas tão somente pelos que têm como pagar por melhores condições

de moradia e lazer. Esses grandes empreendimentos causam extrema segregação

espacial, afastando os indesejáveis para as periferias e regiões não urbanizadas.

Todos têm os mesmos direitos, de usufruir de uma cidade democrática, com

planejamento urbano adequado e sem segregação espacial, em suma, todos tem o

direito à cidade.

Como afirma Lefebvre (2008, p. 13), “em sua plenitude, o direito à cidade é

um movimento em direção à constituição de uma democracia concreta, que implica

a constituição ou reconstituição de uma unidade espaço-temporal”. Ainda, com

relação à exclusão de determinados grupos, completa que:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Excluir do urbano grupos, classes, indivíduos implica também excluí-los da civilização, até mesmo da sociedade. O direito à cidade legitima a recusa de se deixar afastar da realidade urbana por uma organização discriminatória, segregadora (LEFEBVRE, 2008, p. 32).

O direito à cidade pressupõe a reintegração desses grupos excluídos à

sociedade, o controle dessa fragmentação causada por grandes empreendimentos e

o retorno ao uso das áreas públicas de lazer, equipamentos urbanos, parques e

praças. Assim sendo, a cidade se torna mais inclusiva, o convívio com os outros é

estimulado e o medo generalizado vai aos poucos sendo combatido. “O direito à

cidade significa, portanto, a constituição ou reconstituição de uma unidade espaço-

temporal, de uma reunião, no lugar de uma fragmentação” (LEFEBVRE, 2008, p.

32).

Ele está implícito no direito à liberdade, direito de ir e vir, direito ao lazer,

moradia, entre outros, o que é muitas vezes tolhido das pessoas de menor poder

aquisitivo. Sendo assim, “o desenvolvimento da sociedade só pode ser concebido na

vida urbana, pela realização da sociedade urbana” (LEFEBVRE, 2006, p. 141).

No caso dos pseudocondomínios, o fato de se interditar (ou dificultar) o acesso a logradouros públicos acarreta a agressão a uma série de direitos formalmente integrantes do arcabouço constitucional de praticamente qualquer 'democracia' representativa da atualidade: o direito de ir e vir, o direito de intimidade, o direito de reunião. Não é fato novo a distância entre certos direitos formais dos cidadãos das 'democracias' contemporâneas e a realidade efetiva da possibilidade maior ou menor da fruição desses direitos por parte dos indivíduos e grupos, dependendo de sua renda e outras características (SOUZA, 2008, p. 76-77).

Em julho do presente ano23 presenciamos o movimento nas ruas de todo o

Brasil, de cidadãos de diversas classes sociais e idades, protestando por melhorias

nos serviços públicos, transporte coletivo, sistema político, entre outros, como há

muito tempo não havíamos visto. Percebe-se nesses movimentos que muito do que

se reivindicava tem relação direta com os direitos essenciais relativos à cidade,

23 AGÊNCIA BRASIL. Desigualdade social foi estopim para manifestações no Brasil, diz Fórum Econômico Mundial. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-09-03/desigualdade-social-foi-estopim-para-manifestacoes-no-brasil-diz-forum-economico-mundial> Acesso em: 01 out. 2013.

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36

sendo o direito ao transporte público digno e com preço razoável, o principal desses

pedidos.

[...] a terra está na raiz de todo esse processo de exclusão que vamos desmontando a duras penas, entre balas de borracha e gás lacrimogêneo como nos dias 13 e 17 de junho de 2013. Isso porque a revolução do passe livre seria um passo importantíssimo para desmontar ou ao menos amenizar a lógica perversa da exclusão espacial. Com transporte público gratuito ou verdadeiramente subsidiado, a balança do preço da terra iria se mover fortemente para o lado da periferia. (grifo nosso).24

Percebe-se, portanto, que foram principalmente as desigualdades sociais do

Brasil que culminaram nessas manifestações históricas. Cada cidadão se sentiu a

vontade de ir para as ruas protestar por diferenciados problemas, relativos à política,

planejamento urbano, moradia, saúde e, acima de tudo, problemas sociais e

coletivos. Quanto mais a sociedade se une com propósitos comuns, mais conquistas

existirão, principalmente no que tange ao direito à cidade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou analisar como os condomínios fechados, que são

muito procurados por usuários em busca de maior segurança e comodidade, se

comportam na malha urbana. Atualmente é enorme o sentimento de insegurança

entre a população, já que há a descrença nas autoridades públicas para a resolução

de conflitos e elaboração de métodos preventivos de combate ao crime. Assim

passamos a nos isolar em locais de difícil acesso, com uma enormidade de aparatos

de segurança, restringindo ao máximo o contato com estranhos.

Essa segregação espacial e social fomenta ainda mais a criminalidade e as

desigualdades sociais, eis que os espaços públicos se tornam desertos e os

espaços privados não mais interagem com a rua. Logo, a partir do medo exacerbado

da violência urbana, ocorre o aumento de empreendimentos chamados por Tersa

Caldeira de “enclaves fortificados”, em que somente os iguais são bem vindos.

24 REVISTA FÓRUM. Exclusão pela distância e a negação da cidade. Disponível em:

<http://revistaforum.com.br/blog/2013/08/exclusao-pela-distancia-e-a-negacao-da-cidade/>. Acesso

em: 01 set. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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No entanto, percebe-se que esse tipo de empreendimento causa a ruptura da

malha urbana, a diminuição das interações públicas e a negação e anemia da

cidade. Assim sendo, a sociedade restringiu o contato com diferentes pessoas e

culturas, se limitando aos espaços privados ou coletivos, porém controlados.

Nota-se, portanto, que essa tendência acaba por fomentar um circulo vicioso

em que quanto mais as pessoas se isolam em ambientes particulares, excluindo o

resto da cidade, aumenta a criminalidade e, por conseguinte, maior a sensação de

vulnerabilidade e insegurança.

Nessa seara, o condomínio horizontal fechado é um importante elemento de

fragmentação da malha urbana e da segregação social que assola as cidades

brasileiras. Porém, com forte apelo de venda, principalmente no intuito de garantir

comodidade, segurança, proximidade à natureza e estilo de vida diferenciado, eles

são muito procurados pelas classes média e alta. Normalmente são equipados com

grades, muros altos e forte monitoramento de vigilância e, ao mesmo tempo em que

supostamente garantem maior segurança aos condôminos, acabam por restringir a

liberdade e autonomia dos mesmos, assemelhando-se a instituições totais, como as

prisões e guetos involuntários.

Todavia, no Estado de bem estar social, a partir da Constituição Federal de

1988, todos deveriam ter o direito à cidade garantido, ou seja, a garantia de moradia,

saúde, infraestrutura, lazer, educação, trabalho e cultura. Constatou-se, porém, que

essa forma de moradia compromete valores de cidadania e civilidade. Ainda que

muito procurado por seus usuários, o condomínio horizontal fechado não está

previsto em lei, o que dificulta ainda mais a sua correta implantação. Assim, vimos

que vários problemas surgem a partir do seu mau planejamento, como a

descaracterização da cidade, problemas ambientais, descontinuidade do sistema

viário e dificuldade de mobilidade no seu entorno.

Além dessas dificuldades, constatou-se que a despeito de toda a parafernália

instalada, a criminalidade não parece diminuir e a sensação de insegurança acaba

aumentando. Logo, esse ato de isolamento e auto enclausuramento acaba por

aumentar os contrastes sociais, a anemia dos centros urbanos e consequentemente

a criminalidade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

38

Conclui-se que os impactos socioeconômicos, ambientais e urbanos

causados pelos condomínios fechados são enormes. Logo, faz-se necessária a

elaboração de lei específica aos mesmos, garantindo a interação entre os espaços

públicos e privados; e de parâmetros específicos de construção, já existentes para

as outras tipologias de uso, que não neguem o resto da cidade.

Observou-se, por fim, que a insegurança nos centros urbanos é fomentada

por atitudes segregadoras e individualistas, não sendo esse o caminho para a

erradicação da criminalidade e violência que assola as cidades brasileiras. A

exemplo da cidade colombiana Medellín, deve-se unir esforços da população no

intuito de combater a violência e criminalidade exacerbados, estimular a vida nos

ambientes públicos, implementar corretamente empreendimentos de grande porte e

estimular valores de cidadania, educação e cultura.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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EXERCENDO O DIREITO REGRESSIVO NA IMPORTAÇÃO E

EXPORTAÇÃO

WORKING THE REGRESSIVE LAW IN TRADE COMERCE

Avelino Pinto Nogueira Júnior1

Felipe Hasson2

1 Bacharelando do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba, Comissário de Avarias nº 264. 2 Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, e mestrado em Direito - Faculdades

Integradas do Brasil. Pós-Graduação em Ciências Sociais - Universiteit Van Amsterdam. Doutorando

em Direito Civil pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Mediação e Arbitragem e Direito

Internacional Privado do UniCuritiba. Professor de Direito Internacional Privado, Meios Adequados de

Resolução de Conflitos e Direito Econômico da Universidade Tuiuti do Paraná. Árbitro integrante da

lista de árbitros da ARBITAC-PR e da CAM-FIEP. Advogado Sênior - Hasson Advogados, com

experiência na área de Direito Privado, com ênfase em Arbitragem, Direito Civil, Direito do

Consumidor e Direito Empresarial.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Cenário Contextual. 3. Dos Sujeitos Envolvidos e Suas Atividades.

4. Das Operações. 5. Dos Prejuízos. 6. Do Exercício do Direito Regressivo em

Função de Avarias. 7. Conclusão.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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RESUMO

O transporte internacional, principalmente o ramo marítimo, é o responsável pela

maior parte do fluxo de mercadorias que passam pelos portos brasileiros. A seu

turno, os Portos, Aeroportos e Estações Aduaneiras são a porta de entrada das

mercadorias importadas, sendo estes os principais cenários onde ocorrem as

atividades deste tipo de comércio. São nos Portos que os resultados das

transferências de responsabilidade, ocorrência de faltas e avarias são observadas e

podem ser mitigadas pelos envolvidos no negócio. Das ações, omissões e

negligência dos partícipes, surgirá a necessidade que medidas sejam levadas a

cabo para proteger os interesses envolvidos. Em alguns casos verificar-se-á a

construção de uma verdadeira cadeia de responsabilidades, desde o fabricante até o

último transportador, elevando a importância das medidas que visem proteger o

direito regressivo. Para que o exercício do direito de regresso possa ser exercido, os

operadores deverão estar em completa sintonia com as legislações nacionais e

internacionais, bem como de acordo com a doutrina majoritária e os usos e

costumes do comércio internacional.

Palavras chave: comércio internacional – transporte marítimo – avarias

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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ABSTRACT

The international transport, especially the maritime field, is resposible for the biggest

part of the goods that pass through the brazialian ports. Ports, airports and customs

stations are the gateway of imported goods. They are, therefore, the main scenario

where activities of this type of commerce takes place. The port is where transference

of responsibility, falts and damage can be observed and can be mitigated by the

ones involved in the business. From the actions, ommissions and negligences of the

parts involved, arises the necessity to assume the measures in order to protect the

interests of them. In some cases it can be verified the construction of a chain of

responsabilities, starting with the producer and ending with the last transport

company, making it more important to assume measures that protect the regressive

law. In order to put the regressive law into practise, the operations must be in a

complete sintony with the national and international legislations as well as in

accordance with the majority doctrine and also with the praxis and usage of the

international trade.

Keywords: international trade – shipping – damages

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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1 INTRODUÇÃO

Estudando o Direito das Relações Comerciais Internacionais, de maneira

focada a identificar as possíveis situações de manutenção do direito regressivo no

transporte marítimo, necessárias nos percalços surgidos no dia a dia do comércio

internacional, surge o desejo de conhecimento e perguntas de como se passou da

informalidade e se iniciou o comércio por via marítima, interligando continentes neste

tipo de relação jurídica, implicando, necessariamente, em desvendar as origens das

navegações e comércio dos habitantes da terra.

Nenhum país admitiria que teve sucesso em uma colonização tendo por base

um mapa roubado. O glamour de ser o portador da novidade, a fonte do

conhecimento, da descoberta, da invenção, e do consequente poder econômico

ligado a estes fatos, pode explicar, se não completamente, seguramente em parte, a

omissão de situações de relevância que, de per si, poderiam instigar uma pesquisa

aprofundada sobre origens e autorias envolvendo navegações e comércio.

Os autores ocidentais, em plena consonância com as políticas implementadas

no mundo europeu, relegaram a um terceiro plano culturas milenares, como a Persa,

a Egípcia e a Chinesa.

Estudando a cultura chinesa da época das descobertas, vê-se que detinham

tecnologia para construir boas embarcações, melhores que as lançadas ao mar

pelos espanhóis e portugueses, e podem ter sido os reais detentores das façanhas

como as descritas pelos navegadores medievais Italianos, espanhóis e portugueses

quando relatam os descobrimentos e viagens ao oriente.

Em 2009 o inglês Gavin Menzies publica seu livro: 1424 O ANO EM QUE A

CHINA DESCOBRIU O MUNDO, trazendo boa quantidade de novas informações,

produzidas por estudos levados a cabo em viagens ao redor do planeta, em alguns

casos com a colaboração de renomados estudiosos. Tanto as contribuições de

outros cientistas, como a qualidade da pesquisa, conferem credibilidade ao trabalho

(MENVIES, 2009).

Todavia, o que mais chama atenção na obra é a forma coerente como o autor

explica como os ibéricos tiveram acesso às rotas de navegação e puderam se fazer

ao mar, em embarcações extremamente rudimentares. Segundo o livro, o mapa de

Piri Reis teria sido comprado pelo rei de Portugal junto a comerciantes de Veneza.

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48

No último parágrafo da pg. 33 da obra de Gavin Menzies é fornecida uma

resposta à indagação de como foi possível, a tão incipientes navegantes, terem

obtido tamanho feito. Ele sarcasticamente descreve (MENZIES, 2009. P.33):

"Colombo, Vasco da Gama, Magalhães e Cook fariam mais tarde os mesmos "descobrimentos", mas todos eles sabiam que estavam seguindo as pegadas de outros, porquanto levavam consigo cópias de mapas chineses quando iniciaram suas próprias jornadas para o "desconhecido". Para usar mal uma famosa citação, diríamos: se puderam ver mais longe que os outros, isso aconteceu porque estavam de pé sobre ombros de gigantes."

Em uma atividade tão antiga pode-se dizer que a OMC, criada em 1994 como

sucessora do GAAT (Acordo Geral de Tarifas Alfandegárias e Comércio), com

entrada em funcionamento em 1995, é um organismo jovem, que veio trazer a

possibilidade de melhorar as relações jurídicas entre os países membros e seus

comerciantes internacionais, ao regrar e estabelecer formas de negociação que

adiante trataremos (SEITENFUS, 2012, p. 225).

Em relações tão antigas o Brasil tem pouca ou quase nenhuma tradição,

fazendo com que a maior parte dos comerciantes desconheça as práticas de

soluções de controvérsias, motivando que este trabalho procure contextualizar o

exercício do direito regressivo.

2 CENÁRIO CONTEXTUAL

No Brasil, são produzidas novidades no ordenamento jurídico e tributário com

uma velocidade maior que a desejada, modificando, de alguma maneira, a

formatação adequada, esperada ou mesmo conveniente aos negócios

internacionais.

No momento em que é produzido este trabalho, junho de 2013, está em curso

a discussão da lei que reforma o modo de conceder a utilização dos portos

brasileiros, fato que certamente terá repercussões nas atividades portuárias e

poderá, este é o objetivo, vir à onerar ou desonerar os custos de operação.

Considerando que o tesouro cede aos comerciantes os recursos necessários

às transações, retirando os valores das reservas internacionais brasileiras, é legítimo

esperar que a União, via Banco Central, efetue rigorosa fiscalização, podendo ser

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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dito que, de forma ampla: o comerciante internacional também é responsável pela

parcela do tesouro utilizada para adquirir matéria prima, partes e peças, produtos

acabados, máquinas, equipamentos, enfim, objetos de seu interesse.

Talvez por a responsabilidade se estender às mercadorias, seja obrigatória,

além da obtenção de licença para importar, a contratação de seguro de transporte

internacional que cubra prejuízos, de qualquer natureza, durante o processo de

importação, conforme previsto no artigo 20 do Decreto-lei 73/66 (BRASIL. DECRETO-

LEI 73, de 21. De novembro de 1966.).

Com a ocorrência de fato imprevisto, incerto e não esperado, durante a

viagem marítima, temos a caracterização de um sinistro, que pode receber uma de

duas classificações: Avaria Particular ou Avaria Grossa ou Comum, sendo que suas

principais diferenças residem na responsabilidade e forma de mitigação.

Já os sinistros que vierem a ocorrer durante a operação portuária,

armazenagem e transporte, nos países de origem ou destino, são tratados de forma

equiparativa, como avarias particulares (MARTINS, 2008, v. 2, p. 2 e 3).

Diante de uma situação de real dano, alguns elementos devem ser obtidos de

forma clara e inequívoca, como: quem ocasionou o dano, quando e onde ocorreu o

sinistro, como se deu o fato, qual a extensão dos prejuízos, se houve contribuição de

terceiros para a ocorrência, e todos os demais elementos que possam contribuir

para a elucidação da ocorrência.

Em resumo, deve ser possível responder à perguntas básicas, do tipo: onde,

quando, como, quem e quanto: elementos fundamentais para embasar a tomada de

atitudes defensivas.

Já no tocante aos transportadores de fato, elementos determinantes e,

portanto, fundamentais na relação jurídica, compõe o principal elo entre fornecedor e

importador, irão determinar o foro de discussão sobre as avarias sofridas enquanto o

objeto estiver sob sua responsabilidade.

Neste particular, deve-se lembrar da quase inexistência de embarcações,

navegando em águas internacionais, tendo por registro um porto brasileiro, com

poucas exceções, tais como a FRONAPE – Frota Nacional de Petroleiros, portanto

este ator praticamente inexiste enquanto de nacionalidade brasileira, implicando em

que boa parte das discussões possam envolver cessões de julgamento em outros

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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países, sob jurisdição de diplomas diversos, todavia na maior parte dos casos as

Regras de York e Antuérpia irão nortear os trabalhos (MARTINS, 2008,v2, p. 9 a 22).

Para que se possa avaliar a importância e abrangência desta situação, deve

ser considerado o estudo divulgado pela Antaq, onde relata que foram exportadas

em 2011 o expressivo volume de 514,74 milhões de toneladas e foram recebidas o

também considerável volume de 143,35 milhões de toneladas em mercadorias

importadas, com triste registro que, deste total, apenas 4% foram transportados em

navios e embarcações de bandeira brasileira (ANTAQ, 2013).

Para um país que foi o segundo maior produtor de navios até o inicio da

década de 80, com uma então invejável indústria naval, que chegou a ter expressiva

frota de marinha mercante e embora galgando melhores colocações enquanto

produtor de minérios, grãos, veículos ou mesmo enquanto economia, curiosamente

se tornou um dos maiores dependentes do transporte marítimo.

Apenas 4% da carga produzida no Brasil ser transportada por embarcações

nacionais é um número insignificante. Isto implica em que 96% dos contratos de

transporte marítimo tenham por foro outros locais que não o Brasil, levando a que os

interesses nacionais, restritos aqui aos custos dos contratos de transporte e as

responsabilidades deles advindas, sejam manejadas em outros países, em

verdadeira situação de subordinação da soberania nacional.

Os valores envolvidos nos fretes do transporte internacional, por mais

econômico que seja o modal, superam a dezenas de bilhões de dólares. Apenas na

rubrica afretamento direto, o estudo acima comentado indica mais de 5 bilhões de

dólares gastos no ano de 2011, demonstrando que não só as decisões, por força

contratual, estão sendo tomadas fora de nossas cortes, como os empregos e

investimentos fogem a qualquer controle brasileiro.

Por outro lado, a complexidade de nosso ordenamento jurídico, previsão de

lotações inadequadas e incoerentes, com o atual grau de automatização dos

maquinismos que compõe as embarcações e os encargos sociais impostos aos

navegadores, ajudem a inibir investimentos nesta atividade de vital importância para

o desenvolvimento de um país, principalmente quando se fala do detentor da maior

extensão de costa contínua do planeta e com pretensões de crescimento no

contexto global.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

51

Por consequência, a grande parte dos conhecimentos de transportes, que tem

como destino ou origem o Brasil, quando diante de sinistros marítimos, tem a

regulação das avarias norteadas pela legislação inglesa, tendo como foro Londres

em sua maioria. Isto se dá por determinação dos armadores e dos operadores das

embarcações, que são estrangeiros e ali encontram razoável proteção.

Conclui-se que o Brasil abre mão de proteger os interesses envolvidos no

transporte internacional, afinal os recursos são nacionais, e permite, diante da

omissão, que os julgamentos ocorram em ambiente que sabidamente protege os

interesses dos navegadores, em desfavor do comércio internacional brasileiro.

Urge que pesados investimentos sejam aportados na rubrica Companhias de

Navegação, de forma a dar a proteção, facilidade e segurança que o exportador

brasileiro precisa e merece.

3 DOS SUJEITOS ENVOLVIDOS E SUAS ATIVIDADES

Na tentativa de alertar sobre as implicações danosas da ocorrência do erro ou

equivoco na identificação das responsabilidades, decorrentes das atividades levadas

a cabo por cada um dos envolvidos, traz-se um pequeno resumo de cada uma das

principais atividades, em uma listagem exemplificativa, como segue:

Aduana: No Brasil temos a Delegacia da Receita Federal – DRF – que

incorpora as funções de policiar, regular e autorizar a saída e entrada de bens em

nosso território aduaneiro (WERNECK, 2001, p.15 a 18). Em todos os outros países

da OMC, existe sistema de controle semelhante.

Adjuster: árbitro nomeado para regulação de eventuais danos decorrentes de

navegação, avaria grossa ou divergências que versem sobre o conhecimento de

transporte. Tem atuação semelhante ao Comissário de Avarias, todavia com maior

autonomia e responsabilidade (MARTINS, 2008, p. 25). Tal atividade é um tipo de

arbitragem e este árbitro usualmente é nomeado pelos armadores.

Agente marítimo: é aquele que representa o navio, o armador, o operador do

navio, ou simplesmente o garantidor perante os órgãos legais e perante as

comunidades portuária e local (WERNECK, 2001, p.15 a 16). Esta é a figura que

receberá os eventuais protestos, orientará o pessoal de bordo quanto as leis locais,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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é o verdadeiro procurador dos interesses do navio como um todo. Como os

interesses podem ser distintos, por ex.: armador e operador diferentes no mesmo

navio, pode haver mais de um agente nomeado para cada navio, em ambos casos

diferenciando-se, apenas a figura e interesses protegidos.

Armador/proprietário: em uma designação simplista Paulo Werneck

descreve a figura do proprietário do navio, como sendo aquele que possui a

propriedade da embarcação (WERNECK, 2001, p.15).

Comissário de Avarias: profissional com registro na SUSEP –

SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS – nomeado como regulador da

apólice e, usualmente, tem a seu cargo a regulação das avarias particulares. A ele

cabe efetuar o levantamento do como, quando, onde, porque e quanto das avarias,

assim como orientar os importadores a tomar medidas de proteção aos interesses

envolvidos (MARTINS, 2008, p. 25 a 29).

É o Comissário de Avarias que emite o Certificado de Vistoria e Regulação de

Sinistro, documento base para o pagamento do prejuízo e, consequentemente, para

basear a atividade de busca do direito regressivo. Tanto o Segurador como o

Importador podem nomear um Comissário, todavia, quem arca com os honorários é

sempre a apólice. Esta atividade também pode configurar uma espécie de

arbitragem.

Despachante Aduaneiro: no Brasil é um profissional habilitado junto a

Secretaria da Receita Federal, de maneira a poder representar o exportador ou

importador no desembaraço aduaneiro das mercadorias (WERNECK, 2001, p. 17).

Embarcador: aquele que vende o bem e adquire a obrigação de entregá-lo

em ponto determinado. Nesta figura podemos encontrar diversas opções, que vão

de uma pessoa física, passando por indústrias, distribuidores e trandings

(WERNECK, 2001, p.13).

Empresa embaladora: Empresa especializada na confecção de caixas,

pallets, suportes e toda sorte de dispositivos que confiram segurança e possibilitem

o transporte, de forma confiável, até o destino previsto, isto independente de

quantos e quais sejam os meios de transporte, que venham a ser necessários para

se atingir a meta. É comum que as empresas fabricantes de embalagens especiais

também procedam com a estufagem das mercadorias, em tipos adequados de

container.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Operador do Navio/Armador: Aquela empresa que se responsabiliza por

suprir o navio de tripulação, combustível e haveres para que viagens possam ser

realizadas. É comum a figura do operador do navio ser diversa do proprietário. Com

o crescimento do tamanho e preço de construção das embarcações é possível

encontrar navios cargueiros com custo de construção superando a casa dos US$

200.000.000,00, fato que naturalmente despertou o interesse de grandes empresas

de leasing, que hoje são proprietárias da maior parte das embarcações com menos

de 20 anos. Conforme ensina Flávia Vasconcellos Lanari o navio costuma ser cedido

em locação em um contrato internacionalmente conhecido como Barebout Charter

(LANARI, 1999, p.70).

Operador Portuário: De acordo com a lei 8.630/93 em seu art. 1, §1º, III é a

empresa que opera intraporto e se incumbe de fazer com que a mercadoria transite

pelas instalações portuárias e seja embarcada ou desembarcada (BRASIL. LEI

8.630 de 25 de fevereiro de 1993).

É o Operador Portuário o responsável pelas fainas de carga e descarga, pelos

equipamentos e seus trabalhadores utilizados nesta atividade.

Enquanto o objeto da importação não for liberado ele fica sob a guarda e

responsabilidade do Operador Portuário (WERNECK, 2001, p.16). Como exemplo

da atividade, pode-se eleger o Terminal de Granéis da FOSPAR de Paranaguá.

Porto Organizado: No Brasil a atividade é regulada pela lei 8.630/93 (BRASIL.

LEI 8.630 de 25 de fevereiro de 1993). De acordo com §1º da referida lei, cabe a União

explorar, diretamente ou mediante concessão, o porto organizado, regulação que

está em modificação. Pode-se acrescentar que, fisicamente, é aquela instalação

construída para receber embarcações, devendo possuir máquinas e equipamentos

para a facilitação das operações de carga, descarga e armazenagem.

Produtor: Industrial, minerador ou produtor agrícola ou ainda qualquer

pessoa física ou jurídica, que possa ser equiparada à alguma das figuras. No caso

específico chamar-se-á de produtor todo aquele que fabrica, modifica ou produz a

mercadoria exportada para o Brasil, em estreita analogia ao parágrafo único do art.

46 do CTN: “Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto

que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou

finalidade, ou o aperfeiçoe para o consume” (BRASIL. LEI 5.172 de 25 de outubro de

1965) ”.

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Seguradores: como existem diversos interesses seguráveis, devem

ser separados, por interesse, como segue:

- Interesse carga: Serão as emissoras de apólices em favor dos adquirentes

das mercadorias. Lembrando da obrigatoriedade de contratação do seguro

de transporte internacional também se estende, pelo menos em termos

iniciais, a nacionalidade das empresas, pelo que, neste caso serão

companhias de seguros brasileiras.

- Interesse casco: Serão as emissoras de apólices cobrindo proprietários

das embarcações, para os danos aos cascos e os decorrentes de quebra

de máquinas e equipamentos. Neste caso as garantias podem ser

contratadas em qualquer país, ficando a critério do proprietário e

financiadores.

- Responsabilidades do Armador: Pela complexidade de eventos que

podem ser reclamados ao emissor do b/l e ao armador é comum, para

cobertura das diversas responsabilidades, que seja feita a filiação em um

clube de proteção e indenização, os chamados Pandi Club’s ou

simplesmente P&I Club (MARQUES, 1998, p 395 a 399).

Estes Clubes emitem garantias, nomeiam peritos, pagam prejuízos em

atitudes de gestão do risco dos navegadores.

Pode-se encontrar mais de um clube em um evento de sinistro,

principalmente quando se verifica o sub afretamento do navio ou a venda de praça,

fatos que permitem que um NVOCC ou mesmo um Transitário emita seu

conhecimento (house ou filhote).

- Responsabilidade do Operador Portuário: No Brasil existe uma

cobertura compreensiva, de mesmo nome, que abrange a grande maior

parte dos eventos que um operador portuário pode ser envolvido, com

pequenas variações entre os seguradores aqui instalados. O mesmo se

dando com os operadores da ponta do embarque.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Poderemos encontrar mais de um segurador, por exemplo nos casos em que

há a subcontratação de equipamentos de carga/descarga. Aqui estão inclusos os

trabalhadores portuários.

- Responsabilidade de Armazenagem: Serão companhias seguradoras

locais (depende de ser porto ou armazém de embarque ou desembarque),

que oferecem coberturas contra vendaval, granizo e responsabilidades do

armazenador.

Deve ser ressaltado que a cobertura desta responsabilidade pode ser

contratada pelo proprietário do armazém ou pelo Operador Portuário, dependendo

da relação jurídica estabelecida.

Em alguns casos é possível que, do ponto de vista do interesse carga, o

transportador seja o responsável direto pela armazenagem.

Como exemplo temos o caso do armador aglutinar carga, em um determinado

porto, para adquirir escala e tornar a atracação de seu navio economicamente

viável, ocorrendo a armazenagem em sua conveniência e responsabilidade.

- Responsabilidade pelo Transporte Nacional: Neste caso as

coberturas das responsabilidades, a exemplo do modal rodoviário, (RC-TRC)

serão contratadas por cada transportador envolvido e dependerá da

nacionalidade e percurso do transporte. O comentário é limitado ao modal

rodoviário, todavia poderá ser utilizado outro modal e a apólice equivalente

deverá ser considerada.

- Trabalhador Portuário: De acordo com o Art. 18 da lei dos portos (lei

8.630/93) em seus incisos I a VII, são aqueles registrados no OGMO – Órgão

Gestor de Mão de Obra, existem diversas qualificações para o trabalhador

portuário.

Cada um é contratado por especialidade, tais como Arrumadores, Motoristas,

Guindasteiros, etc. (WERNECK, 2001, p.16).

- Transitário de cargas: conforme ensina Paulo Werneck em Comércio

Exterior & despacho Aduaneiro, este interveniente é aquele que toma para si

a tarefa de subcontratar os diversos serviços, eventuais pernas de transporte

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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(rodoviário, ferroviário, fluvial, lacustre, aéreo) que permitam a mercadoria

seja embarcada em um navio de linha internacional e ou finalmente entregue

ao destinatário final.

O Transitário de Cargas, mais conhecido como Freight Forwarder, em alguns casos,

emite conhecimento de transportes, o chamado filhote ou house, bastante usual no

caso de consolidação de carga (MARTINS, 2008, v 1, p 327 a 328).

4 DAS OPERAÇÕES

Diante da grandiosidade espelhada pelos números do comércio internacional,

onde o Brasil é componente de destaque, com lugar entre os principais atores, tem-

se que supor e compreender a amplitude, profundidade e implicações das relações

jurídicas que se desenvolvem no cenário do comércio internacional.

A maior parte dos negócios internacionais, em que o Brasil está envolvido,

ocorrem sob o manto das regras aprovadas pela Organização Mundial do Comércio

- OMC - onde as negociações de mercadorias se dão de forma a identificar as

figuras jurídicas envolvidas, possibilitando que as responsabilidades se evidenciem,

quer seja para facilitar a identificação, controlar o acesso a determinados produtos,

possibilitar a punição de eventuais excessos, incorreções ou meramente para

padronizar os procedimentos entre os países e nortear a solução dos conflitos que

surgem (BARRAL, 2000).

As formas de negociação ou termos de negociação, chamadas de

INCOTERMS, do inglês, International Rules for interpretation of Trade Commercial

Terms, descrevem adequadamente, e com segurança, as responsabilidades do

vendedor, do comprador e demais intervenientes (MARTINS, 2008, v. 2, p 118).

Da leitura da obra organizada pelo Prof. Dr. Weber Barral – O Brasil e a OMC,

se depreende que o importador/exportador poderá, com seus atos, gerar direitos e

deveres ao estado brasileiro (BARRAL, 2000).

Mesmo com a fiscalização dos órgãos reguladores internos, é possível que

um determinado produtor, importador ou exportador venha a violar determinadas

regras ou acordos, em que o Brasil seja signatário, surgindo aí, obrigações também

ao Estado.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

57

Estudando os Incoterms é possível identificar a responsabilidade dos

envolvidos na atividade do comércio internacional.

Como adequadamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, a

transferência dos direitos e deveres se dá de forma clara e inequívoca (MARTINS,

2008, v. 2, p.118 – 135).

Assim, de uma maneira segura, se pode dizer que ao transportador retirar o

lote de mercadorias, no armazém, fábrica ou depósito do exportador, tem início uma

cadeia de obrigações, onde cada elo desta verdadeira corrente, corresponde a uma

responsabilidade completa, subsistindo minimamente pelo tempo que fica sob sua

guarda ou gestão.

Figuras como: do fabricante, do transportador rodoviário, do transportador

ferroviário, do transportador marítimo, do armazenador, do operador portuário,

agente marítimo e assim por diante, até a chegada ao destinatário final em completa

consonância com o termo utilizado.

Podem ser utilizados os seguintes termos:

- EXW - Do inglês ex works – A partir do local de fabricação ou determinado. Sob a

ótica do produtor sua responsabilidade fica restrita as questões fabris após a entrega

ao transportador contratado pelo comprador (MARTINS, 2008, v. 2, p.120). Deve ser

comentado que ainda restarão a impropriedade da embalagem e eventuais danos

ocultos ocorridos enquanto sob o mando do fabricante.

- FCA - Free Carrier Point - A responsabilidade do exportador ou meramente

vendedor, termina na entrega da mercadoria desembaraçada em terminal do

transportador (MARTINS, 2008, v. 2, p.121).

- FAS - Free Alongside Ship - Neste termo de entrega, o exportador arca com os

custos e responsabilidades de desembaraçar e entregar a mercadoria ao lado do

costado do navio (MARTINS, 2008, v. 2, p.121 a 122). Aqui temos a

responsabilidade do vendedor pelo transporte interno, despacho, embalagem e parte

da operação portuária. O transportador marítimo assumirá, por consequência

também o comprador, a partir do início do içamento ou equivalente. Dada a

peculiaridade da presença do termo navio, este termo só pode ser utilizado em

transporte aquaviário.

- FOB - Free On Board - No termo FOB – livre a bordo – a responsabilidade do

vendedor se encerra com a colocação a bordo (MARTINS, 2008, v. 2, p.122 a 123).

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

58

A exemplo das condições EXW e FAS restam para o embarcador apenas as

questões ligadas a produção e embalagem.

- CFR - Cost and Freight - A responsabilidade do exportador se estende até o porto

designado (MARTINS, 2008, v. 2, p.123 a 124). Neste termo é fundamental ressaltar

que embora o exportador fique responsável pelo pagamento de todas as despesas

de transporte e desembaraço aduaneiro, no porto de origem, o risco das operações

continua sendo do importador.

- CIF - Cost, Insurance and Freight - Nesta modalidade a responsabilidade do

vendedor se encerra na transposição da murada, para fora, do navio (MARTINS,

2008, v. 2, p.124 a 125). Existem limitações a utilização da modalidade CIF. Neste

modal as restrições são amplas, todavia nos casos de financiamento externo com

prazos de pagamento superiores há um ano seja permitido.

- CPT - Carriage Paid to - termo equivalente ao CFR, neste caso aplicável aos

demais modais de transporte (MARTINS, 2008, v. 2, p.125).

- CIP - Carriage and Insurance Paid to - termo equivalente ao CIF, neste caso

aplicável aos demais modais de transporte (MARTINS, 2008, v. 2, p.125).

- DAF - Delivered at Frontier - neste modal o exportador, além de ser responsável

pelos custos até o desembaraço para exportação assume também os riscos da

entrega até aquele ponto (MARTINS, 2008, v. 2, p.126). Cláusula utilizada

exclusivamente no transporte terrestre.

- DES - Delivered Ex. Ship - com este termo o vendedor tem sua responsabilidade

estendida até a chegada do navio no porto de destino ele assume o risco da

operação até aquele ponto (MARTINS, 2008, v. 2, p.126 e 127). Termo pouco

utilizado.

- DEQ - Delivered Ex Quay - neste termo a responsabilidade e o risco do vendedor

se estendem até após a descarga, quando colocada a mercadoria a disposição do

importador para desembaraço (MARTINS, 2008, v. 2, p.127). Só aí é que os riscos e

responsabilidades ficam por conta do importador. Este termo só pode ser utilizado

para transportes aquaviários.

- DDU - Delivered Duty Unpaid - com esta condição o exportador/vendedor assume

os riscos e responsabilidades de entregar em ponto pré-determinado, sem estar

desembaraçada ou descarregada a mercadoria (MARTINS, 2008, v. 2, p.127 e 128).

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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O Regulamento Aduaneiro impede que este termo seja utilizado pela necessidade

de licenciamento prévio.

- DDP (Delivered Duty Paid): este é o termo onde o vendedor assume maior risco e

responsabilidade. Aqui ele entrega a mercadoria desembaraçada em ponto pré-

determinado pelo importador (MARTINS, 2008, v. 2, p.128). Este é o termo com

maior comprometimento do vendedor, todavia só poderá ser utilizado quando ele, o

vendedor, estiver apto a obter direta ou indiretamente as documentações

necessárias.

A grande diferença entre os termos é a possibilidade dos negociantes

mitigarem os riscos inerentes a cada segmento da operação de forma

individualizada.

Quanto maior for a utilização de distintos modais de transporte, para

completar uma operação, maior será a atenção que deve ser dispensada à

manutenção dos direitos.

De acordo com o preceituado no art. 733 do CC., a cumulatividade de

transportes, em uma mesma operação, tem o condão de transferir as

responsabilidades, criando, agora sim, as relações jurídicas que solidificam a

verdadeira corrente das responsabilidades, pois caso um dos partícipes não observe

adequadamente o objeto do transporte, pode estar assumindo, de forma muitas

vezes irretroativa, responsabilidades por atos, fatos e omissões praticadas por seus

antecessores (ALVES, 2003).

Ainda de acordo com o Código Civil, a responsabilidade do Transportador se

inicia quando recebe o objeto e emite o respectivo conhecimento de transporte, se

encerrando com a entrega mediante recibo.

O Operador Portuário se equipara ao Transportador, bastando lembrar que

ele recebe a mercadoria a bordo e a “transporta” até o cais, docas e ou armazéns

alfandegados.

5 DOS PREJUÍZOS

Como o enfoque principal é a manutenção do direito regressivo, deve-se

entender que para se possa supor a existência de um direito regressivo,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

60

necessariamente, eclode a premissa do interessado estar diante de um ato ou fato

que, pelo menos, demonstre alguma perspectiva de dano ou avaria.

No direito brasileiro o art. 761 do Código Comercial conceitua, in verbis

(BRASIL. LEI 556, de 25 de junho de 1850):

Todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, são reputadas avarias.

Os prejuízos podem ser definidos de diversas formas, pelo que se efetua uma

primeira separação de responsabilidades, bastante simples, resultando a seguinte

classificação:

Avarias de Origem: São aquelas ocorridas antes do embarque e ou

decorrentes de fatos anteriores a mercadoria ser entregue para transporte e, de

forma geral, podem ser reputadas ao fabricante ou embarcador. São aquelas, por

exemplo, que ocorrem antes da saída do local de produção ou lá tem início.

Avarias de Operação Portuária: neste caso são incluídos os atos, fatos e

omissões dos Srs. Operadores, ocorridos a partir de sua primeira intervenção, que

pode ser a bordo do meio de transporte, até a efetiva entrega ao transportador, em

seus portões ou docas. Aqui são detectadas avarias por colisão de veículos dentro

do ambiente portuário ou mesmo quedas durante a descarga, furto enquanto sob a

responsabilidade do operador, falta de remarcas por avarias preexistentes

(omissão), incêndio dos armazéns dos terminais, etc.

Avarias de transporte: São aquelas, vide definição do art. 761 acima,

ocorridas enquanto sob a responsabilidade do transportador, desde o momento da

apanha (retirada) até a efetiva entrega ao destinatário ou segundo transportador,

conforme a realidade vivenciada (MARTINS, 2008, v 2, p 1).

Avarias de armazenagem: Aqui se acomodam os danos ocorridos enquanto

sob a responsabilidade do depositário, quer seja por atos, fatos ou omissões, em

completa consonância com os demais tipos elencados. Grande preocupação e

divergência surge na área dos granéis, visto que a simples volatilidade de água e

outros componentes químicos, tão ou mais voláteis que a água, podem proporcionar

consideráveis alterações de volume, peso e aparência.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Em um segundo momento a classificação seguida pela doutrina majoritária se

mostra adequada a classificação dos danos por tipo, que são:

Avaria Simples ou Particular: Se reputa de particular o dano quanto ao

objeto, nas avarias experimentadas e suportadas pelo próprio bem (MARQUES,

1998, p 173 a 178).

Avaria Comum ou Grossa: O termo se refere a avaria ocorrida a um ou

diversos bens, com a diferença que será suportada por todos os envolvidos na

aventura marítima, daí se dizer como comum. Reputam-se de avaria comum ou

grossa aquelas elencadas nos Termos das regras de York e Antuérpia, pela

característica da inevitabilidade ou então da decisão que venha a privilegiar um mal

menor em benefício das pessoas ou dos interesses econômicos envolvidos. Em

suma, para seja considerada avaria grossa é regra que tenha algum proveito para às

partes (MARQUES, 1998, p. 210 a 216).

6 DO EXERCÍCIO DO DIREITO REGRESSIVO EM FUNÇÃO DE AVARIAS

Assim, conhecendo, mesmo que de forma mínima, as origens e

características das avarias, surge a possibilidade de identificar e ou eleger os

sujeitos ativos e passivos de cada situação.

Sem a segurança que é adquirida da individualização do responsável e do

causador dos danos, pode o operador do direito vir a eleger sujeitos passivos

ilegítimos, ou deixar de chamar ao processo o real causador ou responsável pelo

dano discutido, gerando consequências desagradáveis e de alto custo.

Neste sentido, tem-se como fundamental oportunizar à parte adversa, quer

seja o armador, o operador portuário ou mesmo ao embarcador a possibilidade de

assumir ou rejeitar a responsabilidade pela avaria, retirando, com o ato, a

unilateralidade das apurações.

Para uma melhor visualização coloca-se o seguinte exemplo hipotético:

Objeto: Importação de 20.000 toneladas métricas de cloreto de potássio

(adubo), embarcado em um porto da Rússia para Paranaguá no Brasil com

conhecimentos limpos.

Fato: Ao chegar ao porto de Paranaguá a DRF local orientou que um técnico

aduaneiro efetuasse a pesagem do navio pelo método de arqueação (medição por

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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deslocamento), chegando a conclusão de que o navio portava 19.700 toneladas de

carga. Tal pesagem foi acompanhada e conferida pelo pessoal de bordo, pelos

operadores portuários e pelo recebedor da mercadoria, sendo registrado no

documento de entrega, assinado pelo Operador Portuário, pelo agente do Navio e

pelo Comando da embarcação. A importação foi efetivada na modalidade FOB, ou

seja, o embarcador entregou o produto a bordo do navio que emitiu seu

conhecimento após conferir a mercadoria.

Após o término da descarga o Operador Portuário informou a autoridade

portuária local, no caso a APPA (Adm. Dos Portos de Paranaguá e Antonina) que

foram entregues ao importador a quantia de 19.500 toneladas, sendo expedida pela

autoridade um Termo de Faltas e Avarias (TFA) apontando uma falta de 500

toneladas métricas, configurando um prejuízo de 4% do lote importado.

Das atitudes: Para que o importador possa manter seu direito regressivo ou

mesmo seu direito a indenização securitária, deverá o importador, atendendo o art.

754 CC e seguintes, tomar as seguintes medidas (BRASIL. LEI 10.406 de 10 de

janeiro de 2002):

A – Avisar o segurador que houve um prejuízo, informando os detalhes do

conhecimento de transporte, nome do navio, fornecedor, operador portuário, assim

como transmitir toda e qualquer informação recebida sobre o evento, em estrito

cumprimento ao disposto no artigo 771 CC quando menciona “Sob pena de perder o

direito à indenização o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o

saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências. ”

(BRASIL. LEI 10.406 de 10 de janeiro de 2002);

B – Protestar o Armador através de seu Agente local – Como responsável

pela embarcação;

C – Protestar o Operador do navio na pessoa do comandante – como

responsável pela operação do navio;

D – Protestar o Operador portuário na pessoa do gestor – como responsável

pela descarga, guarda e entrega do lote;

E – Protestar à Administração do porto – como responsável pelo Operador

Portuário.

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Das responsabilidades:

O armador recebeu o lote de mercadorias e emitiu o conhecimento de

transporte pelo total das 20.000 toneladas e, por este total responderá sem

nenhuma franquia ou dedução. Lembrando que a emissão do B/L pelo total gera a

obrigação do importador e seus segurados, pagarem o total da mercadoria, assim

qualquer dedução deve ser provada. A responsabilidade do transportador é objetiva

e dela deve se desincumbir.

Considerando que no caso em estudo ele entregou o lote com uma falta de 300

toneladas, ele é o responsável por esta falta e deverá pagar o valor total do lote,

conforme valor descrito na fatura comercial à ele entregue quando do embarque.

O Operador Portuário emitiu recibo ao transportador de um total de 19.700

toneladas e informou a administração portuária que entregou ao importador apenas

19.500 toneladas, permitindo que a Administração emita o seu Termo de Faltas e

avarias, o que implica em uma falta adicional de 200 toneladas, que será por ele

respondida. Aqui os ensinamentos do artigo 754 CC que prevê a conferência

imediata do recebedor, sob pena de decadência, permite que por ação ou omissão o

Operador responda pela falta (BRASIL. LEI 10.406 de 10 de janeiro de 2002).

Com os protestos acima elencados e as responsabilidades devidamente

separadas, terá o importador e o segurador, após indenizar, o prazo, a contar da

data do término da descarga, de um ano para ajuizar cobrança em face dos

Armadores e de três anos perante os Operadores Portuários. Este prazo poderá ser

interrompido uma única vez, após o que o direito junto ao armador prescreverá em

um ano e junto ao Operador em três anos.

Para que a busca do prejuízo se efetive, o importador ou seu segurador terão

a sua disposição os seguintes remédios:

1) Cobrança administrativa que, no caso do navio, ser dará por intermédio do

Agente por ele nomeado, já no caso do operador a cobrança deve ser apresentada

aos gestores da empresa, ambos, Navio e Operador Portuário poderão trazer seus

respectivos seguradores e Clubes de Proteção e Indenização para assumirem seu

lugar no polo passivo ou os assistirem;

2) Alternativamente, de posse do documento atestando a falta e dos protestos

lavrados em face do transportador, o importador poderá efetuar o arresto da

embarcação, escudado principalmente nos artigos 814 e 1218, ambos do CPC, onde

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receberá o total reclamado ou lhes será fornecida garantia para possibilitar uma

eventual discussão sobre o fato, valor ou mesmo sobre a responsabilidade (BRASIL.

LEI 5.869 de 11 de janeiro de 1973);

3) No caso do Operador Portuário não cumprir suas obrigações prescritas no

artigo 2º da lei 116/67, de reparar os danos por ele ocasionados, por falta de

numerário, por não possuir cobertura securitária ou mesmo por não possuir

cobertura securitária compatível e suficiente com a avaria ocasionada, a

Administração do Porto poderá ser chamada a responder solidariamente (BRASIL.

DECRETO LEI Nº 116 de 25 de janeiro de 1967).

A chamada da Autoridade Portuária se dá em atendimento ao previsto no

artigo 37, §6º da Constituição Federal, em perfeita harmonia com o artigo 4, § 4º,

II,III, VI, VIII, X, XII, com o artigo 10 e com o artigo 12, todos da Lei 8.630 / 93, Lei

dos Portos, que rege as relações jurídicas entre os Operadores (BRASIL.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 5 de outubro de 1988) e (BRASIL. Lei 8.630 de 25.

de fevereiro de 1993).

CONCLUSÃO

Com um dano real tendo ocasionado um prejuízo, com o custo da avaria

apurado, com os responsáveis claramente identificados e com as medidas de

cobrança administrativas esgotadas restará ao importador ou seus seguradores a

opção de ajuizar cobrança em face aos causadores dano.

O foro legítimo será o do local da descarga, quer seja para acionar o

Transportador Marítimo ou o Operador Portuário.

Como as avarias no caso proposto ocorreram em situações distintas: uma

durante o transporte marítimo e outra na operação portuária, deverão ser ajuizadas

duas ações autônomas.

Ainda verificando o caso, deverão as ações serem interpostas em face aos

Transportadores Marítimos, emissores dos Conhecimentos de Transportes, através

do Agente Marítimo nomeado para possibilitar a atracação, buscando as 300

toneladas não entregues.

Quanto ao Operador Portuário, terá que arcar com as 200 toneladas

adicionais.

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Considerando a possibilidade de que não queira ou não possa responder pelo

dano a Administração do Porto, órgão concedente, deverá ser chamada à lide para

responder pelos danos não arcados pelo concedido.

O exemplo busca demonstrar que qualquer dos participantes do negócio, por

ação ou omissão, isolada ou conjuntamente, podem ocasionar danos que poderão

ser objeto de busca do direito regressivo, bastando que tais casos sejam

examinados em tempo compatível com o ordenamento jurídico, que protestos sejam

emitidos em tempo adequado, não se configure unilateralidade nas apurações, ou

seja, em todas as apurações e levantamentos os possíveis causadores sejam

convidados a participar e que os prazos prescricionais sejam rigorosamente

observados.

Com estas básicas premissas conclui-se que é necessário que o importador

exerça seu direito, em face a quem lhe ocasione prejuízos, não só pelos valores

quase sempre expressivos, típicos da atividade de importação, como também por

fator de gestão de risco. Sempre que os causadores de dano forem adequadamente

notificados e chamados a responder pelos prejuízos ocasionados, maior cuidado

com seus produtos será atribuído pelos transportadores e operadores nas

subsequentes importações, trazendo qualidade e segurança adicional ao processo

de importação.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A MODULAÇÃO DE

EFEITOS NAS DECISÕES DO STF: UTILIDADES E CRÍTICAS

ECONOMIC ANALYSIS OF LAW AND THE MODULATION OF

EFFECTS IN THE DECIONS OF STF: UTILITIES AND CRITICS

Eduardo Monte Jorge Hey Martins1 Roosevelt Arraes2

1 Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA e do Curso de Ciências Econômica da Universidade Federal do Paraná – UFPR. 2 Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2002), especialista em Ética (2004), mestre (2006) e doutorando (2014) em Filosofia Jurídica e Política pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Atualmente é professor e pesquisador do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA e membro-pesquisador do Departamento de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Tem experiência na área de Filosofia do Direito, com enfoque nas teorias modernas e contemporâneas da Justiça, e, em fundamentos do direito público (constitucional, eleitoral, penal e administrativo).

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SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Análise econômica do Direito. 3. Modulação de efeitos. 4. A Análise

Econômica do Direito na modulação de efeitos. 5. Considerações Finais.

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RESUMO

O presente trabalho objetiva demonstrar quais são as utilidades, bem como as

críticas, a serem feitas acerca da utilização do ferramental da análise econômica do

direito nas decisões concernentes à modulação de efeitos na declaração de

inconstitucionalidade das normas. Com a crescente utilização do instituto da

restrição dos efeitos da inconstitucionalidade, faz-se necessário demonstrar como

um arcabouço teórico como o da análise econômica do direito pode servir para

embasar as decisões dos juízes ao se valerem desta técnica. Assim, o critério da

eficiência das decisões judiciais será trazido à tona como meio de se demonstrar se

a modulação de efeitos poderá ou não ser benéfica para a sociedade. Salienta-se,

ainda, as críticas que são inerentes a uma escola de pensamento como a da análise

econômica do direito, visto que esta possui uma forte ligação com teorias da ciência

econômica e transporta conceitos desta ciência para a aplicação no direito.

Palavras-chave: modulação de efeitos, análise econômica do direito, eficiência,

inconstitucionalidade.

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ABSTRACT

The present paper aims to demonstrate which are the utilities, as well the critics, to

be done by the utilization of the tools provided by the economic analysis of law in the

decisions about the modulation of the effects in the declaration of unconstitutionality

of laws. With the grown employment of the institute of restriction of the effects of

unconstitutionality, it is necessary to demonstrate how a theoric basis like the one of

the economic analysis of law may serve to base the decisions of the judges in this

situation. In this line, the criterion of efficiency of the judicial decision will serve as a

mean to demonstrate if the modulation of effects can or cannot bring benefits to the

society. The critics to the economic analysis of law will be underlined as well,

whereas it has a strong connection with theories of economics and transports

concepts of this science to be applied in the law.

Keywords: modulation of effects, economic analysis of law, efficiency,

unconstitutionality.

1 INTRODUÇÃO

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Com a tomada de decisões com modulação cada vez mais frequente pelos

tribunais superiores, é necessária fazer uma análise de até que ponto há uma

necessidade econômica por parte do Estado de modular tais efeitos. Veem-se várias

decisões onde não há apenas um caráter arrecadatório por parte do Estado, mas

também sancionador, e que apresentam seus efeitos modulados.

Além disso, há uma teoria que relaciona o direito e a economia presente (e

em alguns pontos até dominante) no âmbito acadêmico norte-americano: a análise

econômica do direito (Law and Economics), que tem se tornado cada vez mais

relevante no Brasil.

Por tal motivo, é necessário fazer uma análise de se o Estado está se fazendo

valer, explícita ou implicitamente, da teoria econômica do direito para embasar tais

decisões e se estas estão de acordo com o arcabouço teórico desta corrente de

pensamento.

Esta teoria vem sendo criticada por muitos juristas, uma vez que acaba por

mitigar o senso de justiça para trazer a noção de utilidade presente em algumas

vertentes da economia para dentro do direito. Entretanto, ela é importante para uma

visão mais rica sobre o assunto.

Também é preciso analisar em que medida o caráter punitivo de certas

decisões pode ser modulado sem trazer um conflito com a Constituição, uma vez

que normas inconstitucionais teriam seus efeitos anulados desde o momento em

que entraram em vigor.

2 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

A relação entre direito e economia é algo que não pode ser negado na

atualidade. Não se pode desvincular o sistema capitalista da forma como os

ordenamentos jurídicos dos países ocidentais foram consolidados. A

interdisciplinaridade de ambas as matérias se torna cada vez mais relevante com as

crises e o aumento do mercado financeiro pelo mundo.

Tendo isto em vista, torna-se relevante o estudo de correntes teóricas que

relacionam as duas matérias com mais afinco. Este é o caso da Análise Econômica

do Direito (AED, ou também Law and Economics).

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Uma concepção bem simplista do movimento pode ser vista como uma

tradição que se embasa no utilitarismo e pragmatismo, propondo, assim, que o

direito seja estudado com base em conceitos econômicos. (FERRAZ JUNIOR;

SALOMÃO FILHO; NUSDEO, 2009)

Claro, isto acaba deixando de lado boa parte do que cerca as discussões da

teoria econômica do direito, uma vez que estas podem ser das mais variadas formas

dependendo da vertente que se analisa do movimento. Entretanto, esta serve para

denotar as linhas gerais que caracterizam o movimento como um todo. Vale

ressaltar também o exposto por Fernando Borges Mânica (2008, p. 8):

Portanto, independente de uma análise mais profunda das teorias vinculadas à Análise Econômica do Direito, é importante ressaltar que mesmo em suas ideias mais radicais, não se defende a adoção de modelos e critérios exclusivamente econômicos em substituição ao direito. Não se defende a mera substituição da racionalidade jurídica pela racionalidade econômica. Trata-se de reconhecer que o direito – e a economia – não pode ser entendido de maneira isolada, independente dos demais sistemas sociais.

Falar sobre características de um movimento plural como a AED é algo difícil.

Entretanto, existem premissas fundamentais que acabar por nortear a maioria das

visões com base na teoria neoclássica da economia, e, portanto, mais ortodoxas no

sentido econômico, como a teoria de Posner. São estas: a maximização racional

pelos agentes; a eficiência é um parâmetro para as normas jurídicas; e existem

incentivos que delimitam as decisões dos indivíduos.

A maximização racional, este é um conceito importado da economia ortodoxa

e mostra que os agentes (ou seja, as pessoas em geral) ao tomarem decisões nos

diversos tocantes da vida, tentam maximizar o seu bem-estar. Este bem-estar é

considerado como a satisfação de seus interesses, que se pode dar desde uma

maior quantidade de um produto do qual gostam ou até mesmo de ganharem uma

ação. A racionalidade imposta por esse pressuposto se baseia na comparação entre

os custos e ganhos marginais. A marginalidade aqui é entendida como o benefício

(ou custo) incremental que se tem em determinadas escolhas. Assim, “um tomador

de decisões racional executa uma ação se, e somente se, o benefício marginal

ultrapassa o custo marginal. ” (MANKIW, 2009, p. 6). Isto pode ser transportado para

o direito na escolha ou não de se entrar com uma ação, vendo se os custos que

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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giram em torno dela trarão mais vantagens caso ela seja deferida, ou ainda em

casos em que a parte pretende violar (ou não) de normas ou contratos.

A eficiência nas normas jurídicas, por sua vez, visa mostrar que as normas e

decisões devem ser pautadas em haver ou não um acréscimo de eficiência. Esta

eficiência pode ter dois sentidos: o relacionado ao ótimo de Pareto e outro no

princípio de Kaldor-Hicks. O primeiro tem como pressuposto que eficiência é uma

situação onde não existem ganhos de um agente sem que haja perdas para outros.

Já o segundo, entende que esta é uma situação onde os ganhos excedem os

prejuízos. Tal divergência teórica não resulta em problemas para o sistema da AED

e será diferenciado sempre que utilizado. Nas normas jurídicas, vemos a eficiência

como um segundo ideal de justiça (dentro do entendimento da AED). Isto faz com

que decisões que gerem um custo maior para a sociedade do que benefícios devam

ser revistas, uma vez que estas não geram um aumento na eficiência.

Já o terceiro pressuposto, o de que existem incentivos que balizam as

decisões, é extraído a partir do sistema de incentivo de preço. Este sistema mostra

que para um benefício auferido, sempre haverá um custo (ou preço) de

contrapartida. No Direito, vemos isto com as sanções aplicadas pelas normas. O

“benefício” que o agente tem ao agir em desacordo com as normas tem seu preço

demonstrado em multas, cerceamento de liberdade, entre outros.

Há de se entender também que a regulamentação da economia através das

leis também é um ponto que interessa a AED. Isto decorre da comunicação que esta

teoria faz entre as duas áreas. Um dos principais efeitos da regulamentação da

economia pelo direito é a criação de políticas antitruste. Estas promovem uma

defesa da concorrência na economia, evitando a concentração exagerada de poder

em determinadas empresas ou atitudes desonestas que cerceiem a concorrência,

como a criação de cartéis.

Uma distinção importante a ser feita dentro da análise econômica do direito é

entre a parte positiva e a normativa da teoria. Esta distinção é importante porque

categoriza as aplicações da economia na lei em si.

A vertente normativa incorpora um juízo de valor, ou seja, uma crença. Esta

também acaba por trazer a comunicação entre os ideais de justiça com os conceitos

econômicos presentes na teoria em si. Tal comunicação faz com que as teorias

normativas sejam as mais criticadas. Um destes críticos é Paulo Lôbo, que afirma

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que, sob o aspecto normativo, a corrente da AED é bastante deficitária, visto que os

princípios jurídicos são postos de lado para que os princípios econômicos sejam

postos em primeiro plano. (XAVIER; FROTA, 2011)

Assim, mostrar até que ponto a justiça e a eficiência se relacionam, por

exemplo, acaba por muitas vezes distorcer ou mostrar um ideal de justiça que se

distancia de uma visão ética sobre esta e se atém apenas o lado de ganhos e

perdas econômicas.

Já a visão positiva, mostra-se como descritiva. Ela incorpora o ferramental

econômico no direito, mostrando como estes podem ser úteis para a análise do

direito e como as premissas básicas da AED acabam se apresentando no direito.

Desta vertente acabou por surgir uma que incorpora, além deste ferramental, a

capacidade de prever os efeitos das normas jurídicas sobre o comportamento dos

agentes. Esta foi chamada de Behavioral Law and Economics, e seus estudos se

centram em como o direito acaba por afetar o comportamento humano.

O estudo de certos conceitos, ou visões econômicas de institutos jurídicos é

necessário para uma análise mais profunda da AED. Existem pontos que precisam

que precisam ser transportados da economia para dentro do direito, como o de

eficiência. Vale ressaltar que a maioria dos conceitos utilizados pela AED estão

voltados para um estudo do direito privado. Entretanto, o direito público também

pode (e será) analisado para que haja uma visão mais robusta sobre os estudos da

AED.

Existem dois modos de se entender a eficiência: a eficiência de Pareto e o

teorema de Kaldor-Hicks. Estes conceitos serão de importância porque a utilização

de um ou de outro para o estudo do direito irá implicar em uma mudança em como

se analisa a questão da distribuição de ônus e riqueza.

O critério de Pareto é uma definição mais ortodoxa sobre a eficiência. Nele,

não se preocupa tanto com o bem-estar social, uma vez que se parte do

pressuposto de que os indivíduos são os melhores juízes para o sem bem-estar. Em

suma, neste critério, distribuições de recursos são eficientes se não for mais possível

distribuí-los sem que haja uma piora na situação de uma pessoa. (STEPHEN, 1993)

Pode-se ter uma noção mais clara de tal fato utilizando a caixa de Edgeworth,

um aparato econômico que compara apenas a alocação que dois indivíduos têm em

relação a dois bens. Ele utiliza o pressuposto de que as curvas de utilidade de cada

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

77

um dos agentes são convexas a origem, indicando que uma quantidade excessiva

de um bem não acarreta a mesma utilidade do que uma quantidade ponderada.

Condições de ótimo de Pareto são atingidas quando duas destas curvas se

tangenciam e, portanto, nestas curvas, atingem uma situação em que os dois

agentes realizaram trocas até um ponto em que não se pode trocar sem que o outro

perca. Há de se salientar que as variáveis para a caixa de Edgeworth são contínuas

e, portanto, há uma infinidade de curvas de utilidade presentes dentro dela se

tangenciando a todo o momento. Há também uma curva que corta a caixa e reúne

todos os pontos eficientes no sentido paretiano que é denominada curva de contrato

(ou conjunto de Pareto). Esta curva tem este nome devido à ideia de que “todos os

contratos finais” de troca têm de se localizar no conjunto de Pareto, senão estes não

seriam finais, visto que poderia ser realizado algum melhoramento nele. (VARIAN,

2006)

Este conceito pode parecer correto para uma definição de eficiência,

entretanto, como já dito antes, ele é de cunho um tanto quanto ortodoxo. Não

importa para ele se o agente que teve sua situação piorada seja muito rico ou muito

pobre, se há uma piora em relação a dotação inicial, ela não pode ocorrer para que

seja uma situação de eficiência.

Isto fez com que outros sentidos para eficiência fossem estudados, entre eles

o de Kaldor-Hicks. Este critério acaba por trazer uma definição mais robusta e mais

preocupada com a situação em que os agentes se encontram do que a versão de

Pareto, mesmo sendo enquadrado também na matriz neoclássica da economia. Este

pode ser expresso como:

Uma proposta para a mudança na economia deve ser levada a termo se aqueles que tiveram sua situação melhorada por essa mudança poderem compensar aqueles que tiverem sua situação piorada por essa mudança, para que estes fiquem tão bem como antes da mudança (em seu próprio julgamento) e os primeiros fiquem em melhor situação (em seu próprio julgamento). (STEPHEN, 1993, p. 55)

Esta definição abre espaço para que políticas públicas de distribuição de

renda e de maior equidade. Entretanto, não existe nisto uma obrigação de que a

compensação seja paga ou não, cabendo ao campo da ética decidir sobre isso. Ele

foi considerado um critério de maximização de riqueza, não apenas nas questões

monetárias, mas na questão de satisfação das partes. Isto fez com que este critério

fosse mais utilizado para os estudos que envolvem o bem-estar.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

78

Isto se transporta ao direito na questão de distribuição de direitos. Os

tribunais, ao decidirem questões favoráveis ou não em determinadas questões. Se o

prejuízo comportado pelo agente que perde a ação é maior do que os benefícios que

o ganhador aufere, esta deveria ser revista, deixando de lado aqui a questão da

justiça por si só. Claro, há de se ver que estes benefícios e prejuízos não devem ser

entendidos apenas como questões pecuniárias, mas sim de uma forma subjetiva,

buscando assim uma eficiência no critério de Kaldor-Hicks para os julgamentos.

Entretanto, este teorema se mostra inaplicável na realidade, principalmente

na relação com o direito. Por tal razão, mesmo Ricahrd Posner, que era um dos

seus maiores defensores, tende para a diminuição na utilização da eficiência como

parâmetro.

Vale ressaltar que uma análise distributiva das questões deve ser levada com

cuidado. Mesmo que uma visão desconsiderando a distribuição acabe tendo um

juízo de valor, pressupondo que todos os agentes possuem o mesmo valor para o

bem-estar social, a distribuição em si acaba também sendo um juízo de valor e, por

conseguinte, não pode ser generalizada.

Há de se perceber também que a análise destes parâmetros é estática, e, por

consequência, não leva em conta o dinamismo da sociedade em concreto. A

simplificação teórica para tornar palpáveis os conceitos faz com que certas variáveis

que não poderiam ser deixadas de fora acabem sendo deixadas. Vê-se isso

principalmente na relação com os recursos naturais. Estes são finitos e são

necessários para a movimentação da economia. Entretanto, os efeitos causados

pelas alocações eficientes sobre eles são muitas vezes deixados de lado pela visão

neoclássica.

A contribuição de Richard Posner, como falado anteriormente, é inegável para

a estruturação da AED. Seu principal trabalho, Economic Analisys of Law foi um dos

livros mais discutidos em se tratando deste movimento. Sobre a teoria deste autor

Bugallo ressalta seus enfoques:

A teoria de Posner desdobra-se em duas direções: a primeira, a teoria econômica do impacto legal, onde se analisam os efeitos das normas desde ponto de vista econômico, aplicando a teoria econômica e econometria para especificar e quantificar os efeitos das normas: efeitos das normas, custos que acarreta e efeitos produzidos no mercado. Como resultado, introduz-se no processo de tomada de decisões um enfoque conseqüêncialista. Todavia, o aspecto inovador do movimento não se reduz a este aspecto. A

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novidade da AED é dar uma fundamentação econômica à teoria do direito e, neste sentido, mais que se centrar nos efeitos das normas, terá que se centrar na eficiência e, portanto, no princípio da maximização. Neste sentido, a respeito da eficiência no direito consuetudinário, a hipótese não é que o direito consuetudinário duplique ou possa duplicar perfeitamente os resultados dos mercados competitivos, mas que, dentro dos limites da viabilidade administrativa, o direito conduz o sistema econômico para a produção dos resultados que a concorrência eficaz produz e complementa o raciocínio, em tanto se aceite que o economista pode medir custos e que os mesmos são pertinentes para a política, a teoria econômica tem um papel importante nos debates sobre a reforma legal. (ALVAREZ, 2006, p. 58)

O autor foi um dos maiores difusores da utilização dos critérios econômicos,

como o de maximização da riqueza e da eficiência, como um meio para avaliação do

direito. Entretanto, é importante frisar também que a preponderância destes

conceitos acabou por ser abrandada nos estudos posteriores deste autor. No livro

“Problemas de filosofia do direito”, Posner afirma: (2007, p. 510)

Além disso, por mais hipócrita ou incoerente que nossa ética política possa frequentemente ser, não permitimos as invasões degradantes da autonomia individual meramente por considerar que, em termos gerais, a invasão configuraria um acréscimo líquido à riqueza social. E, quaisquer que sejam as bases filosóficas do sentimento, ele está por demais arraigado em nossa sociedade atual para que se deem rédeas soltas à maximização da riqueza.

Esta mudança no pensamento de Posner faz com que sua teoria seja melhor

vista no quesito de aplicabilidade a realidade. Seus estudos anteriores tentavam

fazer com que o mundo se enquadrasse nos pressupostos econômicos não

importando o que realmente acontecia realmente. Esta mudança é explicada por

Rafael Zanatta: (2012, p. 40)

Em razão das severas críticas lançadas à teoria normativa da análise econômica do direito normativa, Posner abandonou o valor absoluto da eficiência e adotou uma posição pragmática, na qual a eficiência é apenas um elemento subsidiário para o critério de decisão, e não o principal. Para Posner, a eficiência (no sentido Kaldor-Hicks) é aceita como valor social, apesar de não o único valor em jogo. Assim, Posner não descarta que a eficiência pode ser um dos critérios de decibilidade subsidiário. Numa visão marcada pelo pragmatismo, Richard Posner atualmente entende que o juiz de direito deve sopesar as prováveis consequências econômicas das diversas interpretações que o texto permite, atentando para os valores democráticos e a Constituição.

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Com esta visão de que em nem todos os casos o critério de maximização da

riqueza, Posner fica mais palpável e menos abstrato em relação ao mundo.

Mesmo assim, a utilização de critérios estritamente neoclássicos para a

formulação da base de sua teoria faz com que sua visão ainda seja muito limitada ao

estudo da realidade como ela é. Por tal razão, teorias que englobam outros fatores

ao estudo, como as instituições ou o comportamento das pessoas surgiram. E estas

serão o foco da próxima subseção.

3 MODULAÇÃO DE EFEITOS

O controle de constitucionalidade é um aparato de suma importância para a

manutenção da ordem no Direito brasileiro. Sua função é manter a harmonia do

ordenamento jurídico infraconstitucional com a Constituição, demonstrando assim o

poder desta acima das demais normas.

O principal órgão regulador desta ordem é o Supremo Tribunal Federal, que,

através de suas decisões, pode declarar a conformidade ou não das normas com a

carta magna. Tal órgão pode, ao verificar a inconformidade de algum dispositivo com

a Constituição, declarar sua inconstitucionalidade, ensejando assim a sua nulidade,

a princípio.

As decisões que proferem, por via direta, a inconstitucionalidade possui

efeitos erga omnes e retroativos, em regra. Isto se deve ao posicionamento de que a

norma, ao ser declarada de tal maneira, nunca foi válida no sistema jurídico e,

portanto, ao deveria produzir efeitos para ninguém desde a sua criação.

Entretanto, a jurisprudência consolidou ao longo dos anos que tal efeito

temporal poderia sofrer limitações. Isto era devido a deficiência do sistema de

controle constitucional ao se tratar de fatos onde a declaração de

inconstitucionalidade por si era impossível de ser tratada retroativamente (caso da

inconstitucionalidade por omissão), visto que esta agia sobre uma falta de ação pelo

legislativo; e dos casos onde os efeitos retroativos poderiam causar um dano maior

para a ordem constitucional, visto a tamanha onerosidade ou quantidade de atos

praticados sob a égide de tal norma.

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Esta possibilidade de limitação aos efeitos da decisão foi abarcada pelo

ordenamento jurídico com o advento da lei 9868/99, onde em seu artigo 27 ela

delimita:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado

Com tal previsão, o legislador positivou algo que o Poder Judiciário já se valia

havia algum tempo para suprir a falta de previsão legal destes casos. Assim, a regra

de que as normas possuem efeitos retroativos foi mitigada, podendo o Judiciário

limitar seus efeitos com embasamento legal.

Destarte, é preciso entender a colisão doutrinária sobre os efeitos da

declaração de inconstitucionalidade. A teoria da anulabilidade do sistema austríaco e

a da nulidade do sistema americano embasam posicionamentos contrários da

doutrina brasileira sobre se os efeitos devem ser entendidos como ex nunc

(prospectivos) ou ex tunc (retroativos).

O sistema austríaco de controle de constitucionalidade abarcou a teoria de

Hans Kelsen de que a declaração de normas inconstitucionais não possui efeitos

retroativos, visto que esta não é nula, mas sim anulável. (MENDES, 2012)

Seguindo esta linha de posicionamento trazida do direito austríaco, vemos

Regina Nery Ferrari (2004, p. 173):

Dentro deste posicionamento, consideramos que a sentença que declara a inconstitucionalidade é constitutiva, pois esta, embora visando à criação alteração ou extinção de um direito, traz a certeza do mesmo e, a partir daí a mudança de seu estado. Como já salientamos, contudo, não é certo dizer que com ela serão criados direitos, estados ou situações jurídicas que antes não existiam, pois, na verdade, o que acontece é que o direito à mudança ou modificação existia antes do processo e a sentença apenas fez atuar o direito, instituindo a mudança como e nos limites da lei, a partir dessa data. A lei, enquanto não considerada inconstitucional pelo órgão competente, opera eficazmente, e a sentença que a diga em contradição aos ditames constitucionais tem efeito a partir de então, e não desde a data da própria lei.

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82

Entretanto, tal posicionamento parece errôneo para grande parte da doutrina,

ao entender que o sistema de controle constitucional brasileiro teve como base o

sistema americano, onde prepondera a teoria da nulidade das normas

inconstitucionais. Nas lições de Gilmar Mendes (2012, p. 606):

O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do direito brasileiro. A teoria da nulidade tem sido sustentada por praticamente todos os nossos importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual “the inconstitutional statue is not law at all”, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirma-se, em favor dessa tese, que reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.

Esta teoria foi uma alternativa adotada pelos juristas para abarcar os efeitos

ex tunc e erga omnes nas decisões que proferissem a inconstitucionalidade da

norma. Não obsta ressaltar, entretanto, que uma justificativa legal para esta teoria só

foi positivada pelo direito brasileiro coma Emenda Constitucional 16/65.

Com o advento da lei 9868/99, restou-se por relativizada a nulidade das

normas inconstitucionais, visto que restou positivada a possibilidade de se atribuir

efeitos ex nunc a tais normas. Entretanto, não se pode negar que a regra continua

sendo a nulidade, e sua restrição só se deve em casos específicos.

A limitação dos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade da

norma é instituto recorrente em diversos sistemas de controle constitucional no

direito comparado.

No sistema americano, o qual baseou o brasileiro em grande parte em se

tratando do controle difuso, vê-se nos precedentes de Linkletter v. Walker que houve

a possibilidade da não declaração de que os efeitos não seriam válidos desde a

criação da lei. No sistema austríaco, já se ressaltou que a declaração tem efeitos ex

nunc, e por tal não permite a nulidade total da norma inconstitucional.

Ressalta-se a questão no direito português, onde a Constituição abarcou, no

seu artigo 282, n. 4, a possibilidade de se limitar os efeitos da declaração.

Este artigo serve como base para a modulação de efeitos no direito português

e uma base para um maior poder ao julgador para atender as necessidades que a

situação demanda. Nos termos de Jorge Miranda (2001, p. 257):

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A justiça constitucional não pode ser cega; tem que atender aos resultados das suas decisões, como demonstra a possibilidade de restrição de efeitos prevista no art. 282.º, nº 4. Ora, se este preceito admite que não se verifique a repristinação, isso significa que o Tribunal Constitucional há-se indagar das normas repristinadas para afastá-las ou não; e não se vê como possa afastá-las em nome dos interesses aí contemplados e não também em nome do princípio da constitucionalidade.

Assim, verifica-se que tal instituto foi abarcado por diversos sistemas de

controle constitucional para garantir ao Poder Judiciário uma alternativa para os

casos onde a declaração dos efeitos ex tunc da decisão não fossem cabíveis. A

tentativa de positivar tal possibilidade se mostrou também presente na proposta de

revisão da Constituição feita em 1994, inserindo o §5º ao artigo 105.

Mesmo assim, casos em que tal instituto era utilizado tem exemplos na

jurisprudência mesmo sem previsão legal. Casos estes que com exemplos como o

Recurso Extraordinário nº 78.594-SP, que proclamou a ilegalidade da investidura do

funcionário público, mas entendeu que o ato por ele praticado era válido. (BRASIL,

Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 78.594 – SP. Relator: Ministro

Blanc Pinto, 7, jun. 1974)

Mesmo assim, tal proposta não foi abarcada e a possibilidade de limitação

dos efeitos continuou não sendo abarcada pelo ordenamento até o advento da lei

9868/99, em seu artigo 27, onde garante ao STF nos casos de julgar ADIn de limitar

seus efeitos.

Ainda é preciso se ressaltar que há a possibilidade (e utilização) desta

restrição também no controle difuso de constitucionalidade, mesmo que o artigo em

questão não explicite tal previsão. Novamente, Gilmar Mendes demonstra de forma

clara o porquê (2012, p. 645):

A base constitucional dessa limitação – necessidade de um outro princípio que justifique a não aplicação do princípio da nulidade – parece sugerir que, se aplicável, a declaração de inconstitucionalidade restrita revela-se abrangente do modelo de controle de constitucionalidade como um todo. É que, nesses casos, tal como já argumentado, o afastamento do princípio da nulidade da lei assenta-se em fundamentos constitucionais e não em razões de conveniência. Se o sistema constitucional legitima a declaração de inconstitucionalidade restrita no controle abstrato, essa decisão poderá afetar, igualmente, os processos do modelo concreto ou incidental de normas. Do contrário, poder-se-ia ter inclusive um esvaziamento ou uma perda do significado da própria declaração de inconstitucionalidade restrita ou limitada.

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Entretanto, a forma como tal instituto foi inserida no ordenamento jurídico

brasileiro, através do artigo 27 da lei 9868/99, acaba por trazê-la a questões

referentes à constitucionalidade do próprio artigo que autorizou a modulação.3 Nas

lições de Regina Nery Ferrari (2004, p. 231, 300):

O alcance no tempo, dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade sempre foi, em nosso sistema jurídico, resultado de uma postura jurisprudencial que, com o tempo, abandona a posição radical no que diz respeito a considerar a lei inconstitucional nula ab initio e carecedora de produção de efeitos, e passa a aceitar algum tipo de abrandamento. (...) Como, entre nós, a postura relativa a aceitar a nulidade ab initio da lei inconstitucional sempre foi decorrente de posicionamento jurisprudencial, não parece chocar ou ser inconstitucional a previsão legal de modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Assim, aqui não cabe rechaçar a flexibilização de efeitos, mas simplesmente constatar que a forma como foi implantada no Direito Positivo Brasileiro, dá causa a diversas posições e questionamentos, o que, seguramente, não propiciará a tranquilidade e segurança, finalidade principal do Direito.

Mesmo que suscetível a discussão sobre sua constitucionalidade ou não, tal

artigo vem embasando as decisões relativas à modulação de efeitos posteriores a

sua promulgação. Vemos como exemplo a ADIn 2904 PR, que se utilizou do artigo

para preservar a situação jurídica de todos os servidores aposentados até o

julgamento desta ação. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 2904 – PR. Relator: Ministro Menezes Direito, 15 abril,

2009)

Há de se entender que a relativização do princípio da nulidade das normas

inconstitucionais é algo inerente com a evolução da jurisdição constitucional. As

relações e efeitos relativos a este assunto vem se tornando cada vez mais

complexas e, portanto, necessário se faz um instituto para que tais situações não

fiquem desamparadas.

A modulação de efeitos nas decisões é necessária, claro, e o artigo que a

instituiu em nosso sistema jurídico acarreta em critérios para sua utilização. Há

assim a necessidade de ponderar entre o princípio da nulidade da norma

inconstitucional e os critérios da segurança jurídica e o excepcional interesse social.

Como expõe Paola Maria Gallina e Marlene Kempfer Bassoli (2009, p. 67):

3 Ver ADIn 2.231 e 2.258, com relator Ministro Neri da Silveira

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A modulação dos efeitos exige uma justificativa do órgão constitucional. Como justificativa deverá ser demonstrado que, no caso hipotético, a retroatividade da decisão de inconstitucionalidade seria tão maléfica, de forma que o princípio da segurança jurídica ou do excepcional interesse social devesse se sobrepor ao princípio da nulidade da norma inconstitucional, a fim de resguardar a paz social ou ainda outro valor de excepcional interesse da coletividade.

Sopesando entre estes dois valores o STF poderá, ou não, restringir os

efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Entretanto, mesmo atribuindo tais

critérios, o artigo recebe críticas tanto a sua forma quanto a modulação de efeitos

em si. (GALLINA; BASSOLI, 2009)

Mesmo assim, não se pode entender que a modulação de efeitos seja algo

não cabível ao direito brasileiro. É necessário haver um modo para que as

possibilidades em que a inconstitucionalidade não possa ou não deva ter efeitos

retroativos, e a modulação entra para suprir tal demanda. Entretanto, o modo como

se aplica e as justificativas a serem utilizadas para tal limitação devem ser mais

restritas, até mesmo para que a confiança no Poder Judiciário não seja denegrida

por um uso exacerbado de tal instituto.

Assim, resta-se por estudar quais são os argumentos utilizados pelos

julgadores ao utilizar tal instituto. E neste tocante entre as contribuições e críticas

referentes à análise econômica do direito.

4 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA MODULAÇÃO DE EFEITOS

Vivemos em uma era capitalista a qual coloca o dinheiro muitas vezes na

frente de todo o resto. A sociedade de consumo é o que prepondera, onde quem

tem mais é quem pode mais. Quase tudo possui um valor pecuniário e envolve, de

alguma forma, a economia.

A legislação é feita para privilegiar uma casta de agentes com poder

econômico suficientemente grande para influenciá-la. E isto é refletido também nas

relações jurídicas como um todo. (FERRAZ JUNIOR; SALOMÃO FILHO; NUSDEO,

2009)

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São colocados preços em direitos e uma condenação quase sempre resulta

uma perda patrimonial para alguém e, consequentemente, um ganho para outrem. E

isto não fica limitado apenas ao direito privado.

As normas e relações concernentes ao direito constitucional, mesmo que

possuam um condão de delimitar as regras que norteiam um Estado em uma análise

macroinstitucional, ao serem analisadas em um ambiente concreto, pode-se

observar que a questão pecuniária sempre está interligada.

E, seguindo esta linha, as decisões dos juízes acabam abarcando tais

interesses econômicos também. Isto não seria diferente na modulação de efeitos.

Os critérios, a princípio, que deveriam ser utilizados para a restrição de efeitos

as decisões de inconstitucionalidade são o do excepcional interesse público e o da

segurança jurídica. Claro, a questão econômica possui ligação com estes critérios,

mas é preciso observar até que ponto ela pode ser utilizada em consonância com

eles.

Esta relação é vista principalmente em casos que envolvem uma onerosidade

muito grande para algum ente em específico, e também em casos tributários,

analisando principalmente a prejuízo que seria causado ao Estado.

É preciso ser ressaltado, além disso, que Estados nacionais com soberania

de moeda não quebram. Eles podem se endividar e emitir a quantidade de dinheiro

que for, mas não irão quebrar.4 Claro, um super-endividamento pode trazer

consequências ruins para a economia dele, mas estas podem ser tratadas de outras

formas, e, dependendo do caso, o endividamento vale à pena.

Este é o caso da educação. Um investimento forte, ou bons incentivos, na

educação pode trazer, ao médio e longo prazo, benefícios ao país que compensam

os gastos relativos a ela. E cabe ao Estado realizar tais investimentos e incentivos.

Assim, ao serem analisadas situações em que se utiliza a onerosidade do

Estado como fato de limitar os efeitos de uma norma inconstitucional, por exemplo,

vê-se uma incongruência. Se o Estado pode se endividar para realizar o necessário

para uma boa educação (que trará benefícios no futuro), não se cabe afirmar isto

como fato para limitar os efeitos.

4 Ver dados do Banco Mundial e do FMI sobre o balanço de pagamentos dos países desenvolvidos. Muitos deles (Estados Unidos, Reino Unido e França, por exemplo) operaram em déficit nos últimos dez anos e, mesmo assim, continuam sendo fortes economias.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Isto não pode ser observado no RE 500.171 GO e nos Embargos

Declaratórios que optaram por restringir os efeitos da declaração de

inconstitucionalidade da norma que previa a cobrança de taxas de inscrição nas

universidades. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração em

Recurso Extraordinário nº 500.171 – GO, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, 16

mar, 2011)

Na decisão em questão foi suscitado que haveria uma onerosidade muito

grande às universidades públicas, visto que poderia ocorrer uma devolução em

massa dos valores das taxas. Além de que esses valores eram revertidos em bolsas

para os alunos e que aqueles que declarassem que não poderiam pagá-las estariam

isentos. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração em Recurso

Extraordinário nº 500.171 – GO, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, 16 mar,

2011)

Ora, o voto do ministro Cezar Peluso, no Recurso Extraordinário que foi

questão dos embargos trouxe argumento semelhante ao proposto anteriormente. O

Estado não possui uma carência financeira para aplicar recursos nas universidades

públicas. Se assim é denotado, não haveria carência também a ele para ressarcir a

indevida cobrança feita pelas universidades. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal.

Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário nº 500.171 – GO, Relator:

Ministro Ricardo Lewandowski, 16 mar, 2011)

Além disso, a questão de bolsas de auxílio serem pagas com estas taxas,

parece-me que também é dever do Estado de disponibilizá-las, visto o elevado valor

que deveria ser destinado à educação. Isto também pode ser observado no voto do

ministro, visto os crescentes valores arrecadados pelo Estado com os impostos.

Assim, pode-se perceber que as justificativas utilizadas para a utilização do

instituto da modulação de efeitos não foram se não econômicas. Não há uma

justificativa plausível que se refira ao excepcional interesse social ou à segurança

jurídica.

Outro caso em que houve a modulação de efeitos foi na questão da

prescrição e decadência tributária suscitada pelo RE 560.626-1 RS. Vê-se neste

acórdão outro caso em que a modulação de efeitos foi utilizada para a manutenção

de determinados interesses econômicos, mesmo que de forma implícita.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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O voto do ministro Gilmar Mendes, que foi acolhido pela maioria dos

ministros, determinou a modulação de efeitos, tendo a decisão que declarou a

inconstitucionalidade efeitos ex nunc para os casos que não foram ajuizados até tal

decisão. O argumento utilizado foi o da repercussão e da insegurança jurídica que

se pode ter na hipótese. (2008, p. 926. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso

Extraordinário nº 560.621-1 – RS, Relator: Ministro Gilmar Mendes, 12 jun, 2008)

Entretanto, não foi utilizado nenhum embasamento para tal assertiva. Parece,

portanto, que tal decisão em restringir os efeitos foi para uma simples limitação dos

gastos que o Estado teria em devolver aos contribuintes valores que foram pagos

indevidamente por eles.

Assim, entende-se mais favorável o posicionamento em que se afasta a

possibilidade de modulação de efeitos. Sobre este mesmo caso, Rafael Rott de

Campos Velho escreveu (2012, p. 153):

Ressalta-se que o STF reconheceu a possibilidade de efeitos prospectivos com fulcro na segurança jurídica, de modo expresso na própria ementa, de maneira bastante desarrazoada, aplicando o instituto para proteger as contas governamentais. Como já exposto alhures, tem-se que, na realidade, não houve atenção a segurança jurídica que é destinada apenas aos contribuintes. Pelo contrário, as regras de competência constitucionais foram totalmente descumpridas, fazendo com que o particular não consiga usufruir dos ideais de cognoscibilidade e confiabilidade na própria Carta Magna.

Segue-se esta linha de entendimento, visto que a insegurança jurídica que

seria causada foi proveniente do próprio Estado ao promulgar lei inconstitucional.

Mesmo assim, se o Judiciário for utilizar argumentos que concernem fatores

econômicos, resta a ele delimitar os efeitos que uma limitação ou não dos efeitos

iriam causar. E para tal embasamento a AED traz um ferramental teórico necessário.

Vê-se na falta de argumentos teóricos uma falha do STF ao suscitar a

questão da modulação de efeitos. Nas questões econômicas, principalmente,

percebe-se uma obscuridade nos critérios que são utilizados por este órgão em

diversas decisões.

A AED poderia servir como um ferramental para embasar tais decisões, não

somente nas questões econômicas, mas principalmente nestas. Isto se deve aos

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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conceitos e ligações que esta possui com a economia e, portanto, com os valores

defendidos pelo STF em decisões como as citadas anteriormente.

Critérios como a eficiência e os custos de transação nas matérias jurídicas

podem se tornar mais compreensíveis ao se ter como ponto de análise questões que

envolvam fatores econômicos. Isto decorre principalmente porque tais conceitos

foram importados pela AED de teorias primeiramente econômicas.

Assim, ao serem analisados discursos sobre a modulação de efeitos se

referindo a uma grande onerosidade para o Estado (ou as universidades), poderia

ter sido utilizado o critério da eficiência para delimitar se esta onerosidade seria

realmente um caso de insegurança jurídica e/ou excepcional interesse social.

O critério de Kaldor-Hicks ou de Pareto, ao trazerem uma visão mais palpável

principalmente para o ponto do interesse social. Este poderia ser entendido como

algo que maximizasse (ou que pudesse aumentar em grande medida) o bem-estar

social. E, assim, as visões de eficiência citadas acima trariam uma boa base teórica.

No tocante da teoria baseada nos estudos de Pareto, não se consegue extrair

um entendimento condizente com a realidade do direito, fato este já exposto

anteriormente. Mesmo que este critério seja defendido por autores mais ortodoxos, o

critério de eficiência ficaria engessado e, portanto, de difícil aplicação na realidade

dinâmica do direito.

Já o conceito desenvolvido por Kaldor-Hicks possui uma maior maleabilidade.

Podem-se depreender ganhadores e perdedores das relações jurídicas e, assim, se

faz necessário sopesar se os ganhos dos ganhadores serão maiores que as perdas

dos perdedores.

Na modulação de efeitos isso não é diferente. Deste modo, quando proferidas

decisões referentes a este instituto, uma análise concreta de quais seriam os custos

e benefícios referentes à restrição de efeitos da inconstitucionalidade seria cabível.

Claro, estes custos/ganhos não são somente pecuniários. Existem muitos que não

podem ser medidos em forma de dinheiro, mas estes são de difícil aferição até

mesmo para os economistas.

Por tal razão, nas questões referentes principalmente a possível onerosidade

(pecuniária) que seria causada a alguém, este critério seria de boa utilização. Se as

perdas que seriam causadas aos perdedores superassem os ganhos auferidos pelos

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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ganhadores, ou neste caso, os custos dos efeitos ex tunc e os ganhos dos efeitos ex

nunc, poderia ser invocado o instituto da modulação de efeitos.

Para a vertente de Posner da AED, mesmo que não fosse expressamente

pautada em algum dos critérios a que se refere o artigo 27 da lei 9868/99, tal

decisão seria considerada eficiente. E se ela é considerada eficiente, seria, portanto,

considerada justa e maximizaria o bem-estar social. Nas palavras do autor:

(...) mesmo que os juízes tenham pouco compromisso com a eficiência, suas decisões ineficientes irão, por definição, impor custos sociais maiores do que aqueles impostos por suas decisões eficientes. Em resultado, os que perdem os casos erradamente decididos de um ponto de vista econômico terão um incentivo maior, em termos gerais, a pressionar por correção mediante recurso, por um novo processo ou por ação legislativa, do que os que perderem os casos judiciosamente decididos de um ponto de vista econômico – de modo que haverá uma forte pressão por resultados eficientes. (POSNER, 2007, p.483-484)

Determina-se, assim, que as decisões como um todo devem seguir um critério

de eficiência para que causem um menor desgaste do judiciário, tanto na questão do

tempo depreendido para uma causa quanto nos custos relativos a um novo

acionamento do sistema.

Isto não seria diferente na modulação de efeitos. Uma decisão ineficiente que

concerne sobre a restrição de efeitos da norma inconstitucional pode trazer à tona

gastos sociais maiores do que se este instituto não fosse utilizado.

Por isso, um embasamento teórico que determine nos casos concretos qual

seria a solução mais eficiente se faz necessário. E nisto a AED consegue espaço.

Mesmo que, a princípio, haja uma desconformidade com o princípio da

legalidade ao poder se desconsiderar a estrita palavra da lei para se atingir decisões

eficientes, vê-se que para a AED isto não é um conflito necessário.

Pode-se entender que, partindo-se de uma base referente à AED, não haveria

descompasso em se harmonizar os princípios de eficiência e de legalidade

propostos pela Constituição Federal. Deste ponto de vista, estes são

complementares e as leis devem se adequar para que uma maior eficiência nas

questões jurídicas seja auferida.

Há ainda o posicionamento dissidente da teoria “clássica” da AED que utiliza

os estudos institucionalista de John Commons como base para a teoria. Já citada

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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neste texto, tal vertente vê na relação econômico-jurídica uma relação evolucionária.

Evolução esta no sentido de mudança e não necessariamente no sentido de

melhora.

Partindo desta visão, o instituto da modulação de efeitos seria uma obra da

evolução do sistema jurídico brasileiro para atender as necessidades que foram

impostas pela maior dinamicidade das relações jurídicas.

E, também, as decisões que são obras deste instituto precisam ter um

embasamento na evolução do sistema jurídico-econômico para que sejam válidas.

Os argumentos que as embasam precisam ser coerentes com o momento em que

estão inseridos e fazer uma análise interdisciplinar do instituto para que se possa ter

uma visão mais ampla de como a sua utilização ou não poderia ser benéfica para a

relação jurídica em questão.

Claro, esta vertente é muito generalista e não expõe soluções concretas para

o problema da argumentação no caso de modulação de efeitos. Entretanto, ela se

mostra de uma maneira mais plausível e menos suscetível a críticas do que a

vertente que utiliza a eficiência como o critério principal para se auferir a justiça nas

decisões judiciais.

As críticas tanto à AED como uma escola de pensamento quanto à sua

aplicação no campo da modulação efeitos foram deixadas para o fim por se

relacionarem. Deste modo, pode-se fazer uma análise mais ampla das falhas de tal

vertente.

Ambas as vertentes mais difundidas desta visão – positiva e normativa –

possuem críticas bem fundadas. E, para um estudo mais completo, serão analisadas

primeiramente as críticas relativas a um caráter geral da AED e, em seguida, as

críticas mais específicas a conceitos ou valores pregados pela AED.

Destarte, é preciso ter por razão que a sociedade consumista possui suas

falhas, e, consequentemente, teorias econômicas que embasam um estilo de vida

que possui injustiças intrínsecas ao seu sistema não podem ser levadas plenamente

transportadas para o campo onde a justiça é (ou deveria ser) o bem maior.

E mesmos estes valores não podem ser tratados como verdades imutáveis.

Vivemos em um ambiente onde as relações e as instituições evoluem e não podem

ficar estagnadas enquanto o resto do mundo muda. Isso não é diferente com o

direito e com a noção de justiça. Cada sociedade em cada momento histórico possui

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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uma noção de justiça que é melhor aplicável a ela. Não existe, portanto, um único

critério, como a eficiência, que possa ser levado como guia universal e etéreo das

relações humanas.

E neste ponto a AED peca. Vê-se uma tentativa clara de tentar adequar as

decisões tomadas o campo jurídico a critérios econômicos como se estes fossem a

melhor forma de explicá-lo (vertente positiva) ou, ainda pior, de tentar ditar as

relações jurídicas para que estas possuam, realmente, um viés econômico (vertente

normativa).

Esta presunção acaba por tornar o ferramental da AED falho. Se estes

valores não fossem considerados como os melhores para explicar o direito pelos

autores que seguem tal linha, mas sim como um instrumento a mais para delimitar

critérios que se adequem à realidade em que estamos inseridos, ver-se-ia na AED

uma boa linha de raciocínio.

A eficiência como um critério principal de se auferir a justiça nos casos

concretos é algo que deve ser criticado. A maximização da riqueza (ou bem-estar)

que é proposta com esta análise acaba por desconsiderar fatores importantes da

sociedade para se restringir em um critério econômico em sua essência.

Sob a égide deste princípio, não haveria distinção e proteção das minorias,

mesmo que estas, sob um ponto de vista social, precisem ter seus direitos

amparados pelo Estado. Assim, seria apenas analisado se a situação acarretou em

um ponto onde não se pode modificar sem que outros percam (critério de Pareto),

ou que os ganhos superam as perdas (critério de Kaldor-Hicks).

Vislumbra-se deste modo a desigualdade que a utilização deste critério

poderia ocasionar se aplicado nas relações jurídicas. E, mesmo que a AED não

saliente, a igualdade é um dos fatores principais em todas as sociedades ocidentais

de hoje e, portanto, não pode ser deixada de lado quando se tentar auferir a justiça.

Como expõe Alejandro Bugallo Alvarez (2006, p. 63):

Na prática, o critério é criticado por três razões: primeiro, porque na prática cada indivíduo da sociedade tem o direito de veto a qualquer decisão social, o que equivale a admitir que ótima é uma situação, se dada qualquer outra alternativa sempre exista alguém que a vete, razão porque pode haver muitas situações distintas sendo todas ótimo de Pareto; segundo, porque não questiona a situação existente, ou ponto de partida, razão porque na realidade mantém o statu quo; e terceiro, porque é escassamente sensível aos problemas da justiça distributiva. O Ótimo de Pareto é um critério para aferir a eficiência social, e não um critério de justiça, mas a doutrina

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econômica inferiu a moralidade do mercado sempre que verificada a eficiência, razão porque nas condições ideais os mercados são competitivos e, consequentemente, são eficientes: a concorrência garantindo a eficiência, ou na formulação da Escola de Chicago, a eficiência garantindo a competitividade e a concorrência.

E a mesma crítica pode ser transportada ao critério de Kaldor-Hicks. Ao se

analisar apenas a alocação dos recursos, não se distingue que possam existir outras

inúmeras situações possíveis. E, além disso, não se questiona se a situação, em

que há um ganho maior que as perdas, está trazendo uma verdadeira sensação de

justiça para os agentes.

De qualquer forma, o critério de eficiência, ao ser utilizado como forma

complementar de análise e não como ponto principal, pode trazer um bom

ferramental. Nesta linha:

“A eficiência é o valor por excelência de um sistema econômico”, todavia, embora possam existir situações em que eficiência e justiça não se oponham, a regra é que “existe uma relação inversa entre equidade e eficiência”, o que não implica” que toda teoria econômica esteja a favor do princípio da eficiência, nem que seja sempre desejável a solução eficiente” Invocando o magistério de Barberá, precisa que as “ relações entre justiça e eficiência são muito complexas” podendo as mesmas formular-se em diversos níveis, o que possibilita afirmar: 1º que “uma sociedade idealmente justa é uma sociedade eficiente”;2º que uma sociedade que desperdiça ,não utiliza ou subutiliza recursos não é uma boa sociedade e dificilmente a qualificaríamos de justa e equitativa; 3º que a eficiência é um componente da justiça, embora nem o único nem o principal critério de justiça;4º que a eficiência , entendida como critério que maximiza a riqueza social, exige, em determinadas situações, a intervenção Estatal ou intervenções externas ao mercado; 5º observar o fenômeno jurídico desde o ponto de vista da eficiência pode ser especialmente útil para a construção de uma política jurídica que alcance seus objetivos, sendo importante avaliar os instrumentos jurídicos em função da eficiência. (ALVAREZ, 2006, p. 64)

Compreende-se, assim, que a eficiência possui suas vantagens, e a busca

por uma maximização do bem-estar também, mas inseridos num ambiente de

análise da equidade. Ambiente este que é mais propício para uma formulação de um

conceito de justiça aplicável para os dias de hoje.

Ronald Dworkin, um dos maiores críticos da AED, pode observar que há uma

possível inclusão deste ponto em uma teoria mais ampla e que utiliza a igualdade

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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também como critério. Sobre este conceito de justiça que envolva a igualdade,

analisa-se:

Como a justiça diz respeito à distribuição, a igualdade constitui-se no critério aferidor da justiça. A propósito, adverte DWORKIN, nenhum governo é legítimo a menos que demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos. A consideração igualitária é a virtude soberana da comunidade política – sem ela o governo não passa de tirania – e, quando as riquezas da nação são distribuídas de maneira muito desigual, como o são as riquezas das nações muito prósperas, então sua igual consideração é suspeita, pois a distribuição das riquezas é produto de uma ordem jurídica. Quando o governo promulga ou mantém um conjunto de leis e não outro, não é apenas previsível que a vida de alguns cidadãos piore devido a essa escolha, mas também, em um grau considerável quais serão esses cidadãos. Devemos estar preparados para explicar aos que sofrem dessa maneira, por que foram, não obstante, tratados com a igual consideração que lhes é devida. Por outro lado, a aferição da igualdade é comparativa e sua dimensão ou conteúdo é complexa. (ALVAREZ, 2006, p. 65)

Portanto, pode-se ver que uma teoria que utilize um critério de igualdade

acima de um critério de eficiência é mais adequada para uma análise de justiça

referente às decisões dos juízes. E uma especificação na questão da modulação de

efeitos não traria outra visão.

Não obsta se falar dos prejuízos que a utilização da AED poderia trazer, no

tocante de uma noção de justiça, nas decisões relativas à modulação de efeitos.

Vê-se que os critérios legais para que tal instituto seja utilizado é o do

excepcional interesse social e da segurança jurídica. Claro, uma análise sobre a

eficiência de tal decisão no quesito econômico traz suas vantagens ao se ponderar

os prejuízos causados em relação aos ganhos auferidos.

Entretanto, numa análise tão simplista, falta olhar quem está sofrendo e

ganhando com a decisão. Ora, uma lesão a um grupo de indivíduos em específico

pode trazer uma perda de igualdade na relação muito maior do que a mesma lesão

a outro grupo.

Na modulação de efeitos também pode ser analisado isso. É preciso se

ponderar até que ponto as perdas, por exemplo, ao Estado podem ser de maior

importância do que a perda para as pessoas que foram afetadas concretamente pela

contemplação de uma norma inconstitucional pelo nosso sistema.

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Claro, a perda do Estado (ou de universidades, ou de um grupo econômico)

pode acarretar em uma perde de um valor ou bem de excepcional interesse para a

sociedade como um todo. Entretanto, isto não pode ser considerado como regra.

É preciso se ressaltar, novamente, que quem colocou a norma

inconstitucional no ordenamento jurídico foi o legislador e, portanto, o Estado. Se

este acaba por trazer ao sistema um fato que não poderia ser compatibilizado com a

Constituição, que é a égide do nosso ordenamento, ele deve arcar com os seus

atos.

Assim, mesmo que seja mais eficiente muitas vezes conceder a limitação dos

efeitos da declaração de inconstitucionalidade, é preciso se analisar se isso iria

trazer uma situação equânime para as pessoas que, de boa-fé, tiveram uma perda

devido a uma norma inconstitucional.

Por tal razão, a eficiência como um critério único não pode ser considerada de

forma isolada para que a justiça nas decisões da modulação de efeitos seja também

alcançada. É preciso se analisar qual escolha irá acarretar numa situação de maior

igualdade entre os agentes e, caso isto acarrete numa decisão eficiente, melhor.

Entretanto, se isto for ineficiente, esta não deve ser deixada de lado para que o

critério da eficiência seja levado em maior consideração.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que foi proposto neste estudo foi analisar as contribuições e críticas que a

análise econômica do direito poderia trazer na fundamentação teórica das decisões

concernentes à modulação de efeitos.

Vê-se na AED uma escola que possui várias vertentes com diferentes

argumentos e posicionamentos em relação ao direito. Entretanto, todas elas

possuem um campo em comum: a utilização de conceitos derivados da economia

para que o direito trabalhe de forma melhor.

Posner, quiçá o maior nome na referida escola, delimitou no critério da

eficiência o ponto-chave da sua teoria. Para ele, as decisões dos juízes e as normas

inseridas no ordenamento jurídico deveriam ser eficientes.

Eficiência esta que pode ser auferida de dois principais modos: através do

critério de Pareto ou do critério de Kaldor-Hicks. No primeiro, vê-se que a eficiência

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seria alcançada em qualquer ponto em que não pudessem ocorrer melhoras de uma

parte sem perdas de outra. Na segunda, em contrapartida, a eficiência seria

alcançada se os ganhos conseguissem superar as perdas.

Há ainda de se citar que existem outras correntes minoritárias na escola.

Entre elas, a vertente institucionalista chama atenção pela análise evolucionista das

relações jurídicas, propondo que estas devem ser analisadas não só sob o condão

da economia, mas sim numa forma em que se veja a mudança que esta teve no

decorrer do tempo.

Após a análise desta teoria, foi preciso delimitar alguns conceitos referentes

ao controle de constitucionalidade brasileiro que desembocam na modulação de

efeitos. Tal controle visa a decretação (ou não) da incongruência de determinado

dispositivo em relação a normas e princípios delimitados na Constituição.

Assim, começou-se fazendo referência ao conceito de inconstitucionalidade.

Este se refere a dispositivos contrários à Carta Magna e que, por isso, não deveriam

ter sidos abarcados pelo ordenamento jurídico. Ao fazer tal inserção, houve uma

contaminação deste sistema e, por isso, tal anomalia deve ser tratada sendo

expurgada do ordenamento.

Para tal fato há o controle de constitucionalidade. Ele determina quais normas

devem ser retiradas do sistema para que ele não continue contaminado. Este

controle pode se dar por dois grandes grupos de meios: pelo controle direto, onde o

ponto principal a ser discorrido é exatamente a constitucionalidade das normas; ou

via controle incidental, onde tal controle se dá para a apreciação de um direito

material.

Em especial ao controle concentrado (ou direto), pode-se ver que os efeitos

da declaração de inconstitucionalidade são retroativos, ou seja, atingem os fatos

anteriores a decisão que proferiu a inconstitucionalidade. Isso decorrente da teoria

da nulidade das normas inconstitucionais.

Entretanto, tais efeitos podem sofrer restrições. E nesta seara entra a

modulação de efeitos. Tal instituto visa restringir a declaração de

inconstitucionalidade, seja na questão temporal, seja na questão de determinados

casos.

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Ele está previsto no artigo 27 da lei 9868/99, onde se instituiu que neste

controle poderiam haver restrições aos efeitos, desde que atingido o quórum mínimo

e que fosse analisado caso de excepcional interesse social ou segurança jurídica.

Mesmo assim, acaba-se por ver nas decisões proferidas pelos Ministros nos

casos de utilização ou não deste instituto, uma falta de justificativas que comprovem

a real necessidade dessa providência, mesmo que esteja estipulado em lei que tais

critérios devem ser os motivos.

Há uma preponderância de decisões que envolva interesses econômicos nos

quais utiliza do instituto sem a devida argumentação teórica e legal. Por tal razão,

para trazer uma possível luz a tais decisões, foi proposta a utilização da AED como

embasamento de tais casos.

Vê-se na utilização da eficiência como parâmetro para delimitar quais seriam

os possíveis prejuízos e ganhos em determinada situação e o possível modo de

maximizar o bem-estar social. Trata-se de uma forma de melhor contribuir para a

fundamentação das decisões que modulam os efeitos da inconstitucionalidade.

De qualquer forma, mesmo que ocorra um benefício com tal utilização, ainda

é preciso ressaltar as críticas a esta forma de análise.

Ao utilizar o critério da eficiência como uma máxima, como é pregado pela

vertente que tem Posner como expoente, acaba-se por deturpar o ideal de justiça.

Este ideal se tornaria uma simples ponderação de fatores econômicos, sem levar em

conta quem e porque estaria sendo afetado pelas decisões.

Por tal razão, há a necessidade de se utilizar um critério mais vasto e mais

condizente com o ideal de justiça da sociedade atual. E o que mais se aproxima

disso seria o critério da igualdade.

A questão da eficiência tem papel importante, mas ela não deve ser

considerada como o principal agente a ser tratados nas questões difíceis e

excepcionais suscitadas pela modulação de efeitos.

Assim, pode-se ver que a utilização da AED na modulação de efeitos possui

suas vantagens, mas esta deve ser utilizada de forma homeopática, não

desconsiderando outros valores pregados pela Carta Magna e pela ideia de justiça.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

101

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS

AMBIENTAIS: ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA DO ESTADO

STATE CIVIL LIABILITY FOR ENVIRONMENTAL DAMAGE:

SUPERVISORY ACTIVITY

Geovana Tie Amorim Shibuya1

Regina Maria Bueno Bacellar2

1 Graduanda de Direito do Centro Universitário UNICURITIBA. 2 Advogada Consultora, possui graduação em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1985), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e especialização em Ecologia e Direito Ambiental. Atualmente leciona no curso de graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA e em Cursos de Pós Graduação realizados pelas seguintes Instituições de Ensino: UNIFAE, UNIBRASIL, FEMPAR. Possui experiência nas áreas de Direito Civil, Administrativo, Ambiental, Urbanístico e Direito de Energia/Regulatório. Membro das Comissões da Mulher Advogada e do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

102

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Princípios. 3. Responsabilidade Civil Ambiental. 4.

Responsabilidade Civil do Estado. 5. Dano causado por atividade com licença

ambiental. 6. Responsabilidade Solidária do Estado. 7. Considerações finais.

Referências.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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RESUMO

O reconhecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito

difuso fez com que a proteção jurídica ambiental adotasse uma forma mais severa

da responsabilidade civil, buscando uma reparação eficaz para os danos causados

ao meio ambiente e prevenindo o ocasionamento destes danos, uma vez que o meio

ambiente muitas vezes não é reparável. Este caráter preventivo será principalmente

aplicado pelo Estado através da sua atividade fiscalizatória, de modo a coibir as

atividades humanas a serem executadas de acordo com as leis ambientais.

Palavras-chave: responsabilidade civil do Estado, dano ambiental, atividade

fiscalizatória, prevenção.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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ABSTRACT

The recognition of an ecologically balanced environment as a diffuse right made the

environmental legal protection adopt a more severe form of liability, seeking effective

award of the damage caused to the environment and preventing the execution of

these damages, since the environment is often not repairable. This preventive

charcter will be mainly implemented by the State through its inspection activity in

order to curb human activities to be performed in accordance with environmental

laws.

Keywords: state civil liability, environmental damage, supervisory activity,

prevention.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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1 INTRODUÇÃO

Com o reconhecimento do meio ambiente como um bem jurídico de interesse

público, a proteção do meio ambiente se tornou um dever do Estado, o qual não

pode dispor desta atribuição. Isso siginifica que, quando o Estado falhar ou se omitir

do dever de proteger e preservar o meio ambiente, haverá uma resposta jurídica,

qual seja a responsabilidade civil por danos ambientais.

Para analisar a responsabilização do Estado no campo do Direito Ambiental é

importante o estudo da evolução da proteção do meio ambiente no ordenamento

jurídico brasileiro, tendo em vista principalmente sua inserção na Constituição Federal,

e além disso, a criação de princípios que norteiam as normas ambientais.

Esta análise será realizada através do estudo do conceito e da importância

jurídica do meio ambiente, para que assim possa ser verificado o fundamento da

preocupação com o objeto do Direito Ambiental bem como a necessidade da criação

de mecanismos jurídicos que visem proteger o meio ambiente.

Em se tratando de dano causado pelo Estado, é necessária a verificação das

atribuições do Poder Público em relação ao ambiente, ou seja, quais atos públicos

que são realizados ou deixem de ser realizados podem resultar na

responsabilização civil ambiental. Sendo assim, esta responsabilização ocorrerá

tando por dano comissivo e como por dano omissivo tendo em vista os deveres

públicos atribuídos ao Estado.

Por fim, nas hipóteses em que o Estado responde solidariamente por dano ambiental,

evidencia-se que na maioria dos casos o causador direto não responde sozinho pelo

dano, sendo que o dever constitucional do Estado em proteger o ambiente faz com

que a sua responsabilidade seja presente tanto nas situações em que atua como

poluidor bem como na sua falha ou omissão de controle.

2 PRINCÍPIOS

Assim como em outras ciências, o Direito Ambiental também se serve de

fundamentos básicos que orientam toda sua estrutura jurídica subsequente, ou seja,

utiliza-se de regras gerais e abstratas que servem como base nuclear para as

normas do direito positivado.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

106

Os princípios são mandamentos que dão sentido lógico ao sistema normativo,

estão em um patamar hierárquico maior em relação às outras normas, de modo que

exercem a função de otimizar direitos e bens jurídicos contidos no ordenamento

jurídico. Os princípios exercem um papel muito importante no Direito Ambiental uma

vez que a partir deles se atribui conteúdo valorativo às normas, isso ocorre a partir

de um juízo de ponderação com outros princípios, o qual estabelece comparações

que pesa cada um e aplica o mais efetivo no caso concreto (SIRVINSKAS, 2013,

pg.137).

Em relação à responsabilidade civil do Estado por danos ambientais existem

três princípios gerais do Direito Ambiental que se aplicam diretamente nas situações

em que o Poder Público deixar de exercer a atividade fiscalizatória, se omitindo do seu

dever de proteger o meio ambiente: o princípio da prevenção e da precaução e o

princípio da natureza pública do meio ambiente.

O princípio da prevenção e o princípio da precaução, apesar de tratarem de

meios de evitar a degradação do ambiente, são expressões com significados

distintos, de modo que a prevenção diz respeito ao ato de antecipar-se para evitar

um risco já conhecido, e a precaução sugere um cuidado com riscos em que não se

conhece o resultado. Ambos são princípios basilares do Direito Ambiental, uma vez

que o dano ambiental é em regra irreparável foi estabelecido um extenso rol de

normas de caráter preventivo e precaucional.

Primeiramente, o princípio da prevenção será aplicado naqueles casos em que

existe um perigo concreto, no qual já é sabido que determinada ação ou atividade

humana causará certo resultado. Este preceito serve para evitar a ocorrência de impactos

ambientais conhecidos pela ciência, de modo que se destina ao momento anterior à

execução da ação que gerará o dano. A aplicação deste princípio se dá através da

imposição de medidas acautelatórias antes da implantação de empreendimentos e

atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras (MILARÉ, 2011,

pg.1071), sendo uma dessas medidas a atividade fiscalizatória.

Já o princípio da precaução se destina aos perigos abstratos, se trata de riscos

incertos, os quais não se sabem o resultado do impacto ambiental. Este princípio é

aplicado a partir da mera possibilidade de ocorrer um dano, se encontra no campo

das hipóteses, evitando que a incerteza científica deixe o meio ambiente desamparado.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

107

O princípio em questão é considerado inovador uma vez que diminui as

chances de uma experimentação causar impactos negativos ao meio ambiente,

evitando que uma futura descoberta revele que um experimento resultou em dano

ambiental irreversível ou irreparável. Sobre este assunto ensina Milaré (2011, p.

1071): "Com efeito, no teor do princípio 15 da Declaração do Rio, a ausência de

certeza científica não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas

efetivas capazes de evitar a degradação do meio ambiente".

Existe um princípio que engloba esta característica preventiva e precaucional

do Direito Ambiental, o princípio do poluidor-pagador, o qual estabelece que

havendo poluição seja automaticamente atribuído ao poluidor o dever de arcar com

os custos decorridos do dano causado por ele. Isso significa que, esta

responsabilização mais severa em relação aos danos causados ao meio ambiente

faz com que o potencial poluidor evite o ocasionamento de danos ambientais, a

atividade deverá ser exercida com mais cautela sob pena de ser imputada a

responsabilidade objetiva e integral do dano. Portanto, embora o princípio em

questão atribua ao poluidor o pagamento por um dano já causado, o objetivo não é

tão somente a indenização do dano. A intenção é de inibir as ações agressoras

contra o meio ambiente, afastando a ideia de que o meio ambiente será sempre

indenizável.

O outro princípio que fundamenta a responsabilização do Estado pela

omissão de seus deveres é o princípio da natureza pública da proteção ambiental.

Este princípio encontra fundamento no reconhecimento do meio ambiente

ecologicamente equilibrado como interesse geral e coletivo, de maneira que a própria

Lei n.o 6.938 de 1981 prevê no art. 2.o, inciso I, que o meio ambiente será considerado

"patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o

uso coletivo". Ainda, previsto no art. 225, caput na Constituição Federal, o dever

imputado ao Poder Público na proteção e defesa do meio ambiente (Lei n.o

6.938,1981).

Tendo em vista que o meio ambiente foi caracterizado como interesse público,

aplica-se por meio do Direito Público e Administrativo, os princípios da primazia do

interesse público e da indisponibilidade do interesse público, não restando dúvidas

sobre o dever do Estado em tutelar o meio ambiente em nome da coletividade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

108

Ao tratar da gestão ambiental atribuída ao Poder Público, Paulo Affonso Leme

Machado (2012, pg.139) ensina:

Os Estados passam a ter responsabilidade em exercer o controle que dê bons resultados, e devem ser responsáveis pela ineficiência e implementação de sua legislação. A corresponsabilidade dos Estados deverá atingir seus agentes políticos e funcionários, para evitar que os custos da ineficiência ou das infrações recaiam sobre a população contribuinte, e não sobre os autores dos danos ambientais.

Neste sentido, a lei atribui não somente a coletividade, mas também ao Estado o

dever de preservar e manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo

que o Poder Público foi incumbido de salvaguardar os interesses socioambientais a

partir da sua atuação como fiscalizador, representando sua figura de Estado

garantidor do bem-estar da sociedade.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Em sentindo amplo, a noção de responsabilidade civil está relacionada ao

direito de compensação ou reparação por um dano sofrido (ANTUNES, 2011, pg. 247)

diz respeito à obrigação do causador do dano em reparar o prejuízo que causou e do

direito da pessoa prejudicada de ter o dano reparado. Porém, em se tratando do

bem jurídico meio ambiente, o papel da responsabilidade civil não é meramente a

indenização ou reparação do dano causado, mas também de exercer uma ação

coercitiva para que haja prevenção e precaução na execução de atividades

potencialmente poluidoras. Para isto, o Direito Ambiental, através da Lei de Política

Nacional do Meio Ambiente, instituiu a responsabilidade objetiva para todos os casos de

ocorrência de danos ambientais, a qual, conforme dispõe o art. 927, § único, do

Código Civil de 2002, estabelece que: "Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem".

A responsabilidade objetiva adotada pelo Direito Ambiental é baseada na

teoria do risco da atividade. Esta teoria considera responsável toda pessoa que

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

109

exerce atividade perigosa ou de risco, isso significa que, uma pessoa que criar uma

situação propícia para ocorrência de um dano será automaticamente

responsabilizada pelo resultado danoso decorrente do risco criado. Ademais, o

causador do dano ambiental estará obrigado a reparar a lesão causada

integralmente, e nos casos em que não for possível a reparação do dano, o

responsável deverá cumprir a obrigação de pagamento de indenização pecuniária

que será revertido para um fundo destinado ao meio ambiente. (ANTUNES, 2011,

pg. 418).

Em se tratando de um bem jurídico de difícil reparação, a responsabilidade

objetiva fundada na teoria do risco integral serve para estabelecer um sistema que

reflete não somente a efetiva reparação do dano, como também a prevenção em

relação às atividades de risco. O objetivo da responsabilidade ambiental é trazer

uma segurança jurídica maior ao bem tutelado através da certeza da imputação, de

modo que a culpa foi excluída dos pressupostos de responsabilização para garantir

esta imputação.

As características próprias da responsabilidade civil ambiental, a começar

pelos princípios básicos que fundamentam esta responsabilização mais severa,

estão ligadas ao caráter reparatório e preventivo da responsabilidade civil.

Três dos princípios básicos que caracterizam a responsabilidade civil ambiental

já foram citados no rol de princípios gerais do Direito Ambiental, sendo eles: o

princípio do poluidor-pagador, o princípio da precaução e o princípio da prevenção.

Segundo Édis Milaré (2011, p.1074), o princípio do poluidor-pagador "constitui o

fundamento primário da responsabilidade civil em matéria ambiental", uma vez que o

objetivo deste princípio é estabelecer que o agente que lucrar com atividade de risco

estarão obrigados a reparar os danos decorrentes dela. Os princípios da precaução

e da prevenção também são os fundamentos para a questão do risco adotada pela

responsabilidade objetiva ambiental, de forma que a severa imputação da

responsabilidade representa uma ação inibitória de atividades lesivas ao meio

ambiente, evitando que o risco da atividade se materialize.

Além destes princípios orientadores, as consequências da objetivação da

responsabilidade civil ambiental também representam suas características

marcantes. Conforme os ensinamentos de Édis Milaré (2011, p.1256), tais

consequências são: a prescindibilidade de investigação de culpa, a irrelevância da

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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licitude da atividade e a inaplicabilidade de excludentes e de cláusula de não

indenizar, demonstrando novamente que o rigor da responsabilidade imputada aos

casos de dano ambiental busca a maior efetividade de reparação.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

De maneira geral, a responsabilidade civil do Estado, segundo Marçal Justen Filho,

"consiste no dever de indenizar as perdas e danos materiais e morais sofridos por

terceiros em virtude de ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado" (JUSTEN

FILHO, 2006, p.806). A Constituição Federal prevê a responsabilidade civil do

Estado quando subordinada ao regime jurídico específico de direito público

(JUSTEN FILHO, 2006, p.808), dispondo, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6.o As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A responsabilidade civil em questão diz respeito à responsabilidade extracontratual

do Estado, este instituto afasta a aplicação de princípios do direito privado que decorrem

de um contrato. A responsabilidade extracontratual, diferente da responsabilidade

contratual que protege os particulares de certos eventos, é mais abrangente em

relação à aplicação responsabilização. Neste sentido, entende Maria Sylvia Zanella

di Pietro (2004, p.547):

Ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

111

Ademais, como já comentado anteriormente, o art. 225 da Constituição Federal

impôs ao Estado o dever de defender e preservar o meio ambiente, atribuindo ao

Poder Público o papel de garantidor da qualidade do meio ambiente e do bem-estar

da população. Isso significa que, o Estado não será responsabilizado somente pela

prática de atividades degradadoras, mas também pelo descumprimento do seu

dever de proteger o meio ambiente.

A responsabilidade civil ambiental do Estado é bem mais complexa do que a

aplicada aos particulares. O Estado poderá responder por dano ambiental causado

direta ou indiretamente, ou seja, será imputada a ele a responsabilidade de dano

causado por conduta comissiva praticada pelo próprio Poder Público, e ainda por

conduta omissiva quando deixar de exercer seus deveres.

Caberá a responsabilização do Estado por conduta omissiva nos casos em que

o Poder Público no exercício de sua função desconsiderar os valores ambientais

permitindo que empreendedores exerçam atividades degradadoras de maneira lícita, ou

seja, com licenciamento ambiental, e nos casos em que o Estado se omitir no dever

de fiscalização. Complementando este entendimento, segue a exposição de Marcia

Dieguez Leuzinger (2007, p. 192):

A responsabilidade do Estado é mais extensa que a dos particulares, pois os deveres públicos colocam o Estado permanentemente na posição de obrigações de variadas que é obrigado a cumprir, atuando, muitas vezes, por meio de atos de polícia, restringindo ou condicionando uso de bens, gozo de direitos e exercício de atividades e dispondo, para tanto, do uso natural da força.

No caso de concessão de licenciamento ambiental, haverá responsabilidade

do Estado devido à atuação negligente por parte do Poder Público nos casos em

que é necessária a sua autorização para liberação de atividade que interfira no meio

ambiente. Ocorre que a administração pública pode adotar um entendimento que não

respeite valores ambientais, liberando uma licença ambiental que possa acarretar

prejuízos ao meio ambiente. Para a responsabilidade civil ambiental não importa o

fato de um empreendedor estar praticando sua atividade de maneira lícita por meio

de autorização do poder público, basta haver o dano e o nexo de causalidade para

que seja imputada a responsabilidade civil. Nas palavras de Paulo Affonso Leme

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

112

Machado (2012, p.421): "A licença ambiental não libera o empreendedor licenciado

de seu dever de reparar o dano ambiental. Essa licença, se integralmente regular,

retira o caráter de ilicitude administrativa do ato, mas não afasta a responsabilidade

civil de reparar".

O licenciamento ambiental está previsto no art. 9, inciso IV da Lei n.o 6.938/1981,

o qual prevê que "o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente

poluidoras" são instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, e encontra

seu conceito no art. 1.o, inciso I, da Resolução n.o 237/97 do CONAMA, o qual dispõe,

in verbis:

I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

Este instrumento faz parte da gestão ambiental e visa controlar as atividades

humanas que interferem na qualidade do ambiente, de modo que compete a um

órgão público ambiental deferir decisão sobre exploração de determinada atividade

considerando o fato que é dever constitucional do Estado resguardar o direito ao

ambiente ecologicamente equilibrado. Tendo isso em vista, no caso de uma atividade

licenciada provocar dano ao meio ambiente o Estado também responderá solidariamente

por este dano, já que foi ele quem permitiu o funcionamento da atividade degradadora.

5 DANO CAUSADO POR ATIVIDADE COM LICENÇA AMBIENTAL

Considerando o fato de que o meio ambiente é um bem sobre o qual inexiste

direito subjetivo, ou seja, se trata de um patrimônio público, a Administração Pública

se utiliza de instrumentos de controle decorrentes de seu regular exercício de poder

de polícia para garantir que este patrimônio seja utilizado de acordo com os

regulamentos e leis ambientais. O instrumento utilizado para outorga de direito que

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

113

autoriza exercício ou atividade que interfira no meio ambiente é o licenciamento

ambiental. A importância deste instrumento é tratada por Édis Milaré (2013, p.777):

Como ação típica e indelegável do Poder executivo, o licenciamento constitui importante instrumento de gestão do ambiente, na medida em que, por meio dele, a Administração Pública busca exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico. Isto é, como prática do poder de polícia administrativa, não dever ser considerado como obstáculo teimoso ao desenvolvimento, como infelizmente, muitos assim o enxergam.

De acordo com os doutrinadores, o licenciamento ambiental é um procedimento

administrativo que obedece a preceitos legais, normas administrativas e rituais

claramente estabelecidos (MILARÉ, 2013, pg. 778), visando um resultado final: a

licença ambiental. A licença ambiental, por sua vez, é um ato administrativo que

deverá atender exaustivamente os requisitos legais (MILARÉ, 2013, pg.777), porém,

ao contrário das licenças que não tratam de questões ambientais, mesmo que

atendidas as exigências legais a Administração Pública poderá exercer seu poder de

discricionariedade para preencher as lacunas das normas, uma vez que a legislação

ambiental é muito genérica. Isso significa que a licença ambiental não é um ato

administrativo vinculado como as outras licenças, por exemplo a urbanística, a qual

uma vez preenchido os requisitos legais que seguem padrões específicos e

determinados o Poder Público está obrigado a conceder o direito à licença (MILARÉ,

2013, p.782).

Tendo em vista a discricionariedade deferida aos órgãos ambientais que

examinam os pedidos de licença ambiental é verificado um dos motivos pelo qual o

Estado é responsabilizado por ser causador indireto de danos ambientais. A partir do

momento em que é autorizada a utilização de critérios muito subjetivos para determinar

as condições de liberação de uma licença surge a possibilidade de uma deliberação

negligente, a qual pode resultar em uma concessão de licença ambiental para uma

atividade que provoque danos ao meio ambiente. Portanto, quando a Administração

Pública defere uma licença ambiental a uma atividade degradadora ela está

contribuindo indiretamente para a execução desta atividade, sendo que o

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

114

indeferimento da licença impossibilitaria o desempenho de tal. Paulo Afonso Leme

Machado (2010, p.377) discorre sobre este assunto:

A Administração Pública não pode, intencionalmente, desconsiderar valores ambientais constitucionais. São valores indisponíveis, que não lhe pertencem. Contudo, como a norma constitucional, na maioria das vezes, não fornece regras específicas para a proteção ambiental, poderemos encontrar atividade discricionária da Administração Pública diferenças de entendimento ou de percepção. Desse comportamento dos órgãos públicos ambientais, poderão surgir prejuízos contra os seres humanos e o meio ambiente. Esses prejuízos devem ser reparados de acordo com o regime da responsabilidade civil objetiva, conforme o art. 14, parágrafo primeiro da Lei 6.938 de 31.8.1981.

Deste modo, a licença ambiental serve para que Administração Pública exerça

seu dever à defesa do meio ambiente, mas esta liberdade deliberativa conferida à

autoridade ambiental para a expedição de alvará faz com que o Estado seja responsável

pelos danos causados pela atividade licenciada.

Além da discricionariedade técnica utilizada pela Administração Pública, qual

seja um dos motivos de causa de danos ambientais decorrentes de atividades

licenciadas pelo Estado, vale lembrar que se a expedição da licença ambiental for

resultado de uma deliberação írrita (VITTA, 2008,p.106), ou seja, sem observância

das normas legais, também será imputada a responsabilidade civil ao Estado, tendo

este contribuído para o resultado dano. Segue os ensinamentos do ambientalista

Heraldo Garcia Vitta (2008, p.106) sobre este assunto:

Se a Administração Pública expede licença ambiental para alguém, contudo de maneira irrita, isto é, não observando as normas legais (o particular não tinha direito a licença à licença ambiental, ou não se observaram os padrões mínimos de comportamento do Estado), tendo havido danos ao ambiente, em face de conduta do licenciado, haverá responsabilidade civil do Estado, por danos a terceiros lesados, pois o Poder Público praticou ato jurídico (licença ambientam), fora dos parâmetros normativos (a responsabilidade do Estado, a nosso ver, é objetiva).

O licenciamento ambiental, diferente do licenciamento tradicional, apresenta

um caráter complexo, passando por estudos técnicos e agentes de diversos órgãos

do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), sendo inúmeras as exigências a

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

115

serem preenchidas e fazendo com que o processo seja extremamente burocrático.

Isso faz com que o condicionamento da licença frente à análise e observância de

todas as normas, regulamentos, documentos, vistorias e pareceres, eventualmente

apresente alguma falha, ou seja, o licenciamento pode ter sido realizado de maneira

negligente não estando inteiramente de acordo com todos os requisitos previstos

pela legislação ambiental.

Em ambos os casos, quando há observância dos requisitos, mas o

julgamento realizado pelos órgãos ambientais não previa um impacto ambiental ou

quando não foram preenchidos todos os requisitos legais, tanto ao Poder Público

como ao particular licenciado será imputada a responsabilidade objetiva, se tratando

da responsabilidade civil solidária. A jurisprudência segue este entendimento:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIXO URBANO. MUNICÍPIO DE PAUDALHO/PE. DEPÓSITO A CÉU ABERTO. AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO. RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO DE ATERRO SANITÁRIO LICENCIADO PELO CPRH. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. 1. Apelação do Município de Paudalho/PE e remessa oficial em face da sentença que julgou procedentes os pedidos, feitos em ação civil pública, de condenação à reparação de dano ambiental causado, concernentes ao depósito irregular de lixo urbano no município. 2. A CF/88 estabelece, no art. 225, que todos possuem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo o Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo, para que seja assegurado o interesse coletivo. Sem dúvida, ao Poder Judiciário cabe, embora excepcionalmente, a imposição da implantação de políticas públicas constitucionalmente previstas, quando a omissão perpetrada comprometa a própria integridade dos direitos sociais igualmente protegidos pela Carta Magna vigente. 3. É fato incontroverso que o Município réu promove, ilegalmente, o descarte, a céu aberto, de resíduos sólidos diretamente sobre o solo, formando o "lixão". Ante a ausência de licenciamento e consequente falta de técnicas protetivas apropriadas ou cautela no tratamento dos rejeitos domésticos, coloca-se em risco o meio ambiente e a saúde da população. 4. A existência de local adequado para pôr lixo não é só medida ambiental, mas de saúde pública, a requerer toda a atenção das autoridades competentes. Salienta-se que o município possui a responsabilidade pela saúde pública e de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, razão pela qual se mostram acertadas as condenações presentes na sentença de primeiro grau. 5. Apelação e remessa oficial improvidas. (BRASIL, 2013).

Tendo em vista o papel do Estado como garantidor de um meio ambiente

ecologicamente equilibrado, surge a responsabilidade do mesmo nos casos de falha

ou negligência no dever de proteger e fiscalizar o meio ambiente, ou seja, o Estado

responderá por danos causados por terceiros nos casos em que for verificada a

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

116

omissão de seus deveres. Esta responsabilidade é fundada no poder-dever do Estado

decorrente do exercício de autotutela e do poder de polícia, de modo que se trata de

uma questão que impera a indisponibilidade do interesse público. Isso significa que,

o Poder Público foi incumbido de exercer o dever de fiscalização, vigilância e

controle de toda atividade que possa causar dano ao meio ambiente, sendo que é

vedado a administração pública deixar de apurar irregularidade que tenha ciência.

Primeiramente, encontra-se previsto na Constituição Federal o dever de

proteção e preservação do meio ambiente por parte do Estado. O art. 23, incisos VI

e VII, da CF, dispõe que será competência comum da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, respectivamente, a proteção do meio ambiente e

combate a poluição de qualquer forma e a preservação das florestas, da fauna e da

flora. Para tanto, o Estado exercerá seu poder-dever coibindo a prática de atos

lesivos à qualidade do ambiente, disciplinando e limitando as atividades dos

particulares em nome de um interesse público, sendo que somente o Poder Público

detém a soberania para controlar a conduta dos indivíduos.

A Carta Magna também prevê como será exercido o papel do Estado como

controlador das práticas e atividades que interfiram no meio ambiente. A referida

legislação dispôs um rol de obrigações que o Estado deve cumprir para buscar a

efetividade da proteção do ambiente, sendo que no caso de ocorrência de dano

ambiental no qual seja verificado que o Estado deixou de exercer as atribuições

previstas em lei o Poder Público será responsabilizado. Segue o disposto no art. 225,

§ 1.o, da CF, in verbis:

§ 1.o Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

117

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Vale ressaltar que as obrigações do Estado vão muito além das previstas no

dispositivo constitucional. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente representa

um marco no que diz respeito à legislação que protege o meio ambiente, através

dela foi instituído o Sistema Nacional do Meio Ambiente, o qual atribui funções ao

Poder Público nas diferentes esferas do Direito (legislativo, executivo e judiciário).

Este sistema é constituído por uma rede de instituições e órgãos que visam proteger o

ambiente, assegurando o cumprimento das normas ambientais através do controle das

atividades potencialmente causadoras de dano ambiental, elaborando leis, julgando

ações de matéria ambiental, etc. Sendo assim, todas estas funções conferidas ao

Estado deverão ser cumpridas a fim garantir a proteção do ambiente, caso o meio

ambiente seja prejudicado devido ao fato de que o Poder Público deixou de julgar

alguma ação ou deixou de exigir o estudo prévio de impacto ambiental, será cabível

a responsabilização do mesmo por conduta omissiva. O dever atribuído aos entes

estatais pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente está previsto no art. 6.o da referida

lei

Além dos referidos dispositivos, outras previsões infraconstitucionais também

dispõem sobre a proteção ambiental incumbida ao Poder Público, por exemplo: a Lei

n.o 6.453/77 (Responsabilidade por Danos Nucleares), a Lei n.o 9.433/97 (Política

Nacional de Recursos Hídricos), a Lei n.o 9.605/98 (Crimes Ambientais), a Lei

n.o 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) e a Lei n.o 10.257/2001

(Estatuto da Cidade).

Assim, resta claro que se o Estado agir de maneira irresponsável em relação

ao meio ambiente, deixando de exercer seu dever legal de agir, o Poder Judiciário

poderá ser acionado para condenar o Estado à reparação ou indenização dos danos

causados. As decisões dos Tribunais adotam referido entendimento:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

118

EMENTA: DIREITO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL - SOLIDARIEDADE DOS DEMANDADOS: EMPRESA PRIVADA, ESTADO E MUNICÍPIO. CITIZEN ACTION. 1- A ação civil pública pode ser proposta contra o responsável direto, o responsável indireto ou contra ambos, pelos danos causados ao meio ambiente, por se tratar de responsabilidade solidária, a ensejar o litisconsórcio facultativo. Citizen action proposta na forma da lei. 2- A omissão do Poder Público no tocante ao dever constitucional de assegurar proteção ao meio ambiente não exclui a responsabilidade dos particulares por suas condutas lesivas, bastando, para tanto, a existência do dano e nexo com a fonte poluidora ou degradadora. Ausência de medidas concretas por parte do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Porto Alegre tendentes, por seus agentes, a evitar a danosidade ambiental. Responsabilidades reconhecidas. Responsabilidade objetiva e responsabilidade in ommitendo. Culpa. Embargos Acolhidos.(BRASIL, 2001).

A fiscalização serve para que o Estado verifique a regularidade de alguma

prática ou atividade, ou seja, se as condutas praticadas estão adequadas às normas

previstas na legislação vigente. O ato de fiscalizar faz parte das funções incumbidas

à administração pública no exercício do poder de polícia.

O poder de polícia é um mecanismo legítimo utilizado pelo Estado para conter

abusos de direito individuais a fim de proteger o interesse público. O art. 78 do

Código Nacional Tributário se preocupou em conceituar esta faculdade utilizada pelo

Poder Público:

Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

A partir deste conceito, se pode concluir que o Estado detém o poder de exercer

uma atividade coercitiva e disciplinadora a fim de garantir a proteção do meio

ambiente, o qual é considerado interesse difuso pela Constituição Federal. O papel

do Estado é extremamente importante para que seja assegurado o cumprimento das

normas ambientais que visam preservar o ambiente, surgindo então a figura do

poder de polícia ambiental.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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O poder de polícia ambiental é exercido através da fiscalização das atividades

potencialmente poluidoras e das áreas de proteção e conservação instituídas pelo

Estado, com a finalidade de coibir infrações ambientais. O Instituto Ambiental do Paraná

se preocupou em apresentar o papel da fiscalização ambiental:

Suas atribuições consistem em desenvolver ações de controle e vigilância destinadas a impedir o estabelecimento ou a continuidade de atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, ou ainda, daquelas realizadas em desconformidade com o que foi autorizado. As punições podem acontecer mediante aplicação de sansões administrativa aos seus transgressores, além de propugnar pela adoção de medidas destinadas a promover a recuperação/correção ao verificar a ocorrência de dano ambiental, conforme preconiza a legislação ambiental vigente. (2013).

A fiscalização estatal em geral, foi atribuída ao Poder Executivo, que por meio

de vários órgãos públicos presta serviços necessários à garantia de um interesse

público, como a proteção do meio ambiente. No caso da fiscalização ambiental, o

Poder Executivo instituiu órgãos públicos como o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio

Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), o IAP (Instituto Ambiental do Paraná), o

IBRAM (Instituto Brasília Ambiental), o INEA (Instituto Estadual do Ambiente), o

ICMBIO (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e outros. Estes

órgãos foram incumbidos, por lei, de exercer o ato de fiscalização para que o dano

seja evitado, por isso se algum dano ambiental decorrer da omissão deste dever,

eles responderão solidariamente com o particular causador do dano.

Por exemplo, na Lei n.o 7.735 de 1989, a qual dispõe sobre a criação do

IBAMA, encontra-se a previsão legal que confere a referido órgão o uso do poder de

polícia e lhe atribui o dever de fiscalizar a utilização de recursos ambientais:

Art. 2.o É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: I - exercer o poder de polícia ambiental; II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente;

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III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.

Demonstrada a imputação do Estado no dever de exercer a fiscalização

ambiental, resta analisar as consequências da omissão deste dever. Para tanto, é

necessário reforçar a importância da fiscalização em face ao caráter essencialmente

preventivo do Direito Ambiental, já explanado anteriormente.

A fiscalização representa um importante mecanismo de coerção das atividades

humanas, uma vez que coíbe o indivíduo a agir de acordo com as normas vigentes.

Esta função é própria do Estado devido ao fato de que um indivíduo não detém o

direito ou poder de obrigar outro a deixar de exercer sua vontade, este poder é

inerente do Estado. O principal objetivo da fiscalização ambiental é fazer com que a

legislação ambiental seja respeitada para evitar a ocorrência de danos ambientais,

através de mecanismos coercitivos que só a administração pública poderá se

utilizar. A importância do exercício deste poder se dá pelo fato de que o meio

ambiente muitas vezes não é reparável, ou, quando é, não pode ser reparado em sua

integridade. A dificuldade em fazer com que a qualidade do ambiente volte ao estado

anterior ao dano é o que torna extremamente necessário a atuação do Estado.

A principal consequência da omissão do dever de fiscalizar é a ocorrência do

dano ambiental, que por sua natureza, nem sempre é reparável. Na ocorrência de um

dano causado ao meio ambiente sempre haverá uma reação jurídica e considerando

o fato de que o Estado deveria ter evitado o dano, a responsabilidade de reparação

ou indenização também recairá sobre ele. Os tribunais brasileiros vêm aplicando tal

entendimento, atribuindo ao Estado à responsabilidade civil por dano ambiental, no

qual ele tenha sido omisso no seu dever de fiscalizar, conforme é visto no acórdão

proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ADOÇÃO COMO RAZÕES DE DECIDIR DE PARECER EXARADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. ART. 2.o, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 4.771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ARTS. 3.o, IV, C/C 14, § 1.o, DA LEI 6.938/81. DEVER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO. 1. A jurisprudência predominante no STJ é no sentido de que, em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, "seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, o art. 50 do Código Civil" (REsp 1.071.741/SP, 2.a T., Min.Herman Benjamin, DJe de 16/12/2010). 2. Examinar se, no caso, a omissão foi ou não "determinante" (vale dizer, causa suficiente ou concorrente) para a "concretização ou o agravamento do dano" é juízo que envolve exame das circunstâncias fáticas da causa, o que encontra óbice na Súmula 07/STJ. 3. Agravos regimentais desprovidos.(BRASIL, 2011).

A atividade fiscalizatória está englobada pela atuação regulatória do Estado,

esta se dará por uma intervenção jurídica, de natureza repressiva, visando alterar o

modo de conduta dos agentes públicos e privados. O Estado fará cumprir-se a lei

através de uma função coercitiva, desempenhando tanto sua função administrativa

como legislativa, jurisdicional e de controle (JUSTEN FILHO, 2006, p.456-457). Para

isso, o Poder Público se utilizará de instrumentos normativos e outros meios para

influenciar o comportamento humano.

Para exercer a função regulatória, são criados órgãos da Administração Pública,

as Agências Reguladoras, as quais exercem o poder de polícia ou a intervenção

através da concessão de serviços públicos e regulação normativa de determinadas

atividades, visto que uma das características das agências reguladoras é a natureza

técnica e especializada na matéria específica de atuação (DI PIETRO, 2004, p.467).

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2011, p.170), "as agências

reguladoras são autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a

finalidade de disciplinar e controlar certas atividades". Sendo que, elas se utilizam de

instrumentos normativos e não políticos, se tratam de critérios técnicos que adéquam

às atividades humanas ou econômicas às condições necessárias para assegurar a

proteção e manutenção do meio ambiente.

Portanto, verificamos que o monopólio da produção jurídica atribuída ao Estado

faz com que o ele seja o responsável por garantir que o ordenamento jurídico seja

cumprido através de sua atividade regulatória, no campo do Direito Ambiental esta

atividade tem influência indireta nos danos causados ao meio ambiente ensejando a

responsabilidade solidária do Estado com o causador direto do dano.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

122

Ademais, tendo em vista o papel do Estado em defender valores e direitos,

servindo como exemplo para a sociedade, o próprio Poder Público está sujeito ao

controle e regulação de suas atividades através de estruturas organizadas com

atribuição específica para determinada matéria. Isso significa que, embora muitas

vezes o Estado seja visto como detentor e aplicador do Direito, partindo de um viés

filosófico ele tem maior responsabilidade em atuar com submissão ao ordenamento

jurídico uma vez que ele é seu defensor e deve representar um exemplo para

a coletividade.

6 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ESTADO

Em se tratando de um interesse difuso, a incapacidade de atender a indenização não

pode afastar a necessidade de reparação da danosidade. O dano causado ao meio

ambiente deverá ser indenizado em sua integralidade, o Princípio da Reparação

Integral busca a efetiva reparação do dano sem que haja um limite na obrigação de

reparar. Portanto, a solidariedade passiva serve para garantir que o meio ambiente

não reste indene, tanto os causadores principais do dano como os secundários serão

chamados para arcar com a reparação em sua integralidade, restaurando o equilíbrio

do meio ambiente.

Ademais, decorre do caráter difuso do meio ambiente o dever constitucional

do Estado em defender e proteger o bem jurídico em questão. Dever o qual está

ligado ao princípio da natureza pública da proteção ambiental. Este princípio

considera que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um interesse geral e

coletivo, um bem indivisível do qual toda a coletividade desfruta, portanto deverá ser

protegido pelo Poder Público, o qual deverá atuar conforme os princípios da

primazia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público. Sobre o

princípio da natureza pública da proteção ambiental ensina Édis Milaré (2013,

p.261):

Em nosso ordenamento, este princípio aparece com muita ênfase, já que não só a lei ordinária reconhece o meio ambiente como patrimônio público, a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo, mas também a Lei Fundamental brasileira a ele se refere como "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida",

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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impondo ao Pode Público e à coletividade como um todo a responsabilidade por sua proteção.

O reconhecimento da natureza pública do meio ambiente importa para a

responsabilização do Estado nos casos em que houver um dano ambiental decorrente

da execução de atividade poluidora em que o Poder Público deixou de exercer seu

dever de proteger o meio ambiente, portanto ele responderá solidariamente com o

causador indireto do dano, uma vez que se tivesse exercido seu dever o dano teria

sido evitado. Para o civilista Carlos Roberto Gonçalves, a responsabilidade solidária

se dá devido às atribuições do Estado como garantidor de direitos, tal qual o direito a

um ambiente ecologicamente equilibrado. Segundo o referido autor:

Remanesce a responsabilidade objetiva e solidária do Estado nas questões ambientais, sem qualquer possibilidade de excludente, pois o Poder Público é o sujeito responsável pelo controle, vigilância, planificação e fiscalização do meio ambiente. A responsabilidade do Estado por danos ambientais encontra fundamento no art. 225, parágrafo 3.o, da CF e não no art. 37, parágrafo 6.o, da mesma Carta, pois neste a proteção é de bens individuais, naquele de direito difuso insuscetível de desamparo jurídico. (GONÇALVES, 2002. p.97)

O Estado responderá solidariamente em várias situações, uma delas é a

referida por Carlos Roberto Gonçalves, que decorre do dever do Estado em exercer

sua função de controle, vigilância e fiscalização das atividades que interferem no

meio ambiente. Será aplicada a responsabilidade solidária nos casos em que o

Poder Público se omitir das funções citadas acima, sendo que na falta delas as

atividades desempenhadas pelo homem podem ocasionar danos ambientais. Isso

pode ocorrer se houver a falta de regulação de alguma atividade, com a concessão

de licenciamento sem observância de todos os requisitos legais, se houver a falta de

fiscalização por parte dos agentes públicos nos locais das atividades potencialmente

poluidoras, entre outras funções que a Administração Pública não cumprir. Tendo

em vista que o Estado é o único detentor do poder-dever de coagir os indivíduos a

agirem de acordo com as normas, quando ele o deixa de exercer é como se ele

estivesse permitindo a realização de uma atividade degradadora. Ele não participa

diretamente da atividade que causa do dano, mas ele contribui para que ela seja

executada, sendo que se tivesse havido o controle, vigilância ou fiscalização, a

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124

atividade seria impedida de ser realizada. Neste sentido expõe Édis Milaré (2013,

p.382):

De fato, não é só como agente poluidor que o ente público se expõe ao controle do Poder Judiciário (por exemplo, em razão da construção de estradas, aterros sanitários, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários, sem a realização de estudo de impacto ambiental), mas também quando se omite no dever constitucional de proteger o meio ambiente (falta de fiscalização, inobservância das regras informadoras dos processos de licenciamento, inércia quanto à instalação de sistemas de disposição de lixo e tratamento de esgotos, por exemplo).

Os Tribunais têm seguido tal entendimento, imputando a responsabilidade

solidária aos órgãos públicos que se omitem de seus deveres, segue decisão do

Superior Tribunal de Justiça:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART. 267, IV DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. 1. Ao compulsar os autos verifica-se que o Tribunal a quo não emitiu juízo de valor à luz do art. 267 IV do Código de Ritos, e o recorrente sequer aviou embargos de declaração com o fim de prequestioná-lo. Tal circunstância atrai a aplicação das Súmulas n.o 282 e 356 do STF. 2. O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental. 4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão), concorreram para a produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do recorrente. 5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 3.o da Lei n.o 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva). 6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão, nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que

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tal responsabilidade (objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder no polo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério Público (litisconsórcio facultativo). 7. Recurso especial conhecido em parte e improvido. (BRASIL, 2005).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, denota-se pelo presente trabalho a importância da

responsabilidade civil do Estado por dano ambiental remetendo não somente um

dever constitucional, mas também a obrigação no sentido de compromisso moral

deste ente em garantir a proteção de um bem jurídico que pertence a todos, o meio

ambiente. O Estado como autoridade suprema deve servir como exemplo para

aplicação do Direito Ambiental, de maneira a reparar os danos que causar ao ambiente

e ainda fiscalizar eventos que o afetem.

Com o estudo foi possível verificar que as funções típicas exercidas pelo Estado

através de sua atividade fiscalizatória, fazem com que ele esteja presente na maioria

das ações de reparação de dano ambiental. Isso significa que, na maior parte dos

casos o Estado é considerado causador indireto do dano, mas devido à natureza

pública e de interesse coletivo, o dever constitucional atribuído ao Poder Público em

proteger e preservar o meio ambiente faz com que a sua responsabilidade seja

potencializada pela natureza do objeto tutelado.

Portanto, conclui-se que a proteção jurídica ambiental prevista no ordenamento

brasileiro procura fazer com que o meio ambiente seja indenizado ou reparado do modo

mais eficaz, mas além disso, busca também prevenir o ocasionamento de danos

através de uma responsabilização mais severa que coage os agentes a tomarem

mais cautela nas atividades potencialmente poluidoras.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

126

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Acesso em: 04 jun. 2013.

BRASIL. Lei n.o 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do

Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>.

Acesso em: 04 abr. 2013.

BRASIL. Lei n.o 7.735, de 22 de fevereiro de 1989. Dispõe sobre a extinção de órgão

e de entidade autárquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7735.htm>. Acesso em: 04 jun. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1001780-PR (2007/0247653-

4). Relator: Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI. Julgamento: 27/09/2011. Órgão

Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe 04/10/2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 604725-PR (2003/0195400-5).

Relator: Min.CASTRO MEIRA. Julgamento: 21/06/2005. Órgão Julgador: Segunda

Turma. Publicação: DJ 22/08/2005 p.202.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos

Infringentes 70001620772. Relator: CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL.

Julgamento: 01/06/2011. Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível. Julgamento:

01/06/2001.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

127

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5.a Região. REEX 72470220114058300.

Relator: Des. Federal MARCELO NAVARRO. Julgamento: 01/08/2013. Órgão

Julgador: Terceira Turma. Publicação: 07/08/2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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O INVENTOR E A RELAÇÃO DE EMPREGO

Guilherme Luis Stahlschmidt Salles

Graduando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba

Erika Paula de Campos1

1 Formada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba em 1990. Possui mestrado(2000) e doutorado (2005), em Direito, na área de relações sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora de Direito do Trabalho e Responsabilidade Civil e orientadora na graduação e pós-graduação de Direito do Trabalho no Centro Universitário Curitiba e na pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba/PR. Professora convidada de várias instituições de ensino. Advogada. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho e Civil. Membro da Comissão de Estudos à Violência de Gênero (CEVIGE), OAB/PR, desde maio/2013.

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RESUMO

O desenvolvimento econômico, social, cultural e tecnológico, que vem

experimentando a humanidade, principalmente a partir das últimas décadas do

Século XX, têm repercutido no Comércio Internacional e Nacional. Na esfera

empresarial, em razão da globalização, são notórias as crescentes exigências por

inovação e desenvolvimento, a fim de que as empresas se tornem mais

competitivas. Neste contexto, é possível afirmar que os bens intangíveis ganham

fundamental valor, representando parcela significativa do valor total de uma

corporação ou negócio. No âmbito da relação empregatícia, em razão da

desigualdade de condições, o empregado inventor traz à tona a discussão acerca

dos direitos que eventualmente possa deter em função da sua contribuição

intelectual para a empresa, durante a sua relação de emprego. Dessa forma, o

presente trabalho objetiva demonstrar as argumentações doutrinárias e

jurisprudenciais originárias dessa relação empregatícia.

Palavras-chave: Direito do Trabalho, Propriedade Intelectual, Invento ou Invenção,

Contrato de Emprego, Jurisprudência Trabalhista.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

132

ABSTRACT

The economic, social, cultural and technological development that humanity is

experiencing, especially since the last decades of the Twentieth Century, have

reflected on International and National Trade. In the business context, because of

globalization, the increasing demands for innovation and development are notorious,

for that enterprises can become more competitive. In this context, it is clear that the

intangibles properties gain fundamental value, representing a significant portion of

the total value of a corporation or business. In the range of the employment

relationship, because of the inequality of conditions, the employee-inventor brings up

the discussion of the rights that he eventually may hold on his intellectual contribution

to the company during his employment relationship. Thus, this study aims to

demonstrate the doctrinal and jurisprudential arguments originating this employment

relationship.

Keywords: Labor Law, Intellectual Property, Invention, Employment Contract, Labor

Jurisprudence.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

133

1 INTRODUÇÃO

Acerca das relações entre empregado e empregador, em razão de sua

histórica existência, é notória a vasta literatura sobre o tema. Porém, em

consequência da acelerada dinâmica social, percebe-se que o conflito de interesses

no âmbito de tais relações ainda é passível de abordagem doutrinária, pois a cada

nova especificidade oriunda da relação empregatícia, nasce uma perspectiva

diferente. Isto mantém esse tema atual e sempre sujeito a novas discussões práticas

e teóricas.

Ao nos referirmos à relação entre empregadores e empregados inventores, a

dificuldade existente nessa temática consiste na sua interdisciplinaridade, que exige

conhecimentos tanto de Direito do Trabalho quanto em relação à Propriedade

Intelectual, fazendo com que seja notória a falta de informação por parte dos

empregados a respeito de seus direitos, bem como é evidente o propósito das

grandes empresas em não difundir essa espécie de conhecimento, que é resultado

da intelectualidade de seus empregados, com o intuito de não compartilhar os

resultados econômicos advindos dessa relação.

O presente trabalho visa abordar as classificações teóricas que abrangem os

direitos intelectuais, conceitos fundamentais para a compreensão dos direitos do

inventor, bem como a disposição constitucional e a lei ordinária referente às

espécies de invenção do empregado, para que seja possível esclarecer a quem

pertencerá os direitos de exploração econômica dos inventos oriundos do

empregado durante a constância da relação de emprego.

2 A PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUAS RAMIFICAÇÕES

A propriedade intelectual refere-se ao bem imaterial, intangível, fruto da

criatividade humana. Para o Direito, a intelectualidade é a fonte desses bens

imateriais, como bem explica Luís Guilherme Marinoni, “somente as criações

intelectuais tomadas em consideração pelo Direito apresentam-se como bens

intelectuais e, assim, como bem imateriais”. (MARINONI, 1999, p. 23)

A melhor definição de bem relacionado à propriedade intelectual, podemos

encontrar nas palavras de Gabriel Di Blasi, “bem é tudo aquilo, corpóreo ou

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

134

incorpóreo, que, contribuindo direta ou indiretamente, venha propiciar ao homem o

bom desempenho de suas atividades, que tenha valor econômico e que seja

passível de apropriação pelo homem”. (DI BLASI, 2002, p. 15)

A propriedade intelectual é o direito que uma pessoa detém sobre um bem

imaterial. Dessa forma, ela está diretamente relacionada ao conhecimento que o

criador detém de como produzir a sua criação.

A respeito dos bens imateriais, João da Gama Cerqueira afirma que:

Ao lado desse direito, que é, propriamente, o direito de autor, e independente dele, subsiste o seu direito moral, que designa o conjunto dos direitos especiais da personalidade que acompanham as manifestações da atividade humana de caráter patrimonial e que não confundem com os direitos pessoais propriamente ditos. (...) São dois direitos diferentes: um que compete à pessoa enquanto autor; outro que compete ao autor como pessoa. Não se trata nem de um direito de dupla natureza, nem de faculdades diversas de um mesmo direito, nem de aspectos diferentes de um direito único, mas de dois direitos diversos e independentes, o que explica a faculdade que tem o autor de alienar o seu direito patrimonial de maneira mais completa, conservando íntegro o relativo à sua personalidade, bem como a possibilidade de ser violado o direito de autor sem ofensa ao seu direito moral. (CERQUEIRA, 1982, p.102)

Hoje encontramos a Propriedade Intelectual protegida em modalidades e

separada em três categorias: o Direito Autoral, a Propriedade Industrial e a proteção

Sui Generis.

Quanto ao Direito Autoral, caracterizada pelas criações artísticas, são

englobadas as obras literárias, escritas ou orais; as obras musicais, cantadas ou

instrumentadas; e obras estéticas bidimensionais (desenhos, pinturas, gravuras,

litografias, fotografias, etc.) ou tridimensionais (esculturas e obras de arquitetura).

No Brasil, o Direito Autoral está regulamentado pela Lei 9.610, de fevereiro de

1998.

As criações técnicas são referentes às invenções. As regras de propriedade

ou proteção estão dispostas nas leis de patentes estabelecidas pelas nações, as

quais, mesmo adotando um consenso universal, amoldam-se aos interesses de

cada nação.

Já as concepções científicas são essencialmente, as descobertas nos

diferentes campos da física, da química, da biologia, da astronomia, etc. Devido a

incalculável contribuição prestada à humanidade, a descoberta não é passível de ser

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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protegida. Pode ser interpretado, dessa maneira, por não ser considerado como a

criação de algo novo, não tendo direitos de propriedade.

Em 1970 foi criado o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, por força da

lei nº 5.648 de 11 de dezembro do mesmo ano, o instituto, de caráter autárquico,

fiscaliza o cumprimento do direito à Propriedade Industrial.

Assim, em 1990 foi criado o Instituto nacional da Propriedade Intelectual, que

elaborou uma série de Projetos de Lei que culminaram na promulgação da lei 9.279

de 1996, que é a legislação brasileira em vigor e que atualmente disciplina o assunto

referente às invenções, sendo chamada Lei de Patentes.

O direito de Propriedade na Propriedade Industrial é atribuído pelo Estado, de

acordo com os requisitos legais, diferentemente do direito autoral (obras literárias ou

artísticas) que não necessitam de registro, comprovação de autoria ou do

preenchimento de requisitos legais para a incidência da proteção sobre o autor.

A Propriedade Industrial, através dos tempos, foi se adequando às mudanças

tecnológicas do globo, o advento da globalização passou a exigir do industrial que

ele esteja sempre atento aos seus direitos bem como à concorrência, principalmente

quando detém a primazia sobre determinada tecnologia por ele desenvolvida ou

descoberta.

3 ABORDAGEM CONSTITUCIONAL AO INVENTO

A pesquisa e o desenvolvimento para elaborar novos produtos requerem, na

maioria das vezes, grandes investimentos. Proteger esse produto através de

patentes é prevenir-se de que competidores copiem e vendam esse produto a preço

baixo, pois eles não foram onerados com os custos provenientes da pesquisa e

desenvolvimento. Assim, não garantir o direito à exploração econômica ao detentor

do invento, desestimularia a concorrência e, em consequência, não incitaria a

pesquisa e a inovação.

Nesse sentido Carvalho de Mendonça afirma que:

O industrial ou técnico que, após mediatos estudos, demoradas investigações e penosos sacrifícios, consegue inventar ou descobrir novos produtos industriais, novos meios ou a aplicação nova de meios conhecidos para obter um produto ou resultado industrial, ou melhorar a invenção de outros, presta relevante serviço à sociedade, concorrendo para o fomento

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da indústria, e tem incontestável direito do fruto do seu labor. (MENDONÇA, 1938, p.111)

Proteger-se através da patente é valer-se de um instrumento para que a

criação e a invenção sejam industrializáveis e rentáveis. O direito à proteção das

criações intelectuais é garantido constitucionalmente, estanho inserido no artigo 5º,

incisos XXVII e XXIX da Constituição Federal.

Assim dispõe o artigo 5º, em seu inciso XXIX:

A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Quanto ao privilégio temporário da invenção, essa temporariedade se

distingue do direito de propriedade em geral, que é permanente. Ao fazermos uma

associação com o Caput do art. 5º, o qual garante a igualdade de todos perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza, poderíamos considerar que tal privilégio se

opõe ao princípio da igualdade, se observados de maneira abstrata. Contudo, ao se

tratar de invenções, procurou-se garantir o direito fundamental de propriedade,

assim concedendo ao inventor o direito de explorar, mesmo que temporariamente, o

seu invento.

O Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, anteriormente citado, é o

órgão responsável por reconhecer o privilégio do inventor por meio de ato

administrativo de reconhecimento, que é apenas declaratório, passível de revisão e

controle do poder Judiciário.

Ainda em relação ao privilégio concedido ao inventor, Gustavo José Ferreira

Barbosa explica que ao longo do tempo, a patente perdeu o caráter de privilégio,

favor governamental, e passou a ser um direito previsto em lei, ao alcance de todos.

(BARBOSA, 1997, p.89).

A proteção aos empregados inventores tem respaldo nos artigos 170 e 193 da

Constituição Federal. Dessa forma, a ordem econômica deve buscar seu

fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, bem como o

primado do trabalho que são à base da Ordem Social. Portanto o desenvolvimento

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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econômico e tecnológico deve interagir com a valorização do trabalho, possibilitando

o equilíbrio entre o capita e o trabalho.

A livre concorrência, disposta como principio Constitucional deve ser

entendida, nas palavras de Eros Roberto Grau como: “livre jogo de forças de

mercado, na disputa da clientela”. (GRAU, 1991, p. 229).

Assim, aspectos práticos e constitucionais têm de ser levados em

consideração: a proteção do trabalhador, a liberdade de trabalho, o regime da livre

iniciativa e a proteção do investimento. Havendo excesso em qualquer um dos

elementos dessa equação, poderá fazer da lei um texto inconstitucional, bem como

um texto inoperante na vida econômica.

4 LEI ORDINÁRIA E O SISTEMA DE PATENTES

Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou

modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras

pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Tendo em

contrapartida o inventor obrigatoriamente revelar com detalhes todo o conteúdo

técnico da matéria protegida pela patente.

A Lei Ordinária que assegura o direito de propriedade ao inventor é a Lei

9.278/1996, (Lei de Patentes), garantindo a qualidade de autor para que seja obtida

a patente do seu invento.

O artigo 6º da Lei de Patentes preconiza que a titularidade do direito de

propriedade prevê mais de um tipo de autoria. Seu primeiro parágrafo atesta que é

dispensável a comprovação sobre a autoria do invento, e presume o requerente

como beneficiário da patente. Os herdeiros do autor, desde que comprovado o

pioneirismo, recebem os proventos decorrentes do invento ou tecnologia. Há

possibilidade de a invenção ter sido projetada e realizada por um grupo de pessoas.

Segundo José Carlos Soares:

O pedido poderá ser requerido por todas ou quaisquer delas. É evidente que, quando tal fato ocorrer, o pedido deverá ser requerido em nome de todas as pessoas para evitar quaisquer dúvidas sobre a propriedade da invenção ou do modelo de utilidade. (SOARES, 1997, p. 23)

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No caso de duplicidade de inventos é considerado proprietário aquele que

“provar o depósito mais antigo, independentemente das datas de invenção ou

criação” (Artigo 7º. Lei de Patentes).

O registro anterior se antepõe ao pedido mais recente. Todos os pedidos de

patente aprovados pelo INPI são publicados quinzenalmente na Revista de

Propriedade Industrial, possuindo valor documental em caso de litígio.

Pretende-se evitar que invenções ou modelos de utilidade copiados em parte

ou integralmente de outros países sejam apresentados no INPI como se nunca

tivessem sido criados em parte nenhuma, comprometendo os Tratados

Internacionais de propriedade industrial, como a Convenção de Paris, do qual o

Brasil é signatário.

O artigo 8º da Lei de Patentes prevê a patenteabilidade das invenções e

modelos de utilidade, considerando passíveis de obter registro a criação que atender

aos requisitos de “novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”.

Segue abaixo uma elucidação dos termos utilizados pela lei para que sejam

cumpridos todos os requisitos necessários à patenteabilidade, já que a ausência de

qualquer um dos requisitos não será possível à concessão da patente.

O Instituto Nacional da Propriedade Intelectual analisa, como primeiro

elemento, a novidade. Sendo disposta nos artigos 11 e 12 da Lei 9.279/1996, esse

requisito é criado e concebido em âmbito mundial, assim é denominada por

novidade absoluta, pois a difusão de informações acerca da invenção ou modelo de

utilidade a título mundial torna inválido o pedido de patente. Por outro lado, entende-

se por novidade relativa, aquela que seja definida como nova dentro dos limites

territoriais de determinado país. A lei não define com precisão o que é invenção,

apenas enumera o que não é invenção:

Art. 11: A invenção e modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica. §1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao publico antes da data de deposito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17. §2º Para fins de aferição da novidade, o conteúdo completo de pedido depositado no Brasil, e ainda não publicado, será considerado estado da técnica a partir da data do depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que venha a ser publicado, mesmo que subsequentemente. §3º O disposto no parágrafo anterior será aplicado ao pedido internacional de patente depositado segundo tratado ou convenção em vigor no Brasil, desde que haja processamento nacional.

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Art. ((12: Não será considerada como estado da técnica a divulgação de invenção ou modelo de utilidade, quando ocorrida durante os 12 (doze) meses que precedem a data do depósito ou a da prioridade do pedido de patente, se promovida: I) pelo inventor; II) pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, através de publicação oficial do pedido de patente depositado sem o consentimento do inventor, baseado em informações obtidas direta ou indiretamente do inventor ou em decorrência de atos por este realizados.

O próximo elemento vital à patenteabilidade é a atividade inventiva, e está

conceituada dentre os requisitos elencados na Lei 9.279/1996 em seu artigo 13, que

assim ordena: “a invenção será dotada de atividade inventiva sempre que, para um

técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica”.

A atividade inventiva está relacionada com a própria natureza do direito do

inventor, pois o Estado concede a posse em razão de considerar que o invento trará

benefícios à sociedade, especialmente quando cair em domínio público.

Para uma melhor compreensão do conceito de atividade inventiva, é

necessário distinguir terminologicamente a invenção, do conceito de descoberta. A

invenção, de acordo com o acórdão da 1ª Turma, do tribunal Regional do Trabalho

da 3ª Região:

Na técnica jurídica, é assimilável como a ação de achar o que estava oculto. É a criação de coisa nova, no sentido comercial, constituindo-se em propriedade do inventor, que o torna exclusivo no direito de exploração mercadológica, aí, sim, mediante a concessão da patente. (...) A descoberta, por outro lado, envolve a coisa encontrada por acaso. Revela apenas o que se não conhecia. (TRT3, 1ª T., RO nº 18952/98, Rel. Des. Emília Facchini, julg. 16.8.1999)

Pontes de Miranda é claro ao afirmar que:

A engenhosidade [na invenção] ainda que mínima, há de existir (...). O que importa é que a atividade inventiva ultrapasse o que o técnico da especialidade podia, tal como estava a técnica, achar. O que todos os técnicos da especialidade, no momento podiam achar não é invenção (...). Porque tal achado estaria dentro da técnica do momento, sem qualquer quid novum. (MIRANDA, 1970, p. 551)

Ainda diante desta discussão acerca da invenção, elucidado é o acordão da

Terceira Turma do Tribunal Regional do trabalho da terceira Região, ao afirmar:

Invenção. Onde penso estar havendo um grande equívoco, com confusão entre ideia e invenção ou invento, estes nos sentidos jurídicos do termo que

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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se lhe quer emprestar aqui. (...) chegando ao invento em sentido estrito aqui examinado, da criação original de algo novo, diferente e diverso de tudo que já existiu e que sirva para uma nova função ou utilidade, inexistente e impensada antes, gerando novidade, progresso e evolução tecnológica. O que, d.v., nada vejo aqui com (sic) a simples e singela ideia e não invenção de se amarrar o telefone público com um fio de aço para não ser furtado por vândalos. O que (sic) amarrar objetos para desestimular ou dificultar o furto é tão velho que se perde na memória dos tempos. (...) a lei somente assegura direitos de invenção a quem produza um invento que atenda aos requisitos de novidade, originalidade ou traga melhoria de uso de algo que já exista. O que não é o caso presente. (...) o A. informa nunca ter requerido a “patente” do seu “invento” no INPI (o que, seguramente, lhe seria negado, pois o ato de amarrar um bem para dificultar o roubo jamais seria patenteado). (TRT3, 3ª T., RO nº 00812-2002-023-03-00-2, Rel. Des. Paulo Araújo, julg. 16.7.2003)

Dessa forma, se não houver novidade e atividade inventiva, O Instituto

Nacional da Propriedade Intelectual recusará o pedido. Também importante salientar

que a análise é objetiva, ou seja, não será abordada questão subjetiva em relação à

atividade criativa do inventor, ao seu esforço pessoal, ou ao montante investido para

atingir seu resultado. Sendo assim, a análise da atividade inventiva se concentrará

na contribuição objetiva da criação ante o conhecimento já existente, devendo ser

observado se a invenção proporciona a diminuição de custos para o desempenho de

um processo ou mesmo um produto equivalente em eficiência e qualidade aos já

existentes. Necessária também a comprovação de que houve facilitação na

fabricação, bem como, a possível redução do tamanho do produto.

Por fim, será abordado o último requisito fundamental para a patenteabilidade,

qual seja, a suscetibilidade de aplicação industrial do evento, que vem conceituada

no artigo 15 da Lei 9.279/1996: “A invenção e o modelo de utilidade são

considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou

produzidos em qualquer tipo de indústria”.

O conceito de aplicação industrial é de difícil interpretação, pois para as

invenções, comum é a sua dependência de invenções auxiliares para que se tornem

viáveis sob o ponto de vista industrial.

A expressão “aplicação industrial” deve ser compreendida num sentido mais

amplo, o que possibilita sua produção em escala industrial. A viabilidade industrial,

na maioria dos casos, liga-se ao fator econômico. Por meio desse requisito,

procurou-se excluir da patenteabilidade as criações de cunho artístico que, por não

serem técnicas, não possuem aplicação industrial.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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5 O VÍNCULO ENTRE O EMPREGADO INVENTOR E O EMPREGADOR

A regra elementar contida na maioria das legislações de patentes, inclusive

na brasileira, estabelece que a invenção pertence ao autor, salvo se este tenha sido

explicitamente contratado para inventar ou realizar atividades de produção e

desenvolvimento e correlatados.

Considerando que, por um lado o direito à invenção ou invento deve sempre

recair sobre o seu autor, por outro lado, este geralmente utiliza-se dos meios

materiais do empregador, ou mesmo do conhecimento adquirido na realização do

seu trabalho.

É justamente devido a esta dependência e subordinação que esse conflito

sobre os inventores salariados ganha importância: especialmente se ausente o

contrato ou disposição específica sobre as invenções.

João da Gama Cerqueira conceitua, em sentido mais amplo, os inventores

salariados:

Não só os inventores propriamente ditos, que contratam os seus serviços para trabalhar em pesquisas relativas a novas invenções, como também os empregados de qualquer categoria que eventualmente se tornem autores de qualquer invenção, desde os empregados superiores, que ocupam cargos de direção, como engenheiros, técnicos, cientistas, chefes de laboratórios, etc., até os simples operários. O que importa, no casa, é a situação de dependência e subordinação que liga o autor da invenção ao empregador. (CERQUEIRA, 1982, p. 257)

As possíveis parcelas devidas ao empregado, pelo empregador, não possuem

natureza jurídica salarial, não se unem com o salário do empregado, mas possuem

natureza especifica e distinta, como bem preceitua Delgado:

As parcelas com natureza de direito intelectual podem ser devidas pelo empregador ao obreiro no contexto do contrato empregatício. Contudo, preservam uma natureza jurídica própria, distinta da salarial. É que elas derivam de um direito específico adquirido pelo trabalhador ao longo do contrato, com estrutura, dinâmica e fundamento jurídicos próprios. (DELGADO, 1999, p.98)

Faz-se necessária a abordagem dos possíveis desdobramentos da invenção

ou invento desenvolvidos pelo empregado, para que se torne esclarecedora a

natureza do pagamento devido ou não ao empregado.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Na hipótese do empregador não possuir direitos sobre a invenção produzida

pelo empregado, este estará livre para comercializar sua obra, até mesmo com o

próprio empregador por meio do pagamento de royalties. Portanto, não havendo

relação empregatícia, não há que se falar em natureza salarial.

Por outro lado, se o empregador for o único titular da invenção ou do invento,

não serão devidos royalties ao empregado. Mas é importante salientar que não

deverá haver flagrante desproporcionalidade entre a remuneração percebida pelo

empregado e os resultados econômicos obtidos pelo empregador. Neste caso será

devida participação nos lucros da invenção ou do invento.

Nesse contexto, João de Lima Teixeira Filho afirma:

ser indispensável que o empregador assegure ao autor da inovação uma participação a ser avençada, que tome por base o ganho que o empregador passou a ter com o produto da criatividade do seu trabalhador. Esta participação, que pode ser representada por um único pagamento ou parcelas mensais, não se incorpora ao salário do trabalhador, nem sobre ela incidem encargos sociais. A Constituição bem andou ao dizer que essa participação é “desvinculada do salário”. Com isso, evita-se o receio de que a concessão se torne irreversível, onerosa em função dos encargos sociais inibidora do processo de busca permanente por novos aperfeiçoamentos. (FILHO, 2005, p. 261)

O artigo 89 da Lei nº 9.279/1996, dispõe em consonância com tal

entendimento:

Art. 89: O empregador, titular da patente, poderá conceder ao empregado, autor de invento ou aperfeiçoamento, participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente, mediante negociação com o interessado ou conforme disposto em norma da empresa. Parágrafo único. A participação referida neste artigo não se incorpora, a qualquer título, ao salário do empregado.

As demandas judiciais envolvendo empregados que requerem o pagamento

de indenização pelo usufruto econômico do seu invento, vêm, quase na totalidade

dos casos, cumulados com pedidos de indenização por danos morais.

Ao que diz respeito aos danos morais trabalhistas, temos a conceituação de

Alexandre Agra Belmonte:

Ofensas aos atributos físicos, valorativos e psíquicos ou intelectuais decorrentes da relação de trabalho, suscetíveis de gerar padecimentos sentimentais ou ainda como decorrência do uso não autorizado da imagem

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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ou da violação do bom nome da pessoa jurídica e, finalmente, os causados aos valores culturais de certa comunidade. (BELMONTE, 2007, p.94)

O inventor, como anteriormente abordado, tem o direito moral de ser

reconhecido como o autor de sua obra. Dessa forma, mesmo que o empregador

detenha os direitos exclusivos sobre a exploração da patente, este não poderá

desvincular o empregado de sua autoria intelectual, sob pena de originar o

pagamento de danos morais ao empregado.

Caracterizando os requisitos necessários a título de danos morais e afastando

sua incidência ao caso concreto, assim decidiu o TRT, da 13ª Região:

Para configuração do dano ensejado de reparação pecuniária, faz-se necessária a conjugação de vários requisitos, a saber: dano sofrido pelo empregado, erro de conduta do empregador, por dolo ou culpa (ato ilícito), e relação de causalidade entre a ação antijurídica e o dano causado. Não se trata de imputar responsabilidade objetiva ao empregador, mas aferir se o ente patronal, dolosamente ou por negligência, imprudência ou imperícia contribuiu para as sequelas sofridas pelo empregado (...). O mero sentimento de frustração pela não utilização de seu pretenso invento pela empresa não caracteriza dano apto a conferir ao autor nenhuma indenização a título de danos morais, mormente quando não surte efeitos capazes de lhe afetar o lado psicológico, atingindo-lhe a esfera íntima e valorativa. Some-se a isso o fato de que não se pode imputar à empresa a prática de nenhum ato contrário à lei, o que afasta, de vez, a pretensão à reparação advinda de dano moral. (TRT13, 2ªT, RO nº 01873.2005.006.13.00-0, Trib. Pleno, Rel. Juiz Francisco de Assis Carvalho e Silva, jul. 21.9.2006)

Por se tratar de um dano não patrimonial, grande é a dificuldade do

magistrado em aferir o seu valor indenizatório.

6 A LEI 9.279/1996 E AS ESPÉCIES DE INVENÇÃO DO EMPREGADO

6.1 TRABALHO INTELECTUAL SEM RELAÇÃO COM O CONTRATO

Essa hipótese normativa encontra-se fundada no texto do Código de

Propriedade Industrial, Lei 5.772/71 em seu artigo 41:

Art. 41: Pertencerá exclusivamente ao empregado ou prestador de serviço o invento ou aperfeiçoamento por ele desenvolvido, desde que desvinculado do contrato de trabalho e não decorrente da utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

144

Seguindo na mesma direção, o artigo 90 da Lei 9.279/1996, atribui a

titularidade da invenção ou invento exclusivamente ao empregado, quando este

desenvolver suas atividades inventivas de forma independente.

Se não havia cláusula expressa ou implícita no contrato referente à atividade

inventiva do empregado, e se esta ocorrera fora do local e horários de serviço,

utilizando-se de materiais e meios alheios aos da empresa, não há de se falar em

direito da empresa sobre o invento.

Em consonância com o acima exposto, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª

Região assim relatou:

Os produtos comprovadamente inventados pelo reclamante, ora Embargante, ou seja, aqueles registrados em seu nome no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, (...) e que na sua confecção não tiveram qualquer participação do empregador, pertencem exclusivamente a si. (...) os litígios decorrentes de invenção livre, fazer cessão de seu direito a qualquer fabricante, seu empregador ou não, tal contrato é semelhante ao de Locação de Coisas ou Contrato de Licença (...), sendo litígios decorrentes deste tipo de contrato, pela natureza, são de competência da Justiça Comum. (TRT, 2ªT, RO nº 01606.008/93-5, Rel. Juiz Álvaro Davi Boessio, julg. 12.1.1999)

Portanto, o empregado não fica impedido de negociar com seu empregador

caso haja interesse em explorar economicamente o invento. Há a possibilidade de

atribuir cláusulas que possibilitem ao empregador o direito de preferência em relação

ao invento, desde que não haja coação nem prévia fixação de condições de

transferência, tampouco cláusulas no contrato de trabalho de renúncia do direito à

invenção livre.

O problema é a dificuldade em se verificar se o invento não teve relação com

o contrato de trabalho, bem como a prova de que o empregado não se utilizou dos

materiais e meios da empresa. Isto porque muitas vezes as invenções ocorrem na

hora de descanso ou durante a suspensão do contrato de trabalho, aspecto que não

deve ser levado em consideração se ainda assim o esforço e a inciativa pertenceram

exclusivamente ao empregado, devendo também a ele pertencer todos os direitos

devidos pela invenção.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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6.2 INVENTOS DE SERVIÇO

Na hipótese do empregado ser contratado para inventar, teremos a invenção

de serviço. Numa disposição liberal, a favor do capital, a lei dispõe que a sua

retribuição pelo trabalho, limitar-se-á ao salário ajustado.

De acordo com a doutrina de Carlos Henrique da Silva Zangrado:

Na verdade, existem empregados cujo objetivo do contrato de trabalho é justamente a invenção de algum aparelho, a descoberta de alguma nova tecnologia ou aprimoramento das existentes. É o caso dos técnicos altamente especializados, contratados para levar a cabo as pesquisas e testes necessários para a produção de novo medicamento, programas de computados, equipamentos ou máquinas. (ZANGRADO, 2003, p. 308)

Dessa forma, o artigo 88 da Lei 9.279/1996, prevê que a invenção ou modelo

de utilidade pertencerá exclusivamente ao empregador quando “decorrerem de

contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objetivo a

pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os

quais foi o empregado contratado”.

Ao aplicar esse dispositivo, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região

assim dispôs:

A invenção exige a criação de objeto que observe os requisitos da novidade, para a aplicação industrial, assim imprescindível produto novo ou resultado novo. Ademais, quando contratado obreiro expressamente para a criação de modelo de utilidade ou invenção, o salário já remunera a criação e o produto novo ao patrimônio do empregador. (TRT, 2ªT, RO nº 00056-2007-007-10-00-9, Rel. Juiz Alexandre Nery de Oliveira, julg. 30.4.2008).

São comuns as empresas, com o intuito de incentivarem seus empregados a

atingirem resultados eficazes, antevejam nos seus regulamentos internos a

possibilidade de pagamento de prêmios pela produção das invenções realizadas no

curso do contrato de trabalho.

Assim, Sérgio Pinto Martins afirma:

Inexistirá obrigação do empregador em conceder ao empregado resultados da exploração da patente, sendo mera faculdade, que pode ou não ser exercida pelo empregador. A participação a qualquer título não se incorpora a salário do empregado. Não tem, portanto, natureza salarial a retribuição efetuada pelo empregador, nem terá reflexos em outras verbas trabalhistas. (MARTINS, 2003, p.381)

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A Lei 9.279/1996, em seu artigo 89, com o intuito de não deixar dúvidas

quanto à natureza deste pagamento, assim prescreve:

Art. 89: O empregador, titular da patente, poderá conceder ao empregado, autor de invento ou aperfeiçoamento, participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente, mediante negociação com o interessado ou conforme disposto em norma da empresa. Parágrafo Único: A participação referida neste artigo não se incorpora, a qualquer título, ao salário do empregado.

Há a possibilidade, em alguns casos, de o empregado ser contratado para a

atividade de pesquisa e durante o curso de suas atividades, acabe por realizar tanto

a descoberta quanto a invenção. Assim, estas atividades que porventura ocorram

em consequência das anteriores serão consideradas implicitamente previstas.

Justamente sobre essa possibilidade da atividade inventiva resultar da

natureza dos serviços para os quais o empregado for contratado, Nuno Carvalho cita

um exemplo esclarecedor:

Essa máquina produz x, mas a empresa precisa que ela produza y. A empresa contrata então alguém a quem atribuiu às funções de fazer com que a máquina atinja aquele resultado. Claro, o contrato não prevê diretamente a atividade inventiva. Mas essa pode ocorrer, de modo indireto. Basta que, ao pesquisar as soluções já existentes para o mesmo problema, o técnico contratado não encontre alguma que o satisfaça, preferindo então exercer a sua criatividade para conseguir o resultado pretendido pela empresa contratante. Vale dizer, (...) o contrario teria por objeto a busca de uma solução para um problema técnico. A invenção não está aí expressamente prevista, mas ela seria um resultado natural da atividade contratada. (CARVALHO, 1996, p. 4)

Dessa forma, a análise será casuística, levando em consideração a

observação do contrato de trabalho do empregado. Deverá existir a relação entre o

invento ou invenção com a atividade prática desempenhada pelo empregado, caso

não haja cláusula expressa para o desempenho de tal atividade.

Importante ressaltar que a Lei 9.279/ 1996 faz menção à patente de

invenções ou modelos de utilidade do empregado mesmo após a extinção do

contrato de trabalho. Assim, dispõe em seu artigo 88, §2º: “Salvo prova em contrário,

consideram-se desenvolvidos na vigência do contrato a invenção ou modelo de

utilidade, cuja patente seja requerida pelo empregado até 1 (um) ano após a

extinção do vínculo empregatício”.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

147

Este dispositivo visa impedir que o empregado oculte o invento ou invenção

do empregador, para que depois de rescindido o contrato de trabalho, este explore

sozinho e aufira lucro com a exploração do know how adquirido na vigência do

contrato.

Ao empregado caberá provar que a ideia inventiva que ocasionou o invento,

ocorreu depois de extinta a relação de trabalho. Ainda, se o depósito do pedido de

patente ocorrer após o prazo de um ano, como determina a lei, o ônus da prova

incidirá sobre o ex-empregador.

6.3 INVENÇÕES MISTAS OU DEPENDENTES

As invenções ou inventos mistos são de propriedade comum do empregador

e do empregado, como preceitua o artigo 91, da Lei 9.279:

Art. 91: A propriedade da invenção ou modelo de utilidade será comum, em partes iguais, quando resultar da contribuição pessoal do empregado e de recursos, dados, meios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, ressalvada expressa disposição contratual em contrário.

Dessa forma, podemos compreender que a lei define três requisitos a serem

percebidos para que a invenção seja definida como mista. Primeiro, deverá ocorrer

de contribuição pessoal do empregado, bem como a contribuição de outros

empregados também. Segundo, o empregado não deve ter sido contratado para

realizar a invenção. Por último, para divulgar a ideia inventiva, o empregado deve

utiliza-se de recursos, dados, materiais, instalações ou equipamentos do

empregador.

O acórdão do TST ilustra bem esses requisitos:

Incontroverso nos autos que o Autor utilizou-se da estrutura, dos insumos e equipamentos da Reclamada, atuando como colaborador na formulação de um molho, havendo conjugação de esforços com o engenheiro na fixação dos percentuais, tanto na base científica (engenharia e química) como em relação à pesquisa realizada, devida indenização pelo invento, vez que o desenvolvimento da atividade não estava vinculado ao contrato de trabalho. (AIRR, 6ªT, nº 712/2005-051-18-40, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, julg. 3.10.2007)

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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A participação pessoal deve contribuir diretamente para o processo inventivo,

o simples trabalho de apoio, assim como a coleta de dados não atesta a participação

do empregado nos ganhos da exploração econômica do invento.

Sobre o referido requisito, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

assim dispôs:

A simples contribuição com ideias e em conjunto com outros profissionais para a confecção de dispositivo que atendam as necessidades da demanda, não caracteriza invenção ou modelo de utilidade (...). Como se vê das conclusões periciais, não se trata propriamente de um invento ou modelo de utilidade, mas sim de adaptações a dispositivos, que resultaram da natureza do trabalho prestado pelo Reclamante e seus colegas à empresa. Tais adaptações não se revestem de caráter de ineditismo que caracteriza o invento, pois como referido pelo perito oficial (...) existem dispositivos similares no mercado. (TRT, 3ªT, RO nº 00255-2006-252-004-00-0, Rel. Juiz Alberto de Vargas, julg. 16.4.2008)

Com relação ao disposto no acórdão acima, mesmo que tais dispositivos

fossem caracterizados como invenção ou invento, não caberia ao Reclamante

qualquer indenização, visto que não há o requisito essencial da contribuição pessoal

do empregado.

Quanto ao segundo requisito, o qual determina que o empregado não deve ter

sido contratado para inventar, embora pareça descomplicado o seu entendimento,

merece especial atenção, pois podem provocar problemas ao se analisar casos

concretos. Há contratos de trabalho, cujas cláusulas são um pouco genéricas em

relação às atribuições do empregado, não permitindo definir imediatamente se estas

abrangem ou não, a atividade inventiva.

Dessa forma, é necessária a análise das tarefas inicialmente passadas ao

empregado. A respeito dessa hipótese, segue como exemplo o acórdão do Tribunal

Regional do Trabalho da 4ª Região:

O Reclamante como gerente de produção, embora tivesse conhecimento do que a empresa industrializava não participava da elaboração de projetos, nem do aperfeiçoamento de qualquer peça, até mesmo por que este processo exige pessoas qualificadas e o Reclamante possui apenas o segundo grau completo, não possui o conhecimento técnico específico para elaboração de desenhos industriais de produtos, ferramentas, modelagem de produtos, etc. (...). Como o aperfeiçoamento ocorreu com os recursos da empresa ré, o caso vertente enquadra-se na terceira hipótese legal, prevista no art. 91 da Lei 9.279/96, sendo o invento de propriedade comum, em partes iguais. (...) Desse modo, é devido ao autor o pagamento de indenização que se fixa no índice de 15% sobre o valor de cada peça

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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“Santo Antônio” vendida – que continua sendo comercializada, segundo consulta ao site www.bepo.com.br – desde o aperfeiçoamento realizado pelo autor até a data do início da execução, a ser apurado em liquidação de sentença. (TRT, 1ªT, RO nº 01612-205-4004-04-00-9, Rel. Juiz José Felipe Ledur, julg. 9.11.2006)

Como se pôde observar, não havia vínculo do empregado com a atividade

inventiva. Portanto, na hipótese deste ser realocado para o exercício do processo

inventivo, sem haver a devida compensação salarial, não ser pode concluir que as

invenções desenvolvidas por ele serão de natureza de serviço.

Há também a possibilidade da empresa tentar desprender-se da invenção

mista e dispor, no contrato de trabalho, de cláusula de cessão das invenções ou

inventos, independentemente do objetivo para o qual o empregado foi contratado.

Assim, o objetivo do empregador seria nunca repartir os lucros resultantes com o

invento do seu empregado, dando oportunidade para a tentativa de fraude, porém,

tal cláusula não suprime a figura da invenção mista.

A respeito do objetivo para o qual o empregado fora contratado e também

sobre a cláusula de cessão de direitos sobre a invenção ou invento, assim decidiu o

TST:

Considerada a função do Reclamante, não se há falar (sic) que seu invento ocorreu como parte da previsão ou dinâmica contratual empregatícias, pois o projeto desenvolvido estava totalmente dissociado de seu pacto laboral, não se inserindo entre suas tarefas originalmente estabelecidas. Não obstante a ideia útil trazida pelo reclamante, com a criação de melhoria no atendimento do cliente, não guardasse relação com o contrato laboral, conforme se infere da cláusula 7ª do contrato de trabalho dele, restou pactuado no seu item 1º que “o empregado concorda em divulgar e ceder à empregadora ou a seu nomeado todos os seus direitos a invenções feitas ou concebidas por ele, seja isolada ou conjuntamente com outros empregados, durante a vigência desde contrato, considerando-se, inclusive, a eventual prorrogação do mesmo”. Ora, essa cláusula não pode ser acolhida, pois abusiva, contemplando uma situação totalmente alheia à contratação de um profissional cuja atividade não gera a expectativa da criação original de inventos ou utilidades que incrementem o empreendimento explorado pelo empregador. Aplica-se ao caso o art. 9º da CLT, considerando-se nula de pleno direito a cláusula contratual estabelecida com o objetivo de impedir a aplicação dos preceitos estabelecidos na CLT. (AIRR, 4ªT, nº 305/2007-003-03-40, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, julg. 15.10.2008).

Para que não seja legitimada a intenção do empregador de fraudar o contrato

de trabalho, a interpretação do contrato deve dar-se de maneira sistemática. Quando

o empregado é contratado para inventar, assim caracterizada a invenção de serviço,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

150

o salário do empregado já é ajustado numa quantia superior, pois certamente não

poderá usufruir economicamente da invenção, que é exclusiva do empregador.

Como anteriormente abordado, nas invenções de serviço, bem como nas

invenções mistas, há a tentativa de impedir o cometimento de fraude por parte do

empregado, que eventualmente pode guardar pra si a invenção e, após a extinção

do vínculo de emprego, procura obter a exclusividade da invenção.

Por outro lado, se durante o vínculo empregatício o empregado não fora

contratado com a finalidade de exercer a atividade inventiva e, acaba por concretizar

o invento após a extinção do contrato, a invenção será livre, pertencerá

exclusivamente ao empregado.

O empregado, embora possa ter a ideia inventiva por si só, de maneira

isolada e individual, ao utilizar-se dos recursos do empregador, terá direito apenas à

copropriedade. Assim, não há que se mensurar o valor entre o resultado obtido pelo

invento e os recursos utilizados, pois eles podem variar de caso para caso. Desta

forma, atribui-se a co-titularidade entre empregado e empregador.

Se porventura o empregado conceder os direitos de exploração da invenção

ao empregador, a ele será devida a “justa remuneração”, como preceitua o §2º, do

artigo 91 da Lei 9.279/1996. Tomar-se-á o valor intrínseco do invento ou invenção

para determinar o valor devido.

João de Lima Teixeira Filho afirma que:

Significa que as partes devem avir compensação pecuniária equânime para o empregado, sob pena de reversão à co-titularidade. Justa remuneração nada tem a ver com natureza salaria. Afinal, esta cessão de direitos não resulta de contraprestação se serviço contratado. A nosso ver, o propósito da lei é evitar que o empregador, ao negociar exclusividade, pague valor irrisório ao empregado comparado ao faturamento líquido indicado nas avaliações de mercado de domínio do empregador. (FILHO, 2005, p.262)

Assim, podemos concluir que não há qualquer vínculo entre o salário pago ao

empregado e a renda advinda da propriedade, pois esta última caracteriza-se por

uma recompensa indireta e secundária, dependente do valor econômico abarcado

pela disponibilização da invenção no mercado. Caberá a divisão desse valor

alcançado, em partes iguais, entre empregado e empregador.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

151

O antigo Código de Propriedade Industrial de 1971 e a Lei 9.279/1996 fazem

menção à expressão remuneração, e nas palavras de Maurício Godinho Delgado,

podemos compreender esse entendimento:

Embora ambos os textos legais valham-se do vocabulário remuneração, na verdade estão ambos se referindo a uma retribuição por título jurídico não trabalhista, isto é, um contrato paralelo ao contrato empregatício e a este acoplado. Isso fica claro ao se saber que o pagamento pelo invento seria feito mesmo que o inventor não fosse empregado, mas mero prestador autônomo de serviços. Desse modo, o pagamento tem como causa o invento e não a prestação de serviços ou o conteúdo contratual trabalhista. (DELGADO, 1999, p. 101)

Quanto à divisão em partes iguais, não há unanimidade na doutrina. O TST

apresenta algumas delas e direciona seu posicionamento:

Catharino assim pensa ao afirmar que em hipóteses que tais (sic), “o empregado tem direito à metade dos resultados auferidos com a sua exploração”. (...) Não seria justa essa solução para o empregador, poderá Gama Cerqueira, pois “a exploração do invento exigiria capitais e acarretaria trabalho, despesas e outros ônus, que só ele teria de suportar, podendo, ainda, dar prejuízos de que não participaria o empregado”. Cremos, pois, que o Projeto de Lei nº 824/91, ao dispor que é assegurada ao empregado a “justa remuneração”, tem o mérito de esclarecer não ser necessariamente devido ao empregado metade do lucro auferido com a exploração do invento. Se não acertado pelas partes, de comum acordo, o que será devido ao empregado pela exploração do invento, e sobrevindo o litígio, o juiz determinará, segundo as circunstâncias do caso concreto, qual será a “justa remuneração” devida ao empregado. Poderá fazê-lo baseando-se em resultado de perícia ou mesmo arbitramento, dentro dos princípios da equidade, e tendo em vista o interesse social e econômico do País. (AIRR, 5ªT, nº1504/1999-021-03-00, Rel. Juiz Convocado José Pedro de Camargo, julg. 31.8.2005)

O fato de, por exemplo, não haver o depósito do pedido de patente, no caso

de exploração econômica da invenção por parte do empregador, mas essa contribuir

mesmo que aumentando a produtividade dentro da própria empresa, também

importante ressaltar que há exploração econômica, uma vez que o invento

contribuirá para o empregador aumentar sua lucratividade. Portanto, caberá ao

empregado a devida remuneração.

No âmbito do contrato de trabalho, as invenções mistas possibilitam a

inserção de cláusula de cessão ao empregador, porém, essas são onerosas, pois o

valor pago ao empregado pela cessão poderá ser reexaminado posteriormente caso

a invenção se demonstre mais lucrativa do que anteriormente se supunha. Por se

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

152

tratar de direito patrimonial disponível, o empregado pode abrir mão de sua

remuneração, porém o vínculo empregatício se demonstra em discordância a essa

possibilidade de consentimento da gratuidade da cessão, que figuraria genuíno

contrato de adesão.

Nestes casos, o empregador deverá pagar pela cessão, como se estivesse

negociando com terceiros e o empregado deverá receber a exata metade por ter

transferido a propriedade, porém esta remuneração não tem natureza trabalhista,

mas sim de ordem civil. Acerca dos lucros obtidos pelo empregador e sua repartição,

João da Gama Cerqueira afirma que:

O Código não estabeleceu simples comunhão, mas sociedade entre empregador e empregado. Comunhão na propriedade do invento e sociedade na sua exploração. Sociedade em que predominam fatalmente a desigualdade fundamental da situação das partes e que daria, na maioria dos casos, desfavoráveis resultados para a parte mais fraca e desprotegida. O empregado, em regra, ficara desamparado na defesa dos seus interesses, à mercê do empregador, sem meios eficazes para compeli-lo ao cumprimento de suas obrigações e para fiscalizar a exploração do invento. (CERQUEIRA, 1982, p. 280)

O artigo 91 da Lei 9.279/1996 assim dispõe:

Parágrafo 3º: “A exploração do objeto da patente, na falta de acordo, deverá ser iniciada pelo empregador dentro de 1 (um) ano, contado da data de sua concessão, sob pena de passar a exclusiva propriedade do empregado a titularidade da patente, ressalvadas as hipóteses de falta de exploração por razões legítimas”. Parágrafo 4º: “No caso de cessão, qualquer dos co-titulares, em igualdade de condições, poderá exercer o direito de preferência”.

Dessa forma, podemos considerar que a falta de condições econômicas seria

uma hipótese justificável para que o empregador se mantenha inerte em relação à

exploração econômica do invento ou invenção. Por outro lado, é possível que esse

negocie com terceiros a exploração, porém o empregado ou qualquer um dos co-

titulares poderá exercer o direito de preferencia, em igualdade de condições com

terceiros.

Finalmente, o artigo 91, §1º da referida Lei define que “Sendo mais de um

empregado, a parte que lhes couber será dividida igualmente entre todos, salvo

ajuste em contrário”. Com relação a ressalva abrangida na Lei, o Tribunal Regional

do Trabalho da 4ª Região decidiu:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

153

A testemunha (...) declarou que ele e o Reclamante faziam montagem de protótipos. O próprio demandante esclareceu que todas as equipes de projeto trabalhavam com os mesmos produtos, com total capacidade para desenvolvê-los, em todas as linhas de alto-falantes Neste contexto, entendo que a prova carreada demonstra que não houve invento produzido apenas pelo autor, mas produto do resultado de uma equipe formada para tal fim, inexistindo portanto, direito à indenização, mormente levando em conta que o invento foi decorrente das atribuições para as quais o empregado foi contratado. (TRT, 8ªT, RO nº 00406-2004-201-04-00-5, Rel. Juiz Carlos Alberto Robinson, julg. 1.12.2005)

Como observado no referido julgado, a desclassificação do direito à

indenização também poderia ter ocorrido pela simples menção ao conceito da

invenção de serviço.

Em consonância com esse entendimento, assim decidiu o TST:

A titularidade do invento pode ser compartilhada. Empregado e empregador detêm partes iguais da patente quando, inexistindo cláusula contratual regulatória da hipótese, a criação resultar da contribuição pessoal do empregado e dos seus recursos e equipamentos colocados à sua disposição pelo empregador. Se a criação é coletiva, o quinhão dos empregados (metade) é subdividido igualmente entre todos os co-titulares da invenção ou modelo de utilidade. Essas meações não são rígidas. As normas legais pertinentes têm o traço da disponibilidade (art. 91 e seu §1º, ambos in fine), abertas, portanto, à primazia da vontade das partes contratantes. (TST, 1ªT, E-ED-RR, nº 749.341/2005.5, Rel. Min. Horácio Senna Pires, julg. 22.10.2008)

Por fim, é possível concluir que não é permitido ao empregador apropriar-se

de modo gratuito da invenção ou modelo de utilidade desenvolvido pelo empregado

de forma alheia à relação de trabalho. Dessa maneira haveria um confronto aos

valores sociais do trabalho consagrados na Constituição, além de desestimular por

completo o exercício da atividade inventiva.

7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Foi realizado levantamento bibliográfico, pesquisando obras relacionadas ao

tema e escritas por doutrinadores da área, pesquisa jurisprudencial nos Tribunais

Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho, bem como em dispositivos

da Constituição Federal e 1988, Leis Ordinárias e a Consolidação das Leis

Trabalhistas.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

154

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto abordado no trabalho, ficou demonstrado que na

hipótese de o empregado desenvolver um invento ou invenção durante a relação

empregatícia, seus direitos à titularidade ou a exploração das respectivas invenções

variam de acordo com a particularidade de cada caso concreto. No sentido de

facilitar a compreensão acerca da manifestação da atividade inventiva, se faz

necessário classificar as modalidades de inventos ou invenções, podendo elas ser

livres, mistas ou de serviço.

Em primeiro lugar, há que se analisarem as funções para as quais e

empregado foi previamente contratado, assim, se caso fora contratado para exercer

a atividade inventiva e sua remuneração faça jus a atividade desta função, a

invenção será de serviço, visto que, o objetivo da contratação destinava-se

justamente àquela criação.

Nesta hipótese, a titularidade da invenção será do empregador, reforçada

pela previsão expressa no contrato de trabalho. Assim, mesmo que o empregado

seja subsequentemente direcionado para a atividade inventiva, ele deverá ter seu

salário em concordância com o exercício de tal atividade, pois caso isso não se

confirme as criações originárias do vínculo empregatício, poderão ser tidas como

mistas.

Segundo, há que se distinguir, se o empregado se utilizou ou não dos meios e

recursos do empregador para concretizar a atividade inventiva. Se porventura o

invento estiver desassociado aos recursos financeiros, materiais e humanos do

empregador, bem como tiver sido desenvolvido externamente do ambiente laboral, o

invento ou invenção será livre, pertencendo exclusivamente ao empregado a sua

propriedade.

Se caso houver a participação do empregador, ainda que esse possa não ter

ciência do auxílio que prestou a concretização do evento, mas, ao colocar à

disposição do empregado os recursos, dados, meios, materiais, instalações ou

equipamentos de sua empresa, contribui fundamentalmente à concretização do

invento, fará jus, de acordo com a lei, à exploração econômica o invento ou invenção

e assim, estará configurada a co-titularidade entre empregado e empregador. Dessa

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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forma, dividirão os lucros obtidos e o empregado receberá sua parcela mediante

justa remuneração.

Portanto, embora feitas tais considerações, grande é a dificuldade prática,

que excede o texto legal. Além classificar os inventos em livres, mistos ou de

serviço, se faz necessário delimitar as características técnicas de cada invenção ou

invento para assim poder determinar a justa remuneração ao empregado.

Ao explorar economicamente a atividade inventiva, a empresa, na maioria dos

casos, tende a minorar a importância e a utilidade social do invento ou invenção com

o intuito de se desprender do pagamento que é devido de direto ao empregado.

Assim, é possível concluir que é necessário não apenas a elucidação das

particularidades do contrato de emprego e conhecimento da interpretação do texto

legal para solucionar as lides relacionadas ao invento ou invenção no contrato de

emprego, mas também o estudo específico do invento e sua aplicação prática no

ramo industrial e comercial para que o polo frágil da relação laboral tenha

possibilidade de garantir os direitos inerentes da sua atividade inventiva.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

156

REFERÊNCIAS

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do Requisito da Atividade Inventiva como condição Legal para a Concessão de

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Janeiro: Renovar, 2007.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

157

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abril de 2008. Disponível em:

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__________. Recurso Ordinário nº 01612-205-4004-04-00-9, Rel. Juiz José Felipe

Ledur, 1ª Turma. Porto Alegre, RS, 9 de novembro de 2006. Disponível em:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL E A

APLICABILIDADE DO DECRETO 6.514/2008

ENVIRONMENTAL ADMINISTRATIVE RESPONSIBILITY AND

APPLICABILITY OF DECREE 6.514/2008

Gustavo Arriola Maingué

Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba – UNICURITIBA

Regina Maria Bueno Bacellar1

1 Advogada Consultora, possui graduação em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1985), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e especialização em Ecologia e Direito Ambiental. Atualmente leciona no curso de graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA e em Cursos de Pós Graduação realizados pelas seguintes Instituições de Ensino: UNIFAE, UNIBRASIL, FEMPAR. Possui experiência nas áreas de Direito Civil, Administrativo, Ambiental, Urbanístico e Direito de Energia/Regulatório. Membro das Comissões da Mulher Advogada e do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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RESUMO

O presente trabalho objetiva demonstrar a importância da responsabilização

administrativa do infrator ambiental após o cometimento de um dano ambiental,

garantindo uma efetiva repressão da lesão causada e promovendo a preservação do

patrimônio natural. Pretende-se revelar que a responsabilidade administrativa serve

não apenas para conscientizar e sancionar o infrator ambiental, mas também para

garantir que atos similares não sejam cometidos por outras pessoas. Objetiva-se

detalhar o procedimento administrativo ambiental, nas suas mais diversas fases e

com todas as suas peculiaridades. Aspira-se a detalhar os prazos legais previstos

durante o procedimento administrativo e a competência para a sua instauração.

Busca-se definir legalmente os conceitos de infração administrativa ambiental e de

poder de polícia ambiental. Almeja-se demonstrar, através da Constituição Federal e

das leis infraconstitucionais, a legalidade da aplicação do Decreto n. 6.514/2008. Por

fim, deseja-se revisar as sanções administrativas ambientais previstas no

ordenamento jurídico brasileiro, conceituando cada uma delas e trazendo as suas

formas de aplicação.

Palavras-chave: responsabilidade administrativa, infração ambiental, poder de

polícia, procedimento administrativo, sanção, legalidade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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ABSTRACT

This paper aims to demonstrate the importance of environmental administrative

accountability of the offender after the commission of environmental damage,

ensuring effective prosecution of the injury caused and promoting the preservation of

the natural heritage. It is intended to prove that the administrative responsibility

serves not only to educate and punish the offender environmental, but also to ensure

that other people do not commit similar acts. It aims to detail the environmental

administrative procedure, in its various phases and with all its peculiarities. Aspires to

detail the legal deadlines provided during the administrative procedure and

competence for its establishment. Seeks to legally define the concepts of

administrative violations and environmental police power environment. Aims to

demonstrate, through the Constitution and the laws under the Constitution, the

legality of the application of Decree n. 6.514/2008. Finally, we want to review the

environmental administrative penalties provided for in Brazilian law, each

conceptualizing and bringing their application forms.

Keywords: administrative responsibility, environmental violations, police power,

administrative procedure, sanction, legality.

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1 INTRODUÇÃO

O meio ambiente e a economia mundial andam lado a lado na busca de um

equilíbrio. Ambientalistas buscam uma maior proteção aos recursos naturais,

enquanto que a sociedade em geral cada dia mais depende de matérias primas para

a satisfação das necessidades globais.

Tendo em vista o grande crescimento populacional e as evoluções sociais e

tecnológicas, o meio ambiente mundial começou a ser alvo de constantes lesões. O

equilíbrio entre a existência de recursos naturais e a necessidade humana foi

desfeito. A exploração desenfreada fez com que o homem passasse a se preocupar

não somente com o presente, mas também com o futuro e com as próximas

gerações. Vários levantamentos realizados por estudiosos e ambientalistas afirmam

que certos recursos naturais se esgotarão em poucos anos.

Busca-se atualmente o desenvolvimento sustentável. Ou seja, o que o

homem e a sociedade exploram nas suas atividades básicas não pode ser superior

ao que é produzido pela natureza. Este cenário fez com que surgissem leis de

proteção ao meio ambiente. A legislação propôs limites à exploração ambiental,

definindo sanções àqueles que insistissem em obter vantagem com os recursos

naturais.

O legislador sabiamente definiu limites e regras para a exploração dos

recursos naturais do país e fez a previsão de sanções para aquelas pessoas, físicas

ou jurídicas, que descumprissem tais regramentos. Quando os limites previstos são

ignorados, a lei vem para defender a coletividade e propõem sanções ao infrator.

O presente estudo definirá se efetivamente a responsabilidade administrativa

está sendo aplicada ao infrator ambiental e verificará por meio da análise das

normas gerais que regem o Direito Ambiental, se está sendo eficaz na repressão e

prevenção de novos danos ambientais. Ainda terá como objetivo compreender as

normas gerais que regem o Direito Ambiental e analisar as características da

responsabilidade administrativa do infrator ambiental.

Logo, o ponto de partida do presente estudo será a Constituição Federal de

1988, a qual em um mecanismo de defesa ao meio ambiente definiu em seu artigo

225, § 3º, que as “condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

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sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

2 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL

A Constituição Federal de 1988 previu em seu artigo 225, § 3º, a tutela e a

responsabilidade administrativa ambiental conforme anteriormente citado.

Inicialmente, com o intuito de definir a verdadeira intenção da responsabilidade

administrativa ambiental, é perfeita a interpretação de Fiorillo (2009, p. 71), a qual

cita:

A responsabilidade administrativa em matéria ambiental, em resumo, tem como finalidade obrigar os órgãos vinculados de forma direta ou indireta aos entes estatais (União, Estados, Municípios e Distrito federal) a defender e preservar os bens ambientais para as presentes e futuras gerações ante a proteção indicada pela Constituição Federal aos interesses difusos e coletivos em proveito da dignidade da pessoa humana.

Milaré (2001, p. 281) sabiamente proferiu a importância da participação do

poder público e da administração pública na defesa do meio ambiente, bem como

distinguiu a tutela administrativa ambiental de outras vertentes do Direito

Administrativo ao narrar que:

No que concerne à tutela administrativa do ambiente propriamente dita, e em linhas gerais, ela difere do que é estabelecido no Direito Administrativo para outros tipos de tutela. Trata-se, então, basicamente, de mecanismo jurídico destinado a assegurar a coordenação de atividades quando na estrutura da Administração Pública se integram pessoas coletivas autônomas. Isto vale para a gestão ambiental, por quanto muitos são os agentes que interferem ou intervém no processo, sendo eles não somente de direito público como, também, de direito privado; e não se podem excluir até mesmo pessoas físicas que tenham responsabilidade em ações de causa e efeito ambientais. Como bem difuso e de uso coletivo, o meio ambiente não pode gerir-se por si mesmo: ele carece de proteção. A salvaguarda lhe vem do Poder Público, seu “tutor”, já que se trata de patrimônio publico.

Contudo, a responsabilidade ambiental administrativa envolve uma série de

fatores fundamentais para a sua confirmação. Um destes fatores é a necessidade de

uma regulamentação legal, ou seja, que existam leis definindo o que é uma infração

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ambiental e quais as consequências para quem vier a infringir os limites adotados

pelo legislador. Estas leis foram elaboradas pelo poder legislativo nas últimas

décadas e atualmente fazem parte do arcabouço jurídico que regula o Direito

Ambiental Brasileiro.

Sirvinskas (2009, p. 643) confirma tal afirmação ao demonstrar em sua obra

que:

Quase dez anos depois da promulgação da Constituição Federal, vem a lume, finalmente, a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. As infrações, o procedimento e as sanções administrativas encontram-se disciplinados nos arts. 70 a 76 da citada lei. Tais dispositivos foram regulamentados pelo Poder Executivo federal mediante o decreto n. 6.514, de 22 de julho de 2008, que revogou as demais normas na parte que regulamentava aquelas sanções.

Muito se discute sobre a validade ou não do Decreto n. 6.514/2008. Vários

juristas argumentam que esta norma é inconstitucional, alegando que não é

competência do Poder Executivo definir as infrações administrativas ambientais

possíveis de serem cometidas, mas apenas regulamentar através de decretos as

leis já existentes. Contudo, esta tese não ganhou força e não vem sendo aplicada.

As normas infra legais, como o acima citado decreto, detalham mandamentos de lei

e possibilitam a sua aplicação prática. Em nenhum momento o Decreto n.

6.514/2008 trouxe alteração ou novidade de conteúdo material à Lei de Crimes

Ambientais. A própria Lei de Crimes Ambientais fez a previsão da existência de uma

norma regulamentadora ao enunciar no seu artigo 80: “O Poder Público

regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias a contar da publicação. ”

Da mesma forma, a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 84,

inciso IV, definiu a competência para a expedição de decretos ao narrar que:

Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

Desta maneira, vislumbra-se que a aplicação de decretos regulamentares não

fere o princípio da legalidade, tendo em vista que no caso do meio ambiente, as

ações lesivas são enquadradas em infrações ambientais (Art. 70 da Lei de Crimes

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Ambientais), possuem a delimitação em sanções (Art. 72 da Lei de Crimes

Ambientais e decreto regulamentador) e apresenta origem legal (Constituição

Federal e Art. 80 da Lei de Crimes Ambientais).

Assim, para que seja possível aprofundar os estudos acerca da responsabilidade

administrativa ambiental é necessário definir o conceito de infração ambiental

previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda, é de fundamental importância

conhecer as sanções administrativas existentes atualmente, as quais são o

resultado da efetiva ação estatal na busca da responsabilização administrativa do

infrator ambiental. Além disto, serão abordados a seguir conceitos relacionados ao

tema, como por exemplo, auto de infração ambiental, poder de polícia ambiental e

procedimento administrativo.

2.1 INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL

O conceito de infração administrativa ambiental está localizado no capítulo VI

da Lei n. 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, e no Decreto n.

6.514/2008. É com base nestes dispositivos que é possível enquadrar uma

determinada conduta em infração ambiental e aplicar as sanções administrativas

ambientais cabíveis.

O artigo 70 da Lei n. 9.605/1998 e o artigo 2º do Decreto n. 6.514/2008

demonstram, através de redação similar, que “considera-se infração administrativa

ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo,

promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

Como pode ser visto, o legislador fez a previsão para que diversos atos

atentatórios ao meio ambiente fossem punidos e considerados como infração

administrativa ambiental. Não se limitou a apenas atos comissivos, mas regulou

também a omissão daqueles que deveriam zelar pelo patrimônio natural. Ainda,

definiu várias ações que devem ser tratadas com atenção pelo homem ao usufruir o

meio ambiente, não se satisfazendo apenas com a sua exploração. Áreas em

recuperação e locais que o homem apenas utiliza sem fins de exploração comercial,

também são objetos de eventuais infrações administrativas ambientais.

Balizando tais entendimentos, Silva (2005, p. 688) relata o caráter da

responsabilidade administrativa ambiental ao citar que:

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A responsabilidade administrativa ambiental é imputada, a nosso ver, pelo poder administrativo ambiental (faculdade para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício do meio ambiente, dos recursos naturais, da coletividade ou do próprio Estado) exercido pela administração pública (federal, distrital, estadual ou municipal), por meio dos seus órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA.

Contudo, para que uma infração administrativa ambiental resulte em uma

sanção administrativa ambiental é necessário que o poder público constate tal

ilicitude, promova a autuação do infrator em documento próprio e instaure um

procedimento para apuração dos fatos. Este documento é conhecido como auto de

infração ambiental e apenas alguns órgãos da administração pública tem

competência para lavrá-lo. Tal fato também se repete ao tratar do procedimento

administrativo. A relação de tais órgãos está prevista no artigo 70, § 1º da Lei de

Crimes Ambientais, o qual traz a seguinte redação:

São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.

Neste sentido pode ser verificado que o legislador avocou para o poder

público o dever de autuar o infrator ambiental e de instaurar o procedimento

administrativo buscando a responsabilização pelo dano causado. Estas são algumas

das atribuições do poder de polícia ambiental que será abordado logo à frente e

entre os exemplos de integrantes do SISNAMA podem ser citados no âmbito do

Estado do Paraná os seguintes órgãos com competência de autuação: Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA (órgão

federal) e Instituto Ambiental do Paraná – IAP (órgão estadual).

2.1.1 Poder De Polícia Ambiental

Ambos os casos citados anteriormente, ou seja, a competência para lavrar o

auto de infração ambiental e para instaurar procedimento administrativo ambiental

são características do intitulado poder de polícia ambiental. Este poder

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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constitucionalmente destinado a alguns órgãos, além de prever as medidas

repressivas acima citadas, prevê ainda várias outras ações voltadas para a

prevenção do meio ambiente. Como exemplo pode-se citar a expedição de licenças

e autorizações ambientais para a execução de determinadas atividades, regulando

assim os níveis de poluição e os limites de degradação de certos empreendimentos.

A definição legal de poder de polícia pode ser encontrada no Código Tributário

Nacional, mais especificamente no artigo 78, a qual também serve de referência

para o poder de polícia ambiental, conforme segue:

Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Além do acima tratado texto legal, é possível encontrar o conceito de poder

de polícia ambiental em várias obras da literatura brasileira. Contudo, o conceito que

mais tem destaque é o de Machado (2011, p. 350), o qual define:

Poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

Com base neste entendimento vê-se que o poder de polícia ambiental regula

várias ações estatais voltadas à preservação do meio ambiente, buscando garantir o

fiel cumprimento das leis em vigor, sejam estas ações preventivas ou repressivas.

Neste diapasão, Milaré (2001, p. 283) conclui:

O poder de polícia administrativa ambiental é exercido mais comumente por meio de ações fiscalizadoras, uma vez que a tutela administrativa do ambiente contempla medidas corretivas e inspectivas, entre outras. Malgrado isso, dentre os atos de polícia em meio ambiente, o licenciamento também ocupa lugar de relevo, uma vez que as licenças são requeridas

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como condições para praticar atos que, não observadas as respectivas cláusulas, podem gerar ilícitos ou efeitos imputáveis. O licenciamento ambiental visa a preservar de riscos potenciais ou efetivos a qualidade do meio e a saúde da população, riscos estes oriundos de qualquer empreendimento ou intervenção que altere desfavoravelmente as condições do ambiente.

Entretanto, com a intenção de aumentar a proteção ao meio ambiente

nacional, a Lei de Crimes Ambientais trouxe expressamente a previsão de que

qualquer pessoa do povo pode, ao constatar uma infração ambiental, dirigir-se a um

órgão ambiental e fazer uma denúncia de uma infração, conforme artigo 70, § 2º:

“Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às

autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do poder de

polícia”.

Com isto, o poder público indiretamente divide com a sociedade o dever de

fiscalizar e proteger o patrimônio natural, buscando ainda uma maior

conscientização social da importância de um meio ambiente sadio e equilibrado para

todos.

Por outro lado, a Lei de Crimes Ambientais não deu o mesmo poder de

escolha dado ao povo ao tratar das autoridades ambientais. O povo em geral pode

representar às autoridades uma determinada infração. Ao contrário, as autoridades

ambientais devem tomar todas as atitudes cabíveis para a apuração daquela

infração. Nada mais correto, pois impede eventuais desvios de conduta e destina

sanções aos servidores públicos que agirem em desacordo com as leis. Esta

conceituação é dada pelo artigo 70, § 3º da Lei n. 9.605/1998: “A autoridade

ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a

sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de

corresponsabilidade”.

Silva (2005, p. 688) debatendo o tema reafirma o texto legal ao citar que:

Destaca-se que a responsabilidade administrativa ambiental do infrator, quando indevidamente tolerada, implica em corresponsabilidade da autoridade ambiental que dela tiver conhecimento e não venha promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo ambienta próprio (§ 3º do art. 70).

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Confirmando a importância do servidor público na autuação ambiental e a sua

impossibilidade de omissão perante infrações ambientais, Sirvinskas (2009, p. 644)

relata que:

O servidor público, ao tomar conhecimento de infração ambiental, deverá elaborar relatório de vistoria, ou qualquer documento equivalente, e lavrar o Auto de Imposição de Infração de Penalidade Ambiental (AIIPA), dando-se início ao procedimento administrativo previsto no art. 70, § 1º, da Lei n. 9.605/98. No entanto, nem sempre o servidor comunica ao Ministério Público a ocorrência de conduta ou atividade lesiva ao meio ambiente, sem contar a hipótese, ainda mais grave e por vezes verificada, em que deixa de lavrar o AIIPA, limitando-se a “orientar” o infrator. Tal omissão poderá acarretar ao servidor outra tríplice responsabilidade, de ordem pessoal, traduzida em sanções administrativas (poderá responder pelas sanções previstas no Estatuto do Servidor), cíveis (poderá responder solidariamente com o infrator ambiental e por improbidade administrativa – art. 11, II, da Lei n. 8.429/92) e penais (poderá responder pelos arts. 66, I, do Dec.-Lei n. 3.688/41 e 68 da Lei n. 9.605/98).

Assim, claramente verifica-se que a atuação do agente ambiental é de

fundamental importância para a preservação do meio ambiente e que qualquer ação

executada por tal servidor voltada para a satisfação de interesses pessoais ou de

terceiros, e contrários ao bem comum da sociedade, serão severamente punidos

pelos mais diversos meios legais.

2.1.2 Processo Administrativo

Com relação ao processo administrativo para apuração de infração ambiental

é importante reforçar que a Lei n. 9.605/1998 seguiu a Constituição da República de

1988 e garantiu aos eventuais infratores o direito de ampla defesa e o contraditório.

Estes direitos são indispensáveis ao sistema jurídico nacional, garantindo às

pessoas acusadas de infrações ambientais a possibilidade de produzirem provas,

laudos e demais documentos atinentes às ações a elas imputadas. É uma forma do

então acusado justificar os seus atos e em outros casos até mesmo provar a sua

inocência.

O art. 70, § 4º, Lei n. 9.605/1998 traz: “As infrações ambientais são apuradas

em processo administrativo próprio, assegurado o direto de ampla defesa e o

contraditório, observadas as disposições desta Lei”.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Conceituando o tema, Meirelles (1991, p.133) revelou que processo

administrativo na realidade é uma:

[...] sucessão ordenada de operações que propiciam a formação de um ato final objetivado pela Administração. É o iter legal a ser percorrido pelos agentes públicos para a obtenção dos efeitos regulares de um ato administrativo principal.

Contudo, o processo administrativo não se baseia apenas nos princípios da

ampla defesa e do contraditório. Por se tratar da atuação da administração pública

no julgamento de ações e infrações cometidas no âmbito ambiental, o legislador

definiu outros vários princípios que devem ser levados em conta durante todo o

processo administrativo. Como exemplo desta preocupação do legislador, pode-se

citar o artigo 95 do Decreto n. 6.514/2008, o qual narra:

O procedimento administrativo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Seguindo este caminho, Sirvinskas (2009, p. 651) ainda cita que:

Realizada a autuação do infrator, o procedimento deverá ser instaurado na órbita da Administração Pública competente, observando-se os princípios constitucionais do processo judicial ou mais precisamente o direito à ampla

defesa e ao contraditório.

Outro ponto de destaque com relação ao processo administrativo para

apuração de infração ambiental no âmbito federal é a existência de alguns prazos

máximos, os quais devem ser cumpridos tanto pelo infrator quanto pela autoridade

julgadora. Este item é trazido nos incisos do artigo 71, da Lei de Crimes Ambientais,

os quais relacionam os seguintes limites temporais:

I – 20 (vinte) dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação; II – 30 (trinta) dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;

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III – 20 (vinte) dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instancia superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação; IV – 5 (cinco) dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.

Tais prazos estão expressamente previstos em lei. Da mesma forma, as

infrações ambientais e as respectivas sanções também devem estar descritas no

texto legal, facilitando assim o direcionamento de condutas por parte do homem.

Se não as fossem descritas nas leis vigentes, o homem poderia agir de acordo com

seus interesses e vontades particulares, alegando em todos os casos que não há

previsão do que é lícito ou ilícito. Da forma atual, o homem já sabe que agindo em

desacordo com as normas ambientais, existem sanções expressas em lei e que

haverá uma punição de acordo com a gravidade dos seus atos. Esta é a base do

princípio da legalidade, largamente difundido e fixado no ordenamento jurídico

brasileiro.

Silva (2005, p. 689) defende tal apontamento ao declarar que:

Vale acrescentar que as infrações administrativas ambientais e as respectivas sanções administrativas devem, obrigatoriamente, estar previstas em lei, para que o infrator possa ser responsabilizado e penalizado com tal ônus. Todavia, admite-se que, em alguns casos, as infrações ambientais e as sanções administrativas correspondentes possam vir especificadas em regulamentos. Sendo legitima a decisão que impõe uma sanção administrativa ambiental, prescinde aquela de ordem judicial para ser executada. Por isso mesmo, fica aumentada substancialmente a responsabilidade das autoridades ambientais no caso de omissão na aplicação de sanções administrativas.

Por fim, verifica-se que para que uma determinada infração ambiental dê

origem à determinada responsabilização administrativa ambiental, é necessária uma

série de requisitos e formalidades por parte do Poder Público. Inicialmente a infração

praticada deve estar expressa em lei, aderindo assim ao princípio da legalidade. Na

sequência, a autoridade administrativa competente terá que lavrar o auto de infração

ambiental, dando início a um procedimento administrativo próprio para a

investigação e a apuração dos atos cometidos. Neste procedimento administrativo,

também de competência restrita a alguns órgãos integrantes do SISNAMA, haverá a

possibilidade do infrator defender-se do que lhe é imputado, sempre respeitando os

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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prazos conferidos pela legislação em vigor. Após isto, aí então serão aplicadas as

sanções administrativas que convierem à infração cometida, de acordo com as

medidas previstas na Lei de Crimes Ambientais e no Decreto n. 6.514/2008, as

quais serão detalhadas na sequência deste estudo.

2.1.3 Sanções Administrativas

A sanção administrativa é a etapa que efetivamente demonstra a atuação

estatal na repressão das infrações ambientais e a completa responsabilização

administrativa do infrator ambiental. É neste momento que, após o devido processo

administrativo, o infrator será punido de acordo com a gravidade dos seus atos e

conforme a natureza da infração por ele cometida.

A título de diferenciação, cabe destacar que o agente autuante no momento

da fiscalização ambiental, de pronto, já pode definir algumas medidas

administrativas com o objetivo de preservar o meio ambiente. São casos em que a

espera pela conclusão do processo administrativo resultariam em uma danosidade

ainda maior para o patrimônio natural. Tal informação encontra validade no Decreto

n. 6.514/2008, em seu artigo 101, incisos e § 1º, os quais narram:

Constatada a infração ambiental, o agente autuante, no uso do seu poder de polícia, poderá adotar as seguintes medidas administrativas: I – apreensão; II – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; III – suspensão de venda ou fabricação de produto; IV – suspensão parcial ou total de atividades; V – destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração; e VI – demolição. § 1º As medidas de que trata este artigo têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.

Contudo, neste momento o enfoque é nas sanções administrativas impostas

após a instauração e elaboração do processo administrativo. São as medidas

determinadas pelo poder público com o intuito de punir o infrator ambiental das

infrações administrativas por ele cometidas e de fazer cessar aquela lesão ao meio

ambiente. Cabe ressaltar que alguns fatores influenciam na imposição e na

gradação da pena a ser aplicada, estando tais quesitos inseridos nos incisos do

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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artigo 6º da Lei de Crimes Ambientais, e identicamente relatados nos incisos do

artigo 4º do Decreto n. 6.514/2008 os quais versam:

I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.

Nota-se que uma mesma infração pode ter várias gradações diferentes de

pena. O legislador deu importância a questões que fogem do âmbito legal, como por

exemplo, a reincidência de transgressões de cunho ambiental e os aspectos sociais

que envolvem o infrator. Nesta linha de raciocínio, Sirvinskas (2009, p. 657) relata a

importância da devida sanção administrativa de acordo com os ditames da lei ao

citar que:

É relevante ressaltar que toda decisão punitiva deve ser motivada sob pena de ser revista pelo Poder Judiciário, o qual poderá, diante do excesso punitivo, reduzir a penalidade ou anulá-la para que o órgão público ambiental possa adequá-la, observando-se o princípio da proporcionalidade entre a conduta ilícita e a aplicação da medida punitiva. Toda medida punitiva deve ser motivada com base na teoria dos motivos determinantes, tendo por objetivo evitar excesso de poder por parte do poder Público na aplicação da sanção. Deve o órgão administrativo observar os critérios previstos no art. 4º do Decreto n. 6.514/2008.

Observados o princípio da proporcionalidade e o disposto no artigo 6º da Lei

de Crimes Ambientais e no artigo 4º do Decreto n. 6.514/2008, o órgão ambiental

competente definirá a sanção administrativa cabível ao caso prático. O rol de

sanções que podem ser aplicadas em virtude de infrações administrativas é

encontrado tanto na Lei de Crimes Ambientais, quanto no Decreto n. 6.514/2008. A

seguir, será citado o artigo 72 da Lei n. 9.605/1998, o qual dispõe sobre os tipos de

sanções administrativas existentes e encontra semelhança com o artigo 3º do

Decreto n. 6.514/2008:

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: I - advertência; II - multa simples; III - multa diária;

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IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; V - destruição ou inutilização do produto; VI - suspensão de venda e fabricação do produto; VII - embargo de obra ou atividade; VIII - demolição de obra; IX - suspensão parcial ou total de atividades; X – (Vetado.) XI - restritiva de direitos.

A advertência é a sanção mais simples encontrada na legislação ambiental e

traz poucas consequências ao infrator. É um aviso que há uma irregularidade e que

ela deve ser corrigida. Depois de aplicada, ela representa a incapacidade do infrator

de regularizar determinado ato constatado pelo órgão ambiental fiscalizador. O

artigo 5º, do decreto n. 6.514/2008, prevê os casos em que poderá ser aplicada a

sanção de advertência: “A sanção de advertência poderá ser aplicada, mediante a

lavratura de auto de infração, para as infrações administrativas de menor lesividade

ao meio ambiente, garantidos a ampla defesa e o contraditório”. Cabe esclarecer

que infrações de menor lesividade ao meio ambiente são aquelas em que a multa

máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Ainda, o § 2º, do art. 72, da Lei n. 9.605/1998 cita: “A advertência será

aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou

de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste

artigo”. Milaré (2001, p. 377) confirma o que foi dito ao expressar que:

I - Advertência, que será aplicada nas hipóteses em que o infrator, por inobservância da lei ou regulamento, tiver a obrigação de sanar uma irregularidade (p. ex., corrigir o lançamento de efluentes fora dos padrões). Eventos esporádicos, pontuais, decorrentes de incidentes operacionais, não ensejam advertência.

Na sequência, é possível encontrar a previsão da multa simples. Esta

modalidade de sanção é determinada pelos §§ 3º e 4º, do artigo 72, da Lei

9.605/1998 e pelos artigos 3º e 8º a 13 do Decreto n. 6.514. Sirvinskas (2009, p.

657) perfeitamente resumiu os acima citados textos legais ao expressar que:

(II) multa simples – será aplicada se o agente, por negligência ou dolo, advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las no prazo assinalado pelo órgão competente do SISNAMA ou da

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Capitania dos Portos do Comando da Marinha, ou se opuser embargo à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos do Comando da Marinha. A multa poderá ser também convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente (inciso II do art. 3º e arts. 8º a 13 do decreto).

Conforme acima citado, a multa poderá ser convertida em prol do meio

ambiente. Contudo, era necessário definir quais seriam as ações que se

enquadrariam em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do

meio ambiente. Com este objetivo, o artigo 140 do Decreto n. 6.514/2008 definiu

uma série de ações que serão consideradas como tal e que poderão ensejar na

conversão da multa aplicada. São elas:

Art. 140. São considerados serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente: I – execução de obras ou atividades de recuperação de danos decorrentes da própria infração; II – implementação de obras ou atividades de recuperação de áreas degradadas, bem como de preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente; III - custeio ou execução de programas e de projetos ambientais desenvolvidos por entidades públicas de proteção e conservação do meio ambiente; e IV - manutenção de espaços públicos que tenham como objetivo a preservação do meio ambiente.

Ato contínuo, a lei fez constar a sanção de multa diária. Esta sanção foi

estabelecida com o intuito de responsabilizar aquelas infrações continuadas e que

normalmente duram mais de um dia. A multa simples não traria a devida punição

aqueles infratores que mantém a atividade lesiva durante dias, motivo pelo qual o

legislador criou e estabeleceu a multa diária com o intuito de fazer parar o ato

danoso. O § 5º do artigo 72 da Lei de Crimes Ambientais e o artigo 10 do Decreto n.

6.514/2008, fizeram a previsão do momento que será aplicada a multa diária: “A

multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no

tempo”. Machado (2011, p. 339) declarou a importância da multa diária ao tratar que:

“A multa diária é um instrumento importante para não permitir a continuidade da

infração. Se aplicada a multa simples e houver a permanência do ilícito, a multa

diária deverá ser cominada”.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Ainda com relação às multas simples e diárias cabe destaque e menção a

três artigos da Lei de Crimes Ambientais. O artigo 73 da Lei n. 9.605/1998, relata a

destinação dos valores arrecadados pelos órgãos ambientais com o arbitramento

das multas. A previsão legal é que este montante seja destinado ao Fundo Nacional

do Meio Ambiente, ao Fundo Naval e aos fundos estaduais e municipais de meio

ambiente.

Na sequência, o artigo 74 demonstra quais serão as unidades de medida que

serão utilizadas para a definição das multas. Este artigo é de extrema importância,

pois impede que infrações ambientais de mesma monta sejam tratadas com elevada

discrepância.

Por fim, o artigo 75 define os valores mínimos e máximos que as multas

poderão ter, de acordo com a gravidade da infração cometida. Estes valores foram

estabelecidos em R$ 50,00 (cinquenta reais) o valor da multa mínima e R$

50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) o valor da multa máxima por infração

cometida.

A legislação ambiental ainda fez a previsão da apreensão dos animais,

produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou

veículos de qualquer natureza utilizados na infração. Com relação a esta sanção, a

legislação ambiental fez uma série de previsões e regulou a destinação de vários

destes bens apreendidos. Sirvinskas (2009, p. 658) resumiu estas previsões ao

abordar que:

IV) apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração – os animais serão devolvidos ao seu hábitat, se possível, os produtos, subprodutos da flora e da fauna e veículos serão avaliados e doados às entidades de caridade, às instituições científicas ou hospitalares e os petrechos e equipamentos serão vendidos com garantia de sua descaracterização (inciso IV do art. 3º, art. 14, inciso I do art. 101, arts. 102, 103, 104, 105, 106 e 107 do decreto e art. 25, §§ 1º e 4º, da Lei n. 9.605/98).

Ato contínuo, encontra-se na legislação ambiental a sanção administrativa da

destruição ou inutilização do produto oriundo da infração. Silva (2005, p. 692)

mencionou o tema ao trazer:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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e) destruição ou inutilização do produto (verificada a infração, devem ser apreendidas tais produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos; somente podem ser objeto de tal sanção os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis, que devem ser destruídos; tratando-se de apreensão de substancia ou produtos tóxicos, perigosos ou nocivos à saúde humana ou ao meio ambiente, as medidas a serem adotadas, seja destinação final ou destruição, devem ser determinados pelo órgão competente e correm a expensas do infrator; os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos , garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem; caso os instrumentos a que se refere o inciso anterior tenham utilidade para uso nas atividades dos órgãos ambientais e de entidades científicas, culturais, educacionais, hospitalares, penais, militares, públicas e outras entidades com fins beneficentes, serão doados a estas, após prévia avaliação do órgão responsável pela apreensão – art. 72, combinado com o caput e §§ 3º e 4º do art. 25, ambos da Leis 9.605 [...]

Outrossim, a legislação trouxe a sanção de suspensão de venda e fabricação

de produto. Esta sanção busca preservar a sociedade de eventuais materiais que

estejam sendo fabricados ou vendidos e que, por alguma irregularidade, possam

trazer ou estão trazendo prejuízos à população. São os produtos que não atendem

as especificações exigidas pela lei ou pelos regulamentos.

Na sequência, há a previsão da sanção administrativa de embargo de obra ou

de atividade. A intenção da lei é fazer cessar a atividade que está dando origem ao

dano ambiental. Não é possível que o órgão ambiental constate uma determinada

construção em local proibido pela lei e não tome medidas para que aquela atividade

ilícita seja interrompida. Se não houvesse o embargo da obra ou da atividade

irregular, os danos ambientais e os prejuízos ao meio ambiente seriam cada vez

maiores com o desenrolar do tempo. Confirmando a importância desta sanção

administrativa e limitando a sua área de atuação, Chiuvite (2010, p.107) esclarece

que:

É importante frisar que o embargo de obra ou atividade se restringe aos locais onde efetivamente se caracterizou a infração ambiental, não alcançando as demais atividades realizadas em áreas não embargadas da propriedade ou posse ou não correlacionadas com a infração. No caso de descumprimento ou violação do embargo, a autoridade competente, além de adotar as medidas previstas nos artigos 18 e 79, deverá comunicar ao Ministério Público, no prazo máximo de 72 horas, para que seja apurado o cometimentos de infração penal (art. 108 do decreto 6.514/08, com a redação do decreto 6.686/08).

Posteriormente, o legislador preocupou-se com as obras iniciadas e que se

encontram em desacordo com as normas ambientais. De nada adiantaria se o

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

179

infrator pudesse concluir uma obra que iniciou com irregularidades. O maior objetivo

desta sanção, ou seja, da demolição de obra, é promover a recuperação daquele

ambiente que foi degradado.

Ainda, tem-se no ordenamento jurídico pátrio a sanção de suspensão parcial

ou total de atividades. Sobre o tema Sirvinskas (2009, p. 659), compilando os

preceitos do Decreto n. 6.514/2008, relata:

i) suspensão parcial ou total de atividades – o órgão fiscalizador poderá determinar a suspensão total ou parcial das atividades caso constate alguma irregularidade ou o descumprimento de normas ambientais relevantes (inciso IX do art. 3º e art. 110 do decreto).

Por fim, encerrando o rol de punições previstas pelo artigo 72 da Lei de

Crimes Ambientais e pelo artigo 3º do decreto n. 6.514/2008, é possível observar a

previsão da sanção restritiva de direitos. Esta sanção, conforme o § 8º do citado

artigo, desdobra-se em cinco espécies de restrições de direitos, as quais são de

acordo com a lei:

§ 8 º as sanções restritivas de direito são: I – suspensão de registro, licença ou autorização; II – cancelamento de registro, licença ou autorização; III – perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; IV – perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; V – proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até 3 (três) anos.

Assim, verifica-se que o legislador perfeitamente previu diversas sanções

para que o infrator ambiental não ficasse impune ao cometer uma infração

administrativa ambiental. Ainda, garantiu a aplicabilidade de sanções cumulativas ao

infrator que cometer mais de uma infração administrativa ambiental, garantindo

assim a defesa do patrimônio natural do país e a manutenção dos recursos naturais

para as futuras gerações. Apenas o caso concreto irá definir qual a melhor sanção e

qual a sua devida gradação, mas o importante é que existe a determinação legal

para a responsabilização administrativa ambiental do infrator ambiental, bastando

somente para a sua plena realização que os órgãos competentes realizem uma

efetiva prevenção e repressão das atividades ambientais ilícitas.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

180

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no que foi debatido neste estudo, conclui-se que a Constituição

impõe regras e deveres para a preservação de um ambiente ecologicamente

equilibrado. A responsabilidade de conservar a natureza não recai somente ao

Poder Público, mas também a toda coletividade.

Na responsabilidade administrativa o sujeito ativo do dano responderá de

acordo com a infração ambiental cometida. O artigo 70 da Lei n. 9.605/1998 e o

artigo 2º do Decreto n. 6.514/2008 regularam o conceito de infração administrativa e

definiram que: “considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão

que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do

meio ambiente”.

Contudo, para a efetiva responsabilização administrativa ambiental, o poder

público deverá constatar o ilícito, autuar a infração ambiental, instaurar procedimento

administrativo garantindo a ampla defesa e o contraditório ao acusado e por fim,

definir a sanção prevista em lei que se enquadra ao ato praticado. Cabe destacar

que apenas alguns órgãos têm competência para promover a responsabilização

administrativa do infrator ambiental, característica atinente ao poder de polícia

ambiental, e que todos os atos entendidos como infrações ambientais e as

respectivas sanções devem estar previstos em lei para serem aplicadas, respeitando

assim o princípio constitucional da legalidade. A aplicação de decretos

regulamentares, como por exemplo, o Decreto n. 6.514/2008, não fere o princípio da

legalidade, tendo em vista que no caso do meio ambiente, as ações lesivas são

enquadradas em infrações ambientais, possuem a delimitação em sanções e

apresenta origem legal.

As sanções administrativas serão aplicadas respeitando a gravidade do fato,

os motivos da infração e as consequências para a saúde pública e para o meio

ambiente, os antecedentes do infrator segundo a legislação ambiental e a situação

econômica do infrator. Entre as sanções administrativas previstas no artigo 72 da Lei

de Crimes Ambientais e artigo 3º do Decreto n. 6.514/2008 tem-se: advertência,

multa simples, multa diária, apreensão dos animais, produtos e subprodutos da

fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer

natureza utilizados na infração, destruição ou inutilização do produto, suspensão de

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

181

venda e fabricação do produto, embargo de obra ou atividade, demolição de obra

suspensão parcial ou total de atividades e restritiva de direitos.

Por fim, de acordo com o que foi visto neste trabalho, é possível afirmar que a

legislação brasileira, através da responsabilidade ambiental administrativa, possui

mecanismos para realizar a repressão dos danos ambientais, bastando que os

órgãos envolvidos na fiscalização ambiental promovam uma plena e contínua

fiscalização e continuem executando plenamente as suas missões de

conscientização e preservação da natureza.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

182

REFERÊNCIAS

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Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e

Municípios. Diário Oficial da União. Brasília, 27 out. 1966.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília. DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá

outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 17 fev. 1998.

BRASIL. Decreto nº 6.514 de 22 de julho de 2008. Dispõe sobre as infrações e

sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo

federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. Diário Oficial da

União. Brasília, 23 jul. 2008.

CHIUVITE, Telma Bartholomeu Silva. Direito Ambiental. São Paulo: Barros, Fischer

& Associados, 2010.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed.

São Paulo: Saraiva, 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. 2 tir. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1991.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7. ed. São Paulo: Saraiva,

2009.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

183

REPERCUSSÕES CIVIS DO INADIMPLEMENTO DO CONTRATO DE

FRANCHISING

Hendel Favarin Martines1

Eloete Camilli Oliveira2

1 Acadêmico do 8º período do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba.

[email protected] 2 Possui graduação em Direito pela Universidade Católica do Paraná (1975), mestrado em Mestrado em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2001) e doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2008). Atualmente é professor adjunto nível III da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, representante dos docentes no CEPE - UNICURITIBA, Supervisora do setor de registro dos Trabalhos de Conclusão de Curso- UNICURITIBA e professor titular - UNICURITIBA. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em DIREITO EMPRESARIAL, ECONÔMICO E SOCIAL.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

184

SUMÁRIO

RESUMO 1 INTRODUÇÃO 2 PANORAMA GERAL – CRESCIMENTO E

IMPORTÂNCIA DO FRANCHISING 3 O CONTRATO DE FRANCHISING 3.1 A LEI

8.955/94 3.2 A ATIPICIDADE DO CONTRATO 4 REPERCUSSÕES CIVIS DO

INADIMPLEMENTO CONTRATUAL 4.1 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE

4.1.1 A Responsabilidade e suas Espécies 4.1.1.1 Responsabilidade contratual e

extracontratual (aquiliana) 4.1.1.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva 4.2

RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL 4.3 RESPONSABILIDADE

CONTRATUAL 4.3.1 A Inadimplência Contratual 4.3.1.1 A resilição 4.3.1.2 A

resolução 4.3.1.3 A rescisão 4.3.1.4 A nulidade 5 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

185

RESUMO

O presente artigo visa estudar e analisar as repercussões civis que um eventual

inadimplemento do Contrato de Franchising pode gerar. Isto, através da observação

da Lei nº 8.955/1994, a qual normatiza o sistema de franquias no Brasil, além do

exame do Código Civil Brasileiro. Fruto do grande crescimento do número de

franquias no país, cada vez mais o contrato de franquia e a Lei que a normatiza têm

ganhado importância. Afinal, a transparência e o bom relacionamento entre ambas

as partes são fundamentais para o sucesso do empreendimento. Desse modo,

realizaremos um breve estudo do Contrato de Franquia em si para, posteriormente,

observaremos a Teoria Geral da Responsabilidade, com o objetivo de melhor

compreender as repercussões civis oriundas do inadimplemento por uma das partes

de uma cláusula contratual.

Palavras-chave: Contrato de Franchising, Teoria Geral da Responsabilidade,

Repercussões Civis.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

186

ABSTRACT

This article aims to study and analyze the impact that any civil breach of the

Franchise Agreement can generate. This, by observing the Law No. 8.955/1994,

which regulates the franchise system in Brazil, besides the examination of the Civil

Code. Result of strong growth in the number of franchises in the country, the

franchise agreement and the law that regulates have gained importance. After all,

transparency and good relationship between both parties is essential to the success

of the venture. Thus, we will hold a brief study of the Franchise Agreement itself to

then observe the General Theory of Responsibility, in order to better understand the

civil rights implications arising from breach by either parties of a contractual clause.

Key-words: Franchise Agreement, General Theory of Responsibility, Civil Rights

Implications.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

187

1 INTRODUÇÃO

A despeito da situação econômica e de contextos sociopolíticos contrários, os

números relacionados ao mercado de franquias são surpreendentes, cujo

crescimento se estabelece a progressões geométricas.

Devido ao fato do acelerado crescimento de empresas que estão

optando pelo modelo de franquia para expandir seus empreendimentos e se

tornarem franqueadores, e, consequentemente, um número ainda maior de pessoas

interessadas em comprar um modelo de negócio de sucesso pronto com o objetivo

do lucro rápido, deve-se atentar aos riscos desse tipo negocial.

Considerando a grande relevância do tema, o presente artigo possui

como escopo estudar a Lei de Franquia e as principais consequências no mundo

fático dos apenas 11 artigos que a compõem, com o objetivo de melhor

compreendê-la e visualizar a proteção jurídica que proporciona.

Examinaremos também a motivação do criador da Lei de Franquia, a

fim de estudar as razões da criação, como também da estrutura utilizada.

Por fim, verificaremos as repercussões civis que emanam do

descumprimento do acordado, ou seja, os reflexos da inadimplência contratual.

Devemos analisar esse ponto pelo fato de que a Lei de Franquia não se caracterizar,

de modo geral, como uma lei intervencionista, mas sim uma lei diretiva.

Além disso, a referida lei quando comparada ao período de introdução do

sistema de franquias no Brasil – década de 60, ainda se mostra muito nova, pois

possui menos de duas décadas de existência, a qual representa um imenso campo

a ser estudado e desenvolvido.

Logo, buscaremos no âmbito civil respostas que a Lei de Franquia não

se preocupou em tratar, verificando a Teoria Geral da Responsabilidade. Com isso,

estudaremos a aplicabilidade da responsabilidade pré-contratual no contrato de

franquia, como também os modos de extinção do contrato em decorrência do

inadimplemento do pactuado.

Pelo exposto, mostra-se oportuna a realização do presente trabalho,

considerando que o sistema de franquias é um importante mecanismo empresarial

capaz de influenciar uma economia. E que, apesar disso, não lhe é dada a devida

atenção pela doutrina brasileira.

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2 PANORAMA GERAL – CRESCIMENTO E IMPORTÂNCIA DO FRANCHISING

O tema relacionado ao sistema de franquias tem sua importância devido ao

grande crescimento que se tem observado dessa modalidade de negócios, a

despeito da situação corrente do mercado e da instabilidade econômica. Afinal,

conforme se observou “durante os cinco primeiros anos do Plano Real, o número de

unidades próprias e franqueadas aumentou de 17.801 mil para 48.004 mil, o que

resulta num crescimento da ordem de 170% em termos de unidades” (ABF, 2000,

p.17).

Em decorrência da difusão desse atraente modelo de negócio nas

últimas décadas, surgiu no Brasil no ano de 1987, a Associação Brasileira de

Franchising (ABF) – entidade sem fins lucrativos, cujo objetivo visa à organização e

desenvolvimento desse sistema no país (ABF, 2000, p.17).

No ano de 1994, através da Lei 8.955, criou-se um amparo jurídico específico

para tutelar os contratos de franquia empresarial dentro do território nacional,

corroborando para solidificar o franchising no país.

Afinal, é um modelo atual, dinâmico e eficaz de comercialização, motivo pelo

qual se tem observado o crescimento desse setor no Brasil e no mundo, atraindo

inúmeros empresários, investidores, de diversos segmentos da sociedade, que

almejam a realização de um sonho profissional em se tornar um empreendedor,

tornando-se operador de uma marca consolidada no mercado. Em paralelo, é uma

oportunidade das empresas de conquistarem uma rápida expansão de suas marcas,

gerando ganhos massivos concomitantemente a baixos riscos, pois os investimentos

advêm de terceiros.

Para corroborar com o acima exposto, é válido destacar que:

O sistema de franchising hoje, no Brasil e no mundo, tem uma importância significativa na economia, sendo um grande gerador de empregos, além de responsável por uma significativa parte do PIB de um país. Só para ilustrar, o Brasil é o terceiro maior país do mundo em número de unidades franqueadoras, o qual dissemina conhecimento de como se fazer franchising para o resto do mundo (ABF, 2000, p.17).

Reflexo do cenário acima descrito, a economia brasileira no ano de 2012

cresceu pouco acima de 1%, enquanto que em paralelo o das empresas do setor de

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franquia apresentaram um crescimento de 16%, com um faturamento previsto para o

ano de 2013 de R$ 120 bilhões (LAMÔNICA, 2013, p.10).

A respeito desse exponencial crescimento, e da significativa importância no

mercado que o setor de franquias tem conquistado e contribuído nos últimos anos, o

presidente do Sebrae, Luiz Barreto, comenta:

nos últimos dez anos, o número de franquias saltou de 600 para mais de dois mil, um crescimento de 238%. Esse salto colocou o Brasil em quarto lugar no ranking internacional, atrás apenas da Coréia do Norte, Estados Unidos e China. Hoje, são 93 mil unidades franqueadas que geram mais de 800 mil empregos diretos. A taxa de mortalidade no setor de franquias é de apenas 5%, o que confirma o setor como um dos menos arriscados para empreendedores que estão iniciando seus negócios (LAMÔNICA, 2013, p.10).

É válido ressaltar, quando comparada à economia brasileira com a de outros

países, que o potencial e a oportunidade de crescimento do sistema de franquias no

Brasil ainda se destacam por seu extenso campo inexplorado. Afinal, na Espanha

existem 1.500 unidades de franquia por milhão de habitantes, nos Estados Unidos

1.900 unidades por milhão de habitantes, enquanto que no Brasil existem

aproximadamente apenas 400 unidades por milhão de habitantes. Deve-se observar

que o poder aquisitivo daqueles países é muito superior ao brasileiro.

Assim, este estudo irá colaborar para entender esse importante fenômeno em

constante crescimento no Brasil, o qual está cada vez mais atraindo novos

investidores e impactando positivamente a economia nacional – motivo de grande

interesse para a sociedade. Por esse motivo, concomitantemente, este estudo visa

analisar o efetivo amparo legal, o qual deve reger, regularizar e fiscalizar as relações

e situações provenientes desse setor em potencial.

Vê-se, portanto, que o desconhecimento da vontade do paciente constitui

óbice ao médico para que tome decisões em prol de suas convicções e seus

valores, situação que restaria solucionada com a elaboração de um testamento vital.

3 O CONTRATO DE FRANCHISING

3.1 A LEI 8.955/94

Devido ao crescimento do sistema de franquias, em 16 de dezembro de 1994

foi publicada a Lei Federal 8.955 – também denominada de Lei Magalhães Teixeira

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em homenagem ao então deputado federal de São Paulo criador da lei (CHERTO,

1996, p.19).

Conforme declaração de Marcelo Cherto – colaborador ativo da

constituição da lei sob estudo, a Lei de Franquias:

Nasceu da ideia que seu autor tinha de que algo precisava ser feito para proteger aqueles que adquirem franquias na base do impulso, os quais, na visão do Parlamentar, são muitas vezes iludidos por franqueadores inescrupulosos, que se aproveitam de sua boa-fé e de sua predisposição para “acreditar em Papai Noel” para lhes vender “vento”. E que depois não entregam o que venderam (CHERTO, 1996, p.19).

Logo, a lei surgiu para elevar o nível de transparência e segurança no

relacionamento entre franqueadores e franqueados. Destarte, além de conceituar o

que é franquia, dispõe acerca das informações que devem estar presentes dentro da

Circular de Oferta de Franquia – eminente documento que deve ser

obrigatoriamente disponibilizado pelo franqueador ao franqueado a fim prestar uma

série de informações de maior relevância sobre a franquia empresarial objeto do

negócio jurídico.

3.2 A ATIPICIDADE DO CONTRATO

A prática de franchising somente se tornou disciplinada com o advento da Lei

de Franquias no ano de 1994 conforme exposto anteriormente. Apesar do decurso

temporal de décadas no Brasil envolvendo práticas comerciais cujo objeto se tratava

de franchising para enfim ser promulgada a referida lei, o contrato sob estudo ainda

assim não se tornou um contrato típico.

Esta característica se deve ao fato de que a Lei 8.955/94 somente nominou o

contrato de franchising, não o tipificando. Nesse sentido, esclarece o doutrinador

Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 410):

O contrato pode ser mencionado ou referido por uma lei, o que por si só o “nomina”, mas não o converte em contrato típico. Por isso, ter um nome no sistema legal não basta; importa que o contrato, além de nominado, seja regulado pela lei. Esse é o sentido técnico que se dá ao contrato típico. Com essa observação, deve ser entendida a nomenclatura sob estudo. Nesse diapasão, o contrato deve ser tido como atípico quando for regulado por normas gerais, e não por normas específicas.

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Nesse sentido, asseverou Tessler (2005, p.150):

Quando a lei faz referência a um contrato, ou mesmo o define, sem, contudo, disciplinar o relativo modelo básico contratual, não está a tipificar um contrato, mas, simplesmente, a nominá-lo. É o que ocorre no caso da Lei 8.955/94.

Entendimento contrário possui o professor Waldirio Bulgarelli (1986, p.523),

pois entendeu se tratar de um contrato típico, afirmando que “passou-se de um

regime de ampla liberdade que vinha existindo até agora, para um sistema de rígida

disciplina jurídica, acompanhando a tendência intervencionista estatal nos

contratos”.

Entretanto, para uma melhor compreensão do por que do fato de que a

grande maioria dos doutrinadores entende o contrato de franchising como um

contrato atípico, é válido destacar o que disse Lina Márcia Fernandes Chaves (2000,

p.56):

há algum tempo, estamos a indagar: seria o contrato de franquia típico ou atípico? A dúvida se faz presente, pois a Lei 8.955, de 15.12.1994, estabelece em seu artigo 1º, que ‘os contratos de franquia são disciplinados por esta lei’. Ocorre, entretanto, que o artigo 3º, que contém 15 incisos, e o art. 4º tratam apenas da Circular de Oferta de Franquia (COF), contrato-tipo, que será examinado oportunamente. Apenas um artigo, o 6º, estabelece a forma escrita para os contratos de franquia. Nenhum dispositivo regulamenta o seu conteúdo. Assim, sendo, concluímos que, efetivamente, o contrato de franquia não é disciplinado pela Lei 8.955, de 15.12.1994.

A Lei 8.955 contém apenas 11 artigos, o qual possui na Circular de Oferta de

Franquia (COF) a sua principal e mais importante contribuição – conforme veremos

no próximo subtítulo. Desse modo, a lei não se preocupou em estabelecer todos os

direitos e deveres entre o franqueador e franqueado, consequentemente, afastou o

risco de se engessar a relação jurídica. Inclusive, o autor do Projeto de Lei que

originou a Lei de Franquia, José Roberto Magalhães Teixeira (1996, p.19), declarou:

Não podia, em nome até de meus próprios princípios, impor cláusulas ou dar conteúdo ao que fosse compactuado entre as partes. Na prática, isso significou não atribuir ao Poder Público a definição de prazos de contrato ou de quem seria o responsável por essa ou aquelas despesas. Apenas tratei de especificar, no Projeto que apresentei e que depois veio a se transformar em Lei, que tais pontos deveriam estar bastante claros para o adquirente da franquia, antes que o mesmo firmasse o contrato, no qual deveria constar o

que fosse livremente acordado entre as partes.

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Ou seja, a lei contém “normas que não regulamentam propriamente o

conteúdo de determinada relação jurídico-contratual, mas apenas impõe o dever de

transparência nessa relação” (COELHO, 2000, p.126).

Pois ao se analisar os poucos artigos da lei, verifica-se que a maioria trata da

transparência das informações que devem ser transmitidas pelo franqueador à

pessoa que tem o interesse de se tornar um franqueado, ou seja, regulamenta a

Circular de Oferta.

Considerando isso, Thomaz Saavedra (2005, p.50) inclusive asseverou que a

Lei de Franquia é, na verdade, a “Lei da Circular da Oferta da Franquia”.

Diante do acima exposto, pode-se depreender que o contrato de franchising

não é um contrato típico, apenas nominado pela Lei 8.955/94 - a qual regulariza o

contrato em normas gerais.

Portanto, através da análise da lei, verifica-se a importância da necessidade

de constar todas as informações acerca da franquia objeto da negociação – claras e

transparentes – sob risco de se tornar nulo o contrato. Destarte, inclusive, poderá

gerar o direito ao franqueado de lhe restituírem todos os valores pagos ao

franqueador e a terceiros por ele indicados.

Assim sendo, evita-se e se dificulta eventuais práticas de má-fé por falsos

candidatos. Nesse sentido, verificaremos no capítulo subsequente a

responsabilidade do franqueado quando da posse da COF e os direitos garantidos

ao franqueador.

4 REPERCUSSÕES CIVIS DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL

Nesse capítulo verificaremos superficialmente a priori à Teoria Geral da

Responsabilidade, para depois analisarmos as repercussões civis no âmbito pré-

contratual como também contratual.

Dá-se um capítulo para o estudo desse tema devido a grande

relevância de se verificar a presença do direito em caso do descumprimento de

alguns deveres inerentes ao contrato de franchising, como também do

inadimplemento de obrigações pactuadas entre o franqueador e franqueado.

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4.1 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE

O instituto da obrigação é formado por duas partículas: a responsabilidade e o

débito. A obrigação equivale ao dever de cumprimento em sua forma originária, ou

seja, um débito devido por parte do devedor ao credor.

Caso haja violação dessa obrigação, surge a responsabilidade, a qual

consiste em uma forma de obrigação sucessiva, pois só pode existir em virtude do

descumprimento da obrigação originária.

Nesse sentido, esclarece Marcela Pinheiro da Silva (2010, p.56):

Assim, tem-se que a obrigação é o instituto pelo qual uma pessoa se vincula a outra, seja contratualmente, seja em decorrência de lei, devendo satisfazer outrem, chamado credor. Esta obrigação é composta de dois elementos: o débito e a responsabilidade. Aquele decorrente de uma prestação exigida do devedor, esta existente quando o débito não é adimplido, permitindo que o credor execute o devedor pelo não

cumprimento da prestação.

Depois de realizado o esclarecimento do instituto da obrigação e, sobretudo,

após a visualização do momento em que surge a responsabilidade, cabe agora

analisá-la e conceituá-la.

Para o autor e civilista Caio Mário da Silva Pereira (1992, p.11):

A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua

incidência na pessoa do causador do dano.

Deve-se apontar que o dano pode se originar em decorrência de ação ou

omissão, ilícita ou até mesmo lícita. Sobre esse assunto elucida Marcela Pinheiro da

Silva (2010, p.58):

Pode-se asseverar que a responsabilidade consiste em instituto de resposta a ato perpetrado por um sujeito quando este viole um dever de conduta, seja este moral ou jurídico, em virtude de ação ou omissão ilícita, ou, mesmo que lícita, possa esta atuação ou omissão causar dano a outrem. É a transmudação da norma em sua abstração para sua concretização, respondendo cada indivíduo pelo livre-arbítrio que lhe é conferido pelo

ordenamento jurídico.

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Findada a conceituação da responsabilidade, analisaremos a seguir os três

pressupostos ou elementos que a compõe: a conduta humana, o dano e o nexo

causal.

Marcela Pinheiro da Silva se refere ao primeiro pressuposto da seguinte

maneira (2010, p.59):

Em síntese, assevera-se que a conduta humana, como um dos elementos para configuração da responsabilidade, pode ser comissiva ou omissiva, devendo ser praticada de forma voluntária e consciente. Além disso, em regra, esta conduta é contrária aos ditames legais, sendo os casos

excepcionais expressamente previstos em lei.

O segundo pressuposto é o dano, o qual representa um prejuízo ou lesão ao

direito de outrem, fruto de uma conduta voluntária e consciente de um sujeito.

Conforme explica Marcela Pinheiro da Silva (2010, p.59):

Todo dano causado em decorrência de uma conduta não permitida em lei (ou, mesmo que permitida, esta confira ao seu agente a responsabilidade por seu ato ou omissão), deve ser reparado, tendo em vista que ninguém deve ter seu direito lesado pela conduta de outrem (neminem laedere).

Por fim, o terceiro elemento que compõe a responsabilidade é o nexo causal.

Afinal, conforme lecionou Sílvio de Salvo Venosa (2003, p.476), “entre o dano e a

conduta do agente, deve existir um nexo causal”.

Caio Mário Pereira (1992, p.60) conceitua e discorre acerca do terceiro

pressuposto asseverando que:

Não basta que o agente haja procedido contra direito, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um “erro de conduta”; não basta que a vítima sofra um “dano”, que é elemento objetivo do dever de indenizar, pois se não houver prejuízo a conduta antijurídica não gera obrigação ressarcitória. É necessário se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado, ou, na feliz expressão de Demogue, “é preciso esteja certo que, sem este fato, o dano não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas

regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria.

Como exposto, esses são os três elementos que compõe a responsabilidade,

seja ela contratual, aquiliana, objetiva ou subjetiva. Portanto, cabe agora conceituar

brevemente as espécies de responsabilidade.

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4.1.1 A Responsabilidade e suas Espécies

Dentre as diferentes variações desse instituto, para o estudo em questão

analisaremos apenas as responsabilidades contratual e extracontratual, objetiva e

subjetiva.

4.1.1.1 Responsabilidade contratual e extracontratual (aquiliana)

Conforme o próprio nome aduz, a responsabilidade contratual decorre da

violação de um instrumento negocial, ao contrário da responsabilidade

extracontratual ou aquiliana.

De acordo com o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves (2007,

p.2):

Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a

vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito.

É de suma importância destacar que a culpa deve ser sempre provada pela

vítima na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Enquanto que na

responsabilidade contratual cabe a vítima apenas comprovar que a obrigação não foi

cumprida, cabendo ao devedor o ônus probatório.

4.1.1.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva

Para o estudo a seguir, deve-se observar a necessidade ou não da

investigação do elemento subjetivo na ação ou omissão do sujeito causador do

prejuízo à vítima.

Primeiramente analisaremos a responsabilidade subjetiva, e sobre esta

espécie Marcela Pinheira da Silva afirma que “é necessário que haja a prova da

culpabilidade do agente no advento do dano à vítima, sendo esta culpa o não

cumprimento de um dever de cuidado que o agente deveria ter observado e não o

fez”.

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Ainda complementa que “esta culpa deve ser provada pela vítima nos

casos de responsabilidade extracontratual, e pelo agente da conduta quando a

hipótese for de responsabilidade contratual”.

Com relação a responsabilidade objetiva, Carlos Roberto Gonçalvez (2007,

p.22) explica que:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou

pura).

Nessa espécie, em havendo o dano, basta à vítima provar o nexo causal que

estará concretizada a responsabilidade objetiva.

4.2 RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL

Antes da celebração de qualquer contrato, é comum o momento que envolve

conversas e discussões entre ambos os interessados antes de eventual celebração

de qualquer contrato futuro. Tais negociações preliminares não geram vínculos

como tampouco obriga as partes, mas pode surgir em caráter excepcional a

responsabilidade de reparar o dano.

À luz do Código Civil, Sílvio de Salvo Venosa (2003, p.421) assevera que:

Quem se recusa a contratar, pura e simplesmente, ou quem, injustificadamente, desiste de contratar após iniciar eficientes tratativas, pode ser obrigado a indenizar. São aplicados, em síntese, os princípios do

art.186 (antigo, art.159); responsabilidade é aquiliana.

Ainda, nesse mesmo sentido, preceitua Jorge Lobo (1994, p.39):

As negociações preliminares em princípio não obrigam as partes, embora possa emergir, no curso das tratativas, a responsabilidade civil fundada na culpa aquiliana, quando, por exemplo, um dos interessados induz o outro à

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crença de que o contrato será celebrado, levando-o a despesas ou a não

contratar com terceiro e depois recuar, causando-lhe dano.

Ou seja, não havendo a formalização de tais negociações, só pode haver a

responsabilidade com fundamento na teoria da culpa, ou em outras palavras, na

responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

Entretanto, pode surgir vínculo entre as partes a partir do momento que

acordos iniciais, embora provisórios, sejam reduzidos a termo, através da fixação de

condições e cláusulas.

Considerando isso, Jorge Lobo (1994, p.40) continua:

Se o franqueador e o franqueado, de forma irretratável, acordam, durante as negociações preliminares determinados pontos por eles julgados fundamentais para a boa execução do contrato de franchising, a parte que der causa à não celebração do contrato definitivo, deve ressarcir os prejuízos causados à outra, que, na certeza de já haver sido fixado o acordo neste ou naquele ponto ou aspecto, prossegue nas negociações, dando

àquele ponto ou aspecto por definitivamente contratado.

Portanto, pode-se inferir que havendo a formalização de determinados pontos, surge

um pré-contrato, consequentemente a responsabilidade que nasce em decorrência

desse acordo formal é a responsabilidade contratual, pois possuem o mesmo valor

no âmbito jurídico.

4.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

Além do ressarcimento e reparação dos danos causados, o inadimplemento

do acordado entre as partes no contrato de franchising pode acarretar a sua

extinção. Devido ao fato de não estar previsto na Lei 8.955/94 tal fim, usam-se as

regras de responsabilidade contratual previstas no Código Civil conforme veremos a

seguir.

4.3.1 A Inadimplência Contratual

É necessário ressaltar a priori que a doutrina diverge e muito com relação à

nomenclatura referente à extinção do contrato. Portanto, não é pacífica a utilização

de determinados termos para se referir a determinadas maneiras do desfazimento

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contratual. Ademais, apontaremos por último a diferença entre os atos nulos e

anuláveis, pois a Lei de Franquia Empresarial se utiliza expressamente desse

adjetivo.

4.3.1.1 A resilição

O instituto da resilição, apesar de ser uma forma anormal de desfazimento do

contrato, não é litigiosa. Conforme afirmou Sílvio de Salvo Venosa (2003, p.499), “a

resilição é a cessação do vínculo contratual pela vontade das partes, ou, por vezes,

de uma das partes. A resilição é, portanto, termo reservado para o desfazimento

voluntário do contrato”.

Ou seja, não é necessário algum motivo, como tampouco lesão ao contrato,

nem culpa, somente a decisão dos contratantes.

4.3.1.2 A resolução

A resolução, em sentido contrário, é o desfazimento do contrato pela hipótese

de inexecução por uma das partes, seja culposa ou não. Nesse sentido, destacam-

se as palavras do professor Sebastião José Roque (2012, p.147):

Não importa se a inexecução do contrato por uma das partes seja culposa ou não, mas desde que haja descumprimento da obrigação contratual, a parte prejudicada fica investida de vários direitos. Um deles é obrigar a parte inadimplente a cumprir sua obrigação ou exigir o pagamento de perdas e danos. O terceiro remedium juris de que se pode valer a parte in

bonis, ou seja, a parte inocente e solvente é pedir a resolução do contrato.

É interessante analisar que há a possibilidade de haver no contrato cláusula

resolutiva expressa, ou seja, as partes podem convencionar expressamente que o

contrato se resolve caso uma das partes não cumpra alguma cláusula pré-

estabelecida.

Nesse âmbito, observa Sebastião José Roque (2012, p.148) que:

A expressa, como já vimos, consta do contrato assinado pelas partes e tem efeito pleno jure, ou seja, independe de denúncia pela parte inocente e sua

incidência já produz efeitos jurídicos imediatos.

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Assim se manifesta o Código Civil no art. 474: “A cláusula resolutiva expressa

opera de pleno direito; a tácita depende de interpretação judicial”. Ou seja, quando

não manifesta formalmente no contrato a respectiva cláusula, presume-se presente

tacitamente.

Para melhor entendimento, segue exposição nas palavras de Sílvio de Salvo

Venosa (2003, p. 505):

A ocorrência da causa de resolução deve se apurada pelo juiz. O art.1.902, parágrafo único, do Código Civil de 1916 dispunha que “a parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos”. O art.475 do novo Código Civil se refere não somente à possibilidade de a parte lesada pedir a resolução do contrato, como também à possibilidade de exigir-lhe o cumprimento, sem prejuízo, em qualquer caso, da indenização por perdas e danos. Não se esqueça que, em qualquer caso, o contrato deve ser examinado à luz de sua função social (novo Código, art.421) e sob

o prisma dos princípios da probidade e boa-fé (art.422).

No caso de onerosidade excessiva, regulada pelo Código Civil do art.478 ao

art.480, ocorre quando as prestações de uma parte se tornam manifestamente

onerosas em decorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis. Deve-se destacar

que a parte prejudicada deve necessariamente requerer judicialmente a resolução.

Nessa linha preceitua Sebastião José Roque (2012, p. 151):

A resolução, fundamentada na excessiva onerosidade, deve ser requerida judicialmente pela parte gravada pela onerosidade e ameaçada de insolvência se tiver de cumprir sua prestação. Deve ainda provar cabalmente as consequências funestas que poderão ocorrer se não resolver o contrato; precisará demonstrar a ocorrência da excessiva onerosidade, a superveniência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis e o nexo entre esses acontecimentos e a onerosidade. Não se pode deixar ao arbítrio da parte, gravada pela onerosidade, a resolução do contrato; ela só pode

ser decretada judicialmente.

Logo, resta claro que a ruptura ocorre por fatos subsequentes ao nascimento

do contrato, ao contrário da lesão – decorrente do vício da vontade.

4.3.1.3 A rescisão

Pelo fato de que o contrato de franquia se firmar majoritariamente por adesão,

deve-se atentar ao instituto da lesão, assim disposto no art. 157 do Código Civil,

caput: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

200

inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da

prestação oposta”.

Apesar de que atualmente se utilize o termo rescisão para se referir ao

término de comum acordo, pois já não se pode encontrar essa palavra na lei

brasileira, “originalmente, vinha ligada tão-só ao instituto da lesão” (VENOSA, 2003,

p. 499).

Ou seja, originalmente se entendia rescisão o término do contrato

quando havia alguma lesão aos interesses de uma das partes. Sebastião José

Roque (2012, p. 153) compartilha esse entendimento ao afirmar que “é uma forma

de extinção do contrato, pedida por uma das partes, que se sente lesada, sendo

assim obrigada a recorrer à justiça”.

O professor continua: “o contrato em que uma parte assumiu obrigações em

condições iníquas, pela necessidade de salvar a si ou a outrem de perigo atual de

dano grave à pessoa, pode ser rescindido, a pedido da parte que se obrigou em

demasia” (ROQUE, 2012, p. 153).

4.3.1.4 A nulidade

Por fim, analisaremos outro modo de extinção das relações contratuais. Tal

importância se dá pelo fato de que a Lei 8.955/94 expressamente a prevê em dois

artigos. Dado o fato de que a lei é constituída por apenas onze artigos, é indubitável

a importância desse instituto para a devida compreensão e cuidado de um contrato

de franquia.

Primeiramente, é interessante observar que o nosso Código Civil prevê

dois tipos de nulidade: a absoluta (arts.166 a 170) e a relativa (arts.172 a 184) –

também chamada de anulabilidade.

Deve-se observar que a nulidade ocorre normalmente por defeito de forma,

vício de vontade, transgressão às normas jurídicas e outros fatores. Dito isso, é

importante diferenciar as consequências da nulidade absoluta da nulidade relativa –

ou anulabilidade.

Quando declarada a nulidade absoluta do contrato o vício é insanável, produz

efeitos ex tunc, ou seja, retroage até a data de celebração, podendo ser requerida

pelas partes, por terceiro, pelo Ministério Público ou até mesmo decretada ex officio.

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201

Em contrapartida, a nulidade relativa não apresenta vícios tão radicais. Logo,

os vícios são sanáveis, produzindo efeitos ex nunc – a anulação vigora a partir dela,

sendo inclusive prescritível (ROQUE, 2012, p.158).

Após breve e clara explanação, a seguir destacaremos os casos de

anulabilidade os quais a Lei 8.955/94 prevê. Primeiramente o art.4º, caput:

A circular de oferta de Franquia deverá ser entregue ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único: Na hipótese do não-cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá arguir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança, mais perdas e danos.

Outro caso de anulabilidade é exposto no art. 7º da mesma lei:

A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Considerando que a Circular de Oferta é o documento mais importante,

que está no cerne da relação contratual entre o franqueador e franqueado, a simples

anulabilidade do contrato após um longo período de tratativas e de construção de

confiança parece uma sanção muito leve.

É interessante observar o pensamento de Marcelo Cherto (1996, p.63),

colaborador da constituição da Lei de Franchising, acerca da anulabilidade presente

na lei:

Quando ao parágrafo único, fiz de tudo, durante a tramitação da Lei, para que a penalidade ali prevista fosse muito mais severa. Em minha opinião, o franqueador que descumprisse o prazo legal deveria ser obrigado a devolver ao franqueado (ou candidato a franqueado) no mínimo o dobro do que dele houvesse recebido, o mesmo ocorrendo com o franqueador que

incluísse informações falsas em sua Circular. Mas não houve meio.

Mostra-se claro que a intenção do texto legal é apenas que o status

quo seja restabelecido, apesar de que são muitos os prejuízos causados pelas

informações nebulosas.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

202

Portanto, é fundamental apesar de todo texto legal e amparo jurídico,

que o franqueador e franqueado firmem um contrato minunciosamente acordado e

ratificado após longas tratativas.

Ainda que haja muitos meios e possibilidades de extinção do contrato, e por mais

que se logre restabelecer o status quo financeiro, dificilmente se restabelece o status

quo físico. Afinal, a morosidade do Poder Judiciário ao invés de estabelecer a

justiça, afasta-a devido aos longos anos de espera.

5 CONCLUSÃO

Através do presente artigo pudemos estudar e melhor entender o contrato de

franchising, o qual está cada vez mais em voga devido à notoriedade e importância

que o modelo de negócio tem conquistado nos últimos anos, como também as

repercussões civis geradas pelo inadimplemento do pactuado entre as partes.

Iniciamos o estudo verificando os surpreendentes números e estatísticas que

refletem o crescimento do mercado de franquias no Brasil, desde a quantidade de

franquias como o faturamento do setor, o qual cada vez mais atrai inúmeros

investidores que possuem o sonho de se tornarem empreendedores.

Nesse sentido, analisamos que a possibilidade de se tornar um franqueado

representa uma oportunidade única de operar uma marca e um modelo negocial

testado e consolidado, capaz de sobreviver a crises econômicas, examinando o

baixo índice de mortalidade do setor.

Nesse sentido, em decorrência do que pudemos examinar através de seus 11

artigos, inferimos que a Lei 8.955/94 não tratou de se caracterizar, de modo geral,

como uma lei intervencionista, entrementes sim uma lei diretiva. Afinal, a Lei não é

constituída de normas que visam regulamentar o conteúdo, mas sim de normas que

pretendem melhorar e tornar mais franca a relação entre as partes.

Com isso, o corolário dever da boa-fé e da informação foi inteligentemente

inserido no contrato de franquia, mitigando os riscos decorrentes de um negócio

mercantil tão complexo e amplo.

Portanto, pudemos inferir que a Lei 8.955/94 não definiu o conteúdo de

nenhuma das cláusulas necessárias, afastando sabiamente qualquer hipótese de

engessar e prejudicar esse modelo contratual.

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203

Analisamos que, ao contrário, a Lei somente obrigou a presença de

determinados pontos fundamentais, não se importando com o conteúdo em si, ciente

da realidade fática. Afinal, ao mesmo tempo em que são pontos indispensáveis para

uma boa relação entre o franqueador e franqueado, a fim de evitar qualquer futura

desavença, a Lei se mostra eficaz, pois inúmeros são os ramos de atividades, as

formatações de franquia e os interesses mercantis.

Posteriormente, iniciamos o estudo da Teoria Geral da Responsabilidade, a

fim de melhor compreender o instituto, para em seguida examinar a

responsabilidade contratual e extracontratual (aquiliana), como também a

responsabilidade subjetiva e objetiva.

Aprofundamos o estudo observando a responsabilidade decorrente da

inadimplência de cláusulas contratuais. Nesse sentido, concluímos pela aplicação

das regras de responsabilidade contratual previstas no Código Civil, pelo fato da Lei

8.955/94 se omitir quanto a esse aspecto.

Finalizamos averiguando as múltiplas maneiras da extinção contratual fruto do

inadimplemento do acordado, dentre elas, a resilição, a resolução, a rescisão e a

nulidade – apesar de a doutrina divergir quanto à correta nomenclatura a ser

utilizada.

Como é válido expor após o estudo, cabe ao advogado e as partes que vão

elaborar o contrato o máximo de cuidado e atenção, pois toda a responsabilidade,

quanto ao conteúdo, a elas cabe. Nesse sentido que este trabalho se fez útil, pois

demonstrou os relevantes aspectos jurídicos inerentes ao contrato, como também o

vasto campo que há para os profissionais que têm o interesse em trabalhar nesta

área.

Logo, restou clara a importância da dedicação e especialização do

profissional, basilares para a elaboração do melhor contrato possível para o caso

concreto, o qual satisfaça integralmente a vontade das partes, evitando ao máximo

eventuais desavenças.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

204

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Franquia. São Paulo: LTr, 2010.

TESSLER, Leonardo Gonçalves. Franquia (Franchising) como Contrato de

Integração Empresarial e sua relação com o Direito Industrial: uma perspectiva

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

205

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos

Contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

207

AUDITORIA JURÍDICA AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE

PREVENÇÃO E CONTROLE DE DANOS SOCIOAMBIENTAIS NA

INDÚSTRIA

ENVIRONMENT LEGAL AUDITING AS AN INSTRUMENT TO

PREVENT AND CONTROL ENVIRONMENT DAMAFE IN THE

INDUSTRY

Laísa Musial*

Regina Maria Bueno Bacellar1

* Acadêmica de Direito do UNICURITIBA, orientanda da professora Regina Maria Bueno Bacellar, autora da monografia “Auditoria Jurídica Ambiental como Instrumento de Prevenção e Controle de Danos Socioambientais na Indústria”. 1 Advogada Consultora, possui graduação em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1985), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e especialização em Ecologia e Direito Ambiental. Atualmente leciona no curso de graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA e em Cursos de Pós Graduação realizados pelas seguintes Instituições de Ensino: UNIFAE, UNIBRASIL, FEMPAR. Possui experiência nas áreas de Direito Civil, Administrativo, Ambiental, Urbanístico e Direito de Energia/Regulatório. Membro das Comissões da Mulher Advogada e do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

208

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO. 2. DIREITO AMBIENTAL EM SÍNTESE 3. O DANO AMBIENTAL

4. A RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL 5. AUDITORIA AMBIENTAL.

6. AUDITORIA JURÍDICA. 7. AUDITORIA JURÍDICA AMBIENTAL. 7.2 AUDITORIA

DE CONFORMIDADE LEGAL OU COMPULSÓRIA E A LEGAL DUE DILIGENCE 8.

LEGISLAÇÃO APLICADA. 9. O INSTRUMENTO DE CONTROLE E PREVENÇÃO

DE DANOS SOCIOAMBIENTAIS. 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 11.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

209

RESUMO

Devido a contingente evolução social, econômica, política e cultural, o

desenvolvimento sustentável conquistou espaço no cenário industrial, sendo este

obrigado a cumprir normas e princípios de Direito Ambiental que antes não faziam

parte de seus modelos de produção e políticas empresariais. Dessa forma, as

indústrias responsáveis pelo desenvolvimento econômico do país encontram

dificuldades para se enquadrarem às atuais mudanças, sendo necessários

instrumentos que as ajudem a cumprir a legislação, proteger o meio ambiente de

suas atividades danosas e preservar sua imagem. Entre outros instrumentos, tal

objetivo pode ser conquistado através da Auditoria Jurídica Ambiental. A importância

da questão é vislumbrada para que, partindo da correta compreensão da finalidade

do instrumento em questão, seja posteriormente possível analisar quais os

benefícios obtidos ao se utilizar deste na situação proposta.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental, Dano Ambiental, Auditoria,

Responsabilidade, Prevenção, conformidade legal.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

210

ABSTRACT

Due to contingent social, economic, political and cultural, sustainable development

took space in the industrial scenario, which is obliged to comply with rules and

principles of environmental law before that were not part of their patterns of

production and business policies. Thus, the industries responsible for the economic

development of the country find it difficult to fit the current changes being necessary

tools to help them comply with legislation, protect the environment from their harmful

activities and preserve their image. Among other instruments, this goal can be

achieved through the Environmental Legal Auditing. The importance of the matter is

envisioned that, based on the correct understanding of the purpose of the instrument,

you can later analyze what benefits obtained from the use of this proposal in the

situation.

KEYWORDS: Environmental Law, Environmental Damage, Auditing, Responsibility,

prevention, legal compliance.

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211

1 INTRODUÇÃO

A proteção ao meio ambiente tem sido assunto de relevada importância

dentro do mundo fático e jurídico, uma vez que sua não observância acarreta, cada

vez mais, efeitos negativos ao coletivo geral, bem como prejuízos em ativos

tangíveis e não tangíveis para o poluidor. Nesse sentido, o atual desenvolvimento

econômico mundial vem alimentando um espírito de responsabilidade

socioambiental nas empresas, sendo cobrado cada vez mais um modelo produtivo

social, ambiental e economicamente sustentável.

É com vistas ao espírito protecionista acatado pela legislação e jurisprudência

brasileira que se tem criado formas alternativas, céleres e mais eficientes para a

proteção e controle de situações danosas envolvendo o meio ambiente, sendo um

deles a Auditoria Jurídica Ambiental.

Surge então, dentro desse contexto, o questionamento sobre a importância da

auditoria jurídica ambiental no meio industrial como instrumento de prevenção e

controle de danos, assim como uma forma de evitar futuros prejuízos financeiros.

Dessa forma, o presente trabalho objetiva avaliar a importância da Auditoria

Jurídica Ambiental, demonstrando através de uma análise legal e principiológica seu

cabimento, e posteriormente a eficácia e importância deste instrumento na proteção

ambiental e gestão da indústria em situações danosas inerentes a sua atividade.

2 O DIREITO AMBIENTAL EM SÍNTESE

Visando permitir o equilíbrio entre o homem e seus meios de produção com a

natureza, o Direito Ambiental tem como principal função sustentar o

desenvolvimento e minimizar os efeitos degradantes do crescimento econômico e da

vida da sociedade sobre o meio ambiente. Além de ser um dos mais modernos

ramos do Direito brasileiro, é multidisciplinar, uma vez que contém instrumentos do

Direito Penal, Civil e Administrativo para efetivar suas normas e objetivos.

Por esse motivo, há divergência na doutrina brasileira quanto à esfera jurídica

na qual se insere. José Guilherme Purvin de Figueiredo defende que o Direito

Ambiental é um ramo do Direito Público voltado à proteção da diversidade biológica

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

212

e da sadia qualidade de vida dentro de um meio ambiente ecologicamente

equilibrado. (FIGUEIREDO, 2004, p. 21).

Na mesma linha, Maria Luiza Machado Granziera também define que o este

ramo do Direito constitui o conjunto de regras jurídicas de Direito Público que

norteiam as atividades humanas, ora impondo limites, ora induzindo

comportamentos por meio de instrumentos econômicos, com o objetivo de garantir

que essas atividades danifiquem o meio ambiente, impondo-se a responsabilização

e as consequentes sanções aos transgressores dessas normas (GRANZIERA, 2011.

p.6).

Porém, para maior parte da doutrina, o Direito Ambiental é um ramo dos

direitos difusos, pertencentes à terceira geração, cuja proteção cabe a toda a

coletividade, e não a um titular exclusivo. Nesse sentido, Rui Piva entende que é o

ramo do direito positivo difuso, que tutela a vida humana com qualidade através de

legislações protetoras do direito à qualidade do meio ambiente e dos recursos

ambientais necessários ao seu equilíbrio ecológico. (PIVA, 2000. p. 47).

Na opinião de Celso Antônio Pacheco Fiorillo, o direito ambiental é uma

ciência nova, porém autônoma (FIORILLO, 2000. p.22) e para Gina Copola, é um

conjunto de normas jurídicas, técnicas, regras e princípios tendentes a assegurar o

equilíbrio ecológico, o desenvolvimento sustentável, e a sadia qualidade de vida de

toda a coletividade, e de todo o ecossistema. (COPOLA, 2003. p.29).

Com o advento da Lei 6938/81, que criou a Política Nacional do Meio

Ambiente, o ordenamento jurídico brasileiro passou a ter uma visão protecionista,

visando à proteção ambiental, diferente do que era adotado até os anos 80, em que

a legislação ambiental tinha por objetivo apenas a proteção econômica.

Recepcionada pela Constituição Federal de 1988, a Política Nacional do Meio

Ambiente foi um importante marco no Direito Ambiental, pois foi a principal

inspiração para a elaboração do artigo 225. Em seguida a esta Lei, foi lançada a Lei

de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), a qual disciplina a ação civil pública como

instrumento de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, assim

como a Lei 9605/98 de Crimes Ambientais, que pontuou sanções penais e

administrativas.

Quanto ao objeto do Direito Ambiental, Michel Prieur, citado por Paulo Afonso

Leme Machado defende que o objeto da matéria é a proteção da natureza e a luta

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

213

contra as poluições (MACHADO, 2008. p. 54). Na opinião de Élida Ségun o objeto

do direito do meio ambiente e dos recursos naturais é a harmonização da natureza,

garantida pela manutenção dos ecossistemas e da sadia qualidade de vida para que

o homem possa se desenvolver plenamente. Dessa forma, o objeto da matéria é

restaurar, conservar e preservar o meio ambiente e dos recursos naturais, com a

participação popular. (SÉGUN, 2000. p. 59).

Por fim, quanto ao objetivo da matéria, nosso ambiente está ameaçado, o

Direito deve poder vir em seu socorro, imaginando sistemas de prevenção ou de

reparação adaptados a uma melhor defesa contra as agressões da sociedade

moderna. (MACHADO, 2008. p. 54)

3 O DANO AMBIENTAL

O conceito de dano, originariamente, estava atrelado eminentemente ao

patrimônio vez que não se avaliava o prejuízo de um valor íntimo ou moral, pois não

há fundo econômico direto. Porém, tal conceito sofreu enormes mudanças, e,

segundo a atual doutrina civilista, o dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente.

Pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico e não

econômico. (VENOSA, 2004. p. 40).

O dano ambiental, por sua vez, está atrelado ao meio ambiente. Contudo, o

conceito técnico-jurídico de meio ambiente não foi elaborado junto a Constituição de

88, e tem de ser preenchido conforme a realidade concreta, casuisticamente. O

mesmo ocorre com a conceituação de dano ambiental.

A noção de dano ambiental está diretamente vinculada com os conceitos de

poluição e degradação, sendo que o primeiro resulta no segundo que, independente

da inobservância das normas ou padrões específicos tipifica o resultado danoso.

Como se pode observar no art. 3º da Lei 6.938/81, entende-se por degradação

ambiental a alteração infausta do meio ambiente e suas características e por

poluição, a degradação ambiental decorrente de atividades que direta ou

indiretamente prejudiquem a saúde, segurança e o bem-estar da sociedade, que

prejudiquem as atividades sociais e econômicas, desfavoreçam a biota, assim como

afetem o meio ambiente estético e sanitário ou exalem matérias ou energia em

desacordo com os padrões. In verbis:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

214

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

Uma das principais características de dano ambiental é a pulverização das

vítimas, ou seja, afeta uma pluralidade difusa de vítimas, mesmo quando alguns

aspectos particulares da sua danosidade atingem individualmente certos sujeitos

(MILARÉ, 2001. p. 423).

Além disso, outra característica é que se trata de um dano de difícil

reparação, assim como de difícil valoração. Dessa forma, se faz necessário entender

a diferença entre o dano ambiental coletivo e o dano ambiental individual.

A Constituição Federal Brasileira dispõe em seu artigo 225 o direito de todos

a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, necessário à sadia qualidade de

vida, sendo assim, a titularidade do bem “meio ambiente sadio e equilibrado” é da

coletividade. Entretanto, isso não afasta o direito individual de cada sujeito integrante

do meio ambiente em sentido lato sensu.

Conforme leciona a doutrina brasileira, os danos ambientais coletivos dizem

respeito aos sinistros causados ao meio ambiente em sentido amplo, repercutindo

em interesses difusos, pois lesam diretamente uma coletividade indeterminada ou

indeterminável de titulares (CARVALHO, 2001. p. 197).

Dessa forma, o dano coletivo diz respeito aos interesses que podem ser

coletivos em sentido estrito ou difuso, mas em ambos os casos o direito tutelado

possui caráter indivisível e transindividual, a saber:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

215

A diferença entre o dano de interesse coletivo e o difuso é que no primeiro se

tem um grupo determinado de pessoas ligadas a uma relação jurídica base, as quais

possuem legitimidade para buscar a reparação em conjunto, enquanto o segundo

trata de pessoas indeterminadas, que não podem ser identificadas individualmente.

De acordo com o art. 129 da Constituição Federal, em seu inciso terceiro, são

funções do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses

difusos e coletivos”, pois cumpre fundamentalmente a esta instituição garantir

medidas processuais que visem à reparação do dano ambiental coletivo ou até

mesmo prevenir a sua ocorrência, pois se tratando de dano ambiental coletivo, há

difusão das vítimas.

O dano ambiental individual, por sua vez, tem afetado negativamente sua

esfera particular, refletindo em interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais

individuais. Pode ser elencado dentro do gênero dano ambiental, levando em

consideração que a lesão patrimonial ou extrapatrimonial que sofre o proprietário,

em seu bem, ou a doença que contrai uma pessoa, inclusive a morte, podem ser

oriundas da lesão ambiental (LEITE, 2000. p. 100).

Destarte, eventual dano que atinja a esfera pessoal de um indivíduo de tal

sorte que afete seu meio ambiente em qualquer das acepções aceitas no universo

jurídico, pode ser considerado um dano ambiental individual homogêneo (que

decorre de fato comum que causa prejuízo a vários particulares) e está passivo de

ser reparado em juízo através de ações indenizatórias individualizadas, o que acaba

por inúmeras vezes revelando-se mais eficaz que integrar ações coletivas.

A demanda individual proposta pelo interessado diz respeito ao próprio

interesse, e não ao coletivo. Porém, esta espécie tem obtido resultado positivo nos

tribunais brasileiros e, consequentemente seu sucesso afeta os interesses coletivos,

pois visa à preservação do meio ambiente.

É importante também abordar a distinção entre o dano ambiental material ou

patrimonial e o moral. O primeiro compreende toda e qualquer lesão que implique

restituição, recuperação ou indenização do bem lesado. Em contrapartida, o dano

ambiental moral ou extrapatrimonial é toda sensação de dor, ou em sentido mais

amplo, reporta-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Dessa forma, é todo

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

216

o prejuízo não patrimonial causado à coletividade ou ao indivíduo em decorrência da

conduta ambientalmente lesiva (LEITE, 2003. p. 97).

A definição de dano moral ou extrapatrimonial, diferente do conceito de dano

material que remete simplesmente ao patrimônio, ao bem econômico, é subjetivo,

pois está vinculado a sentimentos e às relações intersubjetivas dos indivíduos, ele é

por excelência, aquele ligado ao direito da personalidade.

Por ser um bem tão precioso, o dano moral não pode restar impune. Por

possuir grande abrangência e subjetividade, há certa dificuldade em sua

identificação e, por isso, a doutrina brasileira passou a adotar o termo “dano

extrapatrimonial”, mais restrito e específico, que remete a grave lesão ao direito da

personalidade, e é dirigido aos sentimentos, vontades e pensamentos humanos.

4 A RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL

Quando ocorre um dano ambiental, se faz necessária sua reparação, e sua

mera ocorrência acarretará o dever de indenizar, mesmo que não se verifique

materialmente seu prejuízo. O responsável pelo dano tem o dever de repará-lo o

mais amplamente possível. Reparar o dano significa a busca de um determinado

valor que se possa ter como ‘equivalente’ ao dano causado (ANTUNES, 2008.

p.701).

Américo Luís Martins da Silva afirma quando trata da definição de dano

ambiental, que a responsabilidade civil, crucial para a sociedade é a existência ou

não de prejuízo experimentado pela vítima. Portanto, o dano é o principal elemento

daqueles necessários à configuração da responsabilidade civil (SILVA, 2005. p.

701).

Dessa forma, entende-se que a responsabilidade civil está diretamente ligada

ao dano, uma vez que é aplicada após sua ocorrência. Porém, tal definição

encontra-se ultrapassada, visto que atualmente, sob uma interpretação inovadora, a

responsabilidade civil pode configurar-se antes mesmo do dano ocorrer, pois a

Constituição Federal de 88, em seu art. 225 além de tratar da reparação, também

abriga o princípio da prevenção como um direito fundamental, e dessa forma, é de

igual responsabilidade a prevenção de danos. Sendo assim, a responsabilidade civil

está presente ex-ante o fato danoso, com objetivo de evitá-lo.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

217

A doutrina contemporânea tem incluído ao tema da responsabilidade a

prevenção de danos em suas abordagens. Contudo, esta ainda é uma ideia nova, de

forma que não está difundida nem pacificada na doutrina mais tradicional.

Por oferecer frequentemente grande risco ao particular e ao todo, o dano

ambiental tem sua reparação civil imputada pela responsabilidade objetiva do

poluidor, isto é, fundada no mero risco ou fato danoso, independendo assim de culpa

ou dolo por parte do mesmo, é a responsabilidade advinda do risco da atividade

potencialmente poluidora. Dessa forma, a Lei 6.938/81 dispõe:

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (grifo nosso)

A pessoa física ou jurídica que ensejar o dano ambiental, dessa forma,

poderá ser responsabilizada penal, administrativa e civilmente. Na esfera

administrativa tem-se a responsabilidade subjetiva, enquanto a cível goza da

responsabilidade objetiva, que pode ser observada na redação do parágrafo primeiro

do art. 14 da Lei 6.938/81 que obriga o poluidor independentemente da existência de

culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,

afetados por sua atividade.

Nesse sentido, os pressupostos para a configuração da responsabilidade

objetiva pelo dano ao meio ambiente são tão somente, o fato, ou seja, o evento

danoso e o nexo de causalidade (NERY JUNIOR, 1993. p. 279), uma vez que

independe da culpa do agente.

Dessa forma, conclui-se que qualquer atividade que venha ou simplesmente

pretenda auferir lucro está sujeita a reparação dos danos que pode provocar, ou

seja, o agente assume o risco que sua atividade pode ocasionar. Esse conceito

define a Teoria do Risco Integral, que objetiva, segundo Édis Milaré, fazer recair

sobre o autor do dano o ônus decorrente dos custos sociais de sua atividade

(MILARÉ, 2001. p. 249), conforme explica Annelise Monteiro Steigleder que esta

teoria define-se como todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

218

integralmente internalizado pelo processo produtivo, devendo o responsável reparar

quaisquer danos que tenham conexão com sua atividade (STEIGLEDER , 2004. p.

198).

Quanto às responsabilidades penal e administrativa pelos danos ambientais,

o parágrafo 3º do art. 225 da Carta Maior dispõe:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão

os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (grifo nosso)

O ordenamento jurídico possui normas que sujeitam os infratores a sofrerem

punições administrativas pela pratica de ato lesivo ao meio ambiente. Dentre elas

estão o art. 225, §3º da Constituição Federal, a Lei 9.605/98 e o Decreto 6.514/08.

As punições variam entre multas, suspensão das atividades, embargos e até

demolição.

A infração administrativa ambiental e seu procedimento podem ser entendidos

a partir da redação do art. 70 da rígida Lei 9.605/98 que dispõe sobre as sanções

penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio

ambiente:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. § 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração

ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha. § 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia. § 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade. § 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei. (grifo nosso)

No âmbito penal, o direito pátrio, assim como na responsabilidade

administrativa, entende que os ilícitos ambientais configuram crimes ambientais que,

por obvio, sujeitam seus transgressores a responsabilidade penal com penas

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

219

restritivas de direito e privativas de liberdade, conforme disposto no parágrafo 3º do

art. 225 da Constituição Federal.

Na Lei nº 9605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas

derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, são estabelecidas as

penalidades sujeitas ao infrator e ainda, os requisitos para a imposição e gradação

das mesmas:

Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III - a situação econômica do infrator, no caso de multa. Art. 7º As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando: I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime. Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída. Art. 8º As penas restritivas de direito são: I - prestação de serviços à comunidade; II - interdição temporária de direitos; III - suspensão parcial ou total de atividades; IV - prestação pecuniária; V - recolhimento domiciliar.

Isto posto, para que um empreendimento não venha sofrer tais sanções e

prejuízos econômicos, o mecanismo mais preciso é a auditoria ambiental, resultando

numa operação segura da pessoa jurídica, além de ser uma ferramenta importante

na preservação ambiental e prevenção de impactos e danos socioambientais. Além

disso, a auditoria jurídica ambiental, que pode ser realizada junto à auditoria

ambiental é essencial para a análise da conformidade da empresa ou indústria com

o ordenamento jurídico a ela relativo.

5 AUDITORIA AMBIENTAL

A auditoria ambiental é um importante instrumento utilizado para

empreendimentos que, em suma, visa diagnosticar os impactos de suas atividades à

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

220

natureza, assim como sua conformidade legal, resultando em um dos mais seguros

meios de proteção ambiental, pois ao verificar alguma desconformidade ou perigo de

dano, podem-se tomar medidas urgentes a fim de prevenir que os mesmos ocorram,

bem como evitar que a empresa sofra prejuízos econômicos em virtude de possíveis

multas das autoridades ambientais.

Para Paulo Affonso Leme Machado, é o procedimento de exame e avaliação

periódica ou ocasional do comportamento de uma empresa em relação ao meio

ambiente (MACHADO, 2003. p. 278).

Porém, há muita dificuldade em conceituar o tema, uma vez que ainda não há

um consenso acerca de sua delimitação e tal instrumento possui múltiplos

propósitos. Por isso, David G. Jones aponta que não existe definição universalmente

aceita (JONES, 1997. p. 1-3).

Para complementar essa ideia, a norma NBR ISO 14010/96, importante

orientação sobre os princípios gerais da auditoria ambiental, estabelece as

definições de auditoria ambiental e os termos relacionados, sendo possível

encontrar uma conceituação mais clara e específica deste instrumento:

NBR ISO 14010/96: Auditoria ambiental é o processo sistemático e documentado de verificação, executado para obter e avaliar, de forma objetiva, evidências de auditoria para determinar se as atividades, eventos, sistema de gestão e condições ambientais especificados ou as informações relacionadas a estes estão em conformidade com os critérios de auditoria, e para comunicas os resultados deste processo ao cliente.

Na década de 70, as empresas norte-americanas viram a necessidade de

uma ferramenta de gerenciamento que pudesse diagnosticar antecipadamente

problemas inerentes a suas atividades, e principalmente, o cumprimento da

legislação.

A auditoria ambiental então surgiu como uma ferramenta voluntária, com o

objetivo de minimizar custos decorrentes de multas e da necessidade de reparos e

readequação decorrentes das inspeções da Environmental Protection Agency –

EPA, órgão governamental responsável pela fiscalização.

Mais tarde, com ajuda do crescimento industrial, tais empresas norte-

americanas expandiram seus negócios pela Europa, aplicando a auditoria em suas

filiais, começando pela Holanda em 1985, e consequentemente disseminando essa

prática em países da Escandinávia e Reino Unido, em 1992. Neste mesmo ano, o

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

221

Reino Unido foi pioneiro ao normatizar o Sistema de Gestão Ambiental, inspirado no

Sistema de Gestão de Qualidade, incluindo finalmente, a auditoria ambiental e

sendo referência para a elaboração de normas em países como Espanha e França.

No ano seguinte, iniciaram-se os trabalhos para discutir o sistema de gestão e

auditoria ambiental da União Europeia (Environmental Management and Auditing

Scheme - Emas), inserido no Regulamento da Comunidade Econômica Europeia –

CEE, que entrou em vigor em 1995.

No Brasil, foi na década de 90 que surgiram as primeiras cartas legais

relacionados à auditoria ambiental, como exemplo, a Lei nº 790, de 5/11/91, do

Município de Santos-SP; Lei nº 1.898, de 16/11/91, do Estado do Rio de Janeiro; Lei

nº 10.627, de 16/1/92, do Estado de Minas Gerais; Lei nº 4.802, de 2/8/93, do

Estado do Espírito Santo; e por fim o Projeto de Lei Federal nº 3.160, de 26/8/92.

Nesta época foi criada a Strategic Advisory Group on Environment–Sage, que

divulgou em 1994 projetos de normatização da ISSO 1400, sendo finalizados

aplicados como normas internacionais e adotados por todos os países participantes

da ISO, inclusive pelo Brasil, que em 1996 apresentou através da Associação

Brasileira de Normas Técnicas – ABNT as normas relacionadas à auditoria

ambiental NBR ISO 14010, 14011 e 14012.

A Auditoria Ambiental tem como objetivo estudar, caracterizar e fiscalizar as

atividades industriais e empresariais acerca do atendimento das mesmas quanto à

legislação ambiental, licenças e licenciamentos, diagnosticar qualitativa e

quantitativamente danos ambientais e/ou preveni-los, fornecendo recomendações

para a definição de ações emergenciais de controle e gerenciamento a serem

tomadas pela empresa. Como consequência, tem-se uma melhoria em todo o

sistema de gestão ambiental da empresa.

As principais aplicações da auditoria ambiental podem ser divididas

basicamente em duas espécies, uma vez que possuem procedimentos distintos:

Pública e Privada.

A primeira é aquela conduzida e criteriosamente estabelecida por órgãos

fiscalizadores do Poder Público, mas executadas pelas empresas. No perfeito

julgamento de Rodrigo Sales, é a medida utilizada pelas autoridades ambientais no

cumprimento de suas políticas e obrigações legais de fomento, fiscalização e

implementação das normas e políticas ambientais (SALES, 2001, p 101).

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

222

A segunda, por sua vez, subdivide-se em interna, que é utilizada e executada

voluntariamente pela própria empresa, como sistema de gestão ambiental, e

externa, utilizada por terceiros que têm interesse no comportamento e no resultado

das atividades executadas pela empresa. Esses interessados podem ser

compradores, investidores, bancos e até mesmo a comunidade afetada pelo

empreendimento e quem a executa são empresas de auditoria ou auditores que não

possuem vínculo com a empresa auditada.

A auditoria ambiental privada possui diferentes tipos, entre eles: Auditoria de

Avaliação de Desempenho, que se baseia nos indicadores do desempenho

ambiental da empresa (consumo de energia e água, geração de resíduos, emissão

de efluentes, etc.); de Descomissionamento, utilizada por empresas que estão em

processo de fechamento ou mudando suas instalações, para verificar possíveis

impactos para a comunidade ou para o meio ambiente em que está inserida; de

Responsabilidade ou Due Diligence, que se trata da investigação de passivos

ambientais influenciáveis em processos de fusão, aquisição ou venda do

empreendimento; de Cadeia produtiva, que é o estudo de toda a cadeia produtiva do

serviço ou produto comercializado; Pós Acidente, utilizada para prevenir novos

acidentes, investigar as causas, os responsáveis e tomar medidas de compensação

do dano ambiental ocorrido; e de Sistema de Gestão, que faz a verificação,

adequação e certificação da empresa quanto aos requisitos da NBR ISO 14001.

6 AUDITORIA JURÍDICA

Nem sempre bem vista pelo direito pátrio, a Auditoria Jurídica vem assumindo

grande relevância, vez que possui caráter preventivo e pode ser uma ferramenta que

auxilia a gestão da empresa, e principalmente, a gestão de riscos jurídicos, diferente

de como era tratada inicialmente, sendo útil somente para detectar erros ou fraudes

em processos de fusão, incorporação e aquisição societária. Quanto à aceitação

dessa ferramenta no meio jurídico, a Auditoria Jurídica ganhou espaço e cada vez

mais se tem entendido sua importância. No ano de 2006, por exemplo, foi

pronunciado pela Ordem dos Advogados do Brasil – SP a definição deste

instrumento, posicionando-se favoravelmente à prática do mesmo. In verbis:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

223

E-3.369/06 – EMENTA Nº 2 – AUDITORIA JURÍDICA – REGULAMENTAÇÃO EXPRESSA – DESNECESSIDADE – ESPÉCIE DO GÊNERO ASSESSORIA JURÍDICA – ORIENTAÇÃO A PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO OU PRIVADO ACERCA DAS CONSEQÜÊNCIAS PARA O MUNDO DO DIREITO DE DETERMINADOS FATOS JURÍDICOS, ATOS FATOS, ATOS JURÍDICOS EM SENTIDO ESTRITO, ATOS JURÍDICOS COMO ATOS DE HIERARQUIA E A RESPEITO DA EXISTÊNCIA JURÍDICA, VALIDADE E EFICÁCIA DE NEGÓCIOS JURÍDICOS – LAVRATURA DE PARECERES A RESPEITO DA CONFORMIDADE OU NÃO DE PRÁTICAS EMPRESARIAIS COM O DIREITO VIGENTE – ATOS PRIVATIVOS DE ADVOGADO, QUE PODE ATUAR ISOLADAMENTE OU POR MEIO DE SOCIEDADES DE ADVOGADOS. A auditoria jurídica, isto é, o exercício profissional consistente em lavratura de parecer ou realização de um juízo de legalidade, licitude, juridicidade, subsunção ao direito, de determinadas práticas administrativas ou empresariais (fatos jurídicos, atos jurídicos, atos-fatos e negócios jurídicos), a identificação das normas jurídicas aplicáveis à determinada atividade pública ou empresarial, ou ainda análise e apreciação do risco de determinadas demandas judiciais, em curso ou por ajuizar, para que o cliente (no caso a empresa auditada) tenha a exata dimensão da conformidade de suas práticas empresariais com o direito posto, é ato privativo de advogado. A auditoria jurídica, por tratar-se de espécie do gênero consultoria/assessoria jurídica, é atividade privativa de advogados ou sociedades de advogados, independentemente da ausência de contemplação expressa no art. 1º do EAOAB e da ausência de regulamentação pelo Conselho Federal da OAB. V.U., em 21/09/2006, do parecer e ementa nº 1 do Rel. Dr. BENEDITO ÉDISON TRAMA, com voto declarado convergente e ementas nºs. 2 e 3 do Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE. (Grifo nosso)

Frisa-se que auditoria jurídica somente poderá ser realizada por advogados

regularizados, conforme discorrido no pronunciamento acima. Neste sentido, A

Auditoria Jurídica é o trabalho que pode ser desempenhado unicamente por

advogado no regular exercício da profissão mediante contratação prévia e escrita,

dentro de comprometimentos conferidos por lei (ROSO, 2001. p. 44). Assim, a

contratação do advogado para a execução da auditoria jurídica deve ocorrer por

meio de contrato de prestação de serviços, sendo nele estabelecidos suas regras e

principalmente o compromisso de sigilo/confidencialidade das partes, observando os

princípios éticos e legais da profissão.

Considerando o caráter multidisciplinar do serviço, a auditoria jurídica pode

ser executada de forma ampla, analisando a situação legal de todas as áreas do

negócio auditado, como por exemplo, a formação societária, a situação financeira e

tributária, o comercial, operacional, trabalhista da empresa, assim como sua situação

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

224

ambiental, além da análise dos direitos autorais, propriedade intelectual, imobiliários,

etc. É relevante ressaltar a importância dessa ferramenta quanto ao risco jurídico da

empresa, no sentido de prevenir e solucioná-lo.

Dessa forma, o objeto da auditoria jurídica é a verificação da conformidade legal de

determinados setores do empreendimento, a dimensão e as consequências no caso

de desconformidade e a solução do problema, por meio de medidas a serem

tomadas para sua correção, além de medidas para a prevenção de novas

desconformidades ou repetição do problema.

7 AUDITORIA JURÍDICA AMBIENTAL

A preocupação com danos ambientais eventualmente causados pela atividade

de um empreendimento e, principalmente, o prejuízo financeiro, decorrente da

responsabilidade civil por tais danos, vem aumentando significativamente no

mercado. Contudo, os empreendedores podem usar um instrumento eficiente para

evitar que os mesmos ocorram, ou seja, como uma forma de prevenção,

minimizando tal preocupação, uma vez que realizada a Auditoria Ambiental, o

empreendedor terá acesso a todos os mecanismos para solucionar problemas, seja

ele adequação a uma norma, ou até mesmo mudanças em seu sistema operacional.

Deste modo, a Auditoria Ambiental deve ser utilizada como um instrumento da

gestão empresarial, vez que verifica as desconformidades do empreendimento e

aponta soluções, prevenindo danos e prejuízos financeiros, contribuindo, e muito,

para a sustentabilidade empresarial.

A preocupação com o meio ambiente e a responsabilidade com que

administra suas atividades, além evitar prejuízos ao negócio, é uma forma de

atração de investimentos, assim como valorização da imagem empresarial, além do

bom relacionamento com a comunidade do entorno de suas instalações como

também com os órgãos ambientais.

A aplicação da auditoria ambiental como uma ferramenta tanto de controle

pelo Poder Público, como de prevenção ou precaução da própria empresa, tem, e

muito, influência de diversos princípios de Direito Ambiental.

Os princípios de direito, de forma geral exercem a função de condutores de

valores sociais, sendo integrados ao nosso sistema normativo. Os principais

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

225

princípios de Direito Ambiental que motivam a aplicação das auditorias ambientais

nos empreendimentos são de suma importância, tanto jurídica, quando ambiental.

Se não considerados pelos empreendedores, independente da situação temporal do

negócio, mais exatamente, antes, durante ou depois da atividade empresarial ou

industrial, os mesmos podem ser surpreendidos por multas e repercussões

negativas decorrentes de danos ambientais que foram causados pela inobservância

ou desrespeito a tais princípios. Assim, acaba prejudicando não apenas o meio

ambiente, mas também seu próprio negócio.

Os principais princípios de Direito Ambiental que devem ser observados, são

essencialmente, os da Prevenção, da Precaução, do Poluidor-Pagador, da

Reparação e do Desenvolvimento Sustentável.

Os Princípios da Prevenção e da Precaução, não podem ser confundidos,

pois exercem funções diferentes, mas ambos com mesmo grau de importância. O

primeiro aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com

segurança, estabelecer o conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para

a identificação dos impactos futuros e mais prováveis (ANTUNES, 2008. p.49). É

dever da pessoa jurídica prevenir que os mesmos ocorram.

O segundo, por sua vez, trata do risco lesivo, mesmo que ainda não

comprovado, assim, mesmo que ainda não haja conhecimento do dano, é

responsabilidade do empreendimento o risco por ele apresentado. Implica, portanto

a cautela que deve ser tomada, no sentido de se precaver de potenciais danos ou

riscos apresentados por sua atividade.

Tratando-se do princípio do Poluidor-Pagador, o poluidor tem o dever de

pagar não apenas pela poluição que causou, mas pela poluição que pode causar. O

uso gratuito dos recursos naturais pode ser considerado como enriquecimento

ilegítimo acerca de um bem que é de todos e não o usufrui com o mesmo objetivo,

ou seja, o lucro advindo do uso de tal recurso. Além disso, este princípio parte do

pressuposto de que os recursos ambientais são escassos e, seu uso na produção e

consumo resulta na sua redução e degradação. É importante frisar que este princípio

não se confunde com a responsabilidade (ANTUNES, 2008. p. 48).

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável, formalizado na Declaração da

Rio/92 e presente implicitamente no art. 255, caput, da nossa Carta Magna, visa,

basicamente, encontrar um ponto de equilíbrio entre as atividades econômicas

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

226

responsáveis pelo desenvolvimento e o uso adequado, responsável e racional dos

recursos naturais, de forma que seja possível respeitá-los e preservá-los para as

presentes e subsequentes gerações. Nesse sentido, é dever de todos e não

somente da pessoa jurídica, o respeito, a preservação e o uso adequado da

natureza.

Quanto ao Princípio da Reparação, o ordenamento pátrio abraça a teoria

responsabilidade objetiva, em que é responsabilidade do poluidor a reparação dos

danos causados ao meio ambiente e à coletividade que nele vive ou dele depende,

pois objetiva colocar a vítima, seja a natureza ou a comunidade em seu status quo,

ou em situação equivalente a anterior ao evento danoso. Muitas vezes isso não é

possível, por isso a importância dos Princípios da Prevenção e Precaução.

Além disso, a Declaração do Rio de Janeiro/92 preconiza em seu Princípio 13

a responsabilidade por danos ambientais com relação às vítimas que terão direito a

receber indenização.

Princípio 13: Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa a responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar, da mesma, forma, de maneira rápida e mais decidida, na elaboração de novas normas internacionais sobre responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindos dos danos ambientais causados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou sob seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição

a. AUDITORIA DE CONFORMIDADE LEGAL OU COMPULSÓRIA E A LEGAL DUE

DILIGENCE

Diferente das auditorias privadas voluntárias, a auditoria de conformidade

legal é realizada independente da vontade da empresa auditada, vez que se trata de

uma auditoria pública, imposta pelo poder público como instrumento de controle na

gestão ambiental. Com foco na análise da conformidade legal dos processos de

produção e gestão empresarial, esta espécie de auditoria objetiva avaliar a

adequação da empresa à legislação a ela aplicável.

Cabe ressaltar que o cumprimento da legislação ambiental vigente deve ser

observado em qualquer tipo de auditoria ambiental, mesmo que não seja para fins

legais, portanto, os mecanismos auditoria compulsória deve ser sempre utilizada,

mesmo em auditorias internas ou externas privadas, no intuito de prevenir multas e

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

227

processos contra a empresa, acidentes ambientais assim como pode ser usada na

preparação de licenciamentos ambientais.

A Legal Due Diligence trata-se de auditoria privada que faz verificação das

responsabilidades da pessoa jurídica perante seus investidores ou acionistas,

fornecedores, credores e clientes, assim como na identificação de passivos

ambientais. Ela ocorre quando a empresa está em processo de fusão, aquisição,

incorporação ou em reorganizações societárias com objetivo de certificarem-se dos

riscos do negócio. Esta ferramenta de gestão de riscos colhe e avalia informações

ambientais, identifica passivos ambientais, aponta e quantifica riscos da negociação,

sendo assim, um mecanismo de precaução e prevenção utilizado antes das grandes

transações.

8 LEGISLAÇÃO APLICADA

Desde a década de 90 alguns estados e municípios brasileiros, pioneiramente

incluíram em seus diplomas legais este instrumento, como já citados anteriormente,

a Lei nº 790, de 5/11/91, do Município de Santos-SP; Lei nº 1.898, de 16/11/91, do

Estado do Rio de Janeiro; Lei nº 10.627, de 16/1/92, do Estado de Minas Gerais; Lei

nº 4.802, de 2/8/93, do Estado do Espírito Santo; e por fim o Projeto de Lei Federal

nº 3.160, de 26/8/92.

Em sede federal, resta em tramitação o Projeto de Lei n.º 1.254, de 2003 (PL

1.834/2003 apenso), que “Dispõe sobre as auditorias ambientais e a contabilidade

dos passivos e ativos ambientais”, propondo emendas à Política Nacional de Meio

Ambiente, Lei Federal nº 6938/81. A saber:

Art. 2º O art. 3º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que “dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências”, passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos VI a IX: Art. 3º .................................. “VI – auditoria ambiental: o processo de aferição e avaliação sistemática e documentada para obter evidência do cumprimento, pela empresa ou entidade, de suas obrigações relativas à gestão ambientalmente segura de suas atividades e quantificá-las quanto a seu impacto econômico e ambiental; (AC) (....) Art. 3º O art. 9º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que “dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências”, passa a vigorar

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

228

acrescido do seguinte inciso V, adequando-se a numeração dos dispositivos subsequentes: “Art. 9º ................................ “V - a auditoria ambiental; (AC)

Ao propor tal projeto, os deputados César Medeiros e Luciano Zica, de forma

clara e precisa justificaram a necessidade da inclusão da auditoria ambiental na

legislação brasileira, através da modificação, ou melhor, do melhoramento da

Política Nacional do Meio Ambiente com a inserção de tais dispositivos na lei.

Porém, em virtude da enorme pressão e influência política do setor industrial, o

mesmo encontra-se atualmente parado.

Já no Estado do Paraná, foi decretada e sancionada a Lei Estadual nº13.448

de 2002, que disciplina as auditorias ambientais compulsórias. Em novembro de

2003 foi aprovado o Decreto Estadual nº 6601 que aprova o regulamento da Lei

13.448/2002 e atribui competência ao Instituto Ambiental do Paraná – IAP

determinar a realização dessas auditorias.

Todavia, há muita discussão referente à constitucionalidade desta lei, visto

que é competência da União legislar sobre normas gerais e, com relação ao meio

ambiente, já existe lei federal disciplinando normas gerais, entretanto, a Lei de

Política Nacional de Meio Ambiente não menciona o instrumento da auditoria

ambiental.

Contudo, o art. 24 da Constituição Federal Brasileira institui que a

competência para legislar sobre o meio ambiente é concorrente entre os Estados, o

Distrito Federal e a União, e deste modo, não cumulativa. Este dispositivo ainda

prevê que os Estados podem legislar de forma suplementar sobre assuntos não

tratados no âmbito federal e, neste caso, conclui-se que os assuntos ambientais não

tratados no âmbito federal poderão ser tratados em âmbito estadual. In verbis:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. (Grifo nosso)

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

229

9 O INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO E CONTROLE DE DANOS

SOCIOAMBIENTAIS

Durante a implantação e o processo produtivo, as atividades industriais

podem ocasionar uma série de impactos contaminando solo, água e ar da região

onde estão instaladas e atingindo comunidades localizadas no seu entorno e demais

populações da região.

Nesse sentido, como já dito deste trabalho, o atual desenvolvimento

econômico mundial vem alimentando um espírito de responsabilidade

socioambiental nas empresas, sendo cobrado cada vez mais um modelo produtivo

social, ambiental e economicamente sustentável. Uma política de responsabilidade

socioambiental como ferramenta de adequação às imposições legais e o

desenvolvimento sustentável adotado por uma empresa proporciona a ela uma

imagem ética, melhoria em seus indicadores de resultado, mais facilidade no acesso

a financiamentos e investimentos e vantagem competitiva no mercado.

Destarte, usar um instrumento capaz de analisar toda a conformidade legal

ambiental da empresa, além dos princípios constitucionais e de Direito Ambiental

que devem ser respeitados, na medida em que os problemas oriundos da

desconformidade sejam apontados, solucionados e, principalmente evitados, é a

mais adequada atitude a ser tomada pelos gestores do empreendimento.

Notícias de grandes acidentes e danos ambientais já são frequentes em

nosso cotidiano, o que na maioria das vezes não se sabe, porém, é que há muita

dificuldade para se resolver os conflitos resultantes de situações causadoras de

graves prejuízos ao meio ambiente e aos agentes impactantes e impactados.

A auditoria jurídica ambiental nasceu dessa necessidade das empresas em

prevenir prejuízos econômicos decorrentes da não conformidade legal do

empreendimento, solucioná-los e evitar que impactos ambientais ocorram. Por isso,

esse instrumento realizado através do trabalho do advogado está presente na

maioria das auditorias ambientais, como também vem ganhando espaço em

auditorias gerais, não especificamente ambientais, pois se tornou necessária a

análise de toda a questão ambiental do empreendimento vez que se aplica a Teoria

da Responsabilidade Objetiva, presente no ordenamento pátrio.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

230

A Teoria da Responsabilidade Objetiva significa que todo empreendimento

tem a Responsabilidade Civil pelo mero risco ou fato danoso, independendo de

culpa ou dolo. Ao operar, o empreendimento possui a responsabilidade advinda do

risco de sua atividade potencialmente poluidora.

Além disso, a jurisprudência brasileira já está pacificada nesse sentido e, além

da aplicação da responsabilidade civil por danos ambientais, tem grande peso os

princípios de Direito Ambiental, influenciando as decisões dos magistrados em

defesa do meio ambiente.

Como resultado, as empresas que não possuem uma política de

responsabilidade ambiental e ignoram a importância de princípios e deveres

preventivos, estão sofrendo cada vez mais enormes prejuízos econômicos. A

aplicação de tais princípios, junto com uma política de responsabilidade

socioambiental no empreendimento e seu enquadramento na legislação ambiental,

através da auditoria é de suma relevância.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O entendimento a respeito do que se trata o meio ambiente evoluiu junto à

sociedade, visto que somente após grande evolução da ciência o homem passou a

ser considerado parte integrante do meio ambiente, e não apenas o “detentor” do

mesmo, assim, o meio ambiente é entendido como a natureza, com todos os seus

elementos e o homem.

Nesse sentido, teve evolução também a inteligência de que é necessário o

equilíbrio entre a vida e os meios de produção humanos e a natureza, de forma que

haja desenvolvimento econômico de forma responsável, minimizando seus efeitos

degradantes ao meio ambiente. Como resultado, foram criadas normas

protecionistas e orientadoras, como a Política Nacional do Meio Ambiente, que se

tornou um marco nacional e foi a principal inspiração para a elaboração de artigos

presentes na Constituição Federal importantes para a proteção do meio ambiente.

Além da normatização, o Direito Ambiental brasileiro conta também com

princípios que o norteiam e são uma de suas principais fontes. Entre eles estão os

princípios do direito à sadia qualidade de vida, do usuário pagador e poluidor

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

231

pagador, da prevenção e da precaução, da reparação, do desenvolvimento

sustentável, entre outros.

Com isso, o direito pátrio conta com uma rica fonte legal e princípiológica, que

contribui para um desenvolvimento estratégico e equilibrado. Tais princípios e

normas são tão fortes que, caso não sejam seguidos e respeitados, o poluidor

poderá causar um dano ao meio ambiente, o qual se trata de um prejuízo sofrido

pela natureza ou algum elemento dela integrante, seja ele moral ou material,

individual ou coletivo.

Portanto, a não observância da lei e seus princípios pode resultar na poluição,

que gera uma degradação, que acarreta um dano e o responsável por isso terá de

assumir as consequências, já que um dano ambiental tem como característica a

pulverização de vítimas, ou seja, uma pluralidade difusa de impactados. Frise-se que

podem ser tanto o meio ambiente natural, como também o próprio homem.

Nesse sentido, quando um dano afeta, além do meio ambiente natural, uma

coletividade de pessoas, estas possuem, assim como ocorre com a natureza

(representada por todos os cidadãos e pelo poder Público) o direito de tutelar a

reparação do dano, coletiva ou individualmente, desde que atinja a esfera pessoal

de um indivíduo de tal sorte que afete seu meio ambiente em qualquer das acepções

aceitas no universo jurídico. Este pode ser considerado um dano ambiental individual

homogêneo e está passivo de ser reparado em juízo.

Isso porque quando ocorre um dano ambiental, há aplicação imediata do

princípio do poluidor pagador e do principio da reparação, o que acarreta o dever de

indenizar. No Direito pátrio tem-se ainda a responsabilidade objetiva do poluidor, que

independente de culpa, é responsabilidade do mesmo o risco da sua atividade. Além

da responsabilidade civil pelos danos ambientais, o poluidor também poderá sofrer

sanções penais e administrativas, resultando assim, num enorme prejuízo financeiro

e a sua imagem.

Para evitar esses possíveis eventos negativos, a indústria ou o empreendedor

pode utilizar de um instrumento eficaz, que poderá diagnosticar precocemente um

risco, os impactos de suas atividades à natureza e à coletividade, e principalmente

sua conformidade legal. Além disso, tal instrumento pode oferecer medidas e

soluções imediatas, tornando-se um dos mecanismos mais seguros para gestão

empresarial. Este instrumento é a Auditoria Jurídica Ambiental.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

232

A Auditoria Jurídica Ambiental pode ser aplicada como Compulsória ou Legal

Due Diligence. A primeira, quando solicitado pela autoridade ambiental e a segunda,

por iniciativa da própria empresa.

Em ambos os casos os resultados tanto para a empresa quanto para o meio

ambiente são excelentes. Usar um instrumento eficiente para evitar que danos

ambientais ocorram é, para o empreendimento, uma economia de prejuízos

financeiros futuros decorrentes de multas aplicadas pelo poder publico e

indenizações que podem ser tuteladas pela coletividade, como também, a

preservação de sua própria imagem. Além disso, o meio ambiente em que está

inserida não terá impactos negativos e a empresa poderá desenvolver suas

atividades de forma responsável e sustentável.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

235

DIREITO TRIBUTÁRIO ELETRÔNICO: CHOQUE DE LINGUAGENS2

ELECTRONIC TAX LAW: CLASH OF LANGUAGES

Leilaine Pereira da Silva3

Mauricio Dalri Timm do Valle4

2 Este exemplo foi apresentado como avaliação de MONOGRAFIA II referente ao semestre 2013/2. 3 Autora: Leilaine Pereira da Silva é graduanda do curso de Direito pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). 4 Mestre e Doutorando em Direito do Estado Direito Tributário pela UFPR. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela UFPR. Professor de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário do Centro Universitário Curitiba UNICURITIBA. Professor-Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário e Processual Tributário e do Curso de Especialização em Direito Aduaneiro, ambos do Centro Universitário Curitiba UNICURITIBA. Associado à Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito - ABRAFI. Membro do Grupos de Pesquisas em "Fundamentos do Direito" e em "e-Justiça", ambos orientados pelo Professor Doutor Cesar Antônio Serbena e do Grupo de Pesquisa em "Direito Tributário Empresarial", orientado pelo Professor Doutor José Roberto Vieira, ambos do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. Advogado e consultor tributário. Advogado e consultor tributário.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

236

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Dogmática jurídica e o paradigma tecnológico. 3. ICP-Brasil:

Regulamentação. 4. Os novos formatos de deveres instrumentais. 4.1. Das

impropriedades na terminologia “obrigações acessórias”. 5. PAC 2007/2010 e a

proposta de aperfeiçoamento do sistema tributário. 6. Evoluções na comunicação da

Receita Federal. 6.1. Projeto “Harpia” e a Extraordinária atualização estratégica da

Receita Federal. 6.2. O SPED Fiscal: Padronização de linguagem na informatização

de deveres instrumentais. 7. O cruzamento eletrônico de dados e sigilo fiscal em

ambiente eletrônico. 8. Considerações finais.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

237

RESUMO

O presente trabalho almeja conferir uma reflexão sobre o contemporâneo choque de

linguagens decorrente da informatização do Direito Tributário. Enfatizando os novos

formatos de deveres instrumentais e a comunicação aprimorada do fisco por meio

do cruzamento eletrônico de dados. Concluindo com uma análise pormenorizada

das principais inovações e aperfeiçoamentos investidos pela Receita Federal do

Brasil, que visam à qualidade na prestação de serviços ao contribuinte. Tais

apreciações objetivam principalmente uma avaliação do consequente impacto

substancial na relação fisco-contribuinte e as novas tendências expectadas.

Palavras-chave: Linguagens, informatização, Receita Federal, cruzamento

eletrônico de dados e obrigações tributárias.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

238

ABSTRACT

The present study aims to provide a reflection on the contemporary clash of

languages, due to the computerization of the Tributary Law. Emphasizing the new

formats of instrumental duties and enhanced communication to the tax authorities by

crossing electronic data. Concluding with a detailed analysis of the major innovations

and improvements invested by the Federal Revenue Service of Brazil, which aim at

quality in providing services to the taxpayer. Such assessments aimed primarily an

evaluation of the the consequent substantial impact on the relation revenue-

contributors and the new expected trends.

Keywords: Languages, computerization, Federal Revenue, crossing electronic data

and tax obligations.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

239

1 INTRODUÇÃO

Com o paradigma tecnológico atual, a dogmática jurídica viu-se obrigada a

acompanhar diversas evoluções e a reformular-se. O presente trabalho pretende

demonstrar as principais evoluções averiguadas no contexto histórico

correspondente.

A pesquisa será orientada pelas principais legislações e tecnologias que

disciplinam a informatização do Direito Tributário e pelas disposições estabelecidas

pela Receita Federal do Brasil, ressaltando o trato atual aos princípios

constitucionais pertinentes, além de elucidar com ênfase as discussões suscitadas

quanto aos novos formatos de deveres instrumentais e as formas de acessibilidade

aos dados dos contribuintes.

O efeito prático desta abordagem consiste na análise da importância de

conferir ao contribuinte o resguardo a direitos fundamentais e observância aos

princípios que regram a atuação da administração pública e a relação fisco-

contribuinte. Determinando um rígido acompanhamento e hábil reflexão sobre a

velocidade das referidas inovações e as previsões constatadas.

Contudo, a pesquisa preza pela divulgação das inovações mais relevantes,

atribuídas em maioria à Receita Federal, com o intuito de incentivar práticas

preventivas e adaptações acertadas por parte do contribuinte em ambiente

eletrônico.

2 DOGMÁTICA JURÍDICA E O PARADIGMA TECNOLÓGICO

Por longo período, muito estudo foi dispensado aos problemas

epistemológicos da linguagem e sua consequente reestruturação teórica.

Ao considerar algumas ponderações teóricas, bem como as suas

contribuições, José Souto Maior Borges, atenta para a herança e estágio atual dos

estudos tributários:

Mas a dogmática do Direito Tributário, no seu processo evolutivo, atingiu um ponto de saturação ou, o que é o mesmo, de mutação. Aí onde está a sua riqueza conceitual, está a sua fraqueza. Se prevalecer a mesma abordagem tradicional, dar-se-á uma impossibilidade superveniente de avanços doutrinários, porque estamos submetidos, todos nós – eu inclusive -, a este

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

240

ponto de estancamento conceitual. Não mais é possível, a partir do nível teórico atual e em idênticas bases conceituais, atingir um progresso efetivo nos estudos jurídicos sobre o tributo. [...]

O que temos, a nossa herança teórica, já nos basta, para efeitos de interpretação e aplicação do Direito. O fim da dogmática não é porém um perecimento, mas um ponto de intercessão, a inspirar novas perspectivas d estudo, fiéis entretanto, ao nosso legado. Em tais condições, a superação da dogmática é um Aufheben, termo hegeliano (suprassunção, na tradução de Paulo Meneses) que significa um suprimir conservando. Suprime-se, superando-a, a abordagem temática atual, conservando-se, porém, todas as suas contribuições, que, ao cabo de contas, deverão inspirar a preocupação teórica atual e futura.5

De outro modo, tratar da dogmática jurídica em meio a um paradigma

tecnológico, vivenciado neste novo contexto social e jurídico, requer de fato uma

reestruturação integralizada.

Com base nos estudos dedicados pela cibernética (ciência destinada aos

estudos das máquinas e sua relação com os seres vivos), observou-se o surgimento

de uma nova linguagem conciliada com o processo de informatização, assinalando a

propensão de novos e inovadores conhecimentos.

Tais considerações alcançam os procedimentos jurídicos do passado, agora

submetidos às criações, desenvolvimentos e adaptações eletrônicas da sociedade

em rede. As próximas considerações explorarão todas as peculiaridades do Direito

Tributário Eletrônico, com enfoque estratégico na informatização da Secretaria da

Receita Federal do Brasil, marco inicial nesse processo evolutivo. Análises

importantes para uma avaliação mais crítica relativa aos impactos sofridos pelo

contribuinte no processo de informatização do direito tributário.

3 ICP-BRASIL: REGULAMENTAÇÃO

A validade do documento eletrônico é reconhecida pela maioria dos juristas,

que não se eximem de frisar a exigência no atendimento a certos requisitos em

atenção à compostura volátil e a ausência de “traço personalíssimo” do autor,

5 BORGES, José Souto Maior. Sobre os novos rumos para o Direito Tributário no campo das

obrigações. WHITAKER, Fernando Brandão (coord.). Temas atuais de Direito Tributário. Revista do

Advogado, nº 118, São Paulo, dezembro de 2012, Ano XXXII, nº 118, p.121-133, 2012.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

241

colocando em cheque a eficácia e validade probatória desse formato.6 De outro

modo, o que sumariamente demonstra-se é uma efetiva superação a esta

resistência, visto que, igualmente para qualquer outro meio de prova em direito

admitida, não é dispensada uma veracidade absoluta.

Em suprimento, a tecnologia possibilitou a criação da assinatura eletrônica,

ferramenta desenvolvida para evidenciar inequivocamente a autoria e integridade de

um documento eletrônico, com um ulterior aperfeiçoamento em gênero denominado

como assinatura digital, inovando ao usar a criptografia com um sistema de chaves

assimétricas. Tal inovação exigiu validação, feita por meio da certificação digital.

Estar-se-á diante da aplicação imediata das considerações de Paulo de Barros

Carvalho quanto da distinção entre fato jurídico e evento, em outras palavras, estar-

se-á diante da realização do evento juridicamente vertido em linguagem competente,

ou seja, aquele que demanda uma linguagem probatória.

Em 24 de agosto de 2001, foi editada pelo Presidente da Republica a Medida

Provisória nº 2.200-2, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, a

ICP-Brasil.

Conforme disposto na MP 2.220-2, a ICP-Brasil é regulada pelo Comitê

Gestor7 e estruturada por Autoridades Certificadoras, que por meio de tecnologia

adequada e específica, cumprem a tarefa a nível nacional de certificar autorias,

rastrear informações sobre comunicações virtuais e garantir segurança nas

operações via internet. Além de contar com a atuação integrada de Autoridades de

Registros que desempenham a comunicação entre o usuário e a Autoridade

Certificadora e Autoridades Controladoras do Tempo que administram o aspecto

temporal e o conteúdo criptografado do documento.

O modelo desenvolvido no Brasil diferenciou-se do de outros países por

determinar um sistema hierárquico, cujo papel de controlar ficou a cargo do Instituto

Nacional de Tecnologia da Informação – ITI, designado como a Autoridade

Certificadora-raiz responsável pela certificação das demais, administração dos

credenciamentos, supervisão e auditoria dos processos pertinentes.

6 CASTRO, Aldemario Araújo. O documento eletrônico e a assinatura digital. (Uma Visão geral). Brasília, 30 out. 2001. Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/doceleassdig.htm>. Acesso em: 28 mai. 2013. 7 O Comitê Gestor da ICP-Brasil é a autoridade vinculada à Casa Civil competente para formular e controlar a execução das políticas públicas relacionadas à Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

242

A necessidade de certificar autoria em dada atividade virtual acompanhou a

ampliação do acesso à internet no país, o que antes era de uso restrito, passou ao

alcance de todos.

Inicialmente a Instituição da ICP-Brasil obteve repercussões positivas, haja

vista sua utilidade social, econômica e jurídica. Todavia, foi exatamente no âmbito

jurídico que suscitaram muitas divergências que foram ampliadas de acordo com as

alterações legais sofridas posteriormente. As críticas foram presididas em maioria

pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e residem principalmente

na dinâmica de “disposição” da Certificação Digital.

Pelo exposto, relativamente ao novo formato de documento, bem como sua

imprescindível segurança, clarifica-se a presença não de um conservadorismo

jurídico, mas sim de uma resistência psicológica. Trata-se de um conflito

comunicacional: uma linguagem técnica e complexa que é a do Direito, forçada, de

alguma forma, a conciliar-se com as novas linguagens da realidade social em prol de

uma integração comunicacional contemporânea para alcançar uma aplicação

normativa eficaz e concretizar interesses mútuos.

4 OS NOVOS FORMATOS DE DEVERES INSTRUMENTAIS

Os “novos formatos de deveres instrumentais” a serem analisados, são os

reflexos de relevantes transformações na relação fisco-contribuinte pautados em

questões constitucionais e em diversas perspectivas face às novas realidades e

novos desafios.

O Código Tributário Nacional elenca em seu art. 113 os dois tipos de

obrigações tributárias: as principais e as acessórias. A principal corresponde a um

vinculo jurídico entre dois sujeitos de direito, cujo objeto possui um cunho

patrimonial. A acessória por sua vez, corresponde a um vinculo jurídico, configurado

como uma multa em razão de um eventual descumprimento à norma prescrita.

A partir da definição do Código Tributário Nacional, muitas críticas foram

tecidas pela doutrina em torno da conceituação da obrigação acessória, bem como

da sua própria denominação, com fortes fundamentações como será demonstrado a

seguir.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

243

Antes de adentrar nas discussões doutrinárias, reforça-se que o Direito

Tributário pode até dispor de uma autonomia didática, todavia, não detém autonomia

interpretativa. E em casos de necessidade de explicitações de seu próprio texto

legal, recorre a outros ramos do Direito Positivo.

Como observado, o termo obrigação advém do Direito Civil, e esse emprego

pelo Direito Tributário culminou em confusões interpretativas aos seus estudiosos.

Com propriedade, Caio Mário da Silva, demonstra que “obrigação é um vínculo

jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação

economicamente apreciável” (PEREIRA, 1999, p. 3).

Na seara contratualista, Orlando Gomes apresenta considerações ampliadas

que compreende a tributarista com mais acerto: A palavra obrigação é sinônima de

dever, tecnicamente, obrigação é espécie do gênero dever. Há de ser reservada

para designar o dever correlato a um direito de crédito (grifos do autor; GOMES,

1999, p. 9).

Nesse ponto, já se firmou o entendimento de que a obrigação principal

disposta pelo Código Tributário Nacional apresenta em sua natureza hipotética um

fato lícito ou ilícito, por meio da entrega de dinheiro ao sujeito ativo, ou seja,

característica da “estimabilidade patrimonial” 8 da prestação e transitoriedade, cujo

objeto deverá ser um tributo (obrigação tributária em sentido restrito) “somando-se

as sanções pecuniárias”.

A obrigação acessória por sua vez, apresenta em sua natureza hipotética a

concretização de um fato lícito especifico e sucessivo, sem a necessidade de uma

“estimabilidade patrimonial”, cujo objeto é um fazer ou não fazer (declarar, emitir

notas fiscais, emitir recibos, escriturar livros eletronicamente...), portanto, prestações

positivas ou negativas instituídas para facilitar o controle e arrecadação pelo fisco.

4.1 DAS IMPROPRIEDADES NA TERMINOLOGIA “OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS”

Embora o legislador tenha investido no art. 113 do Código Tributário Nacional

uma sucinta diferenciação às obrigações tributárias, além de equívocos técnicos,

não a fez de forma satisfatória e acabou disseminando novas contradições,

8 Termo empregado por Aliomar Baleeiro em sua obra Direito tributário brasileiro. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

244

comprometendo a sua adequada interpretação. As alternativas saneadoras do

impasse foram objetivamente apresentadas por Paulo de Barros Carvalho, expostas

a seguir.

A obrigação acessória nasce da disposição estritamente legal e não fiscal

como a principal, em observância ao Princípio da Legalidade disposto na

Constituição Federal em seu art. 5º, XXXIX.9

Convencionada a aplicação do entendimento de obrigação tributária,

consistente naquela que apresenta um cunho patrimonial, imediatamente, refuta-se

o emprego do termo à categoria das prestações secundárias ou acessórias, visto

que são desprovidas de conversão econômica. E nas preciosas lições de Paulo de

Barros Carvalho, “meros deveres formais”.

Paulo de Barros Carvalho relaciona seu conceito com o do jurista italiano

Renato Alessi, que sugere a denominação de deveres de contorno e o direito

positivo brasileiro de obrigações acessórias.10 Sugestão inaplicável na visão do autor

nacional, pois a ideia de contorno contém intrinsecamente um dever a ser

contornado, que concluído, materializa a obrigação principal. Ocorre que, a

obrigação acessória, como disposta, é completamente independente da principal,

como nos casos de deveres que não circundam qualquer vínculo obrigacional. O

exemplo mais claro e usual é o da Declaração de Isenção ao Imposto de Renda,

espécie de obrigação acessória sem uma obrigação principal conexa.

As impropriedades não cessam por aqui, pois a designação de “acessória”

também desperta marcante incoerência interpretativa e densa crítica por parte de

Paulo de Barros Carvalho. O autor remete a situações em o sujeito passivo é

submetido a uma série de procedimentos fiscais, em que deverá apresentar

documentações específicas que comprovem a regularidade do evento sob análise.

E, sendo o dever instrumental devidamente atendido, ou seja, esclarecimentos

devidamente prestados capazes de resultar na cessação da diligência, a autoridade

fiscal terá condições de concluir que não existe nenhuma irregularidade capaz de

acarretar numa instauração de uma relação jurídica obrigacional. (CARVALHO,

9 Dita o art. 5º, XXXIX da Constituição Federal da República: não há crime sem lei anterior que o defina. 10 ALESSI, Renato e STAMMATTI, Gaetano. Istituzione di diritto tributário. Torino, UTET. p. 40. apud, CARVALHO, 2009, p. 361.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

245

2009, p. 362). Neste cenário, cabe o seguinte questionamento: a suposta obrigação

seria acessória de que?

Por intermédio dessas comparações doutrinárias e pontuações lógicas que se

obtém um enriquecimento interpretativo e complementar ao texto da lei analisada,

preconizando uma compreensão técnica capaz de isolar e concluir tamanhas

confusões e permitir avaliações críticas às novas modalidades de deveres

instrumentais instituídos pelo fisco.

5 PAC 2007/2010 E A PROPOSTA DE APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA

TRIBUTÁRIO

Com base em informações prestadas no sítio do Ministério do Planejamento

do Governo Federal e no sítio da Receita Federal do Brasil, serão apresentadas,

com abreviações convenientes, as principais medidas instituídas relacionadas ao

percurso do processo de modernização e informatização do direito tributário.

O programa de desenvolvimento do governo federal lançado em 22 de janeiro

de 2007 visava à promoção da aceleração do crescimento econômico, o aumento do

emprego e a melhoria das condições de vida da população; consistente em um

conjunto de medidas destinadas a incentivar o investimento privado, aumentar o

investimento público em infraestrutura e remover obstáculos (burocráticos,

administrativos, normativos, jurídicos e legislativos) ao crescimento. Com êxito

dependente da participação integrada do Poder Executivo, Legislativo, dos

trabalhadores e dos empresários.

No âmbito econômico, o programa apresentou fortes fundamentos:

estabilidade monetária, responsabilidade fiscal e baixa vulnerabilidade externa.

As medidas propostas foram organizadas em cinco blocos, o primeiro o de

investimento em infraestrutura, o segundo o de estimulo ao crédito e ao

financiamento, o terceiro o de melhora no ambiente de investimento, o quarto o qual

será dispensada análise convenientemente que corresponde ao da Desoneração e

aperfeiçoamento do sistema tributário nacional e o último bloco, o das medidas

fiscais de longo prazo.

De acordo com o programa, o setor privado responde pela maior parcela do

investimento no Brasil, motivo que justifica as medidas de aperfeiçoamento do

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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sistema tributário, bem como medidas de desoneração do investimento, sobretudo

em infraestrutura e construção civil, para incentivar o aumento do investimento

privado. O PAC também inclui medidas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico

e ao fortalecimento das micro e pequenas empresas. A Lei de Inclusão Digital com origem na Lei nº 11.196, de 21 de novembro de

2005, não poderia deixar de ser mencionada em razão de seu papel para o alcance

das metas de aceleração de crescimento e reformas previstas: o acesso a

computador e internet com políticas de incentivos fiscais aos fabricantes e

distribuidores para impactar em um barateamento nos equipamentos de informática.

Ampliando o conceito de acesso à informação e comunicação como direitos

essenciais de cidadania. Os esforços do Governo Federal em parceria com diversas

entidades e Ministérios foram traduzidos em quatro importantes projeções

distribuídas em vários instrumentos legais: acesso ás tecnologias de informação e

comunicação; telecentros comunitários; inclusão digital nas escolas e massificação

da banda larga.

É importante destacar as políticas empregadas nesse sentindo, em razão das

metas de informatização nos procedimentos tributários e até mesmo na

aplicabilidade do acesso à informação para fins de monitoramento e

aperfeiçoamento da administração pública (Lei complementar nº 131, de 27 de maio

de 2009 - Lei de Transparência nas Finanças Públicas).

Por falar em modernização procedimental (instituição de novos deveres

instrumentais), o PAC 2007/2010, determinou a implantação do Sistema Público de

Escrituração Digital (SPED) e Nota Fiscal Eletrônica. Uma esperada revolução na

relação fisco contribuinte.

O Programa estipulou na época, o prazo de dois anos para a implantação do

cadastro sincronizado e do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). O

impacto esperado era o de uma atuação integrada dos fiscos federal, estaduais e

municipais mediante a padronização e racionalização das informações e o acesso

compartilhado à escrituração digital de contribuintes por pessoas legalmente

autorizadas, inovando na substituição da emissão de livros e documentos contábeis

e fiscais em papel, por documentos eletrônicos com certificação digital.

Tratando de informatização tributária, ressalta-se como objetivo do PAC 2007-

2010, a criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com lei específica nº

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

247

11.457 sendo sancionada em 16 de março de 2007, que como vem sendo

demonstrado, foi pioneira no desenvolvimento e aplicação de Tecnologias da

Informação em diversos procedimentos.

A lei nº 11.457/2007 “unificou” a Secretaria da Receita Federal e a Secretaria

de Receita Previdenciária, conforme disposições em seu sítio. A Secretaria passa

então a ser subordinada ao Ministério de Estado da Fazenda. À época de sua

instituição, a Secretaria da Receita Federal do Brasil era formada por cerca de 30 mil

servidores, sendo 22 mil da Secretaria da Receita Federal e 10 mil da Receita

Previdenciária, com responsabilidade sobre a administração tributária e aduaneira

(atividades de fiscalização, arrecadação e normatização) dos principais tributos

federais, inclusive os previdenciários.

A Receita Federal do Brasil dispõe que a unificação interessava no aumento

da eficiência do fisco, com consequente redução da sonegação, na racionalização

do atendimento e das obrigações acessórias através de redes integradas, com

consequente redução de custos para o contribuinte, na representação única do fisco

(encaminhamento a uma unidade única da RFB) e na melhoria no atendimento pelo

INSS (concentração na atividade de concessão de benefícios).

E por fim, a retomada da discussão da necessidade da reforma tributária com

governadores, prefeitos, empresários, consumidores e parlamentares, tendo como

objetivo o aprimoramento do sistema tributário nacional e, se possível, a unificação

de tributos indiretos federais, estaduais e municipais em um imposto sobre o valor

agregado (IVA – atualmente denominado IVA-F, imposto sobre o valor adicionado -

Federal) com legislação uniforme e receita compartilhada.

O impacto esperado pelo PAC 2007-2010 era o aumento relevante da

eficiência da economia com a eliminação das deficiências do sistema de tributos

indiretos do País, entre as quais se destacam as distorções na tributação do

comércio exterior, o incentivo à guerra fiscal entre estados, a dificuldade para

desonerar investimentos e a falta de neutralidade na tributação. A correção destas

deficiências deveria ter um impacto extremamente positivo sobre o nível de

investimentos.

A Secretaria da Receita Federal do Brasil nasceu numa fase de muito clamor

por efetivas melhorias na administração pública e de reformas políticas e

econômicas que positivassem “aceleradamente” todo esse desenvolvimento

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

248

almejado. Adequando-se a essa realidade, a nova secretaria, apegou-se a um

princípio norteador e contemporâneo da administração pública, o Princípio da

Eficiência, inserido no art. 37, caput, da Constituição Federal, por meio da Emenda

Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998.

O autor Hely Lopes Meirelles com clareza explica os fundamentos iniciais e

pretensões após a confirmação deste “princípio dever” no texto constitucional:

Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.11

O autor Celso Antônio Bandeira de Mello tece forte crítica à dimensão

destinada ao princípio, que na sua visão, não significou nada além do que uma

reprodução de expectativas consolidadas a outros “ideais”:

Quanto ao principio da eficiência não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido senão na intimidade do principio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da boa administração.12

De outra forma, Ubirajara Custódio Filho fornece uma amplitude conceitual,

permitindo uma adequada abrangência interpretativa, que contrariamente ao

entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo, denota que, mesmo após todo o

esforço empreendido para a eficácia da aplicação do princípio da Legalidade, outro

princípio foi necessário para reforçar e viabilizar o “alcance” da eficiência na

administração pública e seus servidores. Chamando a atenção para um aspecto

externo e outro interno, de cruciais relevâncias:

11 MEIRELLES, Hey Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 60. 12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 92.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

249

Do exposto até aqui, identifica-se no princípio constitucional da eficiência três ideias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o atendimento prestado pela Administração Pública deve ser útil ao cidadão. Presteza porque os agentes públicos devem atender o cidadão com rapidez. Economicidade porquanto a satisfação do cidadão deve ser alcançada do modo menos oneroso possível ao Erário público. Tais características dizem respeito quer aos procedimentos (presteza, economicidade), quer aos resultados (prestabilidade), centrados na relação Administração Pública/cidadão. Ocorre que há também outra espécie de situação a ser considerada quanto à Administração e que não engloba diretamente os cidadãos. Trata-se das relações funcionais internas mantidas entre os agentes administrativos, sob o regime hierárquico. Nesses casos, é fundamental que os agentes que exerçam posições de chefia estabeleçam programas de qualidade de gestão, definição de metas e resultados, enfim, critérios objetivos para cobrar de seus subordinados eficiência nas relações funcionais internas dependerá da eficiência no relacionamento Administração Pública/cidadão. Observando esses dois aspectos (interno e externo) da eficiência na Administração Pública, então, poder-se-ia enunciar o conteúdo jurídico do princípio da eficiência nos seguintes termos: a Administração Pública deve atender o cidadão na exata medida da necessidade deste com agilidade, mediante adequada organização interna e ótimo aproveitamento dos recursos disponíveis.13

Em respeito aos dois posicionamentos expostos, destaca-se que, não é

cabível qualquer isolamento ou sobrepeso na missão delegada ao Princípio da

Eficiência. Visto que, cuida-se de um princípio reconhecido juntamente com outros

basilares: o da Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Razoabilidade e o da

Publicidade (art. 37 da CF, caput). Exigíveis a qualquer atuação do poder público.

Concordante parcialmente com a visão de Celso Antônio Bandeira de Mello,

dentre todos, por óbvio, o que mais se enfatiza e vincula-se ao Princípio da

Eficiência, é o da Legalidade, porém, atendendo as novas diretrizes constitucionais,

segue atualmente paralelo ao Princípio da Máxima Efetividade das Normas

Constitucionais. Este último sim visa um reforço às reformas pretendidas pela

Emenda Constitucional nº 19 de 1998: regramentos na administração pública

ampliados à sociedade, ou seja, interesses públicos e privados conciliados sob a

tutela da norma superior nacional.

13 COSTODIO FILHO, Ubirajara. A Emenda Constitucional 19/98 e o Princípio da Eficiência na

Administração Pública. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista

dos Tribunais, n. 27, p. 210-217, abr./jul. 1999.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

250

Contudo, complementando as coerentes definições de Ubirajara Custódio

Filho, no curso da administração pública, além do cumprimento dos precedentes

legais, destacam-se os princípios da Razoabilidade e o da Proporcionalidade,

justamente em razão da atividade discricionária do agente público, que terão

tratamentos relacionados no tópico seguinte focados no serviço de fiscalização

tributária.

Pelo exposto, comprovou-se a importância e toda a abrangência estratégica

do PAC 2007-2010, investida de forma bem-sucedida pela Secretaria da Receita

Federal do Brasil, que desde os anos iniciais de atuação, vem inovando e

desburocratizando, respondendo aos anseios de eficiência, efetividade e eficácia de

seu criador. Aspectos a serem versados nas próximas exposições.

6 EVOLUÇÕES NA COMUNICAÇÃO DA RECEITA FEDERAL

Tratando-se de investimentos e projetos na informatização do direito

tributário, a Receita Federal avançou consideravelmente nos últimos anos, com

registros de projeções desde a disponibilização da internet no país em 1995, o que

lhe concedeu diversos prêmios e reconhecimentos expressivos. Em organização de

seus feitos, o referido órgão estruturou em sítio próprio, um acervo incluindo o

registro de suas principais inovações tecnológicas empreendidas em uma década,

compreendendo o período de 1996 a 2006.14

Entretanto, embora não tenha sido mencionado nesse contexto histórico

apresentado pela Receita Federal, talvez em razão do próprio “excesso”,

paulatinamente após a expansão de recursos tecnológicos, foi instituída por meio de

Instruções Normativas uma série de obrigações acessórias, materializadas como

Declarações Eletrônicas. Esses novos deveres impostos aos contribuintes são

gerenciados pelo serviço Receitanet que controla entre outros serviços, as

transmissões e validações de todas essas Declarações. Dentre elas destacam-se: a

DIRPF-Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física, DIRF–Declaração de

Imposto de Renda Retido na Fonte, DIPJ-Declaração de Informações Econômico-

fiscais da Pessoa Jurídica, DACON-Demonstrativo de Apuração de Contribuições

14 ACERVO, Receita Federal do Brasil. 10 anos na internet. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/10anos/10anos/default.htm>. Acesso em: 07 set. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

251

Sociais, DCTF-Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais,

PER/DCOMP-Pedido de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de

Compensação e uma mais recente, a DEMED – Declaração de Serviços Médicos,

instituída em 2009.

Materialização de mais deveres instrumentais, dos quais o não cumprimento,

a prestação de informações equivocadas, a não observância a prazos e estratégias

ou outras circunstâncias práticas, podem suscitar a aplicação de multas elevadas.

Portanto, a carga de responsabilidade fica exclusivamente imposta ao sujeito

passivo, que arca com mais esse ônus, além dos mencionados ao logo da pesquisa.

Pois, ainda que se trate de “fatos jurídicos tributários” ocorridos no meio desta fase

transitória, alguns procedimentos fiscais acabaram por desconsiderar o fato de o

contribuinte estar se adaptando ou até, adquirindo novas tecnologias e ferramentas

para tanto. O que ainda pode ser observado na prática atual, são privações e

prejuízos de alguns contribuintes decorrentes do descontrole ou inaptidão

relacionados a essa nova comunicação estabelecida pela Receita Federal.

Fatores que terão de ser superados tendo em vista a velocidade e previsões

das inovações do órgão e de seus colaboradores, conforme próximas

considerações. Especialmente para os que afirmam que todas estas instituições são

o alcance do objetivo de reformar o método de fiscalização ao otimizá-la,

desafogando as atribuições dos auditores e com isso, tornando suas funções muito

mais céleres e eficazes.

6.1 PROJETO “HARPIA” E A EXTRAORDINÁRIA ATUALIZAÇÃO ESTRATÉGICA

DA RECEITA FEDERAL

Embora a Receita já dispusesse de um serviço de cruzamento de dados,

somente a partir de 2006 esse procedimento foi submetido a um sistema mais

“inteligente”, de acordo com Paulo Ricardo de Souza Cardoso, secretário-adjunto da

Receita neste período. O grande passo foi dado com o desenvolvimento por

engenheiros do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e da UNICAMP

(Universidade Estadual de Campinas) do Software Harpia, batizado com o nome da

ave de rapina em reverência as características do porte e velocidade do animal.

Considerando do mesmo modo, o supercomputador importado dos Estados Unidos,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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adquirido pela Receita Federal para propiciar o emprego deste software, batizado de

T-Rex, em referência ao tiranossauro Rex, enfatizando seu tamanho e peso

(aproximadamente uma tonelada), além de suas eloquentes qualificações técnicas.

O equipamento instalado no SERPRO em São Paulo é capaz de cruzar dados do

número total de contribuintes de todo o país e poderia somar-se ainda ao número

dos Estados Unidos e Alemanha. A grande evolução está na “inteligência artificial”

atribuída ao software, capaz de armazenar, combinar e analisar dados dos

contribuintes, identificando operações de baixos e altos riscos para o fisco, ou seja,

precisar indícios de fraudes. Formando assim, um histórico de cada contribuinte para

armazenamento num banco de dados com base sistematizada e integrada sob o

controle da Receita Federal. A aplicação do projeto foi inicialmente restrita a área

aduaneira, em razão de fatores econômicos e urgentes, porém, não obsta à

expectativa de seus detentores de expansão futura aos contribuintes, pessoas

físicas e jurídicas não operantes neste setor. O impacto gerado é o de maior

agilidade na análise e definição do perfil de cada contribuinte, para contribuir na

prevenção e punição de fraudes, como lavagens de dinheiro, sonegações e até

praticas ilícitas.15

Contudo, permanece evidente a ampliação e aperfeiçoamento da Receita

Federal na fiscalização e monitoramento do contribuinte, ultrapassando as

premissas iniciais de interesse majorado no aumento da arrecadação.

6.2. O SPED FISCAL: PADRONIZAÇÃO DE LINGUAGEM NA INFORMATIZAÇÃO

DE DEVERES INSTRUMENTAIS

Em cumprimento conjunto aos objetivos traçados pelo PAC 2007/2010, por

meio do Decreto nº 6.022 de 22 de janeiro de 2007, foi instituído o Sistema Público

de Escrituração Digital (SPED), alterando a sistemática no cumprimento dos

principais deveres instrumentais por parte dos contribuintes. Serão analisadas nessa

etapa as alterações mais relevantes dessa inovação que alterou substancialmente a

relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo nas relações jurídicas tributárias.

15 ROLLI, Fátima Fernandes Claudia. Supercomputador da Receita vai caçar sonegador. Folha de São Paulo. São Paulo, 16 out. 2005. Folha Mercado. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u101359.shtml>. Acesso em 07 set. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

253

Conforme apresentado na página hospedada no sítio do órgão de

coordenação, Secretaria da Receita Federal do Brasil16, o sistema alterou a forma de

transmissão por parte do contribuinte, às administrações tributárias e aos órgãos

fiscalizadores, de documentos para o cumprimento de deveres instrumentais

essenciais, dispondo-se da certificação digital para validação jurídica desse novo

formato. E com base nas informações expostas por este órgão coordenador, serão

apresentados a seguir os aspectos mais relevantes em relação ao SPED, “sob a

ótica do sujeito ativo”.

O SPED teve inicio com três grandes projetos: Escrituração Contábil Digital,

Escrituração Fiscal Digital e a NF-e - Ambiente Nacional. Atualmente em projeto a

EFD-Contribuições e em estudos o e-Lalur, EFD-Social e a Central de Balanços.

Seu fundamento legal é o disposto no art. 37 da Constituição Federal, inciso

XXII (Incluído pela Emenda Constitucional n. 42, de 19 de dezembro de 2003):

As administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras especificas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

O texto constitucional ressalta a integração entre os fiscos Federal, Estadual e

Municipal visando à máxima concretização do princípio da eficiência na

administração pública. Demonstrando, como elucidado em outros aspectos no

capítulo anterior, a necessidade de reafirmá-lo, pois o próprio caput do referido

artigo já o reverencia em conjunto com os princípios da legalidade, impessoalidade,

moralidade e publicidade.

Os objetivos declarados do SPED são os de promover a integração dos

fiscos, mediante a padronização e compartilhamento das informações contábeis e

fiscais, respeitadas às restrições legais. Racionalizar e uniformizar as obrigações

acessórias para os contribuintes, com o estabelecimento de transmissão única de

distintas obrigações acessórias de diferentes órgãos fiscalizadores. E de tornar mais

célere a identificação de ilícitos tributários, com a melhoria do controle dos

16 SPED – Sistema Público de Escrituração Digital. Disponível em: http://www1.receita.fazenda.gov.br/sobre-o-projeto/apresentacao.htm. Acesso em: 07 set. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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processos, a rapidez no acesso às informações e a fiscalização mais efetiva das

operações com o cruzamento de dados e auditoria eletrônica.

O SPED, no âmbito da Receita Federal, faz parte do Projeto de Modernização

da Administração Tributária e Aduaneira (PMATA) que consiste na implantação de

novos processos apoiados por sistemas de informação integrados, tecnologia da

informação e infraestrutura logística adequados.

E os benefícios apresentados pela Receita Federal são extensos, dentre os

quais, merecem destaque: significante redução de custos com a dispensa de

emissão e armazenamento de documentos em papel e com a racionalização e

simplificação das obrigações acessórias; redução do envolvimento involuntário em

práticas fraudulentas; redução do tempo despendido com a presença de auditores

fiscais nas instalações do contribuinte; simplificação e agilização dos procedimentos

sujeitos ao controle da administração tributária (comércio exterior, regimes especiais

e trânsito entre unidades da federação); fortalecimento do controle e da fiscalização

por meio de intercâmbio de informações entre as administrações tributárias; rapidez

no acesso às informações; aumento da produtividade do auditor através da

eliminação dos passos para coleta dos arquivos; possibilidade de troca de

informações entre os próprios contribuintes a partir de um leiaute padrão;

possibilidade de cruzamento entre os dados contábeis e os fiscais; redução do

“Custo Brasil” e o aperfeiçoamento do combate à sonegação.

Os três projetos responsáveis por uma nova forma de aproximação do fisco

com os contribuintes, representam o uso da tecnologia de informação no

aprimoramento da prestação de serviços públicos à sociedade, efetivando a

eficiência e transparência na administração pública. Mas, de fato, são essas as

percepções que os contribuintes têm em relação ao Sistema?

Entendendo que a maioria dos contribuintes já dispõe de recursos de

informática no desempenho das escriturações fiscais e contábeis, o sistema

determina a inversão do que antes se reproduzia por meio de papel à reprodução

digital.

No caso da Escrituração Contábil Digital-ECD, a partir de 2009 toda

sociedade empresaria tributada pelo lucro real está obrigada a transmitir

digitalmente ao SPED, para fins fiscais e previdenciários, seu livro Diário, Razão e

seus respectivos auxiliares se houverem, além dos livros Balancetes Diários,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Balanços e fichas de lançamento comprobatórias dos assentamentos neles

transcritos. “Obrigação” facultativa para as demais sociedades empresarias e

dispensada às sociedades simples, microempresas e empresas de pequeno porte

optantes pelo Simples Nacional, em cumprimento ao disposto na Instrução

Normativa da Receita Federal do Brasil n. 787, de 19 de novembro de 2007.

Já a Escrituração Fiscal Digital-EFD, é um arquivo digital, consistente em um

conjunto de escriturações de documentos fiscais e de outras informações de

interesses dos fiscos das unidades federadas e da Receita Federal, bem como de

registros de apuração de impostos referentes às operações e prestações e

prestações praticadas pelo contribuinte. Arquivo que requer assinatura digital para

efetivar a transmissão ao SPED.

E por sua vez, a NF-e Ambiente Nacional, projeto em que reside o ponto forte

das discussões quanto à integração entre os fiscos, ao abrir a possibilidade do

cruzamento eletrônico de informações entre os integrantes. O projeto foi instituído a

partir da assinatura do Protocolo de Cooperação n. 03 em 27 de agosto de 2005 no

II Encontro Nacional de Administradores Tributários, realizado na cidade de São

Paulo. O documento representa o comprometimento entre a Receita Federal do

Brasil, os Estados e Distrito Federal, por intermédio de suas Secretárias de

Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação e Municípios, representados pela

Associação Brasileira das Secretarias de Finanças dos Municípios das Capitais

(ABRASF), para implantar a NF-e. Sintetizando os benefícios aos contribuintes no

aumento da competividade das empresas brasileiras pela racionalização das

obrigações acessórias (“redução do custo Brasil”), em especial a dispensa e arquivo

de documentos em papel. E para a administração tributária, a padronização e

melhoria na qualidade das informações, racionalização de custos e maior eficácia na

fiscalização.17

Por meio da página Receitanet18 no sítio da Receita Federal, ficam

disponibilizados ao contribuinte o download padronizado da Escrituração Contábil e

Fiscal Digitais para envio ao SPED e na página do e-CAC, a disponibilidade de

17 ENAT, Protocolo n. 03/2005-NF-e. Disponível em: < http://www19.receita.fazenda.gov.br/enat/protocolos/protocolo-03-2005-nf-e/>. Acesso em 02 set. 2013. 18 O Receitanet é o serviço disponibilizado pela Receita Federal que gerencia dentre outros serviços, as transmissões e validações das Declarações de Pessoas Físicas ou Jurídicas. Serviços a cargo do sujeito passivo que podem ensejar a instituição de obrigações acessórias com previsão de multas elevadas em casos de inobservâncias ou descumprimentos.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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consultar quais membros do SPED acessaram a Escrituração Contábil Digital de sua

empresa. Pelo fato da disponibilidade dos dados ultrapassara esfera dos integrantes

do Protocolo ENAT n. 03/2005e se estender também ao Banco Central do Brasil, à

Comissão de Valores Mobiliários – CVM, Departamento Nacional de Registro de

Comércio (DNRC), Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) e à

Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. É a possibilidade modesta de

“monitorar” quem o monitora.

O SPED resume-se em uma padronização de linguagem, exigindo dos

contribuintes toda uma reestruturação empresarial, requerendo investimentos altos

em tecnologia, capacitação de pessoas para aptidão do gerenciamento de todo o

banco de dados que será gerado, contratação de profissionais diversificados, como

por exemplo, advogados especialistas em auditoria fiscal, contadores atualizados

com essa transição e consequentemente, garantia de maior segurança na

transmissão de informações sem margem de erros, cumprindo o padrão exigido pelo

fisco. Erros estes que, podem resultar em notificações e autuações fiscais, ou

ainda, transtorno imediato como uma impossibilidade de renovação de Certidão

Negativa de Débitos.

Mas, deve ser ressaltado que o SPED não contempla um número significante

de empresas, seja pelo porte, informalidade ou potencial econômico restrito. Existem

também, os casos de empresas praticantes de irregularidades justificadas em razão

da carga tributária nacional. Todavia, o sistema visa exatamente à prevenção

dessas práticas, bem como a redução dos custos tributários para incentivar o

aumento da regularidade na atividade empresarial.

O que pode ser presumido neste contexto é que a integração entre os fiscos

sinaliza uma possibilidade positiva: a tão almejada redução da quantidade de

obrigações acessórias instituídas aos contribuintes, ou seja, simplificação tributária.

Para Rubya Floriani dos Anjos, o papel do SPED se resume em:

Exigir do contribuinte o envio das informações em determinado padrão para que, com isso, o intercâmbio entre os dados e de todos os entes públicos seja realizado, pois, estabelecendo uma mesma linguagem, a comunicação torna-se possível. [...]

Ou seja, simplificação para os dois lados: tanto para o contribuinte, que terá mais facilidades com a apuração dos impostos, como para o Fisco, pois

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

257

toda essa padronização permitirá uma fiscalização mais eficiente e rápida, sem o deslocamento dos fiscais aos estabelecimentos empresariais.19

Na mesma linha favorável ao SPED, Marcos Vinicius Neder, faz consideração

ás novidades no relacionamento fisco contribuinte e aos aspectos de aceitação do

sistema:

A participação conjunta Fisco-Contribuinte no desenvolvimento desse projeto de interesse fiscal possibilitou o planejamento e a identificação prévia das dificuldades comumente vivenciadas no cumprimento dos deveres instrumentais. A participação dos contribuintes e de várias entidades na construção do SPED contribuiu para aprimorar os mecanismos adotados, conferindo maior grau de legitimidade aos deveres instituídos por esse novo projeto. Esse novo tipo de relacionamento representa uma quebra de paradigma, pois se abandonou medidas unilaterais para priorizar a participação de todos os envolvidos na produção das informações com reflexos positivos para toda a sociedade. [...] Como estamos no início de sua aplicação, a instituição do SPED foi recebida até o momento sem relevantes questionamentos administrativos ou judiciais pelos obrigados. De fato, o SPED veio para racionalizar o acesso a informação que já eram prestadas por outras formas pelos contribuintes, introduzindo ganhos em economicidade e segurança.20

Estimando os dois posicionamentos, acrescenta-se que o SPED figura como

a maior concretização de práticas destinadas a possibilitar uma devida atualização

na linguagem do direito tributário nacional na “sociedade em rede”, que deve

respeitar aspectos sociais, normativos e constitucionais.

Por esse motivo, ressalta-se ainda, importantes observações de Maria Rita

Ferragut sobre alguns aspectos menos positivos, que representam desafios para

esta nova realidade. A autora menciona o apartheid digital existente no país que se

configura na discrepância do acesso e velocidade da internet e requerer medidas

para o aceleramento da inclusão digital. As limitações orçamentárias para

implementar a Certificação Digital em diversos órgãos do governo. As soluções

necessárias sobre o sigilo e a compatibilização com a evolução dos sistemas de

19 ANJOS, RubyaFloriani dos. SPED Fiscal e a informatização do “lançamento por homologação”. In: FERRAGUT, Maria Rita (coord.). Direito Tributário Eletrônico. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p.11-23. 20 NEDER, Marcus Vinicius. O Sistema Público de Escrituração Contábil (SPED) - deveres e limites a sua aplicação. In: FERRAGUT, Maria Rita (coord.). Direito Tributário Eletrônico. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p.11-23.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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informação. E atenta também para a necessidade de aperfeiçoamento legislativo

relativo aos delitos virtuais que vem se diversificando cada vez mais.21

Mas, após expor as principais pontuações, positivas e negativas, o que

inquestionavelmente pode ser vislumbrado é a viabilidade de uma comunicação

objetiva entre o fisco e o contribuinte, que por muito tempo, foi mais complexa e

morosa a ponto de tornar-se obscura e controversa. E que, como toda novidade,

levará um tempo natural para adaptações e superações.

7 O CRUZAMENTO ELETRÔNICO DE DADOS E SIGILO FISCAL EM AMBIENTE

ELETRÔNICO

A Receita Federal representa atualmente, o avanço das comunicações

integradas entre os entes tributantes, no caso o cruzamento eletrônico de dados,

mencionado no tópico anterior, demonstra todo o investimento feito por este órgão.

O marco inicial na prática de cruzamento eletrônico de dados é concedido a

Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de

Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, instituído pela Lei n. 9.311, de

24 de outubro de 1996, atualmente extinta.22 Inicialmente foi vedada à fiscalização

de tributos, mas, alterada em 2001 passou a permitir a fiscalização de tributos com

base na CPMF com efeitos retroativos dos últimos cinco anos e ensejou a criação de

vários outros mecanismos para determinar novas prestações por parte do

contribuinte por meio do cruzamento eletrônico de dados.

A Receita Federal colhendo efeitos positivos na arrecadação no período de

vigência do referido dispositivo, desenvolveu uma série de modalidades de

declarações com critérios complexos passando a ser transmitidas em formato digital,

brevemente versadas no tópico anterior. O órgão além de dispor de informações

referentes a impostos estaduais, em maior relevo, o ICMS e impor uma série de

obrigações às pessoas jurídicas, aperfeiçoou modalidades de cruzamentos de dados

também às pessoas físicas, já que o próprio órgão administra o cadastro nacional de

pessoas físicas – CPF, e assim disponibiliza e dispõe com outras entidades as

21 FERRAGUT, Maria Rita. Direito tributário eletrônico: uma realidade. In: FERRAGUT, Maria Rita (coord.). Direito Tributário Eletrônico. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p.25-33. 22 JESUS, Isabela Bonfá. Cruzamento eletrônico de dados. In: FERRAGUT, Maria Rita (coord.). Direito Tributário Eletrônico. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p.85-98.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

259

informações convenientes declaradas pelo contribuinte referentes aos seus

rendimentos.

A realidade do contribuinte é a de uma imposição enorme de deveres

instrumentais, numa nítida transferência de ônus por parte do sujeito ativo detentor

da competência para arcá-los. Ocorre que, ainda que se consolidem os novos

procedimentos (SPED) e expectativas, esta realidade deve observar primordial e

permanentemente os princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade.

Celso Antônio Bandeira de Mello particulariza o principio da Razoabilidade e o

relaciona com os princípios da Legalidade e da Finalidade para reforçar as

características que devem compor os atos da administração pública:

Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. (...) Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados). Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o "mérito" do ato administrativo, isto é, o campo de "liberdade" conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita "liberdade" é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.23

Paulo de Barros Carvalho menciona a devida aplicação concomitante dos

princípios da Razoabilidade e o da Proporcionalidade na atuação da administração

pública, se referindo inclusive às imposições de multa (CARVALHO, 2009, p. 629-

630).

A tendência é que o cruzamento eletrônico incite o desenvolvimento de outras

modalidades de monitoramento. Mas, até que ponto a realidade de um contribuinte

23 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 91-93.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

260

deve estar exposta e para quem? Qual o limite que deve ter o interesse e utilização

do fisco destas informações?

As respostas ao primeiro questionamento devem ser pautadas no caput do

art. 1º da Constituição Federal24, relativo aos princípios Republicano e Federativo, a

fim de evitar conflitos de competência na exigência de cumprimentos de

“obrigações” ao sujeito ativo, seja para recolhimento ou “esclarecimentos” e na

conceituação da competência tributária do sujeito ativo. Neste sentido, Isabela Bonfá

de Jesus sustenta:

É em virtude do princípio federativo que se reconhece aos Estados Federados e Municípios autonomia política e igualdade entre si, o que redunda a possibilidade, respeitados os limites fixados na Lei Suprema, de tais entes legislarem e executarem suas próprias leis, definindo assim suas prioridades e desígnios. [...] Conclui-se, portanto, que: mesmo havendo um acordo entre os entes tributantes quanto ao cruzamento de dados, a competência tributária deve ser respeitada em obediência à nossa Carta Maior.25

Quanto à segunda indagação, a resposta só poderia pautar-se no sigilo fiscal,

com observações restritas ao âmbito da Receita Federal.

O sigilo fiscal é resguardado no Código Tributário Nacional em seu art. 198,

com redação dada pela Lei Complementar n.104, de 10 de janeiro de 2001, ao vedar

a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação

obtida em razão do oficio sobre a situação econômica ou financeira do sujeito

passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios e

atividades. Entretanto, as exceções são apresentadas respectivamente nos incisos I:

requisição de autoridade judicial no interesse da justiça; II: procedimento

administrativo para apurar infração fiscal; III: representações fiscais para fins penais;

IV: inscrições na dívida ativa; V: parcelamentos em andamento e no paragrafo único

do art. 199 que prevê a possibilidade da Fazenda Pública permutar informações com

Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.

24 Dispõe o art. 1º da Constituição Federal: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]. 25 JESUS, Isabela Bonfá. Cruzamento eletrônico de dados. In: FERRAGUT, Maria Rita (coord.). Direito Tributário Eletrônico. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p.85-98.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

261

A Receita Federal com o intuito de preservar o caráter sigiloso de informações

protegidas por sigilo fiscal, nos casos de fornecimentos admitidos pelo CTN ou lei

específica, estabeleceu a Portaria n. 580, de 12 de junho de 2001, ditando os

procedimentos pertinentes para esse fim. O art. 2º e paragrafo único da Portaria

tratam do fornecimento eletrônico e online, resguardando o requerimento do uso de

senhas pessoais e intransferíveis.

Somente em 24 de março de 2011 a Receita Federal estabeleceu a Portaria

n. 2.344 que regula o acesso às informações protegidas por sigilo fiscal constantes

de sistemas informatizados da Secretaria da Receita Federal do Brasil. As exceções

ao sigilo nesse ambiente estão previstas no art. 2º, §1º, e incisos, não incluindo as

informações cadastrais relativas à regularidade fiscal do sujeito passivo, desde que

não revelem valores de débitos (I); as agregadas que não identifiquem o sujeito

passivo (II) e as equivalentes a exceção do art. 198, §3º do CTN (representações

fiscais para fins penais).A Portaria inovou ao considerar os novos mecanismos de

certificação digital e manuseio dos mesmos por parte do servidor, prevendo

penalidades ao uso indevido ao estabelecido em suas disposições e ao legitimar o

sujeito passivo a dirigir representação contra o próprio órgão caso sinta seu direito

de sigilo fiscal infringido.

Halley Henares Neto considera que na Constituição Federal26 repousam

considerações antagônicas entre o direito individual e a privacidade dos indivíduos

em geral (art. 5º, inciso X) e o direito dos contribuintes (art. 5º, inciso XXXIII) versus

o poder do fisco (art. 216, § 2º)27. Mas, pelo que se pode depreender, o maior

antagonismo presente é o da função de fiscalização e o próprio sigilo fiscal. A este

respeito, estende o autor:

26 Art. 5º da Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País à inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: [...] Inciso X: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] Inciso XXXIII: Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (NR) 27 Art. 216 da Constituição Federal: [...] § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

262

O poder de fiscalização está diretamente ligado ao sigilo fiscal e se concretiza, como função administrativa na qual se consubstancia, pelo procedimento administrativo tributário. Assim sendo, o sigilo fiscal tem que se harmonizar com o conceito e o regime jurídico que cunhamos para o procedimento administrativo tributário.28

Em relação à exposição e consequências que o sujeito passivo pode

experimentar, Paulo de Barros Carvalho pormenoriza:

[...]

Não se admite, porém, que uma Fazenda Pública se utilize dos dados levantados e a ela informados por uma outra Fazenda para fins de autuação de contribuintes, como se fosse uma prova emprestada. Haja vista que a informação recebida não possui valor probatório, a Fazenda, baseada em tais dados, deve proceder à fiscalização própria e instaurar o devido processo administrativo.29

Ponderando sobre o momento atual que vive o contribuinte, influenciado

diretamente pela tecnologia, Adriana Esteves Guimarães fornece importantes

reflexões acerca do sigilo fiscal e as reais condições para efetivar a sua quebra:

No momento em que o contribuinte fornece informações ao Estado, espera-se que a proteção a sua privacidade esteja garantida, bem como que suas informações sejam armazenadas de forma confidencial; a informação não será coletada ou utilizada caso não seja necessária e relevante para a Administração Tributária; identificada certa informação do contribuinte, deverá ser utilizada somente para o propósito para o qual foi coletada; por fim, informação do contribuinte, além de confidencial, poderá ser repassada somente para pessoa determinada ou autorizada por lei. Membros do Estado têm o dever de proteger direitos fundamentais e liberdade da pessoa natural, em particular o direito à vida privada e intimidade com respeito ao sigilo dos seus dados pessoais, conduzindo-se para o explícito reconhecimento ao direito à privacidade. Assim tem-se que, de acordo com a ponderação dos valores fiscalização e vida privada, bem como a prevalência do devido processo legal, para haver quebra do sigilo fiscal faz-se necessário que o ato restrito de direito fundamental seja motivado. [...] Todo cidadão tem direito a garantia constitucional da sua privacidade, portanto somente o Poder Judiciário pode permitir a quebra do sigilo por

28 NETO, Halley Henares. Lei de acesso à informação – aspectos relativos ao sigilo fiscal e ao procedimento administrativo tributário. WHITAKER, Fernando Brandão (coord.). Temas atuais de Direito Tributário. Revista do Advogado, nº 118, São Paulo, dez. de 2012, Ano XXXII, nº 118, p.121-133, 2012. 29 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 674.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

263

parte do Fisco, sob pena de menosprezar a função jurisdicional própria do Poder Judiciário.30

A discussão a despeito do sigilo foi estrategicamente restrita ao âmbito fiscal,

porém, não poderia deixar de ser mencionado que as questões sobre o sigilo são

originárias de um prolongado debate jurídico na esfera financeira.

Como demonstrado, o sigilo fiscal requer contemplações aos princípios que

idealizam o Estado, destacando o da Legalidade e o da Supremacia do Interesse

Público Sobre o Particular; e aos princípios que resguardam Direitos Fundamentais,

como o da Liberdade, Dignidade da Pessoa Humana, Privacidade, Sigilo aos Dados,

entre outros. Para que por meio de uma relação equilibrada, seja assegurada uma

boa prestação de serviço.

Conquanto, embora a troca de informações por meio do cruzamento

eletrônico de dados seja uma realidade em propagação e de que há o entendimento

deque os limites constitucionais devem ser respeitados perpetuamente, o receio do

contribuinte quanto à administração de seus dados será permanente, uma vez que a

tecnologia propicia cada vez mais, maiores reestruturações ao Direito.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada teve o intuito de demonstrar as principais produções

legislativas e as atualizações comunicacionais que pautaram a informatização do

Direito Tributário até o momento. A acessibilidade da internet no país alterou fatores

sociais e exigiu do Direito uma reformulação em sua linguagem e interpretação,

ultrapassando o seu tradicional conservadorismo.

Outrossim, não se deve deixar de lado aspectos doutrinários que asseguram

as coerências necessárias nas relações jurídicas tributárias, ainda que concebidas

num ambiente totalmente informatizado. E esse aspecto, é o que evidencia

atualmente um verdadeiro choque de linguagens, envolvendo neste contexto as

mais variadas linguagens.

O estudo empreendido buscou chamar a atenção para a realidade do

contribuinte nacional, que é a maior prova deste choque ao arcar com uma série de

30 GUIMARÃES, Adriana Esteves. Sigilo fiscal e ponderação dos interesses na era da informatização. WHITAKER, Fernando Brandão (coord.). Temas atuais de Direito Tributário. Revista do Advogado, nº 118, São Paulo, dez. de 2012, Ano XXXII, nº 118, p.121-133, 2012.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

264

imposições relativas aos seus deveres fiscais, vendo-se obrigado a “entender” um

amplo e complexo aparato legal, a investir em tecnologias e em capacitações

profissionais cada vez mais diversificadas para tentar acompanhar a velocidade do

ente tributante. E além das variadas possibilidades de monitoramento a que fica

exposto, deve ficar atento e vigilante sobre os novos meios de comunicação

aderidos.

Na seara tributária, destacou-se a atuação da Receita Federal que

representou e continua representando muito bem o papel de órgão público que

investe positivamente em inovações tecnológicas e na prestação de seus serviços,

de forma eficaz. No entanto, não se pode ignorar que esse comportamento excede o

caráter visionário, social e constitucional, atingindo o ilustre interesse na celeridade e

consequente acréscimo da arrecadação.

Os novos formatos de deveres instrumentais desenvolvidos, seguramente,

representam um excelente pioneirismo do Direito no âmbito federal em adequação a

sociedade em rede. Embora algumas inovações ainda esbarrem em debates

políticos e sofram certa morosidade, estão se concretizando num aperfeiçoamento

de forma contínua.

O fato é que, a informatização e a velocidade advinda com ela, alteraram o

relacionamento do contribuinte com o fisco, afetando principalmente a liberdade de

ação, uma vez que o monitoramento é cada vez mais avançado e expansivo. O

aspecto “digital” possibilita o efeito “tempo real”, tornando-se um encargo para o

cumprimento dos numerosos deveres instrumentais por parte do contribuinte.

Refletindo sobre as elucidações apresentadas, apesar de todos os ônus e

custos inevitáveis a título de um dos lados desta relação, é válido o reconhecimento

a todos os esforços desempenhados e aos resultados obtidos pela Receita Federal

do Brasil, pois traduzem investimentos acertados em celeridade e otimização

procedimental, modernização, padronização de linguagens, além da abertura de

precedentes para a gradativa redução de custos e a possibilidade da pretendida

simplificação comunicacional fisco-contribuinte.

Sobre o Direito Tributário Eletrônico, chega-se a seguinte conclusão: A

superação a tantos desafios presentes será viável na medida em que o fisco

realmente permitir e ampliar uma coerente tradução linguística aos contribuintes.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

267

REFLEXÕES SOBRE O DIREITO URBANÍSTICO NO BRASIL,

A EFICÁCIA DE SEUS PRINCÍPIOS E O PLANO DIRETOR

REFLECTIONS ABOUT THE URBAN LAW IN BRAZIL

THE EFFECTIVENESS OF ITS PRINCIPLES AND THE MASTER

PLAN

Maria Alice Dib Crippa 1

Regina Maria Bueno Bacellar 2

1 Graduando de direito do Centro Universitário Curitiba 2 Advogada Consultora, possui graduação em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1985), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e especialização em Ecologia e Direito Ambiental. Atualmente leciona no curso de graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA e em Cursos de Pós Graduação realizados pelas seguintes Instituições de Ensino: UNIFAE, UNIBRASIL, FEMPAR. Possui experiência nas áreas de Direito Civil, Administrativo, Ambiental, Urbanístico e Direito de Energia/Regulatório. Membro das Comissões da Mulher Advogada e do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

269

RESUMO

O presente artigo objetiva introduzir a importância do Direito Urbanístico no Brasil,

pois em decorrência do fenômeno da urbanização, muitas cidades sofreram intensas

transformações, acarretando problemas sociais e estruturais de bastante significado.

Nesse contexto, é de grande importância o planejamento urbano, por parte do Poder

Público Municipal. Este estudo, visa expor a evolução do direito urbanístico no

Brasil, e demonstrar por meio dos fatores sociais, econômicos e políticos, os motivos

do surgimento de institutos do Direito Urbanístico, e políticas urbanas, que ordenem

a utilização do solo urbano, ensejando assentamentos urbanos mais justos e

racionais. Intenta ainda, dissertar sobre a política urbana e sua tutela constitucional,

e o principal instrumento urbanístico: o Plano Diretor, demonstrando seu conceito,

objetivos, natureza jurídica, as hipóteses em que este se torna obrigatório, como

funciona sua elaboração, implantação, fiscalização, e ainda, mostrando como esse

instrumento de planejamento urbano pode ser um importante aliado na melhoria da

qualidade das cidades, e consequentemente, para a melhoria de vida dos cidadãos.

Palavras-chave: Urbanismo, Direito Urbanístico, Instrumentos urbanísticos, Plano

Diretor.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

270

ABSTRACT

This article aims to introduce the importance of urban law in Brazil as a result of the

phenomenon of urbanization; many cities have undergone many changes, leading to

social and intense structural problems. In this context, it is very important the urban

planning to the municipal government. This study aims to explain the evolution of

urban law in Brazil, and demonstrate through social, economic and political reasons

for the emergence of institutes of urban law and urban policy, ordering the use of

urban land, allowing for urban settlements more fair and rational. Attempts a lecture

on urban policy and its constitutional protection, and the main urban instrument: the

Master Plan, outlining the concept, objectives, legal nature, the assumptions on

which this becomes mandatory, as it works its preparation , implementation,

monitoring , and also showing how this instrument of urban planning can be an

important ally in improving the quality of cities, and consequently to improve the lives

of citizens.

Keywords: Urbanism, Urban law, Urban planning instruments, Master Plan.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho introduz algumas noções jurídicas sobre o tema Direito

Urbanístico. O tema escolhido tem sua importância devido à ocupação desordenada

do espaço urbano no Brasil, marcado pela deficiência de qualidade dos serviços de

infraestruturas sociais, a exemplo de saneamento básico, saúde e transporte, aliada

à falta de planejamento público, ocupação predatória de áreas inadequadas, e

ainda, pela agressão ao meio ambiente natural, poluição da água, do ar, e das

paisagens; corroborando assim, para a degradação da qualidade de vida do homem

nas cidades.

Em decorrência do fenômeno da urbanização, muitas cidades sofreram

intensas transformações, acarretando problemas sociais e estruturais de bastante

significado.

Nesse contexto, um instrumento importante é o planejamento urbano, por

parte do Poder Público Municipal, que pode não ser somente um mecanismo de

gestão territorial urbana, mas também, de qualidade de vida, podendo ser exercido

por meio do Plano Diretor.

Justifica-se a importância do assunto em razão das transformações no Direito

Urbanístico depois da Lei 10.257 de julho de 2001, a qual veio disciplinar uma nova

concepção do uso do solo urbano, em função da necessidade premente de

disciplinar e ordenar o assentamento humano nas cidades.

Portanto, esta pesquisa, intenta analisar algumas noções introdutórias sobre

o Direito Urbanístico, dissertando sobre a política urbana e sua tutela constitucional,

seus princípios, e principalmente sobre um instrumento de planejamento específico:

o Plano Diretor, mostrando como esse instrumento de planejamento urbano pode

ser um importante aliado na melhoria da qualidade das cidades, e

consequentemente, para a melhoria de vida dos cidadãos.

A metodologia da pesquisa utilizada foi doutrinária e legal para trazer ao

trabalho definições e conceitos dos vários temas ligados ao Direito Urbanístico,

apresentando ainda uma interpretação jurídica e interdisciplinar das normas já

positivadas no ordenamento brasileiro, enfatizando a efetividade dos princípios do

Direito Urbanístico e do Plano Diretor.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Além desta introdução, o trabalho contém três capítulos de

desenvolvimento teórico. O primeiro conceitua a ciência do Urbanismo, definindo os

fenômenos de urbanização e urbanificação como os responsáveis pela necessidade

de ordenação do espaço urbano. A segunda parte define o que vem a ser o Direito

Urbanístico, com destaque para a delineação de seus princípios fundamentais. O

terceiro capítulo é uma síntese dos estudos sobre o Plano Diretor, seu conceito e

sua aplicabilidade.

Não se pode afirmar que as cidades estejam atendendo à sua missão

social, tão definida no ordenamento jurídico vigente, visto que a maioria da

população não tem acesso à moradia, transporte público, saneamento, cultura,

lazer, segurança, educação, saúde, etc.

Por isso, o presente trabalho objetiva produzir uma análise, ainda que

superficial, da eficácia do Direito Urbanístico na sociedade, notadamente pelo

estudo das legislações e instrumentos de política urbana em vigor.

2 O URBANISMO COMO ORDENAÇÃO DO ESPAÇO HABITÁVEL

É fundamental definir o conceito de Urbanismo, antes de qualquer estudo

sobre a matéria. Em face disso, é necessário analisar a Cidade, seus conceitos,

para em seguida aprofundar o debate sobre as questões relativas à efetividade do

Direito Urbanístico, principalmente a função social da Cidade, e um dos instrumentos

urbanísticos mais importantes: O Plano Diretor.

A definição de cidade como é hoje conhecida decorreu do fenômeno da

urbanização, que é o processo no qual a população dos centros urbanos cresce

desproporcionalmente em relação à população rural, que migra em virtude da

mecanização do campo e perspectivas de melhoria financeira. Ou seja, trata-se de

um fenômeno de concentração de pessoas. (SILVA, 2006, p. 26)

Com a ocupação desordenada em decorrência da urbanização, surgiram

problemas no espaço habitado, como a falta de infraestruturas sociais (saneamento

básico, saúde e transporte), aliada à falta de planejamento público; o crescente

consumismo das populações; a poluição do meio ambiente; a ausência de áreas

verdes nas cidades; o surgimento do desemprego; e a utilização do solo e do

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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subsolo de forma irracional. Estes e muitos outros fatores, vem causando problemas

de ordem social e ambiental, que alteram a qualidade de vida de seus habitantes.

É diante desse quadro de dificuldades das cidades, que surge a

urbanificação, entendida precisamente como o conjunto de medidas que procuram

modificar o espaço, retificando os problemas surgidos com a urbanização. O termo

foi criado por BARDET (1990, p. 7) para designar a aplicação dos princípios do

urbanismo, utilizando o raciocínio que a urbanização era o mal (crescimento

desordenado) e a urbanificação o remédio (reorganização, reestruturação das

cidades).

O crescimento desorganizado das cidades juntamente com o aumento dos

problemas estruturais e sociais decorridos da urbanização desordenada, tem

causado grandes preocupações sobre os mecanismos de proteção e defesa do

bem-estar dos habitantes da cidade, fazendo-se necessário estudos aprofundados

para uma ocupação ordenada do espaço urbano.

No entanto, a proposição de um planejamento urbano em que se estabeleça

a melhor forma de ocupação do território, passa a ser primordial, e esta é uma das

principais finalidades do Direito Urbanístico.

A disciplina do direito do urbanismo, bem como toda a matéria da questão

urbana, vem alcançando nos últimos anos no mundo, e especialmente no Brasil,

relevância e importância acadêmica e prática em razão dos efeitos da chamada

nova ordem urbanística na vida dos cidadãos, na estrutura do estado e em conceitos

jurídicos e políticos como o da propriedade privada, da democracia e da participação

popular.

Conforme SILVA (2006, p. 30), o direito urbanístico é “a disciplina que tem

por objeto regular a atividade urbanística e disciplinar a ordenação do território”.

Para o autor, são objeto do direito urbanístico a disciplina do planejamento urbano, o

uso e ocupação do solo urbano, as áreas de interesse especial, a ordenação

urbanística da atividade edilícia e a utilização dos instrumentos de intervenção

urbanística.

De acordo com Correia (2000. p. 45.):

O direito do urbanismo como conjunto de normas e de institutos respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, isto é, com suas devidas intervenções e diferentes formas de utilização deste; seja para fins

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de urbanização, e de construção, agrícolas e florestais, de valorização e proteção da natureza, de recuperação de centros históricos, etc.

Pode-se ainda, conceituar o direito urbanístico como "o ramo do direito

público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que devem reger

os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo". (MEIRELLES, 1985, p. 513.)

Com isso, pode-se ainda concluir, que o direito do urbanismo refere-se

não só as intervenções urbanísticas, mas a todo o referencial contido na disciplina

do urbanismo. Assim, o direito do urbanismo se caracteriza como um direito novo,

amplo, aberto e evolutivo, corretor das desigualdades, condicionador do exercício

dos direitos subjetivos dos cidadãos e vinculado aos princípios do Estado Social e

Democrático de Direito.

3 PRINCÍPIOS DO DIREITO URBANÍSTICO

A atuação do direito urbanístico se opera tanto pelas normas positivadas

no ordenamento jurídico como também pela eficácia de seus princípios.

Os princípios têm a função de orientar o trabalho interpretativo, regular a

atividade discricionária, e ainda em caso de insuficiência da norma legal, este terá

sua função aplicada. Pode-se dizer, portanto, que todo princípio jurídico é fonte

supletiva de Direito, diante da ausência de lei ou de costume.

De acordo com Silva (2004, p.92) “os princípios são ordenações que se

irradiam e imantam os sistemas de normas, são núcleos de condensações nos quais

confluem valores e bens constitucionais. ”

Sendo o direito urbanístico disciplina em formação, seus princípios ainda

não estão integralmente consolidados. Todavia, dada a intenção desta disciplina

alcançar sua autonomia, já são a ela reconhecíveis princípios e características

particulares.

A Constituição Federal de 1988, consolidou princípios políticos,

econômicos e sociais em matéria de política urbana, como exemplos, a Função

Social da Propriedade, o Planejamento Urbano, e a Função Social da Cidade, entre

outros.

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Princípio da função social da propriedade:

O princípio da função social da propriedade tem como base que se a

propriedade é reconhecida e amparada pelo Poder Público, também deve

harmonizar-se o exercício de suas faculdades com os interesses da coletividade.

Portanto, é permitido ao poder público exigir o cumprimento dos deveres e

obrigações do proprietário de aproveitar o solo urbano em benefício da coletividade,

o que implica no atendimento ao interesse social.

A função social pode se confundir com o próprio conceito de propriedade,

diante de caráter inafastável de acompanhamento. Deve atender aos interesses

sociais, o bem comum, visando uma destinação positiva que deve se dada a coisa.

(TARTUCE; SIMÃO, 2004, p.129.)

A expressão “função social” é enfatizada no texto constitucional repetidas

vezes. O proprietário deve utilizar-se de sua propriedade conjugando ao seu

interesse particular, o interesse social. Ou seja, é preciso que o proprietário use sua

propriedade de forma condizente com os fins sociais a que ela se preordena.

A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, ao inserir em seu

corpo um conjunto de disposições sobre a propriedade, garante que esta deve

atender a sua função social. O presente princípio também está expresso no artigo

1228, parágrafo 1º do Código Civil.

Tanto o direito da propriedade quando a função social da propriedade,

compõem o rol dos direitos e garantias fundamentais.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.”

E isto implica que ambos, têm aplicação imediata, por força do disposto

no §1º do citado art. 5º, que dispõe:

“§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Ainda, no título VII, a Constituição Federal, inscreve a propriedade e sua

função social como princípio da ordem econômica, deixando claro que ambos, além

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de trazerem em si um cunho social, também apresentam interesse econômico

relevante:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade;

De acordo com SILVA (2008, p. 45), o princípio de que o urbanismo é

função pública "fornece ao Direito Urbanístico sua característica de instrumento

normativo, pelo qual o poder público atua no meio social e no domínio privado, para

ordenar a realidade no interesse coletivo, sem prejuízo do princípio da legalidade."

O princípio da função social da propriedade permite a instrumentalização

e a adequada ordenação da cidade, possibilitando a intervenção direta do Estado na

propriedade particular, sempre obedecendo ao princípio da legalidade, visando o

interesse da coletividade em detrimento do particular, constituindo, desta forma, o

principal meio para solucionar os problemas que assolam as grandes cidades.

(TARTUCE, 2012. p. 111-115).

Ainda, é de grande relevância o posicionamento de Figueiredo e Dallari,

(1991.p. 149):

“A concretização da teoria da função social da propriedade importa em se exigir do titular não apenas determinados comportamentos negativos (poder de polícia), mas, igualmente, comportamentos positivos. Pois, o uso da propriedade há de estar entrosado com a utilidade coletiva, de tal modo que não implique uma barreira capaz de impedir a realização dos objetivos públicos.”

Contudo, a função social da propriedade rural é bastante distinta da

função social da propriedade urbana. Fato que, desta última, pode-se notar

inúmeras exigências sociais, como por exemplo, exigência de habitação, circulação,

de recreação, de trabalho, de preservação do meio ambiente, de preservação do

nosso patrimônio histórico e cultural, etc.

Com relação a propriedade urbana, a Constituição Federal preceitua que

a mesma cumpre sua função social, conforme se vê no artigo 182, parágrafo 2°, o

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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qual dispõe: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.

De acordo com SILVA (2006. p. 46):

“Com as normas dos artigos 182 e 183, a Constituição fundamenta a doutrina segundo a qual a propriedade urbana é forma e condicionada pelo Direito Urbanístico a fim de cumprir sua função social específica: realizar as chamadas funções urbanísticas de propiciar habitação (moradia), condições adequadas de trabalho, recreação e de circulação humana. ”

Portanto, pode-se notar a relevância do princípio social da propriedade, o

qual se estende por todo o campo de incidência das normas urbanísticas. Por isso,

podemos afirmar, com segurança, ser este um princípio fundamental, típico de

Direito urbanístico, verdadeira diretriz a nortear toda a ordenação do território.

Planejamento Urbano:

Outro princípio seria o da planificação urbana, que tem como fundamento,

ser o instrumento normativo básico para a ordenação urbana, ou seja, o mecanismo

principal das realizações do urbanismo.

Afirma Silva (2006, p.89), que "o planejamento, em geral, é um processo

técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos

previamente estabelecidos”.

O planejamento, é sem dúvida uma tarefa essencial da administração das

empresas e nas instituições privadas. Apenas recentemente é que as

administrações públicas passaram a utilizar-se do planejamento como forma de

melhorar a gestão estatal.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu competências para a

elaboração de diversos planos urbanístico para cada um dos entes da federação.

Dentre os instrumentos de planejamento urbano destaca-se o Plano

Diretor como instituto que estabelece as exigências fundamentais de ordenação da

cidade, sendo ele positivado na legislação brasileira como instrumento básico da

política de desenvolvimento e expansão urbana. É que o dispõe o §1º do artigo 182,

da Constituição Federal de 1988:

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Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

Por fim é preciso ressaltar que ao planejamento urbano aplicam-se

diretrizes, principalmente aquelas que democratizam a gestão da cidade, como a

consideração da realidade local e as necessidades da população; a participação

popular direta; a linguagem simplificada e acessível a qualquer cidadão, e ainda, um

sistema de informações sobre a vida da cidade.

Aponta ainda Silva (2006. p. 89-90), que o planejamento deve observar as

seguintes diretrizes: a) o processo de planejamento é mais importante do que o

plano; b) o processo deve elaborar planos adequados à realidade do Município; c)

os planos devem ser exequíveis; d) o nível de profundidade dos estudos deve ser

apenas o necessário para orientar a ação da municipalidade; e) a

complementariedade e a integração de políticas, planos e programas setoriais; f) o

respeito e a adequação à realidade regional, além da local e em consonância com

os planos e programas estaduais e federais existentes, e g) democracia e o acesso

às informações possíveis.

Função Social da Cidade:

A cidade é, com certeza, um espaço marcado pelos conflitos que retratam

as desigualdades sociais e os problemas urbanos. O direito do Urbanismo, ao

identificar essas necessidades para elaborar soluções factíveis, deve preocupar-se

primeiramente com as relações sociais existentes.

A medida urbanística satisfatória é aquela que contribui não só para a

resolução do problema urbano (ponde, edifício, ou rua), mas para a solução de

conflitos sociais. Por isso, é que se denota que as cidades têm como funções sociais

a cumprir as medidas que garantam a construção de cidades sustentáveis, em que o

direito ao meio ambiente, à moradia, à terra urbana, ao saneamento e infraestrutura,

ao transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer sejam contemplados, tanto

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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para as gerações presentes quanto para as futuras. (SAULE JUNIOR, 1997. p. 21-

23)

Pode-se concluir que a cidade, para cumprir sua função social, deve

garantir suas funções essenciais como habitação, trabalho, lazer e circulação, de

forma a diminuir as desigualdades sociais, atendendo toda a coletividade.

Esse princípio busca garantir o Direito à cidade a todos os habitantes. E

como bem enfatiza Saule Junior (1997.p.21-23):

“O direito à cidade compreende os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades de ter condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania, de ampliar os direitos fundamentais (individuais, econômicos, sociais, políticos e ambientais), de participar da gestão da cidade, e de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável”.

Portanto, desta conceituação destaca-se três elementos para que o

habitante tenha seu direito à cidade: a melhoria da qualidade de vida, a participação

política exercida por meio da cidadania, e o desenvolvimento sustentável.

4 A GESTÃO URBANA E O PLANO DIRETOR

Para que a propriedade e principalmente a cidade alcancem a sua função

social, a gestão urbana deve se basear nos princípios da eficiência, eficácia e

equidade na distribuição dos recursos e investimentos públicos gerados a partir da

cidade e revertidos em prol de seu desenvolvimento.

Para tal, deve o governo municipal dispor de instrumentos que lhe permitam

intervir de forma a resolver e amenizar os conflitos.

A Constituição Federal de 1988 preocupou-se seriamente com a política

urbana, e, inserido nesse cenário, possui singular importância o plano diretor,

colocado como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão

urbana.

A expressão ‘plano diretor’ passou por diversas acepções, em razão do

tratamento dado pela legislação específica dos Municípios brasileiros que já

utilizavam esse instrumento. Bortel, (2008. p. 241), em artigo sobre a matéria,

enfatiza que:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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“A expressão “plano diretor” é utilizada no Brasil, ao lado que outras semelhantes, desde a década de 30. Assim, via de regra, cada cidade entendeu que a Constituição havia adotado o conceito por ela anteriormente praticado. Entretanto, o significado da expressão variou no tempo e no espaço. Em cada cidade e época, ela designou um documento de conteúdo distinto”.

É de grande importância salientar o que dispõe Meirelles, (1985. p. 341 e

342):

“O Plano diretor é um instrumento necessário à administração municipal. Deve ser a expressão técnico-legal das próprias e legítimas aspirações dos munícipes, quanto à ordenação e desenvolvimento do território municipal – cidade e campo -, no seu aspecto físico (plano urbanístico propriamente dito), e social (organização comunitária). A planificação territorial deve abranger a área urbana e rural, como elementos indissociáveis e integrativos da unidade constitucional primária que é o Município. Não se compreende mais a cidade divorciada do campo. A cidade não tem hoje em dia, expressão autônoma, nem é dotada de personalidade jurídica ou política. A entidade jurídica personificada e politicamente autônoma é o Município. Eis porque o Plano Diretor há de contemplar todo o território municipal, no seu conjunto urbano e rural dispondo sobre o uso da terra, o sistema viário, o traçado da cidade e vilas, zoneamento, arruamentos, loteamentos, espaços verdades, áreas livres, edificações públicas e particulares, serviços públicos e de utilidade pública, preservação paisagística e monumental, e o que mais se relacionar com o bem-estar da população local”.

Portanto, o Plano Diretor do Município deve expressar, através de normas,

plantas, projetos e regulamentação legal que o acompanhem, as aspirações da

coletividade, no que toca ao desenvolvimento da área planificada, ou seja, cidade e

campo, a fim de proporcionar o maior bem ao maior número de habitantes.

O conceito e objetivos do Plano Diretor

Salvo a Constituição Brasileira de 1988, as demais nunca mencionaram a

expressão Plano Diretor. Essa, no artigo 182, Parágrafo primeiro; não só se referiu

como deu ao Plano Diretor as notas substanciais de seu regime jurídico e

prescreveu sua principal finalidade, pois estabeleceu que:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

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Ou seja, a Constituição refere-se que a propriedade urbana cumpre sua

função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade

expressas no plano diretor. Não obstante essa preocupação, não lhe deu qualquer

definição. A definição de Plano Diretor coube ao Estatuto da Cidade. Com efeito,

estatuto o art. 40 desse diploma legal que o Plano Diretor, aprovado por lei

municipal, “é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão

urbana”.

Para Meirelles (1993, p. 393), Plano Diretor “é o complexo de normas legais e

diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os

aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade

local”.

Com isso, pode-se entender que o Plano Diretor, em sentido local, deve ser

entendido como o programa integral e perene de desenvolvimento do Município, no

que concerne ao crescimento urbano e melhoramento de suas condições de vida,

visando a conduzir a cidade e o campo aos índices racionais de progresso que seus

habitantes almejam.

Já Mukai (2001. p. 33), entende o Plano Diretor como um “instrumento legal

que visa propiciar o desenvolvimento urbano do Município, fixando diretrizes

objetivas (metas), programas e projetos para tanto, em horizonte de tempo

determinado”.

Entende-se, portanto, que o Plano Diretor é lei municipal sistematizadora

do desenvolvimento físico, econômico, social e administrativo do Município, em

função do bem-estar de sua população.

Segundo Silva (1995. p. 123.), é considerado Plano Diretor, pois

estabelece os objetivos que deverão ser atingidos, os prazos em que ditos objetivos

deverão ser alcançados, as atividades que deverão ser executadas e os

responsáveis pela respectiva execução. E é diretor, na medida em que fica as

diretrizes e os princípios do desenvolvimento urbano municipal.

Ainda importante asseverar que não devem ser confundidos o significado

técnico de Planejamento e de Plano Diretor. Planejamento é toda ordenação de

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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realizações para execução futura, podendo referir-se tanto às realizações

administrativas quanto aos materiais. Como ensina Meirelles (1985. p. 344.):

“Planejamento (planning) é metodização, cálculo, previsão para a consecução de qualquer empreendimento racional; e Plano Diretor (Master Plan) é o conjunto sistemático de previsões e programas de realizações materiais e sociais para o desenvolvimento integral de uma comunidade ou região.”.

Os objetivos do Plano Diretor devem convergir sempre para a realização

harmônica e equilibrada das quatro funções essenciais que o homem desempenha

no convício social: habitação, trabalho, recreação e circulação.

O Plano Diretor, deve guiar a cidade para o máximo de conforto aspirado

por seus habitantes, e realizável dentro da realidade física, econômica, social e

cultural que o Município puder propiciar. Os objetivos do Plano deverão ser

concretos e exequíveis dentro dos recursos existentes ou justificadamente

esperados num prazo razoável, que permita a cada geração converter em realidade

o que sensatamente idealizou.

Natureza Jurídica do Plano Diretor

O Plano Diretor é uma lei, conforme se infere do art. 182 da Constituição

Federal, pois aí está prescrito que deve ser aprovado pela Câmara Municipal. Esta,

também é retirada do artigo 40 do Estatuto da Cidade, cujo texto traz a locução:

aprovado por lei municipal. Portanto, podemos considerar que a natureza do Plano

Diretor é de lei.

Segundo ensinamentos de Silva (1985. p. 344.), os “planos urbanísticos são

aprovados por lei. Ou seja, é uma exigência do princípio da legalidade no sistema

brasileiro, que não admite que se criem obrigações e se imponham

constrangimentos senão em virtude de lei”. É lei em sentido formal e material.

Obrigatoriedade

Conforme já analisado no capítulo anterior, o § 1° do art. 182 da

Constituição Federal prescreve a obrigatoriedade do Plano Diretor para cidades com

mais de vinte mil habitantes. O Estatuto da Cidade, por sua vez, no § 2°, do art. 40,

foi mais além ao enfatizar que “O Plano Diretor deverá englobar o território do

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Município como um todo”, ou seja, o Estatuto da Cidade determinou a submissão de

todos os núcleos urbanos nele existentes às suas regras, condições e objetivos.

Também será assim nas hipóteses em que o Plano Diretor é obrigatório

para o Município que pretenda utilizar os instrumentos do parcelamento, da

edificação e utilização compulsórios; que pertença à área de especial interesse

turístico, ou que esteja inserido em área de influência de empreendimentos; ou

atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; ou

ainda que esteja integrado na região metropolitana ou aglomeração urbana. Assim

como dispõe o artigo 41 do Estatuto da Cidade:

Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. § 1º No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadradas no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas. § 2º No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.

Ainda, há autores como Mukai, (2000. p 327), que quando abordam o

tema, dispõem: “O Ideal seria que todas as cidades, independentemente de seu

contingente populacional, estivessem obrigadas a contar com este tão importante

instrumento que é o Plano Diretor.”

A obrigatoriedade ainda se encontra no parágrafo primeiro, do artigo 182

da Constituição Federal, que dispõe:

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

Embora a Constituição Federal mencione, no § 1°, do art. 182, a palavra

“cidade”, cremos ser correto entendê-la como sinônimo de Município, pois o que se

deseja com o Plano Diretor é a melhoria das condições de vida dos munícipes,

estejam eles na zona urbana ou rural. Essa ideia mais se firma na medida em que o

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Estatuto da Cidade no art. 40, § 2°, prescreve que o “plano diretor deverá englobar o

território do Município como um todo”. Não se atenderia essa determinação se não

se considerasse a expressão cidade como sinônimo de Município.

Elaboração do Plano Diretor

A competência para elaborar o Plano Diretor é do Município, pois lhe cabe

executar a política urbana, cujo principal instrumento para efetivá-la é o Plano

Diretor, conforme o art. 182 e seu parágrafo 1° da Constituição Federal. Dentro do

Município, a responsabilidade pela elaboração do Plano Diretor cabe ao Executivo,

em razão da competência administrativa que lhe é constitucionalmente assegurada.

Assim, a Administração Pública Municipal, realizará com seus próprios recursos

materiais e aproveitamento de seus servidores.

Segundo Jorge Wilheim (WILHEIM apud SILVA, 2006. p 127), indica as

várias etapas da elaboração do Plano Diretor: a) estudos preliminares (avaliação

sumária da situação e dos problemas de desenvolvimento urbano, estabelece as

características e o nível de profundidade dos estudos subsequentes e institui a

política de planejamento municipal); b) diagnóstico (pesquisa e análise em

profundidade dos problemas de desenvolvimento, identifica e considera as variáveis

para a solução desses problemas e prevê sua evolução); c) plano de diretrizes (fixa

a política para a solução dos problemas escolhidos e fixa objetivos e diretrizes da

organização territorial); d) instrumentação do plano (estudo e elaboração do

instrumento de atuação, de acordo com as diretrizes estabelecidas, e identifica as

medidas para atingir os objetivos escolhidos).

Conteúdo mínimo do Plano Diretor

Substancialmente, afirmam os especialistas, o Plano Diretor trata, em

termos de conteúdo, do aspecto físico da ordenação do solo urbano, do aspecto

social da população relativo à melhoria da qualidade de vida e do aspecto

administrativo da atuação municipal. O Estatuto da Cidade, estabeleceu o conteúdo

mínimo para o Plano Diretor nos incisos do art. 42.

Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo: I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei; II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle.

O Plano Diretor portanto, deverá considerar todos os elementos vitais do

desenvolvimento do perímetro urbano e da zona rural do Município, estudando e

dispondo das seguintes informações: 1) Planta geral do município, com sistema

viário e demais elementos característicos da zona rural; 2) Planta cadastral da

cidade, com sistema viário e demais elementos característicos do perímetro urbano

e suburbano; 3) Plano de Zoneamento; 4) Código de Obras; 5) Plano de espaços

livres, com áreas de recreação; 6) Plano de obras e sérvios de utilidade pública; 7)

Planta esquemática geral, com os projetos para as obras e serviços futuros; 8)

Anexos explicativos do Plano Diretor e de sua execução, referentes a todos os seus

elementos e etapas de realização, que constituem os planos executivos; 9)

Legislação asseguradora da implantação do Plano Diretor. (MEIRELLES, 1985. p.

358-359).

Audiências e Debates públicos

No processo de elaboração do Plano Diretor, prescreve o § 4° do art. 40

do Estatuto da Cidade, que o Legislativo e o Executivo garantirão: “I – a promoção

de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos

documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos

documentos e informações produzidos”.

Se essa garantia não for real, efetiva, ou se for obstada, pode o Prefeito

Municipal incorrer em improbidade administrativa, conforme previsto no art. 52, VI,

desse diploma legal. De sorte que, essa garantia só será válida se o Executivo,

durante a elaboração do Plano Diretor, e o Legislativo, durante a tramitação do

respectivo projeto de lei pela Câmara de Vereadores, tomarem todas as

providências no sentido de marcar, com tempo, as audiências e debates públicos,

convocando para eles a população e os segmentos representativos da comunidade,

fornecendo-lhes, sempre a tempo, os estudos, desenhos, plantas, documentos e

justificativas correspondentes, propiciando, assim, suporte a essas discussões

públicas.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Instituição do Plano Diretor

A lei do Plano Diretor deve ser instituída com estrita observância do

processo legislativo municipal, previsto na Lei Orgânica do Município e no

Regimento Interno da Câmara de Vereadores, no que respeita à iniciativa, às

emendas, ao número de deliberações, à rejeição e ao quórum de aprovação, que via

de regra é de dois terços dos membros da Câmara de Vereadores. (MEIRELLES,

1985. p. 508.).

Observe-se, ademais, que o processo legislativo de instituição do Plano

Diretor não é o comum, pois no início ou em algum momento de sua cronologia a

Câmara de Vereadores há de garantir, nos termos do art. 40, § 4°, I, do Estatuto da

Cidade, a realização de audiências públicas e debates com a participação da

população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade,

como verificou-se no subtítulo anterior.

Assim, a Câmara de Vereadores deve dispor em seu Regimento Interno

sobre o cumprimento dessas obrigações, prescrevendo quantas serão as audiências

e debates, o momento e o local de sua realização, como serão convocados os

segmentos representativos da comunidade e a própria população e com que

antecedência serão eles informados e municiados com cópias do projeto de lei do

Plano Diretor e dos documentos e informações que lhe são pertinentes.

Uma vez aprovado pela Câmara de Vereadores, o respectivo projeto é

remetido ao Prefeito Municipal para sanção ou veto. Sanção é a concordância do

Executivo com o projeto de lei aprovado, instituindo o Plano Diretor. Pode ser

expressa ou tácita. Esta se dá quando aquela não for exercitada tempestivamente.

Veto é a expressa oposição, parcial ou total, do Executivo ao projeto de lei aprovado

pelo Poder Legislativo Municipal.

Se sancionada, ainda que com vetos, a lei do Plano Diretor deve ser

promulgada e publicada, entrando em vigor na data indicada, conforme determinado

pelo art. 8° da Lei Complementar federal n° 95, de 26.02.98, que dispõe sobre a

elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, editada nos termos do

parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Unicidade do Plano Diretor e sua Atualização

Segundo Meirelles (1985. p. 394.), “o Plano Diretor deve ser uno e único,

ou seja, assevera que o Plano Diretor não pode estar consubstanciado em várias

leis. Por dita razão, é uno, indivisível, e eventuais leis que venham alterar sua

estrutura, acolhendo ou proscrevendo institutos urbanísticos, não podem ser ditas

como Planos Diretores". Ou seja, não pode existir mais de um Plano Diretor.

Embora deva ser uno e único, não se descarta a obrigação de sua

atualização quando necessária ao atendimento das reivindicações da comunidade

ou do interesse público.

O Plano Diretor não é estático, exigindo, assim, constantes atualizações

pontuais. Tais atualizações não estão vedadas pela revisão decenal, determinada

pelo § 3° do art. 40 do Estatuto da Cidade. Essa revisão é mais profunda. Por ela

permite-se a reformulação das metas, dos objetivos e da própria política de

desenvolvimento e expansão urbana. As atualizações são intervenções mais

simples e indispensáveis à correção de anomalias verificáveis na implantação do

Plano Diretor. Tanto as atualizações, como as revisões periódicas, são obrigatórias.

Implantação e Fiscalização do Plano Diretor

Cabendo ao município a elaboração do Plano Diretor e sua instituição

mediante lei, também lhe compete a implantação e fiscalização de suas regras. Para

a implantação pode ser necessária a edição de leis específicas, de regulamentos de

execução e a elaboração de planos executivos. Já a fiscalização, compreende o

exercício do poder de polícia municipal.

É valido ainda salientar que a instituição do Plano Diretor visa a sua

implantação. Ou seja, o Plano Diretor deve revelar-se viável e exequível. A esse

respeito é oportuna a observação de José Afonso da Silva quando destaca que “A

principal virtude de qualquer plano está na sua exequibilidade e viabilidade. Um

plano que não seja exequível é pior do que a falta de plano, porque gera custos sem

resultados”. (SILVA, 2006. p 131.)

A Efetividade do Plano Diretor

Analisa-se as razões pelas quais muitas vezes o Plano Diretor não é

plenamente eficaz nem efetivo. O Plano Diretor que deveria nortear a política urbana

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do município eventualmente torna-se uma peça de conteúdo ideológico elaborada

por especialistas e sem aplicabilidade. Isto ocorre a partir de sua regulamentação

quando alguns institutos deixam de ser regulamentados ou a regulamentação não

alcança os objetivos propostos, ou ainda quando o plano é simplesmente

abandonado pelos governos posteriores à sua elaboração.

Como afirma Pasqualetto e Rodovalho, (2001, p. 58):

O Plano Diretor não deve ser apenas uma lei norteadora de princípios e estabelecedor de diretrizes genéricas para a política urbana a ser desenvolvida no município. Ele deve conter aspectos de ordem prática, programática que se reproduzam na legislação complementar de modo que esta traduza as soluções aos problemas levantados durante a fase de diagnostico pelos técnicos e da fase de discussão popular que antecedem sua elaboração. Por isso mesmo, é uma lei com duração pré-determinada devendo ser repensada em intervalos certos – um decênio parece um tempo adequado.

Apesar de se constituir em exigência constitucional os municípios não

atentam devidamente para o planejamento, principalmente no que tange às normas

legislativas que regulam o espaço urbano.

Porém, pode-se notar que em Curitiba, o Plano Diretor que foi aprovado pela

Lei nº 2.828/66, e publicada no DO de 16 de agosto de 1966; alcançou enorme

efetividade, mostrando que é possível seguir um Plano e ordenar a cidade de

maneira adequada, e com qualidade de vida aos cidadãos. A concepção e

elaboração desse Plano, até hoje em vigor, foi realizada pelo Instituto de Pesquisa e

Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC.

Segundo Silva (2000. p. 337):

“Reconhece-se, hoje, que o Município, onde o planejamento urbanístico alcançou êxito efetivo, foi o de Curitiba. Lá se implantou um processo permanente de planejamento urbanístico de bases simples e democráticas, elaborando-se Plano Diretor de caráter permanente urbanístico, para orientação e controle do desenvolvimento integrado do Município. ”

Outra lei-modelo, neste assunto, é a Lei Complementar n° 434, de 1999, que

dispôs sobre o desenvolvimento urbano do Município de Porto Alegre e institui o

Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano-ambiental de Porto Alegre.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Como o próprio título já indica, o referido plano já atende a duas das mais

importantes diretrizes do Estatuto da Cidade, aos incisos IV, VI e XII; (proteção,

preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio

cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico). Conforme Mukai (2006. p.

339), “O Estatuto da Cidade (Lei n°1-.257/2001) não é uma lei simplesmente

urbanística. Ela é uma lei urbana e ambiental. ”

O mesmo já não ocorre com a Lei em vigor no Município de São Paulo, Lei nº

7.688 de 30 de dezembro de 1979, que dispõe sobre a instituição do Plano Diretor

de Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo – PDDI-SP. Essa Lei de

São Paulo, além de estar bastante defasada em face da realidade da capital

paulista, é muito pobre em disposições urbanísticas. (MUKAI, 2006 p. 341).

Eis aí apenas um rápido apontamento de duas leis-modelo do País, em

matérias de planejamento urbano (Curitiba e Porto Alegre), e de uma Lei defasada

frente à realidade (a do Município de São Paulo).

5 CONCLUSÃO

Após o estudo horizontalizado do direito urbanístico, primando pela

pesquisa no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor, pode-se afirmar que o

urbanismo visa solucionar os principais problemas decorrentes da crescente

urbanização experimentada nos últimos séculos.

Percebe-se que o Direito Urbanístico admitiu a concepção moderna de

urbanismo, que busca tratar a cidade, do aspecto estrutural, econômico, jurídico,

ambiental, e principalmente social. Com isso, busca consolidar na legislação,

doutrina e jurisprudência pátrias, a eficácia de seus princípios fundamentais,

principalmente a função social da propriedade, o planejamento urbano, e as funções

sociais da Cidade.

Desta forma, o trabalho enfatiza que a constitucionalização do direito do

urbanismo surge em decorrência do relacionamento necessário entre princípios

constitucionais e a normatização das políticas urbanas.

O derradeiro capítulo, dispõe sobre o Plano Diretor, conceituando este

importante instrumento da política urbana, bem como sua natureza jurídica de lei, e

o processo legislativo de sua aprovação. Nota-se ainda os requisitos obrigatórios e o

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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conteúdo mínimo que deve estar presente nesta norma, inclusive com a promoção

de audiências públicas e debates com a participação da população.

Verifica-se ainda a competência do Município na elaboração, implantação

e fiscalização do Plano Diretor, sendo que este deve ser uno e único, não podendo

estar o instrumento consubstanciado em várias leis.

Por fim, analisa-se as razões pelas quais muitas vezes o plano diretor não

é plenamente eficaz nem efetivo. O plano diretor que deveria nortear a política

urbana do município eventualmente torna-se apenas um projeto ideológico

elaborado por especialistas e sem aplicabilidade.

Diante de tais apontamentos, que não buscam responder à problemática

urbana, mas sim, suscitar o debate sobre o Direito Urbanístico, espera-se que novos

estudos aprofundem o tema de maneira verticalizada.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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O CRITÉRIO ESPACIAL DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE

QUALQUER NATUREZA (ISS) E OS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA

THE SPATIAL CRITERION OF THE SERVICES TAX AND THE

CONFLICTS OF COMPETENCE

Marina Kujo Monteiro

Advogada formada pelo Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba.

Smith Robert Barreni1

1 Mestre em Direito do Estado (concentração em Direito Tributário) pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Professor de Direito Tributário da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP) e nos cursos de graduação e pós graduação do UNICURITIBA. Professor convidado no curso de pós graduação em Direito Tributário da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Advogado.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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RESUMO

O presente artigo objetiva estudar o critério espacial do Imposto sobre Serviços de

Qualquer Natureza, a fim de que se verifique o local onde deve ser recolhido o

referido imposto em caso de conflito de competência entre Municípios. Pretende-se,

portanto, verificar, à luz da doutrina e do recente posicionamento firmado pelo

Superior Tribunal de Justiça, se o tributo deve ser recolhido no Município onde

sediado o estabelecimento prestador, ou onde efetivamente prestado o serviço. O

exame se dará sobre os conflitos de competência entre os Municípios, decorrentes

dos posicionamentos e interpretações divergentes acerca do texto legal em relação

aos diplomas que regem a matéria, quais sejam, o Decreto-Lei n. 406/1968 e a Lei

Complementar n. 116/2003.

Palavras-chave: Imposto Sobre Serviços, Critério Espacial, Municípios, Conflitos de

Competência.

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ABSTRACT

This article will study the services tax and the place where it should be paid in case

of conflict of competence between municipalities, by an analysing its spatial criterion.

It intends, therefore, to verify, based on the legal doctrine and the jurisprudence (the

recent positioning firmed by the Superior Court), if the tax should be paid in the

county where the commercial establishment is located or where the service is

provided. It will examine the conflict of competence between municipalities, resulting

from the different interpretations of legal texts that regulate the subject, which are the

Decree-Law n. 406/1968 and the Complementary Law n. 116/2003.

Key Words: Services Tax, Spatial Criterion, Municipalities, Conflicts of Competence.

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1 BREVE RETOMADA HISTÓRICA: A DISCIPLINA LEGAL DO ISS

O tema em análise apresenta grande relevância prática, tendo em vista que a

prestação de serviços alberga várias áreas do Direito, como o Direito das

Obrigações, dos Contratos, e também o Direito Tributário. O viés aqui analisado será

o do Direito Tributário, por meio do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Inicialmente, é interessante mencionar que referido imposto, doravante

denominado somente ISS, foi instituído pela Emenda Constitucional n. 18, de 1º de

dezembro de 1965, sob o comando do governo militar recém-instalado. Este imposto

veio em substituição ao antigo Imposto de Indústrias e Profissões, existente desde o

Império, de competência estadual.

Foi promulgada, então, a Lei n. 5.172, em 25 de outubro de 1966, que instituiu

o Código Tributário Nacional, com o objetivo de regular, no plano infraconstitucional,

o Sistema Tributário Nacional. A Constituição vigente à época (Magna Carta de

1946), entretanto, já previa a necessidade de Lei Complementar para a

regulamentação da matéria, consoante o art. 5º, inciso XV, alínea “b” da Carta

Constitucional, em consonância com o art. 1º da já mencionada Emenda

Constitucional n. 18/1965.

O regime militar foi marcado pelo hibridismo jurídico, tendo o Chefe do

Governo da época – Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco – sancionado o

Ato Institucional n. 2 de 1965,2 impondo a validade do diploma perante a ordem

jurídica vigente.

Adveio a Constituição de 1967, que determinava, em seu art. 19, §1º, a

necessidade de Lei Complementar para legislar sobre normas gerais em matéria

tributária, instituindo, ainda, o requisito do quórum qualificado para sua aprovação. O

CTN fora, então, materialmente recepcionado pela nova ordem constitucional.

Sobre este período, importante mencionar o Ato Institucional n. 5,3 de 13 de

dezembro de 1968, que reafirmou os ideais militares, diminuindo cada vez mais as

2 BRASIL, Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965. Mantem a Constituição Federal de 1946, as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as alterações introduzidas pelo Poder Constituinte originário da Revolução de 31.03.1964, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 27 out 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-02-65.htm>. Acesso em 18 nov 2013. 3 BRASIL, Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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liberdades políticas, legislativas e administrativas, bem como os direitos e garantias

individuais e coletivos.

No que diz respeito ao ISS, foi promulgado o Decreto-Lei n. 406/1968, em 31

de dezembro de 1968, com o objetivo de regulamentar o ISS e o ICMS, revogando

diversos dispositivos do CTN, dentre os quais os artigos 71 a 73, que disciplinavam

a matéria relativa àquele imposto. Nesta seara, entende Marcelo Caron Baptista que

“somente o regime de exceção vivido pelo País poderia outorgar “legitimidade

jurídica” ao procedimento adotado para a edição do Decreto-lei nº 406/68”.

(BAPTISTA, 2005, p. 214).

Para o autor, é fácil apontar diversas inconstitucionalidades do Decreto-Lei n.

406/1968, mesmo à luz daquela ordem constitucional. A título ilustrativo: violação ao

princípio federativo e da autonomia dos Municípios, uma vez que não poderia o

Chefe do Poder Executivo Federal legislar sobre matéria àqueles reservada; ofensa

ao princípio da legalidade tributária, pois tal tema somente poderia ser versado por

meio de Lei Complementar; e violação ao art. 58 da Constituição de 1967, que

autorizava o Presidente da República a expedir decretos com força de lei “em casos

de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resulte aumento de

despesa”.4 Tais decretos poderiam dispor somente sobre “segurança nacional” ou

“finanças públicas”, hipóteses que, no entendimento do autor, não se configuravam.

(BAPTISTA, 2005, p. 215).

Por fim, é de se mencionar que, a despeito de todos os vícios contidos no

mencionado Decreto-Lei, constata-se que “lei válida, naqueles tempos, era aquela

imposta pelo regime militar” (BAPTISTA, 2005, p. 216), razão que impediria fossem

invocadas eventuais inconstitucionalidades.

Com a sucessão da ordem Constitucional atual, entende-se que tanto o

Código Tributário Nacional quanto o Decreto-Lei n. 406/1968 foram materialmente

recepcionados com força de Lei Complementar. O Ato das Disposições

direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 13 dez 1968. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm>. Acesso em 18 nov 2013. 4 BRASIL, Constituição Federal, de 24 de janeiro de 1967. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 out 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em 09 set.. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Constitucionais Transitórias da Carta de 1988 traz, em seu art. 34, §5º,5 o princípio

da recepção das leis, de acordo com qual é necessária a verificação da vigência

perante a Constituição pretérita, fato que, mesmo com as controvérsias suscitadas,

provou-se estarem os mencionados diplomas válidos e vigentes. Ainda, faz-se

necessária a verificação da validade material em face da nova Lei Maior, tendo-se

estabelecido a premissa de que “irrelevante a forma pela qual os atos normativos

tenham ingressado no sistema anterior, pois quanto à sua recepção, a análise estará

voltada ao conteúdo material de suas prescrições”. (BAPTISTA, 2005, p. 225).

Desta forma, o Código Tributário Nacional e o Decreto-Lei n. 406/1968 foram

recepcionados com força de Lei Complementar material, na parte em que dispõem

sobre “normas gerais em matéria tributária”, regulando os conflitos de competência

ou as limitações constitucionais ao poder de tributar. Por outro lado, foram

parcialmente recepcionados como lei ordinária da União na parte em que disciplinam

matérias de competência tributária exclusiva da União, que não estão acobertadas

pelas disposições sobre as “normas gerais em matéria tributária”.

O ISS, por sua vez, é atualmente regulado pela Lei Complementar n. 116, de

31 de julho de 2003, que veio como parte de uma pretensa reforma tributária.

Visivelmente sem vícios de ordem formal, esta lei ampliou a lista de serviços

tributados, já existente como anexo do Decreto-Lei n. 406/1968, com o objetivo de

tentar solucionar os conflitos de competência. Fato é que criou controvérsias de

ordem material, principalmente em relação ao Município competente para a

cobrança do tributo – se o da sede do estabelecimento ou o do local onde é

prestado o serviço.

5 “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. (…) § 5º - Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º.”

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

300

1.1 O DESENHO CONSTITUCIONAL DO TRIBUTO: A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E A

CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA

Em relação à disciplina constitucional do ISS, esta vem delineada nos termos

do art. 156, inciso III, da Constituição Federal, que determina a competência

municipal para sua instituição.

Acerca da competência tributária, é necessária uma breve definição: entende

Paulo de Barros Carvalho que trata-se da “possibilidade de legislar para a produção

de normas jurídicas sobre tributos” (CARVALHO, 2013, p. 218). Já Roque Antônio

Carrazza define que “competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto,

tributos” (CARRAZZA, 2013, p. 575).

Neste sentido, importante se faz a distinção entre competência e capacidade

ativa na esfera tributária. A primeira, como já salientado, é a aptidão para criar

tributos, por meio de lei, “desenhando o perfil jurídico de um gravame” (CARVALHO,

2013, p. 218). A capacidade tributária ativa, por sua vez, diz respeito a possuir os

requisitos necessários para integrar a relação jurídica tributária como sujeito ativo.

Esta contrapõe-se à sujeição passiva, que diz respeito a quem tem o dever jurídico

de recolher o tributo.

É possível que as funções se acumulem: quem institui o tributo pode também

ser quem efetua sua cobrança. Entretanto, a grande diferença entre elas é atinente à

possibilidade de transferência: a competência tributária é intransferível, enquanto a

capacidade tributária não o é. Uma vez recebido o poder de legislar e instituir

determinado tributo, pode o ente público decidir por não fazê-lo, mas não pode

transferi-lo a outro ente. Após instituído o tributo, porém, o procedimento de

apuração e cobrança pode, por meio de lei, ser transferido a qualquer outra pessoa

política (CARVALHO, 2013, p. 218-219).

A competência tributária é atribuição somente das pessoas políticas, porque

somente elas possuem Poder Legislativo, que está habilitado a efetivar a instituição

de tributos. De acordo com Roque Antônio Carrazza, há ainda algumas

características da competência tributária, que merecem relevo: a primeira delas é a

privatividade, ou exclusividade, de acordo com a qual os entes políticos têm faixas

delimitadas de atuação na esfera tributária. Tal afirmação implica que as normas

constitucionais que demarcam a competência tributária têm duplo comando: “1)

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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habilitam a pessoa política contemplada – e somente ela – a criar, querendo, um

dado tributo; e 2) proíbem as demais de virem a instituí-lo” (CARRAZZA, 2013, p.

592).

Em contraposição ao argumento trazido à baila por Roque Antônio Carrazza,

Paulo de Barros Carvalho entende que a exceção compreendida no art. 154, II, da

Carta Constitucional, que determina que a União poderá instituir “na iminência ou no

caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua

competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as

causas de sua criação”,6 é suficiente para derrubar o fundamento utilizado por

Roque Antônio Carrazza (CARVALHO, 2013, p. 221).

A segunda característica trazida por Roque Antônio Carrazza diz respeito à

indelegabilidade, que impede a transferência a terceiros. É permitido, consoante já

mencionado, que a competência tributária não seja exercida, mas não é dado às

pessoas políticas delegá-la a terceiros (CARRAZZA, 2013, p. 750).

O autor entende ser a incaducabilidade outra particularidade da competência

tributária, descrita como a impossibilidade de impedir o exercício, ainda que a inércia

da pessoa política neste sentido se perdure no tempo. Em outras palavras, significa

que o ente público pode passar o tempo que quiser sem exercer a competência

tributária, sem que isso implique em caducidade do direito de legislar e instituir

tributos (CARRAZZA, 2013, p. 759-760).

Neste sentido, interessante mencionar o posicionamento de José Roberto

Vieira em relação aos tributos com prazo de vigência pré-determinados, como, por

exemplo, a CPMF. Entende o autor que tal fato não interfere na incaducabilidade da

competência tributária, sendo tais tributos somente acrescidos à já delineada

competência tributária constitucionalmente desenhada (VIEIRA, 2005, p. 623).

Ainda, como característica da competência tributária, existe a inalterabilidade,

que é a vedação imposta à pessoa política de ultrapassar os limites competências

definidos pela Lei Maior. Não pode um ente de direito público interno legislar

alterando sua própria competência tributária (CARRAZZA, 2013, p. 763). Em relação

a esta característica, Paulo de Barros Carvalho tece a seguinte crítica: não se pode

falar em inalterabilidade, tendo em vista que existe, no sistema constitucional

6 BRASIL. Constituição (1988). Lex: Constituição da República Federativa do Brasil, São Paulo, p. 70, 2009.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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brasileiro, a possibilidade de alterar a competência tributária por obra do poder

constituinte derivado, o que vem sendo feito há muito na esfera tributária,

respeitados os princípios Federativo e da Autonomia dos Municípios (CARVALHO,

2013, p. 222).

Outra característica é a irrenunciabilidade, entendida por Roque Antônio

Carrazza como decorrente da indisponibilidade, por ser a competência tributária

matéria de ordem pública, sendo vedado às pessoas políticas a renúncia, seja no

todo ou em parte (CARRAZZA, 2013, p. 765).

Por fim, o autor traz a facultatividade, que pode ser analisada como a

liberdade que as pessoas políticas têm para se utilizarem ou não da competência

tributária outorgada pela Carta Constitucional. Para o autor, trata-se de uma opção

feita pelos Poderes Executivo e Legislativo, referente à instituição ou não do tributo

(CARRAZZA, 2013, p. 766), este entendimento é referendado por José Roberto

Vieira (VIEIRA, 2005, p. 282-283), mas não por Paulo de Barros Carvalho, que

entende não se tratar de característica que merece subsistência. Isto porque em

relação ao ICMS, por exemplo, não há liberdade do ente público. Sua instituição é

compulsória por parte daqueles que possuem a competência, configurando,

portanto, exceção à regra, o que acabaria com a universalidade da afirmação

(CARVALHO, 2013, p. 222).

Diante disso, tem-se que, em relação ao ISS, a competência foi definida pela

Constituição no art. 156, inciso III, já mencionado, outorgando aos Municípios a

tarefa de institui-lo, caso haja interesse local. Entretanto, o ISS não é de

competência privativa dos Municípios, uma vez que o art. 147 da Constituição

Federal traz que “Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais

e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos

municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais”.

Desta forma, o Distrito Federal tem, também, competência tributária para

instituir e cobrar o ISS, o que, no raciocínio inverso, de acordo com Aires Fernandino

Barreto, significa dizer que não têm competência para sua instituição e cobrança a

União e os Estados (BARRETO, 2005, p. 345).

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

303

2 OS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA

Por ser um imposto cuja norma hipotética traz como fato jurídico tributário a

prestação de um serviço, trata-se de um tributo que consigna divergências em

relação à pessoa política competente para sua instituição e cobrança. A título

exemplificativo, a regra matriz de incidência do ICMS também age sobre a prestação

de serviços, mas somente sobre aqueles de transporte interestadual e

intermunicipal, e os de comunicação. Desta feita, a existência de conflitos de

competência entre ICMS e ISS, em casos concretos, é muito recorrente. É possível

também a ocorrência de conflitos entre dois ou mais Municípios, quando um serviço

é prestado em determinada localidade, mas o estabelecimento prestador é situado

em outra. No presente artigo, tratar-se-á da segunda hipótese: o conflito entre

pessoas políticas de mesmo nível.

Neste sentido, importa ressaltar que o conflito de competência “se estabelece

porque duas esferas de governo se julgam competentes para criar tributo sobre a

mesma matéria” (BARRETO, 2005, p. 341).

Em suma, os conflitos de competência atinentes ao ISS podem ser resumidos

em duas modalidades: os heterogêneos e os homogêneos. Os primeiros dizem

respeito à competência material, e envolvem mais de uma pessoa política. Tratam

da dificuldade de subsumir um determinado fato a mais de uma hipótese tributária.

Para Marçal Justen Filho, tal situação ocorre quando há dúvida sobre o tributo

incidente. Não se sabe ao certo, por exemplo, se se trata de ICMS ou ISS (conflito

entre Estados e Municípios), ou ainda de IPI e do ISS, quando se fala em conflito

entre União e Municípios (JUSTEN FILHO, 1985, p. 71).

Esta modalidade de conflito ocorre em razão de ser o ISS um imposto com

muitas “zonas cinzentas”, donde ensina Aires Fernandino Barreto que “salvo o

núcleo essencial do conceito de serviço, constitucionalmente referido, toda a sua

periferia apresenta pontos de contato com a materialidade de impostos de

competência dos Estados ou da União” (BARRETO, 2000, p. 7-16).

O autor ressalta que a competência dos Estados para tributar os serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e os de comunicação não é residual, pois

cabe a estes entes federados tão-somente a tributação destes serviços. Todos os

outros estão sob o campo tributário municipal (BARRETO, 2005, p. 233).

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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É possível também a ocorrência de prestação de serviços com simultâneo

fornecimento de mercadoria, quando se estará em face de tributação por dois entes

diferentes: um Estado que cobra o ICMS, e um Município que cobra o ISS.

Entretanto, impossível é a cobrança de ambos os impostos sobre o mesmo fato

jurídico tributário, tendo em vista que onde há um, não pode haver outro, se a única

atividade existente for, por exemplo, a prestação de serviço (BARRETO, 2003, p.

237-238).

Brevemente, traz-se a questão relativa aos serviços de transporte. A

competência municipal atinge somente os serviços realizados inteiramente dentro

dos limites territoriais do Município, ou seja, tiverem seu início e fim no mesmo

Município. Caso a barreira municipal seja transposta, dar-se-á a tributação pela via

do ICMS, pois já se fala em transporte intermunicipal, de competência estadual,

conforme leciona Daniel Prochalski (PROCHALSKI, 2009, p. 240).

Já no que diz respeito aos conflitos heterogêneos do ISS com o IPI – de

competência da União, a controvérsia se dá em relação à determinação da natureza

da obrigação dos respectivos critérios materiais: enquanto a do IPI é uma obrigação

de dar, a do ISS é uma obrigação de fazer.

A outra espécie de conflito – conflito de competência homogêneo – ocorre

quando não há dúvidas sobre o tributo a ser cobrado, mas sim sobre a pessoa

política competente para sua instituição e cobrança. Envolve, destarte, duas ou mais

pessoas políticas do mesmo nível, como é o caso do conflito entre Municípios na

cobrança do ISS (PROCHALSKI, 2009, p. 307-308).

Entende Marçal Justen Filho que é impossível que um mesmo fato se amolde

a mais de uma regra matriz tributária. Para o autor, o que pode ocorrer “é uma

aparente similitude de hipótese de incidência de normas tributárias diversas”,

devendo o aplicador da norma cotejar cada aspecto da norma padrão para verificar

qual tem o perfeito encaixe com o fato jurídico tributário (JUSTEN FILHO, 1985, p.

72). No caso do conflito heterogêneo, o critério material será divergente.

Por outro lado, quando ocorre conflito entre pessoas políticas de mesma

hierarquia, deve ser utilizado o critério pessoal para que se examine o ente

competente para a instituição do tributo, e o critério “espaço-temporal”, que objetiva,

segundo o autor, analisar o local em que se deu a efetiva subsunção do fato à

norma. No caso do ISS, esta análise determina o local onde ocorreu a prestação de

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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serviços. Ainda, afirma o autor que a questão temporal conduz à espacial: somente

sabendo quando ocorreu o fato é que se pode verificar onde este fato pode se

reportar ocorrido (JUSTEN FILHO, 1985, p. 72-73).

Em se tratando de ISS, a própria materialidade do tributo enseja conflitos,

tendo em vista a impossibilidade de se enumerar os prestadores de serviço,

residentes ou estabelecidos em determinado Município, mas que prestam serviço

em outro. Para dirimir eventuais conflitos, o diploma legal competente é a lei de

natureza complementar.

Em relação a isto, entende Aires Fernandino Barreto que não pode ser

arbitrária a lei complementar que tenha este objetivo. Para o autor, se o referido

diploma ampliar a competência do Município para a tributação de serviços, três

hipóteses poderão ocorrer: pode o Município invadir a área de competência do

Estado; pode invadir a área de competência da União; ou pode invadir a área de

competência de outro Município. Em qualquer destes casos, a lei complementar será

inconstitucional, em razão da rigidez de que se utilizou a Lei Maior para distribuir as

competências tributárias (BARRETO, 2009, p. 343).

Os conflitos de competência entre Municípios são conhecidos de longa data

da doutrina e da jurisprudência nacionais. Na disciplina pretérita do ISS (Decreto-Lei

n. 406/1968), pretendeu o legislador dirimir os eventuais conflitos de competência

pelo que dispôs no art. 12 deste diploma, revogado pela Lei Complementar n.

116/2003, que determinava, como regra geral, ser o local da prestação do serviço “o

do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do

prestador”.

Tal disposição foi mantida na atual disciplina do Imposto Sobre Serviços, no

caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003, que, a despeito de ter elencado

nos incisos deste artigo diversas hipóteses nas quais o local da prestação será

diverso, ainda manteve a determinação do Decreto-Lei n. 406/1968.

Em relação aos conflitos de competência, é importante salientar o

entendimento de Paulo de Barros Carvalho, para quem o tema da competência

tributária é eminentemente constitucional (CARVALHO, 2013, p. 229), donde se

extrai que conflitos de competência eventualmente existentes são de mera

interpretação do texto da lei. Isto se dá porque, em razão da rígida distribuição de

competências feita pela Constituição Federal, do ponto de vista lógico, não há que

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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se falar em conflitos. O texto da Constituição determina exatamente a competência

de cada pessoa política, existindo conflitos somente do ponto de vista interpretativo.

Para o autor, o legislador infraconstitucional “desordenadamente, tomou como

seu o mister de bosquejar normas de tamanha grandeza e dimensão incompatível

com os objetivos que se propunha desenvolver” (CARVALHO, 2013, p. 229), o que

acabou por violar a rigidez da constituição ao pretender modificar as competências

tributárias por meio de diploma infraconstitucional.

Aires Fernandino Barreto vai na mesma esteira, entendendo que ao legislador

infraconstitucional não foi aberta possibilidade de dispor sobre a competência

tributária, por ter a Constituição regulado o tema de forma rígida e esgotante.

(BARRETO, 2009, p. 35).

A Constituição Federal autoriza os diplomas de natureza complementar a

dispor sobre conflitos de competência. No entanto, conforme os entendimentos

acima esposados, o que há, na verdade, é um conflito de interpretação, tendo em

vista o esgotamento da matéria pelo legislador originário. Os conflitos de

interpretação do texto legal – mormente da Lei Complementar n. 116/2003 –

decorrem dos diversos métodos interpretativos e de colmatação de lacunas

existentes. Entretanto, no texto constitucional, não há que se falar em conflito, pois a

rígida distribuição de competências não deixa margem para que se criem zonas de

convergência entre a competência de um ente e outro.

Em relação aos conflitos de interpretação das normas do ISS, é necessário

passar pela breve análise do conceito de estabelecimento prestador, pois o art. 3º da

Lei Complementar n.116/2003 determina que o local da prestação do serviço é

considerado no local onde situado o estabelecimento prestador.

Reporta-se o problema do critério espacial do ISS ao fato da efetiva prestação

do serviço. Para Marcelo Caron Baptista, isto requer uma análise à luz da linguagem

jurídica, a fim de se aferir se o serviço prestado “atingiu a prestação-fim pactuada”, e

sob a ótica “do mundo real”, na parte em que é objeto da Física”, para que se

verifiquem as circunstâncias materiais, de tempo e espaço do fato ocorrido. Desta

forma, para o autor, “o local da prestação do serviço é aquele em que o prestador

cumpre com o dever jurídico (prestação-fim), na forma do contrato celebrado”

(BAPTISTA, 2005, p. 516-517).

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

307

Leciona ainda que, a despeito do critério espacial genérico, desenhado pela

lei, os contratos firmados pelo particular podem determinar o local onde a prestação

do serviço deverá ocorrer, antes mesmo de sua realização fática, indicando,

portanto, o Município competente para a cobrança do tributo.

O Código Tributário Nacional determina, em seus artigos 109 e 110, que os

conceitos e formas do direito privado poderão ter suas definições, conteúdo e

alcance alterados pela Lei Maior, pelas Constituições Estaduais ou pelas Leis

Orgânicas dos Municípios ou do Distrito Federal, desde que tais alterações não

tenham o efeito de definir ou limitar as competências tributárias.7

Assim, caso a Lei Complementar n. 116/2003 não definisse o conceito de

estabelecimento e estabelecimento prestador, para fins de ISS, utilizar-se-ia da

doutrina do Direito de Empresa, à qual se faz alusão para fins comparativos. O

conceito de estabelecimento comercial vem definido no art. 1142 do Código Civil, de

acordo com o qual “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens

organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade

empresária.”8

Conceitua Alfredo de Assis Gonçalves Neto o estabelecimento como sendo o

“conjunto de bens (elementos) de que se utiliza o empresário para o exercício de

sua atividade ou, mais precisamente, o complexo de bens utilizados pelo empresário

como instrumento de sua atividade empresarial” (GONÇALVES NETO, 2013, p.

612). Continua o autor, em relação aos bens que compõem o estabelecimento, no

sentido de que nestes são se incluem somente as instalações físicas, maquinários e

estoques. É possível que veículos semoventes, bem como bens de natureza

incorpórea façam parte do estabelecimento, como por exemplo o ponto comercial

(direito ao local em que se situa o estabelecimento) (GONÇALVES NETO, 2013, p.

614-615).

7 “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” 8 BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jan 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em 12 set. 2013.

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Para o ISS, a Lei Complementar n. 116/2003 acatou o entendimento dos

comercialistas, trazendo, em seu art. 4º, o conceito de estabelecimento.9 A doutrina,

por sua vez, entende que o estabelecimento prestador é “qualquer local em que,

concretamente, se exercite a função de prestar serviços” (BARRETO, 2009, p. 348),

sendo, portanto, o local em que a atividade é exercida, independentemente da

qualidade de matriz ou filial. Pode-se dizer, assim, que é irrelevante o local onde

esteja situado o órgão diretivo, ou a contabilidade da empresa. O que efetivamente

importa, em relação ao ISS, é o local da prestação do serviço, conforme se verá

adiante (BARRETO, 2009, p. 349).

Muitas leis municipais que instituem os respectivos impostos sobre serviços

conjugam determinados requisitos que caracterizam a existência do estabelecimento

prestador, tais como manutenção de pessoal, material, máquinas, estrutura

gerencial, organizacional e administrativa, inscrição na Prefeitura do Município,

indicação como domicílio fiscal, indicação de endereço em impressos (BARRETO,

2009, p. 349). Daniel Prochalski entende que ainda que um tal estabelecimento se

amolde a todos os requisitos da lei municipal, isto não significa que os serviços

tenham sido prestados naquela localidade, tendo em vista que, para fins de

incidência do ISS, o critério se resume ao local da prestação do serviço

(PROCHALSKI, 2009, p. 331).

Mister relevar que a doutrina pesa para o lado de que é irrelevante o local da

celebração do contrato, bem como do local onde se situa o usuário ou tomador do

serviço. Isto porque é cediço que o ISS “não incide sobre contratos, mas sobre fatos

objetos de contratos”, sendo que a mera contratação de serviço não enseja a

cobrança do tributo. Para Marcelo Caron Baptista, o contrato, nestes casos, serve

para que se defina a natureza e o conteúdo da prestação devida, que, uma vez

adimplida, faz nascer a obrigação tributária (BAPTISTA, 2005, p. 532).

O local onde se encontra o usuário ou o tomador do serviço também não tem

nenhuma significância para o fim em análise, porque, embora em alguns casos o

local da prestação coincida com o domicílio do tomador ou do usuário, não está o

legislador infraconstitucional apto, ao determinar o critério espacial do ISS, a

9 Art 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

309

“estabelecer regra que desvincule o fato do espaço em que ele ocorre” (BAPTISTA,

2005, p. 532).

Por fim, é de se ressaltar que somente pode ser tributada a prestação de

serviço em sua totalidade, ou seja, já terminada, o que significa que as atividades-

meio não são passíveis de incidência tributária, mesmo que ocorridas em localidade

diversa da prestação final. As ações intermediárias têm seus custos direta ou

indiretamente agregados ao preço do serviço, o que não faz com que possam ser

tomadas de forma independente para fins de tributação (BARRETO, 2009, p. 357).

3 A DOUTRINA: LOCAL DO ESTABELECIMENTO x LOCAL DA PRESTAÇÃO

Diante das preliminares expostas, passa-se à análise do que traz a Lei

Complementar n. 116/2003 e o posicionamento da doutrina sobre a matéria. Como

já mencionado, o art. 3º do referido diploma legal determina que o ISS é devido ao

Município onde se situa o estabelecimento prestador, e na falta deste, o do domicílio

do prestador do serviço, com exceção das hipóteses elencadas nos incisos de I a

XXII, que estabelecem critérios especiais diversos. Neste sentido, vale frisar a lição

de Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, segundo os

quais referido diploma legal optou por um sistema misto para a incidência do ISS,

pois considerou o imposto devido “no local do estabelecimento prestador ou, na falta

do estabelecimento, no local do domicílio do prestador e para as hipóteses

expressamente previstas, (…) no local da prestação do serviço, do estabelecimento

do tomador ou do intermediário” (MARTINS; RODRIGUES, 2004, p. 247).

De forma geral, a doutrina se divide entre os que preconizam a tese de

prevalência do local onde sediado o estabelecimento prestador, conforme manda a

Lei Complementar n. 116/2003, e aqueles que entendem ser devido o imposto no

local da efetiva prestação do serviço.

Os autores que sustentam a tese da competência do Município onde situado

o estabelecimento prestador o fazem com base em três argumentos: primeiramente

alegam a existência de uma ficção jurídica, que faz com que se presuma que o

serviço foi prestado no Munícipio em que sediado o estabelecimento prestador.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

310

Os críticos desta tese entendem que tal fato desnatura a função da lei

complementar, pois não pode o legislador infraconstitucional modificar a regra matriz

que vem delineada na Constituição (PROCHALSKI, 2009, p. 339).

A Carta de 1988 elegeu como critério material do ISS a prestação de serviços,

o que, de forma implícita, define o local e o tempo em que este fato deve ocorrer.

Não tem o legislador complementar a discricionariedade necessária para alterar os

critérios tributários que vêm contidos na Lei Maior, cabendo a ele tão-somente

declará-los.

O segundo argumento utilizado por esta corrente doutrinária pretende fazer

uso do Direito Comparado, emprestando a técnica utilizada na União Europeia para

a instituição do IVA – Imposto de Valor Agregado, que também incide sobre a

prestação de serviços. A crítica, por sua vez, vai no sentido de que pouca utilidade

terá a técnica da comparação com o direito estrangeiro, em se tratando de matéria

constitucional e da rígida repartição de competências, conforme leciona Heron

Arzua. (ARZUA, 1997, p. 142-154).

Ainda na defesa do texto expresso da Lei Complementar n. 116/2003, o

terceiro argumento versa sobre a praticabilidade das operações realizadas pelas

empresas, bem como das operações necessárias à arrecadação do ISS. Suportam

esta tese autores como Ives Gandra da Silva Martins e Hugo de Brito Machado, que

entendem que, a despeito do Princípio da Territorialidade da Lei Tributária, o ISS

deve ser recolhido no local onde situado o estabelecimento prestador, por razões

práticas.

A lição de Hugo de Brito Machado vai na mesma esteira, compreendendo que

“é razoável, portanto, dizer-se que os serviços prestados no território de um

determinado Município são por este, e só por este, tributáveis. Por outro lado,

adotado este entendimento, tem-se na prática grande número de problemas”.

(MACHADO, 1996, p. 09-17). É por esta razão que entende o autor que o art. 12 do

Decreto-Lei n- 406/1968, cujas disposições foram mantidas pelo art. 3º da Lei

Complementar n. 116/2003, estabelece que o ISS será devido no local onde situa-se

o estabelecimento prestador, tratando-se, portanto, de uma ficção jurídica.

O outro lado da interpretação deste dispositivo vem na linha de que o imposto

somente poderá ser devido no local onde efetivamente é prestado o serviço. Para os

autores que defendem esta tese, tal entendimento tem fulcro no Princípio da

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

311

Territorialidade da Lei Tributária, bem como no critério material do ISS. Neste

sentido, entende Heron Arzua que a eleição de critério espacial diverso do local da

prestação do serviço implica em ausência de conexão entre o critério material e o

espacial, permitindo que a lei tributária gere efeitos sobre fatos ocorridos fora de seu

território, o que é vedado em razão do referido princípio (ARZUA, 1997, p. 147).

No entendimento de Marçal Justen Filho, em razão da rígida repartição de

competências e do Princípio Federativo, a incompatibilidade da extraterritorialidade

da Lei Tributária com o ordenamento jurídico pátrio é flagrante, não sendo possível,

portanto, que um Município tribute fatos ocorridos dentro dos limites territoriais de

outro.

Prossegue o autor na afirmativa de que o critério espacial do ISS está

intimamente vinculado ao critério material da hipótese, sendo, portanto, o único

critério espacial possível aquele do local onde é prestado o serviço. Leciona que “se

se determina que competente para a imposição do ISS é o Município onde a pessoa

jurídica tem a sua sede, não mais se estará tributando a prestação de serviços, mas

o fato de manter-se uma sede” (JUSTEN FILHO, 1985, p. 73-75).

Entende que nada obsta a instituição de ficções por parte do legislador. No

entanto, serão estas inválidas se violarem princípios constitucionais, como é o caso

da ficção que estabelece o critério espacial no local do estabelecimento prestador

(JUSTEN FILHO, 1985, p. 149).

No mesmo sentido vem a lição de Betina Treiger Grupenmacher, que entende

que ao se admitir a extraterritorialidade da Lei Tributária, estar-se-á também em face

a “posição em total descompasso com a discriminação constitucional de

competências tributárias” (GRUPENMACHER, 2004, p. 74). Aduz ainda a autora que

a eleição do local do domicílio do prestador como critério espacial do ISS

descaracteriza a materialidade da hipótese de incidência (GRUPENMACHER, 2004,

p. 79).

Para Marcelo Caron Baptista, a territorialidade da Lei Tributária tem o objetivo

de evitar invasões de competência, pois esta é justamente o “dado que permite

traçar os limites do exercício da competência tributária entre os Municípios”

(BAPTISTA, 2005, p. 519). Em relação ao critério eleito pelo legislador

complementar, o autor entende que, a despeito dos rígidos limites para sua atuação,

que somente pode declarar o que está implícito no texto Constitucional, o que

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

312

ocorreu quando da edição da Lei Complementar n. 116/2003 foi a instituição de

conflitos de competência inexistentes, ao invés de tê-los evitado. Ainda, a Lei

Complementar violou frontalmente o princípio da Autonomia Municipal e da

competência tributária local, “pois os Municípios se sentem obrigados, ainda que não

o sejam, a apenas repetir, quando da instituição do imposto, os termos exaustivos e

incisivos em que enunciada a lei federal” (BAPTISTA, 2005, p. 526).

No que pertine à relação do critério espacial com o critério material, leciona o

autor que a Lei Complementar n. 116/2003, ao repetir os termos do Decreto-Lei n.

406/1968, alterou, por meio do critério espacial, a materialidade da hipótese. Assim,

o critério material coerente seria o de “possuir estabelecimento ou domicílio do qual

decorra prestação de serviço” ou “prestar serviço no estabelecimento ou no domicílio

do prestador”. Em ambos os casos, a regra matriz não está de acordo com a

Constituição Federal, pelo que não podem ser aceitas tais hipóteses (BAPTISTA,

2005, p. 527).

Daniel Prochalski, por sua vez, entende que a Lei Complementar n. 116/2003

trouxe avanços em razão do rol de hipóteses elencado no art. 3º, “em que o critério

espacial coincide com o implícito no núcleo da regra matriz constitucional”

(PROCHALSKI, 2009, p. 360), o que, para o autor, reduz a incidência da regra geral

que considera o estabelecimento prestador como local da prestação de serviços.

Aires Fernandino Barreto e Roque Antônio Carrazza têm entendimento no

sentido de que o único critério que prestigia uma interpretação conforme à

Constituição é o do local da prestação. Para Roque Antônio Carrazza, admitir que

um Município tribute fato ocorrido fora de seu território seria dotar sua lei de

extraterritorialidade (CARRAZZA, 2004, p. 254). Entretanto, compreendem estes

autores, cujo entendimento é referendado por Betina Treiger Grupenmacher

(GRUPENMACHER, 2004, p. 83), que se pode reputar constitucional o dispositivo

que determina que o ISS é devido no local do estabelecimento somente quando esta

localidade coincidir com o local da prestação do serviço. A conclusão é lógica: o

imposto será devido ao Município que cumpra com os dois requisitos: i) ser sede di

estabelecimento prestador de serviço; e ii) ter o serviço prestado dentro de seu

território, ainda que o tomador se situe em outra localidade (BARRETO. 2005, p.

338-339).

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

313

Ainda, para Marcelo Caron Baptista, em razão do lobby das grandes

empresas prestadoras de serviços, que localizam-se nos grandes centros urbanos, o

legislador complementar considerou o local do estabelecimento como o local da

prestação, objetivando a diminuição dos custos operacionais, com vistas a

centralizar os serviços em um só local (BAPTISTA, 2005, p. 529).

A opção do legislador foi infeliz, tendo em vista que não prestigiou o objetivo

fundamental da República, insculpido no art. 3º da Carta Magna,10 segundo o qual é

dever do Estado Brasileiro a busca pela redução das desigualdades regionais, o que

não será alcançado “se a receita tributária, se não do principal, de um dos principais

tributos municipais, o ISS, for canalizada para as maiores cidades do país”

(BAPTISTA, 2005, p. 529).

No entendimento do autor, é possível superar a dificuldade na fiscalização da

prestação de serviço por pessoa estabelecida ou domiciliada em outro Município por

meio do instituto da substituição tributária, que, conforme já mencionado, ocorre

quando uma pessoa diversa do destinatário constitucional tributário assume a

condição de sujeito passivo, por força de lei (BAPTISTA, 2005, p: 562).

Admite que é possível a colocação do tomador do serviço no lugar do

destinatário constitucional do tributo, tendo em vista que a hipótese do ISS

contempla somente duas pessoas: o prestador e o tomador. Desta forma, é possível

a aplicação ao tomador do mesmo regime jurídico que seria atribuído ao prestador,

por ser estar o tomador irrefutavelmente vinculado à prestação de serviço. Existe

ainda, uma relação de poder entre um e outro, no que diz respeito ao valor pago

pela prestação, que é, nos termos do autor “o dado econômico que ampara a

presunção jurídica de que prestar um serviço é fato revelar de riqueza” (BAPTISTA,

2005, p. 563).

Este é também o entendimento de Guilherme Broto Follador, que entende que

a substituição tributária, no caso em tela, é perfeitamente viável, pois atende a todos

os requisitos que autorizam esta modalidade de responsabilidade. Entende, nesta

seara, que a substituição tributária, por pressupor a vinculação pessoal do substituto

à ocorrência do fato jurídico tributário, viabilizaria a aplicação do mesmo regime

jurídico para ambas as partes, permitindo, ainda, presumir a existência de uma

10 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”

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relação de poder econômico do tomador sobre o prestador (FOLLADOR, não

publicado, p. 20).

Adotando-se tal solução, são descabidos os argumentos de que o local do

estabelecimento deve ser considerado para fins de recolhimento do ISS, pois é um

recurso que prestigia a regra matriz do imposto, que não deve ser desconsiderada

em prol da praticabilidade das operações.

4 O POSICIONAMENTO DO STJ

Como salientado acima, o ISS é um imposto que enseja a guerra fiscal entre

os Municípios, tendo em vista a ampla discussão acerca de seu critério espacial, o

que permite que os entes políticos reduzam as alíquotas, com vistas a atrair

prestadores de serviços para suas localidades.

O Superior Tribunal de Justiça, ainda à luz do Decreto-Lei n. 406/1968,

dividia-se em duas correntes: uma que preconizava que o ISS seria devido no local

da efetiva prestação do serviço, mitigando a aplicação do art. 12, alínea “a” do

referido diploma, excetuados os serviços em que o local da prestação coincide com

o do estabelecimento; e outro viés doutrinário que logo foi adotado nas decisões

judiciais, que defendia ser devido o ISS no local do estabelecimento prestador,

dando efetividade ao dispositivo supra.

Aires Fernandino Barreto ensina que esta segunda corrente ainda divide-se

em duas: uma que afirma que o Princípio da Territorialidade não se aplica aos casos

de ISS, e outra que defende que este princípio foi legitimamente desconsiderado

pelo Decreto-Lei. Entende o autor que ambas as correntes incorrem em erro, porque

não se pode simplesmente afastar a aplicação de um princípio, no caso da primeira,

ou “considerar válida norma infraconstitucional incompatível com diretriz

constitucional”, na segunda hipótese (BARRETO, 2005, p. 327).

Antes do advento da Lei Complementar n. 116/2003, as decisões proferidas

pelo Superior Tribunal de Justiça eram bastante díspares, ora pendendo para o local

da prestação, ora para o local do estabelecimento. Em face disso, em junho de

2000, em sede de Embargos de Divergência, na Primeira Seção, foi proferida

decisão que determinou que o ISS é devido no local em que os serviços forem

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

315

prestados, independentemente do Município em que estiver situado o

estabelecimento.11

Daniel Prochalski entende que esta decisão conferiu maior previsibilidade ao

contribuinte do ISS, o que é de suma importância para que se consiga a tão

almejada segurança jurídica (PROCHALSKI, 2009, p. 343).

Para alguns, o posicionamento adotado pelo STJ somente abarcava as

prestações de serviço que exigem a presença física do prestador no local em que os

serviços são prestados, não sendo possível, portanto, dizer que tal decisão seria

aplicável a todos os casos. Para Aires Fernandino Barreto, entretanto, tal

circunstância é irrelevante, já que não se poderia admitir que o STJ fizesse uso de

duas vertentes diversas lastreadas no mesmo dispositivo legal, qual seja, o art. 12,

“a” do Decreto-Lei n. 406/1968. Caso se aceitasse esta suposição, acatar-se-ia o

entendimento de que, com base no mesmo dispositivo, a Corte entendesse que o

ISS é devido no local da prestação, mas que, ao mesmo tempo, não o é, nos casos

em que os serviços não exijam a presença física do prestador no local da prestação

(BARRETO, 2005, p. 334).

Desta forma, a decisão do STJ lançou mão de método hermenêutico válido

para compatibilizar norma recepcionada pela ordem constitucional, qual seja, a

interpretação conforme a Constituição. Tal procedimento permite ao intérprete e

aplicador da norma restringir o entendimento exarado por determinado dispositivo

infraconstitucional, de modo que este tenha sua essência compatibilizada com a

Carta Constitucional (PROCHALSKI, 2009, p. 348).

Com a Lei Complementar n. 116/2003, preservou-se a regra do critério

espacial existente no Decreto-Lei n. 406/1968, determinando ser devido o imposto

no local do estabelecimento prestador, como regra geral. Entretanto, as decisões do

STJ mantiveram-se na mesma esteira daquela anteriormente citada, qual seja, a de

ser devido o imposto no local onde prestado o serviço.

11 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES. I - Para fins de incidência do ISS - Imposto Sobre Serviços -, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea a do Decreto-Lei n.º 406/68. II - Embargos rejeitados. Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 130792/CE. Embargante: Corpo de Vigilantes Particulares Ltda – Corpvs e outro. Embargado: Município de Juazeiro do Norte. Relator: Ministro Ari Pargendler. Brasília, 12 de junho de 2000. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8243972/embargos-de-divergencia-no-recurso-especial-eresp-130792-ce-1997-0090500-4>. Acesso em 22 set. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

316

Em 2010, a matéria da competência para a cobrança do ISS chegou ao

Supremo Tribunal Federal, por meio do Agravo de Instrumento n. 790.283, de

repercussão geral. Entretanto, a Corte Constitucional absteve-se de analisar a

questão, pois entendeu tratar de matéria infraconstitucional, que deveria ser

disciplinada por lei complementar, rejeitando a repercussão geral.12

Em relação ao referido julgado da Corte Constitucional, entende-se que tal

decisão foi equivocada, pois nega foro a questão que tem seu cerne na Carta

Magna, e somente pode ser debatida à luz desta (FOLLADOR, não publicado, p.

22).

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se novamente

sobre o assunto, em Recurso Especial regido pela norma do art. 543-C,13 que

determina a disciplina dos recursos de caráter repetitivo.

O repetitivo, Resp n. 1.060.210/SC, foi interposto por empresa fornecedora do

serviço de arrendamento mercantil, em face do Município de Tubarão/SC.14

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ISS. Competência para tributação. Local da prestação do serviço ou do estabelecimento do prestador do serviço. Matéria Infraconstitucional. Repercussão geral rejeitada. Agravante: Scua Segurança da Informação S/A. Agravado: Distrito Federal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 3 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+790283%2ENUME%2E%29+OU+%28AI%2EPRCR%2E+ADJ2+790283%2EPRCR%2E%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/avwowph.> Acesso em 25 set. 2013. 13 Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de

direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. § 1º Caberá ao presidente do

tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão

encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até

o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. § 2o Não adotada a providência descrita

no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia

já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a

suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja

estabelecida.

14 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO. QUESTÃO PACIFICADA PELO STF POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RE 592.905⁄SC, REL. MIN. EROS GRAU, DJE 05.03.2010. SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA NA VIGÊNCIA DO DL 406⁄68: MUNICÍPIO DA SEDE DOESTABELECIMENTO PRESTADOR. APÓS A LEI 116⁄03: LUGAR DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. LEASING. CONTRATO COMPLEXO. A CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO É O NÚCLEO DO SERVIÇO NAOPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO, À LUZ DO ENTENDIMENTO DO STF. O SERVIÇO OCORRE NO LOCAL ONDE SE TOMA A DECISÃO ACERCA DA APROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO, ONDE SE CONCENTRA O PODER DECISÓRIO, ONDE SE SITUA A DIREÇÃO GERAL DA INSTITUIÇÃO. O FATO GERADOR NÃO SE CONFUNDE COM A VENDA DO BEM OBJETO DO LEASING FINANCEIRO, JÁ QUE O NÚCLEO DO SERVIÇO PRESTADO É O

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

317

Ressalte-se que por força do Recurso Extraordinário n. 592.905/SC, o Supremo

Tribunal Federal já havia decidido a incidência do ISS sobre operações de

arrendamento mercantil ou leasing,15 sendo fixada a decisão sobre a concessão do

financiamento como sendo o núcleo da prestação de serviço. Desta forma, a

controvérsia ficou restrita à sujeição ativa do ISS, em conjunto com o critério

espacial: seria o imposto devido no local do estabelecimento prestador, como

mandam os dispositivos do Decreto-Lei e da Lei Complementar, ou no local da

efetiva prestação de serviços?

Decidiu-se, então, em julgamento unânime, que o Município competente para

a cobrança do ISS sobre fatos ocorridos na vigência do Decreto-Lei n. 406/1968 é o

da sede do estabelecimento, e que, após o advento da Lei Complementar n.

116/2003, o imposto será devido no local da prestação do serviço.

Nas razões do voto, o Ministro Relator, Napoleão Nunes Maia Filho,

fundamentou-se no entendimento de que a via correta para se combater as dúvidas

e cobranças de ISS em duplicidade é pela fiscalização, e não pelo afastamento da

norma legal, pelo que se deve manter o preconizado pelo dispositivo do Decreto-Lei

FINANCIAMENTO. IRRELEVANTE O LOCAL DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO, DA ENTREGA DO BEM OU DE OUTRAS ATIVIDADES PREPARATÓRIAS EAUXILIARES À PERFECTIBILIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA, A QUAL SÓ OCORRE EFETIVAMENTE COM A APROVAÇÃO DA PROPOSTA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. BASE DE CÁLCULO. PREJUDICADA A ANÁLISE DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 148 DO CTN E 9 DO DL 406⁄68. RECURSO ESPECIAL DE POTENZA LEASING S⁄A ARRENDAMENTO MERCANTIL PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTES OS EMBARGOS À EXECUÇÃO E RECONHECER A ILEGITIMIDADE ATIVA DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO⁄SC PARA EXIGIR O IMPOSTO. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 8⁄STJ. Recorrente: Potenza Leasing S/A Arrendamento Mercantil. Recorrido: Município de Tubarão. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília, 28 de novembro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=200801101098&data=5/3/2013>. Acesso em 23 set. 2013. 15 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Recurso Extraordinário nº 592905. Relator Min. Eros Grau. Recorrente: HSBC Investment Bank Brasil S/A – Banco de Investimento. Recorrido: Município de Caçador. Brasília, 5 de março de 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+592905%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+592905%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d2f6qdx>. Acesso em 22 set. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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n. 406/1968, sendo devido o tributo relativo aos fatos jurídicos tributários ocorridos

sob a sua égide no Município do estabelecimento prestador. Após a entrada em

vigor da Lei Complementar n. 116/2003, a sua vigência, os fatos tributários

consideram-se ocorridos no local da prestação do serviço, conforme já sedimentada

jurisprudência do STJ.

Ressalte-se que tal entendimento representa uma mudança de paradigma, eis

que a Corte vinha entendendo, mesmo à luz do Decreto-Lei, que o fato jurídico

tributário reputava-se ocorrido no local da prestação. Entretanto, releva o Ministro

Relator que tal opção legislativa representa “um potente duto de esvaziamento das

finanças das localidades periféricas do sistema bancário nacional”. Desta forma, deu

parcial provimento ao referido recurso, para definir que “(b) o sujeito ativo da relação

tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento

prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente

prestado, onde a relação é perfectibilizada”.

Interessante ressaltar o que é trazido pelo voto do Ministro Herman Benjamin

sobre os dispositivos que regem a matéria. Entendeu o julgador que tanto o Decreto-

Lei quanto a Lei Complementar reconhecem como devido o ISS ao local do “fato

gerador”. Entretanto, por dificuldades práticas, “determinou-se a ficção legal de que

ele (o local do fato gerador) corresponde ao do estabelecimento prestador do

serviço, como regra”.

Por fim, em voto-vista exarado pelo Ministro Mauro Campbell Marques,

consignou-se de forma expressa que o procedimento adotado para o julgamento do

referido Recurso Especial “atinge não apenas os feitos nos quais se discute a

incidência do ISS sobre operações de arrendamento mercantil, mas todos os casos

em que a competência para a cobrança do ISS é definida pelo revogado art. 12, “a”,

do Decreto-Lei 406/68”, deixando clara a disciplina do assunto atualmente, o que

ressalta a pertinência com o presente estudo.

Assim, em razão de ter o Recurso Especial n. 1.060.210/SC caráter

representativo de controvérsia, todos os casos que versem sobre ISS devem

respeitar o que foi decidido no caso analisado, devendo-se levar em consideração a

data da ocorrência do fato jurídico tributário, para que se verifique se o Município

competente para a cobrança do tributo é o do local do estabelecimento (fatos

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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ocorridos sob a égide do Decreto-Lei n. 406/1968) ou o do local da prestação do

serviço (fatos ocorridos à luz da Lei Complementar n. 116/2003).

5 CONCLUSÕES

Com o objetivo de se verificar quais as correntes preponderantes sobre o

assunto, o presente artigo voltou-se à análise de temas de grande importância

teórica e prática no ramo do Direito Tributário.

A disciplina do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza é matéria

objeto de dissenso desde a instituição do tributo em meados da década de 1960.

Como restou demonstrado, a doutrina nunca foi unânime – e ainda não o é – em

relação ao local onde deve ser recolhido o ISS, o que gerou infindáveis debates

teóricos. Entretanto, a prática tributária sempre foi complicada, e o contribuinte

continuava à mercê da discricionariedade dos Fiscos Municipais.

A jurisprudência nacional, antes mesmo da edição da Lei Complementar n.

116/2003, já havia sedimentado posicionamento no sentido de que o imposto é

devido no local da prestação do serviço, contrariando o texto posto. No entanto,

ainda surgiam decisões desarmônicas, deixando os sujeitos passivos do ISS em

total desamparo com relação a este assunto.

Não raras vezes o Judiciário se viu obrigado a decidir contendas individuais

entre as Municipalidades e o contribuinte, forçado ao pagamento do ISS referente ao

mesmo fato jurídico tributário em face de duas pessoas políticas diferentes.

Objetivando à uniformização das decisões judiciais nacionais, o Superior Tribunal de

Justiça elegeu o Recurso Especial n. 1.060.210/SC como representativo da

controvérsia, o que, como é sabido, faz com que a decisão nele exarada gere efeitos

para todos os outros casos semelhantes.

O cerne da controvérsia diz respeito ao local onde deve ser cobrado o ISS: se

onde situado o estabelecimento prestador ou no local da efetiva prestação de

serviços. Diante do que foi exposto, não se pode ter dúvidas de que a razão assiste

aos que entendem ser devido o ISS no local da prestação do serviço. Isto porque

não pode a lei tributária ser dotada de extraterritorialidade. A possibilidade de se

atribuir efeitos extraterritoriais à lei tributária constitui afronta grave ao princípio

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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federativo e da autonomia dos Municípios, resultando em usurpação de competência

de um ente por outro.

Diante disso, acertada a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que

determina que nas relações jurídicas tributárias ocorridas sob a égide da Lei

Complementar n. 116/2003, os fatos jurídicos tributários devem reputar-se ocorridos

e os respectivos impostos devidos aos Municípios onde efetivamente prestados os

serviços, independentemente do que dispõe o texto legal.

Ressalve-se, entretanto, que em razão de não ter ainda transitado em julgado

a decisão do Recurso Especial n. 1.060.210/SC, não se pode falar em coisa julgada

em relação à matéria. O STJ, porém, demonstra interesse em unificar a

jurisprudência nacional, a fim de garantir a tão almejada segurança jurídica.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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REFERÊNCIAS

ARZUA, Heron. O imposto sobre serviços e o princípio da territorialidade. In:

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limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer

cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e

municipais, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do

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arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12,

alínea a do Decreto-Lei n.º 406/68. II - Embargos rejeitados. Embargos de

Divergência no Recurso Especial nº 130792/CE. Embargante: Corpo de Vigilantes

Particulares Ltda – Corpvs e outro. Embargado: Município de Juazeiro do Norte.

Relator: Ministro Ari Pargendler. Brasília, 12 de junho de 2000. Disponível em:

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EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE

ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO. QUESTÃO PACIFICADA PELO

STF POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RE 592.905⁄SC, REL. MIN.

EROS GRAU, DJE 05.03.2010. SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA

NA VIGÊNCIA DO DL 406⁄68: MUNICÍPIO DA SEDE DOESTABELECIMENTO

PRESTADOR. APÓS A LEI 116⁄03: LUGAR DA PRESTAÇÃO DO

SERVIÇO. LEASING. CONTRATO COMPLEXO. A CONCESSÃO DO

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

324

FINANCIAMENTO É O NÚCLEO DO SERVIÇO NAOPERAÇÃO

DE LEASING FINANCEIRO, À LUZ DO ENTENDIMENTO DO STF. O SERVIÇO

OCORRE NO LOCAL ONDE SE TOMA A DECISÃO ACERCA DA APROVAÇÃO

DO FINANCIAMENTO, ONDE SE CONCENTRA O PODER DECISÓRIO, ONDE SE

SITUA A DIREÇÃO GERAL DA INSTITUIÇÃO. O FATO GERADOR NÃO SE

CONFUNDE COM A VENDA DO BEM OBJETO DO LEASING FINANCEIRO, JÁ

QUE O NÚCLEO DO SERVIÇO PRESTADO É O

FINANCIAMENTO. IRRELEVANTE O LOCAL DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO,

DA ENTREGA DO BEM OU DE OUTRAS ATIVIDADES PREPARATÓRIAS

EAUXILIARES À PERFECTIBILIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA, A QUAL SÓ

OCORRE EFETIVAMENTE COM A APROVAÇÃO DA PROPOSTA PELA

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. BASE DE CÁLCULO. PREJUDICADA A ANÁLISE DA

ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 148 DO CTN E 9 DO DL 406⁄68. RECURSO

ESPECIAL DE POTENZA LEASING S⁄A ARRENDAMENTO MERCANTIL

PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTES OS EMBARGOS À

EXECUÇÃO E RECONHECER A ILEGITIMIDADE ATIVA DO MUNICÍPIO

DE TUBARÃO⁄SC PARA EXIGIR O IMPOSTO. INVERSÃO DOS ÔNUS

DE SUCUMBÊNCIA. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DO ART. 543-

C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 8⁄STJ. Recorrente: Potenza Leasing S/A

Arrendamento Mercantil. Recorrido: Município de Tubarão. Relator: Ministro

Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília, 28 de novembro de 2012. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=20080110

1098&data=5/3/2013>. Acesso em 23 set. 2013.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO

TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING

FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento

mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing

financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros

dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para

os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente

descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição.

No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto,

o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço,

sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra

nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se

nega provimento. Recurso Extraordinário nº 592905. Relator Min. Eros Grau.

Recorrente: HSBC Investment Bank Brasil S/A – Banco de Investimento. Recorrido:

Município de Caçador. Brasília, 5 de março de 2010. Disponível em:

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%2ESCLA%2E+E+592905%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2

+592905%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d2f6qdx>.

Acesso em 22 set. 2013.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

325

REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS:

OS REGIMES EM ESPÉCIE

SPECIAL CUSTOMS REGIMENS:

THE REGIMENS IN KIND

Nicolle Brito Malucelli16

Mauricio Dalri Timm do Valle17

16 Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba – UNICURITIBA. 17 Mestre e Doutorando em Direito do Estado – DireitoTributário – pela UFPR. Especialista em DireitoTributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela UFPR. Professor de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Professor-Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário e Processual Tributário e do Curso de Especialização em Direito Aduaneiro, ambos do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Associado à Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito - ABRAFI. Membro do Grupo de Pesquisa em "Fundamentos do Direito", orientado pelo Professor Doutor Cesar Antônio Serbena e do Grupo de Pesquisa em "Direito Tributário Empresarial", orientado pelo Professor Doutor José Roberto Vieira, ambos do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. .

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

326

SUMÁRIO

1. Introdução – 2. Regimes Aduaneiros Especiais – 3. Trânsito Aduaneiro – 4.

Admissão Temporária – 5. Entreposto Aduaneiro – 6. Entreposto Industrial – 7.

Exportação Temporária – 8. Áreas de Livre Comércio e Amazônia Ocidental – 9.

Zona de Processamento de Exportação (ZPE) – 10. O Regime Aduaneiro Especial

de Drawback

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

327

RESUMO

O presente Artigo tem como intuito contribuir para a melhor compreensão dos

Regimes Aduaneiros Especiais, observadas suas peculiaridades, funcionamento,

previsões legais, bem como sua aplicação no comércio. A pesquisa dará maior

atenção ao Regime Aduaneiro Especial de Drawback, mas sem deixar de mencionar

diferentes pontos relevantes de outros regimes, que dão suporte ao estudo. Serão

estudados os Regimes Aduaneiros Especiais em espécies, um a um, assim. E por

fim, pretende-se focar na compreensão do Regime Aduaneiro Especial de

Drawback, demonstrando suas definições, doutrinárias e legais, formas de

ocorrência e contribuições nas relações aduaneiras tributárias, inclusive nas

relações de comércio exterior.

Palavras-chave: Regimes. Aduaneiro. Especial. Tributaries.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

328

ABSTRACT

The present article was written to better understand Special Customs Regime in

Brazil, and their particularities, functions, legal dispositions, as well, as how they are

applied in commerce. The research will present a more focused analysis of the

Drawback system, within the Special Customs Regime, but a brief overview will be

conducted as to the other regimes, which provide support to the overall monograph.

Each of the Regimes will be analyzed one by one, pointing out specific details and

forms of application. Finally point out legal and doctrinal definitions, the forms of

application and collection of the taxation as related to Brazilian Customs Law,

including external commerce.

Keywords: Regimes, Customs Law, Special, Drawback. Taxation

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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1 INTRODUÇÃO

O interesse despertado pelo tema escolhido, deu-se em razão da leitura, e

observância da necessidade em trazer ao meio acadêmico maiores debates sobre

os regimes aduaneiros especiais e suas modalidades, especialmente o Drawback,

de grande relevância para o cenário atual e futuro de nosso país, bem como suas

relações, tanto externas quanto internas.

A modalidade escolhida, o Drawback, se deu em virtude da leitura do livro

Regimes Aduaneiros Especiais, de Liziane Angelotti Meira, que trata dos conceitos e

regras do Direito Tributário, e regimes aduaneiros especiais, explorando-os de

maneira clara e objetiva. Devido a isso, não se pode deixar de expor a importância

do Drawback para as questões de comércio exterior no Brasil, além de seus

benefícios e incentivos trazidos a economia.

Nesta pesquisa temos como propósito: definir de maneira breve os regimes

aduaneiros especiais, tratar da legislação específica, alcançando o Drawback e suas

modalidades, demonstrando desde sua definição até sua aplicação.

É importante ressaltar que o estudo procurará demonstrar o cunho

exclusivamente jurídico do tema, não deixando serem esquecidas as questões

econômicas, sociais e comerciais.

Trataremos dos regimes aduaneiros especiais, a saber: trânsito aduaneiro;

admissão temporária; entreposto aduaneiro e industrial; exportação temporária;

áreas de livre comércio e Amazônia ocidental; zona de processamento de

exportação - ZPE e finalmente, o foco da pesquisa: o Drawback, que inicialmente

será apenas mencionado, para posteriormente o analisarmos com as devidas

propriedades.

Importante demonstrar a legislação esparsa que abrange os regimes

aduaneiros especiais, iniciando pela Constituição Federal, pois não há que se falar

em estudos jurídicos, sem tratar de nossa Carta Magna, devem ser observados

também, os princípios que norteiam o Direito Tributário Brasileiro, o Código

Tributário Nacional, o Decreto-lei nº 37 de 21 de novembro de 1966, que deu origem

ao Drawback e aos demais regimes aduaneiros especiais, além dos regulamentos

da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), do Departamento de Comércio Exterior

(DECEX) e do Sistema de Comércio Exterior (SISCOMEX), e finalmente o

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

330

Regulamento Aduaneiro, que serão encontrados no decorrer de toda pesquisa

conforme a necessidade de cada objeto estudado.

Por fim, trataremos do Drawback, o foco desta pesquisa, conceituando-o,

expondo suas formas de funcionamento, como esta modalidade de regime

aduaneiro especial ocorre, onde ocorre e em que momento, bem como os benefícios

que o regime traz ao cenário brasileiro, e claro, suas dificuldades para ocorrer.

2 REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS

De início é importante destacar que os regimes aduaneiros especiais

diferem-se do regime comum de importação e exportação, em decorrência de

incentivos fiscais concernentes aos impostos sobre o comércio exterior, e de

controle aduaneiro em relação aos bens e objeto da operação.18

Os regimes aduaneiros especiais têm grande importância em nosso cenário,

pois são incentivos a uma maior competitividade do produto brasileiro no mercado

interno e externo.

Com relação aos efeitos e utilidades destes regimes, a Receita Federal

define da seguinte maneira:

A utilização dos regimes aduaneiros especiais tendo em vista a natureza de

cada uma de suas espécies e respectivas aplicações, também tem outros efeitos

importantes na atividade econômica, tais como: o armazenamento, no país, de

mercadorias estrangeiras, por prazo determinado, permitindo ao importador

manutenção de estoques estratégicos e o pagamento de tributos por ocasião do

despacho para consumo; realização de feiras e exposições comerciais; e o

transporte de mercadorias estrangeiras com suspensão de impostos, entre locais

sob controle aduaneiro.19

Afinal, a Receita Federal incumbe o dever de fiscalizar as entradas e saídas

de mercadorias e produtos do país, e portanto, no que concerne aos regimes

especiais.

Faz-se necessário entender, que o território aduaneiro não compreende

apenas um determinado espaço, mas possui uma abrangência, que podemos

18 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. p. 161 19 www.receita.fazenda.gov.br/Historico/srf/Boaspraticas/aduana/Regimes.htm

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

331

chamar de geral em nosso território, tais como: águas (rios e mares), fronteiras

terrestres, inclusive o céu, onde se concentra o tráfego aéreo, portanto os tributos,

isenções e as condições tributárias, de maneira geral, englobam todo este território,

assim como as leis. Como podemos observar no Artigo 33, I e II, § único do Decreto-

lei 37 de 21 de novembro de 1966:

Art.33 - A jurisdição dos serviços aduaneiros se estende por todo o território aduaneiro, e abrange: I - Zona primária - compreendendo as faixas internas de portos e aeroportos, recintos alfandegados e locais habilitados nas fronteiras terrestres, bem como outras áreas nos quais se efetuem operações de carga e descarga de mercadoria, ou embarque e desembarque de passageiros, procedentes do exterior ou a ele destinados; II - Zona secundária - compreendendo a parte restante do território nacional, nela incluídos as águas territoriais e o espaço aéreo correspondente. Parágrafo único. Para efeito de adoção de medidas de controle fiscal, poderão ser demarcadas, na orla marítima e na faixa de fronteira, zonas de vigilância aduaneira, nas quais a existência e a circulação de mercadoria estarão sujeitas às cautelas fiscais, proibições e restrições que forem prescritas no regulamento.

Além dos '' regimes aduaneiros especiais '', encontramos a definição

''regimes aduaneiros atípicos'', regulados por outros atos normativos, que apesar de

Liziane Angelotti Meira não concordar com tal divisão, pois diz não haver sentido

pelo fato de todos se identificarem como benefícios fiscais condicionais, e os

produtos submetidos a controle fiscal, a autora faz crítica, dizendo servir apenas

para confundir o intérprete.20

Para facilitar o entendimento de tais distinções, observaremos cada uma

das modalidades de regimes aduaneiros especiais e atípicos. Sendo regimes

aduaneiros especiais: Trânsito Aduaneiro; Admissão Temporária; Drawback;

Entreposto Aduaneiro; Entreposto Industrial e Exportação Temporária, que

estudaremos separadamente nos tópicos seguintes. Entre os regimes atípicos,

trataremos os seguintes: Lojas Francas; Depósito Especial Alfandegado (DEA);

Depósito Afiançado (DAF); Depósito Franco e Depósito Alfandegado Certificado

(DAC).

20 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. p. 163

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

332

3 TRÂNSITO ADUANEIRO

Este regime permite o transporte de mercadoria, sob controle aduaneiro, de

um ponto a outro do território aduaneiro, com suspensão dos tributos, de acordo

com o artigo 73, § único do Decreto-lei 37/66:

Art.73 - O regime de trânsito é o que permite o transporte de mercadoria sob controle aduaneiro, de um ponto a outro do território aduaneiro, com suspensão de tributos. Parágrafo único. Aplica-se, igualmente, o regime de trânsito ao transporte de mercadoria destinada ao exterior.

Por meio do trânsito aduaneiro, regulado não apenas pelo decreto, mas por

acordos internacionais, introduzidos na legislação interna por atos normativos

brasileiros, o país onde ocorre o trânsito pode ser considerado apenas um

intermediário na relação, não havendo razão para serem cobrados tributos das

mercadorias, que apenas transitam pelo território aduaneiro, sem causar efeitos em

nossas relações internas.

O comércio internacional admite que os bens negociados sejam

transportados do Estado exportador até o importador. No percurso, muitas vezes,

faz-se mister a travessia do território de países não envolvidos na transação.21

O regime pode ser aplicado nos seguintes casos: transporte de passagem de

bem procedente do exterior e destinado a outro país; transporte de bem importado,

de uma unidade aduaneira à outra, a fim de se promover o despacho de importação

na segunda; transporte de produto despachado para exportação, da unidade

aduaneira de despacho para a unidade aduaneira de efetiva exportação e o

transporte de produto estrangeiro ou desnacionalizado que tenha sido ou esteja

destinado a ser objeto de outro regime aduaneiro especial. 22

4 ADMISSÃO TEMPORÁRIA

De acordo com a definição dada pela Receita Federal, a admissão

temporária é o regime aduaneiro que permite a entrada no país de certas

21 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. p. 165 22 Ibid., p.166

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

333

mercadorias, com uma finalidade e por um período de tempo determinado, com a

suspensão total ou parcial do pagamento de tributos aduaneiros incidentes na sua

importação, com o compromisso de serem reexportadas.23

A autora Liziane Angelotti Meira, complementa esta definição quando diz que

o intercâmbio cultural entre os países e também o incremento do comércio

internacional exigiram que fosse criado este regime especial, permitindo a entrada,

permanência por certo tempo e saída do país, sem pagamento dos tributos.

O regime tem previsão legal nos artigos 75 a 77 do Decreto-lei 37/66, com

redação observada a seguir:

Art.75 - Poderá ser concedida, na forma e condições do regulamento, suspensão dos tributos que incidem sobre a importação de bens que devam permanecer no país durante prazo fixado. § 1º - A aplicação do regime de admissão temporária ficará sujeita ao cumprimento das seguintes condições básicas: I - garantia de tributos e gravames devidos, mediante depósito ou termo de responsabilidade; II - utilização dos bens dentro do prazo da concessão e exclusivamente nos fins previstos; III - identificação dos bens. § 2º - A admissão temporária de automóveis, motocicletas e outros veículos será concedida na forma deste artigo ou de atos internacionais subscritos pelo Governo brasileiro e, no caso de aeronave, na conformidade, ainda, de normas fixadas pelo Ministério da Aeronáutica. § 3º - A disposição do parágrafo anterior somente se aplica aos bens de pessoa que entrar no país em caráter temporário. § 4o A Secretaria da Receita Federal do Brasil disporá sobre os casos em que poderá ser dispensada a garantia a que se refere o inciso I do § 1o. Art.76 - O Departamento de Rendas Aduaneiras poderá disciplinar, com a adoção das cautelas que forem necessárias a entrada dos bens a que se refere o § 2º do artigo anterior, quando importados por brasileiro domiciliado ou residente no exterior, que entre no país em viagem temporária. Art.77 - Os bens importados sob o regime de admissão temporária poderão ser despachados, posteriormente, para consumo, mediante cumprimento prévio das exigências legais e regulamentares.

5 ENTREPOSTO ADUANEIRO

O Entreposto Aduaneiro é um instrumento de fomento à indústria e comércio

nacionais. Neste regime, o produto já desnacionalizado, ou seja, despachado para

exportação tem sua entrada e permanência autorizadas no território nacional em

23 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/regadmexporttemp/regadm/regespadmtemp.htm Acessado em 10/05/2013

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

334

depósito, diante do controle aduaneiro, sem pagamento dos impostos sobre

importação, circulação e operações com produtos industrializados.

É normalmente concedido, nos casos de ingresso de mercadorias

estrangeiras e depósito, para eventual venda no País (com pagamento somente

neste momento dos impostos sobre a importação) ou para reexportação sem que

sejam devolvidos os impostos; quando ocorre a introdução no território nacional e

armazenamento de produtos estrangeiros, sem o pagamento dos impostos sobre a

importação, para posterior transferência a outro regime aduaneiro especial; para o

ingresso de mercadorias estrangeiras, sem o pagamento dos impostos sobre a

importação, para que sejam vendidas a turistas procedentes do exterior (Lojas

Francas) e os produtos de origem brasileira despachados para exportação

(desnacionalizados) que permaneçam no País, por algum tempo, antes que se

efetive a exportação (o intento é viabilizar a pronta remessa, no momento oportuno,

da mercadoria para o exterior).24

O regime é regulamentado pelos artigos 404 a 419 do Regulamento

Aduaneiro e no Decreto-lei nº 1.455 de 07 de abril de 1976, que estabelece o

Entreposto Aduaneiro na importação e na exportação.

Podemos observar, ainda, algumas modalidades específicas de Entreposto

Aduaneiro, como por exemplo as Lojas Francas, tratadas no art. 15 do Decreto-lei n°

1.455/76, localizadas em portos ou aeroportos. Esta modalidade tem por objetivo

permitir que a mercadoria estrangeira adentre o território brasileiro e seja vendida,

sem o pagamento dos impostos incidentes sobre a importação para turistas em

viagens internacionais, a missões diplomáticas, repartições consulares e

representações de organismos internacionais de caráter permanente, ou a

embarcações e aeronaves estrangeiras para uso e consumo de bordo. 25

Outra modalidade é o Depósito de Loja Franca (DELOF), que difere da

modalidade de Loja Franca, pois foi concebido com o objetivo de venda de

mercadorias aos órgãos estrangeiros. As vendas realizadas pelos DELOFs podem

ser programadas ou ocasionais: Relações Exteriores, as vendas ocasionais são

efetuadas diretamente à clientela autorizada dentro dos limites e condições

estabelecidos, a saber: valor mensal de até quinhentos dólares dos Estados Unidos

24 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. p. 228 25 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 235

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

335

da América, não cumulativo; quantidades que não apontem destinação comercial e

limitação quantitativa mensal para os produtos.26

O Depósito Especial Alfandegado (DEA), também merece ser citado, como

um dos regimes de Entreposto Aduaneiro, o qual consiste na permissão para que

um produto possa adentrar no País e nele permanecer em depósito, aguardando a

reexportação, destruição, sua transferência para outro regime ou o despacho para

consumo, no caso de permanência do produto em território nacional, os impostos

sobre importação deverão incidir. A base legal deste regime, encontra-se no

Decreto-lei no 1455/76. Vale ressaltar, que as mercadorias não podem permanecer

no país pelo tempo que acharem necessário, a não ser por questões de interesse

econômico determinadas pelo Ministro da Fazenda, caso contrário o produto apenas

poderá permanecer pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos, como observa o art. 401

do RA. 27

Depósito Afiançado (DAF), também entre as modalidades de Entreposto

Aduaneiro, permite que o produto estrangeiro possa adentrar ao País e permanecer

em depósito sob controle aduaneiro, para ser empregado na manutenção e reparo

de veículos utilizados no transporte internacional de mercadorias ou passageiros

pertencentes a empresas autorizadas a operar nesse serviço, sem o pagamento dos

impostos federais incidentes sobre a importação. Neste caso não há venda da

mercadoria, portanto não incidem os impostos sobre o comércio exterior. O regime

especial tem fulcro no Decreto-lei 1.455/76, que trata do Entreposto Aduaneiro e no

Regulamento Aduaneiro (RA) nos arts. 488 a 492. Em relação ao prazo máximo do

DAF, observamos similitude ao Depósito Especial Alfandegado, pois o RA prevê o

prazo de cinco anos, mas não há hierarquia de lei neste sentido.28

O Depósito Franco, modalidade de Entreposto Aduaneiro, com previsão legal

nos arts. 499 a 503 do Regulamento Aduaneiro, permite que bens estrangeiros

destinados a países limítrofes com o Brasil ou exportado a terceiros, sejam

introduzidos em nosso território nacional e mantidos em armazéns sob controle

aduaneiro brasileiro. Deve ser realizada a verificação aduaneira das mercadorias, se

26 Ibid.. p.240 27 Ibid., p.241 28 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 243

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

336

a permanência em Depósito Franco ultrapassar o prazo de 90 dias da entrada no

local. 29

Depósito Aduaneiro de Distribuição (DAD), outra modalidade de Entreposto

Aduaneiro na importação, o qual também não possui base legal específica,

encontrando-se apenas no Decreto-lei 1.455/76 nos artigos que tratam do

Entreposto Aduaneiro. Pode ser definido, como o regime aduaneiro especial de uso

privativo, que permite o entrepostamento de mercadorias estrangeiras importadas

sem cobertura cambial e destinadas à exportação, reexportação para terceiros

países ou a despacho para consumo.

Este regime que tratamos, deve ser utilizado em conjunto com o regime

especial de Drawback, objetivo de nosso estudo, ou com o regime de Entreposto

Industrial. Deste modo, as empresas podem importar mercadorias estrangeiras,

realizar a industrialização destes produtos, deixar a mercadoria depositada no Brasil

até que seja negociada com compradores para promover a reexportação, que no

caso, haverá a isenção dos impostos de importação, porém se os produtos forem

vendidos no território nacional, incidirão os impostos de importação. 30

O regime de Depósito Aduaneiro Certificado (DAC), é uma espécie de

depósito aduaneiro de uso público, e foi instituído com a finalidade de permitir o

depósito de mercadorias produzidas no Brasil, despachadas para exportação e

colocadas à disposição do comprador estrangeiro em local alfandegado de uso

público, devidamente autorizado. O controle administrativo é realizado pela

Secretaria de Comércio Exterior (SISCOMEX)31, e por meio do registro de

exportação (RE) no SISCOMEX-Exportação

29 Ibid., p.247 30 Id. 31 O Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, instituído pelo Decreto nº 660, de 25 de setembro de 1992, é um sistema informatizado responsável por integrar as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, através de um fluxo único e automatizado de informações. O SISCOMEX permite acompanhar tempestivamente a saída e o ingresso de mercadorias no país, uma vez que os órgãos de governo intervenientes no comércio exterior podem, em diversos níveis de acesso, controlar e interferir no processamento de operações para uma melhor gestão de processos. Por intermédio do próprio Sistema, o exportador (ou o importador) trocam informações com os órgãos responsáveis pela autorização e fiscalização. – Disponível em http://www.mdic.gov.br/siscomex/siscomex.html Acessado em 13/05/2013

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Um dado importante, relevante para o foco desta pesquisa, está no fato das

mercadorias no regime de DAC poderem ser transferidas para o regime de

Drawback. 32

Com relação ao Entreposto Aduaneiro, trataremos de sua última modalidade,

o Entreposto Aduaneiro Internacional na Zona Franca de Manaus (EIZOF), que tem

por finalidade permitir o armazenamento, sem o pagamento dos impostos incidentes

sobre o comércio exterior, de mercadorias destinadas à Amazônia Ocidental, ou

seja, Zona Franca de Manaus e as demais Áreas de Livre Comércio do Brasil, que

localizam-se na cidade de Manaus, no Porto de Manaus e encontra-se sob a

jurisdição da Alfândega da Receita Federal. A administração do EIZOF cabe à

SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus), que deve ser

responsável pela estrutura de prestação dos serviços, da segurança da mercadoria,

tendo o poder de editar atos normativos para regulamentar as atividades do âmbito

de sua competência. Já a Secretaria da Receita Federal incumbe proceder ao

alfandegamento, fiscalizar os tributos e o controle das atividades aduaneiras. 33

6 ENTREPOSTO INDUSTRIAL

Esse regime aduaneiro especial, foi instituído pelos arts. 89 a 91 do Decreto-

lei nº 37/66, regulamentado pelos arts. 420 a 430 do Regulamento Aduaneiro.

Através deste regime, admite-se o ingresso de matérias-primas e produtos

intermediários estrangeiros no Brasil, para a industrialização e posterior

reexportação, sem o pagamento dos impostos devidos. A mercadoria deve

permanecer na indústria, para então ser alfandegada e transformada no Entreposto

Industrial.

Liziane Angelotti Meira trás uma citação em seu livro, que segundo Osiris

Lopes Filho, se faz pertinente a esta pesquisa, pois para o autor há muita similitude

entre os regimes de Drawback e Entreposto Industrial, que ''reside no fato de que a

industrialização, realizada pelo entreposto, deve ocorrer dentro do seu próprio

estabelecimento, enquanto nos outros regimes os graus de liberdade é maior, em

relação aos locais onde se deva proceder à fabricação dos produtos'' . Deve ser

32 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 251 33 Ibid., p. 256

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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observado o prazo máximo de permanência da mercadoria estrangeira no

Entreposto Industrial, de acordo com o art. 90, I do RA.

Dentro do Regime de Entreposto Industrial, encontramos uma modalidade: o

Regime de Entreposto Industrial Sob Controle Informatizado (RECOF), nesse regime

permite-se importar, sem o pagamento dos impostos incidentes sobre a importação,

mercadorias que sejam submetidas a processo de industrialização e posterior

exportação. Uma parte pode ser destinada ao mercado nacional, desde que pagos

os impostos sobre as matérias-primas utilizadas. No RECOF o sujeito passivo tem

de desenvolver e manter um sistema informatizado, interligado com os sistemas da

Receita Federal, que proporcione o controle e fiscalização do regime.

O prazo para a reexportação das mercadorias importadas mediante o

RECOF é de até um ano, prorrogado, no máximo por mais um ano, contando da

data do despacho de admissão dos insumos, de acordo com o Decreto no 4.543 de

2002. 34

7 EXPORTAÇÃO TEMPORÁRIA

No regime de Exportação Temporária, permite-se a saída de produtos do

país para participação em feiras, exposições, mostras agrícolas, culturais,

comerciais ou industriais, assim como no regime de Admissão Temporária, porém

nesse permite-se a importação por um prazo determinado, já no que tratamos no

presente momento, permite-se a exportação pelo prazo de um ano, podendo ser

concedido por mais um ano, porém em casos especiais, poderá ser concedida nova

prorrogação, totalizando período não superior a cinco anos.

A base legal deste regime encontra-se nos arts. 431 a 448 do Regulamento

Aduaneiro.

Em caso de descumprimento das condições previstas, o Poder Público

brasileiro pode cobrar multas, impor sanções ao exportador, porém não tem o poder

para exigir o retorno do produto que se encontra no exterior.35

34 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 261 35 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 269

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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8 ÁREAS DE LIVRE COMÉRCIO E AMAZÔNIA OCIDENTAL

Esta modalidade de regime aduaneiro especial, foi criada com o objetivo de

incentivar o comércio em regiões com menor desenvolvimento econômico, tornando-

as grandes exportadoras, além do estímulo ao comércio com países vizinhos.

As Áreas de Livre Comércio e Amazônia Ocidental, onde os impostos

federais incidentes sobre a importação e sobre a exportação não são devidos, são

extensões do território nacional delimitadas para isto. Enviar produtos de outras

regiões do território nacional a estas áreas, equivale a exportação, e a entrada de

produtos procedentes de Áreas Francas no restante do país denomina-se de

internação, que se assemelha a importação.

No caso de convênio com Estados e Municípios ou leis emanadas dos

titulares das respectivas competências tributárias, podem não ser devidos, nas

circunscrições determinadas, o imposto sobre a circulação de mercadorias e sobre

serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) e o

imposto sobre serviço de qualquer natureza (ISS).

Estas áreas possuem um prazo determinado de funcionamento, pois

perduram até que a economia do local alcance um patamar que o favoreça, para

que não dependam mais de incentivos governamentais de tal maneira.

A isenção prevista nas Áreas de Livre Comércio e Amazônia Ocidental, é

condicional, pois não permite que sejam comercializados todos os tipos de produtos,

como por exemplo: armas, munições, pois neste caso os impostos incidirão

normalmente.

Estão sujeitas ao controle direto de duas autoridades públicas federais, são

elas: a Secretaria da Receita Federal, que tem a incumbência de realizar a

fiscalização tributária e o controle aduaneiro, podendo editar atos normativos neste

âmbito. De outro lado observamos a SUFRAMA36, autarquia, que tem por finalidade,

promover investimentos e administrar a Zona Franca de Manaus e outras Áreas de

Livre Comércio.

36 Superintendência da Zona Franca de Manaus.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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9 ZONA DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÃO (ZPE)

Este regime aduaneiro especial é uma espécie de isenção tributária

condicional, em que empresas beneficiárias somente podem importar os

equipamentos e os insumos necessários à produção, pois o regime é concedido

para empresas situadas em partes pré delimitadas do território nacional, voltadas à

produção de bens para serem comercializados exclusivamente com o exterior e

submetidos a controle aduaneiro. As empresas beneficiadas com o regime podem

importar apenas equipamentos, máquinas, aparelhos, instrumentos, peças, insumos

e outros bens integrantes do processo produtivo e que estejam relacionados no

projeto aprovado pelo ato que autorizou a instalação.

Em alguns aspectos, o regime de ZPE possui características semelhantes

ao Drawback/reexportação, pois nesse permite-se que a mercadoria estrangeira

adentre no território brasileiro, seja objeto de industrialização, e então reexportada

sem o pagamento dos impostos incidentes sobre a importação e circulação.

A Zona Processamento de Exportação possui base legal no Decreto-lei 6.814

de 2009.

10 REGIME ADUANEIRO ESPECIAL DE DRAWBACK

Após estudar as bases e os requisitos que norteiam os regimes aduaneiros

especiais, tendo como foco principal o Drawback, finalizar-se-á esta pesquisa

tratando do Drawback, propriamente dito, ou seja, seu significado, suas

modalidades, funções, objetivos, bem como suas peculiaridades.

De início, importante observar o significado do Drawback, dado pela Receita

Federal e pela doutrina. De acordo com a Receita Federal, tal regime aduaneiro

especial, compreende-se da seguinte maneira:

''... consiste na suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em produto exportado. O mecanismo funciona como um incentivo às exportações, pois reduz os custos de produção de produtos exportáveis, tornando-os mais competitivos no mercado internacional''37

37 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 21/09/2013

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Liziane Angelotti Meira traz a seguinte definição, a respeito do Drawback:

‘’...concebido com o intuito de estimular a exportação de produtos manufaturados. No Brasil, mediante este regime especial autoriza-se o industrial a importar insumos sem o pagamento dos impostos industrializados para o exterior’’38

Como base legal observa-se o art. 78 do Decreto-lei 37/6639, bem como o art. 1º da

Lei 8.802/9240 e o art. 5º da Lei 8.032/9041. Na modalidade são previstos três

38 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 211 39 Art.78 - Poderá ser concedida, nos termos e condições estabelecidas no regulamento: I - restituição, total ou parcial, dos tributos que hajam incidido sobre a importação de mercadoria exportada após beneficiamento, ou utilizada na fabricação, complementação ou acondicionamento de outra exportada; II - suspensão do pagamento dos tributos sobre a importação de mercadoria a ser exportada após beneficiamento, ou destinada à fabricação, complementação ou acondicionamento de outra a ser exportada; III - isenção dos tributos que incidirem sobre importação de mercadoria, em quantidade e qualidade equivalentes à utilizada no beneficiamento, fabricação, complementação ou acondicionamento de produto exportado. 40 Art. 1° São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais; I - incentivos à exportação decorrentes dos regimes aduaneiros especiais de que trata o art. 78, incisos I a III, do Decreto-Lei n° 37, de 18 de novembro de 1966; II - manutenção e utilização do crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados relativo aos insumos empregados na industrialização de produtos exportados, de que trata o art. 5° do Decreto-Lei n° 491, de 5 de março de 1969; III - crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre bens de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno e exportados de que trata o art. 1°, inciso I, do Decreto-Lei n° 1.894, de 16 de dezembro de 1981;IV - isenção e redução do Imposto de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados, a que se refere o art. 2°, incisos I e II, alíneas a f, h e j, e o art. 3° da Lei n° 8.032, de 12 de abril de 1990;V - isenção e redução do Imposto de Importação, em decorrência de acordos internacionais firmados pelo Brasil; VI - isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados na aquisição de produto nacional por Lojas Francas, de que trata o art. 15, § 3°, do Decreto-Lei n° 1.455, de 7 de abril de 1976, com a respectiva manutenção e utilização do crédito do imposto relativo aos insumos empregados na sua industrialização; VIII - isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre aeronaves de uso militar e suas partes e peças, bem como sobre material bélico de uso privativo das Forças Armadas, vendidos à União, de que trata o art. 1° da Lei n° 5.330, de 11 de outubro de 1967; X - isenção do Imposto de Renda na Fonte incidente sobre as remessas ao exterior de juros devidos por financiamentos à exportação, de que tratam o art. 1° do Decreto-Lei n° 815, de 4 de setembro de 1969, com a redação dada pelo art. 87 da Lei n° 7.450, de 23 de dezembro de 1985, e o art. 11 do Decreto-Lei n° 2.303, de 21 de novembro de 1986; XI - isenção do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários incidente sobre operações de financiamento realizadas mediante emissão de conhecimento de depósito e warrant representativos de mercadorias depositadas para exportação em entrepostos aduaneiros, de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n° 1.269, de 18 de abril de 1973; XII - isenção do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários incidente sobre operações de financiamento realizadas por meio de cédula e nota de crédito à exportação, de que trata o art. 2° da Lei n° 6.313, de 16 de dezembro de 1975;XIII - isenção do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários incidente sobre operações de câmbio realizadas para o pagamento de bens importados, de que trata o art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19 de maio de 1988; XIV - não incidência da Contribuição para o Fundo de Investimento Social (Finsocial) sobre as exportações, de que trata o art. 1°, § 3°, do Decreto-Lei n° 1.940, de 25 de maio de 1982.XV - isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados para as embarcações com a respectiva manutenção e utilização do crédito do imposto relativo aos insumos

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

342

requisitos, dos quais, permite-se a entrada da mercadoria estrangeira no território

brasileiro, esta sofra processo de industrialização e seja reexportada, sem o

pagamento dos impostos federais que incidem sobre a importação; não serão

cobrados impostos sobre mercadorias semelhantes em qualidade e quantidade

utilizada em produto exportado, e se procederá a restituição ou compensação dos

impostos federais pagos na importação de mercadoria estrangeira objeto de

industrialização no Brasil, logo após, destinada ao exterior novamente.42

No Drawback encontram-se três modalidades do regime, quais sejam: O

Drawback Isenção, Restituição e Suspensão, de acordo com os art. 383, I, II, III do

Regulamento Aduaneiro43

Segundo definições dadas pela Receita Federal, o Drawback Isenção,

previsto nos arts. 393 ao 396 do Regulamento Aduaneiro, como o próprio nome

aponta, consiste na isenção dos tributos incidentes na importação mercadoria,

equivalente em quantidade e qualidade, destinada à reposição de outra importada

anteriormente, com pagamento de tributos e utilizada na industrialização de produto

exportado. Nesta modalidade, é concedido o Drawback para Reposição de Matéria

Prima Nacional, o qual consiste na importação de mercadoria para reposição de

matéria prima nacional utilizada em processo de industrialização de produto

exportado, objetivando o benefício da indústria exportadora ou do fornecedor

empregados na sua industrialização, de que trata o § 2° do art. 17 do Decreto-Lei n° 2.433, de 19 de maio de 1988, com a redação dada pelo Decreto-Lei n° 2.451, de 29 de julho de 1988.) 41 Art. 5º O regime aduaneiro especial de que trata o inciso II do art. 78 do Decreto-Lei no 37, de 18 de novembro de 1966, poderá ser aplicado à importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes destinados à fabricação, no País, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional, contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional, da qual o Brasil participe, ou por entidade governamental estrangeira ou, ainda, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, com recursos captados no exterior 42 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 211 43 Art. 383. O regime de drawback é considerado incentivo à exportação, e pode ser aplicado nas seguintes modalidades: I - suspensão - permite a suspensão do pagamento do Imposto de Importação, do Imposto sobre Produtos Industrializados, da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, na importação, de forma combinada ou não com a aquisição no mercado interno, de mercadoria para emprego ou consumo na industrialização de produto a ser exportado; II - isenção - permite a isenção do Imposto de Importação e a redução a zero do Imposto sobre Produtos Industrializados, da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, na importação, de forma combinada ou não com a aquisição no mercado interno, de mercadoria equivalente à empregada ou consumida na industrialização de produto exportado; III - restituição - permite a restituição, total ou parcial, dos tributos pagos na importação de mercadoria exportada após beneficiamento, ou utilizada na fabricação, complementação ou acondicionamento de outra exportada

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

343

nacional, além disso, para atender a conjunturas de mercado. Observa-se ainda o

Drawback Intermediário, e o Drawback para Embarcação, que destacam-se na

modalidade de Suspensão, também. O primeiro, utilizado na industrialização de

produto final destinado à exportação, compreende-se na importação, por empresas

denominadas fabricantes intermediários de mercadoria para industrialização de

produto intermediário, que será fornecido a empresas industriais exportadoras. O

segundo, trata da importação de mercadorias para industrialização de embarcação e

venda no mercado interno.44

O Drawback Restituição, previsto nos arts. 397 a 399 do Regulamento

Aduaneiro, consiste na restituição de tributos pagos na importação de insumo

utilizado em produto exportado. O insumo é importado em substituição ao utilizado

no produto importado e tem de ser equivalente a este produto em qualidade e

quantidade.45 Porém essa modalidade de Drawback está praticamente em desuso.46

O Drawback Suspensão, previsto nos arts. 38947 ao 392 do Regulamento

Aduaneiro, compreende a suspensão dos tributos incidentes na importação de

mercadoria utilizada na industrialização de produto que deve ser exportado, ou seja,

a mercadoria entra no território nacional sem o pagamento dos impostos, conforme

as condições previstas, seja industrializada e redestinada ao exterior, então, os

impostos não serão devidos, no caso de descumprimento, incidirão os tributos

correspondentes48.Essa modalidade aplica-se nas seguintes operações: Drawback

Genérico, que se caracteriza pela discriminação genérica da mercadoria a importar o

seu respectivo valor; Drawback Sem Cobertura Cambial, ou seja, quando não há

cobertura cambial, parcial ou total na importação; Drawback Solidário, no caso de

existência de participação solidária de duas ou mais empresas industriais na

Importação, e por fim, o Drawback para Fornecimento no Mercado Interno, o qual

trata da importação de matéria prima, produto intermediário e componente

44 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 21/09/2013 45 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 216 46 http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm 47 Art. 386. A concessão do regime, na modalidade de suspensão, é de competência da Secretaria de Comércio Exterior, devendo ser efetivada, em cada caso, por meio do SISCOMEX. 48 Meira, Liziane Angelotti - Regimes Aduaneiros Especiais - São Paulo : IOB, 2002. pg 215

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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destinados à industrialização de máquinas e equipamentos no País, para serem

fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional.49

O regime especial tratado, será concedido a empresas industriais ou

comerciais, através do SERPRO, sistema de controle para estas operações,

denominado Sistema de Drawback Eletrônico, desenvolvido pelo SECEX,

implantado em modulo específico do SISCOMEX. O sistema tem como principais

funções: o registro de todas as estas do processo de concessão do drawback em

documento eletrônico; tratamento administrativo automático nas operações

parametrizadas; acompanhamento das importações e exportações que ficam

vinculadas ao sistema.50

Será emitido para empresa, que participe do regime, o Ato Concessório, que

será emitido em nome da empresa industrial ou comercial, que depois de realizar a

importação, enviará a mercadoria ao estabelecimento para industrialização, sendo

necessário, que a exportação do produto seja realizada pela própria empresa

detentora do Drawback. Tanto na modalidade de Isenção, quanto na modalidade de

Suspensão, utilizar o Relatório Unificado de Drawback para a informação dos

documentos registrados no SISCOMEX, são esses: Registro de Exportação (RE);

Declaração de Importação (DI); Registro de Exportação Simplificado (RES), inclusive

manter as notas fiscais de venda no mercado interno. Os documentos que se

identificam no Relatório Unificado de Drawback irão comprovar as operações de

importação e exportação vinculadas ao regime especial de tributação e devem estar

vinculadas ao Ato Concessório para o processamento de baixa no sistema.51

No regime aduaneiro especial de Drawback, as exportações estão sujeitas às

normas gerais em vigor para o produto, bem como ao tratamento administrativo

aplicável. É obrigatória a vinculação do RE ao Ato Concessório de Drawback, pois

um mesmo RE não pode ser utilizado para comprovação de Atos Concessórios

distintos de uma mesma beneficiária. Não será assegurada a obtenção de cota de

importação para mercadoria ou de exportação para produto sujeito a

contingenciamento (medida de programação financeira. Assim como isso existe para

49 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 22/09/2013 50 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 23/09/2013 51 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 23/09/2013

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

345

o governo, a gente também tem esse mesmo efeito na nossa vida particular, que

nada mais é que do que a limitação dos gastos frente à receita que você tem

anualmente, frente ao que você recebe, para economizar. E essa economia então é

direcionada para a diminuição da dívida que o poder público tem em relação aos

seus credores. É para isso que a gente faz o contingenciamento" - 52 assim como

não exime a importação e a exportação da anuência prévia de outros órgãos,

quando necessário.53

Será concedido no Drawback, isenção ou suspensão do Imposto de

Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Impostos sobre Operações

relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte

Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, do Adicional ao Frete para

Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), bem como a dispensa do recolhimento

de taxas que não correspondam à efetiva contraprestação de serviços.54

O regime não pode ser concedido na importação de mercadoria utilizada

industrialização de produto destinado ao consumo na Zona Franca de Manaus,

assim como nas áreas de livre comércio; para importação ou exportação de

mercadoria suspense ou proibida; exportações contra pagamento em moeda

nacional e em moeda convênio ou outras não conversíveis; para importação de

petróleo e seus derivados, e por fim, para exportações vinculadas à comprovação de

outros Regimes Aduaneiros ou incentivos à exportação.55

52 Disponível em http://www.orcamentofederal.gov.br/educacao-orcamentaria/momento-do-orcamento-1/programas/o-que-e-contingenciamento Acessado em 23/09/2013 53 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 23/09/2013 54 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 23/09/2013 55 Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/drawback/regime.htm Acessado em 23/09/2013

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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349

PENHORA DE QUOTAS NA SOCIEDADE LIMITADA POR

OBRIGAÇÃO PESSOAL DO SÓCIO

ATTACHMENT OF THE SHARES OF A LIMITED RESPONSIBILITY

COMPANY FOR THE OCCASION OF A PRIVATE OBLIGATION OF

THE PARTNER

Paulo Roberto Lebiedziejewski1

Sandro Mansur Gibran2

1 Acadêmico em Direito no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Administrador de Empresas formado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. 2 Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1996), Mestre em Direito Social e Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2003) e é Doutor em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2009). Atualmente é professor do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba, também de Direito Empresarial e de Direito do Consumidor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba -, de Direito Empresarial junto ao Centro de Estudos Jurídicos do Paraná e junto à Escola da Magistratura Federal do Paraná, além de coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Empresarial do Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba - e advogado. Tem experiência na área de Direito Empresarial.

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351

RESUMO

O presente artigo tem como intuito realizar um panorama doutrinário acerca da

polêmica possibilidade da penhora de quotas na sociedade limitada por dívida

particular do sócio. Para tanto, será realizado um breve panorama histórico da

sociedade limitada, o que facilitará a compreensão acerca da difícil classificação

deste tipo societário. Feito isto, analisar-se-á também algumas das principais

características da sociedade limitada para depois abordar questões relativas ao

processo de execução e a penhora. Por fim, serão abordados os aspectos mais

polêmicos da legislação pátria sobre o tema.

Palavras-chave: Obrigação particular do sócio, penhora, sociedade limitada.

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352

ABSTRACT

The present study has as its main goal to trace a doutrinary panorama of the present

polemics around the possibility of attachment of the shares of a limited responsibility

company for the occasion of a private obligation of the partner of this company. In

order to achieve this goal I will be outlined a brief historical resume of this kind of

company, which will make it more comprehensible the main point of the present

work, specially concerning de difficulty of classifying this kind of company. Teams

relating to the execution process, as well as relating to the attachment of goods as a

guarantee of the execution process will also be treated. Finally, the most polemical

points of the Brazilian legislation will also be discussed.

Keywords: Private obligation of the partner, attachment, limited company.

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353

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, o Direito necessita de meios cada vez mais contundentes

visando alcançar a pacificação social e no caso de obrigações por quantia certa,

este ferramental é dado pelo processo de execução, no qual o credor procura a

satisfação de seu direito por meio da constrição de bens do devedor e sua posterior

liquidação.

Para que esta satisfação seja célere, posto que justiça demasiado tardia não

é justiça, o instituto da penhora ganha fundamental importância, haja vista que é o

primeiro passo na expropriação dos bens do devedor. É preciso ponderar sobre os

efeitos da penhora em alguns casos específicos, e, principalmente, quando esta, ao

atender os anseios do exequente, possa prejudicar excessivamente não só o

devedor, mas também terceiros estranhos esta relação jurídica.

Justamente neste sentido apresenta-se a importante questão da penhora de

quotas da sociedade limitada por dívida particular do sócio.

Em um primeiro momento, a regra é de que os bens do sócio e da sociedade

não se confundem, sendo que as quotas representam a contribuição do sócio para a

constituição de um capital social cujo objetivo primeiro é dar início às atividades de

empresa e organizar a sociedade recém-criada. Logo, não há relação entre dívida

particular do sócio e a sociedade a qual ele integra.

Merecem atenção as quotas, especialmente no que tange sua qualidade

econômica, pois compõem o patrimônio do devedor, e, conforme disposição legal, o

devedor responde pela dívida com a totalidade de seus bens.

O presente estudo tem como objetivo identificar questões relativas à natureza

jurídica das sociedades limitadas e, partindo deste ponto, se é possível que as

quotas sejam penhoradas para a satisfação do credor particular do sócio.

Ainda, se pretende analisar como isso influenciaria na continuidade da

sociedade, especialmente se esta penhora implicar na entrada de um terceiro

elemento estranho ao contrato social, seja pela adjudicação das quotas penhoradas,

ou por arremate em hasta pública. Principalmente, apresentando elementos para a

reflexão deste evento e seus reflexos no instituto da affectio societatis, para a

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354

existência da Sociedade de Responsabilidade Limitada, sobretudo para as

sociedades com intuiu personae.

Visando a contextualização do debate, apresentar-se-á um pequeno histórico

sobre a criação deste tipo societário na Europa do século XIX e a sua chegada ao

Brasil no início do século XX. Em seguida, explorar-se-ão as principais

características do tipo societário e, após isto, haverá exposição de algumas breves

questões sobre execução e penhora, para que, ao final, seja possível traçar um

panorama atual da possibilidade de penhora de quotas da sociedade limitada por

dívida particular do sócio.

Longe de pretender esgotar o corrente debate, este estudo tem por finalidade

apresentar uma singela contribuição para o tema, revisando parte da bibliografia

disponível acerca do tema, o que se passa a fazer.

2 SOCIEDADE LIMITADA

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

No início do século XIX, com o advento da Revolução Industrial Inglesa e da

política de colonização das grandes potências da época, o mundo experimentou um

crescimento considerável no número de pequenos e médios comerciantes. A maioria

encontrava dificuldade em atender todos os complexos requisitos para a criação de

sociedades anônimas e também não lhes agradava a ideia da responsabilidade

ilimitada característica das sociedades de pessoas conhecidas na época.

Visando resolver esta questão, surge primeiramente na Inglaterra, e, logo em

seguida na França, uma espécie de simplificação da Sociedade Anônima

incialmente denominada “Limited by Shares”, sobre a qual, sabiamente escreve

Fabio Ulhôa Coelho (COELHO, 2004, p. 366):

(...) na Inglaterra as limited by shares, referida na Campanies Act de 1862, e, em França, a société a responsabilité limitée, de 1863, mais que tipos novos de sociedade, são exemplos de um verdadeiro subtipo da anônima, ajustado a empreendimentos que não reclamam elevadas somas de recursos.

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355

Inicialmente, quando da criação desta simplificação das Sociedades

Anônimas, algumas características se destacavam, como o número limitado de

sócios, a obrigatoriedade da origem privada do capital de formação e algumas

restrições quanto à possibilidade de cessão de cotas. O sucesso desta modalidade

simplificada de Sociedade Anônima foi tão grande, em especial na Inglaterra, que

em 1907 o Estado Inglês, por meio do Companies Act, regulamentou as Limited by

Shares e elevou-as ao patamar de um novo tipo societário.

Na Alemanha, o processo de reconhecimento das Limited by Shares como

um novo tipo societário se deu mais cedo, em 20 de abril de 1892 uma lei tratou das

chamadas “Gesellschaften mit beschraenkter”, que, em tradução livre, seriam

empresas limitadas, atendendo assim o anseio dos pequenos e médios empresários

que exigiam a limitação de sua responsabilidade à importância do capital social.

Destarte, apesar da controvérsia quanto à origem da sociedade limitada, haja

vista que, na Inglaterra já se admitia a forma simplificada de sociedade anônima

como uma organização onde a responsabilidade do sócio estava limitada ao capital

social, foi a Lei alemã de 1892 que serviu de inspiração para vários ordenamentos,

como o francês, o português, o italiano e o espanhol, que seguiram os passos na

criação deste novo tipo societário.

Neste sentido, José Valdecy Lucena (LUCENA, 2005, p. 7) bem ensina que:

A criação da Lei francesa em 1925 decorreu da Guerra Franco-Alemã, que uma vez finda trouxe ao território francês muitos comerciantes que possuíam sociedades limitadas regulamentadas pela Lei alemã.

Neste ponto, é interessante destacar que, ao contrário da maioria dos tipos

societários, bem como dos demais institutos do direito comercial, que ocorreram

primeiramente na prática para depois serem regulados em lei, a sociedade limitada

foi uma solução legislativa para uma demanda real, conforme se denota do escolio

de Fran Martins (MARTINS, 2001, p. 13):

(...) enquanto os demais tipos societários existentes no Direito Comercial – sociedades em nome coletivo, em comandita simples, em conta de participação e anônima – tiveram, primeiramente, existência real, só depois

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356

sendo reguladas por lei, a por quotas, de responsabilidade limitada, foi estruturada livremente pelo legislador e introduzida no Direito Comercial por força de lei.

De fundamental influência para a chegada deste novo tipo societário no

Brasil, Portugal foi o primeiro país a criar uma lei inspirada no ordenamento alemão

para tratar deste tema. Foi em 1901 que se criou a chamada Sociedade por Quota

de Responsabilidade Limitada, que, doze anos depois serviu de inspiração para o

Professor Herculano Inglez de Souza à época (ano de 1912), responsável pela

reforma do Código Comercial, incluir a dita Sociedade por Quota de

Responsabilidade Limitada em seu projeto.

É fato que o tramite do projeto de reforma do Código Comercial mostrou-se

excessivamente demorado, o que desagradou grupos formados por empresários

interessados na criação das sociedades limitadas no Brasil. Por esta razão, em

1918, o deputado federal Joaquim Luiz Osório apresentou projeto de lei para a

introdução desta nova modalidade societária no ordenamento brasileiro.

O deputado alegava, conforme cita José Valdecy Lucena em sua obra

(LUCENA, 2005, p. 23) que:

Considerando-se que a instituição das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, vem preencher uma lacuna no direito pátrio, funcionando com excelentes resultados na Inglaterra, Alemanha e Portugal, sendo a sua adoção no Brasil reclamada pelo incentivo que oferecem a concorrência das atividades e dos capitais ao comércio, sem ser preciso recorrer à sociedade anônima, que melhor se reservará para as grandes empresas industriais que necessitam de capitais muito avultados e prazo superior ao ordinário da vida humana.

O projeto foi sancionado como Decreto em 10 de janeiro de 1919,

introduzindo a Sociedade Limitada no ordenamento brasileiro e perdurando até sua

revogação pelo atual Código Civil, Lei 10.406/2002.

Apesar da longevidade, característica pouco comum às leis no Brasil, o

Decreto 3.708 de 1919 sofreu, durante seu período de vigência, diversas críticas

doutrinárias, vez que, dotado apenas de 19 artigos, suscitava inúmeras dúvidas,

conforme ensina Fran Martins (MARTINS, 2001, p. 268):

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

357

O Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, está eivado de imperfeições, não atendendo, com precisão, ao objetivo das sociedades por quotas. Os diversos dispositivos de que se compõe são mal articulados, servindo, por isso, para constantes discussões doutrinárias. Por outro lado, a jurisprudência pouco se tem manifestado sobre as sociedades por ele reguladas, agravando-se, assim, as indecisões sobre pontos capitais relativos a essas sociedades. Em vista disso, e dado o impulso notável que as sociedades por quotas tomaram, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, constantemente tem sido pedida ao legislador uma reforma da lei básica dessas sociedades o que, até o presente, não foi atendido.

No entanto, alguns outros doutrinadores defendem que o citado decreto,

justamente por ser conciso, apresentava a magna qualidade de dar maior liberdade

aos sócios para regular suas relações, conforme destaca Rubens Requião

(REQUIÃO, 1998, p. 314):

De fato, por ser um regulamento societário conciso, o decreto permitiu não só maior autonomia das partes para regular suas relações no contrato social, como ainda deixou à doutrina e à jurisprudência abertura para construir, com o tempo, sedimentados entendimentos sobre o instituto, merecendo destaque, em razão deste trabalho, a transferibilidade e penhorabilidade das quotas sociais.

Independentemente das controvérsias, a verdade é que o sucesso das

Sociedades Limitadas foi imediato no Brasil, tornando-se o tipo societário que

abarca a maioria das empresas existentes no país, conforme as doutas palavras de

José Valdecy Lucena, citando Afrânio de Carvalho (LUCENA, 2005, p. 31):

As sociedades limitadas, ou sociedades por quotas, reguladas pelo Decreto 3.708, de 1919, ganharam tamanha voga no país, a ponto de depressa se tornarem as mais numerosas. Essa popularidade se explica pelo fato de conjugarem duas vantagens que atraem irresistivelmente as empresas de pequeno e médio porte: a simplicidade com que se constituem e funcionam e a limitação da responsabilidade dos sócios ao capital social (...).

Atualmente, o Código Civil de 2002 regula as sociedades limitadas, prevendo

no Livro II da Parte especial o chamado “Direito de Empresa”, expressão que veio

substituir os chamados “Atos de Comércio”; entre os artigos 1.052 e 1.087 estão os

aspectos gerais deste tipo societário, bem como a possibilidade de adoção supletiva

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

358

das regras da sociedade simples, o que vale para todos os demais tipos societários

do código, ou ainda, caso esteja expresso no contrato social, pode adotar, no que

couber, os dispositivos da Lei das Sociedades Anônimas, tipo societário do qual,

segundo alguns doutrinadores, as sociedades limitadas jamais se desprenderam por

completo.

Finalizado o breve histórico do surgimento das Sociedades Limitadas, passa-

se a apresentar a natureza jurídica e explorar brevemente o regime legal destas.

2.2 NATUREZA JURÍDICA E REGIME LEGAL DAS SOCIEDADES LIMITADAS

A importância de compreender o regime de regência das sociedades limitadas

para o presente estudo reside justamente na influência que isto tem para a

determinação da possibilidade de penhora de quotas sociais por obrigação particular

do sócio. Mesmo após as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela

lei 11.382 de 2006, que, ao incluir o inciso VI no art. 655, passou a autorizar

expressamente a penhora de ações e quotas de sociedades empresárias.

Entretanto, conforme cita Humberto Theodoro Junior (THEODORO JUNIOR, 2007,

p. 314):

(...) subsiste ainda controvérsia quanto à possibilidade da penhora recair sobre a qualidade de sócio ou incidir somente sobre a expressão econômica da participação do devedor nos bens sociais, daí a necessidade de se ater às peculiaridades da sociedade limitada.

A questão que torna fundamental para a compreensão estrita do regime

jurídico das sociedades limitadas, em verdade, tem também origem no histórico

destas. Conforme visto anteriormente, a origem primeira deste tipo societário deu-se

com a simplificação das sociedades anônimas. Ora, a sociedade anônima, conforme

apregoa José Valdecy Lucena (LUCENA, 2005, p. 52) “é uma sociedade “intuito

pecuniae”, enquanto as chamadas sociedades pessoais do século XIX, que

resultaram hoje em sociedades simples ou não empresárias, são sociedades “intuito

personae”, o que reflete diretamente na possibilidade de penhora de cotas.”.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

359

Nas sociedades limitadas, identificar esta vicissitude nem sempre é simples,

justamente pela condição híbrida advinda da origem deste tipo societário. Sobre

isso, expõe Fábio Ulhôa Coelho (COELHO, 1996, p.123):

(...) a meio caminho, portanto, entre as sociedades de pessoas existentes ao tempo de introdução no direito alemão no fim do século XIX, e a anônima, sempre de capital, a limitada acabou assumindo uma configuração híbrida, revelando ora traços daquela, ora destas.

Desta maneira, tendo em vista que as sociedades “intuito personae” são

aquelas em que as habilidades pessoais do sócio são importantíssimas para a

criação e o desenvolvimento das atividades da sociedade, ou seja, nas palavras de

Waldo Fazzio Junior “(...) tudo que se relaciona com a pessoa dos sócios tem

influência real na existência produtiva da pessoa jurídica” (FAZZIO JUNIOR, 2003, p.

33). E as sociedades “intuito pecuniae” consistem naquelas em que a figura do sócio

ou suas habilidades pessoais pouco importam para a atividade da sociedade, ou da

pessoa jurídica, sendo importante somente a contribuição material, ou, nas palavras

de Gladston Mamede (MAMEDE, 2004, p. 73) “(...) não fazem distinção de quem

será o sócio, desde que o capital seja integralizado e as cláusulas do contrato sejam

respeitadas. Logo, é possível encontrar sociedades limitadas que se apresentem

das duas formas.”.

Ainda, nas sociedades que se caracterizam como “intuito personae” a cessão

de cotas é mais difícil de se operar, pois a habilidade pessoal do sócio, sua

contribuição pessoal não pode ser substituída facilmente, conforme citado

anteriormente. São, pois, justamente as características pessoais, inerentes a cada

um dos sócios, que justificam a existência da sociedade.

Nestes casos, a morte, por exemplo, de um destes sócios, não raramente

leva à dissolução da sociedade.

Característica esta diferente do que ocorre nas sociedades “intuito pecuniae”,

ora toma-se a lição de Fran Martins para reforçar a pouca importância das

características subjetivas de cada sócio, conforme se lê:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

360

As pessoas que se reúnem, para constituir a sociedade, uma vez criada a pessoa jurídica, não representam para ela mais que contribuintes para o capital, com direito à participação nos lucros pela mesma obtidos. Não interessa a essas sociedades saber quem são os detentores dos títulos de participação do seu capital

Assim, resta reforçada ainda mais, independentemente da origem histórica

das sociedades ditas limitadas, a ideia de que se está diante de uma natureza

jurídica mista, ou híbrida, e, tão somente a análise minuciosa do contrato social irá

esclarecer qual a real natureza jurídica, se de capital ou de pessoas, predomina em

determinada sociedade limitada.

Sobre este tema, Egberto Lacerda Teixeira (TEIXEIRA, 1995, p. 56) conclui

que:

A antiga e vulnerável classificação rígida de sociedades de pessoas de um lado e de sociedades de capital de outro, mostrou-se incapaz de agasalhar a contento geral a nova sociedade limitada. Em lugar de acentuar-lhe o caráter o caráter híbrido, favorecemos o seu ‘particularismo’ que justifica sua vitoriosa caminhada.

Como será visto mais adiante, esta observância é fundamental para a

compreensão da penhorabilidade das cotas deste tipo societário tão peculiar.

Porém, no presente momento, prosseguir-se-á apresentando as características das

sociedades limitadas.

2.2.1 Sociedade Contratual ou Institucional

Inicialmente, para que as características da Sociedade Limitada fiquem mais

claras, analisar-se-á a natureza de seu ato constitutivo, sendo que, dentre os tipos

societários, predominam duas espécies de atos constitutivos, a saber: os contratuais

e os institucionais. No caso dos institucionais, caso das sociedades anônimas, é

necessário que os chamados fundadores atendam uma série de exigências legais

sem que haja espaço para deliberação acerca de diversos assuntos, posto que

estes têm formato específico e definido.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

361

Já nas sociedades contratuais, como é o exemplo das sociedades limitadas,

neste estudo abordadas, há maior liberdade para que os sócios estipulem como será

a sociedade, por meio de acordo de vontades expresso em contrato entre as partes,

sem a necessidade de formalidades legais tão numerosas quanto às demandadas

das sociedades anônimas.

Neste sentido ensina Lucena (LUCENA, 2005, p. 60):

O contrato, ato constitutivo que dá vida e regulamenta as sociedades chamadas contratuais, tem natureza especial, porquanto harmoniza os variados interesses particulares e a reciprocidade dos deveres de cada sócio, com o objetivo comum de realização do objeto social, por meio do exercício de uma atividade empresarial, destinada à produção ou circulação de bens ou serviços, com a distribuição, portanto, dos lucros entre os quotistas.

Ainda, sobre este contrato, Tullio Ascarelli (ASCARELLI, 1964, p. 271) leciona

que são plurilaterais, ou seja:

A pluralidade corresponde a circunstância de que os interesses contrastantes das várias partes devem ser unificados por meio de uma finalidade comum; os contratos plurilaterais aparecem como contratos com comunhão de fim. Cada uma das partes obriga-se, de fato, para com todas as outras, e para com todas as out6ras adquire direitos; é natural, portanto, coordená-los, todos, em torno de um fim, de um escopo comum.

A importância deste caráter plurilateral é impar para as sociedades limitadas,

uma vez que é um contrato sempre aberto para que nele novas partes venham a

ingressar e, além disso, sua vigência e validade não se extinguem ou sequer se

comprometem pela saída dos contratantes originais, ou mesmo pelo inadimplemento

de disposições contratuais por uma das várias partes possíveis. Enquanto houver o

objetivo da realização do objeto social pactuado, estará funcionando o que foi

originalmente contratado.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

362

2.2.2 Affectio Societatis

A sociedade limitada intuitu personae é uma sociedade contratual, a

pactuação dos termos entre os sócios se dá pela existência do chamado “Affectio

Societatis”, expressão esta que resume, de certa forma, a lição já citada de Lucena

acerca dos objetivos de uma sociedade empresária.

Segundo a doutrina e a jurisprudência pátria, o instituto da Affectio Societatis

é característica fundamental da sociedade em tela, sendo que, para Gladston

Mamede (MAMEDE, 2004, p. 124) consiste na “intenção ou ânimo de contratar e

manter uma sociedade, devendo se manifestar em ações ou omissões que se

harmonizem com os objetivos da instituição da pessoa jurídica”.

Waldo Fazzio Junior (FAZZIO JUNIOR, 2003, p. 79) complementa este

ensinamento, afirmando que:

Affectio Societatis compreende elemento subjetivo e intencional, animus societário, que consista na vontade de constituir e manter sociedade, a affectio societatis diz respeito à disposição do sócio em intentar uma atividade empresarial concorrendo com parceiros o risco inerente à empreitada. Quem firma acordo com outras pessoas visando instituir uma terceira pessoa dotada de personalidade jurídica, possui a intenção de empregar recursos próprios e trabalho para obter sucesso na sociedade.

Neste ponto começa-se a compreender a importância da constituição das

sociedades “intuito personae” ou “intuito pecuniae” e como isto poderá resultar na

possibilidade da penhora de quotas societárias. Caso a sociedade se caracterize por

ter participação fundamental dos sócios no desenvolvimento de sua atividade, é

fundamental para que esta sociedade exista que haja o instituto da “Affectio

Societatis” entre os sócios, conforme supracitado. Neste caso, existindo este

elemento subjetivo de enlace, somado a característica personalíssima das

atividades do sócio, a entrada de um terceiro que eventualmente arrematasse as

cotas anteriormente penhoradas, poderia em muito prejudicar o equilíbrio ou mesmo

a própria existência desta sociedade.

É neste sentido que leciona Rubens Requião (REQUIÃO, 1998, p. 483),

quando afirma:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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A penhora das quotas sociais e a arrematação por um terceiro estranho dariam a este a prerrogativa de se tornar partícipe da relação societária prejudicando a affectio societatis em que pode se fundar a sociedade limitada. A entrada de um estranho no quadro social quebraria a mútua confiança necessária entre os sócios trazendo instabilidade à sociedade caso essa seja constituída intuito personae.

Vale lembrar, para encerrar a análise do instituto da Affectio Societatis, bem

como para reforçar a importante relação entre este e a possibilidade de penhora das

quotas da sociedade por responsabilidade pessoal do sócio, que o também

chamado animus societário pressupõe a colaboração de todos os sócios para a

realização do objeto social da pessoa jurídica, esta colaboração só existe em um

ambiente de confiança recíproca. Caso esta confiança e colaboração venham a

cessar, é muito difícil imaginar que a sociedade possa continuar a existir.

2.2.3 Responsabilidade dos Sócios

Conforme dantes exposto, no histórico da origem das sociedades limitadas,

este novo tipo societário foi uma resposta legislativa ao anseio de diversos setores

da economia que encontravam dificuldade em legalizar suas atividades, sendo que

não possuíam porte para organizar-se nos moldes das sociedades anônimas, de

difícil e custosa constituição, mas tampouco tinham interesse na responsabilidade

ilimitada das sociedades de pessoas do início do século XIX.

A criação de um tipo societário que atendesse estes setores da economia, foi

também uma forma encontrada pelo Estado para fomentar a atividade econômica,

limitando os riscos do empreendedor ao capital investido na atividade que deseja

desempenhar.

Gladston Mamede (MAMEDE, 2004, v. 2, p. 313) ensina, neste sentido, que:

(...) concretizou-se sob a forma de um limite de responsabilidade pelas obrigações geradas pelo empreendimento no qual se investira; os riscos limitariam-se ao capital que fora investido, protegendo-se o patrimônio particular do sócio da investida dos credores do empreendimento.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Ainda nesta linha, Waldo Fazzio Junior (FAZZIO JUNIOR, 2003, p. 43) afirma

que:

A sociedade, como sujeito de direito dotado de personalidade jurídica capaz de reger suas próprias obrigações e intervir no universo jurídico, possui patrimônio autônomo em relação aos bens pessoais de seus integrantes, sendo que somente é desconsiderada a separação patrimonial quando se cuida de obrigação pública, social ou de relações de consumo.

Ora, postas a valiosas lições acima citadas, é possível afirmar que ao

personificar-se uma sociedade, cria-se uma separação patrimonial entre os

membros criadores desta nova pessoa jurídica, e o seu recém-constituído patrimônio

autônomo. Este é o cerne da limitação da responsabilidade dos sócios, pois quando

da constituição desta nova pessoa de direito, fixa-se valor para o capital social, e os

sócios respondem por este capital social firmado.

Desta forma, a legislação pátria, distinguindo a sociedade limitada das demais

sociedades contratuais, dispôs de forma expressa no artigo 1.052 do Código Civil de

2002 que “a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas

todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. Em regra,

portanto, uma vez devidamente integralizado o capital social, nos termos da

legislação, os sócios não respondem por eventuais dívidas da sociedade.

Há, no entanto, que se destacar algumas exceções, em que pode haver

responsabilização ilimitada dos sócios por dívidas da sociedade, ganhando destaque

a prática de atos contrários à Lei ou ao contrato social, conforme exposto no Art.

1.080 do Código Civil.3

Compreendido que a responsabilidade dos sócios, na sociedade limitada,

está vinculada ao capital social devidamente integralizado, em regra, garante-se que

o patrimônio do sócio não será atingido por eventual dívida da sociedade, torna-se

necessário compreender o que é o capital social.

3 Art. 1.080 Código Civil: “As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram ”.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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2.2.4 Capital Social.

Conforme é possível deduzir do tópico anterior, na lição de Fábio Ulhôa

Coelho (COELHO, 2003, p. 2), “o capital social corresponde ao montante formado

pelas contribuições patrimoniais que cada sócio dedicou à realização da empresa”.

Desta forma, no momento da constituição da empresa, cada sócio subscreve o valor

de sua contribuição, sendo que, na data estipulada em contrato, deve o sócio,

entregar o valor subscrito à sociedade.

Quanto à função do Capital Social, toma-se incialmente o escólio de José

Valdecy Lucena, (LUCENA, 2005, p. 266) que afirma:

O capital social, formado pela contribuição dos sócios, tem por função ensejar a consecução do objeto social, assegurando a exploração da empresa e o desenvolvimento da atividade econômica, assim vindo a propiciar a obtenção de lucros aos sócios, finalidade e razão da constituição da sociedade.

Em suma, é possível inferir do trecho acima transcrito acima que o capital

social tem função de produção e organização da sociedade recém-constituída e, no

caso da sociedade limitada, esta contribuição pode ser feita em dinheiro ou em bens

suscetíveis de avaliação pecuniária, conforme disposto no Art. 997, inciso III do

Código Civil4.

No caso da sociedade de reponsabilidade limitada, o capital social não pode

ser integralizado em prestação de serviços, conforme vedação legal expressa no Art.

1.055, § 2º do Código Civil5.

Desta feita, o capital social cumpre dupla função na sociedade de

responsabilidade limitada, a primeira função é econômica, uma vez que este valor

será empreendido na organização da sociedade, devendo ser suficiente para

garantir o início da atividade de empresa. A segunda função é referente à exigência

4 Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: (...)III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; 5 Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. (...) § 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.

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legal que tem como resultado último separar o patrimônio dos sócios, isentando

estes de responder por eventuais dívidas da sociedade, mesmo que

subsidiariamente.

É possível aumentar o capital social, bem como reduzi-lo nos termos da

legislação vigente, sendo que o aumento deve ser feito na forma do Art. 1.081 do

Código Civil6, por meio de deliberação dos sócios, observando o direito de

preferência destes sobre as novas quotas-partes. Já para a redução do capital

social, as regras a serem observadas se encontram no Art. 1.082 do Código Civil7 e

fazem referencia a situações como perdas irreparáveis sustentadas pela sociedade,

ou o flagrante excesso do capital social em relação ao objeto da sociedade.

Aproveitar-se-á a temática do capital social para fazer uma breve, porém

importante, distinção entre capital social e fundo social, sendo que o primeiro é,

como já visto, a contribuição de cada sócio, declarada na constituição da empresa e

entregue a sociedade no momento estipulado em contrato, sendo o fundo social a

soma de bens e direitos de uma sociedade.

Neste sentido Alfredo de Assis Gonçalves Neto (GONÇALVES NETO, 2007,

p. 206) ensina:

Fundo social somente se iguala ao capital social no momento em que é fundada a sociedade, a partir daí o capital segue fixo, estipulado no contrato social, enquanto o patrimônio varia para mais ou para menos consoante o sucesso ou insucesso da empresa.

Ainda sobre o capital social, é preciso destacar que por muito tempo

acreditou-se que este também cumpria a função de garantia dos eventuais credores

sociais, no entanto, hoje esta visão já é refutada por parte considerável da doutrina,

6 Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato. § 1o Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares. § 2o À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art. 1.057. § 3o Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembleia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato. 7 Art. 1.082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis; II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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conforme se observa na lição de Rubens Requião quando cita estudo de Alfredo

Lamy Filho (LAMY FILHO Apud REQUIAO, 1998; v.2, p. 50):

Doutrinariamente, o conceito de capital vem sofrendo, também de estudiosos europeus, sérias restrições. Nesse sentido, cumpre destacar, na matéria, o trabalho de Paulette Veaux-Fournerie. Mas é do eminente Prof. Bayless Maning a melhor demonstração sobre a imprestabilidade da noção de capital para a finalidade de garantia dos credores. Em seu livro sobre Legal Capital, capítulo V, diz o Prof. Maning que se pode afirmar, com segurança, que a maquinaria do capital social produz pouca ou nenhuma proteção aos credores, e eles, sabendo disso buscam outras garantias. E as razões seriam muitas entre as quais aponta: a) a cifra que traduz, num balanço, o lucro, é fruto de um sem-número de prévias decisões contábeis, que, se houver interesse, serão facilmente fraudadas; b) os credores não são ouvidos sobre as decisões de alterar a cifra do capital social, e esta é sempre arbitrária e irrelevante; c) não há nenhuma lógica em tomar-se um número qualquer (o capital) e faze-lo de medida para distribuição de dividendos e bonificações a acionistas; d) o sistema contábil não leva em conta a dimensão tempo, e não distingue entre um crédito a realizar-se em 20 anos e o realizável na próxima semana; e) uma contabilidade que pretendesse resolver esses problemas cairia em debates conceituais à pior maneira dos teóricos medievais etc.

Com a análise destas características da sociedade limitada, já é possível

concluir neste ponto que, harmonizadamente com o Código Civil de 2002, o regime

jurídico atual das sociedades de responsabilidade limitada, é tipo societário

corporativo, porque possui personalidade e patrimônio autônomo aos dos sócios que

a constituem. Além disso, é contratual, pois constituída de forma plurilateral que

reflete o acordo de vontades dos constituintes e, pode adotar caráter pessoal ou

capitalista nas relações entre sócios, dependendo da natureza da atividade e a

contribuição de cada sócio para esta atividade, ou seja, se a importância da

identidade do sócio é maior ou menor do que sua contribuição material.

Com rumo ao fim do presente estudo analisar-se-á o conceito de quotas

sociais, para então prosseguir com os apontamentos acerca do instituto da penhora

e da controvertida questão da possibilidade da penhora das quotas sociais na

limitada.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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2.2.5 As Quotas Sociais

Conforme visto no tópico precedente, após a constituição da sociedade o

sócio deverá entregar a quantia subscrita por ele no instrumento à sociedade no

momento determinado pelo contrato social, para que este valor possa servir aos

interesses da empresa.

O total deste valor, somadas as contribuições de todos os sócios, consiste no

já analisado capital social. Cada parte, ou seja, a quantia de cada sócio transferida

para a sociedade, visando compor seu patrimônio autônomo é representada com a

divisão deste capital social em quotas e cada quotista tem o número de quotas

representativo da sua contribuição de capital oferecida.

Neste sentido, Nelson Abrão (ABRÃO, 2000, p. 78) afirma que no

ordenamento jurídico brasileiro, “a palavra ‘quota’ é adotada com a acepção de

‘parte’, ‘porção’, ‘quinhão’ de bens com que o sócio contribui para a formação do

capital social”. Egberto Lacerda Teixeira (TEIXEIRA, 1956, p. 102) corrobora com

este ensinamento quando afirma que “a quota é a entrada ou contingente de bens,

coisas ou valores com o qual cada um dos sócios contribui ou se obriga a contribuir

para a formação do capital social”. Lições estas que são refletidas no Código Civil de

2002, nos Art. 9818, 9979, incisos III e IV, 1.05210 e 1.05811.

Neste momento, há que se destacar que no momento em que transfere valor

ou bens para integralizar sua parte do capital social, o sócio perde quaisquer direitos

sobre estes bens ou sobre o valor transferido e estes bens ou valores passam a

integrar o patrimônio autônomo da pessoa jurídica. Agora, o sócio encontra-se

somente na titularidade de uma parte social.

8 Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. 9 Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: (...) III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; 10 Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. 11 Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pagado, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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É por esta razão que Rubens Requião (REQUIAO, 1998, v. 1, p. 479) afirma

que existe um duplo aspecto na natureza jurídica das quotas sociais sendo:

Direito patrimonial e direito pessoal. O aspecto patrimonial é o que confere ao sócio o direito de percepção de lucros durante a existência da sociedade e em particular na partilha da massa residual, decorrendo da sua liquidação final. A contrário senso, o aspecto pessoal é o que atribui ao sócio sua condição, ou, ‘status de sócio’.

Nas sociedades limitadas não existe uma representação material das quotas

de cada sócio, ou seja, não existe um título físico e transmissível que represente as

cotas de cada um dos sócios, conforme ensina Fran Martins (MARTINS, 2001, p.

258):

A participação do sócio na sociedade não pode ser representada por um título livremente transmissível, como acontece com as ações das sociedades anônimas, não se permitindo, desse modo, a acessão das quotas a não ser com o consentimento unânime dos sócios.

Desta feita, prova-se a condição de quotista por meio do contrato social que

está para consulta de interessados na Junta Comercial, sendo que, somente pela

alteração deste instrumento e posterior registro desta alteração é que será possível

promover a substituição de um sócio.

Finalmente, neste sentido, cabe apontar que o STF já se manifestou no

sentido de que “quota é mera participação do sócio no capital social, não podendo,

em nosso direito, enfim, consubstanciar-se em cártula. ”.

Para este estudo, o aspecto mais importante que possibilita avaliar a

penhorabilidade ou não das quotas, reside na cessão para terceiros, uma vez que a

forma como essas quotas poderão ser transmitidas, ou mesmo se poderão ou não

ser transmitidas, é de relevante importância para perceber se a sociedade é “intuito

personae” ou “intuito pecuniae”, ou seja, trata-se de uma sociedade de pessoas ou

de uma sociedade de capitais.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Em sede de debate doutrinário, não há uma visão unitária sobre o tema,

Rubens Requião adotava importante posição nesta questão quando afirmava

(REQUIÃO, 1998, v. 1 p. 438):

A cláusula do contrato social que permite a cessão da participação social a terceiro sem a anuência dos demais sócios confere à sociedade caráter capitalista, sendo que a penhora da participação social e arrematação da mesma por estranho em nada a afetará.

Faz bastante sentido o posicionamento do professor acima citado, vez que tal

previsão contratual pode ser percebida como uma demonstração da pouca

importância que a figura do sócio e de suas habilidades pessoais, ou melhor, que

seus atributos subjetivos têm para o desenvolvimento da atividade empresária desta

sociedade em particular.

No entanto, o Código Civil de 2002 inovou ao regular a questão da cessão de

cotas, o que não era feito pelo Decreto 3.708 de 1919. O art. 1.05712 trata da

questão destacando, no entanto, que a disposição somente se aplica nos casos em

que o contrato é omisso.

A primeira parte do artigo citado permite a livre transferência de quotas entre

os sócios, e a segunda parte dispõe sobre o impedimento à livre transferência de

quotas para terceiros estranhos ao contrato social, de certo modo, imprimindo o

caráter “intuito personae” acentuado às sociedades limitadas.

A adoção supletiva das normas que regem as sociedades anônimas, o que já

se demonstrou ser possível, tem o condão de tornar a transferência de quotas

idêntica à transferência de ações no sentido da impessoalidade, ou seja, estas

podem ser negociadas de maneira livre, mesmo que o contrato não preveja essa

livre negociabilidade de maneira expressa.

O contrato pode prever até mesmo a impossibilidade de cessão de quotas o

que caracterizaria de forma evidente a sociedade “intuito personae”. Neste sentido,

José Valdecy Lucena se posiciona, (LUCENA, 2005, p. 332-333):

12 Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

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As sociedades Limitadas podem ser fechadas ou abertas, dependendo das deliberações dos sócios no contrato social. Desta forma, se no contrato social os sócios decidirem por não aceitar a cessão de quotas a terceiro estranho, estarão ressaltando a importância que a pessoa do sócio representa para a sociedade, restando caracterizado o intuitiu personae, característica das sociedades de pessoa ou sociedades fechadas.

Segue o autor na mesma temática:

Tudo depende, em suma do intuitus personae, que presidiu a constituição da sociedade, e da affectio societatis, que aproximou os sócios e os levou, em recíproca confiança, a unirem seus bens e seus esforços na busca de um fim comum. Quanto mais intenso o intuitus personae, mais restringirão os sócios a cessibilidade das quotas sociais a estranhos. Ao contrário, se mais intenso o intuitus pecuniae, assim superando o intuitu personae, permitida será então, no contrato social, a cessão das quotas sociais a terceiros.

Marcadamente, o que se destaca desde já é que as disposições contratuais

de cada sociedade de responsabilidade limitada vão determinar sua natureza

jurídica como “intuito personae” ou “intuito pecuniae”, o que é de fundamental

importância para determinar a possibilidade de entrada de um terceiro estranho na

sociedade, sem, evidentemente, que isto represente a quebra das condições

inerentes à manutenção da atividade empresária desenvolvida pela sociedade.

Destarte, finda a ligeira análise das características das sociedades limitadas

que são importantes para o presente estudo, passar-se-á a analisar as questões

processuais relativas à execução e ao instituto da penhora.

3 O PROCESSO DE EXECUÇÃO E O INSTITUTO DA PENHORA.

3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXECUÇÃO (PANORAMA ATUAL).

Algumas considerações sobre o processo de execução, mesmo que de forma

breve, são de suma importância para este trabalho, posto que, em nosso

ordenamento, houve recentes reformas que modificaram os procedimentos

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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referentes às execuções de títulos judiciais e, consequentemente, afetaram o

instituto da penhora.

As reformas promovidas no Código de Processo Civil iniciaram ainda no final

da década de 90 e tinham como objetivo um processo civil voltado à satisfação do

direito material na forma de resultados práticos que atendessem as demandas

sociais.

Neste sentido, era fundamental que a execução estivesse em consonância

com estes anseios. Guilherme Luís Quaresma Batista Santos, ao relembrar as lições

de Liebman destaca, neste sentido, que (SANTOS, 2007, p. 192):

A execução mostra-se, assim, como uma importante atividade jurisdicional, a qual não pode ser suprida, sob o risco de tornar as decisões judiciais completamente ineficazes; contudo, nada impede que se modifique, em prol da efetividade da justiça, a forma em que ela possa ser exercida.

Justamente com a finalidade de tornar mais rápida a resposta jurisdicional,

mormente no que diz respeito à prestação jurisdicional executiva, o poder legislativo

promoveu mudanças que aboliram a necessidade de um processo autônomo para

que, uma vez em posse da sentença constitutiva de um direito, o autor pudesse

satisfazer sua pretensão, mesmo que às custas da contrição de bens do devedor.

Destaque-se, dentre as reformas do codex, a promovida pela Lei

11.232/2005, que entrou em vigor em 2006 alterando o Código de Processo Civil

transformando o processo de conhecimento e o de execução em uma só ação.

Ressalte-se, no entanto, que a mudança pela Lei 11.232/2005 não alcançou

os títulos extrajudiciais. Neste caso, ainda é necessário processo autônomo de

execução, a reforma modificou consideravelmente a execução dos títulos judiciais

por meio do chamado cumprimento de sentença, inovando o sistema jurídico e

simplificando procedimentos para criar uma fase após a sentença que visa dar

efetividade ao julgado. Desde então, a sentença de mérito na fase de conhecimento

não extingue mais o processo.

Mais uma vez é sapientíssimo o escólio de Guilherme Luís Quaresma Batista

Santos que resume estas questões da seguinte forma (SANTOS, 2007, p. 195):

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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A execução da sentença civil deixa de ser um processo autônomo e passa a ser um incidente no processo iniciado com a fase de conhecimento, incidente este com a clara finalidade de tornar efetiva a sentença.

Após o advento da supracitada Lei, o Art. 475 J13, do Código de Processo

Civil dispõe que a sentença é ordem a ser cumprida no prazo de 15 dias, sob pena

de multa, e é neste sentido que se manifesta Athos Gusmão Carneiro (CARNEIRO,

2007, p. 116):

Com o cumprimento de sentença, as condenações de obrigações de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia certa devem ser consideradas uma ordem a ser cumprida no prazo de 15 dias, sob pena de cominação de multa no percentual de dez por cento. Contudo, se persistir o inadimplemento, no caso das obrigações de pagar quantia certa, dar-se-á a expedição de mandado de penhora, avaliação e depósito.

Deste modo, as questões relativas ao cumprimento de sentença nos moldes

impostos pela Lei 11.232/2005 não afetaram a execução de títulos extrajudiciais, no

entanto, isso não significa que a execução destes também não restou alterada.

Estas alterações foram promovidas pela Lei 11.382/2006 e, dentre as várias

modificações, ora interessa que não cabe mais ao executado nomear bens a

penhora, mas sim ao exequente já na petição inicial, indicar os bens que deseja ver

penhorados. Athos Gusmão Carneiro posiciona-se sobre o tema no seguinte sentido

(CARNEIRO, 2007, p. 119):

Caso não haja indicação, penhorará os bens que encontrar, com observância da gradação legal (art. 655; caso não sejam encontrados bens penhoráveis, o oficial certificará e o juiz poderá de ofício ou a requerimento do credo, determinar a intimação do executado na pessoa de seu advogado, ou pessoalmente se não constituído procurador para indicar bens (...).

13 Art. 475 J - Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Não constitui o intuito do presente estudo analisar as mudanças recentes da

legislação processual civil, sendo que os presentes apontamentos somente visam

demonstrar a importância da penhora no presente panorama das execuções de

títulos judiciais e extrajudiciais, o que será mais explorado a seguir, quando se

tratará do instituto da penhora propriamente dita.

Por hora, destaque-se que a constrição de bens do devedor de forma rápida e

eficaz por meio da penhora é uma das formas de dar maior celeridade às demandas

dos credores junto ao poder judiciário e as reformas aqui citadas vêm justamente

neste sentido.

3.2 O INSTITUTO DA PENHORA, NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO.

Enrico Túlio Liebman (LIEBMAN, 1946, p. 95) conceitua a penhora como “O

ato pelo qual o órgão do judiciário submete a seu poder imediato determinados bens

do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do

exequente”. Conceito este que influenciou a brilhante definição de penhora

apresentada por Marcos Cláudio Acquaviva, quando leciona que (ACQUAVIVA,

2004; p. 1006):

Penhora de bens: Apreensão judicial de bens do devedor, destinada a garantir o pagamento de dívida. Os bens são retirados da posse do executado para garantir a execução da dívida. Se o devedor relutar em apresentar bens à penhora esta será feita compulsoriamente, Mas a penhora somente pode incidir sobre bens penhoráveis, sendo inválida a feita sobre aqueles impenhoráveis. Efetuada a penhora dos bens, nos termos do competente mando judicial, será lavrado o auto respectivo, nomeando-se depositário dos bens penhorados, o qual poderá ser o próprio executado.

Para além destas definições, a penhora é, nas palavras de Humberto

Theodoro Junior (THEODORO JUNIOR, 1997, p. 184), “o primeiro ato por meio do

qual o Estado põe em prática o processo de expropriação executiva”. Ou seja,

penhora é um procedimento preparatório que resultará, em última análise, caso este

não venha a adimplir com suas obrigações, na expropriação de bens do patrimônio

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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do devedor. Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, 2007; v.3, p. 251)

ainda destaca que, no caminho da expropriação, “por meio da penhora são

individualizados os bens que responderão pela dívida objeto da execução”.

Humberto Theodoro Junior compartilha desta compreensão e leciona

(THEODORO JUNIOR, 1997, p. 292-293):

A penhora não pode ser tida como uma medida cautelar, posto que não consiste em uma medida de segurança ou cautela de interesse em litígio, a exemplo das medidas cautelares típicas, a semelhança do sequestro, do arresto e similares, a penhora deve ser entendida unicamente como ato executivo que visa à individualização e preservação dos bens a serem submetidos ao processo de execução.

Este entendimento, de que a penhora é ato executivo, sendo justamente esta

sua natureza jurídica, é também compartilhado por Araken de Assis (ASSIS, 2007,

p. 590) para quem a penhora destina-se “a qualificar o bem penhorado para

futuramente ser transformado em dinheiro”, o que é também adotado por Luiz

Rodrigues Wambier (WAMBIER, 2007; p. 193) que concebe a penhora como “início

da execução propriamente dita”.

Merece registro o entendimento de duas correntes minoritárias. Uma entende

a penhora como medida cautelar e a outra concebe a penhora como de natureza

intermediária, entre ato executivo e cautelar, por possuir efeitos conservativos.

Para este estudo importa que destas lições é possível também extrair a

função primordial da penhora, que, resumidamente se destina a individualização,

apreensão e depósito do bem que sofrerá diretamente a execução para mais tarde

ser transformado em numerário, satisfazendo às pretensões do exequente.

Neste ponto, vale destacar que a penhora torna o bem indisponível não só

para o devedor, mas para terceiros também, e, assim sendo, quaisquer atos que

impliquem em disposição do bem praticados pelo devedor não poderão ser

oponíveis, via de regra, ao credor que promove a execução. Ainda, tendo em vista o

disposto no Art. 612 do Código de Processo Civil14, quanto às funções da penhora,

14 Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Luiz Rodrigues Wambier ensina que (WAMBIER, 2007, p. 193) “a penhora confere

ao credor preferência em relação a outros credores, da mesma categoria, que

penhorem o mesmo bem posteriormente. ”.

Esta lição permite ainda concluir a regra geral que dita ser possível um

mesmo bem ser penhorado mais de uma vez, porém, quando liquidado, o credor

que tiver penhorado primeiro, terá seu crédito satisfeito antes dos demais.

Contudo, é preciso destacar que o próprio artigo citado acima ressalva que

sua aplicação se dá no caso de credor solvente, pois no caso de devedor insolvente,

há um critério legal de preferência na quitação dos créditos que se opõem contra o

dado devedor. Sobre o tema, especificamente quanto às funções da penhora,

Humberto Theodoro Junior afirma que (THEODORO JUNIOR, 1997, p. 295):

(...) individualizar e apreender efetivamente os bens destinados ao fim da execução; conservar ditos bens; evitando sua deterioração ou desvio; e criar a preferência para o exequente, sem prejuízo das preleções de direito material estabelecidas anteriormente.

Ainda, quanto à função da penhora, os estudos doutrinários acima

apresentados encontram fundamento nos Art. 66415 e 66516 do Código de Processo

Civil que determinam os procedimentos para a concretização da penhora.

Tendo estabelecido o panorama doutrinário acerca da natureza jurídica de ato

executivo e da função do instituto da penhora, resta no tocante a esta

especificidade, traçar uma sucinta explanação sobre os efeitos da penhora, o que se

fará a seguir.

15 Art. 664. Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia. Parágrafo único. Havendo mais de uma penhora, lavrar-se-á para cada qual um auto. 16 Art. 665. O auto de penhora conterá: I - a indicação do dia, mês, ano e lugar em que foi feita; II - os nomes do credor e do devedor; III - a descrição dos bens penhorados, com os seus característicos; IV - a nomeação do depositário dos bens.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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3.3 DOS EFEITOS DA PENHORA PARA O DEVEDOR E PARA TERCEIROS.

Em conformidade com o que dantes foi exposto, o primeiro efeito sensível da

penhora consiste nos atos que implicariam na disposição do bem praticados pelo

devedor não podem ser oponíveis ao credor exequente, porém, isto não significa

que o devedor perdeu por completo a faculdade de dispor deste patrimônio, segundo

Araken de Assis, (ASSIS, 2007, p. 593) “somente a expropriação, que seguirá à

penhora, tem o poder de extinguir o direito dominial”.

Esta ineficácia relativa, um efeito da penhora, segundo Humberto Theodoro

Junior (THEODORO JUNIOR, 1997, p. 296), tem a “intenção de garantir a eficácia

processual. ”.

Já no que tange aos terceiros, a penhora demonstra produção de efeitos em

dois momentos, quais sejam: quando o terceiro encontra-se na posse de um bem

que sofreu penhora, o que, em regra, faz do terceiro depositário do bem e assim

deve cumprir quaisquer ordens judiciais relativas à coisa. O outro momento,

segundo Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, 2007, v.3 p. 252) pelo efeito “erga

omnes” da penhora, “faz com que qualquer pessoa estranha à lide se abstenha de

negociar com o devedor a respeito dos bens constritos”.

Não obstante, para o mesmo doutrinador (MARINONI, 2007, v.3 p. 252),

reforçando a ideia de ineficácia relativa dos atos de disposição praticados pelo

devedor, “não se trata de invalidade, já que tais atos apenas não produzem efeitos

para a execução, pois o bem permanece respondendo pela dívida do executado”.

Ainda quanto à penhora, bem ensina Elpídio Donizetti Nunes (NUNES, 2004,

p. 399) que existem efeitos processuais e efeitos materiais sendo estes, a maioria já

citados, os seguintes:

São efeitos processuais da penhora: a) individualizar o bem ou bens que vão ser destinados à satisfação do crédito; b) garantir o juízo da execução; c) criar preferencia para o exequente. Já quanto aos efeitos materiais da penhora, são os seguintes: a) priva o devedor da posse direta; b) induz a ineficácia das alienações.

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Pode-se dizer, portanto, que a penhora imprime ou grava de responsabilidade

a coisa, para que esta esteja sujeita a execução, e é um vínculo processual que diz

respeito ao poder sancionatório do Estado que atua no interesse do credor,

satisfazendo seus direitos.

Por último, brevemente serão comentadas questões sobre bens

impenhoráveis, o que pode ser de valia na análise da possibilidade de penhora de

quotas de sociedade limitada por dívida pessoal do sócio.

3.4 IMPENHORABILIDADE

A regra geral é que todos os bens podem ser alvo de penhora, mas há

exceções no ordenamento brasileiro que, inclusive, têm previsão expressa em lei. É

o caso do rol do Art. 64917 do Código de Processo Civil.

Ainda, além dos bens impenhoráveis do artigo acima citado, há a questão do

“bem de família, nos moldes da Lei 8009/90 que, salvo por dívida de IPTU (Imposto

Predial e Territorial Urbano) é, uma vez obedecidos os critérios legais,

impenhorável”.

E, por último, há ainda os bens relativamente impenhoráveis, que somente

devem sofrer os gravames da penhora caso não haja qualquer outra opção, estes

estão dispostos no Art. 65018 do Código de Processo Civil.

17 Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. 18 Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia.

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379

Para este estudo, interessa a reflexão sobre a possibilidade, conforme

explicitado anteriormente, da vedação total ou parcial da cessão de quotas de

sociedades limitadas constituídas “intuito personae”, e se esta vedação configura

como bem alienável para fins do inciso I do Art. 649, podendo, no entanto, a penhora

recair sobre os frutos inerentes à condição de sócio do quotista.

E, ainda, é de interesse a possibilidade da indicação, por ato voluntário, das

quotas como bens não sujeitos à execução, mesmo em sociedades limitadas

constituídas “intuito pecuniae”, o que também configuraria uma forma de tornar

impenhoráveis as quotas da empresa, caso o sócio dispusesse de patrimônio

suficiente para promover este ato.

Tendo isto exposto, restam feitas as observações sobre a penhora

pertinentes para este estudo, passando agora a aplicar estas questões inicialmente

à penhora de quotas e, em seguida à possibilidade de penhora de quotas por

obrigações pessoais do sócio.

4 PENHORA DE QUOTAS NA SOCIEDADE LIMITADA POR DÍVIDA DO SÓCIO.

A penhorabilidade das quotas sociais em sociedade limitada, conforme restou

claro desde o início do presente estudo, é tema polêmico desde a introdução deste

tipo societário por meio do Decreto 3.708/19 até os dias atuais, mesmo com

algumas inovações no Código de Processo Civil que trouxeram de forma expressa a

possibilidade de penhora das quotas de sociedades empresárias.

A controvérsia repousa na grande dificuldade em estabelecer a natureza

jurídica deste tipo societário, o que, em verdade, somente pode ser feito após a

análise do contrato social com o fito de esclarecer se dada sociedade limitada

apresenta características predominantes de uma sociedade de pessoas ou de uma

sociedade de capitais.

O próprio regramento contemporâneo deste tipo societário, constante,

sobretudo no Código Civil, não põe fim a esta fundamental questão quanto à

natureza jurídica da Sociedade Limitada, pois prevê que se deve aplicar

supletivamente as disposições da sociedade simples, em regra, não empresária,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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aproximando a sociedade limitada da sociedade de pessoas e ao mesmo tempo

prevendo a possibilidade de adoção, por vontade dos sócios, expressa em contrato,

da lei que rege as sociedades anônimas com supletiva da limitada.

Destaque-se que por força de lei, a sociedade anônima é obrigatoriamente

empresarial, não restando dúvidas sobre a possibilidade de penhora de ações.

Desta forma, tem-se, mesmo com a nova redação do Art. 65519 do Código de

Processo Civil dada pela Lei 11.382/2006, o conflito com o disposto no artigo 1.02620

do Código Civil que determina que a penhora para a satisfação do credor deve recair

sobre a parte de couber ao devedor nos lucros da sociedade.

Isto posto, para que se atinja o objetivo deste trabalho, passar-se-á a realizar

uma análise das disposições do Código de Processo Civil, bem como do Código

Civil para, depois, criar um panorama do tema junto ao Superior Tribunal de Justiça,

contribuindo com estas informações para o corrente debate.

4.1 A PENHORA DE QUOTAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Antes do advento do Código de Processo Civil de 1973, a questão parecia

pacífica, tendo em vista a interpretação do disposto no Art. 930, inciso V, do Código

de Processo Civil de 1939, que admitia a penhora dos chamados “direitos e ações”.

Conforme leciona Alexandre Freitas Câmara (CAMARA, 2007, p. 178) sobre o tema:

Os fundos líquidos se referem não somente ao saldo à disposição do sócio, como também à parte ou cota que, na liquidação da sociedade, for apurado. Compreendem, portanto, os fundos todos os aportes que o sócio fizer à sociedade, o valor de suas cotas, distinguindo-se por corolário da noção de fundo social.

Ou seja, o autor afirma que tendo em vista que as quotas estão abrangidas

pelo conceito de fundos líquidos e, portanto, na esfera de direitos do sócio devedor,

19 Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (...) VI - ações e quotas de sociedades empresárias; 20 Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

381

estariam expressamente sujeitas à penhora pelo regramento processual civil em

vigor na época.

No entanto, a questão voltou a ganhar em polêmica com a entrada em vigor

do Código de Processo Civil de 1973 e a consequente revogação do dispositivo

citado acima, já que o então novo códex não fez qualquer referência à matéria da

penhora de quotas.

Dentre diversas concepções e interpretações doutrinárias à época, Murilo

Zanetti Leal destaca o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, em voto do

então ministro Xavier de Albuquerque, que votou ser (LEAL, 2002, p. 60)

“impossível, em respeito ao affectio societatis, que pessoa estranha ao quadro social

venha a integrá-lo pela simples arrematação das quotas sociais por dívida particular

de sócio (...)”. O citado magistrado era da opinião que para a satisfação do credor,

pareceria mais pertinente que a penhora viesse a incidir sobre apuração de haveres

em sede de liquidação parcial.

Opostamente, José Valdecy Lucena (LUCENA, 2005, p. 369) defende que “no

código, há permissão para que, à falta de outros bens, fossem penhoradas as

quotas do devedor cotista em sociedade da qual faça parte”, interpretação esta que

era feita com base no disposto no Art. 720 do referido diploma legal. Mesmo com a

posição adotada por Lucena, havia correntes que defendiam a impenhorabilidade

das quotas ou a penhora somente em casos de contratos sociais cujas

características permitiam concluir que se tratava de uma sociedade de capitais.

Os partidários da impenhorabilidade alegavam que as quotas formavam o

patrimônio da sociedade, separado do patrimônio dos sócios, tendo em vista que a

sociedade possui personalidade jurídica, distinta de seus membros. Ainda, era

reforçado o argumento da impossibilidade da entrada de terceiros no quadro

societário sem a anuência dos demais sócios, o que impedia, em tese, que as

quotas fossem expropriadas e adquiridas em hasta pública, por exemplo.

O destacado defensor desta corrente foi notoriamente Rubens Requião,

sempre defendendo que (REQUIÃO, 1998, v.1, p. 483):

Somente seria admissível a penhora da quota social com o consequente ingresso de terceiro à sociedade, se o contrato social permitisse a cessão

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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da quota a estranhos ao quadro social independente da anuência dos demais. Isso porque a livre cessão das quotas demonstraria que a sociedade constituiu-se basicamente Intuito pecuniae, não trazendo, a entrada de terceiro estranho, qualquer prejuízo a affectio societatis.

Com base no já citado art. 649, inciso I, do Código de Processo Civil21, Celso

Marcelo de Oliveira (OLIVEIRA, 2003, p. 245) faz coro com os ensinamentos de

Rubens Requião ao entender que o dispositivo prevê a impossibilidade de penhora

dos bens inalienáveis, defendendo a “impenhorabilidade das quotas sociais quando

o contrato social impedir a cessão das mesmas sem a anuência dos demais sócios”.

O professor Celso Marcelo de Oliveira ainda destaca que as quotas são

“impregnadas do caráter da personalidade do quotista, atributo inerente ao sócio”.

Posicionamento diametralmente oposto ao dos professores Rubens Requião

e Celso Marcelo de Oliveira é o de Sergio Campinho (CAMPINHO, 2006, p. 178),

defendendo que:

A restrição a penhora de bens inalienáveis consubstanciada no artigo ora em comento, quer se referir aos bens gravados com cláusula de inalienabilidade, não possuindo aplicação no caso das quotas sociais, até porque não se admite que alguém grave seus próprios bens com essa cláusula.

O douto ainda sustenta que não importa a disposição contratual sobre cessão

de quotas, podendo estas ser penhoradas em execução movida contra dívida

particular de sócio. O posicionamento de Sérgio Campinho considera que

disposições entre os sócios, mesmo em contrato, não podem ter o condão de

prejudicar terceiros. Isto seria considerar que o contrato opera efeitos erga omnes, o

que não é o caso.

Por último, Sergio Campinho entende que o Affectio Societatis só restaria

atingido se “as quotas fossem arrematadas por estranho a sociedade sem que se

desse a mesma oportunidade, no processo de execução, aos sócios ou à

sociedade”.

21 Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

383

O debate é rico e sem uma conclusão unitária, contudo, o que vem

predominando na doutrina é o reconhecimento de que é autorizada a penhora de

quotas sociais por dívida particular do sócio, sendo permitido que a sociedade venha

a remir a execução ou arrematar as quotas penhoradas em hasta pública.

Posicionamento este que é refletido nas decisões do STJ, conforme se abordará

mais adiante.

Ressalte-se ainda que, mesmo entre os autores que defendem a

penhorabilidade das quotas, há uma última divergência sobre os efeitos desta

medida.

Para parte da doutrina, a penhora recai sobre todos os direitos inerentes ao

quotista, ou seja, os direitos patrimoniais e o status de sócio. Porém, não é esse o

entendimento de Marcel Gomes Bragança Retto, que defende (RETTO, 2007, p. 56):

Frise-se, penhora-se o direito patrimonial conferido pela titularidade da quota, forte no primado de que o status socci confere um complexo de direitos de conteúdo patrimonial e político. Aquele conteúdo patrimonial é atingido; este de cunho político, de modo algum. Além de serem protegidos a sociedade e os sócios que dela fazem parte, já que não são obrigados a aceitar o ingresso de terceiro no quadro social contra a própria vontade, protege-se também, o próprio credor, ao não se admitir que a penhora de ensejo a que este assuma a posição de sócio em sociedade endividada.

Esta mesma tese é compartilhada por Humberto Theodoro Junior

(THEODORO JUNIOR, 2008, p. 245), quando afirma que “é preciso que seja

respeitada a impenhorabilidade da qualidade personalíssima de sócio”, e, ainda, o

posicionamento é compartilhado por Nelson Abrão (ABRÃO, 2000, p 94) quando

este sustenta que a penhora recai apenas sobre “direito patrimonial do sócio

devedor” quando afirma não ser possível “a entrada compulsória do credor à

sociedade limitada”.

Em verdade, o próprio regramento legal prevê a possibilidade de defesa do

Affectio Societatis em seu Art. 685-A22. Em especial no § 4º, o que deixa claro que

há preocupação com a entrada de sócio estranho ao contrato. A tentativa é de

22 Art. 685-A. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados. (...) § 4o No caso de penhora de quota, procedida por exequente alheio à sociedade, esta será intimada, assegurando preferência aos sócios.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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respeito ao princípio da preservação da empresa que, mesmo com as mudanças

promovidas recentemente no Código de Processo Civil, não poderia deixar de ser

levado em consideração.

Parece, portanto, que a tendência é que prevaleçam as correntes que, dentro

do Código de Processo Civil, defendem a possibilidade da penhora das quotas da

sociedade limitada por dívida do sócio, restando longe de estar pacificado o debate

sobre os efeitos da penhora e o alcance desta devido a dupla característica das

quotas em direitos patrimoniais e subjetivos (status de sócio).

Há ainda a questão presente do art. 1.026 do Código Civil, que deve ser

interpretada de modo a manter a harmonia do ordenamento jurídico, uma vez que,

conforme destaca Araken de Assis quanto ao processo civil e o direito material,

(ASSIS, 2007, p. 222) “ambas as disciplinas se encontram em harmonia”, dispondo

o autor, sobre a necessária análise da legislação vigente e sua importância na

penhora das quotas sociais, que “importante se faz a analise acerca de tal

dispositivo para que se possa, então, concluir pela melhor maneira de satisfazer o

exequente, sem desrespeito à affectio societatis”.

4.2 A PENHORA DE QUOTAS E O CÓDIGO CIVIL

O Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/2002, trouxe significativas inovações à

regulação das sociedades limitadas, sendo a primeira peça legislativa a

regulamentar a matéria desde a entrada em vigor do decreto 3.708 de 1919. Dentre

essas regras novas no ordenamento, o Código Civil trouxe previsão da penhora de

quotas por dívida particular do sócio em seu Art. 1.02623 que, apesar de situar-se na

mesma parte do texto que regula as sociedades simples, é aplicável às limitadas por

força do Art. 1.05324.

23 Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. 24 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Nos termos já tratados, a regência supletiva das normas da sociedade

simples as aproxima das sociedades limitadas e fazem prevalecer o caráter pessoal

da constituição societária.

Mesmo flagrante o “intuito personae” há corrente doutrinária que defenda que

isto, de per si, não configura impenhorabilidade das quotas sociais, e, se são

penhoráveis, é possível por meio de adjudicação ou arrematação, que terceiro

estranho adquira estas quotas. Gladston Mamede (MAMEDE, 2004, p. 329), todavia,

afirma que isto não concede ao terceiro estranho adquirente de cotas a qualidade de

sócio. Caberia a este terceiro “pleitear sua aceitação perante os sócios da

sociedade, caso não queira utilizar-se do direito de recesso, havendo condições

legais ou contratuais para tanto”.

Neste ponto é importante destacar que caso para a sociedade limitada seja

adotado expressamente a lei das sociedades anônimas como regra supletiva (o que

é facultado pelo parágrafo único do Art. 1.053 do Código Civil25) é majoritária a

doutrina que afirma ser possível a penhora de quotas nos mesmos moldes da

sociedade anônima.

Inclusive, segundo Gladston Mamede (MAMEDE, 2004, p. 330), “caso a

sociedade seja constituída intuitu pecuniae poderá a penhora recair sobre as quotas,

inclusive no atinente aos direitos pessoais do sócio, sem que traga qualquer prejuízo

à sociedade”. Isto implica dizer que a adoção do disposto no citado parágrafo único

do art. 1.053, afasta o disposto no art. 1.026 do mesmo diploma legal.

Já quanto às sociedades intuito personae, faz-se mister destacar que o art.

1.026 do Código Civil deixa claro que mesmo a penhora dos frutos das quotas é

exceção, devendo ser último recurso, conforme se extrai dos ensinamentos de José

Costa Loures e Thaís Maria Loures Dolabela Guimarães (LOURES E GUIMARÃES,

2003, p. 447):

Embora o devedor responda com todos os seus bens pelas dívidas adquiridas, este dispositivo estabelece tratamento especial para os bens constituídos pelos lucros que possam caber a sócio de sociedade limitada. Isto porque os lucros líquidos, bem como a parte que couber ao sócio em

25 Art. 1.053. (...) Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

386

liquidação somente poderão ser constritos se não existirem outros bens

capazes de suprir o crédito.

Neste mesmo sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto destaca que

(GONÇALVES NETO, 2007, p. 230):

O dispositivo do Código Civil, ora em análise, permite são credor do sócio de sociedade limitada ver satisfeito ser crédito através da expropriação daquilo que seu devedor pode auferir da sociedade. Tal dispositivo legal, ao autorizar que a execução recaia sobre os direitos patrimoniais que o sócio possui perante a sociedade, permite a penhora da quota social naquilo que

ela tem de valor econômico.

O grande problema em torno do que dispõe o art. 1.026 do Código Civil sob a

ótica da satisfação do credor, é que a sociedade pode optar por não distribuir lucro,

o que, para Sergio Campinho (CAMPINHO, 2006; p. 182) permite com que “a

satisfação do credor fique ao livre alvedrio da sociedade empresária, vez que a

mesma pode deliberar por não distribuir lucros aos sócios”, por esta razão, para o

autor, a regra do Código Civil não trouxe solução para a este debate envolvendo a

penhora de quotas na sociedade limitada por dívida particular do sócio.

Neste mesmo sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto afirma que

(GONÇALVES NETO, 2007, p. 230):

A satisfação do credor não restou ainda assegurada através da penhora da parte que cabe ao sócio em liquidação, posto que, significa admitir a penhora sobre uma expectativa de direito ou, se assim se preferir, sobre um direito futuro, eventual e incerto.

Resta claro que o legislador, no Código Civil, procurou estabelecer um

regramento que defendesse a continuidade da empresa, atividade indispensável

para a economia. No entanto, o conteúdo do art. 1.026 não foi suficiente para que a

controvérsia acerca da penhorabilidade das quotas fosse de uma vez dirimida.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

387

Mais uma vez, diante das disposições do Código Civil, a tendência é que se

entenda pela penhorabilidade das quotas, mesmo que em sede de último recurso,

para que a satisfação do credor possa ser garantida. Somente assim será possível

atingir o objetivo de pacificação social do direito e a implementação da segurança

jurídica tão clamada na atividade empresarial.

Finalizada a exposição das questões materiais e processuais que contribuem

para o debate acerca da penhorabilidade das quotas, inicia-se uma breve análise da

questão junto ao Superior Tribunal de Justiça para que, então se possa concluir o

presente estudo.

4.3 PENHORA DE QUOTAS DA SOCIEDADE LIMITADA E O ENTENDIMENTO

DO STJ.

O Superior Tribunal de Justiça tem suas competências fixadas pela Magna

Carta e na seara do controle infraconstitucional de legalidade é o órgão máximo.

Nesta Casa, quando o assunto é a penhorabilidade de quotas também há polêmica

quanto a possibilidade de tal medida.

Observou-se nos últimos anos que quando a matéria é levada à 3ª Turma, o

entendimento é no sentido de que deve ser analisado o contrato social, conforme

disposto no Recurso Especial STJ – Terceira Turma – Recurso Especial n. 87.216-

MG – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Porém, quando o tema é

apresentado a 4ª turma, o entendimento é de possibilidade irrestrita de penhora,

independendo o caráter “intuitu personae” ou “intuitu pecuniae” da sociedade,

conforme se extrai do Recurso Especial STJ – Quarta Turma – Recurso Especial n.

34.692-SP – Rel. Min. César Asfor Rocha.

Ainda no mesmo sentido, tratando da possibilidade de penhora das quotas,

temos o seguinte julgado da 4º turma, do qual foi relator o Ministro Sávio de

Figueiredo:

I – A penhorabilidade das cotas pertencentes ao sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida. II – Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social proibição à livre alienação das mesmas. III – Havendo restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1.117, 1.118 e 1.119). IV – Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja arrematada com a inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o status de sócio. (STJ, Recurso Especial n. 39.609-3 – Sidney Eugência Cupolo e Outro, e Banco Boavista S/A – Rel: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – Diário de Justiça [da União], Brasília, p. 1.356, 6 fev. 995. pt. 1.).

Destaque-se que no julgado acima transcrito, há clara referencia à questão da

natureza jurídica da sociedade, porém somente para determinar se esta tem

preferência para remir a execução ou preferencia para adquirir as quotas

penhoradas.

Já pela 3ª Turma do STJ a compreensão do tema se dá em sentido

completamente oposto ao acima transcrito, entendendo-se impenhorável a quota

pela natureza de sociedade de pessoas que foi atribuída à limitada no caso

concreto, conforme pode ser visto abaixo:

O artigo 591 do CPC, dispondo que o devedor responde pelo cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, ressalva as restrições estabelecidas em lei. Entre elas se compreende a resultante do disposto no artigo 649, I, do mesmo Código que afirma impenhoráveis os bens inalienáveis. A proibição de alienar as cotas pode derivar do contrato, seja em virtude de proibição expressa, seja quando se possa concluir, de seu contexto, que a sociedade foi constituída intuitu personae. Hipótese em que o contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento expresso de todos os demais sócios. Impenhorabilidade reconhecida. (STJ, Recurso Especial n. 34.882-5. Lenir Pezzi de Lemos e Esther Handler e Outros. Relator: Ministro Eduardo Ribeiro. Diário da Justiça [da União], Brasília, p. 15.230, 9 ago. 1993. pt. 1.).

O posicionamento conflitante entre as turmas que compõem a Seção de

Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça não contribui para a segurança tanto

de credores, posto que não têm certeza sobre a satisfação de seu direito,

especialmente quando as quotas são o único patrimônio do devedor, e nem de

devedores e sociedades empresárias, já que não há certeza do tratamento dado ao

patrimônio do quotista, mesmo que, em tese, autônomo em relação aos demais

sócios.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

389

Desta feita, nota-se que da mesma forma que na doutrina, a solução

jurisprudencial não encerra o debate acerca da penhorabilidade das quotas. Razão

pela qual, por derradeiro no presente estudo, far-se-á um breve apontamento sobre

a necessidade de preservação da empresa diante deste dilema de penhorabilidade

das quotas do capital social.

5 A PRESERVAÇÃO DA EMPRESA DIANTE DA POSSÍVEL PENHORABILIDADE

DAS QUOTAS NAS SOCIEDADES LIMITADAS

Neste breve tópico deseja-se apenas expor uma das vicissitudes da temática

abordada, a preservação da empresa. Na Constituição Federal de 1988 o texto

volta-se para a satisfação da função social da propriedade, visando alinhá-la com o

direito fundamental da dignidade da pessoa humana.

Ainda na temática constitucional o caráter social é evidente, no artigo 5º,

inciso XXIII, está disposto o princípio da função social da propriedade que torna a

ser tratado nos artigos 182 a 186. No que tange à empresa a sua moderna

concepção está, em parte, refletida no artigo 170 que dispõe que a ordem

econômica irá se fundar na justiça social, busca do pleno emprego, na livre iniciativa.

Enfim, no fomento da atividade econômica e no desenvolvimento social que, em

regimes capitalistas, repousam também sobre o empreendedorismo privado.

Nesta mesma temática, o Código Civil de 2002, tem seu texto em profunda

consonância com o que dispõe a Constituição Federal, conforme sabiamente

lecionam Jones Figueiredo Alves e Mario Luiz Delgado (ALVES E DELGADO, 2002;

p. 104):

Um texto que abandona o excessivo rigorismo formal, o espírito dogmático-formalista, o caráter nitidamente individualista/patrimonial, contemporâneo de uma sociedade agropatriarcal, características do Código vigente, para assumir uma plenitude ético-jurídica de ordenamento, pós-positivista, capaz de ditar novas concepções afeitas ao direito compreensivo que emana do princípio da socialidade, já mencionada, ‘tendo como fulcro fundamental o valor da pessoa humana, repleto de dispositivos que cogitam pela justiça do caso concreto, com emprego de equidade, na prevalência de valores éticos.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

390

Visando garantir direitos, a exemplo da dignidade da pessoa humana, a

função social da propriedade e a busca do pleno emprego por meio da atividade

empresária, o princípio da preservação da empresa ganha grande importância no

contexto do tema abordado no presente estudo.

A empresa como reunião de capitais e habilidades é responsável por grande

monta da circulação de bens e riquezas e este papel toma importância quando tais

atividades ocorrem em harmonia com os princípios que ora se trata. Esta

concatenação de resultados e consequências sociais deve ser preservada como

engrenagem motriz de um mecanismo que produz desenvolvimento social.

Independentemente do resultado final da querela acerca da penhorabilidade

de quotas, que aponta para o reconhecimento e aceitação da possibilidade de tal

constrição, salvo quanto ao caráter subjetivo do status de sócio que as quotas

possuem, reservando assim os efeitos da penhora para o caráter iminentemente

patrimonial destas mesmas quotas, a importantíssima satisfação do credor não pode

ser a causa que concatene no próprio fim da atividade empresária da sociedade

limitada.

Neste sentido, manifesta-se a flagrante dissonância entre as legislações

apresentadas, no caso de interpretação radical do instituto da penhora sobre as

quotas de sociedade limitada. Os desejos individuais do credor de um sócio não

podem prevalecer sobre os princípios da função social da propriedade e da

continuidade da empresa.

Dentro deste contexto, a decisão do magistrado em cada caso concreto,

ganha fundamental importância na realização dos princípios que norteiam o tema,

como a dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa, o valor social do trabalho,

bem como a garantia do desenvolvimento econômico nacional.

Exatamente nesse sentido, oportuníssimas são as palavras de Fábio Ulhôa

Coelho (COELHO, 2008, p. 13):

(…) no princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade),

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

391

em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste; (...).

Exposta a importante questão sobre a necessidade de preservação da

empresa como fundamento do nosso ordenamento jurídico, passa-se a conclusão

do presente ensaio monográfico.

6 CONCLUSÃO

As sociedades limitadas têm seu surgimento motivado pela necessidade da

classe comerciante e industrial em ver formalizados seus empreendimentos, vez que

não possuíam capacidade financeira para organizarem-se em conformidade com o

regime normativo das sociedades anônimas e também não lhes interessava a forma

das sociedades pessoais de responsabilidade ilimitada.

A legislação, como de costume, vem em momento posterior a demanda social

tentar solucionar os seus dilemas. A resposta a este embate foi a criação das

sociedades civis de responsabilidade limitada, um novo modelo societário, com

características próprias e maior discricionariedade aos sócios na sua formação.

Modelo este que ultrapassou a mera simplificação das sociedades anônimas como

ocorrera na Europa no início do século XX.

Este novo formato para a formalização e organização das atividades

empresárias influenciou muitos ordenamentos jurídicos em toda a Europa, por

atender os anseios de uma sociedade empresarial muito disciplinada na produção

industrial e no desenvolvimento comercial, porém sofrendo as mazelas da carência

de um direito feito aos seus moldes e que refletisse a realidade dos negócios. Na

segunda década do século passado esta inovação legislativa chega ao Brasil,

exordialmente compondo o projeto de reforma do então vigente Código Comercial.

Com a morosa tramitação desta medida, em 1918 foi proposta como projeto

autônomo e no ano seguinte ingressou no ordenamento jurídico nacional na forma

do Decreto 3.078/19.

Este decreto, demasiadamente conciso, permitia aos contratantes usar de

muita liberdade e a autonomia da vontade permitia a realização do affectio societatis

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

392

com a determinação das regras de regência da sociedade no exercício da atividade

empresarial.

De tão concisa, a regulamentação legal deste tipo societário acabou por gerar

grandes polêmicas presentes até os dias atuais, ainda que advindo o Código Civil de

2002 e as reformas na legislação processual. As alterações, no tocante a penhora,

não findaram a dissonância de entendimentos em alguns aspectos importantes.

A penhora de quotas por obrigações pessoais do sócio é exemplo de uma

destas polêmicas jurídicas envolvendo as sociedades empresárias, e, conforme

exposto no presente estudo, a questão remonta até mesmo a natureza jurídica da

sociedade limitada, o que, como foi explicitado, não é de fácil classificação.

A questão que se levanta se resume na indagação se a limitada é uma

associação de portadores de habilidades específicas e, portanto, insubstituíveis (ou

de difícil substituição) ou é uma associação do impessoal capital voltado à

organização e realização da atividade empresarial que despreza a subjetividade da

composição societária.

A resposta a este questionamento deveria ser a própria pedra fundamental na

perquirição da real possibilidade ou não da penhora de quotas no ordenamento

jurídico brasileiro e também para delinear o próprio alcance desta constrição. Se de

efeitos patrimoniais apenas, gerando efeitos na qualidade econômica das quotas de

capital social, ou se a penhora atingirá também a composição do quadro social da

sociedade empresária, interferindo-lhe neste particular.

Apesar dos embates doutrinários, por vezes, fervorosos como estudado, a

tendência prevalecente é a da admissão da penhora de quotas por dívida particular

do sócio, concedendo-se à sociedade a possibilidade de remir a execução ou

arrematar as quotas em hasta.

Demonstrando, assim, a opção jurisprudencial pela segurança jurídica, de

inegável importância nas relações jurídicas, mas em detrimento de alguns princípios

e pondo de lado a análise casuística e o entendimento pela preservação da empresa

e da sua função na sociedade, atingindo direta e indiretamente um grande número

de personagens.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

393

Por óbvio que desejar que nada se dê ao exequente que litiga contra devedor

que possui como único patrimônio quotas sociais de uma sociedade limitada não

parece uma solução juridicamente viável. Entretanto, pode suscitar-se como

plausível a adoção do disposto no artigo 1026 do Código Civil, como tentativas

iniciais de satisfação do crédito pretendido. Certamente que há argumentos

contundentes no sentido de refutar a possibilidade de recair a execução sobre os

lucros líquidos, como já demonstrado, porém em consonância com parte da

doutrina, o aprimoramento deste expediente poderia equilibrar a equação e viabilizar

a satisfação do crédito não abandonando o interesse na mantença da empresa

viável.

Igualmente, parece por demais forçoso que em nome da continuação da

atividade empresária e da manutenção da empresa, se possa admitir a solução

consistente em integrar no quadro social o credor exequente, estranho aos demais

sócios e também aos objetivos da sociedade.

Dentre as muitas concepções e argumentos, o tema continua polêmico e

merecedor de solução que apazigue os entendimentos mais contrapostos. A

doutrina não se contenta com o posicionamento jurisprudencial e este próprio carece

de unanimidade ou mesmo de um norte que aponte para um resultado que busque a

realização de princípios constitucionais e das práticas negociais, motores da

economia.

Por derradeiro, espera-se que o presente estudo contribua com o

entendimento de quais as balizas deve ter um debate que almeje a solução ideal.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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A POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE

INSTRUMENTO PELOS CREDORES QUANDO DO DESPACHO QUE

DEFERE O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

THE POSSIBILITY FOR CREDITORS TO PROCEDE WITH A

INTERLOCUTORY APPEAL FACE THE DECISION WICH GRANTS

CONTINUANCE FOR THE “JUCIAL RECOVERY” LEGAL ACTION

Pedro Cardoso de Almeida Andrade Costa1

Luiz Osório Moraes Panza2

1 Pedro Cardoso de Almeida Andrade Costa, estudante do quinto ano do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba. 2 Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (1986), especialização em direito civil pelo IBEJ - Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (1998), mestrado (2005) e doutorado (2013) em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente é Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná junto à 9ª Câmara Cível e membro eleito do Órgão Especial, professor assistente do Centro Universitário Curitiba, prestador de serviços da Escola da Magistratura do Paraná, professor adjunto II das Faculdades OPET e professor de ensino superior da Universidade Positivo. É membro presidente do Comitê de Precatórios do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, com base na Resolução n.º 115 do CNJ. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: direito empresarial e hermenêutica jurídica.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

398

SUMÁRIO

Resumo. Abstract. 1. Introdução. 2. Recursos. 2.1 Princípios Recursais 3. Recurso

de Agravo. 3.1. Forma de Interposição. 3.2. Legitimidade Ativa. 3.3. Objeto. 4.

Decisão Interlocutória e Despacho. 4.1. Despacho Proferido em Observância ao

Artigo 52 da Lei 11.101/2005 – Características de Decisão Interlocutória. 5.

Conclusão. Referências Bibliográficas

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

399

RESUMO

Faz-se claro à natureza humana o descontentamento frente ao revés, em qualquer

seja a área, inclusive judicial. Frente o inconformismo das partes e a possibilidade

de erro, quando da análise do Poder Judiciário ao caso posto, verifica-se a

possibilidade interposição de recursos. Recursos se tratam de uma série de

instrumentos específicos, regidos por princípios próprios e destinados a anulação,

reforma, integração ou o aclareamento de uma decisão proferida pelo Juízo. Dentre

outros recursos e seus objetos específicos, o Código de Processo Civil brasileiro põe

frente às chamadas “decisões interlocutórias” à disponibilidade de interposição do

recurso de agravo, que em regra é retido aos autos. Quando observado gravame de

difícil ou impossível reparação a uma das partes ou a terceiros, o código excepciona

a interposição de agravo por meio de instrumento ao Tribunal diretamente superior.

Entende-se “decisão interlocutória” por toda decisão proferida ao longo do processo

sem dar-lhe fim, que traz gravame a uma das partes ou terceiros, independente da

nomenclatura que utilize o código ou o magistrado. Possui legitimidade para a

interposição de agravo de instrumento, entre outros, o terceiro que demonstre

prejuízo jurídico diante da decisão proferida. Portanto, verificando-se o gravame que

derive do despacho e a legitimidade dos credores, têm-se como possível a

interposição de agravo de instrumento pelos credores, diante o despacho proferido

em acordo ao artigo 52 da Lei 11.101/2005.

Palavras-chave: Recurso; Agravo de Instrumento; Prejuízo; Decisão interlocutória;

Credores.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

400

ABSTRACT

It is natural to any person the nonconformity front of decisions opposed to their wills.

That happens in all areas of social relations, including, the judicial one. Faced to the

unwillingness of accepting the loss, and the possibility of a judicial error in

procedendo or error in judicando at a decision, it is offered by the legal system a way

of reviewing those decisions, generally known as appeals. The instruments for

reviewing a legal decision are ruled by a series of singular principles, aiming to

nullify, change, complement or clarify the previous decision taken at a lawsuit.

Among other institutes of review, the Brazilin Code of Civil Procedure offers to the

litigant, or third part, the interlocutory appeal. Generally opposed at the same lawsuit

which the decision came from, it is legit the presentation of this interlocutory appeal,

straight to a superior Court, if from that decision derives a great harm of difficult

reparation. To resort an interlocutory appeal the connection between the decision

granted and the harm suffered is needed, and also the judicial interest of the part or

third person to see the decision reviewed. Said that, it is clear the possibility for

claimers, which can prove their legal interest and the harm suffered by the decision,

granted during the “judicial recovery” legal act, the opposition of an interlocutory

appeal to the decision granted in accordance of article 52 from the Law

nº11.101/2005.

Keywords: Judicial review; Interlocutory appeal; Harm; Interlocutory decision;

Claimers.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

401

1 INTRODUÇÃO

Observa-se na análise doutrinaria e jurisprudencial o consonante

entendimento quanto à irrecorribilidade da decisão exarada pelo Juízo da

Recuperação Judicial, em observância ao artigo 52 da Lei 11.101/2005.

Entendem em sua maioria os estudiosos e excelentíssimos julgadores que o

despacho judicial que defere o processamento da recuperação, possui natureza

procedimental, meramente “burocrática”, de análise de elementos objetivos e

prosseguimento dos atos relevantes ao processo, não existindo caráter decisório,

sendo assim, irrecorrível de pleno. Neste sentido podem-se citar a opinião relevante

de Miranda Valverde (1945, p.300), Nelson Abraão (2978, p.196), José da Silva

Pacheco (2001, p.655), quando se remetiam ao Decreto Lei 7.661/45, e

contemporaneamente Sergio Campinho (2009, p.142), Waldo Fazio Jr. (2007,

p.142), Gladston Mamede (2009, p.212) entre outros.

Entretanto, em contraponto ao uníssono coro acadêmico e judicial encontra-

se a opinião do Professor Fábio Ulhôa Coelho (2010, p.183), quando diz:

Contra o despacho que autoriza o processamento da recuperação judicial é interponível o recurso de agravo de instrumento apenas para discutir o acerto no exame dos pressupostos objeto da fase postulatória, que são a legitimidade para o pedido e a instrução na forma da lei. Se uma associação ou sociedade simples postulam sua recuperação judicial e o juiz inadvertidamente determina o processamento do feito, podem os credores agravar para que o tribunal reaprecie a pertinência da decisão (...). (grifo próprio)

Sob o entendimento supracitado se põe o presente artigo com objetivo de

entender o recurso de Agravo, suas características, aplicações, assim como a

legitimidade e interesse processual dos Credores frente o Juízo da Recuperação

Judicial, em resposta à decisão de processamento do procedimento recuperatório.

2 RECURSOS

Há que se entender dentro da natureza humana a incapacidade passiva de se

aquiescer perante o revés. Da mesma forma que em outros campos sociais, dentro

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

402

da relação processual observa-se o descontentamento das partes sucumbentes

quando da improcedência de sua requisição legal, ou do reconhecimento do pedido

formulado pela outra parte. Neste sentido, se põe de maneira lógica frente ao

inconformismo jurídico, a atribuição de procedimentos as partes ou terceiros

prejudicados, em busca de rever e alterar a decisão originalmente proferida,

postergando a formação da coisa julgada material e trazendo-lhe o entendimento

que se pauta como correto. Ademais, há que se entender que as decisões proferidas

na existência de um processo judicial, ou administrativo, são realizadas por

julgadores humanos, levados a interpretar de modo livre, a norma posta frente ao

fato conturbado, sendo assim, passível de erros ou más interpretações, sendo

salutar o reexame de tais decisões a fim de se diminuir a discrepância interpretativa

dentro do sistema jurídico pátrio.

Em vias de delimitar o entendimento de recurso, cita-se o entendimento do nobre

doutrinador Nelson Nery, quando este enuncia: “recurso: é o meio processual que a

lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a

viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a

integração ou o aclareamento da decisão judicial impugnada” (2004, p.212) e em

vias de delimitar o entendimento que buscamos de recurso, se faz perfeitamente

aceitável, sem demais elucubrações teóricas que poderiam ser aventadas.

2.1 PRINCÍPIOS RECURSAIS

No Sistema Jurídico brasileiro, quando se tratam de recursos, há de se

observar a existência de princípios que lhe são singulares, régios a sua existência e

correta aplicação, sendo estes: princípio do duplo grau, princípio da taxatividade,

princípio da singularidade, princípio da fungibilidade, princípio da dialeticidade,

princípio da voluntariedade, princípio da irrecorribilidade em separado das

interlocutórias, princípio da complementariedade, e princípio da proibição da

reformatio in pejus.

Cabe breve análise de cada princípio, para que em panorama geral possa se

tecer futuras críticas ou aclareamentos ao objeto deste artigo, qual seja, o recurso

de agravo.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

403

a) Princípio do duplo grau – Possui o referido princípio a intenção de

evitar o abuso ou má interpretação quando da aplicação da lei ao caso concreto

pelo Juiz, trazendo à questão controversa nova análise por instância diversa aquela

que originalmente proferiu a decisão. De forma geral é claro e consequentemente

lógico o entendimento de que a revisão de uma decisão, assim como a re-análise

de qualquer atividade cotidiana, traz ao objeto em discussão novos contornos, que

outrora não lhe eram perceptíveis, justificando, portanto, a existência de tal

principio.

Não há em se falar quando da discussão do princípio do duplo grau que a

revisão por um colegiado de membros mais “experientes” e antigos no feitio de

julgar seja mais correta, ou que a existência de um conjunto de julgadores seja

menos suscetível a se corromper do que um Juízo singular. Além de falaciosas, tais

discussões recorrentes quando da discussão do duplo grau, são arraigadas de pré-

conceitos e suposições infundadas. Sob tal desdobramento crítico, indica-se a

revisão feita pelo ilustre professor Araken de Assis, em seu renomado título “Manual

dos Recursos”.

Por fim deve-se ter cuidado quando da aplicação do princípio do duplo grau,

vez que este não é irrestrito, ou ilimitado. Uma das partes, sempre possuirá razão

para justificar a sua irresignação frente a uma decisão que não lhe seja favorável,

entretanto a possibilidade de revisão se pauta ainda por outros princípios, aos quais

seguirão em análise.

b) Princípio da taxatividade – Responde diretamente a preocupação

acima aduzida, quanto à recorribilidade irrestrita dos atos judiciais, o princípio da

taxatividade. Entende-se ao princípio da taxatividade a impossibilidade da

interposição de recursos que não definidos em lei federal, respeitando rol numerus

clausus definido pelo legislador.

c) Principio da singularidade – Adota-se ao sistema jurídico, em regra, o

princípio da singularidade recursal, também tido por princípio da unicidade, ou ainda

unirrecorribilidade. De acordo com tal princípio, observa-se possível o manejo de

somente uma espécie recursal para cada espécie de decisão proferida, em

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

404

interpretação sistemática do artigo 496 e sua correlação aos artigos 162, 504, 513 e

522 do CPC.

Embora seja a regra, Araken de Assis, muito bem assevera: “Às vezes, o

pronunciamento é formalmente único, mas materialmente se divide em vários

capítulos autônomos” (2013, p.97), admitindo desta forma a interposição de mais de

um recurso para a “mesma” decisão, nos casos de cumulação, podendo ser

alternativa ou obrigatória. Põem-se como exemplos os casos de a decisão que julga

o mérito, entretanto possui obscuridade e o acórdão que possui afronta a

interpretação majoritária de lei federal e norma constitucional.

Ao primeiro evento, pela via mais ortodoxa, possui o recorrente a

possibilidade de opor embargos de declaração para o clareamento do julgado e

posteriormente interpor apelação para a reforma de mérito, entretanto, tem-se como

possível a interposição singular da apelação, pois posteriormente tratará da

obscuridade no Juízo ad quem assim como, do mérito, Observa-se portanto caso de

cumulação alternativa.

Ao segundo exemplo, tem-se por obrigatório (desde que pela vontade da

parte), que sejam manejados recursos diversos para atacar os vícios diversos do

acórdão proferido. Não poderá somente interpor Recurso Especial e buscar reforma

das inconstitucionalidades existentes da sentença além das competentes ao STJ,

assim como o inverso é proporcional, havendo, portanto, caso de cumulação

obrigatória.

d) Princípio da fungibilidade – O direito, assim como a sociedade que se

encontra inserto, encontra-se em constante alternância de entendimentos e

situações que se postam a sua frente no aguardo de solução, sendo assim, embora

nobre a intenção e esmero do legislador em especificar as hipóteses de cabimento

dos recursos dispostos no Código de Processo Civil, observa-se que a prática

jurídica traz em seu escopo situações que muitas vezes, escaparia até mesmo das

mentes mais criativas e gera constante dúvida entre os estudiosos da Lei.

Em vista a mutabilidade e incerteza que por vezes atinge o intérprete legal é

que se põe o princípio da fungibilidade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

405

Sob o referido princípio, tem-se lícito e compreensível a interposição de uma

espécie recursal em detrimento de outra, tida como mais correta quando observada

dúvida objetiva na interpretação da decisão a ser impugnada.

Tem-se como exemplo o fato de que, embora o próprio código determine

certa decisão pela nomenclatura de sentença, este se equivoca, e leva o intérprete

à dúvida quanto à verdadeira natureza da decisão. Vejamos a decisão que resolve o

incidente de falsidade. Apesar de nominalmente ser referida como sentença, a

decisão proferida neste incidente não de aproxima das feições determinadas pelo

artigo 162, §1º e tampouco ostenta o elemento finalístico reclamado na autêntica

sentença, restando, por conseguinte, a interposição de agravo, em desacordo com

o corolário “da sentença, cabe apelação”. (ASSIS, 2013, p.100).

Há de se rememorar, que apesar da aplicabilidade do princípio acima

exposto, tal possibilidade não se estende ao aplicador do direito que incide no

chamado “erro grosseiro”. Apesar da doutrina e jurisprudência não serem unanimes

quanto ao conceito de “erro grosseiro”, verifica-se que certas situações se posam

flagrantes a esta exceção3 e devem sofrer uma análise caso a caso para sua

aplicação.

e) Princípio da dialeticidade – Pelo princípio da dialeticidade observa-se a

obrigatoriedade do recorrente em declinar suas razões recursais, os motivos que

levaram sua irresignação fronte a decisão que busca reforma e as razões pela qual

a reforma deve ser concedida, Nery Jr. comenta: “O procedimento recursal é

semelhante ao inaugural da ação civil. (...) devendo conter, pois, os fundamentos de

fato e direito que embasariam o inconformismo do recorrente e, finalmente, o pedido

de nova decisão” (2004, p.176)

Somente com a devida fundamentação pode o juízo a quo, ou ad quem obter

conhecimento dos motivos, error in iudicando ou error in procedendo, aos quais se

busca eventual reforma, além de possibilitar a outra parte saber dos fundamentos

específicos que lhe cabe impugnar. Põe-se inadmissível o recurso

desacompanhado de suas devidas razões (SOUZA, 2000,p.148).

3Nelson Nery Jr. cita, além dos casos reconhecidos pela jurisprudência: a)interposição de recurso diverso aquele expressamente citado em lei; b) apelação interposta frente a flagrante decisão interlocutória, e agravo manejado perante decisão tipicamente caracterizada como sentença; c) interposição confusa entre recursos de natureza extraordinária (RESP, REXT e RO); d) Súmula 272 STF; (NERY Jr, 2004, 158)

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

406

f) Princípio da Voluntariedade – Destarte a existência natural de

desacordo da parte com a decisão que não lhe é favorável, ainda sim observa-se

que a esta somente manejará recurso se for de sua vontade própria. Tal princípio é

regra a todos os recursos dispostos em lei, sendo, portanto inadmissível o recurso

renunciado ou desistido. Aqui se aponta a exceção da remessa oficial do artigo 475

CPC4, onde o Juiz, de ofício, envia ao Tribunal superior sua decisão para re-análise

g) Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias – Embora

em leitura inicial possa trazer confusão, o referido princípio trata-se da

inoperabilidade de se analisar questão incidental de forma independente, obstando

por sua vez o curso regular do processo. Encontra-se no atual Código de Processo

Civil, a possibilidade expressa de recorribilidade das decisões proferidas ao longo

da relação processual, entretanto, a regra se põe na continuidade do processo

principal, em defesa da celeridade e economia processual.

O vocábulo “em separado” não deve ser considerado no sentido físico, mas

no sentido de se paralisarem os autos originários para a re-analise de questão

incidental, agindo assim o recurso das interlocutórias como própria “apelação”

(NERY JR, 2004, p.180).

Tal princípio possui sua mitigação quando da aplicação pelo Relator, em

segundo grau, do efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento, em análise

casuística, conforme dispõe o artigo 558 do CPC.

h) Princípio da complementariedade – Observa-se ao Processo Civil

brasileiro a impossibilidade de apresentação da devida pretensão recursal

4 Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: – Proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – Que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). § 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

407

desacompanhada de suas fundamentações, em virtude ao princípio da dialeticidade,

tampouco buscar a complementação de suas razões, em virtude da preclusão

consumativa, todavia, havendo interposição concomitante de embargos de

declaração ao recurso já manejado (por exemplo, na apelação interposta muito

aquém a seu prazo), poderá a parte que lançou do recurso específico, modificar ou

reiterar suas razões iniciais, frente à decisão proferida nos Embargos. Não há em

que se falar em novo recurso, mas sim, aditamento das razões já apresentadas, em

virtude de modificação da decisão a qual se busca reforma.

i) Princípio da proibição da reformatio in pejus – Por derradeiro, tem-se

pelo princípio da proibição da reformatio in pejus a manutenção parcial do julgado

atacado, em vias de não havendo melhora da situação do recorrente, este também

não reste prejudicado pela utilização do seu direito a recorrer.

Tal reforma é adstrita diretamente ao efeito devolutivo dos recursos como cita

Nery Jr.: “O objeto do recurso é tão somente a matéria efetivamente impugnada,

acrescida daquelas questões que o juiz deva conhecer de ofício” (2004, p.186), não

restando aos julgadores em segunda instância, apreciarem, tampouco decidirem

pela reforma, prejudicial ou benéfica, de questões que não lhes foram apresentadas

em sede recursal.

Encerrada a análise principiológica, deve-se passar ao recurso objeto da presente

discussão, o Agravo, para ao entender sua aplicação e legitimidade, possa-se

verificar a possibilidade ou não de sua interposição pelos credores, em face ao

despacho do processamento à recuperação judicial.

3 RECURSO DE AGRAVO

O Agravo como medida recursal tem origem ao direito lusitano, em específico

as Ordenações Afonsinas, tendo sido aprimorado e refinado ao passar dos longos

anos de prática processual em terras brasileiras até o firmamento que se encontra

atualmente nos artigos 496, II e 522 e seguintes do Código de Processo Civil.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

408

O recurso de Agravo, na forma retida aos autos, por instrumento, ou de forma

interna, vem como impugnação específica destinada às decisões proferidas pelo

magistrado ao longo do processo, que em forma ou conteúdo não se equipare a

sentença, tidas como decisões interlocutórias.

Traz o Código de Processo Civil em seus artigos 522 e seguintes o conceito

legal do Recurso de Agravo, assim como a forma de sua interposição, quanto retido

e por instrumento:

Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez)

dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de

causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de

inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é

recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo.

Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o

tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da

apelação

§ 1oNão se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente,

nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal.

§ 2o Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o

juiz poderá reformar sua decisão.

§ 3o Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e

julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e

imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele

expostas sucintamente as razões do agravante

Art. 524. O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, através de petição com os seguintes requisitos: I - a exposição do fato e do direito; II - as razões do pedido de reforma da decisão; III - o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo.

Havendo diferenças significativas quanto aos modos de interposição do recurso de

agravo, seus requisitos e efeitos, cabem sobre estes, breve análise, aprofundando-

se no chamado Agravo de Instrumento, recurso próprio a interposto frente à decisão

suscetível de causar grave lesão e de difícil reparação.

3.1 FORMA DE INTERPOSIÇÃO

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

409

Vislumbra-se ao sistema recursal pátrio a possibilidade de interposição do

recurso de agravo por três vias, definidas em lei, conforme dispõe o princípio da

taxatividade, agravo retido, agravo por instrumento e agravo interno.

Em regra, visando à celeridade processual e a segurança jurídica, entende-se

como padrão o modelo de Agravo retido aos autos, ou seja, a inconformidade da

parte é deduzida em peça processual independente, ou de forma oral, quando

propícia, e juntado diretamente ao caderno processual, sendo postergada sua

análise para momento recursal posterior quando da interposição de apelação.

Entende-se desta forma que o prejuízo em tese sofrido por uma das partes não é de

relevável gravame aos olhos do magistrado, não necessitando de emenda ou

modificação, desta forma, postergando sua análise a existência de sucumbência,

pois somente quando da interposição de apelação e em pedido específico do

apelante será este agravo analisado, para se proferir acórdão conquanto a

existência de nulidade ou excesso na decisão do juiz quando da decisão

interlocutória proferida e a necessidade de reparo, o então, pelo entendimento do

colegiado à consonância legal da decisão exarada.

Em regime de exceção, apresenta-se aos litigantes a possibilidade de aduzir

seu descontentamento quanto à decisão tomada pelo magistrado no curso do

processo, através do agravo apresentado por instrumento. Têm-se nesta

modalidade de agravo o mesmo objeto recorrido, qual seja, decisão interlocutória

proferida pelo Juízo competente, entretanto, por julgamento da parte, entende-se

que a manutenção de tal decisão eivará o processo de grave vício que leve a

relevante ano de difícil ou impossível reparação. Em observância a existência de

flagrante dano a ocorrer, se faz possível a parte descontente à realização de peça

autônoma, instruída com todos os documentos pertinentes e demais obrigações do

artigo 524 e 525 buscando alterar a decisão interlocutória proferida pelo magistrado

a quo que lhe causa ou poderá causar grave dano de difícil reparação.

Pela interposição de Agravo de Instrumento, pode o recorrente pleitear pela

aplicabilidade do efeito suspensivo ao recurso, sobrestando assim os resultados

decorrentes da decisão interlocutória agravada no curso do processo principal, em

conforme ao artigo 527, inciso III do CPC.

Em virtude a interposição de razões recursais à outra instância, fica obrigado

o recorrente a apresentar no prazo de 3 dias, cópia das razões aduzidas no

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

410

instrumento de agravo, para que o Juízo original possa exercer seu juízo de

retratação e lidar com a insatisfação da parte de forma mais célere, quando achar

possível. (Artigo 526, CPC)

Por fim observa-se possível a interposição do chamado agravo interno, recursos não

regulados pelos artigos 522 a 529 do CPC, mas sim por artigos esparsos, sendo

cabíveis em situações específicas com prazo de interposição 5 dias.

3.2 LEGITIMIDADE ATIVA

A interposição do recurso de agravo não possui regra específica de

legitimação, aplicando-se assim os ditames do artigo 499 do Código de Processo

Civil, qual se lê:

Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. §1o Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial. §2o O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.

Ao pressuposto de legitimidade, cumula-se a necessidade de comprovação d

e interesse de agir em esfera recursal.

Em primeira hipótese, observa-se legitimidade da parte que restou vencida

originalmente em interpor o recurso. Comenta a Iminente Ministra Nancy Andrighi

sobre o assunto: “Em regra, é a parte sucumbente quem tem legitimidade para

recorrer. ” (REsp 1.319.626-MG).

Em segundo momento observa-se possibilidade ao Ministério Público de

manejar de recursos, e neste sentido, colaciona-se o seguinte entendimento do STJ:

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOS REGIMENTAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE RECURSAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. RECESSO FORENSE. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL (ARESP 137.141/SE). CONVERSÃO EM RECURSO ESPECIAL. 1. É sabido que esta Corte Superior de Justiça até aqui ampara a tese de que o Ministério Público Estadual não é parte legítima para atuar perante os

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

411

Tribunais Superiores, uma vez que tal atividade estaria restrita ao Ministério Público Federal. 2. O Ministério Público dos Estados não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante esta Corte Superior de Justiça. 3. Não permitir que o Ministério Público Estadual atue perante esta Corte Superior de Justiça significa: (a) vedar ao MP Estadual o acesso ao STF e ao STJ; (b) criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP Estadual e o MP Federal, onde ela é absolutamente inexistente; (c) cercear a autonomia do MP Estadual; e (d) violar o princípio federativo. 4. A atuação do Ministério Público Estadual perante o Superior Tribunal de Justiça não afasta a atuação do Ministério Público Federal, um agindo como parte e o outro como custos legis. 5. Recentemente, durante o julgamento da questão de ordem no Recurso Extraordinário nº 593.727/MG, em que discutia a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público, decidiu-se pela legitimidade do Ministério Público Estadual atuar perante a Suprema Corte. 6. Legitimidade do Ministério Público Estadual para atuar perante esta Corte Superior de Justiça, na qualidade de autor da ação, atribuindo efeitos prospectivos à decisão. (...) (AgRg no AREsp 268.538/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 12/03/2013)

Ao que nos interessa, cabe analisar a legitimidade do terceiro prejudicado em

manejar recursos.

Terceiro Prejudicado é o terceiro alheio a relação jurídica, que possui sua

esfera jurídica abalada por decisão proferida em processo judicial. Resta ao

interessado comprovar sua legitimidade, ou seja, o dano que lhe foi causado, assim

como o seu interesse jurídico, o nobre doutrinador Nelson Nery Jr. (2013, p.989) se

manifesta neste sentido:

Terceiro prejudicado é aquele que tem interesse jurídico em impugnar a decisão (...). Está legitimado para interpor qualquer recurso, inclusive embargos de declaração (RTJ98/152). Configurada sua legitimidade para recorrer, o terceiro deve demonstrar em que consiste seu interesse em recorrer, isto é, o nexo de interdependência entre seu interesse em impugnar a decisão e a relação jurídica por ela decidida.

Ainda neste sentido, se manifesta o professor José Miguel Garcia Medina

(2011, p.531):

(...) a demonstração, pelo terceiro, de interesse (isto é, a afirmação da existência de alguma repercussão à sua esfera jurídica) é critério através do

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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qual o art. 499 atribui a ele legitimidade para recorrer (...). Neste sentido, decidiu-se que o terceiro é aquele que sofre um prejuízo em sua esfera jurídica em razão da decisão judicial (...). O prejuízo a ser demonstrado pelo terceiro deve ser jurídico e não meramente de fato. (...)

Coaduna-se com este entendimento o pronunciamento da Ministra Nancy

Andrighi (REsp 1.319.626/MG):

O art. 499, §1º, do CPC, contudo, assegura ao terceiro prejudicado a possibilidade de interpor recurso de determinada decisão, desde que ela afete, direta ou indiretamente, uma relação jurídica de que seja titular. Em outras palavras, para que seja admissível o recurso de pessoa estranha à relação jurídico-processual já estabelecida, faz-se necessária a demonstração do prejuízo sofrido em razão da decisão judicial, ou seja, o terceiro deve demonstrar seu interesse recursal, caracterizado pelo binômio “necessidade – utilidade” do recurso. (...)

e do Ministro Benedito Gonçalves (EDclAgRgREsp 1.180.487/RJ):

(...)

2. Acórdão embargado claro e nítido no sentido de manter os fundamentos da decisão proferida em recurso especial, o qual reconheceu que, na forma do artigo 499, § 1º, do Código de Processo Civil, o recurso de terceiro prejudicado está condicionado à demonstração de prejuízo jurídico da decisão judicial, e não somente do prejuízo econômico, ou seja, deve existir nexo de interdependência entre o interesse do terceiro e a relação jurídica submetida à apreciação judicial" (EDcl na MC 16.286/MA, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 19/10/2010). (...)

Portanto, como se vê, o pleito recursal de terceiro prejudicado e legítimo, tendo por

necessário somente à comprovação de prejuízo jurídico, advindo da decisão

recorrida e a utilidade do recurso manejado.

3.3 OBJETO

O código, em respeito ao princípio da singularidade, delimitou de forma clara

o objeto ao qual se destina o recurso de agravo, e o insculpiu como se segue:

Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

413

Embora divergências acerca do conceito de “decisão interlocutória”, que a

seguir será tratado, o código é plenamente claro em delimitar sobre estas decisões

incidentais tomadas ao longo do processo, o cabimento do recurso de agravo.

4 DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E DESPACHO

Embora o código determine em seu artigo 162, §2º o entendimento acerca de

decisões interlocutórias, e o artigo 522 determine a impugnação de tal decisão por

meio de agravo, vê-se que não se põe tão clara a análise do recuso cabível quando

levamos em conta a teoria do conteúdo-finalidade do ato. Sob o último, em prima

ratio deve-se analisar o conteúdo o qual versa a decisão, não importando o nome

atribuído a este pelos serventuários ou o próprio Juízo, e citando a doutrina, “não foi

apenas o conteúdo do ato que o CPC levou em conta para definir os

pronunciamentos do juiz, mas igualmente considerando a finalidade” (NERY JR.,

2013, 518), para então definir a recorribilidade da decisão, e a qual recurso se faz

cabível, abarcando neste sentido os princípios da singularidade, fungibilidade e

análise de erro grosseiro.

Em viés controverso, se põe o despacho ordinatório. Segundo definição legal

e pleno entendimento doutrinário e jurisprudencial, contra o mero despacho

ordinatório, que possui objetivo de dar seguimento ao processo, não cabe recurso.

Entretanto, embora em primeira análise não caiba recurso o mero despacho,

deve-se atentar de forma mais profunda ao conteúdo e finalidade do evento

processual, em especial ainda a consequência do ato praticado. Neste sentido a

jurisprudência é pacífica em entender quando da existência de dano a uma das

partes ou a terceiros pela recorribilidade da decisão. Colaciona-se:

A regra do art. 504 do CPC não é absoluta. Deve-se reconhecer a possibilidade de interposição de recurso em face de ato judicial capaz de provocar prejuízos às partes." (REsp n. 215.170/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, unânime, DJe 24/11/2010) (grifo próprio) PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPACHO. CONTEÚDO DECISÓRIO. POSSIBILIDADE DE CAUSAR PREJUÍZO A UMA DAS PARTES. RECORRIBILIDADE. 1. A distinção entre os despachos e as decisões interlocutórias impugnáveis via agravo de instrumento reside na existência ou não de conteúdo decisório e de gravame à parte.

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414

2. A regra do art. 504 do CPC não é absoluta. Deve-se reconhecer a possibilidade de interposição de recurso em face de ato judicial capaz de provocar prejuízos às partes. 3. Recurso especial provido. (REsp 215.170/CE, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 24.11.2010)

(grifo próprio)

PROCESSUAL CIVIL. DESPACHO. NATUREZA JURÍDICA. CUNHO DECISÓRIO. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART.522 DO CPC. 1. Nos termos do art. 522 do CPC, o agravo de instrumento é o recurso cabível contra decisões interlocutórias. 2. O despacho que rejeita o pedido de redirecionamento da execução fiscal e condiciona o seu deferimento à juntada de documentos hábeis a comprovação da qualidade de sócio possui cunho decisório, com possibilidade de causar lesão a eventuais direitos da parte, tendo, contudo, natureza de decisão interlocutória passível de recurso de agravo de instrumento. 3. Necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem para apreciação do mérito do agravo de instrumento. Recurso especial provido. (REsp 1.208.865/BA, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de

14.2.2011)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TAXA JUDICIÁRIA.

IMPOSIÇÃO DE RECOLHIMENTO, SOB PENA DE CANCELAMENTO DA

DISTRIBUIÇÃO. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO SINGULAR QUE CONTÉM

CONTEÚDO DECISÓRIO E É APTA A CAUSAR LESÃO A EVENTUAIS

DIREITOS DA PARTE.

1. "O despacho que determina o recolhimento de taxa judiciária, sob pena de cancelamento da distribuição possui caráter de decisão interlocutória, em razão de seu conteúdo decisório e possibilidade de causar lesão a eventuais direitos da parte, uma vez que impõe sanção no caso de descumprimento", de modo que é "correto o manejo de agravo de instrumento perante o Tribunal local, sendo desnecessária a formulação de pedido idêntico ao juízo de 1º grau, como forma de exaurimento de instância" (REsp 1.194.112/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 1º.7.2010). 2. Recurso especial provido. (REsp 1.212.718/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 28.4.2011)

Portanto, embora as definições trazidas pelo código quanto à irrecorribilidade

dos despachos, as normas postas não são absolutas, e deve-se observar em uma

análise casuística, a possibilidade ou não de recurso das decisões incidentais tidas

por despacho, considerando o conteúdo e consequência da decisão proferida.

4.1 DO DESPACHO PROFERIDO EM OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 52 DA LEI

11.101/2005 – CARACTERISTICAS DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

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415

Primordialmente encontra-se na nova Lei de Recuperação a instituição de

mecanismos e entraves complexos para sua requisição e deferimento, pelo simples

motivo de se tratar de um processo detalhado em que vários modos utiliza da

intermediação estatal como instrumento de socorro a instituições privadas,

acertadamente escreve Fazzio Junior (2007, p.153):

O processo de recuperação judicial é complexo. (...) A instituição da recuperação judicial do agente econômico devolve ao Judiciário o caráter compositivo de sua atuação. Mais que isso, um papel construtivo, na medida em que é a vida adotada pelo devedor para pagar seus credores e garantir a sobrevivência de sua organização econômica. Bem por isso, fica acentuado o papel administrativo dos órgãos judiciários encarregados de supervisionar o desenvolvimento dos meios de recuperação escolhidos. (grifo próprio)

Como requisitos basilares à recuperação de empresas, o artigo 515 traz em

seu escopo o rol extensivo de requisitos que o empresário, munido das qualidades

5 Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. § 1o Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado.

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416

de sujeito ativo, deve cumprir para ter seu pedido de recuperação judicial recebido e

processado, possibilitando ao Juiz da causa exercer agir com convicção da verdade

apoiado em elementos probatórios robustos que corroboram com a seriedade do

pedido da recuperação.

A peça inicial do pedido de recuperação judicial deve obedecer

subsidiariamente aos dispostos do artigo 282 do Código de Processo Civil os

requisitos do artigo 51 da Lei 11.101/2005 para seu devido processamento.

Ao vislumbrar a inexistência de qualquer dos requisitos do artigo 51 cabe ao

juiz permitir o aditamento da peça inicial, como forma de se suprir as informações

faltantes no prazo de 10 dias, podendo estes ser postergados a critério do

magistrado. Entretanto, não havendo emenda à inicial no prazo legal, ou não

havendo a juntada dos documentos necessários ao pedido, imperioso é ao julgador

o indeferimento do pedido de recuperação judicial, pois as informações solicitadas

em cada um dos nove incisos do referido artigo são indispensáveis à correta

apreciação e aplicação das benesses concedidas pela Lei 11.101/2005, por se

tratarem de elementos condicionais a ação de recuperação judicial, sendo, portanto,

matéria de ordem pública, cognoscível em qualquer fase processual.

Tal afirmação é confirmada pela leitura do artigo 52: “Art. 52. Estando em

termos a documentação exigida no artigo 51 desta Lei o juiz deferirá o

processamento da recuperação judicial (...)”, pela interpretação dada pelo professor

Fábio Ulhôa Coelho (2010, p.182):

Estando em termos a documentação exigida para a instrução da petição inicial, o juiz proferirá o despacho mandando processar a recuperação judicial. (...) O pedido de tramitação é acolhido no despacho de processamento, em vista apenas de dois fatores – a legitimidade ativa da parte requerente e a instrução nos termos da lei. (grifo próprio)

Além da seguinte decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp

1004910/RJ):

§ 2o Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica. § 3o O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1o e 2o deste artigo ou de cópia destes

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

417

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REQUISITOS DO ART. 51 DA LEI 11.102/05. CONDIÇÕES DA AÇÃO. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. QUALIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. SÚMULA 07/STJ. PRINCÍPIO DA UNICIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. 1. As condições da ação constituem matéria de ordem pública e, portanto, passíveis de reconhecimento em qualquer fase do processo. (...) (grifo próprio)

Cabe ressaltar, que aqui não se trata o indeferimento do pedido do autor uma

punição ao empresário que não apresente os documentos necessários, mas tão

somente a impossibilidade de deferir o prosseguimento da recuperação judicial

sobre o caso, na falta de documentos essenciais, pois o rol do artigo 51 traz em sua

relação documental, prova de legitimidade ativa do empresário em dificuldades,

comprovação de exercício regular da atividade empresaria sua lista de credores,

entre outros.

Não há que se confundir a negativa de processamento da recuperação

judicial com a decretação de falência ou convolação, pois as últimas de fato se

tratam de atos de natureza sancionatória, com causas específicas e delimitadas em

lei, sendo defesa a decretação de falência de ofício. O indeferimento do

processamento da recuperação judicial se trata de sentença, sem resolução de

mérito, atacável por meio de apelação.

Em contrapartida, sendo acatado e deferido o processamento do pedido de

recuperação judicial, esta decisão não cabe insurgência por parte de nenhum credor

segundo doutrina majoritária e jurisprudência.

O despacho de processamento da recuperação judicial de fato não possui

conteúdo decisório de mérito ou de questão incidental, entretanto, as consequências

da decisão de processamento têm repercussão além dos autos de recuperação,

movimentam profissionais nomeados como administradores judiciais; membros do

ministério público; autorizam as empresas recuperandas a buscar crédito e fechar

negócios sem a apresentação de certidões negativas e por fim a mais “grave”,

determinam a interrupção de todos os procedimentos executórios frente à sociedade

empresária. Repercussões de tal decisão não são cotidianas da atividade

empresária, são benesses fornecidas por um regime especial e diferenciado de

auxilio Estatal ao empresário em dificuldades, portanto, não pode ser tratado como

despacho de mero expediente. Se este o fosse, deixemos que as escrivanias

realizem a análise burocrática e mecanizada que citam a doutrina majoritária,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

418

poupando o exíguo tempo que os magistrados brasileiros têm à disposição para

julgar os processos que lhe são encaminhados.

Ainda, em defesa da celeridade e economia processual, mais razoável se põe

a realização de juízo de retratação do magistrado quando da interposição de Agravo

de Instrumento contra o despacho decisório, do que a necessidade de formação de

uma assembleia geral de credores, para ao final do prazo de apresentação do plano

de recuperação, estes o rejeitem.

Em análise a esta questão, e reconhecendo a possibilidade de danos que

advém do despacho que defere o processamento da recuperação judicial, se

posicionou o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

Pereira Calças (604.160-4/0 SP) nos seguintes termos:

(...) No entanto, em que pese os diversos precedentes desta Câmara Especializada que perfilham o entendimento da irrecorribilidade do ato que apenas defere o processamento do pedido de recuperação judicial, após meditar sobre a questão, estou convencido de que, em virtude do conteúdo do pronunciamento judicial prolatado com fundamento no artigo 52, da Lei n° 11.101/2005, impõe-se o reconhecimento de sua natureza de decisão interlocutória. Isto por que o artigo 52 preconiza: 'Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: I - nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei; II - determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observado o disposto no art. 69 desta Lei; III - ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ Io, 2o e 7o do art. 6o desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei; IV •• determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores; V - ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento'. Como se vê, apesar de aparentemente, ou ordinatório, em rigor, dele poderão advir diversos prejuízos para os credores, sendo possível ainda que dele derive malferimento à Lei n° 11.101/2005, que é de ordem pública. Imagine-se, por exemplo, que o magistrado nomeie administrador judicial sem observar os requisitos do artigo 21 da Lei; ou ainda, defira o processamento da recuperação judicial, sem exigir a presença dos pressupostos do artigo 48, ordenando a suspensão das execuções, individuais pelo prazo legal, circunstância que,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

419

efetivamente, poderá causar severos percalços aos credores, etc. (...) (grifo próprio)

Ademais, o Colendo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Agravo

Regimental no Agravo de Instrumento n° 1.008.393-RJ(2008/0011535-8), afirma

pela recorribilidade da decisão que defere a recuperação judicial, nos seguintes

termos:

(...) Da análise do texto acima transcrito é possível chegar à conclusão de que na fase postulatória é analisada a legitimidade ativa da empresa para a recuperação judicial, enquanto na fase deliberativa é apurada a viabilidade econômica do benefício. Nesse contexto, os recursos questionando a condição de sociedade empresária da requerente do benefício, bem como a ausência de certidão de sua regularidade junto ao Registro Público de Empresas devem ser tirados contra a decisão que defere o processamento da recuperação.

Portanto, verifica-se que o despacho proferido em vista ao artigo 52 da Lei

11.101/2005, possui de fato as características necessárias ao reconhecimento desta

como decisão interlocutória, vez que as medidas decorrentes de sua publicação,

podem de fato trazer danos às demais partes que ainda irão integrar a relação

jurídica, sendo assim recorríveis a por meio de Agravo de Instrumento. Resta aos

credores comprovarem a violação de sua esfera jurídica, a fim de se caracterizarem

ao entendimento de terceiro prejudicado, já analisado supra.

5 CONCLUSÃO

Observa-se quando da análise casuística, que o processamento da

recuperação judicial deferido pelo despacho do Juiz competente, em observância ao

artigo 52 da Lei 11.101/2005, pode trazer danos aos credores, sendo estes de difícil

ou impossível reparação, atingindo, portanto, a esfera jurídica de terceiros.

Embora utilizada à nomenclatura “despacho” pelo legislador da Lei 11.101/05,

pode-se observar que quando dotada de carga decisória onde emanam danos às

partes ou a terceiros, verdadeiramente esta exteriorização judicial possui caráter de

decisão interlocutória, por utilização da teoria do fato-conteúdo da decisão.

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420

Comprovada a existência de dano advinda do despacho, portanto,

caracterizando este como decisão interlocutória, cabe aos interessados a

interposição de agravo de instrumento, com fito a aplicabilidade do efeito suspensivo

e a revisão da decisão proferida, seja por juízo de retratação, ou por decisão do

colegiado do tribunal.

Quanto à legitimidade ativa ao recurso de agravo, os credores possuem

garantido seu direito, observando-se a possibilidade do terceiro prejudicado em

manejar da peça recursal analisada, devendo objetivamente demonstrar o dano

sofrido a sua esfera jurídica, sob pena de não ter reconhecido o liame de interesse e

indeferimento de sua legitimidade.

Considerando a análise realizada, entende-se possível a interposição de

agravo de instrumento pelos credores, quando demonstrarem a gravidade advinda

do despacho que defere o processamento da recuperação judicial, e comprovarem

prejuízo jurídico sofrido, caracterizando assim o despacho como verdadeira decisão

interlocutória e se posicionando como terceiro prejudicado, legitimado ativo à relação

recursal.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

421

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

422

Recurso Especial 1319626/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA

TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013.

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 268.538/DF, Rel. Ministro LUIS

FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 12/03/2013.

Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial 1180487/RJ,

Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011,

DJe 29/06/2011.

Recurso Especial n. 215.170/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma,

unânime, DJe 24/11/2010.

Recurso Especial 215.170/CE, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de

24.11.2010.

Recurso Especial 1.208.865/BA, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de

14.2.2011.

Recurso Especial 1.212.718/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe

de 28.4.2011.

Recurso Especial 1004910/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA

TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 04/08/2008.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

423

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO

CIVIL DE 2002

THE DISREGARD DOCTRINE IN THE CIVIL CODE OF 2002

Vinicius Affonso Carvalho de Souza

Acadêmico de Direito do Centro Universitário Curitiba

Eloete Camilli Oliveira1

1 Possui graduação em Direito pela Universidade Católica do Paraná (1975), mestrado em Mestrado em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2001) e doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2008). Atualmente é professor adjunto nível III da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, representante dos docentes no CEPE - UNICURITIBA, Supervisora do setor de registro dos Trabalhos de Conclusão de Curso- UNICURITIBA e professor titular - UNICURITIBA. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em DIREITO EMPRESARIAL, ECONÔMICO E SOCIAL

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424

SUMÁRIO

Resumo. Abstract. 1 Introdução. 2 Pessoa Jurídica e sua Personalidade. 3

Desconsideração da Personalidade Jurídica. 3.1 Origens Históricas. 3.2 Conceito.

3.3 Aplicação da Teoria no Código Civil de 2002. 3.3.1 Requisitos de Aplicação.

3.3.2 Extinção das Teorias Diversificantes da Desconsideração da Personalidade

Jurídica. 3.4 Forma de Aplicação Processual da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica. Conclusão. Referências Bibliográficas.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

425

RESUMO

O tema em questão, visto sob a ótica exclusivamente empresarial, pode ser

entendido como um instituto originado no intuito de proteger personagens que atuem

frente ou junto às pessoas jurídicas, podendo, por tal relacionamento, serem

prejudicados por aquelas. Ainda com origem questionada e em tese, desconhecida,

tal doutrina, ao que tudo indica, já está presente no âmbito jurídico mundial há

séculos, adentrando o ordenamento brasileiro, provavelmente, na metade do século

passado. Sua forma de aplicação, conforme deve ser visto no presente estudo,

dependerá de determinados requisitos a serem analisados pelo magistrado no

momento decisório de utilização, não podendo aplicá-la sem o cumprimento destes,

ou seja, por livre deliberação. Já seus efeitos serão enxergados em um decorrer

processual, primando, ao fim, pela aludida proteção a possíveis lesionados em

negócios determinados por pessoas jurídicas. Embora sua presença seja

compreendida ao longo de todo um grande período histórico do Direito,

cotidianamente sua conceituação e aplicação ainda causam grandes dúvidas e

equívocos, principalmente em meio acadêmico, por tal razão se dará esta pesquisa,

buscando alongar ainda mais o campo de conhecimento, demonstrando não só a

visão desta teoria em meio à doutrina, mas também sob o entendimento prático dos

Tribunais.

Palavras-chave: pessoa jurídica, direito empresarial, desconsideração de

personalidade.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

426

ABSTRACT

The theme in question, if seen from the exclusive perspective of business, can be

understood as an institute originated in order to protect characters that act together

or face legal entities and may by that relationship being harmed by those.

Still origin questioned and theoretically unknown, such a doctrine, it seems, is

already present in the legal world for centuries, entering the Brazilian legal system,

probably in the last half century. Its mode of application, as is seen in the present

study, depends of certain requirements to been analyzed by the judge in moment

utilize it, not do so without the fulfillment of these, or by free determination.

The effects of this doctrine will be spotted in procedural course, excelling, in the end,

by the protection of alluded to possible injury by business corporations. Although

their presence is understood throughout a large period of history of law, its

conceptualization and daily application still cause great doubts and misconceptions,

especially in academia, for that reason this research will be seeking further lengthen

the field of knowledge, demonstrating not only the vision of this theory through the

doctrine but also in the practical understanding of the Courts.

Keywords: legal person, business law, inconsideration of personality.

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427

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo busca identificar e delimitar a doutrina da desconsideração

da personalidade jurídica no âmbito do Código Civil, o qual à primeira vista parece

remeter a um conceito geral daquela, desvinculando a ideia dos demais regramentos

esparsos que possam tratá-la de maneira diversa e específica.

Para tanto serão estudadas fontes doutrinárias e jurisprudenciais acerca da

temática em foco, expondo seu conceito, vertentes, e, principalmente, sua aceitação

e forma de aplicação no direito pátrio quando visualizada sobre o compilado civilista,

tratando-a, inclusive, dentro de uma visão histórica, remetendo desde os primórdios

de sua aparição.

A aludida teoria deve ser entendida como um mecanismo criado pela

jurisprudência no intuito de proteger possíveis sujeitos lesados ao se relacionarem

com pessoas jurídicas determinadas, ou seja, um instituto do direito empresarial

criado para proteger polos mais fracos, e até mesmo possivelmente já lesados como

dito.

Mesmo não sendo tão recente no direito brasileiro, este tema ainda causa

grandes questionamentos e compreensões equivocadas.

Por essa problemática do aparente desconhecimento é que deverá ser

explicitado e fundamentado o objeto aqui estudado, nos termos expostos a seguir.

2 A PESSOA JURÍDICA E SUA RESPONSABILIDADE

Antes de tratar do tema proposto, deve ser enxergada a essência da pessoa

jurídica.

É partindo da compreensão desta que se poderá avaliar o instituto da

desconsideração, colocando aquela primeira, em tese, como um obstáculo a ser

superado pela aplicação da teoria.

A pessoa coletiva encontra sua definição como sendo um ser originado pela

vontade humana destinada a cumprir determinados fins escolhidos por seus

criadores, os quais, seja por questões lógicas ou legais, não poderiam fazê-los

senão por intermédio de um sistema de grupo, ao qual, por fim, o Estado atribui

personalidade.

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A aludida criação se dará, como dito, pela vontade de pessoas físicas através

de um contrato particular, as quais, objetivando um fim específico juntam-se no

intuito de alcançá-lo, criando, para tanto, um novo sujeito diverso deles mesmos, um

alienígena no sentido literal da palavra (SILVA, 2008, p. 45).

Já a atribuição da personalidade, reconhecimento seguido da criação humana

relatada anteriormente, é mero critério formal a ser cumprido pelo Estado assim que

perceber que estão preenchidos os requisitos previstos por ele próprio e necessários

para tal, como a vontade humana criadora, a observância de prescrições legais e a

licitude do objetivo almejado (PEREIRA, 2001, p. 186).

Efetuada a personalização, torna-se o membro coletivo sujeito capaz de

direitos e deveres, ou seja, passa a ser enxergado como parte atuante no mundo

jurídico.

É a partir deste novo efeito que surgem também possíveis questionamentos

acerca da natureza e compreensão da pessoa jurídica, se seria esta realmente um

novo ser, dotado de capacidade própria, ou mero fantoche de seus integrantes; por

conseguinte, se existiria ela no mundo real, ou apenas no imaginário de quem com

ela se relaciona, constituindo-se, desta forma, em mera ficção.

Em síntese, o que é discutido são os efeitos deste aludido reconhecimento no

mundo real.

Embora muito questionada por autores como Savigny, em Sistema di diritto

romano II, ou Puchta, em Cursus der Institutionem (AMARAL, 2008, p. 318), os

quais pensavam o novo ser coletivo como mera ficção legal inexistente no plano real

e atuante apenas por mera liberalidade de seus participantes, desvinculando-o da

ideia de autonomia, este deve ser enxergado como ser autônomo e capaz, atuante

por vontade própria, desligado da volição exclusiva de seus membros, ou seja, como

um novo indivíduo propriamente dito.

Não obstante seja a vontade da pessoa jurídica formada pela de seus

integrantes, e sejam esses quem à represente em visões práticas, por questões

lógicas já que ela não terá um corpo humano, o que se verá no final de todo negócio

firmado na atividade será a atuação exclusiva daquela.

Conforme há muito tempo já previa Pontes de Miranda (MIRANDA, 1999, p.

351-354-483), o novo indivíduo “coletivo” formado deve ser enxergado como um

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

429

total, colocado pelo autor como um organismo, enquanto seus participantes são

apenas órgãos daquele.

Tal colocação facilita a compreensão diferenciadora entre integrantes e

integrada, colocados como pessoas distintas, apesar de determinações de vontade

conexas, mas ainda assim como autônomos e diferentes.

Nesses termos se sobreleva aquele entendimento de que o grupo coletivo

agiria como mera marionete dos que o compõe, ou seja, confirma-se desde logo

que, quando um membro atuar em nome da pessoa coletiva, será esta última que

estará atuando e não aquele primeiro, visto que um é mero órgão exteriorizador do

outro, respondendo para tanto o organismo como um todo.

Visando este resultado, Pontes de Miranda cria a ideia de presentação, no

intuito de extinguir a chamada representatividade da pessoa jurídica, excluindo

assim o pensamento de que esta poderia ser incapaz ao agir por interposta pessoa.

Expõe o referido autor:

As pessoas jurídicas podem, em princípio, ser titular de quaisquer direitos patrimoniais.

[...]

O órgão da pessoa jurídica não é representante legal. A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provem da capacidade mesma da pessoa jurídica (MIRANDA, 1999, p. 351-354).

Nesse interim se compreende que a pessoa coletiva originada através da

vontade humana e do reconhecimento estatal, tendo ela a referida autonomia, não

poderá, portanto, ser enxergada como uma ficção legal, mas sim como uma

realidade atuante no mundo fático e jurídico, embora não se possa ver seu corpo

físico.

Por essa última exposição adversativa a conclusão de realidade também não

pode ser levada ao extremo, visto que há sim a atuação real da pessoa jurídica,

embora, esta não possua um corpo próprio pelo qual exteriorize sua vontade,

fazendo-o através de seus integrantes.

Portanto, se conclui que tenha ela uma existência de fato sem ser vista por

uma estrutura corpórea, enxergada apenas em planos jurídicos e negociais,

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

430

configurando assim uma realidade técnica, obtida através de um manejar processual

por parte do Estado.

Não a confundindo nem como uma ficção incapaz de atuar, nos termos do já

exposto por Pontes de Miranda, tampouco colocando-a como se um humano fosse

dotado de cabeça, tronco e membros, capaz de exteriorizar suas ações por si.

Nestes termos coloca-se Luiz Edson Fachin (2000, p. 135):

A pessoa jurídica nada mais é do que um ente inicialmente moldado à semelhança das pessoas naturais, e que progressivamente foi se apartando da formulação das pessoas naturais para compor uma realidade técnica, dotada de uma certa vida jurídica própria, no intuito de contribuir, do ponto de vista das relações jurídicas, para o transito de bens, coisas e interesses. (Grifo nosso)

Tal entendimento é extraído da reconhecida teoria da realidade técnica, que

visa explicar a natureza e compreensão da pessoa jurídica, conflitante com outras

como a teoria da ficção, colocada anteriormente de maneira indireta, defendida por

Savigny; a teoria da realidade orgânica, defendida primariamente por Gény, Planiol e

até mesmo Clóvis Beviláqua; e, teoria institucionalista trazida por Hariou e Santi

Romano, dentre outras.

Visando apenas o ordenamento jurídico brasileiro, a ideia de realidade

exposta é a que mais se amolda ao plano civilista atual.

Assim apoia Francisco Amaral (2008, p. 321):

O direito brasileiro adota a teoria da realidade técnica na disciplina legal

da matéria, como se depreende do art. 45 do Código Civil.

[...]

O que se pode dizer, à guisa de conclusão, é que nas pessoas físicas como nas pessoas jurídicas, coexistem dois elementos: o natural e o jurídico, ou, se quisermos, o real e o arbitrário, no sentido de que o real são os interesses que levam à constituição de novo ente, que o direito não cria, e o formal é o reconhecimento da pessoa pelo ordenamento jurídico. (Grifo nosso).

E também, Caio Mario da Silva Pereira (2008, p. 310):

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

431

O jurista moderno é levado, naturalmente, à aceitação da teoria da realidade técnica, reconhecendo a existência dos entes criados pela vontade do homem, os quais operam no mundo jurídico adquirindo direitos, exercendo-os, contraindo obrigações, seja pela declaração de vontade, seja por imposição da lei. Sua vontade é distinta da vontade individual dos membros componentes; seu patrimônio, constituído pela afetação dos bens, ou pelos esforços dos criadores ou associados, é diverso do patrimônio de uns e de outros; sua capacidade, limitada à consecução de seus fins pelo fenômeno da especialização, é admitida pelo direito positivo. E, diante de todos os fatores de sua autonomização, o jurista e o ordenamento legal não podem fugir da verdade inafastável: as pessoas jurídicas existem no mundo do direito e existem como seres dotados de vida própria, de uma vida real. (Grifo nosso).

Compreendida, portanto, como uma realidade, tendo capacidade de atuação

própria, sendo sujeito autônomo por natureza, surge o apontamento crítico não só

do referido atuar, mas também da sua responsabilização por este gesto, já que

tratada então como capaz.

Por todo o exposto, surge novo questionamento relevante à continuação do

estudo: até que ponto será a pessoa jurídica responsável pela sua atuação?!

Considerando sua autonomia e vontade própria, corroborada pelo entendimento de

que tal ação se dará por terceiros em seu nome.

Levar a capacidade e autonomia da pessoa coletiva ao extremo, à primeira

vista, parece ser algo equivocado e sem o mínimo sentido, tal colocação poderia se

dar pelo entendimento de que sempre será aquela responsável por qualquer

conduta praticada por seus “representantes” em seu nome.

Buscando extinguir esta possível dúvida, Silvio Rodrigues traz o referencial de

responsabilidade subjetiva da pessoa jurídica, a restar configurada somente em

casos em que se demonstre que esta agiu com culpa in vigilando ou in eligendo na

atuação de seus integrantes, do contrário serão responsáveis apenas os

administradores, visto que jamais poderia o contrato que deu origem ao grupo prever

que esses sujeitos pudessem agir em nome daquele com intuito de prejudicar

terceiros, ou seja, um contrato com fim ilícito. Portanto, se aqueles causarem

prejuízo a alguém será por vontade ou conduta própria.

Assim ensina Rodrigues (2003, p. 94-96):

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

432

Todavia, será igualmente responsável a pessoa jurídica no campo extracontratual? Sob um aspecto logico, parecem ter razão aqueles que respondem negativamente. Na realidade quem pratica o ato ilícito não é a pessoa jurídica, mas seu representante. Ora, é evidente que este não atuou munido de poderes para praticar ato ilícito, pois seu mandato decerto não lhe confere a prerrogativa de agir com dolo ou culpa. De maneira que, encarado o problema por esse ângulo, seria o representante, e não a instituição, o responsável.

[...]

Hoje, a meu ver, a responsabilidade das pessoas jurídicas por atos de seus administradores, quer se trate de sociedades, quer de associações, só emerge se o autor da ação demonstrar a culpa da pessoa jurídica, quer in vigilando, que in eligendo.

Percebe-se pelo exposto e também pelas palavras do citado autor que a

forma de responsabilidade aqui discutida paira sobre aquela chamada de

extracontratual, visto que quando contratual presume-se que o agente esteja

atuando no âmbito de permissão do grupo, tendo, portanto, este ultimo o ônus de

cumprimento exclusivo, conforme previsão legal2.

No mesmo intuito trazido por Silvio Rodrigues, ainda que com conceitos

diferentes, se apresenta a teoria dos atos ultra vires, a qual, segundo Rubens

Requião (2009, p. 231), mesmo que legitimada há tempos foi raramente usada em

nosso país3.

Tal ideal previa a possibilidade de alcance direto dos membros da pessoa

jurídica quando praticada lesão a terceiros e cumpridos determinados requisitos para

tanto, sendo estes: i) atuação do sócio de maneira incongruente com a previsão do

estatuto gerador do grupo; ii) registro do referido estatuto perante o Estado; iii) caso

não registrado, fossem as previsões geradoras de conhecimento de terceiros.

Embora aparentemente perfeito na teoria, este entendimento não possui

grande relevância prática, devido a sua extrema dificuldade de realização e

cumprimento de requisitos.

Torna-se impossível àqueles lesados provarem que havia o conhecimento do

estatuto da empresa ou dos limites de atuação do agente danoso, razão pela qual

não é aplicada tal hipótese.

2 Cf. artigo 389 do Código Civil. 3 Cf. artigo 1.015 do Código Civil.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

433

Em contrapartida às exposições surge o entendimento majoritário entre

doutrina e jurisprudência pátria, introduzindo o posicionamento de responsabilidade

objetiva da pessoa jurídica sempre que seu órgão atue em seu nome dentro do seu

ambiente de atividade, ou seja, para estes será a pessoa coletiva responsável

quando houver a atuação em seu nome dentro do seu plano de atuação, pelo fim ao

qual ela foi criada, assemelhando-se à contratual.

Nessa linha coloca-se Gustavo Tepedino (2004, p. 203):

O Código Civil brasileiro de 2002 vem confirmar essa orientação, tornando inteiramente ultrapassada a lição, ainda presente em alguns manuais de direito civil, segundo a qual a responsabilidade civil, em regra, seria aquiliana ou subjetiva, sendo a responsabilidade objetiva excepcional.

[...]

A incompatibilidade da técnica da responsabilidade objetiva com a pesquisa da culpa, mesmo que presumida, devendo o operador, para tanto, romper com a logica subjetivista tão arraigada em nossa tradição cultural.

Assim também Ary Brandão de Oliveira em obra organizada por Nelson Nery

Junior (NERY JUNIOR; NERY, p. 104-105):

As pessoas jurídicas atendem à necessidade real de atuação no mundo jurídico contemporâneo. Tornam-se centros de relações jurídicas. Não podem, pois, ficar insuladas e ausentes ao ideal de efetiva reparação pelos eventuais prejuízos causados a terceiros pelos seus órgãos de relação.

Devem responder integralmente pelos danos causados por seus órgãos, não como se agissem indiretamente, mas através deles as pessoas jurídicas atuam em nome próprio. Portanto, a responsabilidade por atos ilícitos não deve ser disciplinada, como o fez a codificação napoleônica de princípios do Século XIX, que influenciou decisivamente diversos sistemas jurídicos do Ocidente, inclusive o brasileiro, mas na forma do Direito alemão e suíço.

No mesmo sentido, recente julgado, em Recurso Especial nº 1365339/SP, do

Superior Tribunal de Justiça:

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR POR ATO DE PREPOSTO (ART. 932, III, CC). TEORIA DA APARÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRECEDENTES. 1. Nos termos em que descrita no acórdão recorrido a dinâmica dos fatos, tem-se que o autor do evento danoso atuou na qualidade de vigia do local e, ainda que em gozo de licença médica e desobedecendo os procedimentos da ré, praticou o ato negligente na proteção do estabelecimento. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o empregador responde objetivamente pelos atos ilícitos de seus empregados e prepostos praticados no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele (arts. 932, III, e 933 do Código Civil). Precedentes. 3. Recurso especial provido.

Nesse prisma, se conclui ser a pessoa jurídica sempre responsável pela

atuação de seus integrantes quando em seu nome em prol e nos limites da

atividade, podendo qualquer sujeito lesado por estes representar contra o grupo

como um todo.

A partir dessa conclusão três colocações importantes devem ser feitas.

A primeira diz respeito à pessoa jurídica de Direito Público, espécie do

instituto ora tratado, devendo ser entendida de forma lato senso como o Estado, o

qual será sempre responsável por qualquer conduta praticada por seus agentes,

considerando a presunção do risco administrativo (PEREIRA, 2008, p. 326) donde

se extrai tal entendimento, reforçado pelo artigo 43 do Código Civil.

A segunda, aplicável tanto aos organismos de direito público ou privado4,

rebate no pensamento de que, embora responsabilizados objetivamente - sem

análise de dolo ou culpa, mas apenas de conduta – assim que ressarcido o dano

pelo qual estejam sendo exigidos, tais grupos poderão pedir o regresso contra seus

órgãos causadores do dano, desde que enxergado e comprovado o elemento

subjetivo (dolo ou culpa) destes últimos.

Por fim, a terceira colocação recai em casos de absoluta exceção conflitantes

com todo o ensinamento exposto neste estudo, firmando-se na hipótese de

responsabilização exclusiva dos membros mesmo quando atuando em prol da

atividade, ou simplesmente em proveito próprio.

Como dito, alcança não apenas a conduta desvinculada do permitido pelo

contrato de origem, mas também aquele dentro de tais limites.

4 Cf. artigos 40, 41 e 44 do Código Civil.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

435

Se faz isso pela possível geração de novos equívocos quando colocada a

responsabilidade da pessoa jurídica em plano extremo, mesmo que no âmbito de

seus objetivos, momentos em que se vislumbre possíveis danos a terceiros

originados pelo atuar exclusivamente indevido dos membros do grupo.

Assim surge a doutrina da desconsideração da pessoa jurídica visível apenas

em casos de extrema exceção com ilicitude comprovada, como dito no início desta

pesquisa, quando fora do âmbito previsto, criada apenas a proteger terceiros,

mitigando a autonomia e capacidade daquela, no intuito de alcançar apenas o

fraudador intencional, conforme será visto a seguir.

3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

3.1 ORIGENS HISTÓRICAS

Embora já se tenha como estabelecida sua primeira visão no ordenamento

jurídico brasileiro, definir sua origem no plano jurídico mundial ainda possui grande

polêmica.

Boa parte da doutrina como Fábio Ulhôa Coelho (2013, p. 63), Fábio Tokars

(2007, p. 279), Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 249), Rubens Requião (2009, p.

231) e outros, indicam os primeiros traços desta no final do século XIX, mais

especificamente em 1897 na Inglaterra, exposta em meio a um caso judicial de

fraude, onde Aaron Salomon, conhecido comerciante da época, constituiu

determinada sociedade anônima e em poucos meses tornou-se insolvente de

maneira extremamente duvidosa deixando seus credores insatisfeitos

economicamente. Por tratar-se de uma hipótese de fraude contra credores, juristas

da época foram até à Corte de Apelação inglesa e apresentaram a ideia de se

responsabilizar o sócio majoritário, Sr. Salomon; desta forma foi então criada a

chamada disregard of legal entity ou lifting the corporate veil (TEPEDINO, 2001, p.

258).

Contrariando o exposto acerca da criação inglesa, Suzy Elizabeth Cavalcante

Koury alega que tal colocação não passa de uma mentira contada ao longo de anos

que acabou tendo-se como verdadeira.

Segunda a autora, a teoria em comento surgiu pela primeira vez no âmbito da

common law norte americana, em meio a jurisprudência da época. Mais

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

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precisamente no ano de 1809, em um caso chamado Bank Of United States v.

Deveaux, onde o juiz Marshall, no intuito de preservar a jurisdição das cortes

federais sobre as corporações, possibilitou que fossem atacados os sócios da

empresa privada a fim de ressarcir os danos contra o patrimônio econômico do

Estado (KOURY, 2003, p. 63-64).

Pelos ensinamentos da referida autora, se pode concluir que o caso

apresentado por ela retrata há muitos anos antes daquele exposto pela parte

majoritária da doutrina, como sendo na Inglaterra.

Citem-se as palavras da mesma (2003, p. 63-64):

Mas foi no âmbito da common law, principalmente a norte-americana, que se desenvolveu, inicialmente na jurisprudência, a desconsideração da personalidade jurídica.

Com efeito, no ano de 1809, no caso Bank of United States v. Deveaux, o Juiz Marshall, com a intenção de preservar a jurisdição das cortes federais sobre as corporations, já que a Constituição Federal americana, no seu artigo 3º, seção 2ª, limita tal jurisdição às controvérsias entre cidadãos de diferentes estados, conheceu da causa.

Como bem assinala Wormser, não cabe aqui discutir a decisão em si, a qual foi, na verdade, repudiada por toda a doutrina, e sim ressaltar o fato de que já em 1809 “... as cortes levantaram o véu e consideraram as características dos sócios individuais”.

Aproveitamos a referência a essa decisão, a mais antiga por nós conhecida, para desfazer duas inverdades acerca do famoso caso inglês Salomon v. Salomon & Co.

A primeira delas diz respeito à sua qualificação como o verdadeiro leading case da Disregard Doctrine por vários autores. Na realidade, o caso em questão foi julgado em 1897, portanto, oitenta e oito anos após a primeira manifestação da jurisprudência americana, só sendo possível, assim, considera-lo como leading case no Direito inglês.

Independente do marco inicial escolhido, concordam os citados autores de

que ainda nas épocas de common law relatadas, a teoria da desconsideração

possuía traços muito distantes dos vistos atualmente.

Naquele período tal doutrina se aplicava de maneira rasa, sem qualquer

formulação mais complexa, ao bel prazer do magistrado no caso concreto.

Com o passar dos anos o instituto foi ganhando moldes mais fortalecidos.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

437

É uníssona a voz dos estudiosos ao clamar que a apresentação desta teoria

de maneira mais eficaz e melhor formulada se deu por Rolf Serick em sua tese de

doutorado defendida perante a Universidade de Tubigen, em 1953 (COELHO, 2013,

p. 59).

Já no Brasil, também de maneira unânime relatam os doutrinadores, foi esta

introduzida por Rubens Requião no final dos anos 1960 através da sua tese

apresentada frente à Universidade Federal do Paraná e seu artigo publicado em

1969 de nome “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”

(TOMAZETE, 2004, p. 72).

Segundo o próprio Rubens Requião (2010, p. 441), esta ideia foi criada com o

propósito de demonstrar que a personalidade jurídica não constitui um direito

absoluto, podendo ser alcançada pelos efeitos da teoria da fraude contra credores e

pela teoria do abuso de direito. E foi nesta linha que seu entendimento serviu de

base para a modificação do artigo 49 do anteprojeto do Código Civil presidido por

Miguel Reale, e outras demais normas de nosso ordenamento, tais como o Código

de Defesa do Consumidor5, a Lei de Proteção ao Meio Ambiente6 e a Lei Antitruste7.

3.2 CONCEITO

De início à conceituação a melhor colocação a ser feita, sem o intuito de

tornar a exposição repetitiva, é a de que se deve compreender que a realização

deste instituto se dará apenas em casos de extrema exceção. Além de se dar

independente de qualquer modelo de responsabilização aplicado tanto às pessoas

jurídicas quanto às que físicas que às compuserem.

É possível argumentar simplificadamente que este instituto será utilizado

somente nos casos concretos da prática de ilicitudes por parte dos membros do

grupo coletivo em nome deste; nos quais o sujeito administrador, ou não, age

apenas no intuito de burlar a Lei ou qualquer outro procedimento normativo em

nome da pessoa jurídica, porém, em proveito próprio. Quando há a utilização do

poder da pessoa coletiva de forma fraudulenta para benefício único do membro.

5 Cf. artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. 6 Cf. artigo 4º da Lei 9.605/98. 7 Cf. artigo 39 da Lei 12.529/2011.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

438

Para tanto, há a indiferença se o ato foi praticado dentro ou fora dos limites de

atuação do grupo, bastando que tenha havido o atuar indevido do órgão no objetivo

de causar prejuízo a outrem.

De maneira genérica assim se dará a aplicação da teoria, quando constatada

a atuação indevida do agente em nome da pessoa jurídica se desconsiderará a

autonomia desta última para atingir apenas o atuante de maneira irregular.

Teria como resultado, em tese, “o rompimento do véu do organismo que

cobre os órgãos” para o alcance único destes últimos quando lesivos.

Nestes termos, em obra produzida por Nelson Nery Junior, Gerci Giareta cita

Klaus Unger (2010, p. 1.001-1.002):

A teoria do Disregard of legal entity, permite ao juiz desconsiderar a autonomia jurídica quando sua forma jurídica é utilizada abusivamente para manipulações desonestas. É justificada com a consideração segundo a qual a pessoa jurídica seria apenas uma ficção imaginada por motivos técnico-jurídicos, para que com isso determinadas finalidades, que a ordem jurídica não desaprova pudessem ser atingidas. Nem os imperativos da logica, nem os do direito poderiam exigir do juiz a preservação dessa ficção, quando com isso pudessem ser justificadas desonestidades.

Ao se alcançar exclusivamente o membro que atuou, se estará buscando

apenas seus bens, mas jamais se falando na extinção da personalidade jurídica

(COELHO, 2013, p. 60-61).

Razão pela qual se fala apenas em “desconsiderar” e não “excluir/extinguir” a

pessoa coletiva, ela será apenas deixada de lado, como parte ilegítima de um

processo, e não cancelada perante o Estado.

Ou seja, apenas se deixará de cobrá-la, mantendo-se esta para o retorno de

suas atividades de maneira normal, como se nada tivesse acontecido.

Portanto, se conclui que esta teoria se dá pela responsabilização direta dos

integrantes da pessoa jurídica quando atuarem em prejuízo de terceiros, ainda que

em nome do grupo, buscando os seus patrimônios para sanar possíveis danos

causados pelo atuar indevido, ao se fazer isso deixará de lado o ataque à pessoa

coletiva, voltando esta ao seu status quo ante de sujeito comum em meio ao direito

sem qualquer dever de indenizar por atos de outrem.

Embora busque facilitar o ressarcimento e alcançar o fim mais justo em casos

de dano por ilicitude, tal aplicação requisitará em seu bojo de requisitos

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

439

indispensáveis a serem cumpridos para tanto, os quais serão previamente trazidos

em lei, variando a cada especificação normativa, por exemplo, enquanto o Código

de Defesa do Consumidor preverá critérios mais simplórios no intuito de proteger o

elo sempre mais vulnerável, qual seja, o consumidor, o Código Civil conterá em si

pontos um tanto quanto mais complexos a serem preenchidos.

Não negando força ou embasamento ao entendimento consumerista ou qualquer

outra fonte normativa que contenha sua mesma linha de pensamento, tal estudo é

voltado à visão do Código Civilista, razão pela qual é sobre este compilado de

normas que se tratará a seguir.

3.3 APLICAÇÃO DA TEORIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

3.3.1 Requisitos de Aplicação

Não obstante existam outras demais fontes para a disregard doctrine em

nosso ordenamento, aquela que mais se relaciona com o conceito clássico da

aludida doutrina se faz presente no Código Civil de 2002.

Trazida no artigo de número 50 do referido compilado, a desconsideração da

personalidade é assim fundamentada:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

De logo se percebe que não bastará para a utilização desta a mera

insatisfação do credor ou um ínfimo desatendimento a previsões contratuais,

necessitando enfim de fatores mais carregados de relevância para romper a

autonomia do grupo (COELHO, 2013, p. 59).

Partindo de uma interpretação literal do enunciado se extrai o primeiro dos

requisitos configuradores de aplicação, qual seja, o abuso da personalidade, visto

pelo desvio de finalidade, resultando assim, em apartada síntese, num abuso de

direito.

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COLETÂNEA 2 – SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL EM FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS

440

Previsto no artigo 187 do Código Civil, este será visualizado através de um

ato ilícito que, em sua origem, era um ato licito alterado pela prática além dos limites

permitidos, nestes termos a letra da lei: “Também comete ato ilícito o titular de um

direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim

econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

À luz do mandamento seria necessário à parte lesada demonstrar que o dano

foi causado por um excesso na atuação do agente, o que, aparentemente, rebate

naquela ideia trazida pela teoria dos atos ultra vires, onde era preciso se aferir que o

órgão atuante não teria direito de praticar a conduta que praticou ou nos moldes em

que praticou, ou seja, devendo analisar quais os limites de manifestação de cada

integrante do grupo, o que, como já dito quando tratado daquele ponto, é em

diversos casos dificultoso ou até mesmo impossível.

Se diz que o critério tratado é de difícil constatação ou até mesmo impossível

pelo fato que deveria a vítima de um possível dano ocorrido ter conhecimento do

estatuto que deu origem à pessoa jurídica, sabendo e, inclusive, comprovando,

quais os limites de atuação teria o membro daquele grupo para só então poder exigi-

lo.

Outro ponto crítico do requisito em comento é pela sua extrema subjetividade,

afinal, podem haver casos em que de fato haja uma delimitação aos

“representantes” da coletividade, porém, seja esta imposição carregada de tamanha

abstração ou vagueza que se torne mais uma vez impossível de se auferir. Por

exemplo, na hipótese de o contrato originário do grupo prever que não poderá

nenhum administrador negociar com terceiros sem a anuência dos demais,

entretanto, surja a necessidade de negociação com um empregado qualquer da

instituição, o qual não é um terceiro estranho à atividade tampouco parte do

conselho de gestão, terá o referido administrador, capacidade de fazê-la ou será

preciso a comunicação aos demais?!

Nessa hipótese há, como dito, fortes traços de abstração, o que dependerá da

avaliação de cada indivíduo para encontrar um resultado razoável, ou seja, irá variar

à subjetividade de cada um, podendo dificultar a busca pelo ressarcimento.

Torna-se ainda mais difícil de se comprovar se o agente atuante tinha

conhecimento ou não dos seus limites, lembrando a ideia de que a má-fé não se

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presuma, necessitando, portanto, de comprovação inequívoca (TARTUCE, 2013, p.

486-487).

Outro requisito, não presente no enunciado, mas gerado pela doutrina, é a

necessidade de se conferir a fraude (GONÇALVES, 2010, p. 251), oras entendida

como derivação oras como diversa do abuso citado.

Ainda nos ensinamentos de Flávio Tartuce, este elemento traz em seu bojo a

presença de mais 02 (dois) requisitos intrínsecos abstraídos entre ideais de caráter

objetivo e subjetivo.

Seria a elementar objetiva da fraude o ato em si que cause prejuízo a

terceiros. Já aquela tida como subjetiva seria o dolo do agente na prática da lesão,

ou seja, sua intenção contra os prejudicados (TARTUCE, 2013, p. 243).

Nesse prisma se vê que o segundo critério previsto para a aplicação da

desconsideração da pessoa jurídica reflete também na subjetividade quase

impossível de ser comprovada, já que seria preciso, em tese, comprovar a má-fé do

causador do ano, variando pela razão de cada analisador do caso.

Por esta razão é previsto um novo critério de aplicabilidade da disregard, qual

seja, a mera confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e o membro

individualmente atuante.

Embora previsto de maneira alternativa pelo enunciado normativo, nas

palavras de Fábio Konder Comparato (COMPARATO; SALOMÃO, p. 355-356) este

requisito seria o bastante, não necessitando dos demais – abuso de direito ou fraude

–, para a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade.

Ou seja, assim que configurada a confusão de patrimônios entre integrante e

integrada, poderia a parte lesada já requerer a responsabilização exclusiva daquele,

desvinculando-a da coletividade.

Esta possibilidade caracteriza, por óbvio, uma facilitação à parte lesada no

momento de cobrança, assemelhando-se quase à uma inversão do ônus da prova.

Nessa linha, Nelson Rosenvald (2007, p. 317):

[...] justifica-se na medida em que seria praticamente impossível para a vitima demonstrar, no caso concreto, a intenção fraudulenta do empresário. Facilita-se, pois, a tutela dos interesses de credores ou terceiros lesados pelo uso indevido da personalidade jurídica.

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O ataque único ao membro danoso pela mera mistura de bens não quer dizer

que não existam mais aqueles outros dois critérios expostos anteriormente, apenas

que sejam estes subsidiários ou mitigados, necessitando para o levantamento do

véu da personalidade jurídica que se constate meramente a aludida confusão.

Tal entendimento se extrai da visão de que se presente a inter-relação de

patrimônios entre órgão e organismo, isto configurará também, mesmo que

indiretamente, a fraude e o abuso de direitos pois não respeitada a autonomia entre

os indivíduos.

Seguir nesse raciocínio de subsidiariedade é também acertado pois caso não

seja visualizada a confusão patrimonial, mas sim a atuação fraudulenta por qualquer

outro meio, por exemplo na assinatura de um contrato sabidamente falso, poderá

ainda assim se efetuar a desconsideração da personalidade jurídica desde que

comprovada a intenção do agente no prejuízo a terceiros, por estar presente a

fraude analisada em segundo plano.

De acordo com o exposto, parece ser este pensamento de Konder Comparato

o mais correto, apresentando como requisito principal a garantir a aplicação da

teoria a mera confusão de patrimônios, e, em seguida, se não presente este, que

então se analise os outros dois trazidos por lei e doutrina, prevendo assim o ideal de

subsidiariedade.

3.3.2 Extinção das Teorias Diversificantes da Desconsideração da Pessoa Jurídica

Pela previsão de que seja necessária a presença de apenas um dos

requisitos citados, previstos em lei ou doutrina, para que seja aplicada a disregard,

e, sobretudo, pela existência de outras normas prevendo modelos distintos desta

aplicação mas todas com o mesmo fim, qual seja, a proteção de terceiros lesados,

não há mais que se falar em diferentes doutrinas para a realização deste instituto

como era previsto em tempos mais remotos trazendo teorias chamadas de Objetiva

ou subjetiva da desconsideração.

Tais previsões teóricas buscavam diferenciar os meios de aplicar a disregard,

colocando para tanto critérios exclusivos de uma e outra, como se realmente

diversas fossem.

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Primando pela extinção desta diferenciação está Fábio Ulhôa Coelho (2013,

p. 70):

Em 1999, quando era significativa a quantidade de decisões judiciais desvirtuando a teoria da desconsideração, cheguei a chamar sua aplicação incorreta de “teoria menor”, reservando à correta a expressão “teoria maior”. Mas a evolução do tema na jurisprudência brasileira não permite mais falar-se em duas teorias distintas, razão pela qual esses conceitos de “maior” e “menor” mostram-se, agora, felizmente, ultrapassados.

Desta feita, se vê que não há mais que se falar em diversificações de

modelos, sendo quaisquer destes simplesmente o instituto da desconsideração, pois

primam pelo mesmo resultado ainda que com fatores diversos, buscando proteger

qualquer sujeito lesado que se relacione com a pessoa jurídica.

3.4 FORMA DE APLICAÇÃO PROCESSUAL DA TEORIA DESCONSIDERAÇÃO

DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Logicamente analisado já é pacificado, tanto em jurisprudência quanto em

âmbito doutrinário, que só será possível a aplicação da teoria da desconsideração

após decisão judicial determinando-a (TOKARS, 2007, p. 467), não podendo a parte

credora fazê-la diretamente junto à inicial, já que se desde a propositura da ação se

tivesse conhecimento de quem seria o responsável pelo ressarcimento não haveria

legitimidade passiva a outro.

Nesse sentido, a jurisprudência de nosso Superior Tribunal de Justiça se vê

em mesmo tom no julgado em Recurso Especial 282.266/RJ:

PROCESSO CIVIL. PESSOA JURÍDICA. DESPERSONALIZAÇÃO. A despersonalização da pessoa jurídica é efeito da ação contra ela proposta; o credor não pode, previamente, despersonalizá-la, endereçando a ação contra os sócios. Recurso especial não conhecido.

O embate surge quanto à necessidade ou não se estabelecer um novo

processo para aplicar a desconsideração, garantindo ao novo devedor – pessoa

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física redirecionada – o direito de ampla defesa e contraditório em face daquele

ataque a si.

Ou seja, assim que requerida e deferida em um certame originário seria

preciso gerar um novo para realizá-la? Nesse ponto não há ainda unanimidade de

entendimentos, conforme se verá.

Parte minoritária da doutrina, encabeçada por Ada Pellegrini Grinover (1997,

p. 03), Fabio Ulhôa Coelho (2013, p. 78-79) e Osmar Vieira da Silva (2002, p. 205),

defendem o pensamento de que seria preciso nova demanda para enfim

“redirecionar” a cobrança contra outro indivíduo, priorizando assim direitos basilares

de nosso ordenamento como os já citados, da ampla defesa e contraditório.

Com todo o devido respeito a estes estudiosos mas pensar desta forma

parece um tanto quanto prejudicial à matéria, ainda que traga resquícios de

correção.

Se necessária nova demanda garantindo ao causador do dano, que até então

se escondia por trás da pessoa jurídica, o direito de se “defender” dos efeitos da

desconsideração efetuada para só então depois disso permitir ao terceiro lesado

realizar a cobrança do dano da maneira correta, seriam trazidos imensos prejuízos

indevidos a este último, o qual deveria suportar, além do dano, a morosidade

judiciária e quaisquer outros resultados do novo processo, ainda que já comprovada

a má-fé daquele agente junto ao nexo de causalidade em sua conduta.

Por esta razão é que surge a outra parte da doutrina, entendida como

majoritária, defendendo a possibilidade de se requisitar o redirecionamento no curso

do processo originário, bastando que sejam preenchidos os requisitos já citados.

Feita a fundamentação correta capaz de garantir a aplicabilidade da

disregard, poderá ser efetuado seu pedido no decorrer daquele próprio certame que

já se desenvolvia em nome da pessoa coletiva, mais comum de ser em meio a um

processo de execução que é o meio pelo qual já se deve estar sendo feita a

cobrança.

Nessa linha de pensamento encontram-se Carlos Roberto Gonçalves (2010,

p. 253), Fábio Tokars (2007, p. 467), Nelson Rosenvald (2007, p. 321), e a própria

jurisprudência de nosso Superior Tribunal de Justiça, conforme já citado em páginas

19 e 20, aos quais parece assistir melhor razão.

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Não obstante a discussão acerca do momento em que deva se dar a

desconsideração, concordam todos os referidos autores de que assim que efetuada

esta deverá então ser feita nova citação ao novo devedor, não bastando para tanto a

presunção de que pelo fato de o sujeito causador do dano ser integrante da pessoa

coletiva até então cobrada ele saberá de maneira lógica que será futuramente

cobrado por estar acompanhando o processo em face daquela.

Deve ser efetuada a citação do agente em respeito à ideia de organismo

trazida inicialmente por Pontes de Miranda – diferenciadora entre integrantes e

integrada –, pela reconhecida autonomia existente à pessoa jurídica, e, sobretudo,

por respeito ao artigo 214 do Código de Processo Civil: “Para a validade do

processo é indispensável a citação inicial do réu”.

Cediço, portanto, que independente do momento em que se dê a realização

do redirecionamento, deverá este ser prosseguido de nova citação ao novo devedor

redirecionado.

Por fim, ainda sobre as questões processuais de aplicabilidade da teoria

estudada, deve ser esclarecida a relação de legitimidade para requisição desta.

De acordo com o artigo 50 do compilado civilista, serão legitimados a

propor/requerer a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica exigida, apenas

o próprio credor desta cobrança, enxergado também como o sujeito lesado, e o

Ministério Público, não podendo, de maneira alguma, o magistrado da causa atuar

de ofício desvinculado de qualquer provocação dos capazes para tanto.

Esse entendimento de proibição ao julgador de atuar por vontade própria é

extraído não só do referido artigo 50, como também do artigo 2º do Código de

Processo Civil: “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou

o interessado a requerer, nos casos e forma legais”.

Portanto, se conclui que a aplicação da lifting the corporate veil se dará na

própria ação originária contra a pessoa jurídica, bastando para tanto o requerimento

por parte do credor ou do Ministério Pública assim que configurados os requisitos

necessários.

Desta forma, apresentados os pontos fundamentais do estudo, se passará a

conclusão sobre o tema.

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4 CONCLUSÃO

Diante todo o exposto, se conclui sobre a teoria em comento da seguinte

forma.

Fora esta aparentemente originada no direito norte-americano na busca pelo

ataque direto aos membros de determinada pessoa jurídica quando estes atuem de

maneira fraudulenta ou abusiva em nome daquela, contudo, em proveito próprio,

desvinculando-se, ou não, do fim pelo qual ela tenha sido constituída, no objetivo de

causar lesão a terceiros.

Embora se exija a fraude e o abuso de direito nos casos englobados pelo

Código Civil, a doutrina entende como necessária apenas a presença da confusão

patrimonial entre os membros e a pessoa jurídica, tornando aqueles outros dois

subsidiários a garantir a aplicabilidade da disregard. Não havendo mais que se falar

em visão Maior ou Menor desta teoria.

Quanto a aplicação específica da doutrina, pode ocorrer esta durante o

próprio processo originário, mais especificamente durante o processo de execução

que é quando se cobrará a parte, tendo o direito para tanto apenas o credor ou o

Ministério Público, não podendo o juiz atuar no redirecionamento ex oficio.

Assim que percorrido todo esse percurso e deferido o pedido pelo juiz, será

então cobrado o novo devedor, ora fraudador ou causador do dano, desvinculando-

se da cobrança em face da pessoa jurídica originariamente exigida.

Por fim, se lembra que sua concretude se dará apenas em casos

extremamente excepcionais de irregularidade, não sendo jamais a regra de

responsabilidade, necessitando de forte fundamentação para que ocorra.

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