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UFRRJ
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE
DISSERTAO
O Morro das Andorinhas e a nossa famlia uma histria s: Famlia e
territrio de parentesco em uma
Unidade de Conservao de Proteo Integral.
Juliana Lopes Latini
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE
CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE
O MORRO DAS ANDORINHAS E A NOSSA FAMLIA UMA HISTRIA S: FAMLIA E
TERRITRIO DE PARENTESCO EM UMA
UNIDADE DE PROTEO INTEGRAL.
JULIANA LOPES LATINI
Sob a orientao da Professora Doutora: Maria Jos Teixeira
Carneiro
Dissertao submetida como requisito parcial para a obteno do grau
de Mestre em Cincias, no Curso de Ps-Graduao em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade.
Niteri, RJ Outubro de 2010
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306.83 L356m T
Latini, Juliana Lopes O Morro das Andorinhas e a nossa famlia
uma histria s: famlia e territrio de parentesco em uma Unidade de
Conservao de Proteo Integral / Juliana Lopes Latini, 2010. 124
f.
Orientador: Maria Jos Teixeira Carneiro Dissertao (mestrado)
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Cincias
Humanas e Sociais. Bibliografia: f. 118-122
1. Territrio de parentesco - Teses. 2. Conservao ambiental -
Teses. 3. Morro das Andorinhas - Teses. I. Carneiro, Maria Jos
Teixeira. II. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Instituto de Cincias Humanas e Sociais. III. Ttulo.
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE
CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE
JULIANA LOPES LATINI
Dissertao de mestrado submetida como requisito parcial para a
obteno do grau de Mestre em Cincias, no Curso de Ps-Graduao em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, rea de Concentrao em
Natureza, Cincia e Saberes.
DISSERTAO APROVADA EM / /
____________________________________________
Maria Jos Teixeira Carneiro - UFRRJ (Orientadora)
_______________________________________________
John Cunha Comerford - UFRRJ
________________________________________________
Mnica Cox de Britto Pereira - UFF
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Dedico esta dissertao a Amrico de Souza Fernandez, seu Bichinho,
e
a Ada Dutra de Abreu que me receberam em sua casa. Os seus
cuidados comigo ajudaram a diminuir a inicial sensao de
estranhamento e a me sentir em casa.
Seu Bichinho, eu e Ada no quintal de sua casa. Ao lado, Naplio,
um dos cachorros da casa (Acervo pessoal).
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho o fruto da minha trajetria pessoal e acadmica.
Tenho muito a agradecer pelas pessoas que encontrei ao longo desse
caminho. Muitas delas marcaram-me com os aprendizados que deixaram.
Sou muito grata a Deus por todas essas experincias vividas. Aos
meus pais, agradeo por terem sido os meus primeiros professores.
Por todo o esforo empreendido para minha formao, pelo incentivo,
carinho e pela dedicao. Ao Guilherme e Paloma, meus irmos, tenho
muito a agradecer. Verdadeiros companheiros, sempre presentes,
tanto nos momentos de alegria, quanto de dificuldades. Ao Pedro
agradeo por ter ensinado-me a acreditar nos meus sonhos. Agradeo
aos moradores do Morro das Andorinhas por terem me proporcionado
esta convivncia. Agradeo a pacincia, a hospitalidade, os cuidados e
ensinamentos. Maria Jos Carneiro agradeo por todo o trabalho
dedicado minha orientao. Sempre criteriosa, e tambm compreensiva,
paciente e motivadora. Obrigada, com todo o meu corao! Aos demais
professores do CPDA - John Comerford, Regina Bruno, Verncia
Secreto, Hctor Alimonda, Elisa Guaran e Ftima Portilho - agradeo
pelas discusses, leituras, sugestes e ateno. Agradeo em especial,
aos professores John Comerford, Teresa Rosa e Mnica Cox pelas
importantes contribuies na qualificao do projeto e na defesa da
dissertao. Tenho muito a agradecer aos meus companheiros de turma.
Tornarmo-nos verdadeiros amigos. Cada um marcou-me de maneiras
diferentes. Manu, Bernard, Aline, Elicardo, Z, Sergio, Felipe,
Fernanda, Julia, Sheila, Marcelo, Hugo; no tenho palavras para
expressar tudo que vivi e aprendi com vocs. No posso deixar de
ressaltar a minha gratido a todos, por terem dividido seu precioso
tempo em ajudar-me sempre que precisei. Agradeo a todos integrantes
do NUFEP, em especial, a Ronaldo Lobo, Fbio Reis Mota, Roberto Kant
de Lima e Lnin Pires. Obrigada por ter apresentado-me antropologia,
aos pescadores de Itaipu e aos moradores do Morro das Andorinhas.
Sou grata pela oportunidade e por terem acreditado em mim. Ao
participar do Ncleo, aprendi muito com as discusses, leituras,
orientaes e a realizao de trabalhos. Desejo agradecer Marcella
Beraldo pelas leituras, sugestes, crticas e incentivos. Obrigada de
corao! s amigas, Lvia, Luiza, Camila, Morgana, Maya, Maria, F, Liu,
Marliete e J! Amo vocs! Obrigada pelos ouvidos, ombros, colos,
incentivos e oraes. Laura Frana e Eliana Leite sou grata pelas
conversas proveitosas e pelos emprstimos de materiais. Minha
gratido aos funcionrios do CPDA - sempre solcitos, pacientes e
eficientes. CAPES por ter viabilizado a realizao desta pesquisa.
Todos contriburam para a concretizao deste trabalho, mas a
responsabilidade do seu contedo cabe somente a mim.
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RESUMO
LATINI, Juliana Lopes. O Morro das Andorinhas e a nossa famlia
uma histria s: Famlia e territrio de parentesco em uma Unidade de
Conservao de Proteo Integral. 124p. Dissertao de Mestrado em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Instituto de Cincias
Humanas e Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
Seropdica: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.
O objetivo dessa dissertao foi compreender como a questo pblica
ambiental se expressa nas relaes familiares e no cotidiano do grupo
social afetado. A metodologia da pesquisa baseou-se em trabalho de
campo com observao participante. O recorte espacial o Stio da
Jaqueira, localizado no topo do Morro das Andorinhas, regio ocenica
do municpio de Niteri, RJ. Entre as interferncias promovidas pela
transformao dessa rea em preservao permanente (APP) e,
posteriormente, Parque Estadual da Serra da Tiririca, destacou-se a
formao da Associao de Moradores da Comunidade Tradicional do Morro
das Andorinhas por integrantes de uma nica famlia. Nesse sentido,
buscou-se compreender o que acontece quando a famlia vira uma
entidade pblica. Recorreu-se noo de territrio de parentesco,
baseado nas lgicas de reciprocidade e pertencimento ao lugar para
entender os modos de viver e de habitar dos moradores do Stio da
Jaqueira. A sobreposio de um territrio de preservao torna esse o
contexto social mais complexo e ambguo. A Associao de Moradores foi
compreendida como uma entidade hbrida, regida ao mesmo tempo pelas
regras da casa das relaes familiares e as da rua das relaes com os
de fora. Esta entidade pblica entendida pelos moradores como um
instrumento necessrio para lutar pela permanncia no lugar e pela
manuteno de seus modos de vida. A pesquisa revelou a versatilidade
deste sistema organizativo local que, ao mesmo tempo em que tenta
uma convivncia com as novas regras impostas pelo poder pblico, no
abre mo da conservao desse territrio como de parentesco.
Palavras-chave: Territrio de parentesco, Conservao ambiental,
Morro das Andorinhas.
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ABSTRACT
LATINI, Juliana Lopes. O Morro das Andorinhas e a nossa famlia
uma histria s: family and kinship territory in a integral
protection conservation unit. 124 p. Masters Dissertation in Social
Sciences. Instituto de Cincias Humanas e Sociais, Programa de
Ps-graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade. Seropdica: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
2010.
The purpose of this dissertation is to understand how the
environmental public subject interferes in the familiar
relationships and in the affected social group daily. The
methodology used in this research is based on fieldwork and
participative watching. The studied space is Stio da Jaqueira,
located on top of Morro das Andorinhas, on shore, in the city of
Niteri, RJ. Among the observed interferences since the region
became a permanent preservation area and eventually Parque Estadual
da Serra da Tiririca, we can highlight the foundation of an
association of neighbors from Morro das Andorinhas by relatives
from one family only. Thus, we tried to understand what happens
when a family becomes a public representative. We are based on the
notion of kinship territory, which refers to the reasoning of
reciprocity and belonging to a place, to understand how the
inhabitants live in the Stio da Jaqueira. The superposition of a
preservation territory makes this social context more complex and
more ambiguous. The neighbors association was understood as a
hybrid entity, regulated by inside and outside rules, that is,
familiar rules and rules from the relationship with people who do
not belong to the family. This public entity is understood by the
neighbors as a necessary tool for fighting for living there and for
keeping their way of life. This research showed the versatility of
this local system, where we try to balance the new rules imposed by
the State and the conservation of this region as a kinship
territory.
Key-words: kinship territory, integral protection conservation
unit, Morro das Andorinhas.
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SUMRIO
1. INTRODUO
..............................................................................................................
01
2. CAPTULO I - O STIO DA JAQUEIRA 2.1. O Morro das Andorinhas
como territrio de preservao
............................................... 11 2.2. Uma histria
da ocupao no Morro das Andorinhas
..................................................... 18 2.3. Aqui
s mora famlia
.....................................................................................................
24 2.4. O Stio da Jaqueira como um territrio de parentesco
.................................................... 37 2.4.1 Terra
abundante, gua escassa
.....................................................................................
44
3. CAPTULO II - CASA E FAMLIA DO MORRO DAS ANDORINHAS
3.1. A comunidade na hermenutica local
............................................................................
49 3.1.1. A pesca artesanal, a roa e o trabalho em outras
atividades...........................................74 3.2. Uma mo
lava a outra e as duas lavam o rosto
............................................................. 77
3.3 Minha famlia do Morro.
..............................................................................................
84
4. CAPTULO III - QUANDO A FAMLIA VIRA ASSOCIAO DE MORADORES
4.1. A casa se foi, mas a nossa luta no
................................................................................
92 4.2. Tecendo relaes entre pblico e privado
....................................................................
102 4.2.1. O dono do Morro: relaes de poder local
............................................................... 102
4.2.2. Festa Junina: a celebrao das relaes sociais e polticas
......................................... 112
5. CONSIDERAES FINAIS
.......................................................................................
116
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
........................................................................
118
ANEXOS
ANEXO A: Quadro de
entrevistas..........................................................................................123
ANEXO B: Composio da Associao da Comunidade Tradicional do Morro
das
Andorinhas..............................................................................................................................124
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O Morro das Andorinhas a histria da nossa famlia. Nossa famlia
reunida aqui em cima, no tem nada que separar
(Seu Bichinho).
Seu Bichinho no topo do Morro das Andorinhas aponta para a ilha
ao fundo e conta as histrias de quando pescava (Acervo
pessoal).
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1
1. INTRODUO
Nada nos pode ensinar melhor lio do que o hbito mental que nos
permite tratar as crenas e valores de outro homem do seu prprio
ponto de vista (Malinowski, 1978).
A conservao da natureza ganha maior dimenso em terras
brasileiras com a
promulgao da Constituio Federal de 1988. O artigo sobre o meio
ambiente, n 225, impe ao poder pblico e coletividade o dever de
defend-lo e preserv-lo para as presentes e as futuras geraes atravs
da definio de espaos territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos. Desde ento, o poder pblico passa a ter a
incumbncia de criar
reas protegidas e preservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Conservar a natureza passou a significar priorizar o
direito de uso pblico das reas naturais protegidas.
Sob essa base constitucional e aps muitos debates concebeu-se a
legislao do Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC)1 no
qual as categorias e definies de unidades de conservao so
apresentadas (Bensusan, 2006). A partir do SNUC unifica-se e
integra-se, em um nico sistema, as diversas categorias legais j
criadas at ento, sendo divididas em dois grupos, com caractersticas
especficas: Unidades de Proteo Integral; e; Unidades de Uso
Sustentvel. De maneira geral, o objetivo bsico da primeira
preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus
recursos naturais, enquanto a segunda compatibiliza a conservao da
natureza com o uso sustentvel de parcela dos seus recursos
naturais. Durante o perodo de discusso do SNUC, desenvolveram-se
intensos debates e disputas entre os defensores do
conservacionismo, apoiando um modelo restritivo de reas protegidas
versus os socioambientalistas, defendendo o direito permanncia de
populaes nativas nos territrios protegidos, numa tentativa de
conciliar seus modos de vida, atividades
econmicas e os objetivos de conservao. Para esse estudo
interessa adentrar no grupo das Unidades de Proteo Integral2,
mas
especificadamente na categoria Parque. Segundo as normas
vigentes no SNUC, o Parque de
1Lei n. 9.985/00. 2O grupo das Unidades de Proteo Integral
composto pelas seguintes categorias de unidade de conservao: Estao
Ecolgica; Reserva Biolgica; Parque Nacional; Monumento Natural; e,
Refgio de Vida Silvestre. Dentre essas modalidades, para esta
pesquisa interessa em especial a categoria Parque Nacional, que ao
ser criada pelo Estado ou Municpio, so denominadas,
respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.
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2
posse e domnio pblicos, voltado para a preservao de ecossistemas
naturais de grande relevncia ecolgica e beleza cnica, assim como
para a realizao de pesquisas cientficas e o desenvolvimento de
atividades de educao e interpretao ambiental, de recreao em contato
com a natureza e de turismo ecolgico. Neste universo, destaco o
Parque Estadual da
Serra da Tiririca (PESET), localizado na Regio Ocenica de
Niteri, rea metropolitana do Rio de Janeiro.
A criao do PESET foi aprovada e sancionada com a lei estadual n
1.901, em 29/11/1991 (Giuliani et al, 2008), mas os limites
definitivos foram estabelecidos somente no final do ano de 2007. A
votao da delimitao definitiva realizou-se na Assembleia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), atravs da qual decidiu-se pela
anexao do Morro das Andorinhas, limite natural entre as praias de
Itaipu e Itacoatiara.
Imagem de satlite de parte da Regio Ocenica de Niteri,
compreendendo os bairros de Itaipu, Itacoatiara, Camboinhas, parte
de Piratininga e Engenho do Mato. O Morro das Andorinhas
localiza-se no bairro de Itaipu, e estabelece o limite entre as
praias de Itaipu e Itacoatiara. Na praia de Itaipu, ao p do Morro
das Andorinhas forma-se uma enseada, e, se em continuao ao Morro,
vem-se trs ilhas: Ilha da Menina, Ilha do Pai e a Ilha da Me. As
praias de Itacoatiara e de Itaipuau so separadas pela Serra da
Tiririca, pela qual demarcada os limites dos municpios de Niteri e
Maric. (Fonte Google Earth.)
oportuno salientar que a instaurao da preservao ambiental do
Morro das Andorinhas e da Serra da Tiririca iniciou-se em 1990,
quando suas reas territoriais foram declaradas como rea de
Preservao Permanente, segundo as Leis Orgnicas do municpio
-
3
de Niteri3. A APP uma categoria restritiva que pertence ao Cdigo
Florestal (Lei n 4.771 de 15 de setembro de 1965), cuja funo
preservar os recursos hdricos, a paisagem, a estabilidade geolgica,
a biodiversidades, o fluxo gnico de fauna e flora, e proteger o
solo.
A transformao destas reas em APP foi fruto das diversas presses
realizadas pela
sociedade civil4, que a partir da dcada de 1980, comearam a
reagir contra o modelo desenvolvimentista e a poltica da ocupao
vigente no municpio de Niteri e Maric
(Simon, 2003). Entretanto, este aparato legal municipal de
proteo Serra no impediu a incidncia dos projetos imobilirios, de
explorao mineral, de cultivo de banana, de invases, desmatamentos,
queimadas, caa e extrao ilegal de plantas nativas. (Simon,
2003:125).
A categoria Parque foi acionada, sob a justificativa de possuir
mecanismos mais eficientes para impedir a devastao, na medida em
que estaria sob a responsabilidade do
estado, e no mais do municpio. Desde o momento em que se iniciou
a discusso para preservar a Serra da Tiririca e o Morro das
Andorinhas a questo da diversidade de usos e ocupaes existentes em
seu interior passou a ser colocada, j que a rea considerada
historicamente habitada por comunidades locais de pescadores e de
colonos em terras desapropriadas para plano de ao agrria (Simon,
2003).
A recorrncia da presena de populaes nativas uma situao
verificada nas Unidades de Conservao de Proteo Integral em diversos
locais do mundo, em especial em regies densamente povoadas, como no
caso do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Este tem a
especificidade de ter populao no interior da maior parte das
unidades de conservao
restritiva, gerando uma srie de conflitos que incidem
negativamente sobre a conservao da rea e sobre o modo de vida das
populaes locais5 (Diegues & Nogara, 1999).
Dentre a multiplicidade de conflitos scio-ambientais envolvendo
populaes locais no Parque Estadual da Serra da Tiririca, esta
pesquisa selecionou o topo do Morro das Andorinhas e seus
moradores. A investigao baseou-se no trabalho de campo e na
observao participante e buscou desvendar as particularidades do
modo de vida destes
moradores. De antemo, posso adiantar ao leitor algumas dessas
caractersticas: antiguidade da ocupao; relaes de parentesco e
afinidade entre seus membros; relao de
3 Atravs do decreto municipal n 5.902, de 05/06/90. A Lei
Orgnica de Maric, em seu artigo 339, declara a
Serra da Tiririca como rea de Proteo Ambiental. 4Em especial
representados por militantes ambientalistas, como veremos a seguir.
5 A dimenso dessa questo pode ser percebida quando verificamos que
no Estado do Rio de Janeiro at 2002,
foram criadas 29 UCs, sob jurisdio estadual, abrangendo 109.000
ha de reas de proteo integral (parques, reservas e estaes
ecolgicas) e 194.400 ha de uso sustentvel (reas de Proteo Ambiental
- APAs) (Diegues & Nogara, 1999).
-
4
pertencimento ao lugar; relao com a pesca artesanal de Itaipu;
relao com grupos de pesquisadores acadmicos; e, a prpria constituio
da Associao da Comunidade Tradicional do Morro das Andorinhas
(ACOTMA).
A construo do objeto de pesquisa se deu em funo da problemtica
terica, trabalhada nas disciplinas do curso de mestrado, e do
convvio com os moradores, proporcionado pelo trabalho de campo.
Estes dois elementos fizeram-me perceber a famlia
como um das principais formas de organizao social local, e, a
partir disso, direcionei o meu olhar sobre esta lente, com a qual
busquei problematizar o contexto da preservao da biodiversidade a
partir da perspectiva da famlia e do cotidiano. importante
ressaltar que a discusso pelo vis da famlia no foi aprofundada
pelos trabalhos anteriores (Simon, 2003; Mendes, 2004; Lobo, 2006;
Maranho, 2007; Mota, 2009).
O sentido da categoria famlia acionada nesta dissertao o mesmo
usado por
Comerford (2003). Na pesquisa busco incorporar a concepo de
famlia, que abrange a dinmica destas relaes sociais, assim como a
noo de territrio de parentesco, definidos atravs da conjugao
famlia, localidade e reputao. A noo de territrio de parentesco
acionada como uma opo analtica para descrever o sistema
organizativo deste grupo social. Para Comerford (2003) mais
adequado, em termos de anlise, falar em:
processos de familiarizao e desfamiliarizao do que,
propriamente, em famlias como unidades empiricamente delimitadas. A
familiaridade da famlia e daqueles que so como famlia est sempre
sendo posta prova, e essas provas passam pela interpretao mtua dos
atos e relatos. Estas prticas e retricas de familiarizao so formas
de sociabilidade, que por sua vez, definem territrios de
parentesco.
Esta pesquisa inspirou-se nos trabalhos de Comerford intitulado
Como uma famlia: sociabilidade, territrios de parentesco e
sindicalismo rural, publicado em 2003, e de Mariana Pantoja
intitulado Os Milton: cem anos de histria nos Seringais, publicado
em 2004. Os dois so frutos de pesquisa etnogrfica e tm como eixo a
famlia e o parentesco, sendo que o
primeiro analisa o Sindicato dos trabalhadores rurais da Zona da
Mata Mineira e o segundo destaca o trabalho e a atuao poltica dos
Milton no contexto da formao da associao dos seringueiros e da
Reserva Extrativista no Alto Juru AC.
A questo central da pesquisa : em que medida a transformao desse
territrio social6 em condio de Unidade de Conservao restritiva e a
criao de uma Associao de
6 (Raffestin, 1986)
-
5
Moradores para liderar o movimento de resistncia a essa
desterritorializao7 marcam o cotidiano e a dinmica das relaes
sociais do grupo do Morro das Andorinhas? A justificativa dessa
pesquisa a importncia de trazer tona as narrativas dos moradores do
Morro das Andorinhas, pelo fato de por meio delas estes atores
sociais tomarem a palavra,
anunciarem-se como sujeitos, contarem as suas histrias e suas
perspectivas sobre o contexto vivenciado: o Parque Estadual da
Serra da Tiririca e a Associao de Moradores. Alm de
tratar este estudo como um compromisso com a histria local, para
que essas histrias no se percam, a pesquisa busca contribuir para a
visibilidade das formas de sociabilidade de populaes que vivem em
territrio especialmente protegidos.
A realizao dessa pesquisa mostra-se relevante visto que os
demais estudos
realizados no local, apesar de contriburem imensamente ao
debate, no esgotaram toda a complexidade envolvida na questo.
Considero como um dos diferenciais desta pesquisa o
tipo de envolvimento que se travou entre a pesquisadora e os
moradores atravs do trabalho de campo e da tcnica da observao
participante. Esta foi a segunda pesquisa na rea das Cincias
Sociais que tem como recorte espacial apenas o Morro das
Andorinhas, e a primeira que contou com a permanncia do pesquisador
no topo do Morro, dormindo e acordando em uma das casas durante o
perodo de um ms.
A pesquisa de campo realizou-se especialmente nos locais de
moradia e convvio do grupo familiar do Morro das Andorinhas, assim
como nas reunies do conselho consultivo do Parque Estadual da Serra
da Tiririca RJ. O perodo da primeira estadia no Morro foi de quinze
dias no ms em maro de 2009, e mais quinze dias no ms de agosto
deste mesmo ano. Entretanto, no intervalo entre uma ida e outra,
assim como aps a ltima, frequentei o local com diferentes graus de
intensidade, e sempre estabeleci contato, mesmo que por
telefone.
Durante todo o trabalho de campo, busquei participar de diversas
atividades sociais que envolviam os membros da comunidade, como por
exemplo, assistir o futebol, jogar vlei, churrascos, aniversrios,
ch-de-beb, festa junina, cultos em igreja evanglica, tomar conta de
crianas, etc. Em um primeiro momento, realizei conversas informais
e em seguida,
selecionei informantes-chaves e realizei entrevistas
semi-estruturadas com roteiro previamente definido.
7 (Haesbaert, 2004).
-
6
1.1. Insero no Campo
O meu contato com os moradores do Morro das Andorinhas iniciou
entre os anos 2004 e 2005, quando na graduao de Histria na UFF, fui
bolsista de iniciao cientfica
concedida pelo CNPq, orientada pelo antroplogo Roberto Kant de
Lima, este coordenador do Ncleo Fluminense de Estudos e Pesquisas
(NUFEP-UFF). Essa pesquisa tinha como objetivo refletir sobre a
pesca em Itaipu atravs da histria de vida de um pescador artesanal,
na poca mestre de uma companha de pesca de arrasto de praia8. Na
ocasio, realizei trabalho de campo na praia de Itaipu e conheci
diversos pescadores e pescarias, atravessadores, limpadores de
peixe, vendedores, pesquisadores, estes que predominavam da rea de
biologia.
Durante o perodo que realizava o trabalho de campo para essa
pesquisa, participei de muitas reunies onde se discutia a tentativa
de implementao da Reserva Extrativista
Marinha de Itaipu (RESEX-MAR ITAIPU) 9. O NUFEP estava bem
envolvido nesse debate, e por conta disso, seus pesquisadores
participavam de reunies e encontros com os pescadores e
representantes institucionais. O Ncleo confeccionou um folder
explicativo sobre a Reserva Extrativista, no qual exibia em sua
capa a foto de um pescador atando10 a rede na praia. Este pescador
tempo depois viria a conhecer, era o seu Bichinho.
Nesse contexto, participei de inmeras reunies e alguns
encontros, como o IV Encontro dos Povos das guas em dezembro de
2004, realizado, em So Joo da Barra, RJ. O evento buscava
proporcionar um dilogo entre as organizaes formais e informais de
pescadores com o poder pblico, ONGs, universidades, institutos de
pesquisa, empresas e
autoridades. Seu principal objetivo era identificar solues para
os problemas do meio ambiente, da pesca e da aquicultura. Neste
evento conheci a mestranda do Programa da
EICOS/UFRJ, que por sua vez me convidou para assistir a defesa
de sua dissertao sobre o conflito scio-ambiental no Morro das
Andorinhas. Eu aceitei o convide e pude me aproximar da questo
vivenciada pelos moradores.
A memria me falha quando tento lembrar-me da primeira ida ao
Morro das
Andorinhas, mas de fato o meu maior contato com a questo dos
moradores iniciou-se no ano
8 A categoria pescador definidora apenas em relao ao no
pescador. Internamente, ela nada esclarece. A
pesca de Itaipu possui uma organizao complexa, e apesar de ser
tratada como uma unidade, no homognea. Em Itaipu, as pescarias so
classificadas atravs de pescarias de canoas pequenas - tambm
conhecida por de emalhar, de rede de espera, rede alta ; e de
pescaria de canoas grandes tambm designadas por de arrasto, de
redes de arrasto ou de arrasto. As equipes que pescam em uma
determinada pescaria so denominadas companha, categoria que
significa tanto o ato de pescar como o conjunto de aparelhos
pertencentes a um dono de pescaria. (Kant de Lima, 1997, p 80-98)
9Para mais detalhes ver Lobo (2006:143-155). 10
Na realidade local significa remendar as partes da rede que
foram rasgadas durante a pesca.
-
7
de 2007, quando acompanhei as discusses sobre a anexao do Morro
ao Parque Estadual da Serra da Tiririca. Por esse envolvimento ao
longo desses anos, participei de algumas festas juninas da
comunidade, de reunies da Associao dos Moradores do Morro, da
homenagem da entrega da medalha Tiradentes ao seu Bichinho em
Itaipu e da votao dos limites do
Parque Estadual da Serra da Tiririca, na Assemblia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro, ALERJ.
O meu contato com os moradores se deu atravs do NUFEP/UFF e da
Associao de Moradores, e por isso, conheci primeiramente os membros
que dela se engajavam. Ao ingressar no mestrado do CPDA/UFRRJ,
retomei os contatos com os moradores do Morro, mas
especificadamente, o presidente da Associao. Nas minhas tentativas
de aproximao, o presidente mostrava-se sempre solcito e bastante
atencioso, mas, ocupado com seus trabalhos pessoais. J seu Bichinho
e seu filho Marcelo tinham mais disponibilidade e costumavam me
receber. Estes dois moradores tambm so atuantes na Associao; no
perodo da pesquisa ocupavam os cargos de Conselheiro Fiscal e
Vice-Presidente, respectivamente.
Nas ocasies que me dirigia ao Morro, costumava ir casa de seu
Bichinho e sentia uma grande receptividade tambm por parte dos
filhos, netos e esposa. Em uma visita realizada no dia 16 de
fevereiro de 2009, perguntei um pouco envergonhada ao seu Bichinho,
sobre a possibilidade de permanecer por alguns dias no Morro para
realizar o trabalho de
campo. Surpreendi-me com a pronta resposta: S depende de voc!
Logo me ofereceu um quarto vago em sua casa. As portas abertas
encontradas no campo foram fruto de uma relao
travada anteriormente pelos antroplogos da UFF, e percebi isto
claramente quando desejei contribuir com as despesas da minha
estadia e ouvi a resposta de Ada: Para de palhaada, est pensando
que aqui hotel! e seu Bichinho completou: Vocs j fizeram muito pela
gente. Quem d ajudinha aquele l de cima. Nesse momento senti que
tinha de certa forma ofendido os anfitries da casa, pois para eles
a minha estadia era compreendida como uma retribuio. Sem dvida,
essa referncia facilitou muito o incio da construo da relao de
confiana mtua entre mim e os moradores, mas no campo foi
necessrio o trabalho de compreenso e respeito das lgicas locais
para conviver com cada pessoa dessa rede.
Dias antes de ir a campo com mala e cuia senti muito medo, de ir
ao desconhecido e l permanecer, sem saber se seria aceita, sem
saber se iria conseguir. Respirei fundo, fiz as minhas malas,
liguei avisando e fui. No caminho, seu Bichinho me ligou
perguntando se eu precisava de ajuda para subir o Morro com a
bagagem. Cansada de carreg-las, prontamente aceitei. Encontrei-o na
entrada da trilha e antes de subirmos, ele entrou num terreno
baldio e voltou com uma sacola de plstico cheia de limo que pegou
do p. Comeamos a subida, e,
-
8
quanto mais subia, mais ficava exausta. Subamos e seu Bichinho
conversava, sem sinal de cansao. O assunto era os problemas
relativos ao caminho, que uma trilha. Reclamava da subida de motos,
que deterioravam a trilha e tambm de visitantes usando drogas perto
da casa dos moradores, etc.
Enquanto subamos, desciam alguns moradores e tambm alguns
familiares de seu Bichinho. O primeiro que encontramos foi o neto
Douglas com dois amigos. Logo em
seguida, desceu o Euclides, genro e pai daquele neto. Logo
frente, cruzamos com um vizinho, este foi o nico ao qual fui
apresentada: Estou levando essa menina, vai ficar duas semanas na
minha casa para fazer um trabalho, vai encher o livro! (risos)(seu
Bichinho).
Ao chegarmos casa, Ada e alguns netos que l estavam me receberam
e seu
Bichinho foi preparar a limonada. Ada fritou uns peixes que seu
esposo ganhou de um amigo pescador em Itaipu e disse que foram
solicitados por causa da minha chegada. Em seguida
tomei banho e descansei um pouco, enquanto ao fundo escutava os
gritos do futebol no campinho. A minha presena era uma grande
novidade para todos e as crianas eram as que mais a
demonstravam.
Sentia-me muito constrangida de entrar na casa, usar o banheiro,
almoar, etc. No convvio, entretanto, as formalidades foram aos
poucos se quebrando, no que tenham-se perdido. importante dizer que
foram sendo quebradas, principalmente, pelos prprios moradores,
sempre me chamando a ateno, dizendo para ficar vontade, para me
sentir em casa; que ningum ia ficar fazendo tudo para mim a toda
hora, por isso, se eu quisesse beber gua, eu teria que busc-la, o
que significava abrir a geladeira.
Do sentimento de completo estranhamento, aos poucos fui me
acostumando, gostava de estar ali. Alis, nunca tinha estado em um
lugar como aquela com tantos parentes e afins.
Nunca convivera com uma famlia to grande, com tantas crianas
correndo, brincando, sorrindo e chorando para um lado e para o
outro. O sentimento que aos poucos fui tendo se aproximava com uma
estadia na casa dos meus avs, mesmo que de uma forma nunca antes
vivida. Nesta experincia, compartilhei um pouco do que os moradores
do Morro das
Andorinhas possuem de maior valor, a famlia. Um exemplo disso
foi quando algumas pessoas falavam: V l, entrega isso para seu pai,
se referindo a seu Bichinho, enquanto
Ada, a esposa de seu Bichinho, aos poucos foi me tratando como
filha adotiva. No incio do campo o tom era mais de brincadeira. No
final, mais como uma demonstrao de carinho e cuidado com a minha
pessoa. Seu Bichinho e Ada se preocupavam se eu estava comendo;
se
-
9
estava muito magra; se sasse, demorasse e no telefonasse,
brigavam; quando precisei sair cedo, me chamavam: Juju, olha a
hora.
Seu Bichinho se tornou o meu informante principal, no s por ter
me recebido em sua casa, por sua disponibilidade, conhecimentos,
mas, principalmente, pelo seu envolvimento e
dedicao com a minha pesquisa. Ele chamava a ateno dos demais
moradores em relao minha presena e inclusive me dava orientao de
como me aproximar e conversar. Alm de
me acompanhar nas idas s casas de alguns familiares que no
moravam no Morro. Na construo da dissertao, optou-se pela
identificao dos demais moradores e familiares atravs das relaes de
parentesco ou afinidade que travavam com o EGO da pesquisa, com o
intuito de facilitar a compreenso das mltiplas relaes existentes
entre os membros:
vizinhana, parentesco, afinidade, associao de moradores, etc.
Essa opo, por outro lado, esbarra na inevitvel repetio.
1.2. Estrutura da Dissertao
O primeiro captulo intitula-se O Stio da Jaqueira. O captulo tem
como objetivo apresentar o histrico desta ocupao e analisar as suas
particularidades, nas quais, destaca-se a relao da famlia com o
lugar. A partir da forma de gesto local sobre o acesso s terras,
defino este territrio como sendo de parentesco.
O captulo Casa e famlia no Morro das Andorinhas busca aprofundar
os significados locais da noo de comunidade, atravs das noes
analticas casas e
configuraes de casas acionadas por Marcelin (1996). O intuito
descrever a comunidade, que composta por casas que possuem relaes
de interdependncia umas
com as outras, ou melhor, participam desta configurao de casas.
A ajuda mtua entre membros das configuraes de casas estabelece
circuitos de trocas de bens variados, como a circulao de crianas,
objetos, alimentos, etc. Esta reflexo no desconsidera o domnio em
que se exerce o princpio de autonomia e intimidade, mas antes busca
compreender o esquema
organizativo deste grupo familiar. O terceiro e ltimo captulo
intitula-se Quando a famlia vira Associao de
Moradores e seu objetivo analisar como esses atores sociais
compreendem e vivem a questo pblica ambiental. importante salientar
que o corte aqui empreendido em relao a esta dimenso pblica se d em
virtude de uma opo analtica, mas no corresponde a realidade
emprica, j que esta faz parte do cotidiano. Inicialmente realiza-se
um breve
-
10
balano desde a formao da Associao da Comunidade Tradicional do
Morro das Andorinhas (ACOTMA), em 2003, aps a demolio da casa
centenria, at a homenagem do morador mais antigo com a medalha
Tiradentes, em 2007. Em seguida, as relaes entre a associao e
famlia so analisadas atravs do nvel mais ntimo, a famlia e o
cotidiano.
-
11
2. CAPTULO I - O STIO DA JAQUEIRA
A natureza uma representao cultural e sempre ser um fenmeno de
ordem social, correspondendo a uma viso de mundo, dada no espao e
no tempo, o que no implica necessariamente uma separao cabal entre
a vida do homem em sociedade e a preservao da natureza (Viana,
2008).
O Stio da Jaqueira o recorte espacial da pesquisa, e localiza-se
no topo do Morro das Andorinhas11. O objetivo deste captulo
apresentar as particularidades desta ocupao e suas histrias. O
ponto de partida a contextualizao do processo de transformao do
Morro das Andorinhas em territrio de preservao, para em seguida,
tratar sobre a relao
dos moradores e/ou familiares com a localidade, o que denomino
por territrio de parentesco.
2.1. O Morro das Andorinhas como Territrio de Preservao
Mirante no topo do Morro das Andorinhas. Vista de parte da Serra
da Tiririca e do bairro de Itacoatiara. (Acervo pessoal).
A luta em prol da Serra da Tiririca e adjacncias partiu
inicialmente de aes isoladas de alguns tcnicos ambientalistas que
na dcada de 1980 j vinham chamando ateno sobre as agresses
ambientais sofridas na regio. A defesa da Serra ganhou maior fora
com a
criao do Movimento de Cidadania Ecolgica MCE, em 1989. O
Movimento era formado
11 A extenso da rea do Stio correspondia a 3,8 hectares,
conforme registro no INCRA (Mendes, 2004).
-
12
por militantes ambientalistas com grande atuao na cidade, alm de
bilogos, engenheiros florestais, segmentos do movimento comunitrio,
pesquisadores, vereadores e estudantes. (Simon, 2003). O Parque
Estadual da Serra da Tiririca torna-se a nica unidade de conservao
no Brasil criada por proposta no-governamental.
O MCE iniciou uma srie de trabalhos, projetos, programas tcnicos
e comunitrios e atuou intensamente na elaborao do projeto de lei da
Lei Orgnica de Niteri, no qual incluiu a Serra da Tiririca e o
Morro das Andorinhas como rea de Preservao Permanente APP. Os
ambientalistas tambm elaboraram o anteprojeto de lei12 para a criao
oficial do Parque Estadual da Serra da Tiririca junto ao ento
deputado estadual Carlos Minc e apresentaram Assemblia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).
Apesar de ser aprovada a criao do Parque, no se definiu os seus
limites. Criou-se uma rea de estudo a ser aprovada por uma comisso,
conforme expresso em 1993, atravs da publicao do decreto estadual13
que disps sobre os limites da rea de estudos para demarcao do
permetro definitivo do Parque. A partir desse ano, 1993, se
constituiu a Comisso Pr-Parque Estadual da Serra da Tiririca14,
atravs de resoluo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente SEMAM,
como garantia de participao da sociedade civil na definio dos
limites definitivos.
Os principais atores envolvidos na Comisso eram vinculados s
entidades ambientalistas e ao poder pblico. De acordo com Mendes
(2004: 103) a Comisso Pr-Parque era formada pelas prefeituras de
Niteri e Maric, por ONGs, Batalho Florestal, Instituto de
Engenharia Florestal (IEF) e pela Fundao Estadual de Engenharia e
Meio Ambiente (FEEMA).
Esta Comisso se constituiu em um campo de disputas que culminou
em uma proposta
de delimitao definitiva que reduziu os limites do Parque
substancialmente. Segundo Simon (2003:154) dois episdios marcam de
forma definitiva o processo de delimitao definitiva do PEST: a
escolha do critrio para a delimitao e a incluso de mais um segmento
de Mata Atlntica, o Morro das Andorinhas, que abriga, alm de uma
grande diversidade biolgica,
uma comunidade de pescadores tradicionais. Estes critrios de
incluso e excluso que a autora remete-se foram urbansticos, o que
provocou a reduo da rea original do PEST. A
proposta da anexao do Morro das Andorinhas foi uma sugesto
tcnica que defendia dois pontos: a rea do Morro era contgua ao
Parque e com as mesmas caractersticas ambientais,
12 Anteprojeto de lei n 1.341, em 27/11/90.
13 Decreto estadual n 18.598, em 19/04/93.
14 A Comisso foi criada pela portaria IEF/RJ/PR n. 68 de
26/-5/1999.
-
13
uma vez que a rea original estaria praticamente recomposta, ao
menos, nas questes relativas
beleza da paisagem (Simon, 2003:161). A ideia da anexao era uma
forma de viabilizar a liberao dos recursos j historicamente
comprometidos e alocados para o Parque, j que a reduo da rea
poderia complicar ainda mais a sua liberao.
Os moradores do topo do Morro das Andorinhas, apesar de estarem
intimamente envolvidos na questo, no participaram do processo de
definio dos limites do Parque
realizado atravs de tais comisses. Na poca da discusso sobre a
incluso do Morro ao PESET, mais especificadamente no ano de 2001,
ocorreu a demolio de uma das casas centenrias no local. Em
resposta, os moradores fundaram a Associao da Comunidade
Tradicional do Morro das Andorinhas ACOTMA, no ano seguinte,
200215.
Desde ento, esta questo passou a ser abordada em alguns estudos
acadmicos. Um destes foi uma dissertao do Programa de Ps-Graduao em
Cincia Ambiental, da
Universidade Federal Fluminense em 200316. A autora, envolvida
diretamente com a gesto de Unidade de Conservao no Estado do Rio de
Janeiro, analisou os conflitos do Parque Estadual da Serra da
Tiririca, e defendeu a necessidade de se construir o entendimento
do espao da conservao enquanto espao da gesto das relaes
scio-ambientais. Na discusso sobre as populaes tradicionais, um dos
casos abordados foi o dos moradores do Morro das Andorinhas,
definidos pela autora como pescadores tradicionais.
Outro estudo realizado foi a dissertao de mestrado do Programa
EICOS da UFRJ defendida em 200417. Nesta pesquisa, o conflito
scio-ambiental vivenciado pelo grupo de moradores do Morro das
Andorinhas foi a base da discusso sobre o conceito
desenvolvimento sustentvel. A metodologia adotada pela autora
foi o trabalho de campo e esta foi uma das primeiras vezes que os
moradores do Morro conviveram com pesquisadores
em suas moradias, sendo entrevistados, fotografados, etc. Um dos
pontos relevantes deste estudo foi a descrio detalhada da acusao de
degradao ambiental atravs de uma carta denncia que instaura o
inqurito civil e desencadeia uma ao civil que culminou com a
demolio da casa no local. Outro ponto relevante foi a realizao da
genealogia dos
moradores, pela qual se verificou a antiguidade da ocupao. Outro
trabalho acadmico foi a tese defendida no Programa de Antropologia
Social da
Universidade de Braslia, em 200618. O antroplogo busca construir
uma trajetria para as
15 Em 05/10/2002. Ver mais detalhes no captulo 3.
16(Simon, 2003). 17(Mendes, 2004). 18
(Lobo, 2006)
-
14
Reservas Extrativistas Marinhas enquanto uma poltica pblica e
incorpora outras situaes de Unidades de Conservao, como a
vivenciada no Morro das Andorinhas. Em relao ao caso do Morro, o
pesquisador aponta que esses indivduos ao buscarem na visibilidade,
uma identidade pblica fora e reforo para seu desejo de permanecer
vivendo no lugar onde sempre viveram, foram convidados a ingressar
em um novo universo cognitivo, mas desde que faam de forma
subalterna, sem poder tornar-se senhores dos seus prprios destinos.
O
antroplogo aponta que as construes de identidades de fora para
dentro, a resignificao de seus lugares como Unidades de Conservao
sob a gide do Meio Ambiente e submisso aos ditames do
Desenvolvimento Sustentvel, como um dos instrumentos mais comuns
neste aprisionamento.
Uma monografia do curso de Bacharel em Direito da UFF, defendida
em 2007, buscou analisar a defesa judicial do meio ambiente a
partir do caso do Morro das Andorinhas. A proposta do estudo foi
identificar as diferentes perspectivas adotadas pelos atores
envolvidos no conflito entre as distintas formas de apropriao do
espao territorial do Morro. A autora concluiu que o exerccio de
direitos culturais est assegurado pela Constituio, e a defesa
judicial do meio ambiente requer a considerao dos significados
atribudos concretamente aos elementos que o constituem, o que seria
impossvel se for adotado um conceito nico de meio ambiente
descolado das dinmicas sociais.
No ano de 2009 defendeu-se uma tese em Antropologia, vinculada
Universidade Federal Fluminense19, sobre os processos de mobilizaes
coletivas que envolvem demandas de direitos e de reconhecimento
vinculadas s reivindicaes de identidades diferenciadas,
como os "remanescentes de quilombos" e as "populaes
tradicionais". Um dos captulos desta tese discorre sobre o conflito
entre o Meio Ambiente e a Comunidade Tradicional do
Morro das Andorinhas. O antroplogo observou que, no caso do
Morro das Andorinhas, os modos em que estes atores lanaram mo para
justificar suas reivindicaes foram a mobilizao atravs da Associao
de Moradores e da tradicionalidade. Nesse momento j se configurava
outra imagem sobre a ocupao dos moradores, que deixaram de ser
vistos
como potenciais destruidores do meio ambiente, mas aqueles que
empreenderam esforos para a manuteno e conservao dos recursos
naturais do topo do Morro, impedindo
inclusive, a ocupao do mesmo por pessoas de fora (Mota, 2009).
Desde 1990, quando o Morro torna-se APP, at 2007, ano da anexao ao
PEST,
observou-se a conquista de maior visibilidade, legitimidade e
fortalecimento do grupo de
19 (Mota, 2009).
-
15
moradores do Morro das Andorinhas. A legitimidade conquistada
pelos moradores do Morro teve seu auge com a homenagem do morador
mais antigo, seu Bichinho. Este recebeu a medalha Tiradentes da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro20 em junho de
2007, na Praa de So Pedro, em Itaipu. O evento contou com a presena
do deputado
estadual, amigos, alguns pescadores, familiares, pesquisadores e
militantes. O contexto em que realizou esta homenagem de extrema
relevncia, visto que os limites definitivos do
PESET estavam para ser votados na ALERJ, que realizou-se no
final deste mesmo ano. A primeira tentativa de dilogo depois da
delimitao definitiva foi a participao dos
moradores nas reunies do Conselho Consultivo do Parque Estadual.
Neste perodo ocorria um projeto poltico-institucional desenvolvido
para a operacionalizao e facilitao dos processos dialgicos entre
sociedade civil e poder pblico, na constituio dos conselhos
consultivos (Irving et al., 2008). A resposta a este projeto de
fortalecimento dos Conselhos foi positiva, e as reunies passaram a
funcionar com regularidade e ampla participao, inclusive das
entidades representantes das populaes locais, como os pescadores de
Itaipu, os sitiantes do Engenho do Mato, os ndios de Camboinhas e
os moradores do Morro das Andorinhas.
A participao das comunidades tradicionais nos conselhos
consultivos era incentivada pelo gestor da Unidade, que justificava
que todo o conflito tem que ser trazido para o conselho, se
resolver por aqui e achar equaes de gesto por aqui 21. A participao
destas populaes prevista na Lei Federal (SNUC) e Estadual (Lei
Minc), mas a sua prtica fruto das mobilizaes destes atores sociais,
como o grupo de moradores do Morro, por exemplo.
Nos conselhos os moradores comearam a colocar suas demandas,
como a reclamao da falta de fiscalizao frente a visitantes
motorizados, o consumo de drogas prximo as suas
casas, a falta da liberao de gua encanada e luz eltrica de
qualidade. A representao da Associao neste frum foi avaliada pelo
presidente da Associao de forma positiva:
S da gente est participando desse Conselho, a gente ter voz, uma
coisa boa. A gente falava, perguntava. Acho que vai ser muito bom a
ACOTMA est representada no Parque (Jos, Presidente da ACOTMA).
No Conselho formaram-se Grupos de Trabalho classificados por
temas: turismo, populaes do entorno, e usos e ocupaes tradicionais,
mas os gestores enfatizavam que o trnsito para todos conselheiros
era livre entre qualquer reunio deste GTs. Durante o
20 Resoluo n119 de 28 de junho de 2007, concede a medalha
Tiradentes ao pescador Amrico Fernandes de
Souza, Sr. Bichinho. 21Gestor do PEST no perodo de 2007 a
2009.
-
16
perodo de campo, a GT de Usos e Ocupaes Tradicionais iniciava
suas atividades e era composto pelas seguintes entidades: Associao
dos Sitiantes Tradicionais da Serra da Tiririca (ASSET), Associao
da Comunidade Tradicional do Morro das Andorinhas-(ACOTMA),
Associao da Comunidade Tradicional do Engenho do Mato (ACOTEM),
Associao Livre de Pescadores e Amigos da Praia de Itaipu (ALPAPI) e
Associao da Comunidade Tradicional do Morro da Pea Duna Grande
(ACODUNA). Na reunio do dia 13 de junho de 2009 o GT produziu um
documento que enumerava as demandas, nas quais destaco a
seguir:
Que sejam delimitadas Zonas Histrico-Cultural-Antropolgicas,
contemplando todas as comunidades que habitam h vrias geraes a
regio do parque e seu entorno, hoje devidamente representadas por
suas organizaes formais, a saber: ASSET (Associao dos Sitiantes
Tradicionais da Serra da Tiririca e amigos), ACOTEM (Associao da
Comunidade Tradicional do Engenho do Mato), ACODUNA (Associao da
Comunidade Tradicional do Morro da Pea Duna Grande.) e ALPAPI
(Associao Livre de Pescadores e Amigos da Praia de Itaipu). No
Plano de Uso Tradicional do PESET, devero ser assegurados todos os
direitos das comunidades tradicionais, inclusive aqueles previstos
nos Tratados Internacionais dos quais o Brasil signatrio, como a
Conveno sobre a Diversidade Biolgica e Resolues da Organizao
Internacional do Trabalho, que a seguir elencamos: direito de
controle da terra e territrio; direito de acesso ao recurso
tradicional; direito aos lugares sagrados; direito ao conhecimento
prprio (direito de determinar o uso, a proteo e a compensao para o
seu conhecimento e tradies); direito de preservar a lngua,
simbolismos e modos de expresso locais.
A instaurao da preservao ambiental tambm proibiu o cultivo da
roa, o que tambm considerada uma grande perda e no faltam formulaes
que justifiquem a sua retomada. A demanda pela roa no se limita aos
moradores do Morro das Andorinhas, mas a
todas as entidades representantes do Grupo de Trabalho
intitulado por Usos e Ocupaes Tradicionais, composto pelas
seguintes entidade: como demonstra algumas solicitaes:
Definimos como fundamental uma poltica de segurana alimentar
voltada para estas populaes, contemplando, entre outras aes: 1-
Permisso para a prtica agroflorestal, resgatando uma prtica
tradicional de plantio, mas agora consorciando a regenerao
florestal com a produo de alimentos, tais como: milho, mandioca,
batata doce, inhame, banana, taioba, ora-pro-nobis, feijo guandu,
bertalha, e outros de importncia alimentar.
2- No permisso para a retirada de espcies exticas teis
comunidade tradicional, que inclusive possuem forte valor afetivo
para as mesmas, tais como espcimes de jaqueira, bananeira, caf
-
17
e outras, plantas locais que se encontram em plena adaptao
ecossistmica hoje.
3- Que seja feito com urgncia projeto de resgate do conhecimento
tradicional relativo ao uso medicinal e alimentar da vegetao
presente nos territrios tradicionais, pelo imenso valor que este
conhecimento representa para a toda a humanidade.
A contratao de um representante destas populaes nos projetos de
ecoturismo e educao ambiental era mais uma das solitaes dos membros
do GT. Neste caso, o pedido
foi atendido e um morador do Morro das Andorinhas foi contratado
para a funo de Guarda-Parque durante o perodo de um ano. Esta foi a
primeira vez em que um morador se beneficia diretamente e
oficialmente com o Parque, pois o turismo realizado no Morro das
Andorinhas no gera renda significativa para os moradores22.
Apesar do incio de um dilogo, estes no possuam um consenso e nem
um acordo concreto, firmado por ambas as partes de interesse. Essa
atual situao se d pela no
realizao do Termo de Compromisso Ambiental, e poder-se-ia dizer
que este foi o primeiro impasse vivenciado na relao entre
PEST/INEA/Comunidade. A tentativa de realizao do Termo de
Compromisso Ambiental passou pelo crivo do gestor, mas no pela sede
do INEA.
Nesta primeira tentativa de regularizar as condies de permanncia
buscou-se um
dilogo entre os direitos do Parque e da comunidade, embasada no
cumprimento da Lei 9.985/00 (Snuc) e na Lei Estadual 2.393/95
(Minc). Essa proposta de Termo de Compromisso Ambiental previa a
solicitao concessionria de gua e esgoto, guas de Niteri, a instalao
da infra-estrutura necessria para escoamento dos efluentes
domsticos e para fornecer gua na comunidade, de forma ordenada e
harmnica com a paisagem, assim como a
solicitao da concessionria AMPLA para adequar o abastecimento de
energia eltrica. Entretanto, no foi aprovada pela diretoria do
INEA, justificada pelas controvrsias jurdicas, conforme explicou o
administrador do Parque. Isto revela a complexidade que envolve o
prprio rgo, marcado pela burocracia, influenciado por conjunturas
polticas e distintas vises em relao conservao da natureza. Uma
alternativa ao mal sucedido Termo de Compromisso Ambiental - TCA o
Termo de Ajuste de Conduta TAC, realizado entre o grupo de
moradores e o Ministrio Pblico23.
Esse panorama relevante para aproximar o leitor do contexto
recente vivenciado
pelos moradores do Morro das Andorinhas, mas o intuito deste
captulo analisar as
22 Um morador trabalha como guia turstico de caminhadas
ecolgicas, outros vendem bebidas e sacols,
produtos estes divulgados por placas espalhadas no Morro. 23
Maiores detalhes ver Maranho (2007).
-
18
especificidades desta ocupao. Quais so as suas histrias? Qual a
relao que estes indivduos tm entre si e com o lugar? Tais questes
norteiam esse captulo.
2.2. Uma Histria da Ocupao
De acordo com a memria do grupo, a histria da famlia se origina
em fins do sculo
XIX, com o estabelecimento no local de Leonel Siqueira da Silva
e sua esposa Mariana Gusmo. O casal construiu a casa e gerou os
frutos; filhos, rvores, roas, hortas, etc. A fora de trabalho
familiar distribua-se entre as tarefas domsticas, roa e pesca
artesanal na praia de Itaipu.
Uma jaqueira da Praa dos Balanos, topo do Morro das Andorinhas,
mirante Itacoatiara. (Acervo pessoal).
O pano de fundo deste captulo a histria da ocupao do Morro das
Andorinhas. Os
objetivos desta seo so apresentar as particularidades desta
ocupao e analisar em que medida pode ser caracterizada como um
territrio de parentesco. O ponto de partida para analisar tal
ocupao ser a histria que os moradores contam deles prprios. Esta
conhecida por todos os que se sentem pertencer ao topo do Morro e
transmitida pela oralidade de
gerao a gerao. Mas para os que so de fora da famlia, como no meu
caso, foi contada
-
19
por quem tem a autoridade conferida pelo grupo, Jos, o
presidente da Associao de Moradores. A entrevista foi realizada em
sua casa e acompanhada por sua esposa. Esta casa a que ele se
refere na entrevista e pertenceu a seus avs Leonel e Mariana. Foi a
primeira
edificao no Morro das Andorinhas e aps a morte dos avs,
pertenceu a seu pai Manoel.
Eu vou contar a histria que o meu pai sempre contava, um pouco
da criao deles. Primeiro tem que comear por eles. O que meu pai
sempre contava para a gente era que o meu av veio para c na faixa
de 26 anos. Eles vieram para c e se estabeleceram nessa casa. Essa
casa de 1870, ela era metade de sap e de telha de coxa. O meu av
(Leonel) e minha av (Mariana) tiveram nessa casa 6 filhos, n? Meco,
Cecena, meu pai (Manoel), Solino, Olga e Tashinha. Eles tinham uma
roa, tinha muita fartura, chovia muito. Plantava milho, arroz,
feijo, aipim, laranja, abbora. Fazia farinha, tinha uma casa de
farinha. Nessa poca, meu pai e meu tio contavam isso, que eles
dividiram os irmos, porque nem todos queriam trabalhar na roa. A
eles dividiram, a moa, a Olga, cuidava da casa junto com a minha
av, e os homens, a metade ficava na roa e a outra metade ficava na
pesca. E tinha um que pescava e fazia canoa. O seu Meco e Solino
que ficaram na pesca. E a criao deles foi basicamente aqui em cima.
Basicamente sobreviveram de toda a cultura, trocavam mercadoria,
porque sempre faltava uma coisa, faltava outra. No tinha luz, era
lamparina, fogo de lenha, essas coisas. [...] Mas a cultura foi
basicamente tudo da roa. Aqui se plantava muita coisa, farinha,
caf. Aqui tinha muito caf. Tinha muita cana-de-acar. Tinha muita
cana. Moa cana, juntava a famlia. Para fazer colheita fazia um
mutiro. Juntava as mulheres aqui em cima, e todos vinham soltar o
milho da espiga. Aqui nessa rea tinha uma pedra que eles usavam o
cesto e jogavam para secar, depois juntava, vendia, trocavam,
plantava de novo. Basicamente, a agricultura era muito farta. [...]
Vendia e trocava. Fazia um cesto e trocava por coisa que no tinha
aqui. Trocava por querosene. Tinha muita casa aqui em cima. Hoje
que foi reduzido aqui em cima, totalmente. Apesar do tempo, as
famlias foram reduzidas porque as pessoas no agentaram mais
permanecer aqui. Era muita falta de gua. E o recurso n. As pessoas
antigas ficavam adoecendo e dificultava a descida deles n. Ento a
famlia foi se separando nesse tempo. Mas basicamente eles
sobreviveram aqui em cima, colhendo da terra. Trocava por
mercadorias que faltava, leo, querosene, sal, arroz. Meu pai foi
criado aqui at uns 98 anos. Tio Cecena foi para 100 anos.
Basicamente os nicos dois que permaneceram aqui em cima. O resto,
seu Meco no meio a saiu daqui com uns sessenta anos. Os outros
tambm saram. Basicamente os dois que ficaram aqui em cima, meu tio
Cecena e meu pai, Manoel. Meu tio Cecena sobreviveu da agricultura
e da pesca. Meu pai tambm. E depois com o passar, a pesca j no era
aquela coisa toda, a agricultura tambm no e meu tio Cecena comeou a
cortar cabelo e meu pai comeou a trabalhar de construo, foi
trabalhar de encarregado (Jos).
De acordo com a narrativa, o estabelecimento da ocupao se
efetivou com a construo de uma casa de estuque e o nascimento dos
seis filhos do casal: Arsnio, Amrico,
-
20
Olga, Anastcio (Tashinha), Manoel e Solino. O tempo pretrito
marcado pela fartura. Fartura de roa, de pescado, de gua e de
famlia. A lembrana de muita famlia remete-se ao tempo em que os
filhos de Leonel e Mariana casaram-se e tiveram seus filhos. Nesta
poca todos os herdeiros viviam juntos no topo do Morro das
Andorinhas, o que significava muita mo-de-obra na roa, na pesca
artesanal e nos demais empreendimentos necessrios moradia.
importante contextualizar que Itaipu era considerada distante da
rea urbana do municpio de Niteri at a dcada de 1920, quando foi
construda a estrada (DER-RJ) que realiza a ligao da localidade com
os bairros da zona sul e centro de Niteri (Motta, 1983 apud Soares
et al, 1994). Itaipu uma antiga ocupao que remonta as sesmarias do
sculo XVI. Nesse perodo, os jesutas no se estabeleceram
oficialmente, mas eventualmente realizavam trabalhos de assistncia
religiosa com os moradores locais.
No ano de 1716 foi construda a primeira capela de Itaipu,
situada nas proximidades do Morro das Andorinhas. Em 1755, atravs
de alvar, Itaipu foi elevada condio de freguesia, que era para a
regio ocenica como uma espcie de sede administrativa e religiosa,
que congregava os habitantes locais chamados de fregueses:
sitiantes, pescadores24, pequenos negociantes, escravos africanos e
indgenas (Simon, 2003, p.139).
A antiguidade da ocupao de Itaipu e dos pescadores se verifica
nos volumes das Memrias histricas do Rio de Janeiro de Jos de Souza
Azevedo Pizarro e Arajo, o monsenhor Pizarro, que ao coligir dados
e documentos sobre o estado do Rio, a partir de 1781, observou que
a Freguesia de So Sebastio de Itaipu, paralelamente aos produtos
da
lavoura de cana-de-acar, mandioca, milho, feijo, etc, havia
bons, fartos e saborosos peixes (Pessanha, 2003, p.21).
Motta (1989) reconstituiu a estrutura fundiria de So Gonalo e
Itaipu atravs dos Registros Paroquiais de terras existentes na
dcada de 1850 e verificou que havia no local desde grandes
proprietrios de terra arrendatrios, que possuam nveis de pobreza e
riqueza bastante flexveis25. O sistema de lavouras nas fazendas e
stios da regio entrou em um longo
processo de decadncia a partir de meados do sculo XIX, por conta
da proibio do trfico negreiro e da instituio da Lei de Terras, a
qual determinava que a terra s poderia ser
25 Entre as propriedades, havia minifndios, com extenso inferior
a 50 hectares de terra; mdias propriedades,
com extenso entre 50 e menos de 200 hectares de terra; como
tambm, grandes propriedades ou fazendas com extenso superior a 200
hectares de terra.
-
21
adquirida atravs da compra, sendo proibido, seu acesso pelo
apossamento. A instituio destas leis resultaram na dificuldade de
repor mo-de-obra e na elevao do preo da terra.
Neste contexto, a autora aponta que os minifundistas foram os
que por mais tempo perduraram, j que buscaram manter a reproduo de
seus mini-stios acionando medidas como o recurso fora de trabalho
familiar26 e o no esfacelamento da pequena propriedade aps a morte
do responsvel, continuando os herdeiros a viverem juntos27. Ao
contarem com a propriedade da terra, portanto, os minifundistas
impediram sua transformao em trabalhadores de outros e, por
conseguinte, puderam manter ainda um maior grau de autonomia em
relao classe dominante local. Entretanto, o golpe final aos
proprietrios de mini-stios foi a investida do setor imobilirio,
intensificadas a partir da dcada de 1940 (Motta, 1989, p.119,
123-124).
A transformao das reas agrcolas em reas urbanas teria sido
incentivada pelo
poder pblico, atravs de algumas medidas, como a devoluo de
Itaipu ao Municpio de Niteri, que at 1943, pertenceu ao Municpio de
So Gonalo (Valverde, 2001 apud Simon, 2003, p. 142). Outro
movimento que atendeu ao mercado imobilirio foi a venda da fazenda
que compreendia grande parte do que hoje o bairro de Itaipu Cia.
Territorial de Itaipu28, que inicia o loteamento e a comercializao
dos terrenos (Soares et al, 1994). De acordo com os relatos da
populao local, este novo proprietrio registra-se como dono, no s da
rea da fazenda, como tambm das trs ilhas da Praia de Itaipu, o
Morro das Andorinhas e a lagoa de Itaipu. Na mesma dcada, a rea de
Itacoatiara foi comprada por outro proprietrio que tambm iniciou o
loteamento na dcada de 1950.
Vale lembrar que apesar do longo processo de decadncia nas
lavouras frente valorizao das terras, a pesca artesanal continuou a
ser uma das principais atividades da
economia local nesse perodo (Silva, 1993). A presena da Colnia
de Pescadores, inclusive, um dos elementos que confirmam a definio
administrativa de Itaipu como rea que desenvolvia intensa e
tradicional atividade pesqueira (Kant de Lima, 1997).
A atividade da pesca artesanal sofreu intensas interferncias a
partir da dcada de
1970, perodo em que a Cia. Territorial de Itaipu vendida a Cia.
Veplan Residncia. Esta nova imobiliria promoveu a retirada de
grande parte das moradias dos pescadores atravs de
26 O que foi verificado no perodo de 1875 a 1885, dos 22
inventrios encontrados referentes s propriedades
menores de 50 hectares, 10 eram de lavradores no escravistas.
(Motta, 1989) 27
Segundo Motta (1989) h algumas indicaes presentes nos inventrios
de que a terra no subdividida entre os herdeiros. Inventrios
POST-OMRTEM (1850-1885) Cartrio do 3 Ofcio de Notas de Niteri.
28
Este proprietrio era de origem portuguesa, naturalizado
brasileiro, e no foi considerado pessoa idnea pelo Banco do Brasil,
devido a quantidade de trapalhadas financeiras produzida no trato
de negcios imobilirios (cheque sem fundo, concordatas fraudulentas,
ttulos apontados e protestados, etc.) (Albuquerque et al, 1992)
-
22
indenizaes. Entre as demais aes empreendidas pela companhia
imobiliria destacam-se a ligao da lagoa praia de Itaipu atravs de
um canal artificial, o que dividiu a antiga praia de Itaipu e
destruiu um dos stios arqueolgicos de Itaipu, a Duna Pequena. A
partir de ento, o lado direito do canal artificial passou a ser
denominado praia de Camboinhas29, e a lagoa
que era de gua doce, passou a ser salgada. Os pescadores que
restaram na praia de Itaipu se estabeleceram na rea aforada
pela
Colnia de Pescadores, localizada no canto esquerda da praia de
Itaipu, junto ao Morro das Andorinhas. Os demais, que moravam ao
redor da lagoa, na restinga e dunas da parte que se designou
Camboinhas se deslocaram para locais mais distantes da costa, como
os loteamentos do Engenho do Mato, Maravista, o Morro do Cantagalo,
etc. De maneira geral, a urbanizao
afetou diretamente os pescadores em trs sentidos:
pela ao altamente poluidora do lanamento de dejetos na lagoa e
pelo assoreamento de suas margens para nelas construir casas etc.,
o que levou diminuio gradual de sua fauna e flora; pela expulso dos
pescadores e suas famlias de suas moradias beira da praia e da
lagoa, locais altamente atrativos para a especulao imobiliria, e
induzindo o seu deslocamento para lugares distantes e menos
valorizados, dificultando sua vinda para o local de trabalho e
cortando violentamente parte de seus vnculos com a comunidade; e
finalmente, atraindo grande parte da mo-de-obra crescentemente
disponvel em virtude do prprio esvaziamento da atividade,
tornando-se cada vez mais comum a sada de jovens procura de
empregos como operrios, funcionrios de empresas privadas ou
estatais, e para servios domsticos (Pessanha, 2003, p.26).
No imaginrio local, o enfraquecimento da pesca tambm est
intimamente associada
ideia do fim da pesca da tainha. Esta pesca marcava o tempo em
Itaipu, o tempo do inverno e possua uma importncia econmica, social
e simblica na realidade local (Ver Kant de Lima, 1997). A partir da
dcada de 1970 as tainhas deixaram de passar em Itaipu, o que marcou
o tempo do fim da fartura, o fim da previsibilidade. Embora no quer
dizer que
este novo evento tenha sido resignificado entre os pescadores de
Itaipu30. Diante disso, quando o assunto a pesca artesanal em
Itaipu, muito comum ouvir a
histria da gradual transio de um tempo de fartura ao tempo do
enfraquecimento. A
29 De acordo com relatos da populao local, Camboinhas um nome de
um ponto da praia onde ocorreu um
naufrgio de um barco com esse nome. Camboinhas, por sua vez,
tornou-se um bairro luxuoso, em que a atividade da pesca
dificultada por diversas regras de conduta. Um pescador de Itaipu
me relatou que a dificuldade de pescar em Camboinhas muito grande,
pois no pode fazer barulho, no pode entrar com o carro para buscar
o pescado, entre tantas outras exigncias. 30
Mais detalhes ver (Mibielle, 2004).
-
23
partir da dcada de 1970, novas correlaes de foras se instauram
em Itaipu, tensionada pelos investimentos imobilirios e suas
transformaes empreendidas, assim como outras oportunidades de
trabalho, em especial na construo civil. Alm, claro, do fim da
previsibilidade e fartura. Sem dvida, os pescadores estavam do lado
mais fraco,
embora, a perpetuao da prtica da pesca artesanal em Itaipu at os
dias atuais demonstre a capacidade destes pescadores de se adaptar
e resistir.
A Resistncia dos Pescadores se manifestou de diversas formas. Um
exemplo foi a instaurao da Ao Popular contra os empreendimentos
imobilirios em Itaipu, em especial contra a construo do canal
artificial. Outro movimento foi a criao da Associao Livre de
Pescadores e Amigos de Itaipu ALPAPI, em 1988, pelo Frei Alfredo,
sugerida pela Pastoral da Pesca.
Segundo relatos da populao local, no momento em que a imobiliria
Veplan31 comprou as terras em Itaipu, realizou um acordo com o
proprietrio de Itacoatiara Mathias Sandri e o objetivo era fazer um
resort em Itaipu, no qual o Morro das Andorinhas seria uma rea de
lazer. A Veplan empreendeu a demarcao fsica de toda a sua
propriedade e, no Morro das Andorinhas, at hoje h vestgios. Nesta
delimitao, no houve a contestao das moradias do Stio da Jaqueira.
Apenas o irmo caula de seu Bichinho foi indenizado por uma roa que
tinha na rea considerada da Veplan. Em relao ao outro proprietrio,
Mathias Sandri, seu Bichinho acrescenta que seu pai, Arsnio, era
barbeiro e cortava cabelo de seu Mathias, e que este sabia da sua
moradia e de sua famlia e nunca entrou nesse assunto com seu
pai.
A Cia. imobiliria para implantar a demarcao fsica abriu um novo
caminho na vegetao do Morro das Andorinhas que facilitou o acesso
ao topo do Morro, j que antes o acesso se dava por uma trilha
prxima Igreja de So Sebastio. O caminho antigo lembrado pelos
moradores por seu maior grau de dificuldade, devido a sua alta
inclinao. A partir disso, pessoas que no eram da famlia e nem
afins, comearam a subir para apreciar as belas paisagens,
promovendo mudanas no cotidiano do grupo. Na dcada de 1980, a
imobiliria abre falncia e abandona este caminho aberto, que foi
ocupado por novas moradias distribudas ao longo da subida.
Frente as transformaes promovidas pelos empreendimentos
imobilirios iniciados na dcada de 1940, e consolidadas nas dcadas
seguintes, em especial a dcada de 1970, o que chama a ateno em
relao a ocupao do Morro das Andorinhas a sua antiguidade. So
31 Tempos depois a imobiliria faliu, e teria sido comprada por
um grupo de imobilirias.
-
24
mais de 100 anos! Ao debruar na histria desta ocupao observei
alguns fatores que podem ter contribudo para a permanncia at os
dias de hoje, entre elas destacam-se as seguintes: a regra local de
s morar quem da famlia; a no diviso das terras entre os herdeiros;
a difcil localizao do stio; o fato das moradias serem encobertas
pela mata, o que contribua para a
sua invisibilidade; a conjugao da pesca artesanal com a roa
proporcionando uma situao de maior autonomia frente ao capital
especulativo; a resistncia dos pescadores artesanais; o
crescimento do mercado de trabalho na regio, em especial na rea
da construo civil e servios.
2.3. Aqui S Mora Famlia
Atualmente o Stio da Jaqueira possui 13 casas e aproximadamente
40 moradores.
Uma importante particularidade desta ocupao em relao as
adjacncias so as relaes de afinidade e parentesco entre os
moradores. Outra especificidade relevante o fato das terras serem
em primeiro lugar, pensadas como um ancestral comum, o que faz com
que, a priori, elas sejam terras comuns, terras de toda a
comunidade.
O ato inaugural de fundao da comunidade pelo casal Leonel e
Mariana um dos princpios mais gerais de pertencimento que confere
identidade ao grupo. Na memria coletiva h informaes muito precisas
sobre a genealogia. Conhecem, inclusive, com detalhe, os parentes e
os casamentos dos parentes que saram do Stio. Mas no sentido
vertical, essa memria para em Leonel Siqueira da Silva e Mariana
Gusmo.
-
25
Imagem de satlite aproximada do Stio da Jaqueira. Casa 1:
Bichinho; casa 2: filha de Bichinho; casa 3: sobrinho de Bichinho;
casa 4: irmo de Bichinho; casas 5,6,7: filhos do irmo de Bichinho;
casa 8: filho de
Bichinho; casa 9: destelhada, do filho de Manoel do primeiro
casamento; casa 10: filho do meio de Manoel do segundo casamento.
Esta casa foi construda pela a filha de Manoel, quando casou-se.
Quando este casou se
mudou, o irmo do meio ocupou a casa; casa 11: filho do meio do
segundo casamento de Manoel. Esta casa de pau-a-pique e est em
condies precrias; casa 12: pau-a-pique. dividida em duas para o
filho caula e o
primognito do segundo casamento de Manoel; casa 13: pau-a-pique,
irm de Bichinho. (Fonte Google Earth, acessado 13/07/2010)
-
26
Leonel Marianna
Solino Anastcio (Tashinha)
Olga Amrico Arsnio Rosa
Lli Edith Arminda Pedrosa
Carolina (Corina)
Wanda "Bichinho" Ermi Ir Ada
Claudia Patrcia Luciana Alice Marcelo Jos Luis
Vnia
Luis Carlos
Joo Euclides
Diogo Cau Jefferson Carolina Douglas Tiago
Flvio
Juliana Joo Lucas
Carlos Augusto
Nycoly Julia
Andr
Camilly Vitria
Elza
Marco Mrcio Irinia Marcia
Flvio
Adelino tila Paulo Csar
Manuel
Anali Digenes Beth
Priscila Lis
Gilberto Maura
Gilberto Henrique Andr Milchele
Milena Bruna
Beatriz
Bruno Lucas
Fernando
Bruno Diego Leonardo
Paulo Roberto
Slvia
Patrick gata
(CF)
(CF) (VP)
(CF)
(1T) (1S) (2T)
(2S)
-
27
Leonel Marianna
Solino Manoel Anastcio (Tashinha)
Olga Amrico Arsnio Irene
Oswaldo Jorge
Nilda
Ricardo Adriano M de Ftima
Jos Renato
Renata
Graziani
Adriana Aline
Ivone
Yasmin Igor
Claudia
Legenda: (P) Presidente da ACOTMA (VP) Vice-Presidente (S)
Secretrio (T) Tesoureiro (CF) Conselho Fiscal
(P)
-
28
A histria da ocupao do topo do Morro marcada pelos deslocamentos
para fora e fixao dos seus membros. Entre os filhos do casal
fundador, Arsnio e Manoel foram os nicos que permaneceram no Morro
das Andorinhas. Estes dois irmos tambm tiveram perodos de
deslocamento, entretanto, ao se casarem pela segunda vez retornaram
moradia,
a roa e continuaram a se reproduzir. Por conta destas trajetrias
de vida, os atuais moradores do Stio da Jaqueira esto ligados por
laos de descendncia ou afinidade a estes dois irmos,
Arsnio e Manoel.
Arsnio era o primognito. Um jovem pescador que ajudava os pais
no trabalho da roa no Morro das Andorinhas. Pescava em canoa
pequena junto com seu irmo Manoel. Inscreve-se na Colnia de
Pescadores, na poca Z-10, em 1915. Arsnio ao fazer famlia construiu
uma casa e teve quatro filhas. Anos mais tarde, Leonel, Mariana e a
esposa de Arsnio falecem. As filhas j estavam casadas e moravam
fora do Morro. Estes fatores incentivaram Arsnio a morar em um
quartinho que tinha na praia de Itaipu, onde guardava os seus
apetrechos da pesca.
Carteira de Pescador de Arsnio, inscrita no porto do Rio de
Janeiro em 27/09/1915. A Colnia de Pescadores de Itaipu (Z-7), na
poca era Z-10. (Acervo pessoal presidente da Associao)
Pouco tempo depois, devido ao enfraquecimento da pesca, Arsnio
deixa a atividade e comea a exercer a profisso de barbeiro. Esta
mudana lhe permitiu circular por
novos ares, como a praia de Itaipuau, localizada no municpio de
Maric. L conheceu a mulher que seria a sua segunda esposa,
Carolina. Ela, mais conhecida por dona Corina, tambm era viva, e
tinha trs filhos pequenos, com idades entre 1 e 8 anos. O mais
velho era Amrico, conhecido por Bichinho, o do meio Ir e o mais
novo Ermi.
-
29
Arsnio, com a famlia recomposta32 volta para o Morro das
Andorinhas. A moradia se efetivou depois do rduo trabalho da
construo de uma casa de pau-a-pique, j que a anterior tinha cado,
alm da reativao da roa. O trabalho foi empreendido por Arsnio e o
filho mais velho de Corina. Desta nova unio, so gerados mais dois
filhos.
No mbito interno da comunidade, uma pessoa reconhece como seus
parentes tanto os descendentes dos fundadores, reconhecidos como
tais pela comunidade, assim como aqueles
que estabelecem alianas matrimoniais com os primeiros, mesmo que
no sejam descendentes daqueles fundadores. Isto , atravs da aliana,
tornam-se parentes aqueles que so de fora, ou seja, os que no
nasceram na comunidade e no so descendentes dos fundadores, como
expressa esta fala:
no mora estranho nenhum, s mora pessoa da famlia. Se a gente
mora aqui porque ns entramos na famlia do meu padrasto. por isso
que ns estamos aqui. Meu padrasto trouxe a gente para aqui. Seu
Bichinho ressalta: Como diz o ditado: pai no o que faz, o que cria.
Muitas coisas eu aprendi com ele. Eu fiquei morando com ele mais de
20 anos, at arrumar famlia. E ele ficou me segurou at arrumar
famlia. Tudo ele fez com a gente, ele apoiava a gente
(Bichinho).
Casa de pau-a-pique construda por Arsnio e Bichinho. A casa
esconde-se em meio a vegetao. (Acervo pessoal)
32 De acordo com Fonseca (2002, p.62-63), a famlia deve ser
pensada enquanto sistema familiar um processo
que possui arranjos e rearranjos durante etapas do seu ciclo.
Este processo se expressa atravs da forma como se apresenta a
unidade residencial: famlia conjugal, unidade residencial
constituda por casal e filhos. Em sua maioria possuem
agregados(parentes ou amigos) pelo menos espordicos; famlia
recomposta, unidade residencial constituda por casais em segundas
npcias (de um ou de outro cnjuge); e, unidade me-filhos, unidade
residencial constituda por uma mulher sozinha e seus filhos.
-
30
Arsnio, com a pasta de barbeiro de um lado e do outro, uma das
filhas do primeiro casamento. Os dois passeiam em Itaipuau (Acervo
irm Bichinho).
Pintura leo de Arsnio e Corina. Quadro pendurado em posio de
destaque na sala da antiga casa do casal, hoje sob a guarda de
Wanda (Acervo pessoal).
-
31
Arsnio, Corina e a filha desta unio, Wanda, ao lado da casa.
(Acervo Wanda)
O caso de Manoel se assemelha em algumas partes ao de seu irmo
Arsnio. Manoel casa-se com Irene, que morava no Sap33 e deixa a
pesca para atuar como encarregado de obra na regio. Na localidade
do Sap teve dois filhos, Jorge e Oswaldo, entretanto freqentava o
Morro assiduamente. Aps a separao de Irene, Manoel casa-se
novamente e retorna ao
Morro das Andorinhas com sua segunda esposa, Nilda. Os dois
moraram provisoriamente na casa de um dos seus irmos, que na poca,
tinha se mudado a pouco do Morro com toda a sua
famlia, como veremos a seguir. Nesse perodo inicial, os
recm-casados adequaram as condies da antiga casa de Leonel e
Mariana para o seu futuro estabelecimento, j que depois de suas
mortes a casa passou a ser usada como depsito dos produtos da roa e
como baia de cavalo. Manoel e Nilda tambm retomaram o trabalho na
roa e tiveram seus quatro
filhos: Maria de Ftima, Jos. Adriano e Ricardo.
33 Localiza-se no bairro de Pendotiba, regio serrana do Municpio
de Niteri.
-
32
Manoel e Nilda caminhando pelas trilhas do Stio. (Acervo Jos.
Foto Laura Frana).
Aniversrio de 90 anos de Manoel na sua casa no Morro das
Andorinhas. Esta casa pertenceu a Leonel. No lado esquerdo de
Manoel, Corina, Isaura (esposa de Solino) e sua esposa Nilda
(Acervo Jos).
Os quatro demais filhos de Leonel e Mariana tiveram trajetrias
distintas, como veremos. Tashinha, por exemplo, morava com esposa e
seus dois filhos no Morro. Entretanto, foi o primeiro dos irmos a
falecer. A viva de Tashinha deixou o Morro e levou consigo um
-
33
filho. O outro filho desta unio foi criado no Morro das
Andorinhas por um tio paterno, Meco. Seu nome era Valmir e viveu da
pesca de Itaipu at recentemente. Foi um dos companheiros da
pescaria de arrasto do pescador e mestre Cambuci.
H outro irmo que morou no Morro com esposa e dois filhos,
Solino. Pescava na
pescaria de arrasto na companha do pescador e mestre Natalino.
Aps a separao, sua ex-esposa e filhos deixam o Morro. Solino decide
morar em um quarto de pesca na praia de Itaipu, local onde guarda
os apetrechos da pescaria. Solino no se casou novamente e no voltou
a morar no topo do Morro, embora convivesse intensamente com seus
familiares. Um dos sobrinhos lembra que ele e os demais tios subiam
o Morro frequentemente. Solino, em especial, gostava de contar
histrias para os sobrinhos.
No sbado e s vezes no domingo tambm. E muitas vezes, os tios, os
outros tios, o Solino subia, n. Ele gostava muito de subir aqui em
cima. Ele ficava muito aqui com a gente, reunia os sobrinhos todos
em volta do cho e contava muito histria daqui. Contava histria de
mula sem cabea, de bruxa que andava por cima do telhado para pegar
as crianas, contava histria de cemitrio, que tinha um que andava
cavalo e sumia no cemitrio. Ele contava muitas e muitas histrias
daqui e a gente ficava at 3 horas, 4 horas da manh contando essas
histrias daqui de Itaipu, de pesca, essas coisas todas n, famlia,
fazia caf, essas coisas todas, a ficava brincando (Jos, filho de
Manoel)
O terceiro irmo, Meco, morou com esposa e os dez filhos em uma
casa de pau-a-pique no Morro das Andorinhas. Meco era pescador
artesanal em Itaipu, e tempo depois deixou a atividade para se
dedicar ao trabalho de marceneiro, inclusive na construo de canoa.
Dos filhos de Meco somente um seguiu a atividade da pesca em
Itaipu. Este
Lourival, apelidado de Leile. As filhas que primeiro se casaram
foram morar na localidade onde seus maridos possuam casa, o Morro
do Souza Soares, localizado no bairro de Santa
Rosa. As outras filhas moraram com os pais at aproximadamente
seus sessenta anos. Estas trabalharam como empregada domstica em
Santa Rosa e a distncia estimulou a mudana para perto das outras
irms.
A esposa de Meco teve uma doena quando Meco tinha
aproximadamente 60 anos de idade. Diante deste quadro, uma das
filhas, que j havia sado do Morro, convidou os pais para morarem
com ela no Morro do Souza Soares. Diante da oferta da assistncia da
filha, o
casal mudou-se e, gradualmente, todos os demais filhos tambm. O
deslocamento de Meco no significou a perda do convvio com os seus
familiares do Morro das Andorinhas.
-
34
Na poca, Itaipu no tinha nada, tinha aquele caminho de l vai um,
aquilo ali era estrada de cho. No tinha nada, o nibus aqui era duas
vezes por dia, era sete horas da manh e cinco horas da tarde. Eram
dois nibus. Se fosse sair daqui sete horas para ir l em baixo, se
no quisesse vir a p, voc tinha que esperar cinco horas para voc vir
de nibus. Ainda me lembro de quem era o motorista aqui, se chamava
seu Jac. Um moreno forto. Era ruim, no dava uma carona para ningum.
Eu me lembro disso tudo. Andei muito. No tempo que Meco morou aqui,
depois que ele foi embora para o Souza Soares, eu fui muitas vezes
no Souza Soares, eu sa a p daqui. Por aqui a fora, passava pelo
Largo da Batalha, e ia embora pela estrada velha. De primeiro, era
a estrada velha, no era a cachoeira que mais fcil. Passava pelo
Groto aonde tem um monte de moradores ali, passava pelo Salesiano,
a subia a Souza Soares. Muitas vezes eu fui a p daqui pra l
(Bichinho).
Os casos de Solino e Meco revelam que seus deslocamentos para
fora no significa
necessariamente sair do campo de julgamento do crculo social34.
Por outro lado, h sadas seguidas de rompimento, como o caso da nica
filha de Leonel e Mariana. Ela ao se casar
mudou-se para o Morro Souza Soares, e, no ouvi mais nenhuma
informao sobre ela, nem mesmo o nome do marido e dos seus dois
filhos. A atual configurao do Stio da Jaqueira corresponde a
permanncia dos irmos Arsnio e Manoel, que perpetuaram a ocupao
deste territrio ao longo perodo de ocupao. Segundo (Raffestin,
1986, p.172) a interferncia humana sob determinado espao natural
produz um territrio social, na medida em que este pode ser definido
como uma reordenao
do espao, resultado de um trabalho humano e marcado pelas relaes
de poder. Distinguindo-se do espao, que simplesmente uma combinao
de foras e aes mecnicas,
fsicas, qumicas e orgnicas. H inmeros exemplos sobre as formas
de gesto local sobre o espao.
Seu Cecena (Arsnio) posso botar um barraquinho l? No, pode fazer
l em baixo, mas aqui em cima no, aonde me pertence s quero quem da
famlia, portanto s tem at hoje quem da famlia. No tem estranho no,
s moramos aqui quem da famlia. Eu, principalmente, aqui j recusei
boas propostas de vender uma casa, vender um pedao s (...) se eu
sou um cara de m inteno, vendia um pedao pra um, vendia um pedao
pra outro, e ganhava um trocado bom (...) Desde sempre, desde o
princpio fazia aquela presso ah, me vende um pedao, me vende um
pedao, me vende um pedao, ah, s pra fazer um barraco, no, aquilo s
pro pessoal de famlia morar, no tem condio no, a gente l em cima no
podemos vender nada (Seu Bichinho, 2009).
34 (Comerford, 2003)
-
35
Outro caso, a recusa do pedido de moradia de um amigo dos
membros da famlia que pediu para fazer uma casa no Morro e ouviu de
seu Bichinho a resposta: no, porque voc no da famlia, mas no me
leva a mal, isso no vem de agora, vem de muito antes. Amanh ou
depois, se a gente liberar pra voc vai ter uns quatro ou cinco, vai
ter vrios moradores aqui.
Quando o pedido de moradia vinha pela parte de algum da famlia,
o discurso mudava. O filho do segundo casamento de Manoel (filho de
Leonel e Mariana), por exemplo, morava em outra localidade com a
sua primeira esposa. Ao se separar pediu para construir uma casa no
Morro das Andorinhas, como conta seu Bichinho: A, primo, vou fazer
um barraquinho a. U, isso a de vocs mesmo. A ele fez uma casinha
para ele l. Eu at ajudei a carregar alguma coisa ali embaixo para
ele fazer o barraquinho dele l.
Entre os que so da famlia ou como da famlia compartilha-se a
mesma esfera dos direitos e deveres, e por isso esto sob o seu
controle social. Estes indivduos so aqueles com
quem se pode contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem ao
que se d, aqueles com quem se tem obrigaes (Sarti, 1994). Para se
ter o direito de participar do territrio de parentesco necessrio
respeitar as obrigaes fundamentais que compe este universo moral -
dar, receber e retribuir (Mauss, 1974).
Esse primo de seu Bichinho constri uma casa no Morro das
Andorinhas e para isso conta com a ajuda de alguns parentes. Aps
alguns anos de divorciado e morando sozinho, se casa novamente. O
primo e a nova esposa vivem juntos por aproximadamente oito anos. O
casamento acaba com o falecimento do primo de seu Bichinho. Este
primo faleceu em sua prpria casa, no Morro das Andorinhas.
A viva decidiu sair do Morro das Andorinhas e tentou alugar a
casa, mas foi impedida pelos demais moradores. De acordo com seu
Bichinho ela falou para Jos: Eu vou
alugar essa casa. A ele falou: No, senhora. Ou voc d para uma
pessoa morar, que alugar no pode. Ela queria alugar para estranho.
Para estranho no, no vai alugar para estranho de maneira nenhuma a.
A viva quando se viu impedida de alugar a casa, decidiu vender. Ela
conseguiu uns
interessados, que foram at o Morro. Seu Bichinho percebeu a
movimentao, e se dirigiu at eles para explicar que a casa no estava
venda.
No, voc no leva mal, mas aqui no tem casinha nenhuma para vender
no. A eles perguntaram: do senhor essa casa?. No, a casa no minha,
mas est dentro daqui da comunidade e aqui dentro da comunidade a
gente no aluga para ningum estranho e para vender ainda pior ainda.
Eles: Ah. No, vender no vai vender no. Se tiver que vender ns vamos
botar baixo. Eles: Mas
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voc no podem fazer isso. Ns podemos fazer isso. No deixamos
vender no, de maneira nenhuma. Veio dois caras para comprar. A ela
ficou meio coisa: Ah, a casa minha!. Eu disse: A casa sua no, a
casa do seu marido, a casa foi do seu marido. Voc quando veio para
c fez a casa, voc morou com ele aqui, ta certo, a casa sua, se voc
quiser morar ou colocar um parente seu para morar tudo bem, agora
alugar para estranho e vender para estranho aqui no vai fazer no
(Bichinho).
Nesta disputa por direitos de propriedade, a viva saiu
contrariada e decidiu levar os
telhados da casa. A atitude da viva pode significar tanto uma
tentativa de tomar para si ao menos uma parte da casa e com isso
ter um retorno financeiro, j que foi impedida de alugar e vender. A
ao pode ser interpretada tambm como uma tentativa de inviabilizar o
uso da casa, j que ela no o pde fazer, ningum mais faria. Seja o
que for, a casa est at hoje sem telhas e desde ento, ningum a
ocupou. Entretanto, esta opo foi preferida diante da possibilidade
de alugar ou vender para um estranho ( famlia).
A pessoa quer vender, eu hein, no pode deixar, chamei Wanda
(irm), chamei Jos (sobrinho) e disse: isso no pode acontecer!. A
Jos: No Bichinho, isso no vai acontecer. Ningum vai vender nada
para estranho. Chega de ficar segurando peteca para os outros a. A
gente que est morando aqui, a gente sabe quem , bota um estranho no
vai saber quem o estranho. s vezes pode ser um boa pessoa, s vezes
pode ser uma m pessoa. E a gente aqui est acostumado a lidar s com
o pessoal da famlia. Foi o que eu falei para ele: Olha meu amigo,
aqui no mora estranho nenhum, voc pode ver a, s mora aqui em cima s
quem da famlia. No podemos vender nada aqui, nem podemos alugar. Se
ela quiser tirar o telhado para desmanchar, a gente at concorda,
vender e alugar que no pode (Bichinho, 2009).
2.4. O Stio da Jaqueira como um Territrio de Parentesco
No Stio da Jaqueira, as relaes de reciprocidade fundadas no
paren