Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Número 19 – Dezembro de 2010 Investigação e Debate SERVIÇO SOCIAL Neste número: - “O Silêncio é cúmplice da Violência” - “Interculturalidade e Interdisciplinaridade” - “O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito Policial” - “Carta Aberta aos Profissionais e Docentes de Serviço Social ”
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Transcript
Associação de Investigação e Debate em Serviço Social
Número 19 – Dezembro de 2010
Investigação
e
Debate SERVIÇO SOCIAL
Neste número:
- “O Silêncio é cúmplice da Violência”
- “Interculturalidade e Interdisciplinaridade”
- “O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito
Policial”
- “Carta Aberta aos Profissionais e Docentes de Serviço Social”
Associação de Investigação e Debate em Serviço Social
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Ficha Técnica: Investigação e Debate – Serviço Social Ano 14/Numero 19 – DEZEMBRO/2010 Director: Miguel Ângelo Valério Sub-Director: Joaquim Paulo Silva Equipa Editorial: António André Cristina Quinteiro Daniel Seabra Isabel Pinto da Silva Joaquim Paulo Silva José Álvaro Santos Maria José Barbosa Colaboradores Neste Número: Maria Helena Pedro Braga Joaquim Paulo Silva Michael Hermann Garcia Teixeira Colaboradores Internacionais Mario Calarco (Docente na Universidad Nacional Comahue-Argentina) Neuza Farias de Araújo (Docente na Universidade do Rio Grande do Norte-Brasil) Raquel Martínez Chicon (Docente na Universidade de Granada-Espanha) Richard Hugman (Docente na Universidade de New South Wales-Austrália) Conselho Editorial Prof.ª Dr.ª Fernanda Rodrigues (Docente na Universidade Católica) Profª Drª Maria da Conceição Ramos (Docente na Faculdade de Economia do Porto) Mestre Manuel Meneses (Docente no Instituto Superior Miguel Torga) Profª Drª Neuza Farias de Araujo (Docente Universidade Rio Grande do Norte- Brasil) Editor Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Proprietário Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Sede da Redacção: Rua da Constituição nº 814, 5º Andar, sala 29 4200-195 Porto Tel/fax: 225 093 289 E-mail: [email protected] ERC Nº Inscrição: 119114 de 7/06/1995
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editorial
Miguel Ângelo Valério
Este é o “número zero” da nova realidade da revista “Investigação e Debate”. Uma realidade com presença virtual, gratuita, como forma de promover a acessibilidade à informação dentro das ciências sociais e humanas em geral e ao Serviço Social em particular. Aqui, desejaremos manter a tradição deste projecto. Uma tradição com saber, conhecimento, e forte em rigor. A expressão “número zero” não é aqui meramente “pró forma”. Isto, porque para além de ser um novo arranque, pretendemos ir mais além. Mais além na disponibilidade da revista (com a continuação e promoção da sua internacionalização), mas também mais além nos números publicados. O objectivo para o ano de 2011 é ambicioso, mas acreditamos que é possível. Esse objectivo passa pela presença em plataformas online de revistas científicas, mas também na edição de mais números, quer generalistas quer temáticos. Tudo a acompanhar em primeira mão na página da Internet da AIDSS em http://aidss.paginas.sapo.pt Uma última palavra muito pessoal para o anterior director, o Mestre Joaquim Paulo Silva: Tentarei ao máximo, no mínimo, manter a força e a vitalidade que esta revista teve nos últimos anos, sabendo que (como sempre) este “tentarei” será um “tentaremos”. Até 2011…
A violência sofrida pelas mulheres no seu cotidiano e seus
rebatimentos na saúde pública; os números desta violência no
mundo e no Brasil; a violência emocional, pouco percebida e
tão presente na vida das mulheres e suas conseqüências; a
falta de dados estatísticos no Brasil com relação as mulheres
que sofrem a violência, em todas as suas formas, no âmbito da
saúde.
Violência tratada apenas como uma questão judicial, quando
deveria ser tratada também como uma questão de saúde
pública.
O Silêncio é Cúmplice da Violência » Maria Helena Pedro Braga
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A Violência atinge uma em cada três
mulheres, diz o relatório da ONU de 2000.
Segundo o documento, a violência contra a
mulher esta “fortemente enraizada” no
mundo inteiro.
Sendo assim, o silêncio ainda é cúmplice da
violência. O silêncio das mulheres que sofrem
a violência, o silencio dos serviços de saúde, o
silencio que permite esta violência.
Rompe-lo e desmistificar a cultura da
submissão, que remete a aceitação desta
violência é nosso objetivo, assim como tratar
esta questão, como uma questão de saúde
pública, pois mulheres agredidas física e
psiquicamente, são tratadas quase sempre
como polissintomáticas nos serviços de saúde
ou tem seus ferimentos externos curados,
mas as feridas invisíveis, permanecem sem
nenhum tratamento, levando-as muitas vezes
a terem sua sanidade mental seriamente
comprometida.
É preciso tratar a violência, não apenas como
uma questão de justiça, mas também como
uma questão de saúde pública, com serviço
qualificado e especifico, documentando em
fichas médicas, a história de violências atual e
passadas na vida da mulher agredida, só assim
se terá condições de prevenir futuras
agressões e de se obter dados mais precisos
para que se possa tomar medidas para
prevenção coletiva, esclarecendo e dando
apoio.
As informações que dispomos são pesquisas
de outros países, como a Sociedade Mundial
de Vitimologia (Holanda), que pesquisou a
violência domestica em 138 mil mulheres de
54 países, entre eles o Brasil, e concluiu que
23% das brasileiras estão sujeitas a violência,
na América Latina ela incide sobre 25% a 50%
das mulheres, a cada 4 minutos uma mulher é
agredida em seu próprio lar, pôr uma pessoa
com quem mantém uma relação de afeto.
(Relatório da Casa de Cultura da Mulher Negra
- 05/06/2000-06-14.)
O Brasil é o país que mais sofre com violência
doméstica, perdendo de 10,5 % do seu PIB,
porém o tamanho das conseqüências desta
violência no Brasil, na economia, nos custos
para o sistema de saúde, a policia, o poder
judiciário, os órgãos de apoio á mulher, não
podem ser medidos com precisão pois as
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estatísticas necessitam de dados importantes
que não são coletados, sobretudo nos serviços
de saúde.
(Banco Interamericano de Desenvolvimento -
BID – Relatório da ONU – 20/09/2000)
Eis uma das conseqüências da falta de
diagnóstico de violência doméstica nos
prontuários médicos.
A violência doméstica existe em todas as
culturas, classes sociais e níveis de educação,
os números são alarmantes, no Japão
59% das mulheres sofrem algum tipo de
violência pôr parte de seus parceiros, no
México, elas somam 30%, nos Estados Unidos,
28%.
No Brasil, uma pesquisa coordenada pela
socióloga Saffiotti, da PUC/SP, em 22 capitais,
vai analisar 170 mil boletins de ocorrências de
todas as delegacias da mulher, ao logo de 5
anos. Os resultados preliminares mostram que
lesões corporais são a principal queixa.
Mesmo com aumento das denuncias nas
delegacias um grande numero de mulheres
ainda prefere esconder um olho roxo a
denunciar o agressor, sem contar as que
sofrem o abuso emocional que não é
identificado.
Nas delegacias 90% das denuncias, vem de
vitimas pobres, mulheres de maior poder
aquisitivo raramente denunciam o parceiro
violento.
Ë com esta atitude, que a mulher torna-se
refém da dominação masculina, favorecendo
a violência psicológica e física.
O Banco Mundial estima que a violência
contra a mulher é causa de uma em cada
cinco faltas ao trabalho, pesquisa da
Universidade de Western Ontario, no Canada,
calcula que a violência custa em média aquele
país U$ 4,2 bilhões de dólares pôr ano em dias
de trabalho perdidos e custos hospitalares.
(Dados do Banco Mundial – Relatório da ONU
– 20/09/2000 )
Nos Estados Unidos, as mulheres que
precisam fugir dos maus tratos dos
companheiros contam com 1.500 abrigos
públicos. No Brasil existem apenas 26 casas
abrigos, delegacias da mulher, somam 275,
presentes em 5% dos municípios, no Rio
Grande do Sul existem postos especiais nas
O Silêncio é Cúmplice da Violência » Maria Helena Pedro Braga
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delegacias comuns para atender mulheres que
sofrem agressões.
Segundo o Relatório do Instituto Italiano
Innocenti, ligado a UNICEF, mulheres
agredidas, física e psicologicamente pôr seus
companheiros, são mais propensas ao
suicídio, 40% das americanas espancadas
tentam se matar.
Cerca de 70% das agressões são julgadas nos
tribunais de pequenas causas, a punição, em
geral, é uma multa ou uma cesta básica à ser
doada a instituição filantrópica, com R$ 50.00
0 agressor limpa sua barra e a mulher sai
humilhada.
Mulheres que sofrem violência vão Ter algum
problema de saúde a curto ou longo prazo,
pôr isto a violência de gênero é também um
problema de saúde publica, este
entendimento é um grande passo, o
reconhecimento feito pela OMS ( Organização
Mundial da Saúde ) que a violência contra a
mulher afeta sua integridade física e saúde
mental.
De posse deste conhecimento, e buscando
ainda informações que mostre o quadro real
do que esta sendo feito em relação a questão,
objetiva-se obter, com um trabalho de
pesquisa, direcionados a área de saúde, dados
reais da violência doméstica, para que se
possa mostrar que é uma questão de saúde
pública e assim deve ser também tratada.
(Relatório da Conferencia Nacional de Saúde
– 20/03/2000)
Breve Volta ao Passado e a Aceitação
Histórica da Violência
A mulher ao ser integrada na atividade
privada dentro do casamento, perde o valor
do seu trabalho. Perdendo o valor social mais
amplo, ela vive dentro da família uma relação
de dominada, onde o homem determina tudo,
dentro e fora de casa.
Estes séculos de opressão social, política,
econômica, familiar e cultural que recai sobre
a mulher, constitui um obstáculo a sua
participação e organização. Mesmo assim, ao
longo da história a mulher lutou para romper
as cadeias de dominação.
O início do século XX foi marcado pelas lutas
grevistas. As operárias participaram exigindo
redução da jornada e proibição do trabalho
nocturno.
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E em todos os momentos em que se precisou
da sua atuação, lutando pelos seus direitos,
ela esteve presente.
A reflexão em torno das conquistas feministas
dos últimos 100 anos se faz necessária, pois
no início do séc. XX as mulheres não tinham
liberdade. A família patriarcal no Brasil era a
base de um sistema mais amplo que
estimulava a dependência e a subordinação
da mulher ao chefe da família e está
caracterizada da seguinte forma: “Pai
taciturno, mulher submissa e filho
aterrorizado.” (Feminismo e Cidadania -Alves,
José Eustáquio, Minas Gerais, 08/03/00)
Em 1916 o Código Civil igualou o status civil da
mulher casada ao dos menores silvícolas e
alienados, tornando-a incapaz. Sendo assim
ela não tinha as mínimas chances de
encontrar trabalho remunerado.
A educação e trabalho foram conquistadas de
forma lenta e gradual, com muita luta. Porém
a consolidação de direitos se deu na
Constituição Federal de 1988 - Se hoje as
conquistas são qualitativamente superiores
aquelas da metade do século, não podemos
dizer que exista pleno exercício da cidadania.
Para muitos a mulher conseguiu sua
independência diante do marido, sustentando
a casa em muitos casos, cumprindo dupla ou
tripla jornada.
(dados do periódico - Presença da Mulher - nº
- 27 - 28 - 36)
“Existem a fêmea e o macho, enquanto o
homem e a mulher são gêneros criados
culturalmente. A posição submissa da mulher
perante o homem é estabelecida por ordem
do inconsciente(...) Essa posição é o ponto de
partida para toda a desigualdade que
culmina na sociedade de classes”. (Muraro in
Kramer e Sprenger, 1991).
Mesmo com conquistas, ainda está presente a
submissão e obediência, esta submissão e
obediência é cultural, econômica, histórica;
Romper estas amarras é um processo gradual.
Hoje as mulheres já tem consciência de seus
direitos, querem igualdade de condições,
relações eqüitativas, querem amar e serem
amadas.
Querem ser respeitadas na sua integridade
física e emocional, no seu trabalho.
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As mulheres contribuem no Brasil
significativamente, embora não sejam
valorizadas. Estão ausentes das posições de
poder e de decisões das esferas públicas. Elas
representam 50,7% da população brasileira
(IBGE/96), 49,2% do eleitorado (TSE/98),
totalizando 40,1% da população
economicamente ativa (PNAD/96-97), 20,8%
das famílias são chefiadas por mulheres
(IBGE/96).
A representação das mulheres no Congresso
Nacional é de 6,1% e nas Assembléias
Estaduais é de 10%.
E por último a violência psicológica, física e
sexual permeia a vida das mulheres. As
mulheres constituem 63% das vítimas de
agressões físicas cometidas por parentes no
âmbito doméstico. (PNAD/88).
Em 1996, companheiros ou ex -companheiros
foram responsáveis por 72,3% dos
assassinatos de mulheres. (MNDH)
Por ano pelo menos 2.500 mulheres são
mortas, vítimas de crimes passionais, e cerca
de 500 mil sofrem algum tipo de violência
doméstica ou sexual. (Estimativa da União
Brasileira de Mulheres - SP/98)
52% das mulheres economicamente ativas, já
foram assediadas sexualmente (Estimativa da
OIT /98). (Dados CFMEA - Março/99- Brasília
DF)
Estes dados sobre a violência e uma breve
retrospectiva histórica, servem para mostrar
a luta e sofrimento a que são submetidas a
grande maioria das mulheres.
A violência ou abuso emocional, foram
perpetuados dentro da cultura humana,
quando foram impostas as regras de
submissão para a mulher, em nome do poder
e de ideologias anti - feministas.
Abuso Emocional: A violência Invisível
O abuso emocional ou psicológíco, é
considerado pior que o físico, pois atinge a
essência básica da mulher.
“A violência física em toda a sua enormidade
e horror não é mais um segredo. Entretanto,
a violência que não envolve dano físico ou
ferimentos corporais continua num canto
escuro do armário, para onde poucos querem
olhar. O silencio parece indicar, que
pesquisadores e escritores não exergam as
feridas que não deixam cicatrizes no corpo, e
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que as mulheres agredidas não fisicamente,
tem medo de olhar para as feridas que
deixam cicatrizes em sua alma.” Miller.
P.20.1995
Esta violência que atinge a mulher é pouco
percebida mas causa problemas psicológicos
com conseqüências sérias, que podem Ter fins
trágicos, se não tiverem tratamento.
Buscando desvendar as vivências
particularizadas, rompendo o silencio,
revelando os desejos ocultos, é que se dá a
emancipação da mulher que sofre abuso, a
interiorização da dominação sofrida pelas
mulheres, deve ser decomposta, incentivando
sentimentos que supere diferenças,
preconceitos e idéias arraigadas.
Esta procura de caminhos, dentro dos
questionamentos inerentes a situação
vivenciada pela maioria das mulheres, amplia
a luta pôr liberdade, pôr condições dignas,
respeito e tantos outros fatores que
compõem a cidadania.
A violência tem diferentes significados,
dependendo da cultura do grupo e do
momento histórico na qual se insere. Como
violência contra a mulher entende-se, hoje,
todo ato baseado no fato da pessoa pertencer
ao sexo feminino, que tenha ou possa Ter
como resultado um dano ou sofrimento,
físico, sexual e psicológico (conceito extraído
do parágrafo 38 da declaração de Viena
p.04.1993), consequentemente, violência de
gênero é tudo que tira os direitos humanos
numa perspectiva de manutenção de
desigualdades hierárquicas existentes para
garantir obediência, subalternidade de um
sexo a outro. Trata-se de forma de dominação
permanente e acontece em todas as classes
sociais, raças ou etnias.
A maioria das agressões a integridade física e
psíquica, se da dentro do ambiente
domestico, esta inversão de expectativas
provavelmente explica porque, estudos
internacionais, aponta, a violência domestica
como fator determinante no crescimento de
doenças mentais, com acentuada maioria de
mulheres entre suas vitimas.
O assassinato costuma ser o ultimo grau de
uma escala de violência conjugal, que muitas
vezes começa com o abuso psicológico, que
gradativamente, vai tornando-as vulneráveis e
instáveis emocionalmente, levando-as muitas
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vezes a serem violentas com seus próprios
filhos, como forma de dividirem a dor.
Na verdade, a violência domestica é a mais
brutal e eloqüente metáfora da exclusão das
mulheres dos direitos humanos. Este
desrespeito frontal a dignidade das mulheres
se alimenta da impunidade dos agressores,
facilitados, pôr sua vez, pelo silencio e
conivência da sociedade. Esta impunidade só
se explica pela persistência de um decreto de
fundo escravagista, que ainda liga homens e
mulheres.
“se quisermos reverter este quadro de
violência contra a mulher é preciso encarar
de frente o núcleo da questão, ou seja, de
que este tipo de violência é decorrente,
principalmente de uma postura em que as
diferenças entre homens e mulheres,
naturais e relevantes, são vistas sob uma
ótica de hierarquia, e não como
contemplação natural e necessária para
procriação e harmonia do planeta”. (Solange
Jurema, Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher, 1995!99)
Esta questão social se alicerça na cultura da
submissão, no medo, na dependencia
economica, no significado dos papeis sociais
impostos a homens e mulheres reforçados por
culturas patriarcais, que estabelecem relações
de violencia entre os sexos.
Violência doméstica e a saúde pública
No Brasil não há registos hospitalares com
relação aos atendimentos a mulheres vítimas
de violência, que possam nos fornecer dados
concretos desta violência.
Os dados de outros países são assustadores,
nos Estados Unidos uma pesquisa, em 1980,
revelou que no período de um ano, os casos
de violência doméstica e sexual provocaram
30000 atendimentos em pronto socorros,
40000 visitas médicas, 21000 hospitalizações,
100000 dias de internação hospitalar e mais
de 1 milhão de mulheres, por ano, procuram
atendimento médico em razão de ferimentos
provocados por espancamentos e tentativas
de homicídio.
Em Londres, anualmente, 100000 mulheres
buscam tratamento médico devido a lesões
graves recebidas em casa.
Os fatos incluem:
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Lesões por faca e tiro, traumatismo craniano,
queimaduras, lesões graves na área genital,
contusões, fraturas, hematomas nos olhos,
ferimentos nos ouvidos, ferimentos
abdominais, aborto provocado por trauma na
área abdominal. ( Folha de São Paulo-
01/06/00).
A área médica limita-se a tratar as lesões
físicas, e tende a culpar a vítima pela violência.
A inadequação das respostas por parte destes
profissionais, se dá pela falta de preparo nas
questões de violência contra a mulher.
Nesta questão o papel estratégico do serviço
de saúde é ter políticas públicas voltadas para
o combate a violência doméstica, nos países
onde já existem estas políticas, os
profissionais são treinados para aplicar um
questionário às pacientes com suspeita de
espancamento ou violência sexual. Isto
permite uma intervenção mais cedo no caso,
encaminhando-a para os serviços de apoio.
Este procedimento é fundamental, pois esta
mulher, com baixa auto estima, por si só, não
buscará ajuda.
O espancamento de uma parceira íntima é um
problema social que ocorre diariamente. É
raro este episódio ocorrer uma única vez, com
o tempo a violência torna-se mais freqüente e
aumenta a gravidade dos ferimentos.
Uma resposta positiva por parte do
profissional na acolhida à estas mulheres,
pode ajuda-la a dar um passo para terminar
uma reação violenta e escolher um modo de
vida alternativo para si e seus filhos.
Assistentes Sociais, médicos, enfermeiras e
outros profissionais de saúde, são os indicados
para fazer a mediação com mulheres
espancadas, se forem ouvidas e tiverem
alguém disposto a ajuda-las, sentir-se-ão mais
seguras e amparadas. Elas precisam também
saber quais são os seus direitos legais e devem
ser encaminhadas para orientação e casas de
abrigo.
Nesses atendimentos à mulher vítima de
violência, é da maior importância também,
documentar a história do incidente abusivo
atual e violências passadas.
Essas medidas vão identificar as mulheres
espancadas e as reincidências, possibilitando
um acompanhamento mais eficaz.
É entre quatro paredes do “lar doce lar” que
existem as maiores ameaças à vida mulher. As
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marcas visíveis da violência são tratadas nos
serviços de saúde, para, em seguida, as
mulheres retornarem ao mesmo ciclo de
espancamento, abusos e, muitas vezes, morte.
Portanto, violência doméstica é qualquer ação
ou conduta cometida por familiares ou
pessoas que vivem na mesma casa, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher. É uma das formas mais
comuns de manifestação da violência e, no
entanto, uma das mais invisíveis, sendo uma
das violações dos direitos humanos mais
praticadas e menos reconhecidas do mundo.
Trata-se de um fenômeno mundial que não
respeita fronteiras de classe social, raça/etnia,
religião, idade e grau de escolaridade.
(Relatório da Conferência Nacional –
20/03/2000)
Sendo assim, reforçamos nossa convicção de
que se faz necessário agilizar políticas
públicas, que possam dar conta desta questão
social, proporcionando mais segurança às
mulheres, vítimas históricas desta violência.
Violência no Contexto Atual
Contextualizando a violência, no momento
atual, expressada nas mais variadas formas,
não importando a condição social, econômica
nem faixa etária, buscamos explicações e
encontramos uma sociedade doente e carente
de tudo, trabalho, saúde, bem-estar.
As soluções particularizadas não dão espaço
para conquistas coletivas, que propiciam o
exercício da cidadania.
São práticas individualistas que não
asseguram direitos sociais. Estando assim
revestidos deste caráter, as políticas sociais
não priorizam as questões importantes como
segurança, educação, saúde entre outras.
Neste contexto, refletindo a miséria, a
violência se instala e atinge tudo e a todos.
Sendo assim, temos uma população composta
de indivíduos amargos, revoltados e frustados,
na sua busca de cidadania, reproduzindo a
violência imposta pela sociedade capitalista
em que vive, sendo excluído do fruto do seu
trabalho e do trabalho propriamente dito.
“A desigualdade social, econômica e política
na sociedade brasileira chegou a tal grau que
se torna incompatível com a democratização
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da sociedade. Pôr decorrência, tem se falado
na existência da apartação social. No Brasil a
discriminação é econômica, cultural e política,
além de étnica.
Este processo deve ser entendido como
exclusão, isto é, uma impossibilidade de poder
partilhar o que leva à vivência da privação, da
recusa, do abandono e da expulsão inclusive,
com violência, de um conjunto significativo da
população ...
Esta situação de privação coletiva é que se
está entendendo pôr exclusão social.
Ela inclui pobreza, discriminação,
subalternidade, não equidade, não
acessibilidade, não representação pública”.
(Aldaisa Sposatti 1996 - apud, Mariangela B.
Wanderley - Artimanhas da Exclusão, 1999,
p.20)
A tensão, os conflitos são elementos
presentes na vida social, que podem
exacerbar-se a qualquer momento, gerando a
violência. As vítimas históricas desta violência,
são mulheres, crianças, a família, que é a
primeira a sofrer as conseqüências deste
tensionamento, é dentro dos lares que ela se
desenrola. É contínua e velada, sem registo,
socialmente tolerada. As formas como a
violência doméstica se expressa são diversas,
e as causas, múltiplas. Porém existem cenários
facilitadores, como a pobreza, fruto da
exclusão, o patriarcalismo, o sexismo, o
alcoolismo, a drogadição a ausência do
diálogo e a falta de solidariedade entre os
membros do núcleo familiar.
Mas, mesmo sendo a conjuntura atual um
propiciador da violência, ela não é privilégio
só das classes menos favorecidas. Se faz
presente entre todas as culturas e classes
sociais, em todos os níveis de educação e
capacidade econômica.
As causas, segundo o relatório do Instituto
Innocenti, ligado a UNICEF são: “divididas em
quatro grandes grupos: Econômicas,
Culturais, Legais e Políticas. Estão
relacionadas, questões como crença na
superioridade masculina, a dependência
econômica, a falta de leis para punir a
violência doméstica e a falta de
representação feminina na política”. ( Artigo
– O direito de ser Mulher – Ana Luiza Santos
– 08/03/2000)
O Silêncio é Cúmplice da Violência » Maria Helena Pedro Braga
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Portanto a violência é uma questão ampla e
complexa, merecedora de atenção, que
necessita de leis mais rígidas, e programas
educacionais e principalmente de atenção a
população, através de políticas públicas
eficazes.
Considerações Finais
A mulher é inferiorizada diariamente, no seu
trabalho, pois mesmo estando em igualdade
de condições tem rendimento inferior, é
discriminada mais ainda se for pobre e negra,
é tratada como histérica, muitas vezes, nos
serviços de saúde, quando necessitaria de
apoio e encaminhamento.
Reverter a lógica da exclusão, da violência, faz
parte do nosso objetivo. Buscar na prevenção
a diminuição da violência domestica, através
de ações concretas que visem o resgate da
cidadania, com políticas publicas na área de
saúde e violência, viabilizando o uso de
protocolos nos serviços públicos de saúde.
Sabemos que a mulher agredida, física e
psiquicamente procura muito esses serviços,
mas como não temos dados de hospitais nem
de pronto socorros, pôr ser estes
atendimentos feitos como causas diversas,
não há encaminhamentos, nem diagnósticos,
nem registros, só um caminhar sozinha e
retorno garantido, pois certamente ela sofrerá
mais agressões e retornará ao hospital ou
pronto socorro. Mas não será identificada,
será apenas mais uma mulher que sofreu um
acidente doméstico ou uma mulher
descontrolada que precisa de um calmante.
Sairá com os machucados externos tratados e
humilhada, pois as feridas invisíveis
continuarão sangrando até que alguém
acredite nelas e se mostre disposto a ajudar,
profissionais de saúde treinados podem ser
decisivos no rompimento com uma relação
violenta.
Romper o silêncio, denunciar, buscar ajuda,
sentir-se cidadã, estes são fatores importantes
que ajudam no caminho da liberdade e da
não violência.
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
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DEL PRIORE, Mary (Org.); BASSANEZI, Carla, coordenadora de textos. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: ed. Contexto, Ed. UNESP- Fundação - 2º edição, 1997.
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Associação de Investigação e Debate em Serviço Social
OBJECTIVOS DO PLANO DE FORMAÇÃO
A Formação Profissional Contínua surge num mundo em constante mudança, em que existe cada vez mais a necessidade de um entendimento das problemáticas actuais numa perspectiva sis-témica e holística, de modo a que toda e qualquer intervenção social seja realizada de forma cons-ciente e responsável. É neste sentido, que é reco-nhecida à Formação Profissional Contínua uma importância fundamental e estratégica, pois, enquanto espaço privilegiado para aquisição e desenvolvimento de conhecimentos esta permite atingir objectivos qualitativos e diferenciados do saber-fazer. Aos Profissionais de Serviço Social, assim como, aos Profissionais de outras áreas das Ciências Sociais, que plena natureza do seu trabalho se encontram inseridos em contextos sócio-profissionais de grande exigência ética, técnica, científica, cultural e de dimensões humanas limi-te, é continuamente reivindicada uma actualiza-ção dos seus conhecimentos teórico-práticos, na medida em que, da constante mudança do meio social destaca-se a necessidade premente destes profissionais se dotarem de competências técni-cas e pessoais que permitam um desempenho profissional adaptável, eficiente e actualizado para uma intervenção social responsável. A AIDSS e o IFHS tendo em consideração esta necessidade de uma formação sólida, coerente e que reflicta as preocupações específicas de cada área de intervenção profissional, propõe para o ano de 2011 um plano de formação profissional contínua multidisciplinar que promove acções de formação diferenciadas e coerentes com o espírito de universalidade, transversalidade e paz huma-na, num espaço em que é possível confrontar, debater, crescer e ampliar o conhecimento teóri-co-prático das diversas áreas das Ciências Sociais.
__________INFORMAÇÕES / INSCRIÇÕES__________
Associação de Investigação e Debate em Serviço Social
Resumo: Este estudo foi desenvolvido durante a experiência de
uma prática profissional e estudos exploratórios dentro de uma
delegacia de polícia em três unidades federativas no Brasil –
instituição esta que, no final da década de 90, passou por várias
reformas não só dentro do seu aparato administrativo, mas na
sua concepção de como a mesma vê a violência e suas causas.
Os novos profissionais policiais capacitados e preparados vêm
com esta concepção, porém ainda maculada com as velhas
práticas repressoras e burocráticas da própria instituição. Com
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esta mudança vêm à inclusão dos profissionais não policiais,
constituídos em sua maioria por assistentes sociais, que
primeiramente não são incorporados nos quadros da polícia
estadual, mas fazem parte de um projeto que gerou tais
modificações dentro do aparato da segurança pública no
Estado do Rio de Janeiro. Tal projeto se denomina Programa
Delegacia Legal, onde o grupo gestor do mesmo não quer que o
projeto seja passageiro, fruto de um momento conjuntural e
político, mas quer que ele faça parte do organograma que
constituí o sistema de segurança pública de fato. Dentro da
“delegacia legal” há a constituição de uma equipe de
profissionais – policiais ou não – prontos para atender a
população que necessita de demandas que ultrapassam a
natureza criminal. As demandas que fogem ao objeto do
inquérito policial são ainda desprezadas por muitos
profissionais policiais, e gera conflitos com os demais
profissionais não policiais – que são capacitados a atenderem
tais demandas. Este trabalho expõe as formas de inserção dos
assistentes sociais – como profissionais não-policiais – nas
delegacias especializadas de polícia, constituindo em equipes
de trabalho coletivo ou não, antes no RJ, e atualmente em MG
e BA; fazendo-se comparações e análises sob a perspectiva
crítica deste espaço sócio-ocupacional instigante e cheio de
conflitos.
O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito Policial » Michael Hermann Garcia
58
1. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO OBJETO DO
SERVIÇO SOCIAL NO COTIDIANO EM
DELEGACIA DE POLÍCIA2.
A violência em si como objeto, deve-se
entender como uma refração da questão
social cuja ação do Serviço Social –
potencializado por seus meios e instrumentos
– gere como produto (em termos de políticas
públicas) um contexto de não-violência. Parte
do trabalho a ser descrito foi feito durante
entre os anos de 2004 a 2005, onde foram
observadas várias experiências multi e
interdisciplinares no atendimento às vítimas
de violência doméstica no âmbito policial. A
inserção deste breve estudo nas delegacias de
polícia (DP´s) foi feita pelo Programa
2 Tal artigo foi resultado de um estudo monográfico para
a obtenção de título da Especialização em Atendimento a Criança e Adolescente Vítima de Violência Doméstica pela PUC – Rio de Janeiro, em 2004. O trabalho foi desenvolvido durante a inserção do autor, como profissional não policial, no Programa Delegacia Legal, lotado em uma das DP´s situadas na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 2004 a 2005. 2 Tal estudo está tendo continuidade em um projeto de
pesquisa e extensão coordenado pelo NEPSSI – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Serviço Social e Interdisciplinaridade – sob a chancela da UNIME Salvador. O projeto se intitula “Serviço Social e Interdisciplinaridade presentes no Campo Sócio-Jurídico no Estado da BA”, que tem por objetivo não só levantar e analisar o processo de trabalho dos assistentes sociais inseridos neste campo sócio-ocupacional, mas de tentar visualizar a concepção de trabalhos de natureza interdisciplinar na resolução das demandas materializadas pelos usuários que recorrem a este espaço já mencionado.
Delegacia Legal3, com a inclusão de
profissionais não-policiais4, que veio em um
momento político vertical e pontual para dar
maior qualidade operacional e organizacional
dentro dos quadros da PCERJ5. A pesquisa
atual está alocada nos estados de MG e BA,
analisando a inserção de assistentes sociais
em equipes primárias locadas em delegacias
de polícia. O tema sobre violência doméstica,
durante a preparação do corpo policial,
dentro da Academia de Polícia6, é visto como
um fato atípico, diferente dos processos e
flagrantes mais corriqueiros que envolvem
homicídios, seqüestros, crimes contra o
patrimônio e tráfico de entorpecentes.
Embora nos últimos anos, nota-se o despertar
de consciência e de disposição da sociedade
em reagir à violência infanto-juvenil, através
3 O Programa em questão foi colocado na gestão do
Governo de Anthony Garotinho no ano de 1999, que modificou a estrutura administrativa das antigas delegacias com um sistema moderno de informatização, interligando as Delegacias Policiais, fornecendo maiores informações para elaboração de um Registro de Ocorrência – RO, mudando o meio, o modo e a prática diária de um plantão policial, interligando com a rede de atendimento sócio-assistencial presente em todo Estado do Rio de Janeiro. 4 Compostos por assistentes sociais e psicólogos,
contratados por tempo determinado pelo grupo gestor do Programa “Delegacia Legal”, não fazendo parte do organograma oficial da SESP-RJ (Secretária de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro). 5 Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
6 ACADEPOL.
Investigação e Debate (19)
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dos meios de comunicação, um grande
contingente de policiais não se sente
preparado e sensível para lidar com o tema. O
preconceito, o medo e o não – preparo fazem
do processo interrogatório e investigativo de
um abuso cometido, para formalizar o
inquérito policial uma nova (re)vitimização da
criança/adolescente abusada. Se os policiais,
durante o seu processo de formação na
Academia de Polícia estudam o ECA7, e os
sistemas de proteção voltados a tais vítimas,
não implementam de fato tais
encaminhamentos na sua rotina de
formulação do inquérito.8
Embora haja a existência de DEAM´s9 e de
DPCA´s10, há uma resolução que a violência
perpetrada contra a mulher, ou a criança e o
adolescente pode ser denunciada em
qualquer DP11 mais próxima da residência da
vítima. Na prática, a vítima – sobretudo a
mulher – é “bicada” para a delegacia
especializada, que na maioria das vezes fica
7 Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8069/90).
8 Apenas a parte criminológica que conta dentro de um
inquérito, segundo Foucault(1977). 9Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher.
Concepção de combate legal e institucional à violência cometida contra a mulher. Iniciou-se nos anos 80, quando as primeiras DP especializadas foram inauguradas em São Paulo. 10
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.
mais distante e difícil o transporte, que é uma
das carências em algumas regiões no Estado
do RJ.12 Quando tal demanda chega até o
Balcão de Atendimento, onde se alocam os
profissionais não policiais, as mulheres
abusadas manifestam no seu discurso uma
série de conflitos familiares que traduzem um
ambiente de alto risco para a mesma e a sua
prole. Muitas vezes são encaminhadas para os
policiais responsáveis que, não tendo
formação específica, desqualificam o seu
discurso, encaminhando a mesma ou para
uma DEAM ou de volta para a sua residência.
Não se configurando o RO – Registro de
Ocorrência. Subseqüentemente, isto acarreta
na existência do subregistro, que compromete
a base para a formulação de novas políticas de
ações na área de Segurança Pública dentro do
Estado do Rio de Janeiro, ou seja, não
demonstram a realidade de fato, acarretando
na ineficácia destas ações. Em notas e
noticiários de jornais dos Estados de Minas
Gerais e Bahia, tal subregistro é denotado
11
Delegacia de Polícia. 12
Durante o período da pesquisa dentro do Programa
“Delegacia Legal”, observou-se que o tão famoso “bico”- jargão utilizado pelos profissionais policiais – possui como vítimas preferenciais as mulheres vítimas de violência doméstica. Muitas até desistiram de fazer a denúncia depois de passaram por esse descrédito.
O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito Policial » Michael Hermann Garcia
60
devido a localização e a acessibilidade de tais
delegacias especializadas. Com o advento da
Lei Maria da Penha (Lei nº 11340/06) tal
subregistro é evidenciado pela incapacidade
de não haver a renúncia, ou seja, a retirada de
queixa de violência doméstica pelas
requerentes – mulheres vítimas de violência
conjugal principalmente. Tais vítimas
procuram o serviço muito mais para ter
aconselhamentos e orientações de como
suportarem tais ações violentas de seus
companheiros que responsabilizá-los; embora
há uma tentativa do trabalho imaterial feito
pelas assistentes sociais e demais operadores
do direito lotados nestas delegacias –
principalmente no Estado da Bahia – na
responsabilização criminal dos agressores.
A violência contra a mulher é a expressão
clara e cruel de discriminação que vem
sofrendo ao longo dos tempos. Discriminação
essa que se traduz em tudo aquilo que é visto
pela sociedade como “menor”. É o fenômeno
da “Síndrome do Pequeno Poder”, que atua
sobre as pessoas que não se enquadram no
modelo de poder: a mulher, o negro, a criança
e o pobre. E, ao contrário, o detentor do
poder é branco, macho, rico e adulto. Assim, a
menina pobre e negra é considerada como a
criatura “menor” da sociedade, e assim, é a de
todas a mais discriminada.
A violência contra a mulher, neste sentido, é
muito ampla, e vai além das paredes de sua
casa. Ela começa a ser discriminada como
cidadã por práticas institucionais presentes
em nossa sociedade. Ao longo do tempo isso
vem sendo disseminado, passando de ser
considerado comum, para se perceber como
problema social. No Brasil, no final dos anos
70, a partir de movimentos feministas contra
assassinatos cometidos contra a mulher em
nome da “defesa da honra”, vieram à tona
questões como a opressão da mulher na
sociedade brasileira, em vários aspectos, além
da violência conjugal, como a discriminação
no trabalho e o desrespeito ao corpo da
mulher.
A violência conjugal é um hábito no cotidiano
do casal, que garante ao homem, a cada
passo, a cada atitude, um pouco mais de
poder sobre a sua mulher. E tal fato é
legitimado – mesmo que nebulosamente –
Investigação e Debate (19)
61
pelo corpo que constitui a instituição policial
quando se desqualifica a queixa da mulher
vítima de violência dentro do espaço policial.
Há a necessidade de se mudar a banalização
de tal violência do cotidiano dos lares.
Além disso, há alguns fatores importantes que
são relevantes como a finalidade e a
disponibilidade de dos assistentes sociais
dentro do espaço – conflituoso – da delegacia
de polícia: (a) como profissionais do
“acolhimento” no espaço policial, sendo os
primeiros a atenderem tais vítimas, buscando
a não continuidade do processo de re-
vitimização, subsidiando no resgate de seus
direitos mais fundamentais, para – depois –
procurar a subsequente resolução da parte
criminológica de fato, cujo a responsabilidade
são dos profissionais policiais, terminando
com os posteriores encaminhamentos para a
rede sócio-assistencial existente; (b) Dentro
do fluxograma do atendimento à tais vítimas,
em comparação com os outros Estados da
federação analisados neste breve estudo –
Minas Gerais13 e Bahia14 – os profissionais não
13
Nas delegacias especializadas no atendimento à
vítimas de violência doméstica – crianças, adolescentes e mulheres nos municípios de Juiz de Fora, Belo Horizonte
policiais ficam no final do processo, ou seja,
não fazem o papel no acolhimento, deixando
tal função à cargo de um profissional de nível
médio; logo após feito o registro de
ocorrência, as vítimas são encaminhadas para
tais profissionais com a finalidade
essencialmente “terapêutica”.15 Fato este que
reforça uma visão conservadora – das
protoformas da profissão – quando se via a
violência doméstica como algo “privado”,
além de uma disfunção presente dentro da
família, em que o elemento que apresentasse
a “situação social-problema” fosse não só
responsabilizado pela caracterização da
natureza do problema, mas que o mesmo
fosse o responsável pela sua solução; cabendo
ao Serviço Social da orientação para que o
indivíduo, metamorfoseado de “cliente”
chegasse a ser funcional e ajustado
socialmente (Calvacante, 1977).
e Uberlândia – via formulário de entrevista por email, respondidas por assistentes sociais, entre 2004 a 2005. 14
Fruto de uma pesquisa feita sob chancela do NEPSSI
(Núcleo de Estudos e Pesquisas em Serviço Social e Interdisciplinaridade) da graduação em Serviço Social da UNIME Salvador – Kroton Educacional (ibidem 2). Os campos sócio-ocupacionais pesquisados foram DEAM-Salvador e DECA (Delegacia Especializada em Criança e Adolescentes) situado também em Salvador-BA, cujo sujeitos foram os assistentes sociais lotadas nestas unidades. 15
O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito Policial » Michael Hermann Garcia
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2. O SERVIÇO SOCIAL E
INTERDISCIPLINARIDADE NO COTIDIANO
POLICIAL.
A interdisciplinaridade tem sido considerada
como componente-chave na constituição de
muitos campos que envolvem profissionais de
diferentes áreas frente a temas e
problemáticas pluridimensionais. A crítica à
fragmentação das ciências contemporâneas,
da pulverização e verticalização dos saberes
especializados e de suas implicações, vem
sendo construída por várias perspectivas.
Sendo a Delegacia de Polícia um campo de
atuação onde o Direito positivo está muito
impregnado desde a primeira formação do
aparato público de vigilância e de segurança –
vale lembrar Foucault (2003, p.68) quando o
mesmo expõe sobre a concepção do
inquérito, que tornam as especialidades
subalternas e auxiliares diante do
conhecimento e interpretações das leis, sob o
poder magno do Direito. Algumas publicações
como Saraleque(1977, p.14) que tratam das
políticas de segurança pública e a inserção da
profissão de Serviço Social, colocam que que
tal campo sócio-intervenção – no caso da
Delegacia de Polícia – é um dos aparelhos
executores, repressores e ideológicos do
Estado, e que faz parte da estrutura do
mesmo. Tal pensamento teórico-
metodológico é fruto da herança
althusseriana construída durante o processo
de Reconceituação do Serviço Social, entre as
décadas de 1960 e 1970, durante o regime
autocrático-militar brasileiro, quando houve
uma apropriação da tradição marxista de
forma ideopolítica, com o uso do marxismo
estrutural e empiricista não só pelos
assistentes sociais, bem como para os demais
operadores do direito, mesmo depois do
processo de redemocratização.16
O campo policial percebe-se uma espécie de
imperialismo epistemológico, pois
historicamente tal espaço sócio-ocupacional
fez parte de um dos projetos institucionais
não democráticos, que interpelam as
identidades sociais “compactas” e não
16
Herança do marxismo estrutural deixada por Louis
Althusser e do marxismo empiricista (vulgar) por Mao Tsé-Tung, entre às décadas de 60 a 70, e que influenciou – e muito – às ciências sociais no Brasil na autocracia burguesa que imperou de 1964 a 1985. Tais referências foram importantes para a construção do 3º e última fase da Reconceituação do Serviço Social – ocorrida entre 1972 a 1975 – denominado de “Método Belo Horizonte”, construídos pelos acadêmicos da Universidade Católica de Minas Gerais, com a finalidade de superar o conservadorismo tradicional presente na atuação sócio-profissional dos assistentes sociais.
Investigação e Debate (19)
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pluralistas. É visto o conflito entre os que
denotam o poder no ápice desta hierarquia –
os Delegados de Polícia – e os demais policiais
subalternos e colaboradores. Nota-se que
com a renovação dos quadros dentro da
Polícia Civil, tal conflito tem diminuído, mas
ainda é muito presente.17
Para prosseguir o estudo fez-se uma síntese
sobre os níveis de cooperação e coordenação
possíveis em diferentes espaços sócio-
ocupacionais, inspirado na literatura (Japiassu,
1976, p.71; Sá, 1995, p.42; Seiblitz,1995, p.32;
Vasconcelos, 2001, p.56). Logo em seguida,
faremos algumas relações com outros dados
coletados perante os profissionais policiais e
não-policiais inseridos no Programa Delegacia
Legal da PCERJ.
Nas definições gerais, temos: (a) As práticas
multidisciplinares podem ser caracterizadas
por uma gama de campos do saber que
propõe-se simultaneamente, mas sem fazer
aparecer as relações existentes entre eles.
Pode-se dizer que há apenas um só nível,
múltiplos objetivos e nenhuma cooperação
(SEIBLITZ, 1995, p.36);
17
Isto é visto na PCERJ – Polícia Civil do Estado do Rio
Fonte: Seiblitz (1995)
(b) As práticas pluridisciplinares podem ser
caracterizadas por uma justaposição de
diversos campos do saber situados
geralmente em um mesmo nível hierárquico e
agrupados em um modo em que existam
relações entre elas. É um sistema de um só
nível e de múltiplos objetivos. Há cooperação,
porém nenhuma coordenação (SEIBLITZ, 1995,
p. 37);
Fonte: Seiblitz (1995)
(c) As práticas pluri-auxiliares que podem ter
sua configuração descrita como a utilização de
contribuições de um ou mais campos de saber
para o domínio de um deles já existente, que
se posiciona como campo receptor e
coordenador dos demais. Neste caso há uma
tendência ao imperialismo epistemológico.
Descrito a grosso modo como um sistema de
dois níveis cuja a coordenação e objetivos são
hegemonizados pelo campo de saber
encampador (VASCONCELOS, 2001, p. 60);
de Janeiro; tal fenômeno nas demais como nos estados
O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito Policial » Michael Hermann Garcia
64
Fonte: Elaboração do próprio autor inspirado
segundo a concepção descrita por
Vasconcelos(2001).
(d) As práticas interdisciplinares podem ser
descritas como interações participativas que
inclui a construção e pactação de uma
axiomática comum a um grupo de campos de
saber conexos, definida no nível
hierarquicamente superior, introduzindo a
noção de finalidade maior que redefine os
elementos internos dos campos originais.
Pode-se dizer que tais práticas podem ser
configuradas em um sistema de dois níveis e
objetivos múltiplos, onde a coordenação
procede-se de um nível superior, mas a
tendência é de horizontalização das relações
de poder (SEIBLITZ, 1995, p. 38);
de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Bahia.
Fonte: Seiblitz (1995)
(e) Os campos transdisciplinares podem ser
descritos como campos de interação de médio
e longo prazo que pactuam uma coordenação
de todos os campos de saberes individuais e
interdisciplinares de um campo mais amplo,
sobre a base de uma axiomática geral
compartilhada. Há a tendência à uma
estabilização e criação de um campo de saber
com autonomia teórica e operativa própria.
São descritos como sistemas de níveis e
múltiplos objetivos, coordenados com vistas a
uma finalidade comum dos sistemas com
tendências à horizontalização das relações de
poder (SEIBLITZ, 1995, p. 38).
Fonte: Seiblitz (1995)
Investigação e Debate (19)
65
Tal “olhar disciplinar” (SÁ, 1995, p. 56) vem da
tentativa, não só dos gestores (presentes nas
três unidades federativas pesquisadas – RJ,
MG e BA), mas de um grupo de profissionais
comprometidos em solucionar, dinamizar e
compartilhar conhecimentos dos mais
diversos campos do saber, com a finalidade de
alcançar um objetivo em comum. No caso em
questão, o objetivo no âmbito policial, é a
configuração final do “inquérito ou flagrante
fechado”, ou seja, o processo do atendimento
conter dados da tríade: vítima(s),
acusado(s,as) e evidências materiais18.
As evidências materiais são aquelas que dão a
concretude e o caráter positivo do Direito
Criminal, ou seja, a configuração do objeto
penal. Se tais evidências fecham o inquérito
policial, isto pode determinar se é preciso ou
não de outras verificações investigativas
18
As evidências materiais são aquelas que dão a
concretude e o caráter positivo do Direito Criminal, ou seja, a configuração do objeto penal. Se tais evidências fecham o inquérito policial, isto pode determinar se é preciso ou não de outras verificações investigativas preliminares, e que resulta no auto de prisão em
flagrante18
e seu subseqüente encaminhamento ao
Ministério Público e à Vara Criminal correspondente.
preliminares19, e que resulta no auto de prisão
em flagrante20 e seu subseqüente
encaminhamento ao Ministério Público e à
Vara Criminal correspondente.
Analisando a bibliografia que acerca sobre o
tema “interdisciplinaridade” descrita por
Vasconcelos (2001, p. 66), Sá (1995, p. 45) e
Seiblitz (1995, p.32), observam-se que as
práticas mais correntes dentro de uma DP são
as práticas pluri-auxiliares. Tais práticas são as
configurações construídas dentro de um
espaço sócio-ocupacional onde a investigação
inquisidora, a vigilância e o poder estão muito
bem articulados, e que se transformam de
acordo com as conjunturas apresentadas no
cotidiano. As práticas multi e
interdisciplinares surgiram neste contexto,
quando o sistema de segurança pública foi
colocado em xeque pela sociedade que
passou a exigir resultados rápidos e objetivos.
Nessa conjuntura o sistema abre as portas
19
Tais procedimentos sem as evidências materiais são
denominados como VIP – Verificação Investigativa Preliminar, neste caso o inquérito não está fechado ou concluído, para seu posterior encaminhamento para o MP e para a autoridade judiciária do foro competente. 20
No auto de prisão em flagrante, o acusado fica na sala
de custódia na Delegacia Legal correspondente a circunscrição do delito penal em poucas horas até a sua condução à Casa de Custódia intermediária ou Unidade Penitenciária.
O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito Policial » Michael Hermann Garcia
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para novas metodologias de organização do
trabalho.21
Tais práticas pluri-auxiliares são as mais
corriqueiras, pois toda a confecção e
configuração do inquérito policial estão
centradas na figura do Delegado – que detém
a palavra final do dueto saber-poder do qual é
mandatário – no qual o mesmo “delega” as
atribuições e poderes aos seus subalternos
hierárquicos. O imperialismo epistemológico
já dito anteriormente é tão somente a
subordinação de outros campos do saber
diante de um campo hegemônico que se
apropria de suas contribuições. Neste caso, o
Delegado se apropria dos outros saberes de
seus subalternos –inclusive dos supervisores
de atendimento social22 - para fechar o
inquérito policial em um “pacote” já pré-
fabricado e pré-determinado, encaminhado
21
Com o descrédito do sistema de segurança pública no
Estado do RJ, com altas taxas de criminalidade e de pouca resolutividade dos crimes, o Programa Delegacia Legal foi uma das respostas para reverter tal quadro – que está ainda muito longe de ser solucionado. Nos Estados de MG e BA, as delegacias de polícia seguem as estruturas arcaicas do aparato policial, sob o poder imperialista do “Direito”. 22
Há delegados – os que recorrem a tal prática pluri-
auxiliar – que desconhecem a atuação dos Supervisores de Atendimento Social. Para os mesmos tal profissional só tem a sua atuação no atendimento ao público apenas. E muitos (não generalizando) depreciam o trabalho deste profissional não policial.
para os canais superiores da justiça.23 A
relação de poder existe nesta prática, e não
existirá uma co-responsabilidade, e sim toda a
supremacia e total responsabilidade do saber
encampador, ou seja, do Delegado, sem
compartilhar com demais saberes abaixo do
campo hegemônico já instituído. Nas
delegacias de polícia mineiras e baianas, nota-
se que nas DEAM`s há evidências de práticas
pluri-auxiliares, onde tanto o Serviço Social
como a Psicologia, são setores subalternos,
tendo as suas funções delegadas
eventualmente pela figura “imperialista” do
delegado ou do profissional policial
responsável pela DP. No caso das delegacias
especializadas na área de proteção à infância
e a adolescência, tanto nos contextos
mineiros e baianos, há evidências de práticas
pluridisciplinares, cujo trabalho coletivo
possui vários objetivos e finalidades, e
nenhuma coordenação, porém tanto a
triagem como o acolhimento das vítimas de
violência doméstica são feitas tanto por
23
Segundo o MP, o inquérito em “pacote” é aquele que
não contém ligação dos fatos com o delito propriamente dito, fazendo com que o mesmo seja questionado e que a lavratura seja refeita na DP de origem. Passando desapercebido pelo MP e pelo Poder Judiciário, pode ser questionada pela defesa do(a) acusado(a) em questão – prática que ocorre bastante.
Investigação e Debate (19)
67
assistentes sociais, psicólogos e demais
profissionais policiais.24 .
3.CONCLUSÃO: “O OLHAR – FAZER
INTERDISCIPLINAR” – UMA REALIDADE
PONTUAL.
Embora a presença do campo hegemônico do
Direito positivo já descrito, há casos pontuais
vivenciados dentro de uma DP, em que pode-
se visualizar o “olhar interdisciplinar”, retirado
de Sá(1995), e apropriado nas discussões
entre o profissional não policial25 e os demais
policiais de uma determinada equipe de
plantão, constituída pelo Delegado de
Plantão, dois Inspetores de Polícia, dois
Oficiais de Cartório e um Investigador de
Polícia. Nos casos crescentes e corriqueiros de
violência intrafamiliar na região chegada à DP,
foram feitas várias reuniões, que foram frutos
de conversas ocasionais do delegado com o
supervisor de atendimento social (SAS),
depois socializadas com os demais
profissionais policiais. O objetivo em comum
24
No contexto fluminense (Estado do RJ), nenhuma
delegacia especializada na proteção da infância e adolescência fez parte da pesquisa. No Programa Delegacia Legal eram denominadas de DPCA´s (Delegacias de Proteção da Criança e Adolescente).
era como lidar, e como fechar os inquéritos de
forma mais completa possível e concisa, para
que não houvesse impunidade, e que a(s)
vítima(s) fosse(m) bem encaminhada(s) aos
serviços de referência.
A coordenação do plantão tendo a
centralidade na figura do delegado, definia
apenas os procedimentos e não o resultado,
pois o mesmo deveria ser construído por
todos, além de buscar possíveis resoluções ou
ramificações. A horizontalização das relações
de poder era notório durante tais
intervenções, cujo objetivo primordial era a
identificação de um axioma em comum, ou
seja, o inquérito fechado e sem falhas, com
desdobramentos que não ficassem apenas nas
muralhas do Direito Penal. A questão da
punição legal e a obtenção inquisidora da
verdade tornam-se importantes, mas não
centrais. A vítima, o seu contexto sócio-
familiar, o conhecimento da legislação
específica e o sistema de proteção social
tornaram-se parte dos saberes construídos
por esta equipe. A não re-vitimização destas
vítimas também tornou-se ponto central,
25
O profissional não policial em questão é o autor deste
O Serviço Social em Equipe Interdisciplinar no âmbito Policial » Michael Hermann Garcia
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embora houvesse dificuldades, mas a
preocupação era eminente. No caso de
vítimas abaixo dos 12 anos de idade, o papel
do supervisor de atendimento social (SAS) era
de suma importância na confirmação e na
coleta dos dados sobre o fato ocorrido.
Este saber construído rendeu resultados
expressivos para esta equipe, onde não só o
delegado, coordenador desta edificação, é o
responsável pelo inquérito, mas os
profissionais policiais e o profissional não-
policial – responsável pelo Atendimento
Social26 – assinam o corpo do documento final
que era encaminhado (sem retorno) para o
Ministério Público (MP) e à Vara Criminal
correspondente.
A experiência interdisciplinar nesta DP era
mais recorrente nos casos extremados de
violência cometida contra crianças e
adolescentes. Nos casos de violência contra a
mulher, em sua maioria, não eram resolvidas
de forma interdisciplinar já descrita,
excetuando nos casos onde a violência
doméstica respingava na prole.
trabalho que ocupava o cargo de Supervisor de Atendimento Social dentro do Programa Delegacia Legal. 26
Geralmente ocupados por assistentes sociais.
Nos contextos mineiros e baianos, a postura
interdisciplinar não está presente nem nos
assistentes sociais, nem nos demais
profissionais policiais. Há uma subalternidade
sócio-técnica e profissional, que segundo
Netto (1998) tais profissionais, possuem
apenas uma auto-imagem subalterna, que
executam terminalmente aquilo que é
determinado pelas instâncias e campos do
saber superiores, construindo a sua
imaterialidade a favor do status quo vigente,
balizado pela estrutura arcaica e policialesca
do Estado brasileiro. Logo, a
instrumentalidade baliza a imaterialidade da
profissão a favor das classes subalternas, que
materializam o objeto fundante da profissão
de Serviço Social (Iamamoto, 1998 e Guerra,
2000); o que não foi evidenciado nas
delegacias de polícia pesquisadas em MG e
BA.
Fecha-se este trabalho após a exposição sobre
as experiências relatadas não só pelo autor,
mas pelos profissionais envolvidos nos casos
relatados. Tratou-se da atuação dentro do
âmbito policial, que neste estudo é um espaço
em microescala do que o Estado e o meio
Investigação e Debate (19)
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societário concebem sobre o tema Violência
Doméstica. Mesmo notando-se que os
profissionais envolvidos possuíam
conhecimentos específicos dessa temática
dentro dos campos de saber os quais
pertencem, o “olhar e o fazer interdisciplinar”,
não seguiu o seu percurso integral; não se
conseguiu construir e resultar um saber novo
e autêntico, pois mesmo com todo o apoio do
grupo gestor do Programa “Delegacia Legal”, a
organização e a prática adotadas ainda
impedem que os novos caminhos cheguem à
sua conclusão. Em casos pontuais e focais não
há a ponte necessária e nem tempo
necessário para se fazer o elo para se chegar a
este saber novo, embora as experiências, na
escala micro, resultaram em avanços
importantes, que não podem ser desprezados.
O que se pode colocar como principal fator
que obstrui o caminho é a presença da velha
estrutura arcaica da Polícia Civil ainda
presente nos três estados da federação
citados (RJ,MG e BA), demonstrada que ainda
perdura a cultura do estado de exceção bem
presente em nosso país: “até que se prove o
contrário, você é culpado!”
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