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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR DEPARTAMENTO DE LETRAS
VERNCULAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA DISSERTAO DE MESTRADO
O DISCURSO POLTICO DA LEGITIMAO DA CORRUP-
O PARLAMENTAR NAS CRISES POLTICAS DA ERA
LULA.
VALNEY VERAS DA SILVA
FORTALEZA-CE 2011
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VALNEY VERAS DA SILVA
O DISCURSO POLTICO DA LEGITIMAO DA CORRUPO PARLAMENTAR NAS
CRISES POLTICAS DA ERA LULA.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Lingustica da Universidade Federal
do Cear como requisito parcial para obteno do
ttulo de Mestre em Lingustica.
Orientadora: Profa. Dra. Lvia Mrcia Tiba Rdis
Baptista.
FORTALEZA - CE
2011
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
Universidade Federal do Cear
Biblioteca de Cincias Humanas
S584d Silva, Valney Veras da.
O discurso poltico da legitimao da corrupo parlamentar nas
crises polticas da era Lula /
Valney Veras da Silva. 2011. 470 f. : il. ; 31 cm.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Cear, Centro de
Humanidades, Departamento de Letras Vernculas, Programa de
Ps-Graduao em Lingustica, Fortaleza, 2011.
Orientao: Profa. Dra. Lvia Mrcia Tiba Rdis Baptista.
1. Anlise lingustica. 2. Anlise crtica do discurso. 3. Corrupo
na poltica. I. Ttulo.
CDD 469.8
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Esta dissertao foi submetida ao Programa de Ps-Graduao em
Lingustica como parte dos
requisitos necessrios para a obteno do grau de Mestre em
Lingustica, outorgado pela Uni-
versidade Federal do Cear, e encontra-se disposio dos
interessados na Biblioteca de Hu-
manidades da referida Universidade.
A citao de qualquer trecho da dissertao permitida, desde que
seja feita de acordo com as
normas cientficas.
______________________________________________
Valney Veras da Silva
Dissertao defendida e aprovada em ____/____/_____ BANCA
EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Prof.Dr. Lvia Mrcia Tiba Rdis Baptista UFC (Orientadora)
___________________________________________________________________________
Prof.Dr. Nelson Barros da Costa UFC
(1 Examinador)
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Dina Maria Machado Andra Martins Ferreira UECE
(2 Examinadora)
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Soli Deo gloria.
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AGRADECIMENTOS
Ao Propag, pelo incentivo pesquisa a partir do apoio financeiro
para a realizao deste tra-
balho.
A professora Dra. Lvia Mrcia Tiba Rdis Baptista, pelas orientaes
pacientes e correo
laboriosa deste trabalho.
A Daniela Veras, minha esposa, pelo apoio incondicional,
proporcionando o tempo e as con-
dies de estudo e pesquisa. Sem ela no conseguiria.
A Sofia e Estevo Veras, meus filhos, que perderam noites de
lazer e conversas em famlia
para que este estudo tomasse forma.
Ao Senhor, Deus eterno e pessoal, Soberano em seus atos, que
permitiu a concluso desta
dissertao, que supriu os recursos intelectuais e materiais, alm
do tempo necessrio para sua
produo.
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RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo analisar os discursos polticos
do Senado Federal, nos pro-nunciamentos ordinrios, com o fim de
constatar a legitimao do discurso da corrupo, nos perodos de crise
do governo do Presidente Luis Incio Lula da Silva. Como os perodos
de crise poltica so perodos de crise de legitimao, torna-se vivel
observar como o discurso em favor da corrupo poltica legitimado
nestas crises. Duas principais crises polticas so analisadas: a
Mfia dos Sanguessugas e o projeto Ficha Limpa. O corpus da anlise
composto por setenta e sete pronunciamentos cuja temtica so as duas
crises anteriormente mencionadas e a corrupo poltica. A dissertao
dividida em quatro sees, das quais a primeira a de contedo terico.
A perspectiva terica de van Dijk (2003, 2006, 2008) fun-damenta a
pesquisa com sua abordagem dos Estudos Crticos do Discurso e sua
proposta mul-tidisciplinar que relaciona a cognio, a sociedade e o
discurso. A segunda seo apresenta uma contextualizao
histrico-poltica da corrupo poltica no Brasil, a partir das
represen-taes sociais, segundo a perspectiva de Moscovici (2009) e
Jovchelovitch (2010). A terceira seo apresenta a metodologia da
pesquisa, que qualitativa de cunho subjetivo-interpretativa. A
retrica e os topoi so as categorias de anlise, baseadas na teoria
da retrica argumentativa de Billig (2008), que sero construdos a
partir da teoria das metforas concei-tuais, devido seu aspecto
scio-cognitivo (Lakoff; Johnson, 1980; Kovecses, 2002). A quarta
seo a anlise dos discursos polticos que legitimam o discurso em
favor da corrupo, apontando como resultado a legitimao velada por
meio de atores/redatores polticos, que buscam exercer o abuso de
poder no campo poltico. Os topois construdos pelos pronuncia-mentos
dos Senadores confirmam o discurso poltico de legitimao da corrupo
parlamen-tar, e a relao de abuso de poder entre grupos sociais.
Palavras-chave: Legitimao. Discurso Poltico. Corrupo. Estudos
Crticos do Discurso.
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ABSTRACT
This study aims to analyze the political discourse of the
Senate, in the ordinary pro-nunciamentos with in order to verify
the legitimacy of the discourse of corruption, in times of crisis
the government of President Luis Inacio Lula da Silva. As the
crisis periods are periods of political crisis of legitimacy, it
becomes possible to observe how the speech in favor of political
corruption is legitimized these crises. Two major political crises
are examined: the "Mafia Leeches" and "Project Clean Record." The
corpus of the analysis consists of seventy-seven statements whose
themes are the two aforementioned crises and political corrup-tion.
The dissertation is divided into four sections, the first of which
is the theoretical con-tent. The perspective of van Dijk (2003,
2006, 2008) fundamental research with its approach of Critical
Studies in Discourse and its proposed multi-tidisciplinar that
relates cognition, so-ciety and discourse. The second section
presents a historical-political context of political cor-ruption in
Brazil, as of social representations, from the perspective of
Moscovici (2009) and Jovchelovitch (2010). The third section
presents the research methodology, which is qualita-tive,
subjective nature of interpretation. The rhetoric and topoi are
categories of analysis, based on the theory of argumentative
rhetoric of Billig (2008), which will build on the theory of
conceptual metaphors, due to their socio-cognitive aspects (Lakoff,
Johnson, 1980; Ko-vecses, 2002 ). The fourth section is the
analysis of the discourses that legitimate political speech in
support of corruption, pointing as a result veiled by the
legitimacy of actors / writers politicians who seek to exercise the
abuse of power in politics. The topoi built by the pro-nouncements
of the Senate confirm the legitimacy of political
discourseparliamentary corrup-tion, and the relationship of abuse
of power among social groups. Keywords: Legitimation. Political
Discourse. Corruption. Critical Discourse Studies.
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SUMRIO
1 INTRODUO 8
2 CORRUPO: UMA PERSPECTIVA MULTIDISCIPLINAR 22
2.1 Definio de corrupo 23
2.2 A relao sociedade, cognio, ideologia, discurso e corrupo
poltica 32
2.2.1 Ideologia: uma definio 38
2.2.2 Scio-cognio: um vis interpretativo 38
2.2.3 Discurso: o aspecto da reproduo 41
2.2.4 Corrupo e o tringulo multidisciplinar 46
2.2.5 Legitimao e discurso 48
3 O CONTEXTO POLTICO DA CORRUPO NO BRASIL 56
3.1 Contexto histrico-poltico da corrupo poltica no Brasil
56
3.2 Corrupo e scio-cognio: Representao social da corrupo poltica
63
3.2.1 Mito fundador perodo colonial; smbolos carnaval, futebol,
verdeamarelismo 69
3.2.2 Estado, nao e nacionalismo no Brasil 72
3.2.3 As representaes sociais e o aspecto cognitivo de van Dijk
74
3.3 Crises polticas da era Lula 82
4 A LEGITIMAO DA CORRUPO NO DISCURSO POLTICO - METO-
DOLOGIA 88
4.1 Legitimao e discurso: Natureza da pesquisa/objeto 88
4.2 Corpus de anlise discurso parlamentar. (descrio, critrios de
procedimento) 89
4.3 Categorias de anlise retrica e topoi 90
4.4 Metforas conceituais 98
5 ABORDAGEM ANALTICA DA LEGITIMAO DO DISCURSO POLTICO
DA CORRUPO 101
5.1 Crise 1 Mfia dos Sanguessugas 101
5.2 Crise 2 Ficha limpa 114
6 CONSIDERAES FINAIS 148
7 REFERNCIAS 151
ANEXO A Discursos Parlamentares referentes a crise 1 - Mfia dos
Sanguessuga 156
ANEXO B Discursos Parlamentares referentes a crise 2 - Ficha
limpa 217
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1 INTRODUO
Esta dissertao O discurso poltico de legitimao da corrupo
parlamentar nas cri-
ses polticas da era Lula objetiva analisar o discurso poltico,
com foco naquele produzido no
parlamento brasileiro (Senado Federal), a fim de observar as
estratgias discursivas de legiti-
mao reproduzidas em crises polticas do perodo do governo Lula.
Em carter especfico,
este trabalho se prope a definir o discurso poltico em torno da
temtica da corrupo, assim,
como as estratgias discursivas que o legitimam, com base no
proposto por van Dijk (2003,
2006, 2008); bem, como, analisar as estratgias discursivas que
legitimam o discurso poltico
em torno da corrupo, a saber: a retrica argumentativa e os
topoi, construdos sob a teoria
das metforas conceituais; e, relacionar as estratgias
discursivas aos seus ato-
res/enunciadores, de modo a revelar as representaes e ideologias
do grupo dominante.
Este estudo sobre o discurso poltico de legitimao da corrupo se
justifica porque a
corrupo poltica, encarada como prtica social, sistmica na
poltica nacional, e se repro-
duz nos pronuciamentos polticos, cuja autoridade repousa em
instituies polticas que refor-
am a legitimao discursiva, como o Senado Federal, a fonte dos
discursos polticos desta
anlise.
Segundo a perspectiva da cincia poltica proposta por Filgueiras
(2008), a corrupo
poltica um problema generalizado, que mesmo com a ampliao da
democracia nas duas
ltimas dcadas, tornou-se um tipo de prtica corriqueira na
poltica contempornea. A prtica
da corrupo poltica tornou-se um lugar comum na democracia,
afetando pases centrais e
perifricos, acarretando escndalos que pe em descrdito as
instituies polticas. Essa cor-
rupo contempornea e global coloca em crise a legitimidade do
Estado poltico, bem como
de suas instituies, e at mesmo da democracia representativa
diante do povo (p. 145).
O problema da corrupo poltica histrico no Brasil. H mais corrupo
hoje do que
em outras pocas, e o poltico quase sinnimo de contraventor. Os
protestos contra a corrup-
o remontam h cem anos, com os clamores dos republicanos contra a
corrupo do Imprio,
e vem se repetindo em 1930, em 1945, em 1964 (CARVALHO, 2008, p.
69-70). Problemati-
zar a corrupo poltica ainda um tema atual e importante para o
cenrio scio-poltico da
nao, pois a prtica corruptora ainda est presente no Estado e em
suas instituies como
antes, e tende a se perpetuar com novos rtulos.
Problematizar o discurso de legitimao da corrupo poltica no
parlamento brasileiro
investigar um evento extremamente corriqueiro para a sociedade.
Pessoas e instituies
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transpem a barreira da moralidade, na poltica, e nada acontece.
Por isso, discutir a corrup-
o traz desconforto, como se no mais houvesse soluo para essa
mazela. Segundo DaMatta
(2008), combater a corrupo atacar seus atores e instituies
polticas (p. 104-105), pois,
no Brasil, criou-se a cultura de que roubar do Estado menos
vergonhoso e menos criminoso
do que roubar de um amigo ou de um parente prximo. Por isso se
torna legtimo o topoi que
diz: roubo, mas fao, ilegal, e da?; ou se defendem com a
seguinte assertiva: eu no
sabia (p. 108).
As crises polticas devido corrupo so cada vez mais freqentes,
como, por exemplo,
o que recebeu o ttulo de Mfia das Sanguessugas: a lista da
vergonha. Segundo Cladio
Weber Abramo, presidente da Transparncia Brasil, a corrupo de
uma sociedade tem rela-
o com a eficcia do governo e da lei, entre outros fatores (p.
135), logo, um governo corrup-
to, ou polticos corruptores reduziro a eficincia do Estado em
atender as demandas de suas
responsabilidades para com a nao. A anlise do discurso poltico
da legitimao da corrup-
o nos pronunciamentos do Senado Federal relevante e oportuna em
vista dos prejuzos
que um governo corrupto causa sociedade.
Para Patrcia Barcelos N. M. Rocha (2008) a corrupo representa
uma das principais
causas das desigualdades sociais e da misria que afetam maior
parte da populao brasileira,
desde tempos remotos, sendo desta forma, diretamente ligada ao
esfacelamento do Estado. Tal
prtica est ligada ao incio da histria do Brasil, de modo que,
logo no princpio da coloniza-
o, as autoridades pblicas buscaram tirar proveito de seus
cargos, passando a planejar for-
mas de burlar a Lei e de se apoderar do bem pblico, traindo a
populao (p. 52-53). Muitos
presidentes passaram pelo Brasil que trouxeram promessas de
melhora no governo, como Ge-
tlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jnio Quadros e Joo Goulart,
porm nada de concreto
demonstrou a reduo dos casos de corrupo (p. 56).
Os efeitos da corrupo justificam a anlise do discurso poltico de
legitimao da cor-
rupo poltica no parlamento. Dentre estes efeitos, Rocha (2008)
destaca aqueles que so
visveis e invisveis. Um dos efeitos visveis o afastamento dos
investidores honestos no
pas, pois h um combate mundial contra a corrupo, comprometendo
seu desenvolvimento
econmico e social. Outro efeito visvel da corrupo o desperdcio e
a ineficincia dos ser-
vios pblicos, por causa das irregularidades na alocao dos
recursos disponveis, compro-
metendo a qualidade de vida da populao. Um terceiro efeito
visvel da corrupo conse-
quncia do comprometimento dos recursos naturais em escala
indesejada, por causa da redu-
o dos investimentos. Pois, se os investimentos pblicos so
destinados para reas inteis e
h um afastamento dos investidores externos do pas, a cincia e a
tecnologia ficam compro-
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metidas. Se no h desenvolvimento tecnolgico, o Estado precisa
suprir suas necessidades de
outra forma para atender as demandas. Desta forma, usa e abusa
dos recursos naturais, no o
fazendo de modo sustentvel (p. 91).
Ainda dentro das consequncias invisveis da corrupo est a
perspectiva econmica,
que provoca uma perda do nvel de crescimento econmico, j que
recursos que se destinam
s polticas de desenvolvimento so desvirtuados. Como conseqncia,
o povo sofre pela mi-
sria, devido o comprometimento dos recursos financeiros internos
utilizados para a prtica da
corrupo, como lavagem de dinheiro ou remessas ilegais para o
exterior (p. 92).
Alm das consequncias visveis, Rocha (2008) destaca as invisveis,
tais como a pr-
pria visualizao da realidade da corrupo, que gera a misria da
populao, atravs da nega-
o da sade pblica e de uma boa educao. O crculo vicioso da
corrupo atinge seu pice:
alimenta o enriquecimento de alguns e estabelece a definitiva
dependncia de todos (p. 92).
Outro efeito invisvel da corrupo a queda do comprometimento da
democracia e a conse-
quente perda da credibilidade do Estado, ou seja, a populao
passa a acreditar que todos os
polticos so corruptos, h a perda da moralidade estatal. O
descrdito do Estado gera ilegiti-
midade do poder, que resulta na desestabilizao de um governo e
consequentemente proble-
mas de governabilidade. Um ltimo efeito invisvel da corrupo,
semelhante ao anterior, a
imobilidade do Estado ao realizar suas aes por incapacidade
financeira ou administrativa (p.
93).
Estes efeitos da corrupo e a sua histria, desde a gnese do
Brasil, justificam os atos
de perscrutar, atravs de categorias lingusticas de anlise, os
pronunciamentos parlamentares
que discursivamente legitimam a corrupo poltica. A partir dessa
anlise, sendo comprovada
a corrupo no parlamento, a investigao desses pronunciamentos
poder evidenciar quais
so as representaes, ideologias e grupos ideolgicos interessados
na dominao do povo
brasileiro, e poder levar compreenso de como o fazem
discursivamente, proporcionando
dados empricos para futuras pesquisas sobre o contexto poltico
nacional.
O desvelamento do discurso da legitimao da corrupo poltica, alm
de atestar a pr-
tica da corrupo, contribui com a anlise da mitigao dessa prtica
em uma instituio p-
blica, marcando os atores/enunciadores e as ideologias e
representaes envolvidas. O resul-
tado proporcionar uma viso discursiva da corrupo poltica no
parlamento brasileiro.
Esta anlise caracteriza-se por um vis multidisciplinar, para o
qual a lingustica possui
um local singular na anlise das ideologias que aliceram a prtica
da corrupo poltica no
Brasil, contribuindo de modo diferenciado para este campo de
estudo. A corrupo poltica
entendida como uma prtica social fundamentada por uma ou mais
ideologias, como prope
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van Dijk, ao apresentar a relao da ideologia como fundamento das
prticas sociais (2003, p.
16). O uso da linguagem e do discurso, portanto, uma prtica
social das mais importantes
para a reproduo das ideologias, haja vista que simultaneamente
influencia na forma de ad-
quirir, aprender e modific-las (2003, p. 17). O estudo da
corrupo poltica, com foco no
discurso poltico da legitimao produzido pelo parlamento
brasileiro, contribuir para apro-
fundar a anlise discursiva de uma prtica social que corri a
sociedade, e elucidar quanto
aos atores/redatores e grupos ideolgicos que perpetuam tal
prtica na nao.
Este estudo tambm relevante porque corrobora com a solidificao
da Anlise Crtica
do Discurso, ainda frgil no Brasil, pois devido o seu carter
multidisciplinar, no se expandiu
tanto quanto os estudos lingusticos, sociolgicos, psicolgicos,
antropolgicos e polticos
individualmente. A Anlise Crtica do Discurso (ACD) define os
seus objetivos em termos
polticos, sociais e culturais, olhando para a linguagem como
prtica social e ideolgica, e
para a relao entre os interlocutores como contextualizada por
relaes de poder, dominao
e resistncia institucionalmente constitudas. A ACD interessa a
diferentes disciplinas direta-
mente tais como a Sociologia, a Psicologia, as Cincias da
Comunicao e da Informao, a
Antropologia, a Histria, os Estudos Literrios e a Educao;
fornecendo material terico e
analtico que contribui com o Direito, a Medicina, o Jornalismo e
a Poltica (PEDRO, 1997, p.
15).
Segundo a ACD, as escolhas lingusticas feitas em cada ato
comunicativo resultam da
conscincia dos falantes de uma lngua em particular, que tambm so
sujeitos sociais. Que
escolhem o significado das palavras a partir do conjunto de
convenes sociais institucionali-
zadas. Assim, a pesquisa sobre o discurso poltico que legitima a
corrupo revela ideologias
e representaes, assim como seus atores/enunciadores (PEDRO,
1997, p. 15).
No aspecto lingustico, ainda em conformidade com a ACD, este
trabalho contribui com
a aplicao de categorias pouco exploradas na anlise do discurso
poltico, como a retrica, os
topoi e as metforas cognitivas. Alm de ampliar, no contexto
brasileiro, a anlise semntica
do discurso, cujo foco a polarizao e o quadrado ideolgico
proposto por van Dijk (2003).
A proposta de anlise do discurso poltico, segundo van Dijk
(2008), inovadora porque pos-
tula uma cognio poltica subjacente s prticas. Desta perspectiva,
o contexto poltico em
que foi produzido o discurso to importante quanto a anlise por
meio das prprias caracte-
rsticas lingusticas. Pois, o discurso poltico principalmente
definido por quem fala com
quem, como, em que ocasio e com que objetivos, do que pelas
categorias textuais somente.
A relao entre poltica, cognio e discurso, proposta por van Dijk
(2008), ainda
pouco explorada no contexto das pesquisas linguticas nacionais.
A cognio poltica trata das
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representaes mentais compartilhadas pelos atores polticos. A
forma de pensar sobre os po-
lticos, os partidos, o Presidente e o parlamento adquirida,
modificada ou confirmada atravs
da fala e da escrita durante o processo de socializao. Alm do
que, boa parte da ao e da
participao poltica realizada pelo discurso e pela comunicao (p.
197). Essa perspectiva
cognitiva associada anlise do discurso poltico de legitimao da
corrupo, alm de ser
uma contribuio terica e analtica, observa uma das prticas de
dominao que tem corrodo
a nao brasileira, com a proposta de contribuir para o seu
combate.
Van Dijk (2008) prope trs nveis e dimenses do domnio poltico. O
nvel bsico se
refere aos atores polticos individuais, suas crenas, discursos e
interaes em situaes pol-
ticas. O nvel intermedirio constitudo pelo nvel mais bsico
somado aos grupos e institui-
es polticas, e suas representaes compartilhadas. O nvel mais
alto composto do inter-
medirio mais os sistemas polticos abstratos e suas representaes
abstratas, ordem de dis-
curso e processos sociopoltico, cultural e histrico (p. 198). A
cognio poltica contribui
para o entendimento da ideologia e de suas representaes, assim
como tambm elucida as
prticas polticas, como a corrupo, temtica tratada nesta
pesquisa. Com relao ao discur-
so, a cognio poltica serve como a interface terica indispensvel
entre a dimenso pessoal
e coletiva da poltica e do discurso poltico (p. 199). Dessa
forma, uma proposta terica mul-
tidisciplinar como a de van Dijk aborda a temtica da corrupo
poltica de modo mais com-
pleto e profundo.
A anlise sobre o discurso poltico da legitimao da corrupo
oportuna devido ao fa-
to de serem poucos os estudos lingusticos destinados ao tema
corrupo poltica, especifica-
mente no perodo entre 2003 e 2010. Esta assero dever ser
comprovada por meio de fontes
sociolgicas e pelos discursos parlamentares, porm confere um
carter de pertinncia pes-
quisa. Observar o comportamento discursivo do parlamento acerca
da corrupo poltica, a-
travs dos seus discursos em meio s crises polticas, revela a
tnica do cenrio poltico brasi-
leiro. Sua atualidade tambm confere relevncia, visto que o
perodo de governo do ex-
presidente Lula merece ateno das pesquisas, dado sua importncia
poltica para a nao.
Analisar o discurso poltico da legitimao da corrupo nos
pronunciamentos do Sena-
do necessrio porque dentre as pesquisas na ACD o discurso de
legitimao da corrupo
ainda no foi profundamente explorado no cenrio acadmico
brasileiro. A Anlise Crtica do
Discurso pouco conhecida no pas, assim como a corrupo poltica
pouco analisada por
esta vertente multidisciplinar. certo que h vrios trabalhos
publicados sobre corrupo den-
tro da perspectiva econmica, social e da cincia poltica, porm,
no atravs da proposta
multidisciplinar da ACD.
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A temtica corrupo poltica, no cenrio acadmico nacional, surge
principalmente nas
teses da rea da cincia poltica, sendo nfima a abordagem da
corrupo parlamentar no Se-
nado Federal. Trabalhos escritos sobre essa prtica focalizam
mais os partidos polticos do
que o parlamento em si. Aliado a isso, uma rea pouco explorada
no mbito nacional acad-
mico a multidisciplinaridade da ACD. Os poucos trabalhos
escritos em portugus, da ver-
tente brasileira, baseiam-se na abordagem de Fairclough; uma
pesquisa contemplando a ACD
da perspectiva multidisciplinar de van Dijk (2006), com sua
proposta de scio-cognio aliada
poltica um reforo nos Estudos Crticos do Discurso (ECD) em mbito
nacional.
Quando se prope o estudo do discurso poltico da legitimao da
corrupo na poltica
brasileira, o histrico das pesquisas inexpressivo. Uma proposta
de estudo em ACD sobre a
legitimao foi escrita por Rojo e van Dijk (1997), sobre o
racismo na imigrao. O artigo
intitulado Haba un problema y se ha solucionado: la legitimacin
de la expulsin de in-
migrantes ilegales en el discurso parlamentario espaol, aborda a
legitimao do discurso
parlamentar espanhol da ilegalidade da expulso dos imigrantes no
pas. Os elementos co-
muns com esta pesquisa so: a metodologia da ACD e a legitimao do
discurso parlamentar.
O elemento que distingue o artigo de Rojo e van Dijk da presente
anlise a natureza do dis-
curso poltico, que no contexto espanhol o racismo na imigrao e
no contexto brasileiro a
corrupo poltica. Estas duas prticas sociais so nocivas a cada
pas, respectivamente, por
causa do abuso de poder exercido pelas elites polticas
formadoras dos grupos dominantes.
Desta forma, com esse contexto em mente, a necessidade de uma
pesquisa em ACD sobre a
prtica da corrupo poltica no Brasil pertinente.
Uma pesquisa mutidisciplinar, com nfase no discurso poltico da
legitimao da cor-
rupo, inovadora no cenrio nacional, configurando a necessidade
de um trabalho como
este. Na prpria Universidade Federal do Cear (UFC), onde este
estudo est sendo desenvol-
vido, somente h uma dissertao de mestrado sobre a temtica da
corrupo intitulada Cor-
rupo e crescimento econmico na Amrica Latina, de Felipe do
Oliveira Gordin (2008),
que no observa especificamente a corrupo no Brasil, e que est
direcionada para a rea da
economia.
H, porm, trabalhos sobre o parlamento brasileiro e a corrupo, da
perspectiva das ci-
ncias polticas. A tese de Mayla Di Martino Ferreira Oliveira, A
poltica como profisso.
Uma anlise da circulao parlamentar na Cmara de Deputados
(1946-2007), prope que a
circulao parlamentar na Cmara para candidaturas nas eleies
municipais, tem como obje-
tivo maximizar as oportunidades polticas para uma nova reeleio
ao Legislativo. Isso com o
objetivo de manter uma elite poltica que goza de benefcios
pblicos para sua aplicao no
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meio privado. Os deputados brasileiros so os que mais consomem
verba pblica dentre as
doze maiores democracias, perdendo somente para os EUA (p.
126-127). A corrupo no
observada diretamente nesse estudo, no entanto, fomentado o
questionamento de uma elite
poltica que detm o poder por meio de sua permanncia no
Legislativo.
Outra tese sobre o parlamento brasileiro A democracia federativa
brasileira e o papel
do Senado no ajuste fiscal dos anos 90, de Marcello Simo Branco
(2007), que no aborda
diretamente o tema da corrupo, e se d no campo da cincia
poltica. Sua nfase est na
verificao em como o Senado Federal atuaria em defesa dos estados
que representa ou na
cooperaria com os interesses do governo, por meio dos partidos
polticos (p. 6). uma pes-
quisa sobre o Senado que tangencia a temtica da corrupo, porm,
muito distante de uma
proposta multidsciplinar.
A tese de doutoramento de Srgio Praa (2010), pela Universidade
de So Paulo, A evo-
luo das instituies oramentrias no Brasil, 1987-2008, no possui
como palavra chave a
corrupo, mas busca elucidar como esta se deu a partir dos
interesses por certas instituies
oramentrias brasileiras depois de 1987, em detrimento de outras,
e como estas instituies
oramentrias beneficiaram o Legislativo brasileiro. Praa
apresenta diversos trabalhos feitos
sobre os efeitos das instituies oramentrias para a barganha
poltica, e ressalta que sua
pesquisa destaca especificamente a dinmica da escolha das regras
oramentrias. Falar de
oramento ligado poltica brasileira implica em corrupo, tema
destacado pelo autor ao
citar os escndalos polticos dos anes do oramento (1993-1994) e
os Sanguessugas
(2005-2006). Ambos os escndalos envolveram corrupo oramentria,
porm o que se torna
relevante para a legitimao da corrupo o dos Sanguessugas, visto
que foram um grupo
de parlamentares que destinavam emendas oramentrias rea da sade,
com fins corrupto-
res, e compartilhavam os ganhos obtidos com prefeitos e
burocratas do Ministrio da Sade, a
partir de licitaes municipais irregulares ligadas as emendas.
Embora a tese de Praa aborde
a corrupo, seu campo a cincia poltica, no apresentando
contribuio para a lingstica.
A tese de doutoramento de Pedro Rubez Jeh (2009), ainda dentro
do campo das cin-
cias polticas, contribui para a temtica da corrupo ao abordar o
tema O processo de dege-
nerao dos partidos polticos no Brasil. Esta pesquisa tambm no
trata a corrupo direta-
mente, mas o est fazendo pelo vis do direito constitucional, que
embasa sua tese sobre a
dinmica partidria. Jeh enumera algumas das principais
caractersticas degeneradas do sis-
tema partidrio brasileiro, aponta as causas normativas para as
deficincias encontradas, pro-
pondo ajustes regulamentao partidria, eleitoral e institucional.
A instituio parlamentar
do Senado no analisada, mas, uma anlise dos partidos acaba
elucidando-o, ao menos por
-
15
via do contexto. Esta uma pesquisa sobre a poltica partidria
nacional, que contribui para o
estudo da corrupo, mas no aufere o conhecimento cognitivo e
lingustico no contexto pol-
tico brasileiro.
Ainda dentro da rea de cincia poltica, uma tese de doutoramento
que contribui com a
temtica de corrupo A barganha federativa e o processo decisrio
na Nova Repblica, de
Andr Ricardo Nogueira (2009). Ele pesquisa o processo de
representao partidria na C-
mara dos Deputados, afirmando que os maiores partidos nacionais
apresentam expressiva
concentrao regional de suas bancadas na Cmara. Seguindo esta
lgica, os parlamentares
conseguem aprovar qualquer legislao. Esse sistema no deixa de
ser uma forma de benefi-
ciar a dominao dos maiores partidos do Brasil, como PT, PMDB,
PSDB.
Essas teses de doutoramento, defendidas na Universidade de So
Paulo, so resultado
de um levantamento sobre a corrupo na poltica. O cenrio acadmico
est voltado para a
cincia poltica e para o direito constitucional nessa temtica. No
h pesquisas sobre o dis-
curso poltico da legitimao da corrupo poltica, ou, em como ele
se expressa. Por isso,
relevante, pertinente e oportuno o levantamento dessa anlise
sobre os pronunciamentos do
Senado Federal.
Acerca da instituio do Senado, dos trabalhos anteriores, somente
um preocupou-se em
estud-lo. Embora Nogueira (2009) ressalte a extensa gama de
poderes do Senado Federal (p.
6), pouco se tem feito, em termos de pesquisa, sobre essa
instituio poltica. A anlise dos
discursos oficiais dos senadores desvela as ideologias de
dominao que reproduzem a cor-
rupo como uma prtica legtima dos atores polticos, de modo que o
povo acaba por acos-
tumar-se com a presente situao.
H, porm, trabalhos cientficos mais especficos sobre corrupo
poltica, embora pou-
cos, e direcionados a Cincia Poltica e ao Direito. Santos
(1998), Mestre em direito pela Uni-
versidade Federal de Santa Catarina, publicou o artigo
intitulado Excesso de poder no exerc-
cio da funo legislativa, cujo foco a liberdade atribuda pela
Constituio ao legislador. O
autor se prope a estudar a aplicao do desvio de poder atividade
legislativa (p. 284).
Mesmo sendo um artigo da rea do direito, Santos contribui com a
constatao do abuso de
poder por parte do legislativo, atravs da falta do equilbrio em
sua funo.
Filgueiras (2004), doutor em cincia poltica, tambm, escreve
sobre corrupo no sen-
tido de conceitu-la, no artigo Notas crticas sobre o conceito de
corrupo um debate com
juristas, socilogos e economistas. Seu propsito expor
criticamente as teorias vigentes so-
bre a corrupo na poltica e observar como esta prtica traz
prejuzo ao bem comum. O ar-
gumento fundamental de Filgueiras que a corrupo poltica deve ser
posta em relao
-
16
capacidade dos indivduos de uma dada comunidade empreender uma
ao coletiva mediante
laos comuns ligados por uma tica, que modere os interesses a
partir da civitas (p. 125). Sua
contribuio para esta pesquisa est em abordar a legitimao da
corrupo por meio das ins-
tituies polticas (p. 126). Porm, sua anlise est no campo da
cincia poltica, argumentan-
do que a corrupo decorre da deslegitimao da ordem jurdica e da
ineficcia das leis (p.
126); o autor no observa a legitimao de uma perspectiva
lingustica.
Cortez (2009), em sua tese de doutoramento, Eleies majoritrias e
entrada estratgi-
ca no sistema partidrio eleitoral brasileiro (1989-2006),
corrobora para o entendimento dos
mecanismos que garantiram a dominncia do PT e PSDB nas eleies
presidenciais a partir de
1994. Embora no seja dito explicitamente pelo autor, infere-se
que a corrupo caracteriza-se
pela criao de mercados eleitorais distintos no interior do
sistema partidrio brasileiro. Ou
seja, o sistema partidrio colabora para a manipulao do poder
atravs desses dois grandes
partidos.
A corrupo entre os partidos polticos, normalmente, observada no
contexto das elei-
es, como se observa na tese de Cortez (2009) e na de Sakurai
(2007). Este ltimo elaborou
o trabalho intitulado Ciclos eleitorais, reeleio e dficit fiscal
nos municpios brasileiros:
uma anlise via dados em painel, onde, tambm no transcorre
diretamente sobre a corrupo
poltica, mas destaca os ciclos polticos e o crescimento das
finanas municipais nos perodos
de eleio. Seu objetivo verificar se em anos eleitorais existem
evidncias de maiores exe-
cues fiscais e se a postura poltica do Executivo municipal
apresenta influncia sobre a
composio dos gastos municipais (p. 6). Embora a concluso no
tenha comprovado empiri-
camente essa forma de corrupo poltica, em meio s eleies
municipais, ao menos ele le-
vantou a questo. Sua pesquisa sobre a poltica dos gastos pblicos
mais uma tese que alude
corrupo poltica dentro do campo da Cincia Poltica, no explorando
essa temtica sob o
aspecto lingustico.
A corrupo poltica pouco explorada na lingustica, especificamente
no campo da
Anlise do Discurso, e muito menos na Anlise Crtica do Discurso.
Alves (2004) escreveu a
tese Discurso e reforma do Estado no Governo Collor, atravs da
Anlise do Discurso dos
pronunciamentos proferidos pelo ex-presidente Fernando Collor de
Melo. Seu objetivo foi
verificar como o discurso estrutura um campo de disputas em
torno da reforma do Estado. O
incio de seu trabalho elucida a ideologia neoliberal que foi o
pilar da reforma do Estado no
perodo Collor. Alves tambm retratou a crise poltica na dcada de
80, e a participao dos
atores polticos em meio reforma. Ao analisar os discursos de
Collor, o autor observou que
seu governo desqualificou o Estado precedente, ligando-o a
problemas enfrentados durante a
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17
transio. Concluiu que os pronunciamentos do ex-presidente
expressavam o combate a cor-
rupo do antigo Estado, e o estabelecimento de um novo Estado, de
ideologia neoliberal.
Outra pesquisa que liga corrupo poltica e Anlise do Discurso A
palavra questio-
nada em entrevistas do programa Roda Viva: o ato de fala
pergunta como instaurador de
identidades, proposta como tese de doutoramento de Aro (2008),
para a Universidade Fede-
ral de Minas Gerais. Embora, o objetivo do trabalho seja
empreender uma anlise do ato de
fala pergunta numa perspectiva discursiva interacional, a
pesquisa analisa o corpus lingustico
relacionado a um esquema poltico de corrupo, selecionado a
partir das entrevistas de Ro-
berto Jefferson, Jos Dirceu e Jos Genono, veiculadas pelo
programa Roda Viva, transmiti-
das pela Rede Cultura de televiso. Este trabalho no aborda a
legitimao da corrupo pol-
tica atravs do discurso, mas tange esta temtica.
No cenrio nacional, como j foi dito, poucas so as pesquisas
sobre Anlise do Discur-
so e corrupo poltica, e menor ainda o quadro dos estudos feitos
em Anlise Crtica do
Discurso (ACD) e corrupo poltica. As teses a serem mencionadas a
seguir esto estrutura-
das sobre a ACD, na vertente de Fairclough, e como as
anteriores, tambm, no analisam o
discurso poltico da legitimao da corrupo.
A primeira delas, escrita por Costa (2007), intitula-se Charges
eletrnicas das eleies
2006: uma anlise de discurso crtica. Como o prprio ttulo da tese
enuncia, a pesquisa se
prope a realizar uma anlise de discurso crtica de charges
eletrnicas do primeiro turno das
eleies presidenciais de 2006. Para isso foram selecionados cinco
textos desse gnero discur-
sivo publicados em agosto e setembro no site www.charges.com.br.
Os discursos so analisa-
dos segundo os pressupostos metodolgicos da ACD, sendo estes
compreendidos como um
elemento das prticas sociais. A ideologia proposta para o corpus
do trabalho a de Thomp-
son (1995), a qual van Dijk (2006) tambm se utiliza. Para
favorecer a anlise, foi desenvol-
vido um estudo sobre charge eletrnica, mdia e poltica. Costa
constatou que por mais que
as charges eletrnicas utilizem formas simblicas que seriam
contestatrias da ideologia, o
modo como a corrupo apresentada nos textos pode colaborar para a
manuteno da mes-
ma.
A outra tese de doutoramento sobre ACD e corrupo poltica, ainda
sob a teoria de Fa-
irclough, Veja, os olhos do Brasil? O mensalo e a imagem pblica
de Lula e do PT nas
pginas da revista veja, escrita por Ramos (2008). A atualidade
desta pesquisa tende a torn-
la mais relevante e prxima da proposta do presente estudo. Seu
objetivo analisar o discur-
so de (des)construo da imagem pblica do presidente Lula e do
Partido dos Trabalhadores,
durante o escndalo poltico/miditico do chamado Mensalo na
cobertura jornalstica da re-
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18
vista Veja. O aporte terico desta pesquisa foi o conceito de
hegemonia de Antonio Gramsci,
tendo como corpus de anlise as reportagens investigativas e as
manchetes da revista Veja,
que abordaram a crise poltica do mensalo. A hiptese comprovada
que a revista em
questo desqualifica o discurso do PT mostrando que a defesa da
tica proposta pelo partido
possui fins eleitoreiros; tambm, relaciona a crise no governo
Lula quela que houve no go-
verno do ex-presidente Fernando Collor de Melo que levou ao seu
impeachment; e, por fim,
argumenta que o PT um partido atrasado e anacrnico.
A tese de doutorado de Azevedo (2008), (Des)legitimao: aes
discursivo-cognitivas
para o processo de categorizao social, a que mais se aproxima
desta pesquisa, pois traba-
lha o discurso de legitimao sob a proposta multidisciplinar dos
Estudos Crticos do Discur-
so de van Dijk (2006). No entanto, seu corpus de anlise est no
discurso miditico sobre o
Movimento Sem Terra.
O Discurso poltico de legitimao da corrupo parlamentar nas
crises polticas da
era Lula apresenta sua relevncia ao tentar preencher uma lacuna
nos Estudos Crticos do
Discurso, primeiramente, propondo uma anlise do discurso poltico
da legitimao da cor-
rupo no Brasil a partir da teoria de van Dijk (2003, 2006), com
sua nfase scio-cognitiva
na multidisciplinaridade da ACD. Alm de desvelar os atores e
grupos dominantes por trs do
discurso poltico de legitimao da corrupo, a pesquisa observa a
scio-cognio e a teoria
das representaes sociais de Moscovic (2009) e Jovchelovitch
(2000). Para van Dijk (1997,
p. 12), os problemas da cincia poltica, como a corrupo, so mais
adequadamente estuda-
dos pela dimenso discursiva do que somente pela anlise da cincia
poltica.
O tema O discurso poltico da legitimao da corrupo parlamentar
nas crises polti-
cas da era Lula, pressupe a seguinte questo: Como parlamento
brasileiro legitima a cor-
rupo poltica a partir dos seus discursos oficiais?. Essa a
problemtica geral a ser perse-
guida neste trabalho.
Dois conceitos presentes na questo principal necessitam ser
elucidados. O primeiro de-
les a corrupo poltica. Um dos maiores problemas encontrados
quando se analisa a cor-
rupo est na sua conceituao, visto que cada autor a define de
acordo com sua perspectiva
ou ngulo cientfico, como, por exemplo: pela perspectiva jurista,
teolgica, sociolgica ou
poltica. Por isso, Rocha (2008, p. 40) entende que a corrupo
deve ser analisada de uma
perspectiva multidisciplinar, embora em sua obra a analise de
uma perspectiva sociolgica.
Filho (1991, p. 6) define corrupo como a traio do homem para com
os valores fun-
damentais da comunidade a que pertence, especificamente a
honestidade. J Rocha (2008, p.
44) conceitua corrupo como:
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19
uma espcie de conduta atravs da qual o indivduo, motivado por
alguma vanta-gem, age desvirtuando a natureza de um determinado
objeto, contrariando aquilo que coletivamente visto como certo e
justo, ou seja, padres de conduta estabele-cidas por nossa
sociedade e denominados normas jurdicos (sic), que tem por
finali-dade a satisfao do interesse coletivo. Desse modo, a corrupo
se caracterizar quando houver a deturpao de um objeto, atravs de um
comportamento que des-respeite quela norma, motivado pelo desejo de
obter vantagens indevidas.
De modo sucinto, Jesus (2008, p. 61) define corrupo como um
comportamento deso-
nesto ou ilegal, cometido por algum que possui determinado nvel
de autoridade, com o obje-
tivo de obteno de vantagens financeira ou de algum outro
privilgio que resulte em ganho
individual ou grupal. Esse algum quando est na esfera poltica
torna-se um ator da cor-
rupo poltica nacional.
Silva (2001, p. 22) apresenta a corrupo como o ato ilegal de
dois agentes, um corrupto
e um corruptor, que desenvolvem uma relao ilegal envolvendo
propina. Apesar de muitas
definies sobre corrupo, o denominador comum que caracteriza a
corrupo poltica a
interao entre indivduos ou grupos, que corrompem ou so
corrompidos, havendo nessa
relao transferncia de renda de modo ilcito (p. 23).
A corrupo poltica, no somente envolve questes econmicas ilegais
como a propina,
mas, tambm, em sua base, as questes morais. Filgueiras (2008, p.
67), em sua obra Corrup-
o, democracia e legitimidade, defende que a corrupo poltica
fruto da separao entre
moral e lei na vida poltica. Segundo ao autor, o problema da
corrupo foi desvinculado do
problema moral das virtudes, gerando uma nova conceituao da
corrupo na modernidade,
onde surgiu uma nova moral poltica atrelada ao papel da
economia, moralizando a represen-
tao do eu mediante seus interesses (p. 69). Em um mundo moderno,
a supremacia do inte-
resse est acima da manuteno das virtudes, num mundo que busca a
acumulao do capital
(p. 70).
Filgueiras (2008, p. 74) define, ento, um governo corrupto da
seguinte forma:
O governo corrompido aquele que se esvai de seus princpios,
configurando uma institucionalidade marcada pela violncia e pela
usurpao, sem qualquer tipo de normatividade que d sustentao ao
aparato institucional [...] Dessa forma, a Rep-blica Democrtica
corrompida quando as virtudes cvicas do lugar aos interesses
privados.
Um dos fatores da conceituao da corrupo poltica a presena de um
mercado, lo-
cal de satisfao dos interesses individuais. O pensamento poltico
moderno assenta-se na
presena de sociedades mercantis. Logo, o interesse no depende da
comunidade nem das
virtudes, mas da distino artificial e naturalizada entre o
pblico e o privado, de onde proce-
de a corrupo poltica (FILGUEIRAS, 2008, p. 80). A lgica dos
interesses de onde procede
a corrupo a reproduo de uma ordem sem a dependncia de uma
virtude moral. Desta
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20
forma, os atores polticos no so caracterizados pelas virtudes
diante do ambiente pblico,
mas pela simpatia a qual buscam construir.
O conceito de corrupo poltica nessa pesquisa no somente
contempla o aspecto eco-
nmico e legal, mas vai alm, observando sua base, o interesse
pessoal em detrimento do p-
blico, devido o apagamento das virtudes morais do contexto
poltico brasileiro. Rocha (2008,
p. 45) define corrupo de modo apropriado aos interesses da
presente pesquisa, como a va-
riedade de condutas e prticas nocivas, situadas em mbito
poltico-administrativo, que se
caracteriza por um desvio de conduta de ordem criminosa ou no,
que objetiva determinada
vantagem indevida em detrimento do interesse coletivo.
O segundo conceito presente na questo central da pesquisa o de
discurso poltico, vis-
to que a pesquisa se prope a analisar os pronunciamentos
oficiais do parlamento brasileiro
naquilo que se refere ao discurso poltico de legitimao da
corrupo. Van Dijk (2008, p.
222) apresenta o seguinte conceito de discurso poltico, a ser
devidamente estendido e adota-
do neste trabalho: o discurso poltico especialmente poltico
devido a suas funes no
processo poltico. O autor assim prope porque entende que os
gneros do discurso poltico
so amplamente definidos mais em termos contextuais do que
textuais. O contexto poltico
compreendido em termos de modelos mentais de eventos
comunicativos dos participantes; os
discursos oficiais do parlamento brasileiro foram produzidos
dentro de um determinado con-
texto poltico. Os gneros do discurso poltico mencionados so:
debates parlamentares, leis,
propagandas, slogans, tratados internacionais, negociaes de paz,
etc (p. 221). O gnero es-
colhido nesta pesquisa foram os pronunciamentos oficiais do
parlamento brasileiro, especifi-
camente, do Senado Federal.
Van Dijk (2008, p. 212) afirma que os gneros do discurso poltico
so:
definidos essencialmente pelas suas funes no processo poltico
representado pelas suas categorias do modelo de contexto poltico,
ou seja, o que quer que seja que um poltico diga , por definio, uma
forma de discurso poltico; e o que quer que seja dito por algum com
um objetivo poltico [...] tambm uma forma de discurso poltico.
Porm, para completar a proposta tetica de van Dijk sobre o
discurso poltico, deve-se
ressaltar o abuso de poder exercido atravs do discurso poltico.
Essa forma de anlise do
discurso poltico pelo eixo do poder, abuso de poder e dominao
caracterstico da Anlise
Crtica do Discurso (ACD), que se apresenta como uma metodologia
de anlise multidiscipli-
nar. A ACD possui um carter multidisciplinar, em van Dijk porque
contribui, no somente,
para os estudos do discurso, como tambm para a cincia poltica e
para as cincias sociais
(VAN DIJK, 1997, p. 11). Isso significa que a Anlise do Discurso
Poltico deve responder a
-
21
questes relevantes que so discutidas na cincia poltica, como o
caso da corrupo nessa
pesquisa.
A corrupo pode ser compreendida como abuso de poder, e quando
exercida por
uma elite pressupe uma forma de dominao. Nessa pesquisa, o grupo
dominado o povo
pobre do Brasil, como mais adiante ser conceituado, pois
oprimida pelos seus representan-
tes eleitos, segundo um sistema de democracia
representativa.
Algumas questes secundrias que corroboram para o entendimento da
questo princi-
pal so: Qual a definio de discurso poltico da legitimao em torno
da temtica da corrup-
o, assim, como as estratgias discursivas que o legitimam,
segundo a vertente da ACD de
van Dijk (2003, 2006)?. Como se procede anlise das estratgias
discursivas (retrica e
topoi [VAN DIJK, 2003, 2006]) que legitimam o discurso poltico
em torno da corrupo?.
Por fim, Qual a relao entre as estratgias discursivas e seus
atores/enunciadores, que pro-
duzem as representaes e ideologias de dominao? (VAN DIJK,
2006).
Essas questes, a principal e as secundrias, esto baseadas em
certos pressupostos lin-
gusticos que as justificam. A intencionalidade do discurso faz
com que os Senadores sejam
responsveis pelo que transmitiram, no incorrendo na falcia da
ingenuidade e da ignorncia
naquilo que se escreve. O aspecto scio-interacionista do
discurso que ressalta sua importn-
cia para os estudos crticos. O contexto em que o discurso foi
produzido, tambm, apresenta a
relao com suas motivaes ideolgicas.
A problematizao deste estudo se responde a partir de quatro
sees. A primeira obje-
tiva suprir o arcabouo terico que suporta a anlise do discurso
poltico de legitimao. A
segunda seo uma descrio do contexto poltico da corrupo de uma
perspectiva histrica
e sociolgica, para que o discurso poltico de legitimao da
corrupo seja devidamente ana-
lisado. A terceira seo contempla os aspectos metodolgicos deste
estudo, seu objeto: o dis-
curso poltico de legitimao da corrupo, a natureza da pesquisa,
os procedimentos e cate-
gorias de anlise, e a delimitao do corpus. A quarta e ltima seo,
antes das consideraes
finais, apresenta a anlise dos pronunciamentos dos Senadores sob
a tica da retrica e dos
topoi, a partir das metforas conceituais. Mediante estas
informaes iniciais, cumpre, ento,
observar o arcabouo terico de fundamentao deste estudo.
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22
2 CORRUPO: UMA PERSPECTIVA MULTIDISCIPLINAR
A corrupo uma prtica social disseminada no Brasil e como tal
passvel de ser ob-
servada e analisada de vrias perspectivas como, por exemplo, luz
das cincias sociais. Op-
tamos, porm, por uma abordagem multidisciplinar devido a
complexidade de sua constitui-
o. O objetivo, portanto, desta seo ser o de detalhar em que
consiste essa abordagem e em
que medida tributria das cincias sociais e do discurso.
Vale observar que, a priori, a corrupo a ser analisada aqui ser
aquela de ordem pol-
tica, exercida por atores polticos no contexto poltico nacional
e que servir de contraponto
para a compreenso do que definimos como o discurso de legitimao
da corrupo. Como o
estudo de natureza lingustica, a temtica da corrupo poltica
expressa nos pronunciamen-
tos do grupo poltico do Senado Federal forma o corpus de anlise
a ser observado nas sees
subsequentes. Visto que no discurso poltico a ideologia de
determinado grupo produzida,
reproduzida e compartilhada, interessa-nos examinar como se
processa a relao de abuso de
poder a partir desta ideologia reportando-nos aos
pronunciamentos polticos do Senado Fede-
ral. Assumimos como pressuposto que existe uma espcie de
conhecimento, de natureza s-
cio-cognitiva sobre a corrupo na poltica. O conhecimento social
sobre a corrupo poltica,
relacionado ao grupo social composto por atores polticos, pode
ser mais bem entendido a
partir do que desvela a ideologia deste grupo social. Com esse
fim pretendemos por meio de
uma anlise discursiva e scio-cognitiva, tendo como suporte as
suas representaes e crenas
sociais, definir em que consiste e como se estrutura
discursivamente.
Sendo assim, um enfoque multidisciplinar resulta em um dos mais
adequados proposta
deste estudo, dado o papel fundamental do discurso na produo e
reproduo da ideologia
como cognio social e na reproduo das ideologias na sociedade
(VAN DIJK, 2006, p. 11).
Desta perspectiva, a corrupo poltica como prtica social ser
analisada a partir de sua ideo-
logia, como scio-cognio, no discurso poltico, que tambm funciona
como uma prtica
social.
O resumo que se segue introduz os subpontos elucidativos e
explanatrios da corrupo
poltica de uma perspectiva multidisciplinar. O primeiro destes
almeja suprir, para este estudo,
uma definio apropriada de corrupo poltica.
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23
2.1 Definio de corrupo.
A corrupo, de modo geral, sempre esteve presente na histria do
homem, porm, com
o advento da globalizao esta prtica social se disseminou no
mundo com o aumento das
transaes comerciais internacionais e o fluxo de capitais entre
pases. Os atos de corrupo,
inerentes a natureza humana, se disseminaram por todo o
organismo social, por isso sua rela-
o estreita com as estruturas sociais (ROCHA, 2008, p. 26).
Uma das grandes dificuldades de se analisar a corrupo sua
conceituao (BOTE-
LHO, 2010, p. 23). Como a corrupo um termo por demais amplo,
observar-se- o conceito
de corrupo poltica no contexto do Brasil. Alm de extensa a sua
conceituao, a corrupo
definida de acordo com a perspectiva do autor ou do ngulo
cientfico em que observada.
Ou seja, o socilogo, o telogo e o jurista possuem uma definio
particular desta prtica so-
cial. Os cientistas sociais modernos apontam, ao menos, trs
tipos de definies para a cor-
rupo: 1) a definio legalista, 2) a mercantilista, 3) a definio
publicista, que se refere
idia do bem pblico. Uma quarta definio, inserida por Bezerra
(1995), baseada na opini-
o pblica, visto que nesta perspectiva a corrupo tem dimenses
definveis que so reco-
nhecidas pelo pblico. Outra forma de conceituar a corrupo tambm
pode ser a partir de trs
critrios: 1) legalista, 2) interesse pblico e 3) opinio pblica
(ROCHA, 2008, p. 41-42).
Segundo Jos Arthur Rios (1987, p. 85), acerca da definio da
corrupo, o telogo
destaca a natureza humana decada, o moralista a questo das
paixes, e o jurista define a cor-
rupo pela lgica do delito segundo os artigos do Cdigo Penal. Van
Klaveren (WAQUET,
1984, p. 10) considera a corrupo como a explorao das funes
pblicas a partir das leis do
mercado; enquanto socilogos e antroplogos, discpulos de Weber
(1946), a caracterizam-na
como trao cultural, concentrando-se em sua funo social.
Etimologicamente, o termo corrupo vem do latim corruptio, que
significa a mudana
que vai de algo ao no-ser desse algo (ABAGNANO, 1998, p. 215).
Dessa perspectiva lin-
gustica, Rocha define corrupo, no seu sentido mais geral, como
um desvio de conduta
quando se trata das relaes humanas, indicando uma decadncia
moral e espiritual (RO-
CHA, 2008, p. 43). O significado latino de corrupo, alm de
corruptio, tambm vem de
corrumpere, o verbo, que traz a carga semntica de estragar,
destruir e depravar (BOTE-
LHO, 2010, p. 30).
A corrupo, ento, o que modifica a natureza de determinada situao
ou objeto, con-
trariando o que culturalmente visto como certo e justo. uma
espcie de
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24
conduta atravs do qual o indivduo, motivado por uma vantagem,
age desvirtuando a natureza de um determinado objeto, contrariando
aquilo que coletivamente visto como certo e justo, ou seja, segundo
o que estabelecido como padres de conduta por uma sociedade (ROCHA,
2008, p. 43-44).
De modo mais especfico e sinttico, a corrupo se caracterizar
quando houver a de-
turpao de um objeto, atravs de um comportamento que desrespeite
quela norma, motiva-
do pelo desejo de obter vantagens indevidas (ROCHA, 2008, p.
44). Essas conceituaes
sobre a corrupo ainda so bem gerais, necessitando uma definio
mais especfica para este
trabalho.
Uma forma especfica de compreender e definir corrupo envolve a
prtica da sobrepo-
sio do interesse privado sobre o pblico. Discorrer sobre corrupo
antes da emergncia do
Estado-nao no faz sentido, visto que o privado e o pblico eram
pertencentes ao Rei. O
conceito de corrupo poltica era destitudo de sentido, pois no
havia distino entre o pri-
vado e o pblico. Somente com a separao entre estas duas esferas
que se comea a tratar
de corrupo. No sculo XVII, com o surgimento do Estado Moderno,
Estado-nao, houve a
defesa do interesse geral ou a transcendncia do interesse
pblico, com um corpo de funcion-
rios preparados para esse fim, separados do rei, configurando-se
ento um novo modelo de
organizao poltica, onde ficava ntida a diferena entre o
interesse pblico e o privado. O
Estado comeou a administrar o interesse pblico punindo os atos
corruptores, que se caracte-
rizavam pelo desejo de se utilizar dos recursos pblicos em favor
de interesses privados (RO-
CHA, 2008, p. 39-40).
Segundo a perspectiva do interesse privado sobre a administrao
pblica, destaca-se a
definio que Schilling (1999, p. 15) apresenta sobre corrupo:
Corrupo um conjunto
varivel de prticas que implica em trocas entre quem detm o poder
decisrio na poltica e na
administrao e quem detm poder econmico, visando obteno de
vantagens ilcitas, ile-
gais e ilegtimas para os indivduos ou grupos envolvidos.
Para Andreski (1966, p. 62), os tericos ao referirem-se a
corrupo apresentam trs e-
lementos bsicos para explic-la: primeiro, o poder pblico,
cristalizado na figura do agente
pblico; segundo, a ilegalidade, que a violao das normas; e
terceiro, o benefcio individu-
al, que o recurso adquirido pelo agente corruptor. Ento, corrupo
a atuao ilegal de
agentes do Estado buscando beneficiar-se. De modo semelhante,
ODonnell (1998, p. 46)
afirma que a corrupo consiste de vantagens ilcitas que uma
autoridade pblica obtm para
si ou para aqueles que de alguma forma esto associados a ela. A
Definio de Nye (1967, p.
416) sobre a prtica social da corrupo qualifica-a como uma
conduta que se desvia dos
deveres formais de um cargo pblico (eletivo ou de nomeao) por
motivo de ganhos materi-
-
25
ais ou de posio de sentido privado (pessoais, para parentes
chegados, para amigos); ou viola
normas contrrias ao exerccio de certos tipos de influncia de
sentido privado.
Rocha (2008, p. 45) define corrupo como:
a variedade de condutas e prticas nocivas, situadas em mbito
poltico-administrativo, que se caracteriza por um desvio de conduta
de ordem criminosa ou no, que objetiva determinada vantagem
indevida em detrimento do interesse coleti-vo.
Consoante com essa definio, a corrupo poltica, como uma prtica
social, se pro-
cessa no mbito dos interesses privados sobre os bens pblicos,
configurando uma quebra da
lei ou das normas socialmente estabelecidas como corretas.
Segundo Rios (1987, p. 89), o que h de perverso nessa antitica o
fato de a retribui-
o ser ao mesmo tempo uma leso a um patrimnio comum de bens ou
servios. A corrup-
o descrita como uma antitica, que se torna funcional a uma
sociedade clientelista, como a
do Brasil, na qual e para a qual o favoritismo no se somente
operado pelo indivduo, mas
tambm pelos grupos organizados a fim de obter bens do Estado, em
detrimento do patrim-
nio pblico.
Percebe-se, ento, que a corrupo surge quando o interesse privado
se sobrepe sobre o
pblico. As causas da incidncia da corrupo se devem a dois
fatores: a crena na impunida-
de e a cultura do enriquecimento a qualquer preo. Importante
salientar que h vrias causas
para a corrupo e que essas podem ser divididas em: culturais,
econmico-sociais, polticas e
jurdicas. Essas atuam de forma interligada, umas influindo e
produzindo efeitos sobre as ou-
tras (ROCHA, 2008, p. 48-49).
Para Johnston (1987, p. 141), a corrupo empregada por pessoas e
grupos para obter
do governo coisas que desejam, ou para impedir aes que no
desejam, e de que com fre-
qncia ela utiliza muito dos mesmos recursos utilizados por
modalidades mais convencionais
de influncia. Ele continua seu argumento asseverando que o
grosso da corrupo constitui
parte integrante da poltica, ou seja, no algo isolado no cenrio
poltico brasileiro.
Se a corrupo a deteriorao dos bens pblicos para satisfao dos
interesses priva-
dos, significa dizer que o agente pblico propicia uma vantagem
indevida para ele mesmo e
tambm traz o benefcio para o particular que condescendeu com sua
prtica corrupta (RO-
CHA, 2008, p. 101). Esta descrio exemplifica a relao entre as
empresas privadas e a cor-
rupo, definida como a apropriao do bem pblico em favor do
privado.
A relao entre o pblico e o privado estabelece o sentido do que
veio a ser o termo
poltica, do grego politik, isto , a cincia e a arte de bem
governar um povo, constitudo em
Estado (SILVA, 2006, p. 1055). De outra perspectiva, o
significado prtico e moderno de
-
26
poltica est estreitamente ligado ao de poder, que pertence
categoria do poder do homem
sobre outro homem (BOTELHO, 2010, p. 33). A poltica,
historicamente, tem definido as
condies para que o controle da sociedade se faa mediante o Poder
(BOTELHO, 2010, p.
39). Van Dijk (2006) entende a ideologia sob uma perspectiva de
grupos sociais que possuem
uma relao de poder e dominao. Ao observar grupos ideolgicos, ele
estuda as representa-
es sociais desses grupos e o abuso de poder. A poltica em si,
como forma do exerccio do
poder social, no constitui campo de estudo ideolgico para van
Dijk (2006). No entanto, o
abuso do poder no contexto poltico por parte de um grupo social
se enquadra no seu referen-
cial terico e, por isso, buscamos embasar este estudo sobre a
legitimao da corrupo polti-
ca no que postula esse autor. O abuso de poder no campo poltico
engloba a prtica social da
corrupo poltica. Esta ligao entre a abordagem multidisciplinar
de van Dijk (2006, 2008)
e a corrupo poltica ser esmiuada no tpico seguinte.
A corrupo poltica e administrativa est presente nas instituies
polticas e burocrti-
cas, caracterizada pela troca de favores, por privilgios e
interesses particulares e atuante na
mquina do Estado. A corrupo poltica abrange o processo
eleitoral, o processo de recruta-
mento para algumas funes estatais elementares, o funcionamento
dos partidos polticos e a
forma de desempenho dos agentes polticos (ROCHA, 2008, p. 59).
Apenas a ltima modali-
dade da corrupo poltica anteriormente descrita interessar nesse
estudo, visto que o corpus
de anlise limita-se aos pronunciamentos do Senado Federal.
Embora essa seja tangenciada
por outros aspectos da corrupo, como sua expresso nos partidos
polticos e nas estatais,
no propriamente objeto deste estudo abordar a natureza e
constituio da corrupo como
sistema.
Outra forma de definir corrupo poltica, esta bem especfica,
:
A corrupo poltica tambm pode ser denominada como a dos agentes
polticos, ou seja, aquela em que os homens e as mulheres munidos de
mandatos temporrios ou de cargos vitalcios atuam em ateno a seus
interesses particulares, sem se importar com os interesses pblicos
(ROCHA, 2008, p. 61).
Segundo Botelho (2010, p. 31), a corrupo poltica praticada
especificamente por a-
gentes polticos, e se dissemina por toda a atividade poltica,
penetrando no prprio sistema
poltico.
Percebe-se que nas definies sobre corrupo poltica acima
elencadas, o que se carac-
teriza o interesse do privado sobre o bem pblico, sendo que o
elemento privado o agente
poltico. Rios (1987, p. 84-85), em A fraude social da corrupo,
tambm conceitua corrup-
o nesta mesma tica: o uso do Poder Pblico para proveito, promoo
ou prestgio particu-
lar, ou em benefcio de um grupo ou classe, de forma que
constitua violao da lei ou de pa-
-
27
dres de elevada conduta moral. Os agentes polticos so os
funcionrios de todos os Pode-
res Estatais: parlamentares, juzes, promotores, e chefes do
executivo. Estes agentes que co-
metem a corrupo abusam dos seus poderes administrativos e violam
a finalidade de sua
atuao atravs da troca de favores e do enriquecimento ilcito
(ROCHA, 2008, p. 61). Esta
corrupo pode ser ativa ou passiva. No primeiro caso, um
determinado sujeito oferece vanta-
gens ao agente pblico (ofertas, promessas, propinas), com o
objetivo de retardar, praticar ou
omitir ato de ofcio, de modo a trazer benefcios ao subornante.
No segundo caso, o agente
pblico solicita ou recebe para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, vantagem indevida,
ou aceita promessa de tal vantagem, desde que tais fatos ocorram
em razo da funo, ainda
que fora dela, ou, antes de assumi-la (Cdigo Penal, arts 317,
333; BOTELHO, 2010, p. 31).
Vrias so as formas de corrupo poltica, desde a fraude eleitoral
at a falsificao de
registros pblicos, do desvio de dinheiro do errio venda de
terras pblicas ou de recursos
naturais, a parcialidade na concesso de licenas ou patentes, o
empreguismo, o favoritismo
na elaborao de contratos, a concesso de benefcios e isenes
fiscais que fraudam os pa-
dres pblicos de boa conduta. Os tipos penais clssicos so: a
prevaricao, a malversao, o
peculato e o trfico de influncias (RIOS, 1987, p. 86-87).
A corrupo poltica como apropriao do bem pblico em detrimento do
privado, tam-
bm, pode ser entendida atravs de certas prticas delimitadas por
Rios (1987, p. 87):
o depsito de dinheiro pblico em instituies bancrias de amigos,
ainda que s-lidas; a filtragem de informaes confidenciais a scios e
compadres, habilitando-os a auferir grandes lucros em operaes
financeiras; ou a supervalorizao de imveis adquiridos por entidades
pblicas a fim de canalizar parte do lucro para caixinhas diversas.
a prpria caixinha, de uso generalizado e dimenses variadas. ainda a
proteo mtua de certas classes funcionais ou categorias
profissionais, que ultra-passa o dever natural de solidariedade. a
distribuio de cargos ou vantagens a pa-rentes, agregados, clientes,
amigos.
A corrupo uma prtica contrria democracia, o que causa a
desorganizao polti-
ca do pas, pois por meio dela surge a Constituio se torna
ineficaz e se impem a ilegalida-
de, o autoritarismo, o exerccio discricionrio do poder, a
injustia e a impunidade (ROCHA,
2008, p. 58).
Por motivos bvios, a corrupo poltica uma quebra a normas ticas
no contexto pol-
tico. Embora, no se pretenda estender o tpico de tica poltica,
para no fugir do foco, ca-
bem algumas consideraes. Um erro comum dissociar a tica da
poltica, como se os valo-
res morais no tivessem relao com o exerccio da poltica, como se
no fosse necessrio ao
ator poltico ter virtudes morais para exercer o bom governo,
entendido segundo os critrios
culturais de determinada sociedade. Por causa da separao entre
tica e poltica, alguns ato-
-
28
res polticos justificam certas aes corruptoras com a clebre
frase de Maquiavel: Os fins
justificam os meios. Segundo Botelho (2010, p. 42):
a Poltica no pode ser autnoma com relao tica, pois isso provoca
uma cons-tante instabilidade social e uma perverso dos valores
morais, de forma que tudo po-de ser feito e at os mais escabrosos
casos de corrupo passam a serem (sic!) vistos com certo ar de
normalidade no s no meio poltico como tambm pela prpria
co-letividade que, em ltima anlise, a maior prejudicada pela
corrupo poltica. Da o dizer popular: rouba, mas faz.
Esta quebra nas normas ticas e a dissociao entre tica e poltica
foram construdas ao
longo da histria do pensamento poltico. Com o advento da cincia
moderna, houve uma
virada no sentido lingustico da corrupo, quando se desvinculou o
problema da corrupo
do problema moral das virtudes. A modernidade erigiu uma nova
moral poltica, caracterizada
pelo crescente pluralismo (FILGUEIRAS, 2008, p. 67-68).
De acordo com esta nova concepo moderna de poltica, segundo
Montesquieu, o prin-
cpio do governo a paixo, e no mais a virtude, que orienta as aes
dos homens em relao
instituio do Estado. Montesquieu criou uma nova linguagem para a
temtica da corrupo,
atrelada ao aspecto econmico, onde o indivduo se pautava pelos
seus interesses (FILGUEI-
RAS, 2008, p. 69). No mais era possvel na modernidade a manuteno
das virtudes morais,
pois a supremacia dos interesses dominava o mundo (FILGUEIRAS,
2008, p. 70). Sua solu-
o foi estabelecer leis positivas decorrentes de relaes polticas,
que fizessem a mediao
entre os homens e suas necessidades, com a finalidade de
organizar a paz social e a liberdade
(FILGUEIRAS, 2008, p. 71). Como resultado dessa dinmica no curso
histrico da corrupo
poltica, posto de modo sinttico, a repblica democrtica se
corrompe quando as virtudes
cvicas do lugar aos interesses privados, resultando na desordem
como ocorreu em Roma
(FILGUEIRAS, 2008, p. 74). A corrupo, ento, conceituada como
qualquer forma de uso
arbitrrio do poder, destacando mais os aspectos jurdicos que os
aspectos morais. Corrupo
confunde-se com ilegalidade (FILGUEIRAS, 2008, p. 77).
Rios (1987, p. 88-89) conceitua a corrupo como o produto de uma
tica invertida, que
se organiza em torno do presente, do agrado e do suborno, que no
deixa de ser uma forma de
barganha. Desta forma o servio, ainda que pblico, prestao
formalmente obrigatria, tor-
na-se ddiva pessoal e exige uma retribuio. Fagundes (1987, p.
157) amplia o entendimen-
to acerca da tica da funo pblica contaminada pela corrupo:
A propsito da tica da funo pblica, ho de entender-se como
aspectos de cor-rupo, alm daquilo que se traduz em suborno,
apropriao de bens, dilapidao de-les, etc., quaisquer modalidades de
ao que representem a utilizao indevida, isto , sem motivo ou ttulo
hbil, de bens do patrimnio pblico, ou o custeio, direto ou
indireto, de despesas no impostas pela funo exercida, seno por
gudio de agente pblico de qualquer categoria.
-
29
Segundo Rousseau, inspirado em Montesquieu, com a separao entre
repblica e Esta-
do, a corrupo definida quando o governo no o administra mais
conforme o conjunto de
leis definido deliberadamente (FILGUEIRAS, 2008, p. 77). Quando
isso ocorre, para Rousse-
au, forma-se outro Estado dentro dele. Desta forma, a corrupo no
mais compreendida
atravs do conceito de virtudes, mas do conceito de interesses
individuais. A linguagem do
pensamento poltico moderno considera a corrupo como um problema
da arbitrariedade dos
governos, de onde resulta toda forma de opresso e desordem. A
corrupo poltica na mo-
dernidade est ligada a interesses individuais e no a quebra das
virtudes morais (FILGUEI-
RAS, 2008, p. 79). Como consequncia da lgica do pensamento
poltico moderno, a cor-
rupo ocorre apenas numa distino artificial e naturalizada entre
pblico e privado (FIL-
GUEIRAS, 2008, p. 80). O mecanismo funciona a partir da reproduo
de uma ordem sem a
dependncia de virtudes morais, como a honestidade. O mecanismo
da poltica para conquis-
tar o interesse pblico torna-se a simpatia, e no mais os valores
morais. Filgueiras (2008, p.
81) resume o conceito de corrupo na poltica moderna, assim:
Pela linguagem do pensamento poltico moderno, o conceito de
corrupo conce-bido atravs do artifcio, prprio dos modernos, dos
interesses, sobretudo quando se considera a necessidade de uma
simpatia e no de uma virtude por parte do corpo poltico.
Mais outro terico do pensamento poltico, assim como os
anteriormente alistados, de-
fine corrupo na base dos interesses privados sobre os bens
pblicos, por meio dos atores
polticos.
A corrupo, tambm, pode ser entendida como uma prtica poltica,
que precisa ser le-
gitimada dentro de um determinado contexto scio-poltico. O
entendimento de legitimao e
corrupo pode ser observado nas palavras de Filgueiras (2008, p.
15):
A economia, ao colonizar o discurso poltico, nas democracias
contemporneas, promove uma despolitizao do poltico e uma
naturalizao do conceito de corrup-o, conforme uma linguagem que se
define no liberalismo de mercado.
A naturalizao do conceito de corrupo a que Filgueiras se refere
a legitimao des-
ta no discurso poltico, quando considerada linguisticamente: Foi
produzido um discurso que
tende a perceber que a corrupo um fenmeno natural poltica
(FILGUEIRAS, 2008, p.
15).
Esse discurso poltico que legitima a corrupo, segundo Filgueiras
(2008, p. 20), ori-
undo de uma compreenso econmica da poltica, caracterstica das
democracias contempor-
neas. A ideologia que embasa o discurso que legitima a corrupo
tem como base uma ideo-
logia liberal de mercado. Ao demonstrar que a corrupo poltica
est somente, e diretamente,
ligada ao aspecto econmico, despreza-se o aspecto dos valores e
das normas. O discurso e-
-
30
conmico sobre a corrupo destaca mais o aspecto mercantil do que
a discusso de valores e
normas. A perda dos valores ticos fortaleceu a prtica de aes
corruptoras, visto que a or-
dem entre o pblico e o privado baseada em interesses.
Dentro dos estudos de teoria poltica h um discurso hegemnico em
que a corrupo
vista pela lgica dos interesses mercantis. Porm, o conceito de
corrupo somente compre-
ensvel se forem pressupostos os valores e as normas. Corrupo
implica uma norma trans-
gredida, logo, a corrupo mais bem entendida por meio de uma
crtica moral da poltica e
de suas instituies (FILGUEIRAS, 2008, p. 21).
Ser corrupto no Brasil implica em roubar o dinheiro pblico para
fins pessoais, priva-
dos. Nesse sentido, deve-se concordar com Filgueiras que a
corrupo na poltica ocorre jus-
tamente na interface dos setores pblico e privado (2008, p. 17).
Porm, os aspectos dos va-
lores e da moral so bem mais abrangentes para o entendimento da
corrupo. Ento, quando
um parlamentar direciona seu discurso para a corrupo num
conceito mercantil, est miti-
gando a corrupo dos valores ligados a lei da nao e a lei moral
da cidadania.
O discurso de legitimao da corrupo busca moldar os modelos
mentais do povo no
que se refere ao conceito de corrupo, definindo-a pelo vis da
ideologia liberal de mercado,
construindo uma representao social que entende a corrupo como
algo natural, quando,
no, culpabiliza a massa pobre da sociedade por ter uma herana
corruptora. O que Filgueiras
(2008, p. 19-20) considera mais prximo de uma scio-cognio da
corrupo poltica o que
chama de endemia social da corrupo:
Essa abordagem econmica da corrupo e da poltica colonizou o
discurso poltico, de forma a criar um atual contexto de endemia
social da corrupo, que denuncia a ineficincia estatal para produzir
bens pblicos. O resultado uma crescente despo-litizao do Estado,
que modifica a relao entre corrupo e democracia.
Acerca da construo de uma Memria Social sobre a corrupo, van
Dijk (2002, p.
211) afirma que a legitimao da corrupo ocorre por meio do
discurso poltico que influen-
cia as relaes entre crenas compartilhadas e crenas pessoais. O
senso comum de que todo
poltico corrupto no Brasil aponta para essas representaes
sociais, que geram a memria
social sobre a corrupo (BOTELHO, 2008, p. 40, 46).
Sobre a memria social van Dijk (2002, p. 217) afirma que ela
constituda pelo co-
nhecimento, atitudes, ideologias, valores e normas. Algumas
dessas representaes podem ser
esquematicamente organizadas sobre a arquitetura da mente
social. O discurso de legitima-
o da corrupo atinge os indivduos por meio das representaes
sociais com a finalidade de
naturaliz-la e represent-la como uma prtica mercantil comum na
sociedade, a partir dos
processos de ancoragem e objetivao.
-
31
A legitimao busca a naturalizao da corrupo, como se esta fosse
somente uma na-
tural ineficincia do Estado, ou como se a poltica fosse
naturalmente o espao da corrupo,
que corriqueira e normal (FILGUEIRAS, 2008, p. 19, 21), no
entanto, deveria ser vista co-
mo uma patologia poltica. Filgueiras (2008) defende que uma
ideologia liberal de mercado
busca legitimar seu poder sobre o domnio pblico alegando que o
estado corrupto e inefici-
ente, e que tal prtica normal na sociedade. Embora no negue a
presena da corrupo no
Estado, e apresente informaes valiosas para a definio e o
entendimento da corrupo na
poltica, seu objetivo investigativo se limita a questes ticas e
legais, deixando de observar o
processo da legitimao da corrupo pelos atores polticos e
instituies polticas no discurso
poltico.
Este estudo investiga a legitimao da corrupo em meio s crises
polticas no Brasil,
entre 2003 e 2010, visto que em meio s crises polticas a
legitimao mais notria. Filguei-
ras (2008, p. 22) afirma que a corrupo na poltica se torna mais
evidente em cenrios de
crises polticas, em que as concepes consensuais de valores e
normas eclodem em funo de
contextos de mudanas sociais.
Quando as crises polticas anunciam as mudanas sociais, elas
revelam as instituies
envolvidas na legitimao do discurso corruptor. As situaes de
crise poltica contextualizam
as questes de legitimidade da corrupo, como ocorre nos discursos
polticos. Os atores pol-
ticos de instituies federais buscam legitimar suas aes
corruptoras em seus pronunciamen-
tos antes e em meio crise. Outras instituies que tambm buscam
essa legitimao so os
partidos polticos, que possuem fortes interesses a serem
defendidos nos momentos de crise
poltica. Uma definio de crise poltica ser apresentada na seo em
que o corpus de anlise
for mais precisamente observado, por motivos metodolgicos.
Rojo, em artigo escrito conjuntamente com van Dijk, sobre a
legitimao da imigrao
no parlamento espanhol, diz que os atos de legitimao so
fundamentais em uma crise (RO-
JO, 1998, p. 170). Ligada a crise esto as instituies polticas, o
que combina com o que Fil-
gueiras (2008) abordou sobre a corrupo ser institucional.
Segundo Rojo, a legitimao discursiva funciona dentro de um
processo mais geral de
legitimao social e poltica, no qual esto em jogo as instituies
que buscam o poder, o Es-
tado, a lei, os valores compartilhados e a ordem social (1998,
p. 171). Van Dijk (2006, p. 320)
afirma que em momentos de crise o discurso de legitimao torna-se
imperativo, principal-
mente quando se trata do Estado, ou alguma instituio poltica que
est em jogo. Isto ocorre
porque a legitimao se torna parte da estratgia para o manejo das
crises, quando membros
do grupo precisam de auto-legitimao, e ao mesmo tempo,
deslegitimar os outros.
-
32
Por isso Filgueiras (2008, p. 23) destaca a importncia da
legitimao nas democracias
contemporneas em meio s crises polticas, visto que se torna
necessria a aceitao racional
e consensual de valores e normas, como consequncia da corrupo
poltica. Martins (2008 p.
111), de uma perspectiva filosfica, tambm entende a corrupo no
Brasil como um proble-
ma institucional. Ao analisar, sucintamente, a crise do Mensalo
no governo Lula, em 2003,
ele afirma que a corrupo se tornou institucional no Brasil, no
importando somente os ato-
res polticos, como, tambm, e principalmente, as instituies
polticas, como no caso deste
estudo: o Senado Federal.
De uma perspectiva da teoria poltica, a corrupo est associada
decadncia das insti-
tuies (FILGUEIRAS, 2008, p. 22), por isso necessrio o discurso
de legitimao por parte
dessas instituies, principalmente porque a legitimao reproduz o
poder estatal (ROJO,
1998, p. 172).
Como a proposta do estudo a anlise da legitimao da corrupo no
discurso poltico
do Senado Federal, este tpico observou o entendimento sobre
corrupo poltica e sua rela-
o com a prtica social da legitimao. A ligao destes eixos
temticos apenas inicia um
entendimento multidisciplinar sobre a corrupo poltica, que ser
expandida ao longo deste
trabalho.
A legitimao como ato discursivo uma prtica social eficaz para
reproduzir o poder
estatal em meio s crises de legitimidade poltica. Definida a
corrupo poltica e estabelecida
sua relao com a categoria discursiva da legitimao, a sequncia
argumentativa para a con-
figurao do marco terico, segundo a perspectiva multidisciplinar
de van Dijk (2006) abor-
dar a corrupo poltica na scio-cognio e na sociedade,
aprofundando mais adiante sua
relao com o discurso como foi iniciado aqui.
2.2 A relao sociedade, cognio, ideologia, discurso e corrupo
poltica.
Como a corrupo poltica uma prtica social, a sua legitimao
discursiva ser obser-
vada pela Anlise Crtica do Discurso, especificamente segundo
Teun A. van Dijk (2003,
2006, 2008), com foco na cognio social, e em sua relao com o
discurso poltico e a ideo-
logia, como apresentado anteriormente. Como j foi mencionada, a
proposta analisar o dis-
curso parlamentar do Senado Federal no perodo de crises polticas
entre 2003 e 2010, a ser
delimitado posteriormente. Entende-se que a legitimao da corrupo
poltica no discurso
parlamentar uma prtica discursiva que representa socialmente as
prticas institucionais de
corrupo no parlamento brasileiro. No entanto, para proceder a
esta anlise da legitimao da
-
33
corrupo no discurso poltico cumpre apresentar o que vem a ser
Anlise Crtica do Discur-
so, assim, como, a vertente de van Dijk (2003, 2006), e
estabelecer este marco terico em
relao corrupo poltica, definida de acordo com os propsitos
adequados deste estudo.
Resende (2009a, p. 7) define a Anlise de Discurso Crtica (ADC)
sobretudo por esta-
belecer relaes interdisciplinares voltadas para as cincias
sociais, a fim de contemplar refle-
xes acerca da relao entre linguagem e sociedade que no poderiam
ser logradas no interior
das fronteiras da Lingustica.
Resende pesquisa a partir de um dos tericos da Anlise Crtica do
Discurso, a saber,
Fairclough; e procede a uma descrio dos outros tericos dessa
linha de pesquisa: Fairclou-
gh prope uma articulao entre Lingustica Sistmica Funcional e
Sociologia (Fairclough,
2003); van Dijk (1989) estabelece dilogo entre Lingustica
Textual e Psicologia Social; en-
quanto Ruth Wodak volta-se para a Sociolingustica e a Histria
(Wodak, 1996) (RESENDE,
2009a, p. 12). No sero observadas as teorias de Fairclogh e
Wodak nesse estudo, devido ao
propsito dessa produo cientfica estar ligada a temticas
pertinentes a scio-cognio e as
representaes sociais.
Do comentrio de Resende (2009a), constata-se, porm, que a
abordagem de van Dijk
muito mais do que somente Lingustica Textual e Psicologia
Social. A Lingustica Textual foi
uma das reas do incio de sua vida acadmica, e a Psicologia
Social, que engloba as repre-
sentaes sociais, a base para o desenvolvimento de sua abordagem
scio-cognitiva, que no
se resume somente a esta descrio simplista.
Segundo Pedrosa (2005), a publicao que se tornou um marco para a
ACD foi a revista
Discourse and Society, de van Dijk, como tambm obras de
Fairclough e de Wodak:
Um marco para o estabelecimento dessa nova corrente na Lingstica
foi a publica-o da revista de Van Dijk, Discourse and Society, em
1990. Entretanto, impor-tante acrescentar publicaes anteriores,
como os livros: Language and power, de Norman Fairclough, em 1989;
Language, power and ideology, de Ruth Wodak, em 1989; e a obra de
Teun van Dijk sobre racismo, Prejudice in discourse, em 1984.
Resende (2009b, p. 20), em sua obra Anlise de discurso crtica,
em parceria com Ra-
malho, define ACD como uma abordagem terico-metodolgica para o
estudo da linguagem
nas sociedades contemporneas que tem atrado cada vez mais
pesquisadores (as), no s da
Linguagem Crtica mas tambm das Cincias Sociais (2009b, p. 7).
Ela considera a ACD
como uma abordagem transdisciplinar e multidisciplinar, e
atribui o termo Anlise de Dis-
curso Crtica a Fairclough, em 1985, em um artigo publicado no
peridico Journal of Prag-
mtics.
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Segundo a mesma autora, a ACD se consolidou em um simpsio, em
Amsterd, em
Janeiro de 1991, com a reunio de van Dijk, Fairclough, Kress,
van Leeuwen e Wodak (RE-
SENDE, 2009b, p. 21). A obra da autora portuguesa Pedro (1998),
Anlise Crtica do
Discurso, elenca artigos dos principais nomes da ACD
anteriormente apresentados.
Van Dijk (2008, p. 10), porm, ao contrrio da terminologia
cunhada e difundida como
Anlise Crtica do Discurso, ou Anlise do Discurso Crtica, prefere
a expresso Estudos
Crticos do Discurso. A razo para essa mudana terminolgica est na
natureza da disciplina,
que, segundo van Dijk, no um mtodo de anlise do discurso, como
frequentemente se
presume, e como o fazem as cincias sociais. Os Estudos Crticos
do Discurso (ECD) usam
qualquer mtodo que seja relevante para os objetivos dos seus
projetos de pesquisa e tais
mtodos so, em grande parte, aqueles utilizados em estudos do
discurso em geral (VAN
DIJK, 2008, p. 10). Da mesma forma, ele define a Anlise do
Discurso (AD) no como um
mtodo em si, mas como um domnio de prticas acadmicas, e por isso
uma
transdisciplinaridade distribuda por todas as cincias humanas e
sociais (VAN DIJK, 2008,
p. 11) denominada de Estudos do Discurso (ED), que possui vrias
maneiras de anlise, e
que podem ser tradicionalmente chamadas de mtodos, de acordo com
a necessidade da
pesquisa empreendida. Por isso, van Dijk afirma que o discurso
no analisado apenas como
um objeto verbal autnomo, mas tambm como uma