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2. Histouria e Memourias B Padre Cruz 2013

Feb 17, 2018

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Paulo Fernandes
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HISTÓRIA E MEMÓRIADO BAIRRO PADRE CRU

Construir cidade à escala humanaFátima Freitas

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“A partir do momento em que uma comunidadetem orgulho no seu bairro, o bairro está salvo.”Helena Roseta (vereadora, CML)

“Este bairro não é melhor nem pior do que outros bairros.

O que digo é que este é um bairro diferente dos outros bairros.”Paulo Quaresma (ex-morador, Presidente da Junta de Freguesia de Carnide)

“O que é mais positivo é essa cultura de bairro, essencial e de fundo,que vai continuar a influenciar os mais novos.”Elisete Andrade (moradora, Presidente da Associação de Moradores do Bairro Padre Cruz)

“Por trás disto tudo está a vida. A vida das pessoas, as sensações e a realidade concreta.É isso que faz o bairro.E que é importante descobrir, também nos documentos.”Padre Araújo (em funções no Bairro Padre Cruz de 1968 a 1981)

“Este bairro lembra-me um fado.”Fernando Pereira (ex-morador)

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HISTÓRIA E MEMÓRIAS DO BAIRRO PADRE CRUZConstruir cidade à escala humana

Fátima Freitas

são as pessoas que trazem as casas dentro

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- Apresentação- Agradecimentos

CONSTRUIR CIDADE À ESCALA HUMANA- Com que matéria se constrói um bairro?- Bairro Padre Cruz – diálogo e confronto entre paisagens

- Sobre a biografia do Bairro Padre Cruz – testemunho a várias vozes- O direito à memória – uma questão central num “bairro periféri co”

(Fase 0) Até 1958: NO INÍCIO ERA O CAMPO- Quinta da Pentieira – o termo do Termo de Lisboa- Lisboa, uma capital à escala do Império- … e a escala das “aldeias de folhas de lusalite”- O Bairro das Casas Desmontáveis da Quinta da Penteeira – umapolémica origem- Síntese cronológica

(Fase 1) 1959 A 1974: CONSTRUTORES DA CIDADE, ARTESÃOS DOBAIRRO

1959-67: Do bairro anónimo ao bairro das inaugurações- O bairro de lusalite – “o Bairro das Casas Desmontáveis da Quinta daPenteeira”- O bairro de alvenaria – “tudo à moda da nossa aldeia”- As primeiras gerações – “davam-se à confiança com muita facilidade”- As primeiras impressões – “quando aqui chegámos…”- O interior das casas – “tudo muito minúsculo”- A gestão do bairro – “uma aldeia… um “gueto”?- Os primeiros apoios sociais – “criar um sentido de comunidade”- Equipamentos sociais – “as inaugurações foram muito bonitas” A capela do Bairro Padre Cruz – “o pulmão do bairro” A Escola Primária 167 – “Bom dia, senhora professora!”

Centro Cívico – “o nosso salão de festas!” O Cinema – “do tempo do bilhete a sete-e-quinhentos. E até

menos!” A Biblioteca Popular Fixa de Carnide – “a nossa Sala de Leitura” Oficinas da Acção Social da Câmara Municipal de Lisboa

Posto médico, dispensário e creche do Centro Social, CML - O comércio local – principais referênciasA mercearia “casa branca” – “um monte alentej ano”

O mercado, “os ambulantes” e os aviamentos em Carnide- Os caminhos e as acessibilidades ao bairro – “as azinhagas dasmemórias”- A inauguração do autocarro – “lá vai o quarenta-e-um!”- Vivências e apoios sociais A paróquia, a catequese e a dimensão assistencial – “o bairro

tem trabalhos pioneiros” Outros apoios assistenciais – “as irmãzinhas da Assunção”

Movimentos e grupos de reflexão da paróquia

- Clubes e colectividades – um património singular na hi stória local Andorinhas Futebol Clube

Clube de Futebol “Os Unidos” Grupo Recreativo “Os Amigos da Luz”

1968 a 1974: Os artesãos do Bairro Padre Cruz – “o bairro éramos

nós”- O ambiente do bairro – “O bairro vivia! O bairro respirava!” A forte identidade de rua – “os rios solidários” As rosas nos quintais e as couves nas hortas- Estórias das infâncias – as chinchadas, os esconderijos entre trigos epapoulas- Festas, estórias e personagens emblemáticas- A nova dinâmica da paróquia: “as escolhas eram das pessoas”- O Centro Social Paroquial de Carnide: a consolidação do apoio social- Síntese cronológica

(Fase 2) 1974-1990: A VIVÊNCIA LOCAL DO(S) PODERE(S) E DASCULTURA(S)- O 25 de Abril e a “nova ordem urbana”- Memórias do 25 de Abril – o dia em que o “bairro parou”

1974-1980: Do silêncio à reivindicação da voz – do morador aocidadão- Formas alternativas de gestão – a primeira Comissão de Moradores- O desinvestimento municipal e a progressiva degradação do bairro- O movimento associativo e os novos clubes – “muita carolice e orgulhobom”

Clube Atlético e Cultural – “todos iguais, sendo diferentes” Grupo Recreativo Escorpiões Futebol Clube – “os “toupeiras” Clube de Futebol Os Unidos – “os anos de boa memória Grupo “Amigos da Malha” – “não queremos que a tradição se

perca”- Novo comércio: os mesmos espaços, outras funções A mercearia do senhor Fonseca O velho mercado O café do Quim

- Outros projectos pioneiros – o primeiro apoio domiciliário da SCML 1980-1990: A(s) cultura(s) de bairro, o capital social comunitário- As festas, os santos populares – “cada rua era um palco”- O reanimar da paróquia – “uma paróquia de relação”- A gestão do bairro – uma gestão comparticipada

O Grupo Comunitário – reunir para prevenir- Síntese cronológica

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ÍNDICE

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(Fase 3) 1990-2000: BAIRRO DE CONTRASTES –O ALVORECER DO BAIRRO NOVO E O ANOITECER DO BAIRRO ANTIGO- Novas políticas, velhas heranças – os “mal alojados” das periferiassociais- O alvorecer do bairro novo – velhos problemas, novos impactos A paisagem física do bairro novo – o bairro dos blocos coloridos

A paisagem vivencial do bairro novo – tensões e conflitos- O “bairro antigo” vs “ bairro novo” – nós e os outros- Vale do Forno – os “príncipes do nada” em terra de ninguém- As relações entre bairros – as novas dinâmicas associativas

Estar Alerta – o Agrupamento de Escuteiros 933 Renascer – o associativismo é preciso- Os novos equipamentos de apoio A esquadra 36 da PSP –a segurança na proximidade A Ludoteca – “aprender a brincar” A Biblioteca Municipal Natália Correia – “uma conquista difícil”

As escolas e a “ilha de cultura” bairrista- A gestão local do Bairro O Grupo Comunitário e o trabalho de parceria A nova entidade gestora – a Gebalis- As transformações no bairro e a acção paroquial – um reencontrocomprometido- Síntese cronológica

(Fase 4) 2000 a 2012: A REQUALIFICAÇÃO DO BAIRRO PADRE CRUZ– O FUTURO E A MEMÓRIA- O Bairro Padre Cruz nas políticas da cidade – o contexto da inte rvenção- O fim do Vale do Forno – “uma história muito triste”- Sobre a intervenção no bairro antigo – tempos e projectos

Primeiro impasse – requalificar ou reabilitar?O primeiro projecto de requalificação e o segundo impasse

A requalificação e o papel do Grupo Comunitário- O Bairro Padre Cruz, hoje – antigas e novas comunidades Os bairros do bairro – diálogos a construir A requalificação – segundo projecto e terceiro impasse O actual projecto de requalificação – criar um “Bairro

Integrado”

O GABIP e o pioneirismo do Bairro Padre Cruz O contributo do capital social comunitárioSobre o processo de requalificação – o parecer dos moradores

- O futuro do Bairro Padre Cruz e os (novos) compromissos da Gebalis- Outros equipamentos centrais na vida do Bairro

O papel da escola – “valorizar a escola na comunidade”Biblioteca Municipal Natália Correia – estimular literacias, criaroportunidades

Centro Social Polivalente do Bairro Padre Cruz – um suportecontinuado da SCML

A paróquia: reconquistar relação com a comunidade

- O associativismo no Bairro – novos parceirosAssociação Nacional de Futebol de Rua – a bola sempre pr’afrente!

LUA CHEIA – teatro para todos & mais alguns- … E os antigos clubes desportivos – Unidos, Escorpiões e CAC- As hortas do Bairro – “porque a Natureza dá tudo!”

- Síntese cronológica- Notas e referências- Bibliografia e fontes

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oi numa de muitas reuniões do Grupo Comunitário do

F Bº. Padre Cruz que este projecto nasceu…Recuperar, valorizar, divulgar e partilhar a riqueza do

trabalho comunitário, das relações de vizinhança e dasexperiências de vida presentes no maior bairro municipalda Península Ibérica… Um território onde cerca de 8.000pessoas continuam a viver os seus sonhos, as suasalegrias, e uma inabalável esperança no futuro! Em Outubro de 2010 editámos o livro infanto-

juvenil que recuperou estórias, acontecimentos, factos emomentos do Bº. Padre Cruz. Foi lançado em simultâneocom a inauguração da nova escola do Bº. Padre Cruz. Em Setembro de 2013 editamos este novo livro.Desta vez em simultâneo com a “devolução” à populaçãodo edifício da antiga Escola Primária Rio Tejo. Uma escolaque, tal como o bairro, sofreu momentos de construção, dealegrias, de ensinamentos, de utilização mas queinfelizmente também de abandono e de vandalismo.

Agora, após requalificada pela Junta de Freguesia, volta a estar ao serviço da população. Há símbolos que nãopodemos deixar perder e esta escola é um deles. O localonde muitos moradores estudaram e, depois, sempre

votaram...

A Junta de Freguesia em boa hora tomou a decisãode produzir e editar este livro como forma de dar mais umalento à esperança de uma requalificação plena da zonamais antiga do bairro que respeite o passado, orgulhe opresente e prepare o futuro sempre a pensar nas pessoas. Uma palavra muito especial a todos aqueles quecolaboraram para a concretização deste livro. Desde logoao trabalho incansável da Fátima Freitas mas também àcolaboração e à partilha de testemunhos, fotografias e dediversos materiais por parte de muitos moradores. É para mim, enquanto ex-morador do Bairro ePresidente da Junta de Freguesia, uma honra “apadrinhar”mais este livro que agora passa a ser de todos, emparticular daqueles, moradores ou não do Bairro, quecontinuam a ter um carinho muito especial pela freguesiade Carnide e pelo Bairro Padre Cruz em particular. Este livro é seu, é da freguesia, é de todos quantosamam e sentem Carnide. Aproveite-o, usufrua-o e partilhe o gosto de ler esobre ele conversar com os seus amigos.

Paulo QuaresmaPresidente da Junta de Freguesia

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APRESENTAÇÃO

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oi perante o grande desafio do processo deF requalif icação do Bairro Padre Cruz quepreocupações comuns surgiram. A Junta de

Freguesia, na pessoa do Presidente Paulo Quaresma, oGrupo Comunitário (de onde recebemos informações

valiosas) e a Associação de Moradores do Bairro Padre Cruz(com a indispensável colaboração da professora EliseteAndrade), o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, napessoa da vereadora do pelouro da Habitação e AcçãoSocial, arquitecta Helena Roseta, tomaram por prioritária asalvaguarda do património humanamente vivido num dosbairros mais emblemáticos da freguesia de Carnide. A quese uniu o singular interesse e acompanhamento por partede Maria Vilar, ex-presidente da Junta de Freguesia, eactual presidente da Assembleia Municipal.Desta motivação conjunta surgiu, em Março de 2010, oprojecto comunitário “Construir cidade à escala humana –

História e memórias do Bairro Padre Cruz, em Carnide” quepretende registar e divulgar as memórias colectivas nummomento decisivo da vida do Bairro. O documentário “Umbairro que seja nosso” (Fátima Freitas e Telmo Botelho)editado pela Junta de Freguesia em Setembro de 2012complementa, visualmente, algumas das informações etestemunhos aqui reunidos.Posteriormente, este projecto enquadrou-se na “Agendalocal 21”, uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboaem associação com a Faculdade de Ciências e

Tecnologia/Departamento de Ciências e Engenharia doAmbiente, e ficou incluído na “Estratégia para a Cidadaniae Participação”, previsto no Plano de Acção para o BairroPadre Cruz, sob a responsabilidade da equipa do Prof. JoãoFarinha.

A todos os moradores e ex-moradores, responsáveisdiversos e pessoas intervenientes que, directa ouindirectamente, colaboraram no percurso deste livro, omeu reconhecimento sincero pela confiança partilhada.As conversas com Adelaide Ferreira, Alfredo Amaral,Agostinho Cristino, António Almendra, António Araújo,António Baptista, Amália Lemos, Amélia, António Cristino,

António José, António Martins, Armando Artur Mendes,Armando Cipriano, Cândida Sanches, Carminda Prado,Carlos “Canhoto”, Carlos Faria, Carlos Pedro, CatarinaPereira, Cremilda, Cristina Santos (professora/directora doagrupamento escolar), Cristina Santos (moradora),Custódia Pereira, Domingas Ferreira, Emídio Pereira,Ermelinda Cristino, Ernesto Costa, Etelviro de Jesus, FátimaMartins, Fernando Pereira, prof. Freitas, Helena Gomes,Ilda Silva, Isabel Dias, Isabel Maria, Isaura Marques,Joaquim Fonseca e Maria Rosalina, Joaquim Libório,Joaquim Marques, Jorge Humberto, José AugustoGonçalves, José Ferreira dos Santos, José Lamelas, JoséMartins, José Rodrigues (Zé Lagarto), José Valente, JúlioVaz, Joaquim Cruz, Leonor Olivença, Laurinda Vaz, LeocádiaConceição, Lídia Pereira, Lucinda Lamelas, LurdesRodrigues, Manuel Campos, Manuel Cebola, Manuel João,Manuel Martins, Maria do Carmo Costa, Maria da Graça

Cristino, Maria da Graça Pereira, Maria de LurdesQuaresma, Maria Pilar, Maria Piedade, Maria Santos,Marieta Ferreira, Maximiana Lopes, Natália Santos,Nazaré, Nuno Diogo, Olinda, Paula Rodrigues, Prof. Freitas,Renata Lajas, Rui Gato, Teresa Correia, Teresa Martins,

Teresa Pedra, Vanda Ramalho, Vasco Estevão, Vítor Aveiro,Vítor Cacito… são presenças vivas, entre outras mais,neste comum lugar da memória – e que também já se fez(minha) paisagem interior.Aos técnicos da CML, Drs. Carlos Inácio, Estela Gonçalves,Isabel Santana, arqs. Lídia Pereira, Maria Rosa Leitão eJorge Subtil; arqº Nuno Ventura Bento (EPUL); dras.HelenaGomes e Cláudia Rocha (Gebalis); prof. Rogério RoqueAmaro (Proact/ISCTE) pela partilha dos respectivos saberese experiências.À valiosa disponibilidade de dras. Ana Viana, Isabel Geada,Natália Nunes e Sofia Júdice (SCML); de Júlia Silva (Irmãsda Assunção); dras. Elfrida Reis e Natália Amorim(Biblioteca Municipal Natália Correia); de sub-comissáriaLuísa Monteiro (PSP). E, ainda, o interesse do pessoal dabiblioteca do Gabinete de Estudos Olissiponenses (G.E.O),sempre prestável e colaborador.À cumplicidade singularmente amiga de Albertina Lopes,

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AGRADECIMENTOS

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Ana Enes, Elisabete Santos, Cristina Virgílio, Carlos eFernanda Silva, Domingas Ferreira, Fernando Ferreira,Fernando d’Oliveira, Hugo Guerra, João Gualdino, JorgeNicolau, Jorge Humberto e Ilda Santos, Lurdes Faria, MariaJoão Trindade, Maria Manuel Passas, Mário Alves, MárioGuerra, Manuel Oliveira, Rosalina Nunes, Teresa Guerra eVítor (Bom Norte) e, claro, de Zé Luís.Um agradecimento muito reconhecido a Prazeres Sousa,moradora e funcionária da biblioteca Natália Correia,companheira sempre amiga na partilha e descoberta dos“segredos” do Bairro.Aos membros dos grupos no facebook “Intas&Entas”,“Bairro Padre Cruz”, a informação e os diálogos divertidos.Renovado e sincero agradecimento, também, aosempenhos cúmplices de João Oliveira (técnico da Cultura)e Gonçalo Ferreira (designer gráfico) e a todos os demaisfuncionários da Junta de Freguesia de Carnide que, de

algum modo, estiveram envolvidos na feitura deste livro.Encontrados alguns fios que entretecem as vidas comunscom a linha de vida do Bairro é, também, um artesanatofeito de momentos e de memórias.

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CONSTRUIR CIDADE À ESCALA HUMANACom que matéria se constrói um bairro?

“O que faz a diferença no Bairro Padre Cruz?É um bairro de sucesso. E porquê?”

(1)Jorge Nicolau (ex-morador)ercorrer, nos dias de hoje, as ruas mais antigas doPBairro Padre Cruz, em Carnide, desperta-nos umasensação de estranheza, um sentir inquieto. Porém

talvez seja precisamente esta perturbação que anima acuriosidade para além daquilo que os olhos alcançam noprimeiro instante. Rumando ao limite noroeste da cidade de Lisboa,e após atravessar um verde-mar de hortas, encontramosum nicho retirado da freguesia de Carnide. O busto dosanto padroeiro serve de farol. Tem a bondade acesa num

discreto sorriso que alumia moradores e viajantes. Invade-nos a nítida sensação de que estamos a aportar numaaldeia-ilha fora da cidade. É o Bairro do Padre Cruz. Estádebruçado para o vale da Paiã a janelas meias com oconcelho de Odivelas e de Loures. Aproximamo-nos. Numa teia densa de ruasalinhadas a eito e a direito, correndo pelos nomes dos rios eafluentes – em direcção a que mar? – estão aindaplantadas em paredes meias as casinhas outrora quase-brancas, multiplica-se o que resta dos quintais e hortasimportados das saudades da aldeia, amanham-se osalpendres e anexos que cresceram ao gosto, necessidadese posses de cada um. Curiosos, caminhamos por umespaço a que, na gíria local, chamambairro antigo.

“Este bairro lembra-me um fado.”Fernando Pereira (ex-morador)

Cada casa, igual à do vizinho, conseguiu o seurosto singular à custa do trabalho nos ferros forjados dosportões, e os hábitos íntimos dos moradores expõem-senas peças de roupa dos coloridos estendais. Os periquitosesvoaçam chilreios nas gaiolas. Os vasos das flores vivas e

garridas têm por mau vizinho o baldio triste e abandonado.Algumas casas ainda respiram saúde, outras estãodoentes de corpo e de alma aprisionada por tijolossinistros. Árvores frondosas e altaneiras incomodam-se aoaperto das ruas mal calcetadas, as suas belas copas efundas raízes invadem quintais vizinhos. Os resistentes egenerosos limoeiros tentam os caminhantes com os seusfrutos lembrando os rios de águas que correm nestessubsolos.

O primor de algumas poucas ruas contrasta com odesleixo e acentuada degradação de umas quantas maisonde, agora, os cheiros evocam sensações confusas querepelem. Os espaços públicos – que antes haviam sidocuidados jardins – cederam aos matos e gatos bravios.Escutam-se fados na voz da rádio que canta naquelagaragem. Os carros mal estacionados protegem os portõesda insegurança mas acanham as passagens. Aqui e ali os

cães ladram e os gatos fogem à caça da maior ratazana. Algumas pessoas cumprimentam-se nas ruas –ainda se cumprimentam! – e outras espreitam curiosas acada passo “estrangeiro”. Respondemos aos sorrisosantigos e as mais curiosas convidam à conversa. Ouvem-sebons dias com nomes próprios e o apeloó vizinha! serve deguia entre as ruas desta aldeia semeada em terra decidade. Observamos melhor. No ar paira a indefinidasensação de que estaremos a caminhar num caosordenado ou numa ordem caótica… “O bairro hoje está emmísero estado”; “A tristeza que isto dá! Se o visse como eradantes, tínhamos tanto orgulho nele”, desabafamrepetidamente. “Era o príncipe dos bairros de Lisboa!”,suspira-se entre as ruas. Esta geografia de emoções

justifica a inter ior indignação do viajante que aqui aportapela primeira vez… – Mas porque estará hoje este bairroassim? Que forças e mãos do tempo por aqui passaram? Nas segundas visitas vamos prevenidos. Levamosinterrogações que servem de roteiro para captar a tal “vidaconcreta” que lembrou o padre Araújo. Perguntas,indagações que atravessam tempos, lugares, emoções,afectos, memórias… Quando, quem foram e quem são

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B.º PADRE CRUZ, 2010

BUSTO DO PADRE CRUZ, 2010 (FOTOGRAFIA DE HUGO GUERRA)

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estes moradores? Porque vieram residir para este bairro? Eque relação foi o bairro mantendo com as azinhagas ehortas envolventes? E com a vizinha freguesia de Carnide –são cúmplices e próximos ou serão vizinhos distantes? Eque diálogos têm os seus moradores com a “cidadegrande”? Destes primeiros passeios mais impressionistaspelo bairro resultou também outra surpresa: afinal, o rigordo traçado das ruas sempre a direito que evitavam curvasou desvios; afinal, o padrão aprumado e repetido dasmoradias que lembram uma “aldeia dos pequeninos”,caiada num tempo social onde tudo e todos deveriamocupar o “seu lugar”; afinal, as distâncias até ao centro deCarnide – percorridas a pé em companheirismos por entreazinhagas… tudo isso e muito mais que um primeiroinstantâneo fotográfico captou…, revela-se múltiplo e

variado quando observado e escutado em maior intimidade

e convívio físico.Afinal, o desenho comum e unificador entre asruas (que ainda hoje confundem os moradores maisantigos!) revela-se, no passo concreto, tãodiferentementevivido, oferecendo uma paisagem vincadamentehumanizada – não existe um único portão igual! – porque acasa fixou o rosto e a experiência do humano, de cadamorador, no seu território.

Dizem-nos: “Este bairro lembra-me um fado”. Edamos inteira razão. Porque não é só o hoje do bairro queali está presente, não… Pressentimos vozes e gestos queecoam tempos de antanho que acordam a perguntafundamental:com que matéria se constrói um bairro? E,afinal, onde mora a tal diferença deste bairro? No fado deque casa, no rio de que rua?

Então, após aquela primeira estranheza,confirmamos: este é umlugar habitado porque transmite aintensaexperiência de quem nele viveu, e vive. Mas, alémdisso, reflecte as condições que esse lugar foi impondo àssuas gentes. É, por isso um lugar que carece de serconhecido. E interpretado. É precisamente esse colectivo de memórias, que

(2)tem valor de património . Um património, mapas de

afectos, que sentimos vividamente presente nos caminhosdas ruas, nos arranjos das casas, nos enfeites das janelas,nos portões e portadas, mas também nas expressões dosrostos, nas confissões e desabafos, nos retratos degerações, nas cenas domésticas, nas glórias das festas eletras dos seus cantares, hinos e poemas, convívios epasseios… mas também nos lutos, lidas e lutas diárias,nas partidas e nos regressos, nas saudades e nasdistâncias, nas conquistas, anseios e expectativas…, emmúltiplos fragmentos destas biografias, reais e sensíveis,que preenchem esta “cultura de bairro”, conforme referiuElisete Andrade.

Um bairro, que é, afinal, um território de partilhade memórias e de representações, sentidos e significados,experiências de vida ancoradas numa terra que assim, massó assim, se transforma emlugar . Em um lugar a que,teimosamente, ouvimos chamar...nosso bairro. Nosso,

mas de quem? Responder a algumas daquelas questões e lançaras sementes para outras mais, foi o que aqui procurámosamanhar a nosso tempo, modo e jeito. Um trabalho querepresenta um primeiro caminhar na busca do(s) sentido(s)dohabitar dessa taldiferença escutando, no bairro vivo, asmemórias, os testemunhos do seu passado e anseios doseu presente. Como tal, procurou-se um registo delinguagem o mais abrangente possível para envolver osmoradores e alcançar um público leitor amplo.

Bairro Padre Cruz – diálogo e confronto entrepaisagens

O Bairro Padre Cruz faz parte da freguesia deCarnide, já foi dito. E Carnide fica no limite noroeste doconcelho de Lisboa, integra a Região de Lisboa e Vale do

Tejo e a Área Metropolitana de Lisboa. O Bairro localiza-sena extrema norte da freguesia, na antiga Quinta daPenteeira ou Alto da Penteeira, que fazia fronteira entre osconcelhos de Lisboa e Loures (e Odivelas, a partir de1998). Actualmente, o Bairro Padre Cruz é um dos maioresbairros de realojamento municipal da Península Ibérica. No

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RUA DO RIO CORGO, 2010

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amplo território da freguesia (400 hectares) o Bairro ocupauma zona de 37,2 hectares onde residem 6 468habitantes (Censos, 2011). Um número que corresponde aquase 30% dos residentes na freguesia de Carnide (22 415habitantes, Censos 2011) e mais de 1% da populaçãoresidente no concelho de Lisboa.A ocupação de qualquer território resulta semprede processos vários de desenvolvimento social eambiental. E as transformações da paisagem – construídaou “natural” – expõem a história dadiferenciação doslugares. O Bairro Padre Cruz foi um bairro criado de raiz, em1959-60, para acolher populações transferidas de outrosbairros precários da cidade, alguns deles, tambémprovisórios. Na sua origem foi um bairro de propriedadeinteiramente municipal. Esta “vocação” original manteve-se ao longo de toda a sua história. Uma história com mais

de 50 anos. Durante este período, o crescimento,transformação e ocupação do Bairro resultaram e serviramsempre – até ao presente recente – de território deacolhimento, de solução estratégica para os desafios maisou menos complexos gerados pelo crescimento e gestãoda cidade de Lisboa. Por isso, apesar da paisagem doBairro Padre Cruz, ainda hoje, sugerir uma ilha periférica, arespectiva história é consequente e faz parte do contextoda narrativa da cidade e, em alguns aspectos, do país.

Sobre a biografia do Bairro Padre Cruz – testemunho a várias vozes

Esta pesquisa, de carácter monográfico, não tevea pretensão de reconstruir ahistória factual do Bairro Padre

(3)Cruz pois reconhece-se que não existirá apenas uma sóinterpretação da respectiva história, nem o “bairro” ématéria concreta e palpável. Todavia, já se percebeu que obairro pode ser identificado pelo desenho da paisagem epor um certa vivência econteúdo social. Afinal, umbairro representa, fundamentalmente, umaideia que, ao longodo tempo, vai sendo construída e fixada pela intensidadedos quotidianos partilhados e adquirindo consistência na

qualidade das convivências – é, por isso, um território queevoca experiências de vida comuns, representa modos de

vida. Como tal, o território do Bairro Padre Cruz tem sido umelemento importante na criação de fortes laços sociaisentre os residentes, de património sensível e afectivo e queas memórias, os poemas, quadras e marchas que lhe sãodedicados tão bem ilustram.

De facto, o interesse em percorrer a biografia doBairro tem, necessariamente, que incluir as experiências econdições de vida das várias gerações de moradores. Estestestemunhos, representam aquilo a que chamámos de“paisagens interiores”, e são um “valor em si”, umpatrimónio fundamental, que também compõe o tom dahistória e a(s) identidade(s) do Bairro Padre Cruz.Concordamos: “Todo o território (…) que não tenha orespeito pelos seus elementos patrimoniais não poderáservir de base para um desenvolvimento local equilibrado e

sustentável.” (Varine, H. (2012): 18). Como tal, foi nossoobjectivo contribuir para que as populações residentes (enão residentes) ganhassem maior conhecimento sobre simesmas, sobre a sua história.

Por tudo isso, mais do que identificar a sucessãodos acontecimentos (vd. síntese cronológica no final decada capítulo), interessou-nos identificar os “ambientessociais”, os momentos mais intensos na transformação doBairro Padre Cruz. Neste processo foi fundamental a

(5)recolha de memórias, a escuta de várias vozes –moradores e ex-moradores, responsáveis locais, dirigentesassociativos, funcionários técnicos, políticos, autarcas... E,apesar de somarem mais de 100 testemunhos, ficou-nos aingrata sensação de que muitos mais haveria que escutar. Por outro lado, também seria desejável que estapesquisa contribuísse para contextualizar aquelestestemunhosexpondo razões sociais que a razão individualdesconhece. Neste sentido, reafirmamos a necessidade eo interesse em enquadrar os testemunhos individuais norespectivo período identificado na biografia geral do Bairro.A saber:(Fase 0) Até 1958: No início era o campo Nesta fase prévia percorremos um pouco da ante-

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LOCALIZAÇÃO DE CARNIDE,MAPA DE FREGUESIAS DE LISBOA, 1987 (CML)

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história do território e das fronteiras onde o Bairro PadreCruz viria a ser instalado – a Quinta da Penteeira.Procuraram-se as razões políticas que justificaram aaquisição de um terreno afastado relativamente ao centroda cidade de Lisboa, a qual crescia aceleradamentetomando formas de moderna capital do Império. Anecessidade de mão-de-obra barata encontra nosmigrantes rurais das décadas de 40-50 a populaçãodisponível para as obras da capital, sendo a respectivaCâmara Municipal a grande empregadora. O Bairro PadreCruz resulta, por isso, das ambições maiores de um regimepolítico – o Estado Novo – onde a ordem e a regulaçãosociais ordenavam o território – porque fazer cidade era“arrumar” a sociedade.

(Fase 1) 1959 a 1974: Construtores da cidade,artesãos do bairro

Subdivide-se em dois períodos:1959 a 1967: Do bairro anónimo ao bairro dasinaugurações1968 a 1974: Os artesãos do Bairro Padre Cruz: “o bairroéramos nós” Numa primeira fase o Bairro ocupava apenas umapequena área de antigas quintas e terrenos de cultivoadquiridos, em 1958, pela Câmara Municipal de Lisboa. Oprocesso de construção teve início no ano imediato, em1959. A primeira geração de moradores era composta porex-migrantes rurais (do Norte e Centro do país mastambém uns quantos alentejanos…) que já habitavam acidade. Na sua grande maioria estavam alojados em outros(anteriores) bairros provisórios que viriam a ser afectadospela expansão da Lisboa dos anos 50-60 Daí anecessidade de transferir os respectivos agregadosfamiliares para o novo provisório “Bairro das CasasDesmontáveis da Quinta da Penteeira”, em 1960. Esseprimitivo bairro, apenas com 200 casas, é hoje inexistentee correspondeu à zona original construída em fibrocimento.Por isso, ficou conhecido como “bairro de lusalite”.

Logo após, a partir de 1960-61, deu-se início àedificação da zona de moradias em alvenaria (917 fogos),

que atrás percorremos, cuja semelhança com uma aldeiaportuguesa era evidente. O intencional (e regulador)afastamento geográfico, associado a outros factores,acabaria por motivar forte coesão social entre a populaçãoresidente, a qual ainda persiste como uma “âncoraidentitária”. Importará então “retratar” quem foram estesprimeiros moradores, estes artesãos-construtores dobairro, como se relacionaram e humanizaram o território,quem com eles interagiu, as relações de sociabilidade maissignificativas, a importância fundamental dos clubes e dosnúcleos recreativos e as relações entre o bairro e a cidade.

(Fase 2) 1974 a 1990: A vivência local do(s) poder(es)e cultura(s)Subdivide-se em dois períodos:1974 a 1980: Do silêncio à reivindicação da voz – domorador ao cidadão

1980 a 1990: A(s) cultura(s) de bairro(s) e o capital socialcomunitário Os meados da década de 70 trazem as grandestransformações sociais da revolução de Abril. Tal comosucedeu por todo o país, o Bairro Padre Cruz foi palco paraexperimentação de novas expressões de liberdade e denovos poder(es). A paisagem humana vibra e agita-se; asrelações de sociabilidade politizam-se e conhecem novoscontornos; surgem vários conflitos, pontos de tensão,fracturas nas relações sociais; os moradores procuramconquistar voz de cidadãos. A dimensão política e partidáriainscreve- no território, anima debates e confirmacontestações. O modelo original do edificado é readaptadoàs necessidades das famílias. Nos finais da década de 80são colocadas as fundações para construção de umaampla e nova parcela e a paisagem do Bairro Padre Cruz(física e vivencial) transfigura-se irreversivelmente.

(Fase 3) 1990 a 2000: Bairro(s) de contraste(s) – oalvorecer do “bairro novo” e o anoitecer do “bairroantigo” Previa-se o crescimento da Lisboa dos anos 90, astransformações impostas pela Expo de 94, a construção do

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eixo Norte-Sul e os planos P.I.M.P (Plano de Intervenção aMédio Prazo) e, mais tarde, o P.E.R. (Plano Especial deRealojamentos) viabilizam a sua concretização. Estesplanos permitiram o programa camarário dos anos 80-90para “erradicação das barracas” e os consequentesrealojamentos, massivos, das famílias com geografiashumanas diferentes (quer entre si, quer relativamente àsprimeiras gerações de moradores) que trouxe novasproblemáticas sociais. Nasce uma nova zona no Bairro que ficariaconhecida como “bairro novo” por contraste com o “bairroantigo” (primeiras zonas de lusalite e de alvenaria).Apresenta um desenho e recorte do horizonte totalmentediferentes – prédios de blocos coloridos alinhados emquarteirões, largas avenidas e amplos espaços públicos. Astensões entre “os filhos do bairro” e as populações recém-instaladas estruturam as conflituosas sociabilidadesdurante este período que envolveu, também, orealojamento de famílias ciganas alojadas no sítio vizinhodo Alto do Forno. Os anos 90 correspondem a um períodoespecialmente crítico e muito acelerado na vida do Bairroque se transforma, e “encerra”, uma “cidade dentro dacidade”.

(Fase 4) 2000 a 2012: A requalificação do BairroPadre Cruz: o futuro e a memória

O decurso da década de 2000 inclui váriosmomentos decisivos e de grande impacto nas paisagensfísicas e vivenciais do Bairro Padre Cruz. A resolução dosproblemas do Bairro – a integração das novas populações ea degradação da zona de alvenaria – exigiam urgente eeficaz intervenção camarária. As condições de vida dignaspara uma população envelhecida está fortementecomprometida. Mas é também outro período decisivo.Após vários impasses políticos, é o momento em que oBairro pressiona a gestão da cidade a pensá-lo como um“lugar em si mesmo” e o mês de Janeiro de 2012 marca oinício do processo de requalificação com a primeira fase dedemolição das casas de alvenaria. Este plano derequalificação (sujeito a reformulações e impasses) propõe

um modelo de “Bairro Integrado” e contempla umcalendário faseado a prolongar-se para além da dezena deanos. Também por isso é o momento da mais brusca e

violenta transformação nas paisagens – interiores eexteriores – constituindo singular oportunidade de estudosobre o valor social da escala e humana nos actuais modosde conceber, planear e construir a Cidade.

O direito à memória – uma questão central num”bairro periférico” Para além da sucessão das transformações eintervenções no espaço físico identificáveis no tempo e noterritório, percebeu-se existir um espólio de vivências,memórias, cumplicidades, simbolismos e representaçõessociais… que muito têm consolidado uma identidade deterritório, uma certa “cultura de bairro”, conforme dizem. E,esta, revelou-se umareferência fundante para outros

trabalhos, pioneiros, que o Bairro tem desenvolvido. Aqualidade das relações de vizinhança, o associativismo, aparticipação comunitária… determinaram a qualidade damalha de relações sociais que o Bairro foi gerando e longodos anos dando consistência à ideia de “cultura de bairro”e, por isso, de uma certa “sustentabilidade social”.

Mas essa identidade original também possibilitouacumular referências e amadurecer con-vivências que, aolongo do tempo, se foi constituindo como outro valiosocapital. Umcapital social comunitário, uma mais-valiasobre a qual importará reflectir no contexto darequalificação em curso. Por consequência, assumimos particular atençãoàs memórias dos primeiros anos da vida do Bairro por váriasrazões: o facto do “bairro antigo” ser, no presente, alvo dasintervenções de requalificação e, portanto, objecto detransformações irreversíveis; o facto de encontrarmosnaquelas convivências a matriz de referência, a “âncoraidentitária” que permite compreender aquilo que o Bairrofoi sendo, como é imaginado e representado, e como issoinfluiu (e influi) na relação com populações posteriormenteinstaladas.

Porém, também desbravámos informação original

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sobre a história mais recente. E, aqui, a intenção pioneirade reunir, escutar e fazer dialogar a voz e as razões entremoradores das várias gerações e diferentes fases –procurando as proximidades e as divergências – talvez sejao maior contributo: o reconhecimento de que estas vozes,plurais, todas elas fazem parte do património humano,afectivo e vivencial não só do Bairro Padre Cruz mas,também, da história de Lisboa. Porque “o Bairro é o palcodesta memória colectiva que se reflecte na memória dacidade.” (Nicolau, J. (2012): 39).

São vozes que irrompem dos silêncios omissos ouainda hoje esquecidos e que são fundamentais porquerevelam as limitações da narrativa única, quantas vezesconfundida com “verdade histórica”. E são fundamentais,também, porque resgatam o elementar direito à (sua)memória por parte das pessoas comuns, dos moradores enão moradores, actores locais… capacitados a intervir nosdestinos das comunidades onde se inserem – porque amemória, não esqueçamos, é um po der e, porconseguinte, umcapital no campo social. Como tal, odireito à memória, e o reconhecimento do seu valor denarrativa, inscrevem-se como questões fulcrais da vida emdemocracia. Por tudo isto, reafirma-se a importância do vínculoentre patrimónios locais, acção comunitária/participada edesenvolvimento local – só uma comunidade que dispõe deum lugar para a memória, uma comunidade que pensasobre si mesma, é capaz de usar e rentabilizar os recursos(humanos, materiais e imateriais…) a fim de promoverfuturos, criar novas e melhores condições para um maiornúmero de pessoas, sejam vizinhos, sejam concidadãos.“Sei que a cidade está perder os seus bairros eisso é muito preocupante. Porque aqui eu nunca estavasozinha, sentia-me sempre acompanhada e isso é que é omaior desenvolvimento de uma cidade, acredito…”(Olinda, moradora). Curiosamente pertinente e actual este aviso numcontexto em que a política urbana deste início de século XXI– a Carta Estratégica de Lisboa (2010-2014) – propõe uma

vocação humanista para Lisboa: a de ser “uma cidade de

bairros”… “Para os seus habitantes, Lisboa precisa de setransformar numa cidade de bairros, realçando o caráterexistente, plantando as sementes do futuro. O bairro deveser a unidade estruturante, no espaço e no tempo,definidor do orgulho e do prazer da cidadania (…) Ocidadão deve gostar de viver e/ou trabalhar no seu bairro(…) e os bairros devem ter uma escala humana, nãoexcedendo a dimensão espacial das cidades medievais.”

E chegámos ao último propósito. Desconstruam-se estigmas e ideias preconcebidas sobre realidadessociais que, afinal, pouco se conhecem. O Bairro PadreCruz não pode servir de cenário por onde desfilampersonagens “marginais” e de onde apenas se retiram ounoticiam histórias sobre “delinquências urbanas”. Porque ahistória do Bairro Padre Cruz completa e anima a narrativada cidade, multipliquem-se os ângulos de observação econsolidemos uma outra consciência social – mais amplae, por isso, mais inclusiva nestes tempos agrestes que(nos) exigem a verdadeira sensibilização humana naconstrução e vivência dos territórios, seja à escala dobairro, da cidade, do país ou do planeta.

Uma Cidade onde os lugares, os seus bairros…,sejam construídos e vivenciados à escala da dignidadehumana em sério compromisso no respeito pelo ambienteenvolvente. Lembremos – se a casa fixa o rosto do humanono seu território, os bairros fixam o rosto do humano naCidade. Este, um projecto nosso.

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Fase 0 ATÉ 1958: NO INÍCIO ERA O CAMPO

“É importante perceber que não se trata só de preservare estudar o edificado. É importante perceber que o

território também guarda memórias e é património (…)Nesta freguesia é ainda possível estudar o passadoatravés do estudo da génese do bairro – as azinhagas

são vestígios dessa memória… vestígios da malhaantiga, das divisões em quintas…”

Jorge Nicolau (ex-morador do Bairro)

“Era o meu patrão, o senhor Arménio. Era ele quem semeava isto aqui tudo. Era trigo, centeio e cevada ealpista. Ele arrendava isto ao Castanheira de Moura. Omercado foi uma vacaria onde o Castanheira de Moura

punha os bois de trabalho. Depois, iam por estas encostasaté ao Lumiar. Era tudo dele, até ao Lumiar… Tinha umafábrica de azeites e farinhas lá no Paço do Lumiar. Dizemque foi ele quem deu os terrenos para fazer casas para

pobres. Toda a vida ouvimos dizer que ele ou a viúva deramo terreno à Câmara para fazer um bairro para os

(1) pobres.”(Manuel Cebola (morador )

“Sou o filho do Arménio. Nós cultivávamos ali aquelesterrenos… Era a Quinta da Penteeira.Nós éramos rendeiros da Câmara de Lisboa. Sempre

pagámos a renda à Câmara. Pagava-se uma vez por ano ehavia registos nuns cartõezinhos com furos…Havia um regueirão que passava ali que chegava atéBenfica. Perto da casa branca havia uma grande lagoa.Eram várias courelas e havia uma courela que pertencia àcerâmica que, depois, nós também cultivávamos. Vinham

pessoas do Norte, de Pombal, trabalhar aqui no Inverno porque eles tinham as culturas da Primavera. Faziam aquihortas, eram vaqueiros… trabalhavam nas quintas quehavia por aqui… Chegámos a ir vender para o mercado doCampo Grande, para o mercado abastecedor. Depois, omeu pai começou a cultivar os terrenos: trigo, aveia,cevada, milho nas baixas… e eu lá ia com o meu sachinho,

tinha umas botas, e o meu pai ensinou-me como se abriamos regos. Eu andava ali a pastar o gado e vi o bairro acrescer. Tinha muita curiosidade…”(António José, filho doArménio, rendeiro da Quinta da Penteeira, morador emCarnide)

“Aquilo era tudo terra de lavoura, era do Castanheira deMoura. Aquilo era lavrado com bois… era cá uma remessade bois! Naquele tempo era um terreno muito grande, eraterreno de sequeiro, cultura de trigo.Conheci o Arménio. E o filho! O António José nasceu aquiao lado da minha casa, em Carnide. E quando eu tinha aoficina de serralharia, ele andava por aí a gatinhar… Eainda aqui têm família. E o Cebola? Então não sei quem é oCebola! Ele trabalhou para ali para a cerâmica… aqui, a deCarnide. Porque havia outra fábrica de cerâmica, ali mais

para o Lumiar. Era do Santos, ali para a Azinhaga dosLameiros. E havia lá um tanque que nós, em miúdos,fazíamos de piscina. Eu aprendi lá a nadar com os daminha criação. Quando tiravam o barro… ficavambarreiras, e a gente aprendia a nadar. E até houve doismiúdos da nossa idade que ficaram lá…E havia a Rosa Ginja que também era cá de Carnide, e dooutro lado havia a azinhaga escura, as Hortenses que erade uns africanos, de Angola… e a quinta do Serrado. E oengenheiro Santana era o dono do terreno onde agorafizeram o condomínio da Quinta das Camareiras. Era de umengenheiro agrónomo… Nós chamávamos a “Quinta doParaíso”, era o nome. A Quinta da Mal Penteada era maischegada à Pontinha… Eu ia para os lados da Penteeira

porque ia aos pássaros. Quando veio o bairro e acabaramos pássaros e eu deixei de ir para lá…”(Rogério Cipriano, vizinho do Arménio e do filho, José António, moradores emCarnide)

ano de 1958 assinala a aquisição da Quinta daOPentieira/Alto da Pentieira – depois, Penteeira – porparte da Câmara Municipal de Lisboa (durante a

transição da presidência de Álvaro Salvação Barreto paraAntónio França Borges). A Câmara Municipal de Lisboa

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QUINTA DA PENTEEIRA, 1967 (AF-CML)

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adquiriu esta Quinta (cuja área total deveria ser próximados 40 hectares) com o propósito de construir, em duasfases, um bairro de realojamento – o “Bairro das CasasDesmontáveis da Quinta da Penteeira”.A Quinta pertencia à viúva Elisa Augusta Soares

Castanheira de Moura e foi adquirida pelo preço de três(2)milhões e quinhentos mil escudos (3.500.000$00 ). Nodocumento ficou salvaguardado o direito à colheitadaquele mesmo ano (não especificada, mas supomos quefosse de trigo). Conforme consta da escritura, o terreno eracomposto por várias courelas ou prédios rústicosmaioritariamente pertença da freguesia de Carnide ealguns inscritos na freguesia do Lumiar.Nessa época apenas existiam duas edificações na Quintada Penteeira: uma antiga vacaria (actual mercado), e uma

velha casa de serventia aos trabalhos agrícolas onde forainstalada a mercearia “casa branca” ainda em temposanteriores ao bairro.

Após a leitura destas linhas já se compreendeu –toda a paisagem traz memórias, todo o territór io tem umahistória. Até mesmo os territórios mais remotos e distantesterão uma história. Essa história desenha-se e lê-se napaisagem. Na paisagem física, na paisagem exterior. Mas também existem as paisagens interiores. E aspaisagens interiores resultam dos modos como nosrelacionamos com os territórios, quando transformamosum território em “lugar” e, depois, em “nosso lugar”.Nomomento em que faz parte dos nossos afectos, e dasnossas memórias – é vivenciado como uma “paisageminterior”. E mesmo que essas paisagens e memórias, esseslugares “interiores” se confundam com o passar dos anospelas vidas (afinal, o Arménio seria um rendeiro doCastanheira de Moura ou da Câmara Municipal de Lisboa?Ou, afinal, terá sido de ambos em fases diferentes…?) sãosempre referências importantes para a história de qualquerlugar.

Por exemplo, a questão da doação do terreno àCâmara por um benemérito particular (o próprio

Castanheira de Moura? A sua viúva?) foi, por diversas vezes, referida e defendida pelos moradores mais antigos.

Disseram: “Foi o proprietário da Quinta que adeixou à Câmara para serem feitas casas sociais.” (JúlioVaz, morador no Bairro); “E eu cá sempre ouvi dizer – era o

que se contava por aqui – que estes terrenos tinham sidodo Padre Cruz e foi o santo padre que os deu à Câmara parafazer um bairro para os pobres. E, ao final de alguns anos,acho que 50, as casas ficavam para eles.” Maria da GraçaPereira (moradora no Bairro). Houve inclusivamente quem afirmasse que osterrenos haviam sido doados ao Padre Francisco da Cruz(patrono do Bairro, conforme homenagem póstuma) paraque neles desenvolvesse a sua obra assistencialista emfavor dos mais carenciados.

Porém, estas referências – que a existência deescritura demonstra não terem qualquer fundamento – sãoexemplares do modo como os primeiros moradores seforam relacionando e apropriando deste território –recriando “estórias”, episódios da história e atéconstruindo as suas lendas, mitos e heróis locais.

Ora, estes “mitos” são tanto mais interessantesquanto percebemos que, no início, este terreno da Quintada Penteeira era um território ermo e despovoado degentes. Era uma finisterra, uma terra de limites, semeadana periferia da também periférica freguesia Carnide, talcomo assinalámos. Era um amplo terreno cultivado detrigo, isso sim, mas desabitado – “Dantes, não havia alinada. Era tudo campo…”, repetiram frequentementemuitos dos primeiros moradores.

Mas por tantas vozes insistirem nesta informação(“aqui, não havia nada!”) acabámos por suspeitar que,afinal, talvez pudéssemos encontraralgo. Alguma “coisa”que escapava à vista desarmada … mas que, afinal, podia

justificar a amplidão da paisagem, dava-lhes nomes(Quinta da Mal-Penteada, Penteeira, Ribeiro dos Murtais,Azinhaga das Bruxas…), distanciava as casas, despovoavaos terrenos, conhecia os riachos e as alagoas, desenhavatímidos carreiros, escolhia os cultivos e plantava asoliveiras.

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QUINTA DA PENTEEIRA, 1949(INSTITUTO GEOGRÁFICO CADASTRAL)

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Esse “algo” está inscrito na paisagem e faz parteda(s) história(s) – dos territórios, das cidades, dos países. Edas pessoas que os habitam. Ora, foi isso que nos levou aquerer saber o que era, afinal, este imenso “descampado”antes de ali ser semeado “o nosso bairro”.

Nesta primeira etapa do percurso entre tempos,paisagens e memórias distantes é isso mesmo queindagaremos: por que razões o bairro “nasceu” nesta tãodistante e recôndita Quinta da Penteeira, onde nada havia?

Quinta da Pentieira ou Alto da Pentieira: o termo doTermo

Quinta da Penteeira Foi em 1762 que encontrei a primeira refereenciaa esta quinta, onde, nesse anno, residia Manoel Simões

Álvaro. Seria este o fabricante de pentes, que lhe deu onome? Torna-se fallar-se nella em 1782. Há, porém, no aspecto venerando d’aquellaresidência campestre umas como rugas e cans de velhice,que parecem dizer-me que ella vae muito alem do meadodo século. Foi conhecida então por outro nome, por algumdaquelles que mencionei e que hoje não se sabe quequinta designavam. Em 1820 residia ali D. Luiza Goes.Em 1833, em terreno seu, por ficar bastante afastado da

povoação estabelecia-se o cemitério dos coléricos, ondeforam sepultadas, quasi na sua totalidade, as victimasd’essa terrível e mortífera epidemia. Em 1855 apparace já o nome do actual possuidor.Nesse anno era padrinho d’um Duarte, filho do cazeiro daquinta da Pentieira, Duarte de Souza Lobo, solteiro,morador na rua dos Anjos, 36. É este o actual proprietáriodesta quinta, onde reside a maior parte do anno, entregueao tratamento do seu esplendido aviário, notabilisismo

pelas espécies raras. Também em 1863 era padrinho d’uma filha dosmesmos um irmão d’aquelle senhor, Augusto de SouzaLobo, notável professor do Curso Superior de Letras.

(3)(Pereira, J.B.: 80-81)

Já foi referido que o “Alto da Pentieira” – ou “Quintada Pentieira” – onde viria a nascer o futuro Bairro PadreCruz situava-se na coroa norte da periferia da cidade de

(4)Lisboa, no extremo noroeste da freguesia de Carnide , a(5)

qual integrara o Termo de Lisboa . Na origem da Quinta da Penteeira poderia terestado uma outra. Em 1724 é referida a Quinta dosBargados (também Bragados ou Bergados) cujo caseiroseria Manoel de Oliveira e, em 1738, era o seu proprietárioManuel de Souza (Pereira, J.B “Memórias de Carnide”).

Ao que consta, foi posteriormente Manuel GomesPinheiro (em 1752-55) que teria alterado o nome doterreno para “Quinta da Penteeira”. Após outrosproprietários, chegou à viúva de Castanheira de Moura, quea vendeu à Câmara Municipal de Lisboa. O últimoproprietário, Castanheira de Moura, era natural do norte dopaís e, naquela altura, um abastado proprietário, ligado à

(6)indústria da panificação, em Lisboa . É dessa época o primeiro registo fotográfico queconhecemos desta Quinta: um vasto terreno de trigo e decenteio, forros de pastagens, atravessados por estreitasazinhagas ladeadas por algumas árvores de fruto,maioritariamente oliveiras. Ao fundo, o gado pastavatranquilo – cavalos, bois e vacas, cabras e ovelhasconviviam pacificamente entre quintas. Eram terrenos decultura fértil com um subsolo rico em linhas de água que as

várias alagoas e charcos evidenciavam – “O terreno dobairro é muito fértil. É um terreno com muita água. Abria-seum buraco com metro e meio e aparecia água…”,confirmaram. Lugar ermo e despovoado, mas nem por isso vaziode história. Muito antes pelo contrário. Toda esta amplapaisagem foi cenário de povoamentos remotos e, com oauxílio da bússola da memória percorreremos, a passoslargos, as antigas fronteiras desta Quinta, procurandorespostas para as questões que o presente nos coloca. Sabemos que pelos séculos XVIII e XIX foi cenáriopara quintas centenárias das quais ainda restam vestígios,casas senhoriais ou edificações mais humildes de apoio ao

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cultivo. Um local outrora afamado e muito apreciado pelosbons ares e beleza paisagística, convidando aristocratas, edepois abastados burgueses em refúgio do bulício dacidade.

Porém, se já desaparecidas muitas dessas

quintas, na toponímia da freguesia de Carnide ainda sepreservam muitas dessas memórias – Quinta de SãoLourenço, de Santo António, da Luz, dos Azulejos, do BomNome, do Machado, da Marquesa de Fora, do Conde deCarnide, Morgado, Mal penteada… (vizinha da Quinta daPenteeira), … entre tantas outras. Aliás, todo o percursoentre as azinhagas que ligava a Quinta da Penteeira atéCarnide é (ainda hoje) rico em vestígios dessa presençasenhorial e, depois, aburguesada. Mas também estapaisagem, herança dos séculos XVIII e XIX, não é fruto doacaso…

Vale, pois, recuar e relembrar que esta extensazona norte da cidade de Lisboa que incluía Carnidecorrespondera a uma fértil região agrícola. Durante operíodo muçulmano (secs. XVIII-IX) foi designada por saloia (“çahroi” – habitante do campo, em árabe). Sabe-se que osmouros terão habitado estes territórios e, depois, maisterão vindo refugiados quando Lisboa foi tomada pelosexércitos cristãos de Afonso Henriques, a partir de 1147.

O antigo local da Quinta da Penteeira debruçadosobre um acentuado “antiquíssimo e formosíssimo vale”integrava o território onde “se encontram em grandeabundância vestígios da residência que os árabes, pormuito tempo, fizeram nestes sítios.” (Pereira, J. B.: 30-31)e que a antiga toponímia de uma outra quinta vizinha – a“Quinta do Mata-Mouros” – pode confirmar.Ao longo dos muitos anos toda esta ampla área –que abrangia seis concelhos da Grande Lisboa (Lisboa,Oeiras, Cascais, Loures, Sintra e Mafra) e respectivasfreguesias de limite (no caso de Lisboa, as freguesias ruraisda Ameixoeira, Benfica, Carnide, Charneca Lumiar eOlivais) – fazia parte do sistema abastecedor da capital (cf.Martins, Jorge: 46) sendo considerada “Terra Saloia”, uma

(6)identificação que perduraria até ao século XX . Durante oséculo XIX e ainda inícios do século XX mantém-se que o

“saloio” (herdeiro da tal designação árabe) era,precisamente, o agricultor do arrabalde que se dirigia àcidade para comerciar os produtos das suas hortas epomares. Para escoar este trânsito comercial, esta “rotasaloia”, desenvolveram-se vias de acesso que incluíam a

passagem por Carnide. Pelo raiar da manhã ou findar dastardes, as carroças dos saloios percorriam os caminhosque lhes permitiam entrar (após passar na barreirafiscalizadora e pagar o chamado “imposto de consumo” (cf.Espírito Santo: 55) ou sair da cidade, “uma vez que Carnideera uma das referências para passagem e até de

(8)paragem.”

Aproveitando esse natural declive anorte efazendo fronteira com a Quinta, desenha-se a referidaEstrada da Circunvalação/Estrada Militar (fronteira

(9)territorial e fiscal desde 1895 . Era a linha onde estava oPosto dos Guardas-fiscais que dava passagem às entradasou saídas de Lisboa, e por onde comerciavam, também, ostradicionais saloios.

De sublinhar que esse Posto Fiscal é hoje ocentenário e célebre quartel da Pontinha (atualmente doRegimento de Engenharia nº 1) que, demarca a fronteiranoroeste da Quinta e tem um relevo muito especial entre as

(10)memórias nacionais .No curso da história – da cidade e do país – as

tropas deste quartel tiveram várias intervenções decisivas:em 1967, nas cheias em Lisboa e auxílio das vítimas dasinundações na Paiã; após o terramoto de 1969, queafectou o concelho de Lisboa; e, a mais recente e marcante– o facto de estar vivamente ligado ao processo darevolução do 25 de Abril, a que abriu portas. Foi a partirdeste quartel que o Movimento das Forças Armadas (MFA)foi comandado, deixando também memórias singulares emalguns moradores do Bairro, conforme escutaremosadiante. Mas para além da presença deste quartel daPontinha, a fronteira norte da Quinta com o concelho deLoures (e, a partir de 1998, concelho de Odivelas) ficoutambém conhecida por alguma “perigosidade”. Ali perto

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SALOIOS EM FRENTE AO COLÉGIO MILITAR (sd AF-CML)

ESTRADA DA CIRCUNVALAÇÃO, 1967 (AF-CML)

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estava armazenado material bélico destinado à guerra quePortugal teimava em manter nos territórios ultramarinos(1961-74). A propósito, o único morador com quemconversámos e que conheceu o local antes de ser bairro, osenhor Manuel Cebola, relembra:

“Eu estava na Pontinha quando os paióis do exército foramlá colocados. Era tudo gente do Minho que veio para cá…andava calçada com uns tarecos abertos atrás e láandavam eles a carregar todo o dia… Lembro-me de os vera trabalhar. Foi em 1946. Uma vez, houve uma grandeexplosão. Um pedaço dos destroços da granada foi ter na

porta da cozinha económica, da sopa para os pobres deCarnide era a sopa do Sidónio… Eram sopas bem boas…”

Por vizinhas, aoeste , a Quinta da Penteeiraconhecia apenas outras quintas de casario raro e disperso(Quinta da Malpenteada, Quinta da Torre do Fato), a fábricade cerâmica Dias Coelho (cf. doc. escritura, a Cerâmica deCarnide), em funcionamento naquele tempo. Esta fábrica,

juntamente com a fábrica de cerâmica do Lumiar,empregou alguns moradores do Bairro – “eu andava por lá acozer tijolo” – nalguns casos, muito jovens. E, conformeadiante será relembrado, os desperdícios da fábrica viriama ser reaproveitados, pelos moradores, na construção demuros e muretes das respectivas casas.

“Quando víamos o fumo da chaminé da fábrica do tijolo seguir para o lado esquerdo era sinal que vinha chuva e para o direito, vinha bom tempo. Era o que os mais antigosdiziam e batia certo” (José Martinho, morador) Caminhando na d i recçãoes te vemosprolongarem-se as azinhagas (a azinhaga da Penteeira, aazinhaga dos Lameiros, a azinhaga das Bruxas (“deviachamar-se assim porque os ramos das árvores, aoescurecer, metiam medo…”) que, atravessando a vizinhaQuinta das Camareiras, conduziam ao lugar do Lumiar –que era outra “freguesia do Termo”. Neste percursosituava-se a Quinta da Torre do Fato (cuja história merece

outra atenção) – de que apenas resta a toponímia da suaazinhaga – que terá sido casa de campo da família do

(11)Marquês Sá da Bandeira, já no século XIX .Curiosamente e apesar da proximidade geográfica a “muinobre” freguesia do Lumiar é uma “vizinha distante”.

Mereceu poucas referências nas memórias dosmoradores. Excepção para a fábrica de cerâmica que“empregou alguns miúdos do bairro” e para a Quinta dosCovões, cujos pomares tentavam as célebres ememoráveis chinchadas… Um passatempo tão bemlembrado mas que valeu gozos e sustos valentes conformeadiante escutaremos – “ai, as chinchadas! Que fruta boatinha a Quinta dos Covões! Era a melhor fruta, sem dúvida!Mas tinha o guarda! E os tiros de sal!”

Finalmente, seguindo parasul saltamos o Ribeiro(12)dos Murtais e percorremos as velhinhas azinhagas

(Azinhaga dos Cerejais, Azinhaga das Freiras, Estrada doPoço do Chão, Travessa da Cova da Onça, Azinhaga dasMurtas…) que conduziam ao sítio velho de Carnide, do quala Quinta da Penteeira distava perto de 2km e em cujafreguesia sempre se inscreveu administrativamente. Mas arelação com o núcleo histórico da freguesia merece maisatenção por várias razões.

O lugar de Carnide é o ponto original da paróquia eo coração da freguesia. Nunca é demais relembrar que olugar de Carnide era outro “sítio muito antigo” depovoamentos remotos e originário de uma paróquia rural.Pelo caminhar dos séculos, Carnide foi sendo lugar deencontro entre culturas, credos, religiões… romanos,

(13)mouros, cristãos…Marco simbólico e histórico da freguesia, em 1463teve início a devoção a Nossa Senhora da Luz (com orespectivo santuário e singular igreja) que “cristianizou”antigas celebrações. A romaria das colheitas de Setembroperdura até hoje e é acompanhada pela afamada Feira daLuz (com mais de 500 anos!). Associada a esta função delugar do sagrado, o povoado de Carnide foi, durante largosséculos, território de ricas quintas, inicialmente, pertençadas ordens religiosas que justificaram a construção de

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QUINTA DA PENTEEIRA, 1967 (AF-CML)

QUINTA DA PENTEEIRA, 1967 (AF-CML)

LOCALIZAÇÃO QUINTA DA PENTEEIRA, EM CARNIDE (CML)

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vários conventos.Porém já pelo século XIX, a partir do núcleo da

freguesia (hoje conhecido como “Centro Histórico” ou“Carnide Velho”) evidenciaram-se contrastes entre apersistente ruralidade e as exigências de um povoamento,

mais urbano. E o núcleo de Carnide permaneceu,longamente, como único território urbanizado na freguesiaaté surgir o Bairro Padre Cruz, o que fomentou fortes

(14) vínculos entre estes dois bairros. No início dos anos 60 – quando o Bairro Padre Cruzfoi “montado” – a freguesia de Carnide já era uma dasmaiores f regues ias da c idade em ex tensão(aproximadamente 400 hectares) mas com uma lentaevolução no crescimento populacional. A instalação doBairro Padre Cruz alterou significativamente esta situação.Em apenas uma década, quase duplicou o número deresidentes na freguesia (em 1961 eram 4 263; em 1971registam-se 8 325; ibidem). Durante este período os dois centros – o CarnideVelho e o Bairro Padre Cruz – partilhariam váriasreferências… o bilhete operário do elétrico 13, os trajectosdiários pelas azinhagas, as aulas da professora na antigaescola primária (onde hoje está instalada a Junta de

(15)Freguesia), os rebuçados da mercearia do Teixeira … etantos mais, adiante lembrados. Mas também asreferências simbólicas e culturais, vividas e interiorizadas,aquando dos casamentos e os baptizados celebrados naIgreja de N. Senhora da Luz, as fotografias no Jardim daLuz, as idas aos doces e barros na Feira da Luz,… queperduram na memória do presente e adiante melhorescutaremos. Se demorámos a percorrer as fronteiras da Quintada Penteeira foi para justificar, precisamente, a raizhistórica e situar o ambiente do lugar onde irá ser montadoo Bairro Padre Cruz. E, com isso, perceber como o valorhistórico e conteúdo social desta paisagem foram alteradoscom a mudança dos contextos político-sociais. Mudadosos tempos, mudados os costumes. E também asorientações, as preocupações políticas e por conseguinte

as “vocações” dos lugares. Foi o que aconteceu com aQuinta da Penteeira quando chegamos ao tempo daspreocupações urbanistas da década de 40, do século XX,durante o regime do Estado Novo, que vigorou a partir de

(16)1933 sob a figura de António Oliveira Salazar .

Durante o Estado Novo impôs-se um outro modode pensar e de fazer cidade em que a função e distância aocoração de Lisboa são, em grande parte, aferidores do valordo território. E, portanto, as tais características deruralidade (ares aprazíveis, terrenos férteis e disponíveispara o cultivo, escasso povoamento, separados da malhaurbana, antiguidade e historicidade …) passam a ter outros

valores (fundiário, comercial, social, simbólico…). Nestenovo contexto sócio-político os terrenos da Quinta sãoconsiderados periféricos (geográfica e socialmente demenor valor) em relação a umcentro que, em contraste, émuito valorizado. E esse centro será a baixa histórica e todaa renovada zona de Lisboa (eixo da avenida da Liberdade, eavenidas novas…) onde se concentram os serviços, oprincipal comércio, os centro de decisão, a raiz histórica esimbólica da cidade e a partir da qual se desenvolvem oshorizontes de modernização da cidade…

Este era um modo de pensar e fazer cidade queseguia as modernas referências europeias e que o Plano deDesenvolvimento da Cidade (1938-48) confirmaria. Fácilserá perceber, então, que a finisterra da Quinta Penteeira –o tal território localizado no termo do Termo – está incluída,precisamente, nessa distante coroa periférica (edesvalorizada) do concelho de Lisboa

“Quando aqui cheguei… ai, menina!, foi uma grandedesilusão…! Eu vivia em Lisboa, ali perto das cortes, tinhaos meus lugares das compras, eu ia ao Chiado… e quandovim ver o bairro e passei do campo de futebol do Benfica

para lá, ai… Até ali tudo bem, porque eu já conhecia. Mas,depois não havia carros, só o eléctrico e vínhamos aquele

pedaço todo a pé. Ai, senti que estava a chegar ao fim domundo! Foi uma tristeza e confusão vir para aqui. Nemimagina…” (Teresa Pedra, moradora)

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AZINHAGAS EM REDOR DE CARNIDE, 1963 (AF-CML)

PARAGEM DO ELÉCTRICO 13, CARNIDE, 1967 (AF-CML)

SANTUÁRIO N. SENHORA DA LUZ, 1960 (AF-CML)

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Finalmente chegámos ao que mais interessa:apesar de estar localizada administrativamente dentro dacidade, a Quinta da Penteeira era um lugarexterior edistante aos usos e funcionalidades da cidade de Lisboa,compreendeu-se.

Por isso, retomando a questão inicial – tantas vezes relembrada pelos moradores! – “aquilo era sócampo, no início não havia lá nada…” convém entenderque esse terreno, outrora povoado por antiquíssimas e

valiosas referências históricas, passou a ser um territóriogeográfica e socialmente desvalorizado à luz dos novoscritérios urbanistas do Estado Novo.

Além disso, não esqueçamos, os documentosantigos referiram os terrenos da Quinta da Penteeira paraoutros usos que também os penalizava: cemitérioimprovisado para os vitimados da peste de Lisboa de 1833;estava circunscrito e limitado pela Estrada Militar daCircunvalação e pela presença dos quartéis do Regimentode Engenharia 1, na Pontinha; localizava-se perto dospaióis do exército – quer do antigo posto fiscal do Vale doForno, quer da Ameixoeira – onde estava guardado materialbélico.

Conforme fomos percebendo, a história destebairro não é independente da história da freguesia, nem tãopouco da história da cidade. Aliás, está-lhesumbilicalmente ligada. Mas também não é independentedos percursos de vida dos seus (futuros) moradores.Veremos que o critério de selecção – “o onde?” – não podeser desligado da intenção do plano – “porquê?” – nem dosdestinatários – “para quem?” – estava decidido atribuireste terreno.A história – e a paisagem – da antiga Quinta daPenteeira vai prolongar-se e transformar-se, mas semprenum diálogo tenso e intenso com a cidade – seja pelosrecortes e limites geográficos, pelo desenho de aldeia queali veremos crescer, seja pelo perfil social das populaçõesque ali irão residir. Por isso, defendemos que taistransformações jamais podem ser entendidas à margemdo contexto da história recente, do desenvolvimento eexpansão da cidade de Lisboa onde o problema da

habitação existia e persistia como “o grande problema dacidade.” (cf. Actas CML de 1959 e 1960). É justamente aíque nos situaremos para abrir o ponto seguinte.

Lisboa, uma capital à escala do Império

“Lisboa é uma cidade em obra, desenvolvendo-se ealindando-se dia-a-dia sem interrupção. Novas ruas,

novos jardins, novos prédios multiplicam-se por toda a parte. Lisboa renova-se (…) Lisboa é cada vez maisLisboa, apta a cumprir a sua vocação universal.” (in,

Lisboa de Hoje e de Amanhã, documentário de AntónioLopes Ribeiro, CML, 1948)

Mas a história da cidade também não éindependente da história do país. E a história recente dopaís contou-nos que, a partir da década de 1930, as zonasrurais e interiores evidenciavam o subdesenvolvimento quefoi conduzindo ao desemprego e ruína de muitostrabalhadores rurais.

Os ventos da “modernidade” impeliam àapressada transição de um país essencialmente rural paraum país industrial sem que houvesse tempo para reajustara mão-de-obra e o aparelho produtivo. (vd. bibliografiaRosas, Fernando; Amaral, Luciano). Por conseguinte, ascondições económico-sociais vividas em Portugal duranteos anos 40 (com agravamento nas duas décadasseguintes) empurraram os trabalhadores ruraisempobrecidos para os maiores centros urbanos – Lisboa ePorto. Ou para as rotas da emigração (primeiro, américas edepois, europas). Grande parte da primeira geração demoradores do Bairro Padre Cruz confirmaria isto mesmo –“A emigração era para a cidade. Ganhava-se melhor”.

“Era quase tudo gente da província, que tinha vindo para acidade à procura de uma vida melhor”. “Este bairro tinha

gente de muitas regiões do país – Beira Alta, Trás-os-Montes, Minho… e com as misérias das suas terras, comos empregos que conseguiram aqui, embora comvencimentos ignóbeis, conseguiam ter alguma maior

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LARGO DAS PIMENTEIRAS, ANTIGA ESCOLA PRIMÁRIA,CARNIDE, 1963 (AF-CML

FEIRA DA LUZ, VENDA DE LOIÇAS DE BAIRRO, 1963(AF-CML

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qualidade do que nas suas terras.” (Manuel João,morador).

Em alternativa às dificuldades do mundo rural,estes migrantes do campo chegavam, foram chegando à

cidade atraídos por outras oportunidades de emprego, asquais eram possibilitadas pelas grandiosas obras da cidadede Lisboa. “Constrói-se com frenesim. Não há desempregona construção civil.” (in, Lisboa de Hoje e de Amanhã,documentário de António Lopes Ribeiro, CML, 1948) Recordemos que no âmbito das políticaseconómicas dos anos 30, o Estado Novo assentou oprogresso do país – a “modernização” – num enormeinvestimento em obras públicas. Nesse processo, a cidadede Lisboa foi conquistando um centralismo privilegiado.Aqui concentravam-se atenções e esforços namodernização da respectiva imagem não só desejadacomo capital europeia mas, também, como “Capital doImpério”, de vocação universal, que se pretendia manter econsolidar a todo o custo (cf. Actas da CML, 1959 ebibliografia). Para além disso, o facto de Duarte Pachecoacumular os cargos de ministro das Obras Públicas (1932-36; 1938-1943) e de presidente da Câmara Municipal deLisboa (1938-1943), foi outro aspecto impulsionadordesse centralismo de Lisboa. E os objectivos para oalcançar tomaram peso de leis (Dec-lei 28 197, 1 de Julhode 1938 que possibilitava a determinação municipal do“uso do solo” e a possibilidade da sua expropriação)

A reformulação do Plano Director de Lisboa de

1945-48 (que inclui o contributo de urbanistas franceses e(17)as recomendações da Carta de Atenas estabelecia, nãosó, uma nova concepção de cidade (organizada, aberta earejada…; construção em altura, amplos espaços verdes earruamentos bem definidos…), como também estabeleciauma diferenciação funcional para a cidade (zonas decomércio, habitação, indústria…) e com isso implicavanovos zonamentos (e valorações) sociais com umaevidente dependência do centro da cidade, conforme dito.

Foi também a partir daquele núcleo (“o coração de

Lisboa”) que foi definida uma estrutura viária, sediferenciaram os espaços, definiram hierarquias deprestígio e de rentabilidade (centro/periferias; zonasqualificadas/desqualificadas; avenidas ricas/bairrospobres) determinadas por um “capitalismo fundiário em

que Lisboa, muito mais do que capital do Império, passariadepois a impor um “império da capital”. (Ferreira, Matias:325-26). Ano após ano, esta “monumentalizada” Lisboa poronde passavam “rios de ouro” (cf. Actas da Câmara deLisboa, 1960) – crescia apoiada por recomendações,

visões e estudos de urbanistas est rangeiros e oscontributos (por vezes, críticos) de uma nova geração dearquitectos portugueses. A Lisboa do meio século XX erauma cidade que engrandecia e conquistava outros volumese (des)proporções. As construções da década de 40 – deonde se destacam as gares marítima e fluvial, o aeroporto eas suas avenidas, a autoestrada para o Estoril e o viaduto, oestádio nacional, a fonte luminosa da Alameda, asavenidas António Augusto de Aguiar e Sidónio Pais… –evidenciam o desejo de transformar Lisboa numa grandiosae cosmopolita cidade que a Exposição Histórica do MundoPortuguês já ostentara em 1940 (vd. França, J.A. (2005):93-108). E esta ostentação era motivo de grande “orgulhonacional” atendendo a que “lá fora”, a Europa, estava a

viver as enormes aflições da II Grande Guerra (1939-45).Os edifícios da Cidade Universitária também o

demonstram e, em particular, o Hospital de Santa Maria(iniciado em 1940 e só concluído em 1953 e que obrigou àtransferência dos bairros provisórios ali instalados)

projectavam, no desenho urbano, a força de um poder doqual “o futuro se orgulharia” e os “europeus respeitariam”,acreditava-se (cf. Actas da Câmara Municipal de Lisboa,1959). Em resultado deste grandioso investimentocompreende-se que o volume (e o tal “frenesim”) das obrasna capital atraía – e porque também dela necessitava! – amão-de-obra espoliada dos trabalhos rurais e agrícolas.Uma mão-de-obra, vulnerável e iletrada, com grandesdificuldades em reconverter as capacitações e experiências

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PLANO DIRECTOR MUNICIPAL, 1938-48 (CML)

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do mundo rural em salários adequados à suasobrevivência, em contexto urbano.

Todavia, encontrado o trabalho que garantia asmodestas sobrevivências, impunha-se o problema doalojamento a custos compatíveis com a manutenção do

baixo nível dos salários. (cf. Actas da CML, 1960). Por isso,só foi possível encontrar essa “oferta” nos terrenos de baixo valor social. Em grande parte, nos terrenos localizados nastais zonas periféricas. Por isso a coroa de Lisboa surgecomo “solução” para acolher estes migrantes.

Será ali, em terras distantes onde “nada havia”;ali, nos tais arrabaldes desvalorizados que viriam a crescere proliferar as iniciativas espontâneas por parte daspopulações carentes e aflitas, multiplicando os “bairros delata”. Na cintura externa de Lisboa àquela época – Olivais,Marvila, Benfica, S. Domingos de Benfica, Carnide e Lumiar– cresceram os núcleos abarracados “em condições pioresque as das “ilhas” ou “pátios oitocentistas, aliás nãodesaparecidos nas cidades sucessivas.” (vd. França, J.-A.(1995): 98-99). Quando chegamos aos anos 40-50, do século XX,milhares de famílias concentraram-se em zonas-limite,socialmente desvalorizadas, “vivendo em barracasmiseráveis, e na pior promiscuidade (…)”(cf. Actas da CML(1959): 18). E às quais se somavam as populações fabris,

já albergadas nos empobrecidos bairros operários (ou emabarracamentos próximos) espalhados pelo miolo dacidade. Estes núcleos, desprovidos das condições mínimasde habitabilidade, persistiam ainda durante a década de 60como o problema da cidade que urgia resolver – porque

perigavam a saúde pública, “envergonhavam” a cidade doregime e embaciavam o esplendor da tal modernidade. (Cf.Actas da CML, 1959: 18). Um estudo da CML de 1960 refere a situação de43 470 pessoas a residir em 10 918 barracas (cf. Actas daCML, 1960). Embora reconhecendo que Carnide nãotenha sido das zonas da Grande Lisboa onde esses núcleosmais se fixaram (quando comparada as vizinhas Pontinha,Buraca e Amadora, por exemplo) não deixou de sersignificativa a presença de uma população muito

empobrecida “(…) em que se englobavam antigostrabalhadores rurais das quintas, população imigrada dezonas rurais do país ou vinda do centro da cidade onde

viviam em barracas (…) População de fracos recursoseconómicos com dificuldades estruturais de acesso ao

mercado habitacional, o que a condena a viver emcondições bastante precárias.” (CML (2010): 17).Foi este contexto político e social que, em 1959,

justificou as decisões camarárias que estiveram na origemdo Bairro das Casas Desmontáveis na Quinta da Penteeira,futuro Bairro Padre Cruz.

Reafirma-se a ideia de que a origem e história doBairro fazem parte integrante da história da cidade – e dopaís! – revelando, ao longo do tempo, expressões depoderes sociais (económicos, políticos, ideológicos…)desigualmente inscritos nos territórios… pois “assim oexigia o crescimentonatural da cidade” (Lisboa de Hoje ede Amanhã, documentário de António Lopes Ribeiro, CML,1948; destaque nosso). “Numa apreciação resumida da políticahabitacional, até meados dos ano 60, podemos dizer queela visou essencialmente objectivos políticos e ideológicos(normalização social e familiar, afirmação da capacidaderealizadora do Regime e do seu providencialismo social) esó muito timidamente (…) se esboçaram acções nosentido de melhorar as condições de reprodução da forçade trabalho.” (Ferreira, A.F., 1988: 56). No ponto seguinteé isto mesmo que iremos comprovar pela voz de quemdecidia.

… e a escala das “aldeias de folhas de lusalite”“Sabe-se como a falta de habitação condigna degrada o

homem, afectando-lhe a saúde física e moral, e faz progressivamente perder o sentido de dignidade que

importa preservar-lhe, em ordem aos seus altosdestinos.(…) tem a Câmara, como primeira entidade

responsável pelo alojamento da população da Cidade,feito tudo quanto podia e lhe cumpria fazer para

enfrentar o problema?”(Actas CML de 1960).

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CONSTRUÇÃO DO HOSPITAL DE SANTA MARIA,1940-45 (AF-CML)

AZINHAGA DAS MURTAS, CARNIDE, 1940 (AF-CML)

AZINHAGA DAS MURTAS, CARNIDE, 1940 (AF-CML)

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Compreendeu-se que o problema da habitaçãoera agravado dia-a-dia e impunha prioridades para os diasde ontem (Cf. Actas CML de 1959 e 1960). Porém,repetimos o tom retórico da questão: “tem a Câmara (…)feito tudo quanto podia e lhe cumpria fazer para enfrentar o

problema?” No seguimento do que se passava na Europa,designadamente no Reino Unido, as preocupações com ascondições de habitabilidade das populações mais

vulneráveis tiveram origem nas preocupações com a saúde(18)pública . Desde 1917-18 já haviam surgido os primeiros

projectos promovidos pelo Estado português para bairrosde “casas económicas” (Arco do Cego, Ajuda e Boa-Hora)

(19)que logo depois ficariam suspensos . Só em 1928 é queo Governo da Ditadura Militar (futuro regime do EstadoNovo) readaptou aquele primeiro projecto.

No entanto, também não conseguiu resolver oproblema das classes de menores recursos nem dosgrupos mais vulnerabilizados (operários, migrantesrurais,…) atendendo ao reduzido número de fogosdisponíveis e respectivos custos finais. Esta foi outraresposta pública que, não só tardou, como nuncaquestionou os motivos económicos e sociais queproduziam e continuadamente reproduziam as penosasfragilidades sociais destas largas franjas de população. O posterior programa das casas económicas de1933 tentou consolidar uma outra linha de intervenção doEstado na promoção da “habitação social”. Fazia umasíntese das propostas anteriores e avançava critérios demaior rigor – a quantificação e aclassificação dos

segmentos sociais da população-alvo foi uma delas.Reconheceu uma população socialmente vulnerabilizada –“um conjunto anónimo” – na qual o regime fixou aidentidade, a fatalidade e o estigma: “as classes pobres”. Apartir daí identificaram-se as casas para as “famíliaspobres”; as casas de renda económica; e as casas derendas limitadas, fruto de novos compromissos entre ainiciativa privada e os poderes públicos.

Curiosamente, encontram-se aqui vários pontosde tensão que contextualizam o papel estratégico destes

bairros municipais, designadamente, do futuro BairroPadre Cruz. Do ponto vista da ordem social, a instalaçãoprecária destes migrantes rurais chocava com o movimentodas novas ideias, com o ambicionado aprumo das pedras

da magnífica “cidade do Império”. Mas, por outro lado, doponto de vista socioeconómico, esse mesmo movimentofoi percebido e aproveitado como produto rentável (pelobaixo custo/salário da respectiva mão-de-obra – os taissalários ignóbeis (na adjectivação de Manuel João) paraconstruir as grandiosas obras públicas da capital – “O estilomonumental de Lisboa que hoje já não envergonhaninguém” (cf. Actas CML de 1960). Foi, pois, para “resolver” esta pressão entre agravosa falta de habitações na cidade, as péssimascondições em que as “famílias de fracos recursos” viviam, emanter os baixos custos/baixos salários da mão-de-obra,que surgiram, durante a década de 40 a prolongar-se pelosfinais de 50, os “bairros provisórios” de iniciativa municipal.

Com ligeiras variantes, os bairros da QuintaCalçada, Furnas e Boavista, instalaram-se nas extremas dacidade, nas tais finisterras. Eram como aldeiasestrategicamente “provisórias”, higienicamente situadasnas periferias da capital, construídas com materiais frágeis,pobres e desapropriados (folhas de fibrocimento prensadas– o lusalite) mas ainda assim de dispendiosa manutenção,compostas por habitações unifamiliares de piso térreo,pequenas-minúsculas habitações (sem portas no interior),“compensadas” por quintais e logradouros.

A coerência das ruas, rígidas apertadas e traçadas

a direito, destinavam-se aos peões e as convivênciasocorriam em lugares pré-estabelecidos e de fácil vigilância:capela, centro social, escola e lavadouro, creche e jardim-de-infância. Bairros que eram espaços de disciplina urbana– de modos de estar e de ser – que convinham ao regime:“cada um no seu lugar”.

“(…) Estes bairros são verdadeiras escolas para aprender amorar, incitam nos seus habitantes o gosto pela casa

própria com o seu quintal privativo, logradouro e serviços

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BAIRRO DA QUINTA DA CALÇADA, 1940 (AF-CML)

BAIRRO DA QUINTA DA CALÇADA, 1940 (AF-CML)

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sociais organizados. As crianças ali nascidas não vãoconhecer os horrores dos bairros de lata. Têm a sua creche,o seu centro social, a sua igreja, a sua escola (…)”(in,Lisboa de Hoje e de Amanhã, documentário de AntónioLopes Ribeiro, CML, 1948).

Procurava-se, isso sim, gerir as condições – onde ecomo – essa pobreza podia e devia viver. Com a“vantagem” de que, nestes “bairros sociais” se higienizavaa sociedade, organizava a cidade e civilizavam os “fatal enaturalmente” pobres. O mais urgente “era «minorar»quanto possível os efeitos do por demais evidente«urbanismo» de Lisboa – parecia não restar tempo para… iràs raízes de tal fenómeno, questioná-lo, equacioná-lo.”(Rodrigues, Fernando (1986): 222). Por isso, o problema da habitação mantinha-se eavolumava-se. O Gabinete Técnico de Habitação da

(20)CML , criado em 1959 (Dec-Lei 42 454 de 18 de Agosto)surge, precisamente, para dar resposta (tardia) aoproblema da habitação. Estabelece um “vasto plano deacção social” com orientações já muito diferentes – osOlivais e, depois Chelas, são disso testemunho (vd. Nunes,Silva (2007).

O Bairro das Casas Desmontáveis da Quinta daPenteeira – uma polémica origem

Longe de ser pacífica, a decisão de instalar o“Bairro de Carnide em terrenos municipais da Quinta daPenteeira” faz convergir, na sala das reuniões camarárias,

quatro aspectos polémicos que merecem atenção:- a localização geográfica do bairro;- a escolha do material para a construção das casas;- o carácter definitivo ou provisório do bairro a construir;- a população alvo do realojamento. De acordo com a classificação do regime, as casasdestinadas aos agregados transferidos da Quinta daPenteeira não deixam margem para dúvidas cf. revela afronte do documento: “Bairro para as classes pobres”. Asinformações contidas no Relatório de Gerência Municipal

da CML relativo ao ano de 1959 (pp. 40-41) é outrodocumento da máxima importância pelos esclarecimentos

(21)que permite às questões que colocámos :

“Principais obras executadas.(…) Casas para as classes

economicamente débeis:(…) b) Construções de carácter provisório: “Tendo-se tornado necessário transferir as famíliasque habitam no Bairro de Casas Desmontáveis da Quintada Calçada, atingido pelas obras da Cidade Universitária,principiou em 1959 a construção do Bairro de Carnide, emterrenos municipais da Quinta da Penteeira, o qual deveráservir igualmente para o realojamento de outras famílias defracos recursos, que residam em várias zonas da Cidadeabrangidas pelo desenvolvimento dos novos planos deurbanização. Foi adjudicado em primeiro lugar uma empreitadade construção de casas desmontáveis , comaproveitamento de materiais já existentes, constituídas poruma estrutura resistente de madeira, com revestimento defibrocimento do lado exterior, e de madeira prensada dolado exterior [parece-nos engano de transcrição, pois estamadeira seria do lado interior cf. testemunham osmoradores e verificámos nos documentos]. Nestas casasforam introduzidas algumas melhorias em relação àsprimitivas casas desmontáveis, de modo a melhorar assuas condições de habitabilidade. Seguidamente estudou-se um tipo de construçãode alvenaria, de um único piso, com dimensões reduzidasprocurando-se melhores condições de conforto e

habitabilidade, com futura diminuição das despesas deconservação, sempre elevadas nas casas desmontáveis. Trata-se de uma construção de tijolo, de característicasligeiras dada a conveniência de se adoptarem soluçõestransitórias, visto a urbanização estudada para a zona emcausa não poder ser definitiva. (…) Prevê-se finalmente, em futuras fases, aconstrução de casas, também de tijolo, mas com doispisos, e portanto com um aspecto arquitectónico um poucomais evoluído e agradável e ao mesmo tempo mais

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económicas. As dimensões dos seus compartimentos (…)são um pouco reduzidas, de acordo com as menoresexigências de espaço para mobiliário e utensílio dos seusfuturos moradores, mas estão dentro dos limites razoáveisde habitabilidade. Em contrapartida essa redução permitirá

menores custos de construção e portanto rendas maisbaratas como se torna indispensável. “ [sublinhadosnossos].

Porque avançam elementos fundamentais acercada origem do bairro e que, afinal, se desconheciam,confrontaremos esta transcrição com pareceres explícitosnas Actas das Reuniões da Câmara de Lisboa para o ano de1959 (com data de publicação em 1961). O primeiro, a fundamentada contestação por partede dois vereadores (Manuel Vicente Moreira e BaêtaHenriques, ambos formados em Medicina e com trabalhosna área de Saúde Pública) quanto a algumas medidasdefendidas pela vereação da Câmara. A saber: o uso dofibrocimento (vulgo, lusalite) para a construção dasparedes exteriores das casas; a oposição à multiplicaçãodos “bairros provisórios” quando o muito avisado e jáexperiente conhecimento do problema exigia uminvestimento em bairros com outro tipo de materiais deconstrução; a questão das acessibilidades e distânciasentre locais de trabalho e de emprego consequente datransferência dos realojamentos para bairros fora de Lisboaquando os seus moradores exercem profissão na capital esão, nas sua maioria, funcionários da própria CâmaraMunicipal.

Pela sua particular pertinência é importante reteras palavras do vereador Baêta Henriques: “(…) a títuloalgum é de aconselhar tal construção, isto porque ascondições de salubridade que as mesmas proporcionamaos seus moradores, ou seja o seu microclimahabitacional, não podem ser aceitáveis em qualquerépoca, e muito menos quando já se ultrapassou os meadosdo século XX (…) Construírem-se residências, inestéticas,anti-higiénicas e com carácter provisório, poderia alguémpensar erroneamente que os mentores de tal orientação

estão à margem das realidades sociais. (…) É que opassado está farto de nos ensinar que o provisório, emPortugal, quase sempre se tem tornado definitivo.”

E mais referiu o vereador, lembrando as

degradadas situações da Quinta da Calçada, Boavista eFurnas: “Além de todas estas poderosas razões, não será jásuficientemente lastimável encontrarem os estrangeirosque demandam a Capital, pela linha Oeste, umaassolapada e denegrida aldeia de folhas de lusalite,construída a título provisório há mais de 20 anos?” E mais ficou dito: “As casas desmontáveis, tendopor paredes-mestras o fibrocimento, não oferecemgarantias de isolamento, de conforto ou mesmo dedurabilidade, e nem sequer se justificam como medida depoupança, porque nada poupam ao erário municipal epoderão (…), certamente, contribuir, um dia, para odesprestígio de uma época de grandiosa administraçãocamarária. Poder-se-ia admitir a utilização desse materialnas divisórias interiores das habitações, na rede deesgotos, na canalização de água ou na construção decapoeiras, e mesmo na cobertura das casas; mas nolevantamento das paredes exteriores de edificaçãohabitacionais nada há que tal justifique.”

Mas justificou. E a proposta inicial acabou por seraprovada com a rejeição por parte daqueles dois

vereadores – Manuel Vicente Moreira e Baêta Henriques. Outro dos aspectos que mereceu particularatenção – e que fundamenta o que atrás ficou escrito –prende-se com a localização destas “aldeias de folhas de

lusalite”. Mantém-se a posição crítica dos mesmos vereadores sobre as acessibilidades destas populaçõesaos respectivos locais de trabalho (na larga maioria, as taisobras públicas de expansão da cidade) (Actas CML, 1959).

Todavia, sobre esta matéria, a argumentação apresentadapelo vereador Saphera Costa é esclarecedora nadiscriminação: “os bairros económicos estãocompletamente desactualizados dentro da Cidade. (…) Émuito provável que posteriormente o material tenhamelhorado, mas a verdade é que não se deverá encher a

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Capital de bairros paupérrimos, (…) a melhor solução seráo Governo determinar que só possam construir-se fora daárea da Cidade. O contrário será estar a fechar os olhos àrealidade.” E termina a sessão de Câmara com a aprovação

da proposta da construção do novo Bairro de CasasDesmontáveis, em Carnide, no mesmo material de lusaliteque havia sido tão contestado pois “apesar de todas ascríticas que lhe possam ser feitas, sempre oferece a umacentenas de famílias a desalojar em condições dehabitabilidade que em nada são inferiores às das barracasque ocupam.” (Actas CML, 1959:26). E assim se apazigua a consciência política: asnovas habitações não serão, “em nada”, inferiores às das“barracas”. Com a vantagem, para o regime, que atravésdesta oferta libertam e “limpam” áreas expectantes dacidade sem nunca questionar as condições sociais quefazem existir e reproduzir tais “bairros paupérrimos” queperigavam a saúde pública da “cidade civilizada”. Algumas outras notas interessantes merecematenção. O facto de o primitivo bairro de lusalite e, depois, azona de alvenaria, fazerem parte de um só e mesmoprojecto “provisório” e não de projectos diferentes,conforme é ideia partilhada por alguns dos actuaismoradores. Percebeu-se ainda que a substituição domaterial de construção em lusalite por construção emtijolo/alvenaria parece não ter resultado de mudança deestratégia de planeamento – de provisório para definitivo.

Os argumentos que agora recolhemos, por partedaqueles decisores, confirmam que essa alteração é

consequente da anterior experiência dos “mais elevados”custos de manutenção e rápida degradação do material delusalite (Quinta da Calçada, Furnas e Boavista, porexemplo). Logo, os primeiros critérios estavam centradosna racionalidade económica (investimento/custos) e nãona maior durabilidade e qualidade do material deconstrução (melhoria das habitações). Mas esta será,porém, uma questão que fica em aberto.

Além disso, fazia-se crer que estes bairros eramprovisórios porque eram lugares de “passagem”, de apoio,

até que as famílias conseguissem melhores condiçõeseconómicas. Argumento que, na mesma ordem de ideias,

justificava o apertadíssimo controlo dos custos e dosinvestimentos. No entanto, sabemos tratar-se de uma falsapossibilidade A (i)mobilidade social tendia a fixar,

definitivamente, as gerações destes moradores(22)“provisórios” e que a idade dos actuais residentescomprova. Acredita-se, contudo, que as previsões acerca doelevado número de famílias/indivíduos a realojar, emparticular, neste bairro da Quinta da Penteeira, tenha

justificado um planeamento mais atento por parte daedilidade camarária e a organização mais cuidadosa dosespaços e edifícios. De facto, terá havido uma relativamelhoria das condições de habitabilidade dos fogos e dadiversidade na oferta dos equipamentos sociais(lavadouros, escola, igreja, posto médico, centro cívicocom biblioteca e cinema …).

Mas este planeamento representa, também, umaestratégia preventiva. Atendendo ao quantitativo deagregados a transferir, haveria que garantir aadesão/controlo da população ao projecto social do bairroe a respectiva fixação e acomodação ao local. A concluir outra nota. Afinal, a prioridade que

just if icou a cons truç ão destes bair ros não foi apreocupação ou o benefício dos trabalhadores da CML.Esta questão nunca surge directamente colocada nassessões de Câmara. O objectivo prioritário e semprereferido foi o de desimpedir as áreas da cidade abrangidaspelas novas obras de expansão da cidade, conforme

transcrito atrás. Neste caso, os terrenos da Quinta daCalçada seriam necessários para a construção do Hospitalde Santa Maria/Cidade Universitária, e o Bairro da Boavistapara a construção da Ponte sobre o Tejo.

Todavia, e porque naqueles bairros (Quinta daCalçada, Boavista...) já estava alojado um elevado númerode famílias de trabalhadores da CML, foram essas mesmasfamílias prioritariamente transferidas para o futuro bairroda Quinta da Penteeira. Além disso, não esqueçamos queos critérios de selecção para a atribuição da casa municipal

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(que adiante melhor especificaremos: debilidadeeconómica mas ter contrato de trabalho, moralmenteconfiável, pai/chefe de família…) selecionavam, logo àpartida, o perfil dos “beneficiados”.

Por tudo isto, reafirma-se o especial interesse em

conhecer e preservar a memória do Bairro, fruto de umprojecto político e de um ideário social, de um modo depensar e representar a sociedade que se reflecte noplaneamento e organização do território da cidade. Ummodelo de disciplina que também construiu estigmas ecategorias sociais – as “classes pobres” – porque as regrase os poderes eram unilateralmente definidos.Compreenda-se que o projecto de construção do BairroPadre Cruz reflectia o pensamento de uma época e de umasociedade: reguladora, normativa e solidamentehierarquizada. A distância física ao centro histórico dacidade deve ser interpretada, também, enquanto metáforada distância social ao topo da hierarquia dos poderes…Estas periferias geográficas materializam e naturalizamperiferias e margens sociais. Mas faz sentido questionar: será que “tudo”ficava, de facto, tão previsível e determinado? No próximo momento veremos como estasquestões foram vividas à escala da vida real, das vivênciasdas pessoas.

Síntese cronológica Até 1958 – No início era o campo

Até ao século XII

Vestígios da fixação de populações de origens e cultosdiversos (romanos, muçulmanos, cristãos,…) que viviamda agricultura.1279 (Século XIII)Fixação do nome da paróquia de Carnide que está naorigem da divisão administrativa em freguesia. Populaçãorara e dispersa de pequenos agricultores.1463Início do culto a Nossa Senhora da Luz que se sobrepõe aanteriores cultos já cristianizados tal como o Culto do

Espírito Santo.Séculos XVI-XVIILocalização de várias quintas conventuais e senhoriais aolongo dos eixos de Carnide, Luz, Paço do Lumiar e Pontinha.Consolidação do edificado e início da urbanização do

núcleo de Carnide.1575/96Construção da ampla igreja de N. Senhora da Luz sobreuma pequena ermida. À entrada, fixa-se amplo terreiropara montar a Feira da Luz (em Setembro, durante 3 dias).1755Grande terramoto em Lisboa que causou danos graves nosedifícios da freguesia (designadamente, no grandeconjunto conventual da igreja de N. Senhora da Luz).1762 (Século XVIII)Surge a primeira referência à Quinta da Pentieira (maistarde, Penteeira) em Carnide. Era proprietário ManoelSimões Álvaro, fabricante de pentes (esta informaçãocarece de validação).1840Os limites do município de Lisboa são redefinidos e afreguesia de Carnide passa a pertencer ao Termo de Belém.1885Nova Reforma administrativa do município de Lisboa(Decreto de 8 de Outubro). A área da cidade é aumentada efica delimitada pela Estrada da Circunvalação. A freguesiade Carnide, entre outras, é definitivamente reintegrada noperímetro administrativo da cidade de Lisboa (Decreto de18 de Julho).1910 (5/10)

Proclamação da República no edifício dos Paços doConcelho, em Lisboa. Em 1911 é apresentada a novaConstituição da República.1914/18Primeira Grande Guerra em que Portugal intervém. Períodode grande depressão social.1918

Transferência da sede da paróquia, na igreja de S.Lourenço, para a Igreja de Nossa Senhora da Luz.Legislação sobre Habitação Económica (Dec. 4 415) que

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esteve na origem das primeiras “Casas Económicas”(Bairro Social do Arco do Cego e Bairro do Alto da Ajuda).1928 (26/05)Golpe militar que deu origem à II República. Foiautodesignada por “Estado Novo” para sustentar a ideia de

que se entrava numa “nova era” política e social.1929 (14/04)Inaugurado o primeiro trajecto da linha do eléctrico nº 13(1929-1960) que ligava o centro de Carnide aosRestauradores; o segundo trajeto (1960-1973) ligavaCarnide à Praça do Chile. Esta alteração resultou das obrasda primeira fase da rede do Metropolitano de Lisboa.Desde 1930O êxodo rural acentua-se e a escassez de habitação nascidades (Lisboa e Porto) impõe-se como grave problema.Muitos migrantes rurais (isolados ou em família) instalam-se nas periferias em péssimas condições. Outra partesignificativa da população sobrevive no centro da cidadeem habitações clandestinas, sublocadas ou degradadas.1932/33Nova conjuntura política associada ao Estado Novo;profunda alteração na perspectiva urbanística com forteinfluência europeia; destaque para a figura do ministro dasObras Públicas, Duarte Pacheco. Nova intervenção doEstado na promoção da habitação social – programa dasCasas Económicas (Dec. 23 052 e 22 909 em 1932 e1933).Em 1933 é substituída a Constituição de 1911.1934 (21/12)Primeira definição de um Plano Geral de Urbanização e

Expansão para a cidade de Lisboa e envolventes (PGUEL,Dec. 24 802).1935/38Plano de Urbanização de Lisboa a cargo de urbanistasestrangeiros (destaque para o francês E. Gröer e a ideia daCidade-Jardim) por solicitação de Duarte Pacheco. Figurade relevo, acumula os cargos de Ministro das ObrasPúblicas e de Presidente da CML.Dec. Lei 28 797 (em 1938) que confere plenos poderes àCML para urbanizar a área concelhia e expropriar os

terrenos para o crescimento da cidade de Lisboa. Nodesenvolvimento do PGUEL são criados os bairros de rendaeconómica (Encarnação, Caselas, Madre de Deus,…).O Estado é o principal agente na gestão e planeamento daoferta habitacional dos municípios através de um vasto

programa de “Casas Desmontáveis” (Dec. Lei nº 28 912 de1938). Este programa resulta das “modernas” razões desalubridade e saúde pública, segundo o modelo europeu edefende o afastamento (físico, social e mental) destesbairros relativamente ao centro da cidade.Constroem-se três bairros provisórios – Quinta Calçada,Boa Vista e Furnas. Todos mantêm o modelo das casasunifamiliares, usando placas de fibrocimento, compequenos logradouros a lembrar aldeias portuguesasafastadas do centro da cidade. Os primeiros mil fogosforam entregues minimamente mobilados (práticaabandonada, logo depois); quase 1/3 da área do concelhofoi expropriado, e até 1946, foram construídas 2 140casas desmontáveis.1940Constituição do Clube de Futebol Os Unidos, no Bairro daQuinta da Calçada (um dos primeiros bairros provisórios decasas desmontáveis).A Exposição Histórica do Mundo Português consolida aimagem de Lisboa como “Capital do Império”. A partir de1940 o investimento em obras públicas no país diminuiperante o reforço do centralismo (real e simbólico) deLisboa.1945/48Aperfeiçoamento do Plano Director de Urbanização de

Lisboa (PDUL, “Plano Gröer”). Durante esta década apopulação de Lisboa cresce significativamente – em 10anos residem mais 100 000 habitantes atingindo perto de700 000 residentes. Carnide mantem-se uma freguesia dearrabalde com um crescimento demográfico lento (pertodos 3 200 habitantes).1952Rebentamento nos paióis do exército localizados perto daQuinta da Penteeira onde estava guardado material bélicodestinado à Guerra Colonial.

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1954No âmbito das preocupações com a habitação social eactualização do Plano Director, é criado o Gabinete deEstudos de Urbanização (GEU). Este Gabinete formaránovos técnicos urbanistas com uma visão modernista,

próxima das recomendações da Carta de Atenas(documento do Congresso de Arquitectura realizado nacidade de Atenas, 1933). Os estudos para a ponte sobre o

Tejo e para a urbanização dos Olivais são alguns dostrabalhos do GEU.1958 (18/06)Escritura de compra da Quinta da Penteeira/Alto daPenteeira por parte da CML à viúva de Castanheira deMoura, seu último proprietário; a escritura é realizadadurante a transição de mandato do tenente-coronel ÁlvaroSalvação Barreto (1944-59) para o general AntónioVitorino França Borges (1959-1970) na presidência daCML.Inicia-se o plano de construção do “Bairro das CasasDesmontáveis da Quinta da Penteeira”.A população da freguesia de Carnide vai crescendo muitolentamente; é um pouco superior a 3.350 habitantesmantendo as características de “aldeia urbana”, funcionale mentalmente muito distante da cidade.

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Fase 11959 A 1974: CONSTRUTORES DA CIDADE, ARTESÃOSDO BAIRRO”

1959-67: Do bairro anónimo ao bairro das

inaugurações“Eu vinha aqui buscar carradas de ervas, ainda o bairronão era feito. Vinha buscar com a carroça para o asilo

da Confraria de S. Vicente de Paulo lá para Carnide.Lembro-me de começar a primeira casa no bairro. Eu ia pegar a cozer tijolo na cerâmica de Carnide e vejo uma

camioneta carregada de picaretas, pás e tudo deitado ali para o meio do chão… Pergunto: estão aqui a

descarregar… então o que é que vai sair daqui? Avariouo carro? Responderam: Não! Vamos fazer aqui um bairro

novo! Quando voltar do trabalho já está começado!Quando eu saí, às 5h, olho e vejo lá quatro alicerces que

faziam um pilar com uma viga por cima… e depoisfizeram o esqueleto e os barrotes para pôr as chapas de

lusalite e aparafusar aquilo tudo. Era tudo em lusalite. Ao fim de três dias, estava aquela carreira toda feita. Era

a rua 1! Lá fizeram aquilo primeiro e depois seguiram por ali abaixo…”

Manuel Cebola (morador)

“Eu andava ali a pastar o gado e via o bairro a crescer.Tinha curiosidade…”

António José (filho do Arménio, rendeiros da Quinta daPenteeira)

O bairro de lusalite – “o Bairro das CasasDesmontáveis da Quinta da Penteeira”

a zona mais a sul da Quinta da Penteeira foiN“montado”, em 1959, o primeiro núcleo do bairro –o “Bairro das Casas Desmontáveis da Quinta da

Penteeira” conforme a identificação camarária. Destinava-se, preferencialmente às populações transferidas do Bairroda Quinta da Calçada. Era constituído por 200 casas pré-

fabricadas no material de fibrocimento ondulado eextremamente vulnerável. Entre os moradores, este núcleoficou conhecido como o “bairro de lusalite”. As casas, comtamanhos mínimos, foram colocadas frente a frente,distribuídas por cinco ruas paralelas e uma transversal. “No

bairro de lusalite eram cinco ruas numeradas – primeiro, anúmero 1, era a da Casa Branca, a 2 era em frente aosUnidos, a 3 era onde está o salão de festas, a rua 4 perto daigreja – que era a da cabine telefónica – e depois a rua 5,que ia dar às hortas.” Todas as casas obedeciam a um mesmo padrão deconstrução muito rudimentar e frágil embora variassem nastipologias e áreas de construção – 128 fogos de tipologia

T2, com 24,62 m2; 72 fogos de tipologia T3, com29,48m2. As rendas oscilavam entre os 100$00 e os120$00, respectivamente.

Na frente das casas, os pequenos quintais abertospara a rua compensavam as limitações dos fogos. Oespaço dos quintais e das ruas era, por isso, intensamentepercorrido, vivido e partilhado conforme escutaremos.

Em termos de equipamentos de apoio esta parcelado bairro, ao início, dispunha apenas de cabine telefónica(“que só era usada para as emergências!”), marco docorreio, um lavadouro, pequena mercearia (a velhinha“casa branca”) que anexava uma pequena barbearia e umaminúscula taberna e, ao que parece, uma pequena oficinade carpintaria ou de bate-chapas.

Pouco tempo após a ocupação destas casas delusalite, as hortas e os pequenos quintais começaram adespontar nas ruas conquistando terra para o alimento e

espaço para respirar. No ano seguinte começou a serpreparado o terreno para a segunda fase do projecto: o“bairro (provisório?) de alvenaria”.

O bairro de alvenaria – “tudo à moda da nossa aldeia”

«A Câmara Municipal de Lisboa, visando o bem-estar dasfamílias de fracos recursos, construiu este bairro nos

anos de 1959 e 1960. Nele alojou 1117 famílias,dotando-o duma igreja, dum grupo escolar e dum

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CONSTRUÇÃO CASAS DE LUSALITE, 1959 (AF-CML)

PLANTA DO BAIRRO, 1960, LUSALITE E ALVENARIA

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edifício para creche, biblioteca, salão de festas e detrabalho, mercado, oficinas e campo desportivo. Deu-lhe

o nome do saudoso Padre Cruz. Regista-se oacontecimento no 40º aniversário da Revolução

Nacional.»

(inscrição na lápide, já desaparecida, colocada no Bairroem 1967)

“Com as casas de alvenaria parecia que as pessoaseram consideradas mais gente.”

Padre Araújo

No ano seguinte, em 1960, foi iniciada a segundafase de construção, prevista no projecto de realojamento.Obedecendo a um programa de apoio à habitaçãomunicipal mais completo, os fogos apresentavamcaracterísticas melhoradas em termos dos materiais deconstrução.

Este maior investimento e cuidado na organizaçãodo bairro (resultante de factores de rentabilidadeeconómica cf. referido no Relatório de Gerência Municipal,atrás transcrito) acentua a controvérsia acerca do carácterprovisório ou definitivo(?) desta fase do projecto.Neste novo bairro foram alinhadas 917 casas em ruasestreitas e cruzadas a direito que, pouco depois, receberãoo nome dos rios de Portugal. Esta toponímia tambémsubstituiu a anterior numeração das ruas do “bairro delusalite”.

Uma informação actual da CML esclareceu: “Já atoponímia dos arruamentos deste Bairro, contrariando o

que era norma nas décadas anteriores – dos anos 40 e 50do século XX – para os Bairros Sociais de Lisboa substitui adenominação numérica pela designação de 38 riosportugueses, a saber, Alcôa, Águeda, Almansor, Alva,Alviela, Arade, Ave, Caia, Cávado, Ceira, Corgo, Coura,Dão, Douro, Guadiana, Laboreiro, Lena, Lima, Liz, Minho,Mira, Mondego, Ocresa, Paiva, Ponsul, Sabor, Sado, Sever,Sorraia, Tâmega, Távora, Tejo, Torgal, Tua, Vez, Vizela,Vouga e Zêzere.” (cf. doc. Toponímia do Bairro Padre Cruz,

(1)CML ).

Estas novas habitações correspondem apequenas moradias unifamiliares de rés-do-chãoconstruídas em alvenaria com estrutura de betão ecobertura de fibrocimento sob telha e justificaram aidentificação de “bairro de alvenaria”. De construções

igualmente simples, e muito acanhadas, foram dispostasem banda contínua, mantendo os pequenos logradourosdestinados a hortas e quintais.

Estavam repartidas em 259 fogos de tipologia T1,e 238 fogos de tipologia T2, em badanas; 296 tipologia T3e 88 tipologia T4 (em duplex, com dois andares). Embora atipologia destas casas seja mais diversa mantêm-se as

(2)áreas mínimas que variavam dos 23m2 até aos 70m2 .As rendas das casas, superiores às prestações das

casas de lusalite, dependiam da tipologia e da área dosfogos – 135$00 ou 170$00 (T1), 215$00 ou 237$00(T2), 270$00 (T3), 295$00 (T4).

Vale referir que nos T1, por exemplo, a área doquintal e do logradouro era superior à área construída, dacasa, e apenas uma divisão (o único quarto, à entrada)dispunha de janela para o exterior. A cozinha e a salacompunham uma só e mesma divisão com área inferior a9m2.

No espaço exterior, as ruas favoreciam ospercursos para os peões e previam um mínimo tráfegoautomóvel. Apenas as duas principais ruas (Tejo e Cávado)serviam de vias de atravessamento do bairro.

Pelos motivos que atrás referimos – elevadonúmero de famílias a realojar, localização distante dos usosda cidade e relativa “modernização” no programa de

habitação municipal – a construção das casas foiacompanhada pela instalação de um conjunto deequipamentos para uso da população. A igreja, a escola ecreche, o dispensário e o posto médico, a biblioteca, osalão de festas e de trabalho, mercado, as oficinas ecampo desportivo foram equipamentos sociais muitoimportantes na sustentação da vida do bairro e, adiante,merecem referência destacada. Com um total de 1 117 fogos/famílias e ocupandouma área de 12 hectares que se estendia até às fronteiras

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LÁPIDE, 1967 (AF-CML)

CONSTRUÇÃO DE CASAS EM ALVERBARIA (DUPLEX),1962 (AF-CML)

CONSTRUÇÃO DE CASAS, RUA DO RIO TEJO,1961 (AF-CML)

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com a freguesia da Pontinha (na altura, concelho deLoures) e Estrada da Circunvalação, o bairro transformava-se numa “aldeia portuguesa”, sempre isolada edescontinuada em relação à cidade. Em redor, persistiamos vastos campos de hortas e de cultivo que confirmavam a

paisagem deilha branca semeada à margem da cidade. Asescassas e longas azinhagas mantiveram-se como osúnicos acessos de ligação do Bairro a Carnide (e daí, à“cidade”) e à Pontinha.

As primeiras gerações – “davam-se à confiança commuita facilidade”

Através dos testemunhos recolhidos junto dosprimeiros moradores – transferidos da Quinta da Calçada,Bairro da Boavista ou de habitações municipaisdegradadas – confirmou-se a origem rural (centro e nortedo país) na ampla maioria dos casos. Era muito significativoo número de famílias que tinham “largado” as suas terras ealdeias à procura de outras oportunidades de sobrevivênciana cidade de Lisboa.

Mas estratégia de aproximação à cidade tambémera feita por fases. Primeiro, arriscavam-se os homens àprocura do trabalho na capital (ou já traziam contacto deum parente) e só depois de ter firmado um ajuste detrabalho (e, eventualmente, um alojamento) acenava àfamília para que viesse juntar-se-lhe... E todas essasseparações, viagens e reencontros marcavam as vidasdestas famílias com lembranças picarescas.

“Contava a minha mãe que quando chegou a Stª Apolóniatrazia uma galinha debaixo do braço e olha para aquilotudo, e pensa ‘O que se passa aqui?’ – já trazia 4 filhos –dois de um anterior casamento de que ficara viúva. Chegoude Alpedrinha e ficou tão assarapantada que nem via omeu pai e ficou sem a galinha… que nunca mais se deixouapanhar!” (Fernando Pereira, ex-morador)

Através dos testemunhos soubemos que eramfamílias relativamente jovens já com filhos ou em ciclo de

natalidade o que contribuiu, nesta primeira fase, para oelevado número de crianças e jovens entre a população dobairro. “Era tudo gente com filhos – e havia mesmoalgumas famílias muito numerosas – e alguns idosos epessoas isoladas. A maioria da população era classe média

baixa”, informou Isabel Geada, a primeira técnica de acçãosocial no bairro. A casa destinada ao realojamento era atribuída demodo imediato para as famílias instaladas na Quinta daCalçada ou Bairro da Boavista ou ainda para as queprovinham de situações de degradação do patrimóniomunicipal.

“Certo dia, aparece um polícia municipal em minha casa para eu me dirigir aos serviços da polícia, no meu interesse.E eu lá fui. Fui atendido pelo chefe Oliveira. E recebi achave. Na altura era ainda a rua 23. Depois é que ficou ruario Paiva. Se a casa lhe agradar, fique com ela. Se nãoagradar, volta aqui e aguarda até nova atribuição. Mas eu

já sabia por gente que cá morava que o melhor era aceitarlogo a casa, fosse pequena, fosse grande… porque se eurejeitasse é que nunca mais via casa nenhuma …” (JoséAugusto Gonçalves, morador)

No caso das famílias que se encontravam emsituação de instalação precária – caso de prédiosdegradados ou partes de casa – haveria que preencher umofício/pedido dirigido à Polícia Municipal explicando efundamentando a solicitação. Nestas situações, também ofacto de “ser camarário” (i.e., ter vínculo laboral com a

CML) representava, sem dúvida, uma convincente vantagem para o sucesso do pedido que era avaliado pelaComissão Administrativa dos Bairros Sociais.

As primeiras impressões – “quando aqui chegámos…”

Por outro lado, aquelas diferentes proveniênciasda cidade (Quinta da Calçada, ou parte de casa no centrode Lisboa, por exemplo…) destas famílias foramdeterminantes no modo como, num primeiro momento,

35RUA DO RIO LENA, 1963 (AF-CML)

FAMÍLIA DE MORADORES, 1963 (FOTO PARTICULAR)

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avaliaram as condições de alojamento no bairro. Foram asfamílias que já moravam em bairros camarários (Quinta daCalçada ou Boavista), em barracas ou em partes de casaacanhadas, quem mais valorizou o realojamento no novoBairro das Casas Desmontáveis.

“Quando aqui cheguei gostei muito. Aquilo era fantástico.Parecia uma aldeiazinha muito gira. Foi no bairro delusalite. As casinhas eram muito pequeninas… No quarto

só cabia a cama; na cozinha, um fogãozinho e a pia dedespejo e o balde para os banhos. Agua canalizada, só fria.E a electricidade com uma luz. Nós adaptávamo-nos ao frioe ao calor. Os meus pais gostaram muito porque de ondevinham, da Quinta da Calçada, as casas já estavamdegradadas. Pagávamos 100$00 de renda. Já erabastante… Gostei muito de ali morar: cada um tinha o seuquintal, o seu fogareiro…” (Lurdes Silva, moradora)

“Morávamos no Bairro da Boavista que, sendo camarário,era um bocadinho pior. Naquela altura influenciei o meu

pai. Disse-lhe: “Ó pai foi feito um bairro… naquela alturaaté se chamava Bairro da Penteeira…” A vida também eradifícil, ganhava-se pouco, havia muita pobreza… O meu

pai era estivador – se trabalhasse, ganhava, se nãotrabalhasse não ganhava nada… Naquela altura eramesmo assim… O meu pai ganhava 70$00 por dia detrabalho. E lá o convenci – “Vamos para aquela casa,aquilo é diferente, terei um quarto, tenho mais privacidade,uma porta para fechar…” E, muito a medo, viemos paracá. Muito a medo, porque a renda eram 295$00, mais

5$00 que se pagava ao fiscal. Era muito.Viemos ver, com a minha mãe e vizinha… E as casas,mesmo limitadas, sempre eram bem melhores do que asoutras. Convenci o meu pai, com muito medo, sempre.Porque lá a renda eram 100$00 e aqui era duas vezesmais. Quando cheguei ao bairro era um luxo. Era um luxo!

Senti que tinha outras condições, não tinha nada a ver comaquelas outras…Quando para aqui viemos, muita gente doBairro da Boavista também veio. Conhecíamo-nos todosuns aos outros… a Quinta da Calçada ainda era pior que o

Bairro da Boavista… E isto aqui era muito melhor.” (Domingas Ferreira, moradora)

“A primeira sensação foi de liberdade. Porque vivíamostodos numa parte de casa. Não havia a privacidade que

encontrámos aqui. Primeiro, estávamos apertados mas já sabíamos que quando as casas de dois pisos estivessemconcluídas iríamos para uma casa maior. Estivemosapenas um ano nessa primeira casa. Sentimos que foi um

salto qualitativo na vida da família.”(António Cristino,morador)

Em contraste, as famílias transferidas de fogoslocalizados em zonas centrais e integradas nos usos dacidade reagiram muito negativamente quando conheceramo novo bairro. Foi-nos dito:

“Quando cheguei ao bairro fiquei triste. Nunca tinha vividoem bairros. Fui criada num meio diferente, na Av. Manuelda Maia. Tinha outras referências. Quando entrei, atéchorei. Uma casinha pequenina – e eu disse para o meumarido: ‘Ó homem, podias ter escolhido outra coisa. Isto é

para malteses de pau e manta. A minha palavra foi esta. São as pessoas que vêm daqui e dacolá e que se sujeitam atudo. E tinha uma vizinha que veio na mesma altura do queeu. Morava mesmo ao meu lado. Foi mais que tudo paramim e para os meus filhos. Devo-lhe muito.” (Nazaré,moradora)

“Quando aqui chegámos era tal de maneira árido que,

quando viemos ver a casa que nos ia ser atribuída eu e aminha mãe regressámos a casa com febre… Mas, depois,habituámo-nos. Ainda vivo na casa que nos foi atribuída.Era de alvenaria. Nunca vivi nas casas de lusalite mas viessas casas… Foi pena não ter ficado nenhuma paramemória.”(Elisete Andrade, moradora)

“A minha mãe não gostou, não queria vir para aqui – obairro era fora de Lisboa. Eu gostei muito porque ascasinhas eram todas branquinhas, pareciam pequenos

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RUA DO RIO GUADIANA, 1962 (AF-CML)

RUA DO RIO CEIRA, 1962 (AF-CML)

RUA DO RIO AVE, 1962 (AF-CML)

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palácios. A minha mãe não queria porque não haviatransportes. Não havia transporte nenhum. Os carroscontavam-se pelos dedos. O bairro ainda não tinha ruas, sómetade é que tinha sido construído. Lembro que as ruasestavam por fazer, chafarizes na rua porque ainda estavam

a acabar as canalizações. Luz havia, mas para águatínhamos os chafarizes públicos. Havia pessoas quevinham de barracas e nem sabiam o que era águacanalizada. Só tínhamos água fria. Não havia águasquentes. Aqui quase toda a gente trabalhava, naquelaaltura. Era um bairro para funcionários camarários. Veio

para aqui muita gente que trabalhava na Câmara… era gente pobre, mas gente de trabalho. (…) Eu sempre vivi emLisboa e havia casas onde nem sequer casa de banhohavia. Aqui, pelo menos isso havia. Era uma melhoria. Naaltura era bom, dentro das suas condições limitadas.”(Custódia Pereira, moradora)

“Quando entrei em casa, tinha 5 anos… Lembro-me de terficado um pouco assustado. Estava à espera de outro tipode casa. Era um duplex, tinha uma escada sem nada atapar… Era uma casa muito vazia, as ruas ainda estavamem terra batida, sem estarem calcetadas. Não tínhamoságua em casa. Tínhamos que ir com cântaros buscar águaaos chafarizes públicos montados em algumas ruas. Os

primeiros tempos do bairro foram muito complicados.Quando vim, fiquei nas últimas casas a serem acabadas.Claro que foi sempre uma melhoria. Mas o primeiroimpacto não foi muito favorável. Sabíamos que vínhamos

para um bairro, mas não esperávamos nada daquilo. (…)

Não havia transportes nenhuns e Carnide ficava longe,tinha que se ir a pé… e eu era rapazinho.” (Emídio Silva, ex-morador)

Independentemente das diferentes opiniões (esituações) sobre o primeiro confronto com o bairro, estasfamílias já traziam muito em comum: antigas relações de

vizinhança (o caso dos moradores da Quinta da Calçada, eBairro da Boavista…), algumas vulnerabilidades sociais,fracos recursos económicos, pouca escolaridade (apenas

alguns anos da instrução primária, na generalidade dapopulação masculina; a grande maioria da populaçãofeminina era analfabeta). Mas, mais importante para oregime: o facto de serem “moralmente confiáveis” porquecom hábitos e contratos de trabalho: “gente pobre, mas

trabalhadora”, já disseram. Relembremos que a CâmaraMunicipal de Lisboa era a principal entidade patronal destapopulação de ex-migrantes rurais. Conforme Isabel Geadarelembra, mais de metade eram empregados da Câmara,fosse na profissão de cantoneiros, serventes, pedreiros,electricistas, motoristas, bombeiros, alguns polícias… mashoje também encontrámos referências a estivadores,sapateiros, padeiros, professores,… Assim, não sendo este um bairro originalmenteplaneado nem construído para funcionários da Câmara, ofacto é que por força das circunstâncias que atrásexplicámos, o elevado número de “camarários” que vierama ser seus locatários acabaria por vincar o perfil da primeiracomunidade do bairro. E vincar ao ponto dos moradoresinsistirem repetidamente: “Aquilo era tanto para oscamarários que a renda vinha logo descontada noordenado.” (Teresa Guerra, moradora)

Todos estes aspectos foram importantes paradefinir do perfil desta primeira geração de moradores: umapopulação trabalhadora, maioritariamente activa, comhábitos e contratos de trabalho e que, por isso mesmo,manteve relações funcionais com o exterior do bairro – sejao núcleo de Carnide, seja a cidade, para onde se deslocamnas suas labutas diárias. “O meu marido lá ia de bicicleta,pela madrugada. Ainda me lembro vê-lo a ir…Ia tão cedo

que lhe puseram a alcunha do ‘Zé Sai-cedo’.“ (AdelaideFerreira, moradora) Quanto à população feminina, era significativo onúmero de mulheres domésticas ou que não exerciamprofissão atendendo ao elevado número de filhos e ànecessidade deles cuidarem. Ocupavam-se de trabalhosditos “femininos” a que frequentemente se juntavam as

vizinhas, as avós e as sogras quando também residentes.Nos casos em que estavam profissionalmente inseridaseram vendedeiras, empregadas de comércio, limpezas,

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RUA DO RIO TEJO, 1962 (AF-CML)

RUA DO RIO VEZ, 1962 (AF-CML)

RUA DO RIO PAIVA, 1962 (AF-CML)

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algumas costureiras…Além disso, escutaremos adiante que, nestas

famílias, os filhos e as filhas eram orientados parainserções “precoces” no mercado de trabalho. Se, hoje,essas inserções – que ocorriam por volta dos 13 anos –

comprometem direitos e o êxito da escolaridade obrigatória– naquela época representavam a única forma desobrevivência da família e a possibilidade de percursos deautonomia por parte dos filhos (casar, ter residência, gerarfamília, …), sobretudo no caso das famílias maisnumerosas.

Apercebemo-nos que a proximidade não eraapenas física (casas vizinhas com paredes meias e quintaisconfinantes…), mas era também uma proximidade vivida.As populações que se foram instalando, pelas comunsfragilidades, avizinhavam-se na partilha das preocupaçõese das expectativas – as conversas, os interesses, as ajudas,as solicitações e as ânsias, os percursos e as azáfamasdiárias… E isso foi fortalecendo relações solidárias entre aspessoas e os sentidos de pertença ao territór io.

O interior das casas – “tudo muito minúsculo”

Justificadas pelas “menores exigências deespaço” destes moradores (cf. Actas CML, transcritas) asdimensões das casas foram reduzidas ao mínimo dosmínimos e porque eram compensadas no exterior com oslogradouros e quintais. No espaço interior, as áreascomuns (cozinha e WC) quase se confundem entre si e comos “quartos”. As “divisões” nas casas de lusalite eram,

muitas vezes, separadas apenas com cortinas.Percebemos não só que o direito à privacidade eraminimizado (aliás, um luxo!) como a casa (esse minúsculoprivado) sendo muito limitada era, também, muitolimitadora.

“As casas eram muito fracas, as de lusalite. Eram unscaixotezitos… e feitas em amianto. Tinham condiçõesmuito fracas mas as pessoas não sabiam nada disso… e as

paredes das casas eram tão fracas… dava para ouvir as

discussões. Era muito desagradável. Depois, nas outras,de alvenaria já não. Ainda eram fracas, mas sempremelhorzinhas. Parece que as pessoas já eramconsideradas mais gente.” (Padre Araújo)

“Nas casas de lusalite, não havia nada. Só a pia de despejoe o balde com argolas para o banho. Água, só fria. Uma sólâmpada no tecto para toda a casa, luz fraquinha para não

gastar muito. O lugar das camas era sobre a pedra, nacozinha. Punha uns colchões de palha para os meus filhos.Fazíamos as divisões com cortinados. Depois fomosmelhorando, construindo por nós.” (Nazaré, moradora)

“As divisões, muito pequeninas. A sala de jantar levava umamesa, umas cadeirinhas e pouco mais… Quando entravaalguém, tínhamos que nos levantar. Quando para aquiviemos, as casas não tinham lava-louça. Tinha umachaminé e uma pia de despejo. Estes duplexes tinham acasa de banho lá em cima… Era com um sistema de balde.

A gente tinha que tirar o balde – era uma lata – preso comdois ganchos, púnhamos lá dentro a água quente, etínhamos um estrado de madeira com um ralo para escoar.

As casas de banho são pequeníssimas….” (DomingasFerreira, moradora)

“Tinha casinhas novas mas com muito poucas condições:uma lâmpada no tecto e um balde para as pessoastomarem banho. Não havia água quente. Não pensavamque as pessoas chegassem a velhas e, por isso, fizeramumas escadas que aquilo é mesmo para as pessoas

caírem. Aquelas escadas são um grande obstáculo. Há pessoas aí, que têm um enorme sofrimento para subir asescadas. Eu sei porque conheço muita gente… e mesmoas condições das casas – agora que o tempo começa aaquecer, os quartos de cima chegam aos 30 graus.Ninguém consegue lá dormir. Estes quartos fazem lembraro que era a prisão “a frigideira” em Cabo Verde para ondemandavam os presos do regime… Se as pessoas nãotivessem gasto algum dinheiro nestas casas, eu não seiquem poderia viver aqui hoje em dia. Isto é tão verdade, tão

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PLANTAS CASAS LUSALITE

PLANTAS CASAS ALVENARIA

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verdade…” (Fonseca, morador e comerciante)

“O meu pai mandou logo tapar a escada porque, em baixo,quem olhasse para cima via as pernas.” (Custódia Pereira,moradora)

A gestão do bairro – “uma aldeia ou… um “gueto”?

Também em termos da gestão o Bairro Padre Cruzterá beneficiado de alguma “abertura” relativa. Nãorecolhemos referências acerca da presença explícita daLegião Portuguesa, da Mocidade Portuguesa nem da Obra

(3)das Mães pela Educação Nacional tal como era habitualem outros bairros municipais.

Além disso, sabemos não ter havido indicaçãopara as famílias celebrarem o casamento religioso a fim depoderem residir no bairro nem, tão pouco, ter sido feita ainspecção médica e a desinfecção de todos os bens epertences antes da entrada para a casa atribuída, tal comosucedera com os primeiros moradores dos anterioresbairros da Quinta da Calçada, Furnas e Boavista. “Já

vínhamos todos casados do Bairro da Quinta da Calçada.Havia lá uma igreja para se fazer os casamentos,”relembrou Joaquim Cruz, morador antigo.

“A Comissão da Acção Social dos Bairros Municipais jáexistia. É anterior ao bairro e era constituída por elementosnomeados pela Câmara de Lisboa. Eram técnicos derelevo, funcionários superiores da Câmara, Director-Geraldas Finanças, Serviços Culturais da Câmara, a Legião

Portuguesa e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa queainda estava estruturar-se… pessoas escolhidas einstituições coordenadas pela Câmara e com a missão de

gerir a acção social dos bairros. Mas geria do lado exterior,nos gabinetes – não ia ao bairro. As reuniões semanaiseram feitas na Câmara. A partir de certa altura, o PadreFrancisco passou a integrar também esta Comissão. Haviareuniões semanais para recolherem informações sobre avida do bairro no terreno real.”(Isabel Geada, assistentesocial no Bairro (1963-1971).

A comunicação da atribuição de casa era feita porescrito e a entrega das chaves implicava o preenchimentoprévio da ficha de identificação com o registo dos dados dofuturo titular. Neste registo, para além das informaçõesgerais (sexo, data de nascimento, naturalidade, profissão,

habilitações, vencimento e composição do agregado)constavam perguntas tais como: “é casado legalmente?”;“o que consta quanto ao comportamento?”.No verso, constava a listagem das instruções (em termosde proibições e obrigações) para habitar a casa e respeitaras regras do bairro que, abaixo, reproduzimos. Regras queas primeiras gerações de moradores não recordam ou, empoucos casos, terão uma “vaga ideia”:”Fomos conhecendo as regras morando cá. Sabíamos quenão podíamos receber pessoas em casa.” (Lurdes Faria)

INSTRUÇÕESÉ expressamente proibido:1º Admitir na casa que lhe foi distribuída qualquer pessoaque não faça parte do agregado constante do quadroinscrito no presente ofício. Qualquer alteração que se

venha a verificar (…) terá de ser comunicada, pelo inquilinoao fiscal do Bairro, no prazo de 8 dias.2º Possuir animais domésticos (cães e gatos).3º Construir capoeiras, caramanchões e qualquer outroanexo.4º Ligar qualquer aparelho TSF na instalação elétrica dacasa, visto só estar preparada para fornecer iluminação.5º Mudar a lâmpada para outra de maior potência ou fazerqualquer alteração à instalação eléctrica.

O inquilino é obrigado:1º A substituir os vidros que se partam na sua residência.2º A conservar em bom estado a casa que lhe foidistribuída.3º A indicar ao fiscal qualquer deficiência que note na suacasa (como: infiltrações de água, contadores avariados,torneiras vedando mal…).4º A consentir que a sua casa seja visitada, pela Comissãoou seus delegados, sempre que se julgue conveniente.

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VISTA DO BAIRRO PADRE CRUZ, 1963 (AF-CML)

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5º A pagar a renda da sua casa de 1 a 8 de cada mês.

O inquilino que desrespeite os princípios indicados pode sermandado desalojar por despacho dado pela ComissãoAdministrativa.

A figura do fiscal No sentido de tornar a organização mais eficaz erespeitada estes bairros municipais contavam com a figurado fiscal. Alguns moradores mais antigos referiram que“primeiro havia dois fiscais; depois, passou a haver sóum.”O fiscal era um género de polícia que cá morava efazia-se respeitar.”

Ao Fiscal competia:«(…) 1 – Cobrar dos inquilinos de 1 a 8 de cada mês, asrendas das suas moradias e os excessos de consumo deágua.2 – Não permitir que os inquilinos recebam em suas casasquaisquer pessoas que não façam parte do seu agregadofamiliar, sem a devida autorização da ComissãoAdministrativa.3 – Não consentir que os moradores possuam cães, gatosou criação no interior das suas residências.4 – Não permitir (…) que transgridam qualquer posturamunicipal e muito especialmente que façam lume fora dachaminé; que efectuem as construções ou mesmo

vedações sem autorização prévia da C.M.L; que estendamroupa fora do local próprio (estendal do bairro); que andemna rua com os pés descalços; que efectuem no bairro a

venda ambulante de quaisquer produtos que se encontremà venda no respectivo mercado; que tenham capoeirassem prévia autorização, que peçam esmola.5 – Não consentir que os inquilinos tenham nas suasmoradias telefonias ou alterem a instalação eléctrica.6 – Não permitir que os inquilinos tenham na sua moradialâmpadas de voltagem superior a 25W.7 – Apreender a todos os inquilinos o material eléctrico quenão seja o da primitiva instalação. (…)»

As famílias que não cumprissem os regulamentoseram “castigadas”. E, eventualmente, eram transferidaspara bairros considerados “mais problemáticos”.

“Ali mesmo no salão de festas havia uma casinha

pequenina que era a casinha do fiscal e nós tínhamos quedar todos os meses 5 escudos ao fiscal e ele é que olhava pelo bairro. Não podia haver zaragatas. Ninguém discutiacom ninguém. Se não, estava sujeito a ser transferido paraoutro bairro.” (Teresa Guerra, moradora).

“Quando havia zaragatas entre vizinhos, o fiscal davaindicação para mandar essas famílias para o bairro daBoavista, que era o “bairro do castigo”. Ao fiscal pagava-sea renda e a EDP. Primeiro eram dois; depois passou a ser sóum. Eles eram uma figura de controlo.” (Manuel João,morador).

“Havia castigos e multas para quem jogava à bola na rua.” (Manuel Oliveira, morador)

“Havia uma vizinha, cujo filho era muito rebelde e nãoqueria ir à escola. O fiscal vinha buscá-lo para ir à escola eameaçava, dizendo: Olha que a tua mãe vai presa se nãofores à escola… e o miúdo lá ia…” (Teresa Guerra,moradora)

No conjunto da organização do bairro a figura dofiscal foi marcante e, de certo modo, aceite, atendendo aque ele era, também um outro morador. Alguns fiscais,

além de emblemáticos, ficaram na memória … o Sr.Rocha, Sr. Oliveira, o chefe Moreira…

“Não consigo imaginá-lo sem autoridade. Era uma pessoanão autoritária mas que vestia a autoridade e nós tínhamosmuito respeito. Ele até era uma pessoa muito afável,

passava por nós e cumprimentava-nos mas nós tínhamos-lhe imenso respeito.” (Fernando d’Oliveira, morador)

Porém, se grande parte dos moradores, apesar do

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controle, sentem e vivem o bairro nesse “espírito de aldeia”onde as relações de vizinhança se vão estreitando pouco apouco, também houve quem fizesse notar:

“O bairro funcionava como um ‘gueto’. Mas essa noção só

nasce mais tarde. Enquanto miúdo eu vivia algumconstrangimento… se jogasse à bola, ia para os fiscais…os nossos gestos eram vigiados e controlados… punhamos miúdos de castigo. Na Boavista, tenho a certeza masaqui não tenho a certeza absoluta. (….) Não se podiaandar descalço em Lisboa. Aqui, no bairro, andava-se. Eu

só me calçava para ir para a escola. E porque só tínhamosum par de sapatos. Quem fosse apanhado descalço tinhauma multa de 20$00. Isso já acontecia ali para a zona do‘bairro jardim’ que hoje é Telheiras. A multa era muitodinheiro. (…)” (Manuel João, morador).

Os primeiros apoios sociais – “criar um sentido decomunidade”

No contexto da organização da vida social dobairro entende-se perfeitamente que as figuras do padre, aequipa de apoio social, os médicos e a equipa deenfermeiras, os fiscais, as educadoras e professor/a…tenham sido, cada um a seu modo, referênciasimportantes. Por solicitação da Comissão da Acção Social, daCâmara Municipal de Lisboa em concertação com a SantaCasa da Misericórdia de Lisboa (naquela altura, ainda emconsolidação), as primeiras técnicas de acção social

desenvolveram um trabalho de grande proximidade com apopulação. “Era um trabalho social de comunidade, eraassim que se chamava” (Isabel Geada).As informações mais seguras chegam-nos na voz de quemas viveu:

“Nessa altura a Misericórdia de Lisboa estava a consolidar- se. (…) Em 1962 a Misericórdia destacou pessoalespecializado – Educação/Formação familiar (LauraTavares) e uma assistente social (Olga Pinheiro) mas que

não estava lá efectiva. Foi ela quem fez a primeiraabordagem. A inauguração dos serviços e equipamentosfoi em 1962 e eu cheguei ao bairro em 1963. Tudo aindaestava muito embrionário. Mas durante o primeiro ano de1963-64 o bairro teve um grande desenvolvimento.

Por outro lado, apesar do constrangimento vivido, também sabemos que o bairro terá beneficiado de alguma diferençano programa de acompanhamento. Com o Bairro PadreCruz houve uma alteração nas tarefas da Comissão da

Acção Social. O Bairro Padre Cruz era um bairro muitomaior do que a Quinta da Calçada, Furnas, Boa vista,Caramão da Ajuda, e com outras condições.Havia que criar um sentido comunitário às pessoas. Foiesse trabalho que me pediram como técnica da acção

social… Foi um trabalho muito gratificante porque a população aderiu e reagiu sempre muito bem. O BairroPadre Cruz, sem dúvida, subiu um patamar na escala econdições dos bairros municipais. Muito pela convergênciade três factores: primeiro, o ambiente preparado peloPadre Francisco que começou a desbravar o trabalho coma população. Ele ia ao bairro frequentemente. As pessoasestavam completamente isoladas. E ele era uma pessoamuito próxima e muito dialogante.

Além disso, a maior parte das pessoas vinham de casascom muito piores condições, muito abarracadas, e chegarali sentiam-se beneficiadas, com outro estatuto e patamar

social…Terceiro, o perfil das pessoas e o trabalho com os técnicos.Havia preferência na atribuição das casas a chefes defamília, com vínculo laboral, preferencialmente na

Câmara… Esta selecção era feita, inicialmente, pelaPolícia Municipal. Depois passou a ser um gabinete técnicoque estudava a atribuição das casas.” (Isabel Geada,primeira técnica de assistência social no Bairro (1963-1971)).

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Equipamentos sociais – “as inaugurações foram muitobonitas”

“Assisti à inauguração do bairro. (…).Estava todo o povo presente e muita gente feliz.”

Padre Araújo(em funções no Bairro de 1966 a 1981)

Na segunda parcela do Bairro, o bairro dealvenaria, foram sendo construídos vários equipamentosde apoio: igreja, escola primária, mercado (adaptado daantiga vacaria), centro cívico (salão de festas e detrabalho), sala de leitura/biblioteca, lavadouro, creche,“dispensário” e posto médico, sede do clube desportivo“Os Unidos” e zona desportiva, tal como estava inscrito napedra da lápide camarária.

Este conjunto de equipamentos procuravam umacerta “normalização” dos hábitos da população residente,atendendo a que se previa acolher uma população já muitonumerosa para aquela altura. Interessante será poisperceber como na realidade concreta, nos usos do dia-a-dia e no decorrer da história, os moradores se foramreapropriando desses espaços e dessas normas exteriorestornando-as vivências suas… e fazendo com que, pouco apouco, o bairro vá sendo cada vez mais “nosso”. Este primeiro subperíodo de consolidação dobairro (1960-67) foi vincadamente marcado pela euforiadas várias inaugurações dos equipamentos sociais. Emcausa estava, também, a propaganda da imagem“assistencialista” do regime que providenciava as melhores

condições de vida a populações satisfeitas. Mas, tambémpor isso, controladas “nos seus devidos lugares”. Nos seuslugares periféricos, distantes dos centros de poder edecisão. Atendendo ao interesse na promoção da imagemdo bairro (uma “aldeia feliz”), ainda durante a respectivaconstrução, ocorreram visitas frequentes por parte dopresidente da Câmara Municipal (General França Borges) eoutros responsáveis camarários, eclesiásticos (bispo epadres) ou individualidades do governo. Registaram-se

várias efemérides durante o ano de 1962 e repetiram-seem 1966-67, com a instalação da lápide (que referimos) ea homenagem e colocação do busto do Padre AntónioFrancisco de Cruz, com o devido aparato propagandista doEstado Novo.

Atendendo a que o tempo da construção do bairrocoincidiu com o ano comemorativo do centenário donascimento do Padre Cruz (1859-1948), o bairro ganhaum nome – o do seu patrono – de evidente carizassistencialista aos pobres e desamparados, conforme

(4)convinha à imagem do regime .

A capela do Bairro Padre Cruz – “o pulmão do bairro”

A paróquia desenvolveu um papel muito activonesta fase da vida do bairro. Era orientada pela OrdemFranciscana com sede na igreja de S. Lourenço, deCarnide. O primeiro pároco com funções no bairro foiAntónio Francisco Marques (de 1952 a 1973, vd. nota 8,do presente capítulo), que vincou este período inicialcriando e consolidando a comunidade religiosa.

Este aspecto não pode ser desligado do contextodas relações entre a Igreja Católica e o regime do EstadoNovo. Tal proximidade justificou que a capela do bairrofosse um dos primeiros equipamentos a ser construído einaugurado, em grande cerimónia, no dia 1 de Outubro de1962. Na sua construção estiveram envolvidos algunsmoradores atendendo a que muitos eram pedreiros eserventes da CML. “Lembro-me de ver a Igreja serconstruída. O meu pai ajudou na construção da igreja.”

Sabemos que até à inauguração da igreja,algumas missas ainda terão sido celebradas na escolaprimária que fora inaugurada poucos meses antes. Foi apartir deste “pulmão” do bairro que o trabalho interior coma comunidade foi desenvolvido, em estreita colaboraçãocom a Comissão da Acção Social dos Bairros Municipais. No início, esta capela pertencia à Paróquia deCarnide e servia, até 1971, as comunidades da Pontinha ea Serra da Luz. Só mais tarde, a partir de 1982 e 1983, éque foram celebrados os primeiros casamentos e

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INAUGURAÇÃO DO BAIRRO PADRE CRUZ, 1962 (AF-CML)

DESCERRAMENTO DO BUSTO DO PADRE CRUZ, 1967(AF-CML)

INAUGURAÇÃO DA CAPELA N. SENHORA DE FÁTIMA, 1962(AF-CML)

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baptizados na capela Nª Senhora de Fátima. Assim sendo,o bairro pertenceu primeiro, a um vicariato que era pastorale economicamente dependente da paróquia-mãe, nocaso, de S. Lourenço de Carnide. Depois, passou a quase-paróquia e só após 3 ou 4 anos constituiu-se comoparóquia. Adiante daremos conta das respectivasdinâmicas.

A Escola Pr imária 167 – “Bom dia, senhoraprofessora!”

A escola primária foi outro equipamento queguarda vincadas memórias junto dos meninos e meninasde bata branca. A escola primária nº 167 era o únicoedifício escolar e também foi construído de raiz. Depoisficou conhecida por Escola Rio Tejo, nome da rua onde selocalizava

Tal como era uso e costume naquele tempo, oedifício mantinha separados os pavilhões...

“Do lado direito eram rapazes, do lado esquerdo eram asraparigas. Não havia misturas. Mas havia as mais crescidasque já eram muito malandronas. Subiam acima do muro

para espreitarem para os rapazes. Aquilo era uma festa!” (Custódia Pereira, moradora)

No interior da escola o quadro com a figura deSalazar e o crucifixo da Igreja católica lembravam aautoridade do regime sobre as paredes brancas. Pelamanhã, dois padres da Ordem Franciscana visitavam a

escola. Ensinavam a rezar e punham as orações em dia. Àchegada da professora, os meninos e as meninas de batabranca levantavam-se prontamente e, a uma só voz,cumprimentavam: “bom dia, senhora professora!”

Antes de dar início à lição e para relembrar amissão de todos e de cada um naquela escola, e na vida,cantava-se o hino nacional. E era assim que se abria o dianos tempos iniciais do bairro. A ampla maioria das criançasfrequentou a escola primária 167 numa altura em que apopulação em idade escolar era muito numerosa.

“Lembro-me que, em 1963, viveu-se uma situaçãoexcepcional. Havia cerca de 1 000 crianças em idadeescolar e pré-escolar. O jardim-de-infância tinha lista deespera e a escola primária teve que abrir 3 turnos: 9-12h;12-15, 15-18h. Isto foi uma situação extraordinária queterá durado uns 3 anos. Depois, passou ao normal: turnode manhã e outro de tarde. As primeiras professoras forama Maria de Fátima Oliveira Carrapa e Maria HelenaCarvalheira.” (Isabel Geada, assistente social no Bairro(1963-1971))

“A escola tinha oito turmas – quatro de manhã e quatroturmas de tarde. Com trinta e tal meninos cada. A maneirade ensinar era muito diferente, era tudo muito diferente.Havia muitos meninos mal tratados, mal alimentados… Aescola tinha espaço para cantina mas não funcionava. Nósdirigimo-nos à Câmara. Havia muita criança com muitafome. Ainda hoje há, mas menos... Juntámo-nos. A

professora também. A cantina tinha já o fogão grande …Fomos a Sacavém e deram louça de Coimbra. Era louçafina para 200 pessoas, travessas, tigelas para a salada em

pyrex… depois, falámos com o Padre Francisco. Claro queele colaborou. Para ajudar não havia igual.Entre os amigos dele, arranjou a comida. Foi ao SenhorBom Jesus, uma família muito rica… Era de uma quinta

perto, pertence ao Bairro de S. João. Esse senhor dava acarne toda para a refeição dos meninos. Durante dozeanos esse senhor deu a carne para a refeição das crianças.Eu trabalhei ali doze anos. Os meninos pagavam 5$00 pormês. Aquilo, nem para o ordenado da gente chegava mas

sempre era uma ajuda. Tinham direito a almoço. Era sopa,o prato e fruta. Quando era peixe, tinham doce. Dois dias por semana. Alguns meninos nunca tinham provado certoscomeres. Havia cento e tal meninos a comer. Havia muitascrianças aqui. E fomos ao quartel pedir panelas… Isto

passou-se em 1966.” (Nazaré, auxiliar na escola,moradora)

Concluída a instrução primária, grande parte dos jovens, rapazes e raparigas, ia procurar trabalho. Mais raros

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INAUGURAÇÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA,RUA DO RIO TEJO, 1962 (AF-CML)

INAUGURAÇÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA,RUA DO RIO TEJO, 1962 (AF-CML)

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eram aqueles cujos esforçados rendimentos familiares esucesso escolar permitiam continuidade nos estudos emescolas próximas ao bairro (a escola secundária daPontinha era a alternativa mais procurada) já que a oferta,em termos de equipamento escolar, naquela altura (e até1993) estava circunscrito à escola primária.

Centro Cívico – “o nosso salão de festas!”

Uma das referências fortes do bairro foi o “CentroCívico”. Era gerido pela Comissão da Acção Social dosBairros Municipais, da qual fazia parte a Igrejarepresentada pela figura do Padre Francisco. Era ao padreFrancisco que se tinha que solicitar a autorização para usareste equipamento. Destinado a “casa de cultura e detrabalho”, os moradores acabariam por renomeá-lo para“salão de festas”. Uma identificação que comprova asmuitas e diversas iniciativas que ali aconteceram. Paraalém das animadas e concorridas festas da catequese,também o cinema e as sessões de teatro, contribuírampara essa vivência festiva do “nosso salão”. Todos osmoradores com quem conversámos fizeram referência aeste equipamento.

“Ora, este afastamento do bairro em relação à cidade,obrigou a que fossem construídos os equipamentosnecessários para garantir a vida do bairro. O facto de obairro ter um “Centro cívico” é muito moderno.” (JorgeNicolau, ex-morador).

“No salão de festas aconteceu muita coisa. Muita festa. Alguns dos ranchos ensaiei eu. Participávamos todos.Havia peças de teatro ensaiadas por um senhor cá dobairro que escreveu um livro de poemas sobre o bairro –

Alberto Artur Mendes (já falecido). Este senhor ensaiavamuitos jovens. Fazíamos peças que apresentávamos no

salão de festas.”(Lídia Pereira, moradora).

“As festas da catequese também marcaram muito a vidadaquele salão. Apresentavam-se espectáculos com grande

qualidade… a sala enchia. Todas as famílias dacomunidade queriam assistir.” (Elisete Andrade, moradora)

“No salão de festas fizeram-se peças de teatromaravilhosas. Lembro-me de uma - “Natal na Praça” –uma peça com grande sucesso sobre a vida de Jesus Cristo.Tinha personagens vestidos de ciganos, uma carroçaverdadeira e que teve o som de um burro a zurrar…Ninguém lhe falou nela?!” (Isabel Geada, técnica da acçãosocial no Bairro (1963-71))

“Para mim o que mais marcava vida do bairro era aquele salão. Nunca quero acreditar que aquilo vai abaixo umdia… isso faz-me muita confusão… aquilo era umamaravilha… havia ali cinema todas as semanas. Nóstínhamos um padre – o padre Francisco que ia ao cinemacom a gente. As pessoas às vezes falavam, mas ele foiimportante…“ (Teresa Guerra, moradora).

“Havia aqui teatro. Era um espetáculo! Havia um alçapãoque dava para fazer teatros muito giros. Com muito boascondições! De onde sai aquele senhor? Ele aparecia eninguém sabia como … Era muito giro. E tinha camarins eduches…” (Carlos “Canhoto”, morador)

Mas juntamente com o grande auditório (paracinema e teatro), o Centro Cívico comportava outras

valências: era ali que estava instalada a primeira“biblioteca de Carnide, mais conhecida por “sala deleitura”, o posto do fiscal do bairro (a tal “casinha do

fiscal”), a pequena sede d’Os Unidos e, mais tarde, umapequena delegação da Junta de Freguesia de Carnide.

O Cinema – “…do tempo do bilhete a sete-e-quinhentos. E até menos!”

A existência de um cinema no bairro paraprojecção de filmes foi outra medida que, nesta fase inicialdo bairro, não pode ser desligada da propaganda do regimedo Estado Novo e da própria estratégia da ditadura que,

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CENTRO CÍVICO E SOCIAL, 1962 (AF-CML)

PADRE FRANCISCO ASSISTE A ESPECTÁCULODA CATEQUESE, 1966 (FOTO PARTICULAR)

ESPECTÁCULO DA CATEQUESE, 1966(FOTO PARTICULAR)

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através do SNI (Serviço Nacional de Informação),controlava todos os visionamentos dos filmes.Muito procurado pela juventude (masculina) a visualizaçãodos filmes das “tardes de cinema” (após a devidaautorização pelo SNI [Serviço Nacional de Informação] epelo Padre Francisco) foram lembradas com saudade.Havia sessões a decorrer desde 5ª feira até domingo e,quase todas elas, esgotadas. Arranjar dinheiro para obilhete ou inventar formas de “ultrapassar” a vigilância doencarregado do cinema seriam, por certo, estratégias quealimentavam as conversas da juventude durante toda asemana.

“A Comissão que geria o salão de festas ia ver o que estavadisponível no mercado, ver os vários distribuidores, edepois iam ao SNI para obter as licenças necessárias. Eraassim que funcionava e foi assim que funcionou mesmoapós o 25 de Abril com a tal Comissão de Moradores…” (António Cristino, morador)“A Igreja também controlava o cinema e o dinheiro das

sessões era entregue ao Padre Francisco.” (Manuel João,morador)

“Sou do tempo do bilhete a sete-e-quinhentos. E atémenos…!” (Carlos Canhoto, morador)

“O cinema! Eu adorava o cinema! As bilheteiras abriam às8 horas e esgotava e eram sempre os mesmos queconseguiam ir… Porque depois já não havia bilhete. De 8

em 8 dias ou de 15 em 15 dias mudavam o filme. Havia osfilmes indianos, o Trinitá, o Bruce Lee – mas eu desses não gostava. Era muito artificial. Mas saíamos dali todos a bateruns nos outros, era pontapé, era karaté…Para as criançasa melhor parte que tivemos aqui no Bairro Padre Cruz foi

precisamente o cinema…” (Fernando Pereira, ex-morador)

“O primeiro filme que vi foi o Joselito. E também houve oCantiflas…” (Olinda, ex-moradora)

“Ninguém disse como chamávamos ao cinema?! Era ocinema piolho, pois era…”(Jorge Nicolau, ex-morador)

A Biblioteca Popular Fixa de Carnide – “a nossa Salade Leitura”

No seguimento do ideário republicano dealfabetização e instrução das “classes trabalhadoras” mastambém de propaganda cultural do Regime e “formaçãodos espíritos” à semelhança de outros “bairrosprovisórios”, o Bairro Padre Cruz também dispôs de uma“Biblioteca Popular Fixa”. Uma designação que a distinguiadas carrinhas de bibliotecas itinerantes que circulavam poralguns bairros camarários e, ao início, também pelo Bairro

(5)Padre Cruz “E havia a biblioteca itinerante que vinha aobairro de 15 em 15 dias” (M. Graça, ex-moradora). Através dos anais da CML de 1963 acedemos aoregisto do espólio da Biblioteca Popular Fixa de Carnide. Aliconsta a referência a 1 191 exemplares distribuídos pordiferentes categorias: jornais, livros de literatura, infantis…O movimento (anual) era de 2 750 leitores (sendo 1 273 deleitura diurna, e 1 477 de frequência noturna); onde os

jornais e as revistas estão registados como os exemplarescom maior procura, seguidos dos livros classificados comoliteratura e, depois, literatura infantil.

“Eu era estudante de Geografia, no 1º ano da faculdade deClássicas, e recebi uma carta da Câmara Municipal deLisboa a confirmar emprego na Sala de Leitura do BairroPadre Cruz. Vim ganhar 2.200$00. Já era moradora no

bairro há 2 anos. O horário era das 9h às 11h da noite –talvez tivesse intervalo para almoço. Primeiro houve umcasal, o Inocêncio e a Fernanda. Eram moradores. Depoisveio o Sr. Vitorino. Eram os auxiliares – faziam a vigilância.Tínhamos alguma variedade, havia empréstimodomiciliário.Era o único local para ter acesso às informações e ler o

jornal. A biblioteca estava preparada para as várias idades.Depois íamos acrescentando alguns títulos.” (AmáliaLemos, ex-moradora e ex-bibliotecária)

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INAUGURAÇÃO DA SALA DE CINEMA, 1962 (AF-CML)

BIBLIOTECA MUNICIPAL DO BAIRRO PADRE CRUZ,1962 (AF-CML)

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A relação de proximidade e de cumplicidade comos funcionários da biblioteca, ao longo do tempo, foisublinhada com entusiasmo. Foram vários os funcionáriosque deixaram boas memórias (o Sr. Paulo, o Sr. ArmandoCalado…), de atenções e cuidados, o aconselhamento eselecção de livros,...

“Um dia o meu pai apanhou-me a ler uns Caprichos. Nãoeram meus porque eu não tinha dinheiro para comprar.Eram de outras raparigas que já não os queriam, e euaproveitava. Mas o meu pai não queria que eu lesse aquilo.Foi então comigo à biblioteca dar autorização para eu

poder ir levantar livros à biblioteca. Eu adorei. Comecei a irbuscar livros… Eu gostava muito de ler…” (CustódiaPereira, moradora)

“Costumava ir à biblioteca do bairro pedir os livrosemprestados para os meus filhos estudarem. Elesestudaram até quererem. Eu, que nem ler sabia, sempretive atenção aos estudos dos meus filhos. Sempre osacompanhei.” (Nazaré, moradora).

“O que eu aqui passei nesta biblioteca, o prazer que eutinha pela leitura! Era aqui que eu ia ler horas e horas ehoras… Eu lia o jornal de manhã… estava ali o Sr. Adelinoque era o funcionário e guardava os livros que nósqueríamos… isto aconteceu logo a seguir ao 25 de Abril. Abiblioteca também serviu, mais tarde, para ponto deencontro, de conversas, de discussões amigáveis…

Armando Calado – era uma referência fundamental –

responsável na Biblioteca. Vive hoje no bairro novo – eralicenciado e integrou-se perfeitamente na vida do bairro.Fez parte do Grupo de Teatro de Carnide e, se não viesse o25 de Abril, teria problemas… ele estava identificado pelaPIDE…. Fizemos grupo de jovens, éramos quatro ou cincoque nos encontrávamos e tínhamos conversas… E depoisestas nossas sinergias transferiram-se para o Grupo deTeatro de Carnide.” (Jorge Nicolau, ex-morador)

“O meu pai lia e gostava muito de ler. E o que ele mais

gostava era que eu lesse para ele ouvir. Por isso, quando sefala das pessoas humildes e dos estratos sociais maishumildes é preciso saber que há pessoas humildes quereflectem, que pensam e que sabem o que querem…” (Elisete Andrade, moradora, presidente da AMBCP)

Oficinas da Acção Social da Câmara Municipal deLisboa

As Oficinas do Serviço Social da CML foraminauguradas um pouco mais tarde, em 1964. Eramdestinadas unicamente à população feminina. Não foiapurada a relação com a Obra das Mães pela EducaçãoNacional (vd. nota 3 do presente capítulo). Ocupavam duassalas – malhas e costura – e tinham a coordenação da D.Armanda, ao início. Ali eram feitos trabalhos, na sua grandemaioria, ao serviço da CML – é o caso das respectivasfardas – e da confecção das roupas, que eram oferecidasaos filhos dos funcionários da CML, em cada Natal.Este terá sido dos equipamentos que gerou maispolémica e de curta actividade pois, para além daexploração da mão-de-obra e dos “pagamentos demiséria” (cf. isabel Geada e a moradora Nazaré), a suaintegração na SCML estava a constituir-se e ficoucomprometida com as mudanças operadas pelo 25 deAbril, em 1974.

“A criação de oficinas foi muito importante – coser àmáquina e trabalho de malhas. A CML adquiriu asmáquinas e houve pessoas preparadas para dar a

formação. Cursos para as mulheres aprenderem eaceitavam-se encomendas do exterior. Eram encomendas, sobretudo da Câmara. As fardas – eram às centenas! – e asofertas de Natal para os filhos dos funcionários da Câmara

– saias e calções e camisolas. Eram remuneradas à peça.Trabalhavam para as oficinas da tropa, fardamento...Recebiam uma miséria, mas recebiam qualquer coisa.” (Isabel Geada, assistente social no Bairro (1963-71)

“Quando o bairro foi construído tinha umas Oficinas do

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SALA DA BIBLIOTECA, 1964 (AF-CML)

INAUGURAÇÃO DAS OFICINAS DE ACÇÃO SOCIAL,1965 (AF-CML)

OFICINAS DE ACÇÃO SOCIAL,1969 (AF-CML)

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Serviço Social, da Câmara, que deixaram de funcionar nadécada de 70. Com a evolução dos processos de trabalhonão justificava que estivessem ali umas mulheres aaprender malhas. Inicialmente eram dos Serviços Sociaisda Câmara, tal como a construção da creche e do pequeno

gabinete médico. Foi a Santa Casa da Misericórdia deLisboa que veio gerir essa unidade. E tinha um gabinete –no Centro Social onde estavam duas ou três técnicas. Maistarde, as oficinas acabaram por ser usadas para outrasmodalidades – carpintaria, utilizada por um morador; e,outra por um pintor e um carpinteiro de pequenosrestauros.” (António Cristino, morador)

“Na inauguração das oficinas cada uma fez uma peça, para fazer uma exposição de rendas, de almofadas… Era oartesanato do bairro. Estava lindo! Nas oficinas o trabalhonão correu bem porque trabalhávamos muito e queriam

pagar-nos pouco. Também fiz pijamas. E rendas e toalhas.Mas o trabalho e a linha era toda minha e depois queriamdar-me só metade do preço da venda. E eu não deixei.” (Nazaré, moradora)

“A D. Rosa foi a mestra das malhas. Faziam-se ascamisolas para a Câmara. No Natal a Câmara dava umacaixa com roupa aos filhos dos funcionários. Nas fériastoda a rapariga nova ia trabalhar para as malhas. O que erair para as malhas? Era coser as camisolas, as senhorastricotavam e as miúdas cosiam. A D. Rosa foi a minhacatequista. Às vezes dava-nos a catequese nas oficinas

pois quando tinha um trabalho para acabar estava na

máquina a tricotar e a dar-nos a catequese. E havia aLucinda e a Dª Armanda que faziam a ligação entre a acção social e a Câmara. Houve pessoas que faziam em casa,aprendiam com a D. Rosa e depois trabalhavam em casacom a máquina que compravam e iam pagando…” (LurdesFaria, moradora)

“A minha irmã ainda trabalhou nas oficinas, no atelier decostura e ali saíam roupas para os funcionários daCâmara… Era trabalho pago, mas as roupas que saíam

dali eram dadas para os funcionários da Câmara, no Natal.Então o nosso Bairro Padre Cruz, na altura do Natal,víamos as meninas com as saias ao xadrez de pregas e osmeninos com camisinhas novas… E a gente saía à rua e sóvia… ‘filho de funcionário, filho de funcionário”… umespectáculo!” (Fernando Pereira, ex-morador)

Posto médico, dispensário e creche do Centro Social

Num só e mesmo edifício do Centro Socialestavam instaladas várias valências: o posto médico, odispensário e a creche.

O posto médico dispunha de dois médicos – Falé eRosa Paixão – e uma equipa de seis enfermeiras (Céu,Maria do Patrocínio, Rosalina, Guilhermina, Ermelinda eDeol inda) que t inha a responsab i l idade doacompanhamento da sala dos bebés, no dispensário, e oacompanhamento das mães recentes.

“Nós fazíamos acompanhamento às mães. Íamos a casadas mães para as ajudar a tratar dos seus filhos.Ensinávamos a pegar ao colo, a alimentar, cuidar ahigiene… Uma vez chamaram-me de urgência porqueestava um bebe a nascer… e o que havia eu de fazer?Chamei uma ambulância mas entretanto eu tive que ajudaro bebe a nascer… ralharam-me tanto, nem imagina!Fazíamos aulas para as utentes, ensinávamos tudo… oscuidados a ter, a alimentação, o deitar… Estas aulas eramfundamentais para as pessoas. Elas gostavam e

precisavam. Eram aulas de puericultura.

Dr. Falé Quental era de adultos. O Dr. Rosa Paixão era dascrianças. Era um excelente médico. Era uma pessoa muitohumana, trabalhava muito bem connosco.Íamos aos outros bairros. Tínhamos dias em que haviamuito que fazer. Muita gente para ser atendida e com

seringas que eram fervidas… hoje pensamos como issoera, os cuidados que tínhamos que ter. Era uma vida debairro muito tranquila. Éramos uma família. Era um bocado

periféri co, tínhamos que ir a pé…” (Rosalina, ex-enfermeira)

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POSTO MÉDICO, DISPENSÁRIO E CRECHE, 1962 (AF-CML)

POSTO MÉDICO, DR. FALÉ, 1969 (AF-CML)

POSTO MÉDICO, ENFERMEIRA ROSALINA 1969 (AF-CML)

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Havia marcação de consultas no posto mas haviaainda a possibilidade de consulta médica domiciliáriaquando absolutamente necessária. Eram serviços pagos abaixo custo e muito procurados pela população. Osmédicos e as enfermeiras acompanhavam e instruíam emtermos de vigilância e cuidados de saúde assim como nainformação e acompanhamento a vários níveis: educaçãoalimentar, higiene, planeamento familiar… Foi uma equipaque se manteve mais ou menos estável e de quem osmoradores reservam grata memória.

“Os armários que se vêm nas fotografias vieram da Quintada Calçada. Havia o posto médico. Os médicos – o Dr. RosaPaixão e o Dr. Falé eram muito bons médicos. O Dr. RosaPaixão ia a casa quando os miúdos estavam doentes. Ah, ea enfermeira Rosalina! Essa senhora era uma santa.Éramos muito amigas. Era posto médico e juntamentefuncionava a creche. Havia também um dispensário – deleite, a farinha… As mães iam à consulta e levavam oleitinho para os seus meninos.”(Lurdes Faria, moradora)

Na creche, para as idades compreendidas entre os2 e os 6 anos, a equipa era constituída por duaseducadoras (Leonor e Maria João), 3 auxiliares deeducação (Lurdes, Margarida e Luzinda) e uma vigilante(Marcolina).

“Lembro-me da inauguração da creche onde trabalhei,depois. Lembro-me de ver os bercinhos, com ascolchinhas... Já foi abaixo esse edifício – era a creche, o

posto médico e o serviço social. Ali havia uma bonecavestida de enfermeira oferecida ao posto médico pelas senhoras da assistência social.” (Lurdes Faria, moradora)

O comércio local – principais referências

Conforme referimos, no primeiro “bairro delusalite” para além do lavadouro comum e da cabine detelefone existia apenas um ponto de comércio disponível.Era a velhinha mercearia “casa branca”. Uma construção

rudimentar dos tempos antigos e anteriores ao própriobairro e que teria servido de casa de apoio às quintas deoutrora.

A mercearia “casa branca” – “um monte alentejano”

Para além da mercearia, a “casa branca” abrigavauma pequena taberna e barbearia; outra parte hospedava afamília dos proprietários e os empregados. Outra divisãoainda dispunha de quartos para albergar as gentes detrabalho que vinham ajudar nas campanhas agrícolas dassearas que circundavam o bairro.

Lembremos que durante os primeiros tempos dobairro de lusalite este era o único espaço para algumconvívio. Esta mercearia manteve-se ao longo do tempo e,mais tarde, receberia a chegada da televisão. Seria ali que,desde 1964, os jovens e graúdos do bairro moraores dazona de lusalite reuniam a emoção para assistir aosconcorridos festivais RTP da canção que tambémmarcaram várias gerações.

“A “casa branca” era uma pequena mercearia e taberna.Vendia carcaças e lá ia vender a peixeira Maria dos Anjosque punha ali umas caixas cá fora. Tinha pequena taberna.

Arrendou a casa branca a um sargento de Carnide quedepois a largou à Quitéria que morou lá. Atrás havia umavacaria. Que era do Bernardino. O senhor Artur foi o

primeiro da mercearia e, depois, o Fernando.” (ManuelCebola, morador)

“A “casa branca” era uma mercearia que tinha tudo. Eraum balcão grande com três ou quatro empregados aatender… Só o peixe é que vendiam fora. Haviavendedoras ambulantes que paravam junto ao largo.Lembro-me disto porque adorava brincar com os peixes…Na taberna havia o ‘Ti Matias’. Não lhe falaram nele? Todaa gente tinha respeito ao meu pai, que era o Artur. O meu

pai impunha respeito. Havia um livro de registo com asdívidas e as pessoas pagavam sempre… Creio que terá

sido uma referência para os moradores do bairro pois o

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CRECHE DO CENTRO SOCIAL, 1969 (AF-CML)

MERCEARIA "CASA BRANCA", 2010

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meu pai ajudou muita gente. O meu pai chegou a morar nacasa branca. Eu também vivi lá.O meu pai tinha uma Volkswagen, um carocha. Não seicomo o meu pai chegou à Casa Branca. O meu pai era daBeira Alta. Veio muito cedo para Lisboa, para trabalhar (…)

Aos 18 anos já era patrão. Tinha várias mercearias emLisboa. Quando ele tomou a Casa Branca” eu ainda nãoera nascida. Havia um grande pátio dentro dessa casa…Tínhamos animais, um pombal enorme.Quando o meu pai deixou a casa branca havia umas vinte

pessoas a viver lá… Chegou a ter dezoito empregados queviviam lá. Eu era pequenina e lembrava-me daquilo comoum espaço grande. Muito grande. Havia a mercearia, ataberna, a padaria, uma capelista e um espaço reservadoonde tinha a TV. Nessa sala, que era muito grande, haviaum dos armazéns. Lembro-me de ir para a sala da TV eaquilo estar cheio de pessoas…

A minha mãe ajudava o meu pai. Criaram um menu para ostrabalhadores que eram umas sandes reforçadas. As pessoas ali eram muito carenciadas e, assim, semprelevavam mais que dava para almoço… e ganhava-se maisuns cobres.Lembro-me de ver chegar as camionetas do melão, dasbatatas… Lembro-me dos grandes alguidares comcosteletas temperadas em vinha d’alho e do bacalhau demolho que as pessoas iam lá comprar…

A casa da roupa era o telheiro com dois tanques. Havia pessoas que lavavam roupa para fora… e que moravam nalusalite.Gostava de conhecer alguém que tivesse conhecido o meu

pai. Isso é que eu gostava! E certamente também selembraria de mim… Eu era muito lourinha. Era conhecida pela Mariazinha. Depois, sei que foram para lá outras pessoas explorar aquilo…” (Maria Piedade, filha do Sr.Artur, da mercearia Casa Branca).

“A “casa branca” era tipo um monte alentejano com todasaquelas portinhas. À noite íamos para lá ver TV. Era lá quecomeçou a haver TV. Era um sítio muito sossegado. Foi láque vi os Festivais da Canção.

Nessa altura, era do senhor Fernando. Havia lá atrás uma horta onde ele ia buscar as hortaliças para nós…”(LurdesSilva, moradora).

“Passámos dificuldades – o Fernando, da “casa branca”,era o “pai dos pobres”. Porquê? Porque vendia a fiado, aomês. Ele tinha uma carrinha, uma Ford Transit. Lembro da

gente a ajudar a tirar as coisas do carro e conseguíamoslevar para casa – ele era batatas, ele era cebolas, ele eraazeite, ele era óleos, ele era massas, ele era bacalhau, seilá… entrava tudo naquela casa por 300 escudos. O meu

pai, na altura, ganhava 700 escudos. O meu pai recebia,dava à minha mãe, tirava para os gastos dele e sei que aminha mãe ia lá, pagava o dinheiro que tinha e, às vezes,ficava qualquer coisa para o mês seguinte. Anotávamos nolivrinho. E, quando a minha mãe pedia para ir ao Fernandobuscar qualquer coisa – “mas atenção que é só isto!”, diziaela, nós lá íamos com o livrinho e no meio lá saía um“estica” que era um rebuçado grande e que nós íamos atécasa deliciados a comer aquilo… Como a minha mãe não

sabia ler, não sabia que o estica ia nas contas… Mas nósnão entrávamos logo porque tínhamos o cheiro do doce naboca… Largávamos as compras à distância e, depoisdizíamos – Ó mãe, ‘tá aqui!’ E tornávamos a correr…” (Fernando Pereira, ex-morador)

O mercado, “os ambulantes” e os aviamentos emCarnide

Já referimos que o edifício do mercado foi

recuperado a partir de uma antiga vacaria. Juntamentecom a mercearia casa branca, aquele edifício estáassinalado no mapa da Quinta da Penteeira mesmo antesda origem do bairro.

Com a instalação do “bairro de alvenaria” a ofertado comércio diversificou-se um pouco mais atendendo aonúmero de moradores que, entretanto, aumentarasignificativamente – dos 200 agregados iniciais, a partir dadécada de 60 somavam 1 117 famílias. Porque fortementeligado a vivências partilhadas e personagens caricatas que

49INAUGURAÇÃO DO MERCADO, 1962 (AF-CML)

MERCADO, 1963 (AF-CML)

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não se esquecem, o comércio foi dos aspectos maislembrados na vida do bairro.

“Abastecia-me na casa branca, na praça, e em Carnide, noceleiro. E na azinhaga comprava a hortaliça. E a fruta…muita fruta, porque havia muitas quintas particulares quevendiam…Havia uma senhora que vendia couves para as

galinhas – porque chegámos a ter galinhas, coelhos nosquintais da casa… era proibido… mas eu adorava tratardas galinhas.” (Lurdes Faria, moradora).

“Aviávamo-nos no celeiro em Carnide. Vinham aqui váriosvendedores ambulantes. Lisboa foi perdendo o que tinhade típico, os pregões de Lisboa… o fava-rica que eravendida numas tigelinhas, os morangos… hoje já não hánada disso nas ruas de Lisboa. Aqui, ao bairro, vinha o

pitrolino que trazia tudo completo: azeite, petróleo, carvãoe por aí andava de porta a porta. A vida era pobre mas todosíamos vivendo. Éramos pobritos mas alegritos. O mercadoantes de ser mercado era uma vacaria. Ainda vi a vacaria afuncionar.”(José Augusto Ferreira, morador)

“A praça era onde é hoje, mas muito diferente. Era uma praça cheia, tudo muito bom, tudo muito fresquinho…Comprávamos carvão e bolas de cinzas. Havia o talho dacarne de cavalo e carne normal. Porque, na altura, a carnede cavalo era mais barata. Era o comércio que havia. Haviaa drogaria, o Sr. João, comprava-se enxofre para por nosfocinhos dos coelhos porque elas apanhavam bexigas.Comprávamos cal para cair as paredes. Estava tudo muitobonito.”(Anónima, moradora)

“O mercado na altura era muito superior ao que estáactualmente: talho, duas peixeiras, mais do que um lugarde frutas e hortaliças, a capelista – a Dª Clotilde, a drogaria,o padeiro, o Sr. Abílio… Havia muitos vendedores. Lembro-me também dos gelados Royal, a fava-rica, o língua-da-

sogra que percorria Lisboa inteira , todo vestido debranco… Assustava os miúdos. A D. Quitéria, atoalhados, aD. Aurora…A D. Isabel foi a última peixeira da praça. Havia

os rebuçados de coco a meio tostão, o papel pardo, aquarta de café, o meio quartilho de petróleo, e havia asmedidas sobre as quais que se passava a régua para alisare fazer a medida certa… tudo anotado. O petróleo àmedida, o carvoeiro, a taberna… O Sr. Jaime e D.Esmeralda, da mercearia. Só se comprava melão depois de

se provar… fazia-se um triângulo e comia-se. Era tudomuito diferente.”(Jorge Humberto e Ilda Silva, moradores)

“Não havia interesse nenhum que as pessoas se juntassem. Como lhe disse, a leitaria fechava muito cedo enão tinha mesa nem cadeira. As pessoas, para se

juntarem, só nas colectividades. Não se vendiam jornais nobairro. A papelaria aparece mais tarde. Havia taberna,mercearia, leitaria, padaria, dois talhos, a peixaria nointerior da praça, a capelista, a drogaria e a papelaria queaparece muito mais tarde. Ao pé das oficinas haviabarbearia, padaria, mercearia mais tarde… um cafezinho.” (Manuel João, morador)“Alguns vendedores ambulantes – de fruta, roupas,tapetes… de algodão ‘Vinte e cinco o maço!!!’ e nóséramos terríveis porque nós repetíamos o refrão. Osamoladores de tesouras, eram muito frequentes.” (Fernando Oliveira, morador)

“E havia o senhor que vendia os esticas, que era umaespécie de rebuçados de caramelo e o Garrafinhas quefazia refrescos e vendia à porta da escola…” (ArturMendes, morador)

“No mercado havia uma mercearia que também hoje aindahá – que é a mercearia do Sr. Jaime que já faleceu…também veio da Quinta da Calçada. Como tinha lá, foi-lhedada aqui. E havia uma capelista – que já não existe – queera uma senhora que vendia linhas e botões que tambémveio da Quinta da Calçada e era a senhora Clotilde…” (Teresa Guerra, moradora)

“Aqui no bairro não havia comércio. Só havia mercado.

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MERCADO, 1965 (AF-CML)

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Então o que é que a minha mãe decidiu fazer?Havia pessoas do bairro que vieram da Quinta da Calçada eque deixaram a venda. Então a minha mãe propôs ser ela avender… Assim, ela fazia a venda do leite, e da lixivia, de

porta em porta e combinava a percentagem com queficava. A minha mãe ia e vinha à Quinta da Calçada, a pé,com as latas do leite à cabeça. E depois vendia à porta. Aofim do dia ia entregar as bilhas e o dinheiro.Havia o pitrolino, com uma carroça que tocava aquelabuzina… que era o petróleo, o carvão, os esfregões… elecorria o bairro todo para vender… Lembro-me

perfeitamente do homem do pitrolino: vinha dois dias por semana, a dias certos, e nós já estávamos a contar comele.Havia uma senhora, a D. Florinda, que vendia café de portaem porta… e nós juntávamos os saquinhos e, ao fim de unsquantos saquinhos, ela dava-nos um brinde. Creio queuma filha ainda cá mora...”(Custódia Pereira, moradora)

“A minha mulher foi vendedeira no bairro de queijos e leites,de bolos na escola. Fazia queijinhos, ia buscar o leite demanhã, coalhava o leite nas forminhas de alumínio e ia

para Lisboa vendê-los… Ao final do dia, contávamos odinheiro e separávamos o que era para as despesas. Oresto ia para uma caixinha – “olha, aí está o que ganheihoje”. Cá em casa nunca houve duas carteiras. Depois,teve que vender bolos porque o rapaz da Pontinha vendeuas ovelhas e ela andava aí no bairro a apregoar “bóliiiinhas,bóliiiinhas…” E vendia aí muitos bolos, vendia bem. Era aMaria das Dores.” (Manuel Cebola, morador)

“E aqueles bolinhos que uma senhora velhota vendia numcesto, na casa branca, eram macios e com um cremeamarelo. Nunca mais comi igual. E os esticas?! Hummmm” (Conceição Costa, grupo “Intas & Entas do Bairro PadreCruz”, facebook).

“Quem se lembra de uma senhora a vender tremoços naesquina da rua do Norte….” (Fernando Almeida, grupo“Intas & Entas do Bairro Padre Cruz”, facebook))

“E o homem dos esticas!!!” (Mimi Caldas, grupo “Intas &Entas do Bairro Padre Cruz, facebook)“É para os meninos que não comem a sopa… olha oestica… olha o estica!” (Mimi Caldas, grupo “Intas & Entasdo Bairro Padre Cruz”, facebook)

Os caminhos e as acessibilidades ao bairro: “asazinhagas das memórias”

“A identidade do bairro está no desenho e na azinhaga. As azinhagas estão carregadas de memórias (….)

Eram locais muito marcantes".Jorge Nicolau (ex-morador)

Vem a propósito salientar que o núcleo antigo deCarnide era uma referência para os moradores do bairro,não só devido à oferta de um conjunto de equipamentos,bens e serviços, à animação e actividade cultural (escolas,feiras, colectividades recreativas e de teatro de Carnide…)como também por causa dos percursos pelas azinhagasque encurtavam as distâncias até à paragem terminal dofamoso elétrico 13 que, a preço do bilhete operário de oitotostões, viajava até aos Restauradores.

“…Nessa altura pagava-se conforme as zonas…chegávamos a ir a pé até à paragem seguinte para pouparuns tostõezinhos para comprar uma pastilha!” (MimiCaldas, “grupo “Intas & Entas do Bairro Padre Cruz”,facebook)

E r a m t r a j e c t o s q u e c o n s o l i d a v a mcompanheirismos entre o velho núcleo de Carnide e oBairro Padre Cruz: a Rua do Norte a continuar na Azinhagados Cerejais e Azinhaga do Serrado; Estrada da Correia;Rua do Pregoeiro; Azinhaga das Freiras; Beco da Cova daOnça, Estrada do Poço do Chão, Azinhaga da Fonte,Azinhaga do Seminário… percorridos por várias vezes aodia. Aqueles caminhos estreitos e de terras batidaseram também onde os jovens brincavam, namoravam,

51AZINHAGA DAS CARMELITAS, 1967 (AF-CML)

AZINHAGA DA COVA DA ONÇA, CARNIDE, 1967 (AF-CML)

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saboreavam as guloseimas dos tostões poupados,desafiavam-se com os pedaços de tijolos… momentosúnicos saudosamente recordados entre os residentes. “Eranestes caminhos que melhor percebíamos e conhecíamosquem morava no bairro”.

Percebemos assim as implicações que, afinal, adistância geográfica e os percursos comuns para a vencertiveram no fortalecimento das relações entre osmoradores, fosse por boas recordações de juventude e decompanheirismo, fosse até por alguma companhia peloperigo associado – “já reparou? Os muros que ladeiamestes caminhos estão todos riscados. Quanto passava acamioneta do tijolo, era muito perigoso…”; “um dia,andava por aí um touro à solta...”

“A gente para ir para qualquer lado tinha que passar sempre por estas azinhagas. Uma, ia para a direita, paraCarnide; a outra ia para outros lados, para Sete-Rios e

depois para o Lumiar. Toda a gente passava pelasazinhagas… para ir para Carnide apanhar o eléctrico 13com o bilhete operário, para ir ao jardim da Luz ou à Feirada Luz, em Setembro… Eu morava aqui, na azinhagaescura…tinha muito pouca luz, àquela altura.”(Carlos“Canhoto”, morador)

“Ah, o caminho das azinhagas! O que a gente se divertia para ir para a Feira da Luz ou apanhar o eléctrico…” (Custódia Pereira, moradora).

“E havia a Quinta dos Cavalos… Era uma quinta grandeonde havia cavalos… Do lado da frente havia a Quinta dasCerejeiras que tinha uma casa muito bonita por onde a

gente passava a pé de Carnide para o bairro... Havia afábrica do tijolo a meio, antes de chegar ao Convento dasFreiras, ao lado, havia ali uma estradinha que era a Cova daOnça porque atravessávamos por ali para ser mais perto…Os caminhos, às vezes eram tão estreitos que se viessemdois carros, um teria que recuar. As paredes dos murosestão todas raspadas… e houve lá vários acidentes

graves…”(Teresa Guerra, moradora)

“Eram caminhos perigosos porque passavam ascamionetas para a fábrica do tijolo e não dava para doiscarros se cruzarem. Era muito perigoso… Por isso ficámosmuito felizes quando chegou o autocarro.”(Olinda, ex-moradora)

A inauguração do autocarro – “lá vai o quarenta-e-um!”

O quarenta e um

(Refrão):O autocarro/Quarenta e um

Foi o primeiro!/Não havia nenhum

O quarenta e um/Mais quem o conduz Já vai pr’o Bairro/Do Padre Cruz.

Vem do Rossio/Já não há lugar.Ficou lá outro!/Está aí a chegar (…)Agostinho Coelho Cristino (morador)

Com pompa e circunstância, na presença de várias individualidades civis e eclesiásticas (presidente daCâmara, Bispo de Tiara…), e o apoio vivo dos moradores,em 1963, a Carris inaugurou um novo percurso – a carreira41. Inicialmente ligava o Bairro Padre Cruz ao Rossio e, umpouco mais tarde, aos Restauradores. Apesar de terrepresentado um indiscutível benefício para a população, acarreira do 41 não acabou com os percursos pelasazinhagas – fosse para apanhar o tal eléctrico 13, fossepara apanhar o recente Metropolitano (a estação de SeteRios havia sido inaugurada em 1959). Mas, em Julho de1973, a supressão daquela linha de eléctrico obrigaria àalteração nas rotinas dos moradores, passando o autocarro41 a ter uma maior procura se bem que a morosidade eirregularidade das carreiras dificilmente correspondesse às

(6)necessidades dos utentes

“Para a inauguração do autocarro lembro-me de estar naescola e a professora – a D. Maria Augusta pôr-nos todos

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INAUGURAÇÃO DA CARREIRA 41, 1963 (AF-CML)

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direitinhos. Estávamos ao pé da capela e lembro de ela nosescolher. Talvez aqueles que tivessem as batas maislimpinhas para irem para a frente. Tenho essa ideia.” (Carminda Prado, moradora).

“Quando começou a circular o primeiro autocarro foi uma grande festa! Uma grande festa!” (Olinda, ex-moradora).

VIVÊNCIAS E APOIOS SOCIAIS

A paróquia, a catequese e a dimensão assistencial: “obairro tem trabalhos pioneiros”

O meu bairro era normal//Não tinha nada de especial Ao sábado havia a catequese//Que era dada pela D.

LizeteE mais o senhor Matias//que não era de fantasias.

Me lembro que não tinha//idade, para na catequese Andar mas fugia; mais//uma amiga, para no fimLá ir parar//Ao domingo íamos à missaNão podia haver preguiça//E no final da palestra

O padre Francisco dizia //”meus meninos não tenhamPressa! Não saiam em correria”//E o domingo passava

Nesta doce alegria.” (Ana Violante,

grupo “Intas&Entas do bairro Padre Cruz”, facebook)

Como já referimos, a paróquia teve um pesodeterminante na organização da vida social do bairro,sobretudo durante as primeiras décadas e até finais dosanos 80. Apesar da relação entre a ditadura e a Igreja

(7)Católica ser assunto controverso e de diferentes e leituraso papel da Igreja Católica (via Ordem Franciscana) no BairroPadre Cruz foi marcante. O seu mentor – pároco AntónioFrancisco Marques – foi de intensa proximidade junto dos

(8)moradores . A intervenção desta paróquia que em muitospontos se interligou com o trabalho das técnicas de serviçosocial antecipou, de certo modo, a criação de umacomunidade de bairro. A figura do Padre Francisco (o“padre Chico”) destacou-se na construção desse sentido

de comunidade (vivencial e religiosa) para a qual procuroua colaboração de jovens moradores mais promissores que,intensamente, recrutava como catequistas.

“A paróquia tinha uma força muito grande e sempretivemos padres espectaculares. Eu gostei muito de sercatequista. Fizemos imensos retiros no seminário com o

padre Francisco Marques.” (Olinda, ex-moradora).

“O padre Francisco, que foi o primeiro bispo de Santarém,era um homem extraordinário. Desde o início do bairro,quando bairro ainda estava a nascer, ele andava por aí como hábito e sandálias de franciscano, todos os dias ver comoiam correndo as coisas… porque naquela altura apesar daligação Igreja-Estado ser muito forte, não tenhamosdúvidas que ele fez cá um excelente trabalho deacompanhamento das pessoas… Na zona das oficinas, na

paróquia, havia muitas festas. Era uma referência muito

forte (…) todas as celebrações de primeiras comunhões, profissão de fé… eram para as catequistas, padre emoradores do bairro uma coisa extraordinária. Nósenchíamos as salas, com grandes festas, mesas muito bemarranjadas… (…) E mesmo em termos pastorais, fizeram-

se aqui as primeiras experiências, o bairro tem trabalhos pioneiros.” (Elisete Andrade, moradora, presidente daAssociação de Moradores)

“Sou do tempo em que o senhor padre Francisco andavacom a cruz pelas casas na Páscoa. Em todas as Páscoastínhamos o melhor que pudesse sobre a mesa… quem

pudesse… umas amendoazinhas e quem pudesse teralgum dinheiro o senhor padre ia, benzia a casa, estava umbocadinho com a gente… Era como eu lhe digo – isto

parecia uma aldeia porque havia isso tudo: havia muitaentreajuda… quando alguém precisava de algumacoisa…” (Teresa Guerra, moradora)

“E aqui o meu pai foi puxado para a paróquia e parece quefoi um milagre. Aqui, no bairro a nossa vida melhoroumuito.” (Lídia, moradora)

53SR. ALFREDO E CATEQUISANDOS

(sd, FOTO PARTICULAR)

PADRE FRANCISCO COM CATEQUISTAS(sd, FOTO PARTICULAR)

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“Eu adorava o mês de maio! Porque aqui as raparigas –algumas! – do bairro eram muito reprimidas e no mês demaio íamos ao terço e usávamos o véu. Os rapazesestavam na porta da igreja e depois aquilo era umabrincadeira, ninguém rezava o terço… os rapazes levavamas espigas para nos atirar, tiravam-nos o véu… coisas semmaldade nenhuma. E depois, à porta da igreja havia

sempre converseta…E na Páscoa tínhamos os padrinhos. Quando saíamos damissa, à porta da igreja, estavam os padrinhos para nosdarem as amêndoas. E quem escolhia os padrinhos eramos afilhados. Aquilo era uma espécie de brincadeira masera muito engraçado… Eu teria uns 12, 13 anos.”(LurdesFaria, moradora)

Foi também a paróquia que organizou as primeirascolónias de férias onde jovens seminaristas da OrdemFranciscana foram monitores. “Era tão importante que

estes jovens vissem o mar! Essa experiência foi tãofundamental na vida deles. Pelo convívio, aprenderemoutras regras, oportunidade para conviverem de outromodo…” lembrou Isabel Geada.

“A parte religiosa aglutinava muitos jovens. Tudo muitoorganizado, com um crescimento muito bom. Tínhamosencontros, retiros, campos de férias, colónias... Íamos

para o Estoril todos os dias – uma vivenda cor-de-rosamuito bonita, com umas instalações muito boas, e aliestávamos todos os dias… Iam duas camionetas cheias decrianças. Era muito bom. No Estoril íamos e vínhamostodos os dias. Íamos para a praia e depois para o pinhal. O

padre Francisco também ia e regressava ao final do dia.Não pernoitava lá. Mas houve uma altura em que fomos

para a Nazaré. Era muito bom.” (Nazaré, moradora)

“Foram princípios de vida muito bons. Os meus filhosadoram o bairro. Participaram na paróquia e fizeram partede um grupo de jovens com uma senhora que era a D.Nazaré… que fazia parte das colónias que eles adoravamir. A paróquia puxava muito.”(Fonseca, comerciante e

morador)

Nesta fase, a paróquia era o centro da vidacomunitária do bairro – dinamizando mas, também,administrando e controlando. Toda a vida social (as festas,o cinema…), associativa e clubística do bairro tinha que irprestando contas ao padre Francisco Marques, o que nemsempre era bem encarado pelos moradores…

“Não tenho uma imagem do Padre Francisco positiva. Ele prestava-se a servir o regime, comportava-se como oregedor da freguesia. Foi um opositor da construção donosso campo de futebol. Na opinião dele o campo nãodeveria ter sido entregue ao Unidos. Possivelmente queriater a tutela do campo, não sei porquê.” (Manuel João,morador)

Outros apoios assistenciais – "as irmãzinhas da Assunção" No âmbito dos apoios sociais, a presença das“irmãzinhas da Assunção” faz parte das memórias maisestimadas do bairro.

“As Irmãs da Assunção pertencem a uma Ordem religiosanascida em França, por alturas da Revolução Industrial,com o Padre Pernet. Como as mulheres passaram atrabalhar nas fábricas, esta foi uma reposta que a IgrejaCatólica tentou encontrar para dar apoio a essastransformações. Essas mulheres passaram toda a sua vidaa dar um apoio à família que ia desde o planeamentofamiliar – dentro da linha de visão da Igreja Católica – àsalimentações, aos cuidados da casa, ao cuidar da saúdedos filhos… Grande parte delas eram médicas eenfermeiras e assistentes sociais (…) Com as irmãs eratudo muito próximo e humano. É a diferença entre a missãoou a profissão.” (Elisete Andrade, moradora)

“Viemos a pedido da Câmara Municipal porque aCongregação das Irmãs da Assunção tem como carisma

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CAMPO DE FÉRIAS, 1967 (FOTO PARTICULAR)

CAMPO DE FÉRIAS, 1967 (FOTO PARTICULAR)

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trabalhar com as famílias em situação de debilidade, em situações de fronteira, no sentido de ajudar à estruturaçãoou reestruturação da família. Viemos 4 ou 5 irmãs, não merecordo bem, por volta de 1963, creio. Trabalhamos emrelação, em rede (…) nunca trabalhando isoladamentemas sempre complementares de outras acções.Trabalhámos sempre com o intuito de ajudar as famílias e,nesse objectivo, viemos para o Bairro Padre Cruz. Este eraum ‘bairro piloto’, de certo modo, e pretendiam ter todas asinfraestruturas necessárias para ajudar as pessoas a teruma vida melhor. Sabíamos que naquela altura não havia

serviço ao domicílio em termos de apoio e serviços deenfermagem…Neste bairro, grande parte dos moradores trabalhava paraa Câmara Municipal de Lisboa, varredores, cantoneiros,alguns polícias… A maior parte vinha deslocada de outras

zonas da cidade por causa da construção da ponte 25 de Abril; vinham também de perto do Hospital de Stª Maria…

Vinham morar para este bairro novo, de casas baixinhas.Creio que haveria 5 000 habitantes no total, contando comalvenaria e lusalite. Eram muitas famílias. Lembro-me demuitos desequilíbrios no modo como os maridos tratavamas mulheres, desequilíbrios de formação, de educação…eram muito acentuados. Mas a mim, o que depois mais meagradou, foi a aprendizagem que estas famílias faziam danossa actuação, afinal tão pequena, tão localizada (…).Estive neste bairro de 1963 a 1969. Foi para mim um

período extremamente rico no sentido de aprender muitomais com a vida das pessoas do que propriamente com uns‘cursinhos’. (…) E, por vezes, o que mais falta a estas

pessoas é oportunidades, creio. Precisamos de aprender sempre mais. E aprendermos uns com os outros. (…) Edigo-lhe: era mais fácil naquele tempo. Porquê? Porqueestipulávamos as tarefas e os deveres entre nós. E comotínhamos uma vida muito desgastante, aos fins de semanaíamos para o pinhal da Paiã. Passávamos lá o dia aconversar umas com as outras, a apreciar a natureza, ascoisas bonitas...” Irmã Júlia (no Bairro 1963-1969)

“Lembro muito bem das irmãs da Assunção – a irmã

Xaverine, a madre… era uma, mulher muito inteligente,extraordinária. Tiveram um papel importantíssimo nobairro. Articulávamos muito bem com o padre Francisco, astécnicas da acção social…”(Isabel Geada, técnica deacção social (1963-1971)

“Lembro muito bem das Irmãzinhas – a Silvina, Joaquina,Rita, Júlia, Celeste saiu de freira e foi para o IPO (InstitutoPortuguês de Oncologia). Elas trabalhavam tanto, tanto …coitadinhas! E levavam uma vida tão dura. E não podiamaceitar nada de ninguém, nem podiam dizer a data doaniversário e não podiam aceitar ofertas, nem umalembrança…Não sei se lhe falaram como era a casa dasirmãzinhas… eram duas casas que estavam ligadas. Sótínhamos acesso à casa principal. E ali tinham a enfermariae uma capelinha. E estava tudo muito limpinho, muitobranquinho, impecável o chão. A casa estava um brinco.Hoje deve estar tudo transformado porque são casas de

habitação. E já devem estar separadas. Eu morava nastraseiras e lembro-me de ir, numa aflição, pedir ajuda àsIrmãs… e elas lá me sossegaram…” (Lurdes Faria,moradora)

“Havia aqui as irmãzinhas da Assunção que, no inverno,tinham muitos doentes e trabalho, e eu vinha ajudá-lasvoluntariamente. Ajudava na igreja, nos paramentos do

padre, nas flores… todas as semanas mudavam-se asflores. Também as ajudava nas limpezas, nas casas. Elastrabalhavam muito. E eu fui ajudá-las e, mais tarde,também me ajudaram muito, quando estive doente. E como meu marido doente, também… Tive um grande desgostoquando as irmãzinhas foram embora do bairro.” (IsabelMaria, ex-moradora)

“As irmãzinhas da Assunção foram elementos fantásticosnaquele meio. Não as conheci muito de perto. Ia àcapelinha delas, ao oratório fazer uma pequenacelebração uma vez por mês porque tinha o sacrário. Elasajudavam as pessoas doentes e idosos. Elas foram muitoimportantes enquanto a paróquia não estava organizada.

55APOIO FAMILIAR, IRMÃZINHAS DA ASSUNÇÃO

(sd, FOTO PARTICULAR)

AZULEJO OFERECIDO POR MORADORAS,CASA DAS IRMÃZINHAS (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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Mas quando a paróquia cresceu e se organizou elas puderam ir trabalhar para outro lugar onde eram mais precisas…” (Padre António Araújo, no Bairro de 1966-1981)

Movimentos e grupos de reflexão da paróquia

Num tempo em que a Igreja Católica partilhavacom o poder político a disciplina e a doutrinação doscidadãos (“Deus, Pátria, Família”), não é de estranhar aexistência de vários grupos de vocação católica orientadospara e por diferentes segmentos de pessoas comuns, deleigos . O facto de a paróquia estar bem organizada noBairro Padre Cruz sob a responsabilidade de um padremuito dinâmico justificou a multiplicação de acções maisou menos informais que a comunidade paroquial foidesenvolvendo. Se bem que algumas destas iniciativas nãofossem exclusivas do Bairro Padre Cruz e fossem comuns

ao núcleo mais antigo da freguesia de Carnide é certo queexistiu um desenvolvimento de cariz muito local com basenos testemunhos dos residentes. De notar que a dinâmicado padre Francisco Marques (e, depois, outros párocoscomo António Araújo) esteve presente em todas elas. Deentre estas iniciativas, conseguimos apurar:

O Apostolado da Oração com ligações com aCompanhia de Jesus (vulgo, Jesuítas), de origem francesa,ao ano de 1844. O Apostolado da Oração chegou aPortugal em 1864, onde teve uma expressão significativa.Esteve presente em todas as dioceses e na maioria dasparóquias.

“Formei aqui o Apostolado da Oração. Foi o Padre Araújoque disse para ficar eu no Apostolado da Oração. Havia asassociadas, zeladora, vice-presidente, presidenta… agoraé que já saí… Rezávamos pelos vivos e pelos mortos. Maseram responsabilidades diferentes. Era uma missa porcada alma que morria. Fiquei com Apostolado sem saberler nem escrever. Chegámos a ser umas cinquenta. Eu ia atodo o lado com a bandeira do Apostolado da Oração. Foi o

padre Araújo que trouxe a bandeira para eu fazer abandeira desta paróquia. Tínhamos a bandeira do

Apostolado de Carnide mas eu queria ter uma bandeira própria do Bairro…”(Cândida, moradora)

“Havia a Sagrada Família e o Apostolado da Oração – eraum altarzinho que circulava entre as casas das pessoas.Porque a oração era aqui muito valorizada. Era ummovimento de acção religiosa que era muito engraçado.” (Olinda, ex-moradora)

A Liga Eucarística, “Movimento Eclesial deLeigos” que se autonomizou do Apostolado da Oração. Afinalidade específica deste Movimento é instaurar nasestruturas de vida uma forma de espiritualidade cristã maispróxima das experiências de vida de cada um. Inicialmenteenvolvia apenas os homens que participavammensalmente na reunião «Cenáculo».

“A Liga Eucarística do Bairro Padre Cruz surgiu de uma secção do Apostolado da Oração para quebrar o tabu deque a missa, a comunhão, a confissão, era mais para asmulheres. Tinha 60 membros. Eram só homens.” (ManuelMartins, morador)

AJuventude Operária Católica (J.O.C.) que dariaorigem à Liga Operária Católica (L.O.C.) surgira em 1925,na Bélgica, por iniciativa do padre Joseph Cardin e de umgrupo de jovens trabalhadores. O seu principal objectivo eraaproximar a Igreja e o mundo operário. Em 1935, a J.O.C.entrou em Portugal. Inicialmente conheceu um grandeprotagonismo entre a juventude trabalhadora. Todavia,esta situação modificou-se após o 25 de Abril de 1974 poismuitos dos seus militantes entraram em outrasorganizações, designadamente nos sindicatos. Muitoembora o núcleo antigo de Carnide já tivesse algumatradição e organização nesta área, este movimentoconheceu expressão própria no bairro, protagonizada poralguns moradores muito activos.

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PADRE JOAQUIM E MEMBROS DA LOC(sd FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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“A JOC reunia-se no salão de festas. Tinha por preocupaçãoa formação cívica. Era um grupo de jovens ligados à Igreja.Éramos 20 e tal. A LOC funcionava de outro modo, mais

sério e institucional. Congregava muitos homens. Sóhomens. As reuniões eram acompanhadas pelo padreFrancisco.”(Olinda, ex-moradora)

Clubes e colectividades – um património singular dahistória local

Um dos pilares centrais na consolidação dosentimento de pertença e de “identidade de bairro” foi a

vincada presença e acção das colectividades e clubeslocais.

Se já o núcleo da freguesia de Carnide revelarauma persistente tradição associativa (a SociedadeDramática e o Carnide Clube são bons exemplos), tambéma história do Bairro Padre Cruz está intensamente

comprometida com o desenvolvimento de várias iniciativasassociativas por parte dos moradores.O afastamento geográfico do Bairro e as relações e

sociabilidades entrevizinhos favoreceram essa apetênciapopular para formar associações que, curiosamente, vãoencontrando e construindo os seus nichos e públicospróprios (desportivos, recreativos e culturais), e criando arespectiva identidade clubística. No interior, serão elas asdinamizadoras da vida cultural e recreativa e, com isso,mentoras de um certobairrismo local, que exibe e reforça osentimento de pertença ao “meu” bairro. Por isso, semdúvida alguma que, em muitos momentos, ascolectividades funcionaram como os representantes doBairro, no exterior fortalecendo a sua (boa) imagem.

“Os clubes tiveram um papel de relevo porque substituam aausência de cafés e de comércio lá no bairro. Os “Amigos”,

por exemplo, serviam muito para ir tomar café. Os Unidosera mais o desporto, a equipa sénior… O bairro parava

para ir ver os jogos dos Unidos. Havia uma grande ligaçãoao próprio clube. O campo enchia para ir assistir aos jogos.O Amigos da Luz era mais recreativo e cultural. Eram eles

que organizavam os arraiais no largo em frente à sede.Também usavam a sede para outras actividades culturais.

Acompanhava o meu pai aos Amigos da Luz. Eram muito debairro, mas restritivos… Era um clube que funcionavacomo uma extensão da casa e por isso também eram

selectivos na admissão dos sócios. Ia-se lá para conviver,tomar café, jogar às cartas…”(morador)

Muito embora esta variedade associativa tivesselevantado críticas em alguns dos testemunhos (“havertantas associações tirou força aos clubes”), a verdade éque cada uma teve origem em projectos (e pessoas)diferentes e conquistou um carisma próprio. Em muitasdestas associações a figura do director (ou dos fundadores)era indispensável para vincar a identidade carismática doclube ou da associação. Tendo em conta que o regimecontrolava e vigiava de muito perto estes movimentosassociativos, a existência das colectividades, de cariz

popular, foi espaço privilegiado para sociabilidadesalternativas… apesar da vigilância de “agentes infiltrados”nestes meios.

A história do Bairro Padre Cruz foi (e é)profundamente vincada pelas dinâmicas associativas decariz espontâneo e popular ao longo do tempo. Algumasdelas subsistem até ao presente.

Andorinhas Futebol Clube

O primeiro clube fundado dentro do Bairro PadreCruz foi o ‘Andorinhas Futebol Clube’. Foi nos primeirostempos do bairro, por volta de 1960-61. Durou uns 5 anos.Era um clube de bairro, para rapazes do bairro. Destinadoapenas ao futebol, jogavam no antigo campo da cerâmica(próximo onde hoje tem o campo o Clube Atlético eCultural-CAC). O equipamento era de riscas, pretas ebrancas.

Porque não tinham estatuto formalizado, oAndorinhas Futebol Clube dependia do Carnide Clube, queera um clube de atletas já federados, sediado no centrohistórico de Carnide. O Andorinhas terminou pouco tempo

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CLUBE D'O ANDORINHAS

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após o clube de futebol d’O Unidos se ter-se instalado noBairro Padre Cruz (1961-62). Os seus “atletas” passaram a

jogar pelo Unidos, um clube já federado com outra força etradição.

“Os primeiros jogadores dos seniores dos Unidos vieram do Andorinhas clube que jogava no Campo da Cerâmica ondefica hoje situado o Campo do CAC, tinha o equipamento àsriscas preto e branco, alguém se lembra?” (José Martinho,morador)

“Primeiro não havia campo. Íamos jogar para o ‘campo dacerâmica’ onde é mais ou menos o CAC [Clube Atlético eCultural, adiante referido]. Um terreno baldio onde se fezum sítio para tomar banho, uma balizas e pronto… era o

Andorinhas que jogava lá e mais outros. Ao domingo havia jogos durante todo o dia. Era muito giro. Era contra genteque vinha de fora do Bairro… “ (Carlos Pedro, ex-director

d’Os Unidos, morador)Clube de Futebol Unidos

O clube de futebol Os Unidos é anterior ao Bairrodo Padre Cruz. Nasceu a 1 de Junho de 1940, em outrobairro camarário da cidade, na Quinta da Calçada. Teve porfundadores Edmundo Reis, José Lima Alves e FernandoMatos Martins (Figueiredo, P. (2006): 61). Quando aquelebairro começou a ser demolido alguns moradores foramtransferidos para o Bairro Padre Cruz trazendo o clube“vestido”. Inicialmente o clube d’Os Unidos ocupou umaminúscula sede no edifício do Centro Cívico.

A origem deste clube é comum a muitos outrosclubes desportivos locais – rapazes que gostam de jogarfutebol e que queriam desafiar outros clubes de iguais

vontades. Um dos primeiros sócios, Etelviro de Jesus (hoje,a morar no Bairro das Furnas) part ilhou alguns segredos ecuriosidades desses primeiros tempos:

“Foi o Alberto Mouraria, que nem era lá do Bairro da Quintada Calçada que, reparando que não havia clube nenhum

naquele bairro, desafiou a rapaziada. Cada um deveriatrazer um amigo e foi assim que se constituiu o primeiro

grupo. Era tudo rapaziada da bola. Manuel Gonçalves de Almeida, conhecido pelo “puto” foi o primeiro guarda-redesa vestir a camisola do clube. Era meu irmão. Mas ele ficou

guarda-redes porque não sabia jogar à bola. Quem não sabe jogar à bola vai para guarda-redes!Pagaram 15 ou 20 tostões para comprar uma bola.Quando já tinham um grupo juntavam-se num campo

pelado e jogavam. Nunca perdemos um jogo. Eu jogava na2ª categoria porque dantes não havia reserva. Só jogueiduas vezes, por falta de jogador – no Seixal e perto de

Sacavém.Nessa altura, o Unidos já tinha mais de 50 sócios. Mas osmoradores do bairro eram todos adeptos. Rapazes eraparigas… Houve algumas provas de atletismo… lembro-me que os corredores eram os vendedores dos jornais, osardinas, e tanto corriam pelo Benfica, pelo Sporting, pelo

Unidos… Nestes clubes mais populares corriam a troco deuma cerveja… e houve um rapaz da Quinta da Calçada quemorreu na corrida…O nome Unidos nasceu de uma reunião que se fez para oefeito e para escolher a direcção. Uns queriam Unidos daQuinta da Calçada… mas havia lá um rapaz que vinha de

Alcântara, o Aníbal José, que por simpatia com o Clube deFutebol do Belenenses sugeriu Clube de Futebol Unidos. Eo símbolo é igualzinho ao símbolo do Belenenses. Só ascores é que são diferentes. Para mim, é dos símbolos maisbonitos que existem…Na Quinta da Calçada as casas também eram de lusalitemas com três cores diferentes, conforme o tipo de casa(tipo 1, 2, ou 3) – vermelho, azul e verde. E essas são ascores das camisolas do clube a que se juntou o branco querepresenta a própria lusalite…O primeiro jogo d’O Unidos foi perto das Amoreiras, nocampo do Aliança. Fomos jogar com um clube que ganhavatodos os jogos. Era o Cascalheira. Dali saíram jogadores

para o Benfica. O problema é que o nosso equipamentoainda não estava feito. Então tivemos que ir alugar calções,camisolas, meias… tudo preto. Foi num sapateiro do Arco

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SÓCIO D'OS UNIDOS (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

EQUIPA DE FUTEBOL D'OS UNIDOS, 1971-72

INAUGURAÇÃO DA SEDE DO CLUBE DE FUTEBOLOS UNIDOS, 1962

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do Cego que alugava os equipamentos. E ganhámos 5-3! O prim eiro jogo… ganhámos! E foi uma romaria deCampolide até ao Bairro da Quinta da Calçada! O Unidos

ganhava todos os jogos… Só havia uma equipa em Lisboaque era mais renhida – o Beneficência Futebol Clube queera à base de jogadores do Palmense. E o Palmense nessaaltura era da 3ª divisão! Era com eles – mas só com eles –que o Unidos perdia. De resto não havia quem ganhasse aoUnidos! O clube foi para o Bairro Padre Cruz porque amaioria dos moradores foi para lá morar. E levaram o clubecom eles. Eu ainda fui ver jogos ao Bairro Padre Cruz. Euestava a par de tudo. Até quando disputou para a Taça dePortugal…” (Etelviro de Jesus, sócio antigo d’O Unidos, ex-morador na Quinta da Calçada)

“Cheguei ao clube dos Unidos muito cedo. Já conhecia osUnidos antes de viver aqui. Vivia na Boavista e tinha os avós

paternos a morar na Quinta da Calçada. Passava as férias

na Quinta da Calçada. A minha relação com os Unidos era já dali. Quando o clube veio para aqui já não era novidade para mim.Os Unidos aparecem aqui, no Bairro Padre Cruz, com os100 associados. Começámos num cubículo com 10 ou 12m2… no edifício do salão de festas, cá em baixo. Não havialuz. Era com velas que os primeiros sócios se reuniam.Depois do 25 de Abril fizemos uma ocupação simbólica por

parte dos sócios. (…)Uma das situações mais difíceis foi a conquista dasinstalações. Havia ali muita influência da LegiãoPortuguesa, uma vigilância calada… e para ser dirigenteassociativo tinha que se dar conhecimento e aprovado poroutros departamentos do Regime que confirmavam aidoneidade.Os clubes também organizavam outras festas – bailes,carnavais, distribuição de bolos por ocasião do aniversáriodos Unidos (nos 30 anos, foram 30 bolos distribuídos pelasfamílias mais carenciadas…)(…)Na minha opinião a criação de vários clubes não favoreceuo Bairro, os moradores. Criou-se algum divisionismo (…) Obairro não ganhou com isso. Criou-se uma divisão. Se as

pessoas se mantivessem unidas conseguiriam fazer maisalguma coisa….” (Manuel João, ex-membro da direcção,morador)

O Clube de Futebol “O Unidos” está inscrito naFederação Portuguesa das Colectividades de Cultura eRecreio desde Junho de 1967 e na Associação de Futebolde Lisboa desde 1972.

Grupo Recreativo “Os Amigos da Luz”

O Grupo Recreativo Amigos da Luz foi a primeiracolectividade, legalmente constituída, que nasceu dentrodo Bairro Padre Cruz. Foi formalizada em 1967 mas teve asua origem muito antes, em encontros informais, entreamigos moradores que se reuniam na leitaria, perto domercado. Um dos impulsionadores do grupo – GermanoFerreira – nascera em Alfama. E Alfama era bairro-berço de

muitas colectividades. Como tal, Germano Ferreira trouxera“aquele bichinho” – a vontade em formar umacolectividade, fazer uma associação. Fixaram a primeira“sede” na pequena leitaria “que era a única coisa que haviacomo cafezinho do bairro.” Foi pela voz de DomingasFerreira, a filha, que mais escutámos:

“Com umas cadeirinhas, umas mesinhas cá fora e fizeramali o seu ponto de encontro que reunia o padeiro, o senhordo talho, a peixeira… Cada um contribuía com qualquercoisa e ali faziam o almoço. Os homens, porque asmulheres, não. Nós, os familiares, íamos ter com o meu

pai, estávamos ali… ainda não havia o ‘ir à bica”.Estávamos ali, bebíamos um sumozito, um pirolito… Euera uma rapariga nova e estávamos ali os nossosbocadinhos muito bem.O meu pai era uma pessoa muito afável. O meu pai eramais velho. Era o senhor Germano. E todos o respeitavam.Porque apesar de ser um estivador, um homem rude…dentro da sua pequenez era uma pessoa muito culta.Mesmo antes do 25 de Abril, sabia coisas da política… Equando apareceu o Totobola o que é que ele se lembrou?

59GRUPO RECREATIVO OS AMIGOS DA LUZ, 1967

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Iam ver os resultados das colunas de cada um, e aplicavamultas quando não acertavam. E punham essas multas –cinco tostões… num mealheiro. Essas receitas davam paradepois fazerem um almoço… Aqui no bairro havia poucacoisa. E os nossos maiores divertimentos eram asexcursões. Ainda sou do tempo em que se demorava trêsdias para chegar ao Porto. E o meu pai organizava essasexcursões juntamente com os outros elementos. E assimuniam as famílias porque era a única maneira das famílias

poderem ir porque cada casal tinha muitos filhos. E entãocomeçaram por aí…E o meu pai era também muito amigo do fado, tudorelacionado com aquela vida “alfamista”, bairrista… Nessaaltura, quem mandava no bairro era o padre Francisco. Eraele quem mandava. E quando o meu pai começou a quererorganizar o programa de fados no salão, ou o baile…metiam uma notinha dentro de envelope e iam ao PadreFrancisco pedir autorização, com aquele envelopezinho

que era para a igreja… e faziam-se ali muitas festas,muitos bailes, muita coisa boa para a época.Quando foram para registar o nome não puderam porque jáhavia outra colectividade com esse nome. Teve que ficar“Os Amigos da Luz”. Embora tenha nascido antes, só foiformalizada em 1967.Entretanto, junto à “casa branca” havia uma barbeariamuito, muito, pequenina.(…) E, naquele primeiro espaço,nós reuníamos na altura do S. Martinho, púnhamosfogareiros cá fora e assava-se ali as castanhinhas e bebia-

se água-pé… Mas aquilo resumia-se a meia dúzia decasais que passava ali os seus bocadinhos, os seus temposde confraternização. (…) Depois souberam de uma outra

salinha, perto daquela, vazia e maior… Foram pedir aoPadre Francisco. Ele era a pessoa que mandava no bairro enão era muito fácil convencê-lo… O meu pai teve que dar

provas, explicar-lhe que era só para as famílias terem um ponto de encontro, confraternizarem… Começaram a pagar uma renda simbólica. O edifício era da Câmara, mashavia um envelope para a Igreja… e então o PadreFrancisco autorizou a cedência. Sempre era um bocadinhomaior… mas foi crescendo, porque eram os sócios que iam

propondo outras pessoas para membros e todos queriam ser sócios.Os fundadores foram o meu pai e outro senhor – o poetaLima. Um senhor que era muito mais velho que o meu pai ea quem, por respeito, foi dada a primazia de ser o sócionúmero 1. Fundadores, para além deles, era o senhor

Alfredo Bombeiro, o Quaresma, o avô do Paulo Quaresma,o Rafael… que já veio mais tarde. Houve mais outros que jáfaleceram… Foi o poeta Lima quem fez o hino dos “Amigosda Luz”. Ele chegou a fazer versos para a AmáliaRodrigues… fez os versos para os Amigos da Luz e quemcantava o hino era eu. Na altura eu cantava muito bem…Eu era a ‘estrela’ d’Os Amigos da Luz. Mas antes de tudoisto acontecer, o meu pai fez aquilo crescer muito. Eramesmo o ponto de encontro de todas as famílias do bairro.(…)Em resposta a um novo pedido, a Câmara cedeu um novoterreno. Foi então que se iniciou a construção de uma nova

sede, tudo feito com o esforço e braços dos sócios!Demorou um ou dois anos a construir pois o dinheiro nãoera elástico… Um, comprava umas sacas de cimento eoferecia, outro comprava umas quantas tijoleiras… e foi-sefazendo assim. Com o crescimento da colectividade foram

pedindo auto rizações até que a sede se ala rgou,acrescentaram-se mesas, comprou-se a televisão. Até quechegou a uma altura em que o meu pai – o meu pai tinhaideias fabulosas! – contratou um fotógrafo. Um dia tevemais essa ideia! Combinou com todos os sócios trazerem afamília para tirar a fotografia do sócio com a respectivafamília... E depois o meu pai fez os quadros. E havia umrecanto da sede onde estavam as fotografias – desde afamília do sócio número um, dois, três…. e por aí adiante.Toda agente achou a ideia muito bonita. Sempre houve umbom relacionamento entre as colectividades. O meu pai atéera sócio dos Unidos...” (Domingas Ferreira, moradora)

“Ai, os Amigos da Luz eram uma família! A Domingas erauma rapariga fantástica! Cantava tão bem! Fizemos láfestas de passagem de ano… um convívio muito bom. Enão entrava lá qualquer pessoa… E o Germano recebia a

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GRUPO RECREATIVO OS AMIGOS DA LUZ, 1968

FUNDADORES DO GRUPO RECREATIVO OS AMIGOS DA LUZ,1968

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pessoa com o cocktail que era “o amigo”… e não haviamáquinas de café ainda e cada um fazia o seu tofina… ehavia respeito. Mesmo entre pessoas muito próximas,havia respeito. Nas festas de Natal faziam lanches muitobonitos para as crianças e davam-se brinquedos. O GrupoRecreativo ‘Os Amigos da Luz’ – que o avô do PauloQuaresma ajudou a criar – era um belo salão deentretenimento, fados, depois ficou mais para jogo,

passeios e excursões, colónias com crianças, filhos dos sócios, festas de Natal com os filhos dos sócios…Funcionou muitos anos e o meu marido não se conformadaquilo ter fechado…” (Teresa Guerra, moradora)

1968 A 1974: OS ARTESÃOS DO BAIRRO: “O BAIRROÉRAMOS NÓS”

O meu Bairro

Bairro foste tu / O dos meus sonhos.Vieste ao encontro / Em pensamentos.

Passou as saudades / Casa postaAssim acabou/ Os sofrimentos.

Bastantes anos sempre / Sempre à esperaDesta humilde casa / Mas sem luz

Foi Deus quem traçou / No coraçãoPara aos pobres dar / O Padre Cruz.

Andava / Sempre pensandoNa minha vida / E no meu lar.

A minha casa / Para mimÉ um altar… (bis)

Alberto Artur MendesUma Vida, um Testemunho, (publicado em 1988)

Construído e festivamente inaugurado, o bairroficou mais entregue a si próprio. Mantinha-se organizadoem quatro eixos fundamentais: a orientação pastoral (o

pároco de Carnide – Francisco Marques), a providência doscuidados de saúde no posto médico (médicos e a equipadas enfermeiras), o acompanhamento social (técnicas daAcção Social, designadamente Isabel Geada e asIrmãzinhas da Assunção) e a vigilância e cumprimento da“boa ordem e costumes” por parte do fiscal. Masacrescentaremos agora um quinto pilar – a dimensãodesportiva e recreativa que os clubes O Unidos e Os Amigosda Luz muito fomentaram. A actividade de apoio social também seintensificara (colónias de férias, passeios organizados…) e,em 1973, é Criado o Centro Social Paroquial de Carnideque assume a gestão da actividade social do bairro. Todosos equipamentos estavam activos e funcionavam empleno. O “salão de festas” ou Centro Cívico confirmava-secomo pólo vital na dinamização da vida social e cultural dobairro – festas, cinema, convívios vários… Iniciava-se umperíodo intenso na dinamização da identidade de bairro

ainda a relembrar convivências e ambientes da ruralidade.As relações de convívio e de sociabilidade começavam afortalecer-se. “Isto era um viver como na província”; “Istoera uma aldeia. Era uma aldeia no espaço físico e vivido”,conforme sintetizou José Martins. Este foi um período de convergência de narrativasindividuais associadas à construção de umarepresentação/narrativa comum – a história do Bairro aconstruir-se com as vidas, nos quotidianos – “O bairro eraisso: o bairro a fazer-se no dia-a-dia” nas palavras de JorgeHumberto. Verifica-se, então, que a concentração do casarioem formato aldeia, a uniformidade e o acanhamento dosfogos (“eram casas de bonecas”; “era tudo muitominúsculo”), os quintais frente a frente, os arruamentosapertados, os caminhos e vias pedonais, o uso comum dosequipamentos, e a distância em relação à cidade…intensificaram o convívio entre moradores e a construção epartilha de referências identitárias, conforme já sugerimos.

Este sentido de pertença (“somos filhos doBairro!”) vincou identidades comuns e diluiu as fronteirasentre interior/exterior – privado e público, no território do

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MARCHAS DE CARNIDE, NO BAIRRO (1962)

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bairro. O espaço “rua” era intensamente habitado; era umelemento muitoconsistente e real porque estruturante e

vitalizador das relações de vizinhança e da identidade decada rua – “cada rua era uma família” e “cada rua era amais bonita”…

Ao mesmo tempo o bairro tornava-se “interior” esingular (o “meu bairro”) – criava uma paisagem íntima –tão só um modo viver, mas também uma representação deum “modo de ser”, partilhado: “Nós tínhamos muitoorgulho no bairro. Tínhamos um coração grande… umcoração grande!” (Fernando Pereira, ex-morador).

Mas também é preciso reconhecer que estesforam “modos de estar e de ser” que se “encaixavam” nasmargens sociais formatadas pelo próprio regime daditadura. Era conveniente ter esta população pacificada,“pobrita, mas alegrita”. Uma população que ia(sobre)vivendo em modos de “pobreza sustentada”(alguém o disse) e conforme o poema de Alberto Artur

Mendes tão bem ilustrou.O ambiente do bairro – “O bairro vivia! O bairrorespirava!”

“O bairro era muito humano.”Isabel Maria, ex-moradora

“Éramos pobritos mas alegritos”(José Augusto Gonçalves, morador)

O bairro não era apenas um cenário onde osmoradores vivem o dia-a-dia, percebeu-se. É muito mais: adinâmica e o interesse pelo bairro confundem-se com as

vidas: “O bairro éramos nós”, conforme sintetizou Fernandod’Oliveira. Nesta perspectiva, o cenário da cidade grandetorna-se, agora, bem menor. A importância do bairro crescepositivamente, é central, nas convivências diárias e nasreferências dos moradores.

“O que caracterizava o bairro era aquele ambiente do dia-a-dia. Era o espírito do bairro vivido no dia-a-dia. Eram as

pessoas. Era muito bom. Muito bom.” (Jorge Humberto,morador)

“A intervenção que tínhamos foi sempre a de procurararranjar as melhores situações e condições para osmoradores. Havia uma identidade de bairro muito forte.” (António Cristino, morador)

“Este bairro foi um grande privilégio desta Lisboa. Nademocracia também se havia de dar voto ao passado

porque traz muita consciência sobre o presente e o futuro. A comunidade era muito viva. A comunidade actuava. Istofoi uma grande maravilha. Eu tive um crescimento querecordo com a maior saudade. Foi tudo muito bemmontado e tudo muito bem acompanhado… Vimos crescero bairro com grande alegria. Nos estávamos até à meia-noite, até às 2h a viver a rua. A viver o bairro.” (Olinda, ex-moradora)

“O bairro era muito zelado. Muito estimado. Tudo cheio deflores. Estes quintais à frente no Verão… nós levávamosumas mantas de trapos e deitávamo-nos na relva. As casaseram muito quentes e nós ali refrescávamos e ali ficávamosa conversar… era tão bom! Nem fechávamos as portas…Por isso é que este bairro era assim. Era calmo, limpo,bonito, muito arranjado. Porque não se degradava nada. Ecomo era assim cada um tinha orgulho em estimar… se um

punha amores-perfeitos , outro punha malmequeres, pintavam-se as grades, ninguém mexia no quintal deninguém… Os pais responsabilizavam-se pelos filhos.” (Custódia Pereira, moradora)

”O que o bairro tinha era essa sociabilidade – era irmostodos para a escola de manhã, o brincar juntos, o fazerfogueiras, o correr a rua de um lado para o outro. A ruatanto era um espaço de liberdade como um espaço decontrolo. Todos nos conhecíamos e isso é uma forma devigilância branda.”(Jorge Nicolau, ex-morador)

“O bairro era muito comunitário. E ainda temos isso na

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FAMÍLIA DE MORADORES, 1963 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

CASA DE GERMANO FERREIRA

sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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minha rua. E é isso que não quero que se perca (…) obairro era muito bom. Usávamos um cordelinho através dacaixa de correio para abrir a porta. Toda a gente fazia isso. Ede noite ficava o cordel na porta porque nosesquecíamos… havia muita confiança.”(DomingasFerreira, moradora)

Foi neste contexto de tensões que a população, já“comunidade de bairro” se vai revelando artesã em outrosentido. Já não apenas como operários-construtores dacidade grande (a tal capital do Império) que os “chamara”dos campos e lhes dera o trabalho a troco de magrossalários, mas fazem-se artesãos na construção de umoutro habitar, um humanizar e reivindicar um território que,cada vez mais, identificam como “o nosso bairro”. Nessa“manufactura” de relações, os moradores-vizinhospartilham vocações e valorações – cultivam um certobairrismo a que também não é alheia a projecção da

ancestral ruralidade no espaço urbano… As “ruassolidárias”, os quintais de cada um e as hortas que muitoscuidam, são expressão dessa “ruralidade perdida”, aqui eagora, permitida e reencontrada.

A forte identidade de rua – “os rios solidários”

“As ruas corriam como rios solidários.”António Cristino (morador)

“Há dias lembrei-me de um pormenor interessante. Naaltura em que havia poucas televisões, nós íamos para a

janela da casa da vizinha que tinha televisão para vermosde fora para dentro a TV (isto, no verão)… Outro pormenorengraçado que me lembro: éramos 8 irmãos e a vizinha dolado era a única com telefone (ainda bem que era ao nossolado!) Nós tínhamos muitas actividades extra escola erecebíamos muitos telefonemas. A vizinha deixou de irbater à nossa porta para chamar, passando a usar outrométodo: batia na parede do seu quarto e gritava "é otelefone para a Leonor…!". Entretanto, começámos aconhecer melhor o som do telefone e logo que o ouvíamos

corríamos para a parede, encostávamos o ouvido… edessas vezes eramos nós que gritávamos: "oh vizinha! É

para a Leonor? Eu vou já!" (Leonor Olivença, ex-moradora)

“Neste desenho urbano há um planeamento claro. Define- se uma hierarquia entre as ruas. A rua principal é onde passam os transportes, o autocarro. Todas as pessoas quevão apanhar o autocarro fazem percursos pedonais quetambém estimulam a interacção, a conversa, entre osvizinhos…Os pontos de interacção eram diferentes consoante fossefim-de-semana ou dia de trabalho. Ao fim semana omercado e a paróquia, a igreja, eram pontos influentesnessa interacção. E, possivelmente, da força dessainteracção nasce a identidade e a participação cívica muitoforte que este bairro conhece.Era frequente ver as pessoas no quintal a conversar com ovizinho da frente. Este desenho de casa e rua leva a que,

todos os dias, as pessoas se cruzem e interajam umas comas outras, as crianças brincam nas ruas, os jovensnamoram nas ruas… os velhos conversam nas ruas. O queinicialmente fora elemento de segregação social – adimensão reduzida das casas – levou a que o espaço deexcelência fosse a rua e o quintal. A escala das ruas

proporcionava proximidades e controle sobre quem passava e as crianças que ali brincavam. A escala da rua émuito importante para entender a vida e o ambiente destebairro. É importante devolver à rua a memória que ela játem.” (Jorge Nicolau, ex-morador)

As rosas nos quintais e as couves nas hortas

“Havia um jardineiro sozinho que dava conta disto tudo.Tínhamos isto que era uma maravilha! Todos os espaçosestavam cuidados. Era o pai do Armando, do quiosque –creio que era o Sr. António. Tinha muito orgulho no bairro.Cuidava e fazia cuidar. A parte social era importante não hádúvida, mas a parte urbanística também. É fundamental

porque as pessoas têm que gostar do sítio onde vivem.” (Anónimo, morador)

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RUA DO BAIRRO, 1961 (AF-CML)

RUA DO RIO SABOR, 42 (sd, FOTO PARTICULAR)

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“O bairro era muito bonito. Nós ao domingo saíamos para irver os quintais, passeávamos para ver os quintais.Percebia-se que havia pessoas que tinham muito gosto emdecorar os seus quintais, a fazer dele um jardim, a colocaro seu repuxinho, uma estatueta…” (Maria da Graça, ex-moradora).

“Aos finais dos dias quentes as mulheres juntavam-se àconversa nos quintais, a fazer malha, a fazer crochet…toda a gente tinha o seu jardim com o seu perfume que eu

sei cá… este é o bairro das rosas. Ai, mas que lindo bairro,toda a gente dizia… e as crianças não eram crianças queestragassem. Os pais tinham rigor na educação dosfilhos… E havia castigos se eles estragassem. E agora?” (Teresa Pedra, moradora)

“Gosto muito do bairro. Quando eu vim para cá viver eramuito bonito. Quando vim para cá morar era um jardinzinho

quadrado à frente onde se tinha flores e quintais. Lembro-me que o meu pai tinha aquilo tudo com videiras… As pessoas tinham muita vaidade. Os jardins não erammurados e o Presidente França Borges veio aqui ao bairrodespejar camionetas de tijolo, areia e cimento. Despejoutudo ao pé da igreja e depois cada um acarretava para as

suas casas para fazer os murinhos à frente. Mas tinharegras: eram dois pilares de maneira a que ficasse ummurinho baixinho para que ficasse tudo igual Ainda há aqui,na rio Sabor uns três ou quatro todos seguidinhos a lembrarcomo era… como mandava a regra. O meu está mais oumenos (…) Nunca desmanchámos muito…”(TeresaGuerra, moradora)

“O meu pai deixou o pessoal fazer as hortinhas ali à volta.Os moradores eram pessoas que vinham do Norte e dasBeiras. O meu pai nunca recebeu rendas disso… um ououtro ajudavam pela altura das ceifas… mais nada. O meu

pai nunca alugou nada. Era rendeiro, com a cláusula que sairia quando a Câmara entendesse… O meu pai vendeuas vacas em 1973. Às vezes os moradores ajudavam o meu

pai. Sazonalmente. Eram funcionários públicos, saíam às

5h e vinham ganhar mais uns cobres. Havia pessoas daPontinha que também lá tinham horta. Havia turnos paravigiar as hortas.”(António José, filho do Sr. Arménio)

“Este bairro é rodeado por quintas, por hortas… A minhamãe tinha três hortas e todos nós trabalhávamos nashortas. Os filhos que andavam na escola de manhã, à tardetrabalhavam nas hortas e os que andassem à tarde, tinhamido de manhã. A horta era para nosso sustento. Tínhamosbatatas, cebolas, grão… A maior parte das famílias dobairro tirava dali o seu sustento… E ainda existem hojemuitas pessoas que o fazem. Toda a gente tinha horta erecordo-me que tínhamos dois cães … e até elestrabalhavam! Quando a minha mãe semeava o grão edepois apanhávamos por esta altura do calor… e o grãolarga um pó que deita imensa comichão. Mas a minha mãeceifava o grão e todos trazíamos um monte às costas…Todos nós, e os cães também. Púnhamos uns alforges,

púnhamos uns enchumaços de cada lado e lá vinham oscães também… a nossa era a família mais numerosa darua. Não temos registos nenhuns porque ali ninguém tinhamáquinas fotográficas…”(Fernando Pereira, ex-morador)

“O facto de a casa ter um quintalinho ajudava muito. Ehavia as hortas em redor onde os homens e as mulheres dobairro trabalhavam e cavavam. Havia de tudo. Até na alturade semear a batata eu ficava em casa e a gente os trêstrabalhava. A minha mãe cortava a batata, já tinha a terracavadinha. Havia os regos e arranjava-se um pau paramedir e num dia a gente semeava as batatas. Duas sacas.Era para nosso consumo ou dar. Mas as batatas eram paranosso consumo. Até arranjámos umas despensas debaixodas escadas onde as guardávamos…” (Carminda Prado,moradora)

Estórias das infâncias: as chinchadas, osesconderijos entre trigos e papoulas

“E lembro-me que o meu pai andava atrás dos miúdos dobairro porque iam construir cabanas para o meio do terreno

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FAMÍLIA DE MORADORES NAS HORTAS DO BAIRRO(sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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e andavam a calcar aquilo tudo… E quando era o tempo daespiga, era vê-los! Os miúdos vinham à chinchada. Às vezeso meu pai zangava-se… sobretudo se lhe estragavam asárvores, se lhe partiam algumas pernadas. Um dia,aborreceu-se e cortou aquilo tudo. “Pronto, acabou-se”,disse. Havia muitas pessoas a comprar leite na quinta domeu pai. Muitos miúdos do bairro cresceram com o leitedas vacas do Arménio.”(António José, filho do Arménio)

“Lembro-me de ir parar à casa do fiscal umas três ouquatro vezes por causa da chinchada. Tinha um canto onde

punha os rapazes de cas tigo. As pessoas tinhamameixeiras, nespereiras, videiras e nós, rapazolas, láíamos… As grandes maldades daquela altura aos olhos dehoje não eram nada! Era tocar nas campainhas, andar àchinchada, jogar à bola, à caça ao gato… os nossosbrinquedos eram o arco e a gancheta, o pião… que já nãoera para todos, o pontapé na lata, os carrinhos de

esferas…”(Anónimo, morador)“Passava-se por várias quintas e nós entretínhamo-nos aapanhar a fruta. Não era por maldade nem para estragar. Éque a fruta assim sabia sempre melhor… A Quinta dosCovões era a melhor quinta para a fruta! Tinha fruta que erauma loucura! Todo o tipo de fruta! Tinha um vigilante que

guardava aquilo a troco de tiros de sal. Mas houve um diaem que estranhamente o homem deixou-nos tirar a fruta.Mas estranhámos. Depois ficámos com uma dor de barrigaque nem conseguíamos ir à escola. Foi terrível.Percebemos que o vigilante colocara um pó na fruta…” (Carlos Canhoto, morador)

“Tive uma infância muito feliz no bairro. Íamos buscar oleite às quintas, em frascos do café tofina, vínhamos abeber leite pelo caminho entre trigo e muitas papoulas…

Ai, e fazíamos uma coisa, uma coisa que hoje quando penso até tenho vergonha… Íamos apanhar caganitas deovelhas para adubar os quintais! Também apanhávamoservas para os coelhos… Íamos jogar ao ringue, àapanhada, apanhávamos flores… Digo-lhe como

festejávamos as nossas festas de anos: levávamos o nosso gira-discos de plásticos, íamos para perto da encosta da Serra da Luz… Levávamos uns cobertores, um bolo, arrozdoce… o gira discos a tocar e dançávamos… Hoje estámuito feio mas naquela altura tinha um descampado etinha uma vista muito bonita…” (Lurdes Faria, moradora)

“No caminho para a antiga fábrica do tijolo, havia uma grande vacaria. Muitos de nós, miúdos do bairro, íamos lácomprar leite. Era mais fresco e barato. Eu levava um

garrafão de 5 litros, com alguns amigos e amigas e quandochegava, o garrafão já Ia a meio! Bebíamos o leite, aindaquente, pelo caminho. Nesse tempo não havia doenças!” (José Martinho, morador)

“Lembro-me de duas brincadeiras – ir à fábrica decerâmica de Carnide roubar os restos dos tijolos parafazerem os muretes; íamos para os campos apanhar as

fezes dos animais para adubar os quintais e as hortas,levávamos uns baldes… E apanhar as flores silvestres paraenfeitar as casas… “ (Maria da Graça, ex-moradora)

“Nós éramos vândalos mas tínhamos a nossa regra. Jogávamos ao ‘pontapé’ na lata… era uma espécie deescondidas. E os carrinhos de esferas que descíamos a“rampa das irmãzinhas” – que era do lado mais sossegado.Isto foi em 68-69. Eu tinha 6 ou 7 anos. Íamos às oficinas,às carpintarias pedir restos de madeira, tábuas e depoishavia as rodas de esfera e era ver quem fazia o melhorcarro. Levávamos aquilo muito a sério. Nós tínhamosvantagem porque éramos muito irmãos… Quando nosespalhávamos íamos direitos aos caniços. E aparecíamostodos rasgados em casa …” (Fernando Pereira, ex-morador)

“Gostávamos muito de vir para o meio dos campos de trigofazer as nossas barraquinhas, cabaninhas, esconderijos…as nossas sedes. Tínhamos o cuidado de ir todos em fila,em carreirinha para não estragar muito o trigo… Até queaparecia o dono do terreno, o Arménio, e aí era pior a

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emenda que o soneto – o homem punha-se a ralharconnosco e nós que até aí fugíamos cada um para seulado, espezinhando muito mais e aquilo ficava tudodanificado…!Havia um grupinho que tinha bicicletas… e brincávamoscom os nossos arcos e ganchetas depois com dois paus eum pneu de automóvel. Éramos as nossas brincadeiras daaltura. Às vezes íamos até ao jardim da Luz pescar os

peixes. Tínhamos em casa peixes que vinham do lago do jardim da Luz. Depois o bairro tinha uma lagoa, umacharca. Aí íamos aos peixes-cabeçudos, aos girinos. Depoisficávamos muito espantados como eles se transformavamem rãs. Esse charco fez-se depois um aterro porque era

perigoso… Em frente à igreja. Hoje está vedado, masnaquela altura não estava. Era relvado e era lá quefazíamos os nossos conhecimentos e amizades. Eaconteciam os torneios de futebol inter-ruas. Hoje é tudomais estruturado, mais organizado mas menos espontâneo

também…Pois era assim que os garotos se organizavam,relacionavam e conheciam. E até havia prémios!” (Fernando d’Oliveira, morador).

“As b ic ic le tas? ! Um luxo! Nós é ramos maisevoluídos…andávamos de carro… de carrinho de esferas” (Jorge Humberto Silva, grupo “Intas&Entas do Bairro PadreCruz”, no facebook)“Claro que também tínhamos esses bólides, Jorge. Faltadizer que as bicicletas eram as que os pais usavam para sedeslocar, quando saíam de casa às 4 da manhã, para irtrabalhar, e que nós surripiávamos aos fins de tarde” (Fernando d’Oliveira, grupo “Intas&Entas do Bairro PadreCruz”, no facebook)“Eu cá tive um carro de esferas, feito pelo Luís Carlos, combanco estofado com alcatifa!!! (Helena Mascarenhas,grupo “Intas&Entas do Bairro Padre Cruz”, no facebook)“Havia sempre alguém ou qualquer coisa para nos entreter.

Seja jogar à bola, a fazer corridas com os carrinhos deesferas, a jogar ao arco, ao pião,… sei lá. Eram tantas asbrincadeiras que nunca nos aborrecíamos”. (Aníbal

Santos, grupo “Intas & Entas do Bairro Padre Cruz,”

facebook)

A água da Fonte das Lágrimas“Às vezes íamos lá abaixo, à Fonte das Lágrimas, buscarágua… Aquilo era uma aventura, porque éramos miúdos e,depois, os garrafões caíam e entornavam. Era uma risota.E tínhamos que voltar atrás e respeitar a fila de quem já láestava, outra vez. Era muito engraçado… Toda aquela zonada encosta da Luz era riquíssima, com muita água. Quandofazíamos os nossos presépios íamos lá buscar o musgo.Havia muito musgo. Naquela altura havia muitasalcachofras para os santos populares… e havia tanta gente

para as apanhar que tínhamos que ir muito cedo. A Fontedas Lágrimas era motivo de disputa com o Bairro daUrmeira – eles diziam que a fonte era deles e nós dizíamosque a fonte era nossa!“(Lurdes Faria, moradora)

O Bairro da Urmeira: “os de cima estavam sempre no

cavalo”“E havia guerras, guerras com os da Urmeira, ali debaixo deOdivelas… Eles eram maus, se apanhassem um de nóscascavam-nos a valer… Mas depois com o cinemaacalmaram os ânimos porque eles começaram a vir aocinema… Mais tarde também quando fomos para aPontinha, começámos a estudar juntos, a namorar, e ascoisas a acalmarem e ainda bem.” (Fernando Pereira, ex-morador)“Nas lutas com a Urmeira os de cima estavam sempre nocavalo.” (António José, filho do Arménio)“As lutas com a Urmeira… uma tropa de elite e as milíciasda Urmeira. Chegavam cá ao bairro uns 60 rapazes e haviadepois muita cabeça partida… Havia aqui muita raparigabonita e eles queriam vir às nossas festas… e nósdefendíamos o que era nosso… Mas isso só durou unsanos porque em 1967, quando houve as cheias, o pessoaldo bairro tornou-se muito solidário com eles… Morreu alimuita gente. Fizemos grandes peditórios e foram ajudados.O Padre Francisco também foi muito importante nessaajuda…” (anónimo, ex-morador)“O Bairro da Urmeira era o bairro mais pobre, dos pobres. A

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situação das cheias foi horrível.” (Fernando Ferreira)

Momentos festivos, estórias e personagensemblemáticas

Os excursionistas “Os Camelos”“Onde é o Sr. Fonseca, houve uma carpintaria do Sr.Miguel… Não sei se ele ficou desempregado, sei que tinhaali um negócio onde as pessoas se juntavam, iam lá falarcom ele, e houve um grupo de homens do bairro quefizeram um grupo excursionista que se chamavaOsCamelos . Fomos à Serra da Estrela, Viseu – essa excursão,de Viseu, nunca me esqueci porque passámos a noite todaacordados na camioneta a contar anedotas. Também ia o

Sr. Alberto dos foguetes, da SCML. Foi durante poucotempo, terão sido poucas as pessoas que participaram masfoi muito bom… Alugávamos uma camioneta, dividiam-seas despesas, cada família levava o seu farnel e era muito

divertido … Muito bons tempos!” (Lurdes Faria, moradora)Grupos de teatro e de música (os "Elite 5"…)“Havia várias formas de viver a comunidade. Lembro-meque em 69-70 fizemos um acantonamento ligado à SantaCasa, falámos com as assistentes sociais. Foi ali paraBelas. Eram rapazes e raparigas, e com a concordânciadas assistentes sociais, convidámos para esteacantonamento os ditos jovens ‘problemáticos’ do bairro.

Alguns já com problemas de furtos… Algumas raparigasestavam como medo. Mas o que foi certo é que oacantonamento correu muito bem. Não houve problemanenhum. (…)Lembro-me que houve, também, um grupo musical saídodeste grupo de jovens, fazia pequenas festas , no Carnaval,nos santos populares. Chegou a ter um nome mas não merecordo. Sei que há 5 ou 6 anos compilaram um CD comuma série de músicas que tocavam na altura. Fizeram um

pequeno CD para eles e para os amigos. Tudo terminou em1974-75 (…). Ocupávamos assim o nosso tempo comutilidade. Ganhávamos meia dúzia de tostões… que nosdavam jeito.”(António Cristino, morador)

Música de intervenção e ousadias políticas“Lembro-me de, ainda miúdo, estar envolvido na ida do

Zeca Afonso e do Zé Mário Branco lá ao bairro. Actuou norefeitório da escola. A escola ficou chamada como oBiafra… ainda houve uma troca de mimos com a Pide. Foino início de 70, por 71 e 72. Mas o bairro tinha os seusespiões do regime. Tudo era muito abafado econtrolado…” (José Martins, morador)

A somar a todos os episódios narrados, existemainda outros registos que mereceram ser relembrados:

A festa de Natal das Oficinas da CML “A CML dava um cabaz pelo Natal – uma camisola e umascalças ao rapaz e às raparigas, uma saia. Andávamos todosque parecíamos saídos de um orfanato… tudo igual. E ocabaz era bem aviado – tinha o azeite, o bacalhau, asbroas… Os outros cabazes, para os mais necessitados, era

a Igreja que organizava. Era tudo a partir da Igreja da Luz.Nós nem tínhamos paróquia, nessa altura. Tinha que sertudo a partir de Carnide.” (Fernando Pereira, ex-morador)

A primeira marcha de Carnide… nasceu no BairroPadre Cruz“O único clube cultural na altura era o Teatro de Carnide –

por isso o meu pai [Alberto Artur Mendes] colocou a marchaem Carnide, mas ela foi feita aqui, no bairro. Cada umarranjou a sua roupa para participar na marcha (1963 e1965). O meu pai escrevia o texto naquelas máquinas deescrever. Estava inscrito na Sociedade Portuguesa de

Autores. Ele chegava a qualquer lado, e fazia uma banda… Sou do tempo em que ainda me lembro das bandas a tocarno coreto.” (Armando Mendes, morador)

Os passeios até à Feira da Luz“Lembro-me que se ia à Feira da Luz. Gostávamos muito! Elá compravam-se as andorinhas que se punham na parededa frente, junto à porta da casa. Também punha um S. Joséou uma N. Srª da Luz que se comprava na Feira da Luz.Íamos muitos, grandes grupos, a pé… pelas azinhagas.”

67"COM AS CALÇAS DA MODA DAS OFICINAS",

1972 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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(Custódia Pereira, moradora)

A procissão das velas“O que conseguimos com acordo de todos foi precisamentea aquisição da imagem da Nª Senhora de Fátima entreoutras… que resultou de uma coleta entre todos osmoradores.” (Padre António Araújo)“Fez-se a procissão das velas com a imagem Nª Senhorade Fátima. Corremos o bairro todo com a imagem. Já erade noite. Foi muito lindo. Saiu daquela vez e nunca mais.Foi no tempo do padre Araújo". (Maria Isabel, ex-moradora)

Algumas figuras emblemáticas

No decurso das conversas muitos foram os nomesretidos na memória por diversos motivos e situações. Asfrases transcritas representam voz colectiva dessasmemórias…

“Conheci o padre Francisco. Tive esse privilégio. Era umaautoridade no bairro. Havia aqui duas pessoas que eramaglutinadoras da vida do bairro: o padre Francisco e a DrªIsabel Geada – a parte religiosa e a parte social.”

“O padre Araújo foi também uma grande referência. O padre Araújo vinha do Seminário dos Franciscanos paraaqui a pé pelas azinhagas. Trazia um barretinho com um

pom-pom em cima, daqueles dos barretinhos dos pintorese passava por nós, dava um pontapé na bola, conversavaconnosco e prosseguia caminho. Quando o recordo sintouma espécie de gratidão e carinho porque já não existemfiguras assim, hoje em dia.”

“Tínhamos o Dr. Falé que era o médico de toda a gente.Muito carinhoso.”

“O senhor Agostinho Cristino foi sempre muito activo navida do bairro, participou em actividades com a Junta deFreguesia mais tarde, dinamizava o coro da igreja… Foiautor de várias letras para o bairro, do hino do 41…”

“A D. Cândida, a parteira, ajudou muita gente nosnascimentos… Até a enfermeira Rosalina quis ter a últimafilha com a minha mãe. Creio que aqui no bairro não háquem não tenha uma ligação com ela. Há sempre uma

prima, uma irmã… que teve o parto com a minha mãe. Aminha mãe ajudou a nascer mais de cem crianças. Muitomais! A minha mãe é uma pessoa fantástica. A minha mãeé muito genuína. É mesmo muito pura… Acordava de noite

porque sentia que a chamavam. Nunca levou um tostão aninguém… até ia para a Serra da Luz fazer partos. A minhamãe fez o parto a ela própria.”

“Sem dúvida que o Bairro teve maternidade! Naqueletempo todas as crianças (ou quase todas) nasceram nas

suas casas com a ajuda da D. Cândida (…) deveria serhomenageada!” (Mimi Caldas, grupo “Intas & Entas doBairro Padre Cruz, facebook)

“As irmãzinhas da Assunção eram muito queridas aqui nobairro.”

“A Elisete foi uma pessoa muito importante na organizaçãodas festas da paróquia. Ela é que organizava as festas,ensaiava, preparava-nos… Sempre que havia retiros, láestava a Elisete a encaminhar, a organizar, a orientar… afazer a ponte entre nós e a Igreja. A Elisete estava sempremetida na boa confusão.”

“A Domingas era uma rapariga fantástica! Cantava tãobem…”

“O próprio fiscal era uma figura emblemática.”

“A D. Quitéria, vendedora de roupas… Dois vendedores – oMassas (Álvaro) e o Manel das roupas – eram dois velhotes,alcoólicos que eram muito carismáticos, emblemáticos dobairro. Vinham a pé, fatos de ganga, de ganga operária… e

por aí andavam de bairro em bairro.”

“E havia o Garrafinhas que vendia refrescos e outros doces

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feitos por ele à porta da escola.”“Como recordo… uma pessoa afável e que fazia unsrefrescos… não sei o que levavam mas eram bons… seriada caninha?” (Isabel Martins, grupo “Intas & Entas doBairro Padre Cruz, facebook)“Na altura em que ele vendia, ainda me lembro de ajudá-loa encher as garrafinhas. Eu devia ter uns 6 anos.”;”Sim,era o meu avô. Era o ti Jaquim, conhecido como oGarrafinhas” (Aníbal Santos, grupo “Intas & Entas do BairroPadre Cruz, facebook)

“Conheci o nosso ciclista, o Joaquim Gomes, do CarnideClube. Ele morava na R. Rio Ceira e a mãe trabalhava numa

(9)mercearia, em Carnide.”

“E depois, houve aquele episódio do Quarenta-e-um, dobebé que nasceu durante o percurso do autocarro. É oErnesto e mora cá no bairro. Ninguém lhe contou?”

“Creio que não haverá grandes figuras a destacar, mas avivência em grupo, comunitária, do próprio bairro. Haveriaalgumas lideranças, de acordo com as disponibilidades decada um… Talvez para cada clube houvesse figuras que osmarcassem mais".(Fernando d’Oliveira, morador)

A nova dinâmica da paróquia: “as escolhas eram daspessoas”

“Fui para lá em 1968 e comecei com uma agenda muito sobrecarregada. Os domingos eram muito intensos. Comtrês celebrações eucarísticas – 9h, 11h (missa dascrianças celebrada pelo Padre Francisco) e depois havia amissa das 19h. Residia no Seminário da Luz e fazia essetrajecto a pé para ver como estavam as coisas… caminhosde basalto, muito irregulares. Gostava muito de ir a pé pelobairro, pelos atalhos e pelas azinhagas. Sim, eu usava umaboina galega. (…)Eu tinha como método o acompanhamento, ajudar a

pensar sobre coisas da vida mas nunca “empurrei”ninguém. Na minha ideia as pessoas tinham que ser elas a

encontrar as soluções. Não se pode obrigar nem empurrarninguém nestes assuntos… O que conseguimos comacordo de todos foi, precisamente, a aquisição da imagemda N. Senhora de Fátima entre outras… que resultou deuma colecta entre todos os moradores. Depois, porocasião da despedida do Padre Francisco, fomos à baixada cidade comprar um Cristo numa loja de arte sacra. Foiuma oferta de uma senhora da Amadora.Quando cheguei ao bairro havia duas coisas – a

solidariedade operária, a Liga Eucarística (mais dos Jesuítas) e a LOC (Liga Operária católica) que trabalhavamuito bem. Dei-lhes muito apoio, reflectíamos juntos…Para os jovens havia a catequese. Quase todos oscatequistas eram jovens. Quando aqui cheguei eramcentenas de crianças! Tornava-se uma missa um poucoruidosa porque era cheia de crianças. A missa era a seguir àcatequese e faltava-lhes um intervalo para correr… Acatequese funcionava muito bem… com as festas e tudo…

mas eram muitas crianças…O crescimento espiritual é o que justifica ser reconhecidacomo paróquia. (…) Todos os movimentos nasceram poriniciativa dos moradores porque só assim é que faz sentido.Eu nunca escolhi ninguém. Cada grupo fazia as suasescolhas. Procurei sempre que fossem os próprios que se

propusessem e que escolhessem quem os representa. A primeira vez que eu lá fui, não havia ninguém para fazeruma leitura. E quem fez a primeira, foi o António Cristino e aElisete. Havia domingos em que não havia ninguém.Depois a sensibilidade foi crescendo… e após o 25 de Abril

já havia muitos… já toda a gente se prontificava. Foicrescendo espontaneamente. Tudo ia surgindo de acordocom as necessidades que eles sentiam.”(padre AntónioAraújo)

“A nossa igreja aos domingos era fortíssima. Aí é quedeveria ter nascido a festa do bairro, a festa do PadreCruz.” (Alfredo Amaral, morador)

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PADRE ARAÚJO E GRUPO DE CATEQUISTAS,1970 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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Novas configurações no apoio social – o Centro SocialParoquial de Carnide

Conforme já foi referido o apoio social no bairroconheceu várias expressões apoiadas primeiro pelaComissão da Acção Social dos Bairros Municipais. A pardestas intervenções a Santa Casa de Misericórdia deLisboa também foi evoluindo e conquistando uma formamais definida que lhe permitiria, mais tarde, consolidar-secomo a instituição de referência para prestação dos apoiossociais nas várias vertentes: crianças, jovens e idosos.

“Entrei para o Bairro Padre Cruz não directamente pelaMisericórdia, mas em 1973. Já fez 36 anos. Na altura,tinha sido criada uma IPSS [Instituição Social de

Solidariedade Social] – o Centro Social Paroquial deCarnide – que funcionava e era ligado à Igreja. Não havia oCentro como estrutura física. Havia os estatutos definidos e

o apoio era dado a partir da Igreja. Até aí, a actividade social desenvolvida no Bairro do Padre Cruz era daresponsabilidade do Governo Civil. Era a Comissão da

Acção Social dos Bairros Municipais que dependia doGoverno Civil. As actividades já existentes – creche e

jardim-de-infância – funcionaram nestes termos até 1973. A manutenção e todas estas actividades eram suportadas pela Acção Social dos Bairros Municipais, até 1973. AMisericórdia tinha a responsabilidade do acolhimento

social. Ligado a este acolhimento social, e ligado àstécnicas que faziam este acolhimento, passou também ahaver o chamado “trabalho comunitário”. Foi aí que houveum trabalho junto da população que era feito a partir doacolhimento e em colaboração com a creche e o jardim-de-infância. No posto médico, havia um centro de dia deidosos e, do outro lado, uma oficina de malhas e costura.Tudo isso era da responsabilidade da Comissão da Acção

Social dos Bairros Municipais.Em 1973 é criada a IPSS – o Centro Social Paroquial deCarnide, e as actividades e estabelecimentos até entãoexistentes passaram para a responsabilidade da IPSS. Ou

seja, a Acção Social dos Bairros Municipais delegou ao

Centro Social Paroquial de Carnide é integrada no Centro Social Paroquial de Carnide e é admitido novo pessoal,onde eu apareço. (…). Essa situação manteve-se até ao25 de Abril.” (Natália Nunes, diretora da Região-Norte daSCML; técnica da acção social no Bairro de 1973 a 1989)

Ao longo deste capítulo percebeu-se claramente ocontexto e moldes de uma época histórica, o planeamentoe a vivência concreta do bairro. O cenário de suporte quefomentou estas relações de convivência – um espaçogeográfico afastado do centro, ruralizado – facilitou odesenvolvimento de estratégias comunitárias quer porparte do pároco e dos técnicos de serviço social, quer porparte dos moradores, de que os clubes são expressão.E, neste conviver, foram artesãos de uma malha derelações que “escapava” ao controlo e modelo reguladordo regime. Um regime político e um sistema económicoque, afinal, os incluía enquanto mão-de-obra, enquanto

trabalhadores, mas excluía enquanto cidadãos de comunsdireitos.No capítulo seguinte veremos como este habitar

de um “lugar físico” que se foi preenchendo como “lugar decomunidade”, estará na base da reivindicação por um“lugar social”, a que o 25 de Abril abriria portas. Àpersonagem do “morador”, do “vizinho”, do “artesão” dassociabilidades do bairro, acrescentar-se-á a reivindicaçãopor uma nova forma de participação. As vozes dosmoradores acendem-se e enfrentam-se com outrosanseios e entusiasmos.

Síntese cronológica1959 a 1974: Construtores da cidade, artesãos dobairro

1958/59Após a aquisição do terreno, a CML realiza vários contratospara efectivar a construção do “Bairro das CasasDesmontáveis da Quinta da Penteeira”.1959 (18/08)Dec. Lei 42454 que estabelece um “plano de construção

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EQUIPA DE TÉCNICAS DE ACÇÃO SOCIAL E ENFERMEIRAS,ANOS 70 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

BAIRRO PADRE CRUZ,

ANOS 70 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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de novas habitações na cidade de Lisboa, com o objectivode criar unidades urbanas integradas no plano geral dacidade” para travar a proliferação dos “bairros de lata”. Estedocumento esteve na origem do Gabinete Técnico daHabitação (GTH, da CML) e do plano de construção paraOlivais-Chelas, com uma intervenção urbana totalmentediferente. O projecto do “Bairro das Casas Desmontáveisda Quinta da Penteeira” terá sido um dos últimos bairrosmunicipais que obedeceu ao padrão “tipo aldeia”conhecido por “solução portuguesa”.1959/60A freguesia de Carnide tem uma reduzida população deapenas 4 263 habitantes. É iniciada a construção e oalojamento no “Bairro das Casas Desmontáveis da Quintada Penteeira”. É mais um bairro provisório, montado emplacas de lusalite, para instalar as primeiras 200 famíliasrealojadas, sobretudo, do anterior bairro provisório daQuinta da Calçada.

Em 1959 é inaugurada a rede de Metropolitano (iniciadaem 1955). Nesta primeira fase, até 1962, inaugura 11estações sendo o eixo Sete-Rios/Rotunda uma alternativaao eléctrico 13 (Carnide/Restauradores; Carnide/praça doChile) procurada pelos moradores.1960/62Construção da zona de alvenaria que ficaria conhecidocomo “bairro de alvenaria” com 917 fogos unifamiliares,em ruas pedonais com nomes de rios portugueses; ocupa12 hectares. Atendendo ao número total de realojamentos(1 117 fogos/famílias) construíram-se equipamentos deapoio: escola primária, posto médico, igreja, mercado,centro social e salão de festas e de trabalho, sala deleitura/biblioteca, lavadouros. A supervisão do bairromantém-se a cargo da Comissão da Acção Social dosBairros Municipais da CML, a figura do fiscal funciona comorepresentante local da Polícia Municipal.Durante a década de 60 é iniciada a construção de umconjunto maior de “habitação social” – o bairro de OlivaisSul (previsto o alojamento de perto de 50 000 pessoas). Écoordenado pelo Gabinete Técnico da Habitação e abreuma nova fase na concepção e planeamento do

alojamento municipal.1962Inaugurações dos vários equipamentos do futuro BairroPadre Cruz. Criado o Andorinhas Futebol Clube, primeiropequeno clube de bairro. Inauguração da sede do “Clubede Futebol O Unidos”. Este clube havia sido criado a 1 deJunho de 1940 na Quinta da Calçada.- (03/05) - Inauguração da Escola Primária (nº 167) na ruaRio Tejo; ensino masculino e feminino em áreas separadasdo mesmo edifício.- (12/06) - Inauguração do mercado é integrada nascomemorações das Festas da Cidade. O mesmo edifícioreúne peixaria, talho, lugar de fruta, carvoaria, leitaria ecapelista.- (1/10) - Inauguração da Capela do Bairro Padre Cruzdedicada a Nossa Senhora de Fátima; António FranciscoMarques, prior de S. Lourenço de Carnide e da Pontinha,mantém-se na organização da vida paroquial.

- (25/10) - Inauguração da Biblioteca de Carnide porocasião da “Comemoração da tomada de posse de Lisboaaos Mouros”.- (17/11) - Inauguração do Bairro e bênção da carreira doautocarro 41 com a presença de várias individualidadesoficiais (Presidente da CML, França Borges; o vice-presidente Aníbal David, Vicente Rodrigues, o director deFinanças, Manuel dos Santos Ferreira; o Bispo de Tiara, ocapelão do bairro, padre Francisco, representantes daComissão da Acção Social e outras individualidades).1962/66Projecto e construção da ponte sobre o Tejo (primeiro,nomeada “Salazar”; depois de 1974, “25 de Abril”) queobrigou a novos realojamentos no Bairro das CasasDesmontáveis, da Quinta da Penteeira.1963A paróquia de S. Lourenço de Carnide, orientada pelaOrdem Franciscana, intensifica actividade na vida do bairro.As figuras do padre, equipa de assistentes sociais, médicose enfermeiras, fiscal, professor/a… são, cada um a seumodo, referências importantes na organização (e controle)do bairro. Por solicitação da Comissão da Acção Social da

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CML, e com apoio da SCML, as primeiras técnicas deserviço social trabalham junto da população; também sãorequisitadas as “irmãzinhas” da Assunção“ – missionáriaspara auxiliar a população dos “bairros periféricos”. Visita aoBairro Padre Cruz do ministro do Interior, Alfredo Rodriguesdos Santos Júnior, acompanhado do Presidente FrançaBorges, de Martins Gomes, de Manuel dos Santos Ferreirae de outras individualidades.1965 (09/24)O jornal Diário de Notícias regista o nascimento de umacriança durante o percurso do autocarro 41. Essa criança,um rapaz de nome Ernesto, é filho de uma moradora dobairro e ganhou a alcunha do “Quarenta-e-um”.Inauguração oficial das Oficinas Sociais no bairro,coordenadas pela Comissão da Acção Social dos BairrosMunicipais, onde eram ministrados cursos de costura,malhas, cozinha… para as residentes.1966/67

É concluído o novo Plano Director de Lisboa (seriatotalmente aprovado em 1976) que revê algumas daspropostas do anterior Plano de 1948 (mais próximo domodernismo da Carta de Atenas).- (23/04) - Criado oficialmente o Grupo Recreativo OsAmigos da Luz.- (30/06) - O Bairro ganha patrono. Grande e pomposacerimónia de colocação da estátua de pedra, do escultorMartins Correia, com o busto do Padre Francisco da Cruzem frente à capela Nª Senhora de Fátima, e da lápide ondeestá gravada a efeméride.- (25/11) - Cheias no Bairro da Urmeira, no sopé da Serrada Luz. “Cinco horas de chuvas torrenciais mergulharam aGrande Lisboa na maior inundação que a região alguma vezconheceu. A Urmeira foi um dos locais mais fustigados poressas mortíferas cheias.” (cf. relembra Diário de Notíciasde Novembro de 2007). A relação conflituosa com osmoradores da Urmeira fez parte da história do Bairro PadreCruz mas este episódio amenizou essa relação.1968(?)No âmbito das várias actividades da paróquia (para alémcatequese e dos campos de férias para jovens e seniores)

funcionam a Liga Operária Católica e o Apostolado daOração.- (?) - Novo rebentamento de paióis localizados em área

vizinha, entre os concelhos de Lisboa e Loures (Alto doForno). Os moradores, assustados, correm para as ruas.1969 (28/2)

Tremor de terra em Lisboa. De novo, grande susto entre osmoradores.Surge a Liga Eucarística do Bairro Padre Cruz (apenasmasculina) – uma secção do Apostolado da Oração.Durante a década de 60 a população da freguesia duplicou(em 1961: 4 263; em 1971: 8 325 residentes). Na décadade 60-70 são construídos novos bairros na freguesia deCarnide: Quinta da Luz, Horta Nova e Bairro Novo deCarnide (conhecido por “Bairro da Polícia”). Desaparece abipolaridade (“Carnide Velho”/Bairro Padre Cruz) queanimara o território da freguesia de Carnide durante umadécada.

1970 (a 1977)O Gabinete Técnico de Habitação (GTH) passa a controlar adistribuição das casas camarárias.A população residente no concelho de Lisboa crescesignificativamente, a população residente no centro dacidade diminui. Desenvolvimento e expansão da rede viáriae meios de transporte da capital para as desqualificadas edesordenadas periferias atendendo ao enormecrescimento populacional.1971Criação da EPUL – Empresa Pública de Urbanização deLisboa que também será responsável por futuros projectosno Bairro Padre Cruz.- (28/06) - É criada a paróquia da Pontinha que assim seautonomiza da paróquia de S. Lourenço de Carnide de quefazia parte desde1950.1973Criação do Centro Social Paroquial de Carnide – IPSS[Instituição Social de Solidariedade Social]. No iníciofunciona associado à Igreja S. Lourenço de Carnide e oapoio é centralizado a partir desta paróquia. O padreFrancisco Marques retira-se da Paróquia de S. Lourenço de

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Carnide (onde estava desde 1952; em 16/07/1975 seránomeado primeiro Bispo da diocese de Santarém,).1974 (até Abril)Alteração parcial da paisagem física do bairro; construçãodos primeiros prédios, de 5 andares, no topo norte. Estãoprevistos os primeiros realojamentos em altura e o direito aestes novos fogos começa a levantar polémica entre osmoradores.

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Fase 21974-1990: A VIVÊNCIA LOCAL DO(S) PODER(ES) EDA(S) CULTURA(S)

“Os tempos mudam e a gente também muda”José Valente (morador)

O 25 de Abril e a “nova ordem urbana”

A revolução de Abril inaugurou um períododiferente e decisivo na vida do país. De um sistema políticoditatorial ensaiavam-se agora os primeiros passos emdirecção a um regime democrático que sucessivosGovernos Provisórios procuravam consolidar.

Nesta fase a Câmara Municipal de Lisboa, talcomo todas as outras, foi palco de experimentação denovos modelos de gestão mobilizadores da sociedade civil.Fazer justiça passava também por (re)fazer a cidade.

Porém, muito ainda estava por definir. Entre 1974 e 1975o governo do município foi provisoriamente gerido por umaComissão Administrativa que durante um ano conheceutrês presidentes. Viviam-se períodos de grandeinstabilidade social que se reflectiram, inevitavelmente, nagestão dos bairros municipais e no Bairro Padre Cruz. Relembremos que o 25 de Abril desencadearanovas reivindicações populares pelo direito à habitaçãoconsagrado pela nova Constituição da República de 1976.A cidade de Lisboa atravessou um período de intensasmanifestações que, entre outro tanto, denunciavam adegradação das condições da habitação (sobretudo nastais periferias desqualificadas) acumuladas durante osilêncio metálico do Estado Novo e que o processo dedescolonização muito agravou. Assistiu-se à reocupaçãode espaços e de edifícios, públicos e privados, com o apoiodas comissões de moradores e de trabalhadores, a maiorparte, recentemente constituídas… Surgiu a operação

(1)SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local que, emLisboa, deu origem à criação das “Brigadas de ActuaçãoLocal” a par com as reivindicações das populações. A partir dos finais dos anos 70, a responsabilidade

pela e promoção e construção da habitação social foisendo imputada às autarquias. Criaram-se diferentesmodalidades de cooperação e de pareceria mas que, naprática, apresentavam grandes lacunas.

Em 1977-78 Aquilino Ribeiro Machado era eleitopresidente da CML (1977-80/Partido Socialista) pondo fimà instabilidade das comissões administrativas. Nestecontexto, foi criada a Direcção Municipal da Habitação queintegrava o Serviço de Realojamento. Este Serviço passou agerir a atribuição das casas municipais mas a supervisãosobre os bairros municipais revelou-se deveras insuficientee inoperante, conforme escutaremos nos testemunhos.Alguns dos primeiros bairros provisórios ainda resistiam,mas definhavam, e os alojamentos clandestinosespalhados pelas periferias acolhiam outros surtos dedesalojados em resultado dos persistentes movimentosmigratórios e do pós-guerra colonial. Assistia-se ao eclodirde uma “nova ordem urbana” a par com a explosão

demográfica nos territórios periféricos da cidade (vd.Cardoso, Ana (1993)). Esta segunda fase na linha biográfica do BairroPadre Cruz foi, também ela, atravessada por subfases comfocos distintos de problemas, apesar de interligados.

Uma primeira, decorre de ’74 aos anos 80,evidenciou os primeiros usos da liberdade, aexperimentação do poder local e de formas alternativas nagestão do bairro (constituição da primeira Comissão deMoradores), e o acompanhamento dos processos derealojamento nos primeiros prédios, no topo norte que,entretanto haviam sido construídos. Numa outra, já durante os anos 80-90, percebe-se a conversão e organização das iniciativas maisespontâneas em acções políticas reivindicadas por partedos moradores, autarcas e outros técnicos. As relaçõessociais do bairro já consolidadas serviram paramobilizações politicamente interventivas, aproveitando umnovo poder negocial – o “capital comunitário”. A figura deMaria Vilar Diógenes (presidente da junta de freguesia)destaca-se nesta mobilização. De qualquer modo, este é um período em que o

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VISTA BAIRRO PADRE CRUZ, ANOS 70(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

PLANTA PROJECTO PARA NOVO BAIRRO, 1977 (CML)

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bairro se reanima livre e intensamente. Vive-se o bairro, e vive-se a rua. Vive-se o bairro na rua. São relações muitoespontâneas e multiplicam-se as festas, celebrações,motivos de encontro e reencontros. “Tudo era motivo parafazer festa” e a cultura de bairro preenche-se com essesmomentos intensamente partilhados em que os clubesmantêm forte dinamismo. Em paralelo, também duranteesta segunda fase a paróquia reafirma uma poderosa

vitalidade, desde 1981, com o Padre António Baptista. Asexperiências e convivências intensas por parte dapopulação jovem – a segunda geração de moradores – teráum papel de relevo no viver (e actualizar) oo “espírito” dobairro. No contexto destas transformações, surgemnovos vizinhos na freguesia. A bipolaridade (“CarnideVelho”/Bairro Padre Cruz) desaparece… Durante a décadade 70 foram construídos novos bairros na freguesia deCarnide: Quinta da Luz, Horta Nova e bairro Novo de

Carnide (conhecido por “bairro da polícia”), alguns daresponsabilidade da EPUL. Entre uma década (1971-1981) a população da freguesia aumentou de 8 325 para13 375 habitantes. A população do Bairro Padre Cruzmanteve-se como a mais numerosa no conjunto dafreguesia.

Memórias do 25 de Abril – o dia em que o “bairroparou”

Antes de prosseguir, escutem-se algunsdepoimentos dos moradores acerca do dia em que oregime do Estado Novo foi politicamente derrubado. Aestreita vizinhança com o quartel da Pontinha onde,entretanto, se instalara sigilosamente o Posto de Comandodo Movimento das Forças Armadas fez com que osmoradores do Bairro Padre Cruz vivessem a alvorada domovimento de um modo singular. “Quando foi o 25 de Abril,daqui é que saiu a revolução!” (Nazaré, moradora)

Contudo, a proximidade física não significou maiorinformação. Pelo raiar daquela manhã toda a população –e, a seu modo, cada morador – foi surpreendida com a

presença dos militares estrategicamente colocados nasruas do bairro. O tom destes testemunhos são reveladoresda desinformação e do silêncio contidos em que o bairro (eo país) vivia… pois a “política não entrava lá no bairro”.

“O 25 de Abril foi forte. Ninguém pôde sair ou entrar nobairro. Ninguém sabia o que se passava e depois viemos a saber que o comando operacional era aqui, na Pontinha.Logo a seguir o bairro começou a cair num relaxe, as

pessoas começaram a alterar as relações… Não foi pormotivos políticos.” (Emídio Silva, ex-morador)

“Foi giro no 25 de Abril. Na véspera eu tinha ido com aminha mãe à Pontinha e vira três ou quatro carros commilitares a fazerem exercícios na rua próxima do bairro…Pensei ‘Mas estes são doidos? Não lhes chega o quartel,vêm para aqui fazer exercícios?! Isto, na véspera, pois o 25de Abril foi preparado no quartel da Pontinha. As pessoas,

nesse dia não podiam sair daqui. A única pessoa quedeixaram entrar era o Padre Araújo.” (Elisete Andrade,moradora)

“O bairro parou. Estava na cama porque era dia de escola. A minha mãe avisou-nos: “deixem-se estar na cama porque hoje não há escola. Porquê mãe? Porque andamuita confusão na rua”. E passámos o dia inteiro a ouvirrádio. Não percebíamos nada mas sabíamos que algumacoisa estava a acontecer. Lembro-me que a minha mãequeria ir ao pão mas os militares tinham cortado a rua.Lembro-me, porque fui com a minha mãe. E houve um

soldado ao final da rua que acompanhava as mulheres atéao pão e depois voltava. Foi uma espécie de escolta e dissoeu lembro-me perfeitamente. Toda esta zona ficou sitiada.” (Fernando d’Oliveira, morador)

“Nesse dia, o senhor da mercearia vendeu quase tudo…” (Carminda Prado, moradora)

“Eu era novo, mas tenho a ideia de que política não sefalava lá no bairro. Não entrava lá no bairro. Quando se dá

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o 25 de Abril só me lembro da minha mãe dizer quenaquele dia não era aconselhado ir para a escola. “Mas oque se passa?” “Não se passa nada!” Porque também não

se podia dizer… porque havia o medo de ser apontado.Havia o ‘bufo’ porque isso eu sei que havia. E nos pós-25de Abril é que eu começo a aperceber-me da opressão que

se vivia. Porque nós vivíamos afastados – íamos para aescola, íamos para a catequese… não havia aquele “Deus,Pátria, Autoridade” de um modo explícito. Eu, pelo menos,não o sentia. Creio que era por aquele bairro estar tãolonge... tão periférico relativamente ao centro.” (JorgeNicolau, ex-morador).

1974-1980: Do silêncio à reivindicação da voz, domorador ao cidadão

A partir de 1974 a liberdade de expressão e demovimento a que a revolução de ‘74 abriu portas, trouxe

novos direitos e outra consciência política. Deu lugar anovas sociabilidades e a experiências associativas paraalém das recreativas e desportivas.

A vida política animou-se dentro do bairro criandofracturas e tensões entre a comunidade. Também ali operíodo pós-25 de Abril ficou marcado pelas entusiásticasexperiências da liberdade (“o poder saiu à rua”) e a rejeiçãorelativamente a tudo o que sugerisse compromissos com oregime derrubado (designadamente com a Comissão daAção Social, SCML, …).

As funções da paróquia de S. Lourenço de Carnidee o respectivo pároco (na altura, o padre Martins) forammotivo de desconfiança por parte de alguns grupos demoradores. No mesmo ímpeto, outros movimentosarticulados com a paróquia (JOC, LOC, Apostolado daOração) foram alvo de crítica e até mesmo de alguma“perseguição”, conforme escutamos adiante.

Por razões administrativas, as Irmãzinhas daAssunção viram comprometida a sua permanência nobairro, uma vez que a instituição suporte fora extinta (a talComissão da Acção Social), e não havia possibilidade dasua reintegração nas valências existentes na SCML.

Nas zonas do bairro já edificadas (lusalite ealvenaria) a expressão popular soltou-se e as vozes eacções libertaram-se. A figura do fiscal desapareceu esurgiram cartazes, murais, pinturas reivindicativas nasparedes. Os traçados originais das casas foram sendomodificados. Os muretes dos jardins deram lugar a anexosencobertos e privados. Curiosamente, ao mesmo tempoque se reivindicavam poderes mais democráticos epopulares, a reapropriação de alguns espaços, antespúblicos, tornou-se privada. O morador do Bairro PadreCruz assumia-se como um cidadão de direitos. Porém, aemoção e rapidez dos acontecimentos não permitiaamadurecer as novas revindicações sociais e a forma deexpressá-las acabaria por ser controversa: construindomuros, altos e baixos, portões e anexos de acesso privado.Reivindicações comunitárias e direitos individuaisreconstruíam a nova ordem (local) urbana. Uma ordem oudesordem apertada entre conflitos e convergências mas

com consequências evidentes ao nível da paisagemedificada e das tensões vividas.

Formas alternativas de gestão – a primeira Comissãode Moradores

Durante aquele torvelinho de confrontos tambémno Bairro Padre Cruz teve lugar um intenso movimento dereivindicação. As acessibilidades e marginalização(agravada pela continuada insuficiência dostransportes…), as más condições das casas de lusalite e odesacompanhamento da manutenção dos fogos einfraestruturas do conjunto do bairro impunham-se comoproblemas graves que urgia resolver. Para além disso, ocrescimento das famílias não fora acompanhado com aatribuição de novos fogos e os rendimentos auferidoscontinuavam a impedir o acesso ao mercado livre.

Nesta fase, o “salão de festas” alterou o tom damúsica e acolheu plenários entre moradores e seusrepresentantes para discutir as estratégias a adoptar. Oprimeiro presidente da Junta de Freguesia de Carnide, JoãoGualdino (residente no núcleo antigo de Carnide)

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PLENÁRIO DE ESCLARECIMENTO,SALÃO DE FESTAS, ANOS 70

PRIMEIROS PRÉDIOS NO BAIRRO, RUA DO RIO GUADIANA,1974-75 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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presenciou alguns debates “O importante é que falassem.E ouvi-los” (João Gualdino).

A gestão do bairro foi revindicada pelos moradores– constituiu-se informalmente a primeira Comissão deMoradores. Muitos dos não-moradores, designadamente opessoal técnico, foram encarados com alguma suspeição.Os serviços da Misericórdia e da Comissão da Acção Socialforam repudiados porque associados a uma época que sequeria ultrapassada.

Entretanto, na coroa norte e periférica do bairroocorriam os terceiros realojamentos, agora em altura,dando início a uma modalidade diferente. Nos terrenosexpectantes (de hortas) que ladeavam a estrada dacircunvalação a norte do bairro de alvenaria, foramconstruídos 10 edifícios repartidos com 5 pisos cada, numtotal de 200 fogos, que já haviam sido planeados antes do25 de abril. Estes prédios destinavam-se prioritariamenteao realojamento dos moradores do velho e “provisório”

bairro de lusalite (175 famílias) cuja degradação obrigava aurgentes medidas camarárias ou ao desdobramento para“filhos do bairro”.

Também naquela fase, conciliar a adaptação aonovo cenário de alojamento – em altura – não foi fácil nempacífica. A inicial estrutura das galerias teve que serposteriormente alterada atendendo à apropriação indevidados espaços comuns. A Comissão de Moradoresacompanhou esses primeiros realojamentos internos –quer das casas vagas nos bairros de lusalite e alvenaria,quer nos prédios de alvenaria alta. Após a supervisãodestes realojamentos internos e algumas críticas internasaquela Comissão foi extinta sem nunca ter formalizado asua existência.

“Após o 25 de Abril houve muitas transformações aqui nobairro. Nomeadamente quem estava ligado à Igreja…quem estava ligado à LOC (Liga Operária Católica) sofreualguma perseguição. Os chamados extremismosrevolucionários… mas durou pouco tempo.Eu estava ligado à JOC [Juventude Operária Católica]. Masestas mesmas pessoas conseguiram, um pouco mais

tarde, dar a volta e, em 1974, criar a primeira Comissão deMoradores.Em 1974 já havia uma Comissão de Moradores no bairroque assegurou, durante algum tempo, a gestão do salão defestas até 1977 e 78. Depois, perdeu-se em grande partedevido à luta partidária sem sentido que aconteceunaquela altura. Esta Comissão de Moradores participouactivamente e em estreita colaboração com a Câmara,com a Direcção Municipal da Habitação no sentido deevitar que, no bairro, houvesse ocupações selvagens. (…)Os realojamentos que foram feitos nos primeiros prédios –os chamados prédios cor-de-rosa, foram feitos comacompanhamento desta Comissão. A maioria das pessoasque para lá foram morar era resultado de desdobramentosde famílias do bairro de lusalite e de alvenaria. Houve uma

percentagem mínima que veio de fora para fazer face àsnecessidades da Câmara. Foi todo um processo emcolaboração e cooperação com a Câmara, com a entãoDirecção Municipal dos Serviços de Habitação (criada em1977). Desde sempre houve a ideia de tentar envolver as

pessoas na resolução dos seus problemas. Esta Comissãoextinguiu-se, não tinha existência legal, sequer.”(AntónioCristino, morador).

“O pós-25 de Abril foi uma altura em que começaram a sercriadas muitas comissões. As comissões de moradores… ehouve grandes convulsões em termos da população ehouve movimentos contra os serviços que funcionavam nobairro… [serviços da Misericórdia e da Comissão da Acção

Social dos bairros Municipais]. Nessa altura as equipastécnicas funcionavam por cima do salão de festas, perto dabiblioteca. Foi também o momento em que as associaçõesmais ou menos organizadas começaram a reivindicar a

gestão dos serviços… sobretudo a Comissão deMoradores. Começaram a por em causa a gestão dos

serviços, nomeadamente a gestão da cantina. Todos osoutros serviços eram geridos pelo Centro Social Paroquialde Carnide, constituído em 1973. Com o 25 de Abril houvemomentos muito difíceis. No salão de festas assisti amovimentos quase de apedrejamento. Ali eram feitos

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BAIRRO DE LUSALITE, RUA DO RIO ALMANSOR,ANOS 70 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

BAIRRO DE LUSALITE, RUA DO RIO ALMANSOR,ANOS 70 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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grandes plenários. Os técnicos viveram ali momentos muitodifíceis.Como cheguei ao bairro em vésperas do 25 de Abril nãoconsigo localizar que população era esta que mais seinsurgiu. Fui apanhada de surpresa. (… ) Houve líderes dosmovimentos de reivindicação. Começaram a pôr em causaa gestão da cantina, a acusar o Centro Social Paroquial deCarnide de má gestão. Queriam ficar com aquilo. Era oPadre Martins que estava na Paróquia por essa altura,creio (…). Tudo era posto em causa, tudo era questionado,um clima de desconfiança muito grande. Mas isto nãoaconteceu só naquele bairro. A Acção Social dos bairrosMunicipais, nessa altura, tinha a gestão de quase todos osbairros municipais – as Furnas, a Quinta da Calçada, aMusgueira… e onde todo este processo também estava a

ser posto em causa e questionado. (…) A partir de 1978 éque a Misericórdia aparece como um todo naquele bairro.Reaparecemos já como Serviços da SCML. Aí, as coisas jáestavam bastante mais calmas… O slogan “o poder narua” já estava mais apaziguado, havia outra compreensãodas coisas e, a partir daí, as coisas funcionaram bem, sem

problemas”(Natália Nunes, SCML, em funções técnicas nobairro de 1973 a 1991)

Viveram-se momentos conturbados, socialmenteconfusos, porque tudo estava a acontecer ao mesmotempo. Todavia estas tensões permitiram ir testando a“elasticidade” do trabalho no terreno por parte dasinstituições e da população. Um trabalho tenso comresultados mais maduros na década seguinte já pelos anos80.

“Foi em 1980 que se formalizou a Associação. Fiz parte do grupo com mais umas 10 pessoas. Nessa altura fui presidente. Constitui-se antes, não formalmente, porquetinha havido o boato de que havia casas que tinham sidonegociadas quando era para realojar os moradores antigosda lusalite… Esse processo não foi pacífico. Essa foi a

primeira associação de moradores, uma comissão… masas coisas não correram bem... Quando recuperámos e

formalizámos a associação havia algum descrédito por parte dos moradores. Nós conseguimos limar essas arestase as pessoas confiaram. Até porque é muito diferentequando as pessoas agem em grupo ou agemindividualmente… Eu também morava na lusalite. E muita

gente me viu crescer e muita gente confiava muito emmim… E lá fomos conseguindo reconquistar as pessoas.Estive na direcção e ligado à Associação durante 30anos… desliguei-me muito recentemente.Esta associação tinha o objectivo de garantir que as casasque tinham sido construídas para realojar as pessoas dobairro de lusalite fosse cumprido. Fez-se o realojamento

segundo critérios definidos e a antiguidade no bairro foi umdeles. Tratámos do realojamento das pessoas das casas delusalite para os prédios. Foram realojamentos pacíficos.Nessa altura, também houve algumas resistências por

parte dos mais velhos em mudar de casas térreas paracasas em prédios. Aí, as casas de lusalite serviram tambémde casas de transição de pessoas que vinham de outrosrealojamentos posteriores, da Quinta das Fonsecas, porocasião da construção do eixo Norte-Sul.” (José Martins,morador)

O desinvestimento municipal e a progressivadegradação do bairro

“O bairro era reconhecido pelas ruas, pela beleza das casinhas… Era!

E porque se perdeu?”Mário Guerra (ex-morador)

“A degradação do bairro começa com a desadequação das casas às necessidades das famílias.”António Cristino (morador)

Decorridos quinze anos após a criação do bairro“provisório” do Padre Cruz a deterioração das condições dehabitabilidade e o tamanho exíguo das casas chocavam

violentamente com as necessidades das famílias que

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BAIRRO DE ALVENARIA, ANOS 70-80 (GEO)

BAIRRO DE ALVENARIA, ANOS 70-80 (GEO)

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aumentavam e envelheciam.Durante esta fase evidencia-se o confronto entre

tempos – o provisório que se foi transformando emdefinitivo, e a modificação das condições de vida de umapopulação que se foi fixando e reapropriando do lugar,dissemos. Os espaços físicos das casas e os recursoseconómicos das famílias pouco aumentaram, masaumentaram as famílias, os descendentes, e raros foram

(2)os desdobramentos autorizados .Devido às limitações das casas registaram-se

situações de verdadeiros dramas familiares. Foi parasuperar tais limitações que os moradores começaram areadaptar os usos e funções dos espaços e a anexar osquintais e logradouros... “Estes duplexes levantarammuitos problemas”, em particular junto das famílias queenvelheciam e adoeciam, e onde a mobilidade e afuncionalidade dos espaços comprometia a segurança e aqualidade de vida dos residentes (a níveis tão básicos comoos acessos às casas de banho…) “Houve muitos heróisaqui no bairro!”, desabafou Elisete Andrade a propósito. “Tenho um pau comprido de pintura e enrolava ali uns

panos, à noite, antes da gente ir para a cama andávamos aapanhar a água, assim ao rolo. Depois passado um

pedaço, já estava outra vez assim… pim…pim…pim… Nósfomos obrigados a ir fazendo alterações às casas porque ascasas não serviam. A minha mãe viveu entrevada durantecinco anos…” (Domingas Ferreira, moradora)

Compreende-se agora que, a partir de 1974, aquase totalidade dos residentes tenha alterado a estruturaoriginal da respectiva casa e, por consequência aorganização do espaço público, sem acompanhamento porparte de quem deveria gerir e instruir esses processos – “aCâmara Municipal de Lisboa foi um péssimo senhorio.” Osinvestimentos feitos (tempo, dinheiro, braços e recursos

vários) por parte dos residentes corresponderam atransformações (interiores e exteriores) que cada um, a seumodo e jeito, avalia como “melhoramento”. Há que sublinhar que estas readaptações revelam

investimentos muito diferentes. A par com asreapropriações menos cuidadosas e mais “abarracadas”que agridem a paisagem do bairro, é inegável o trabalhocuidadoso, meticuloso por parte de alguns outrosmoradores. De tudo isto resultarão grandes contrastes nointerior do “bairro antigo”. A par com as circunstâncias dedeterioração dos materiais, uso inapropriado e indevidodos espaços, são inegáveis os exemplos de conservação eformas criativas de beneficiação do uso das casas por partede outros residentes.

Além disso, também o espaço público acusavauso e desgaste – a estreiteza das ruas, os passeios, ospróprios edifícios dos equipamentos sociais acusavam apassagem do tempo. Os automóveis circulavam pelo bairroem maior quantidade mas o aperto das ruas dificultava asmobilidades. As rosas e as flores desapareceram dosquintais para dar lugar às garagens e aos anexos. A estéticae a funcionalidade da tal aldeia branca perdeu-se.Mantinha, porém, o isolamento e a periferização que viriama ser usados como argumentos para a continuadaestigmatização do bairro aos olhos da “cidade dos outros”.

“A degradação do bairro começa com a desadequação dascasas às necessidades das famílias. Quando vieram para obairro eram casais com crianças pequenas. Depois, asfamílias foram aumentando, constituindo novos casais. O

próprio aluguer de casas era complicado. Por isso viviamduas a três famílias na mesma casa e esse problema foi-seagravando.Parte deste problema foi resolvido com os tais primeiros

prédios, lotes altos. Mas ainda ficaram muitas situações por resolver. E, com a inexistência de fiscalização, as pessoas começam a ocupar os quintais das casas, o quedescaracterizou o bairro. Grande parte delas deixaram deter os quintaizinhos e a Câmara, após a construção doslotes cor-de-rosa, desinvestiu, ou melhor, nunca investiu defacto nas casas de alvenaria.Durante estes 50 anos as casas de alvenaria apenas foramrebocadas em 1973. E apenas na parte exterior. Foramrebocadas e pintadas. Mas penso que estragaram mais do

80 PORMENOR NO ARRANJO DA CASA(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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que pintaram. Para além de partirem os tijolos, o proveitofoi menor que o estrago.(…) Nunca houve investimento daCâmara nestas casas porque, possivelmente já estava emmente deitá-las abaixo um dia… Quem tinha alguma

possibilidade foi arranjando as casas no interior. E hoje nãoestarão tão más por causa disso, do dinheiro que os

próprios moradores foram investindo em casas que, afinal,nem eram deles. Eram da Câmara. Os que não tinham essa possibilidade, aquelas casas que foram sendo ‘volantes’,que tiveram vários ocupantes deterioraram-se mais edeterioraram as que estão ao lado.” (António Cristino,morador)

“Há uma fase em que não houve quem gerisse, quemacompanhasse… O bairro fica entregue aos moradores ecada um faz crescer a casa à sua maneira… E é depois queaparecem as notícias que referem o Bairro Padre Cruzcomo o “bairro de lata”… O que esquece tudo o que aqui

se viveu e construiu. Também houve pessoas que nãoconstruíram, abarracaram… porque não houve cuidado deestimar, um respeito pelo que o bairro era… Era o bairrodas vivendinhas porque eram as tais casinhas cada umacom o seu jardinzinho à frente e atrás que depois se

perdeu… O bairro era reconhecido pelas ruas, pela belezadas casinhas… Era! E porque se perdeu? Porque, depois,não houve mais investimento, não se fizeram casas, osfilhos não queriam sair do bairro e o que se faz? O que se

pode fazer?… Cria-se mais um anexo, a seguir mais umquarto e cresce e cresce… e esticam, e deformam aestética original… E as famílias envelheceram, as casasdegradaram-se e depois vai ficando este bairro triste.Deixou-se morrer a verdadeira história do bairro. Deixou defazer sentido…”(Mário Guerra, ex-morador).

Talvez não fosse a “verdadeira história” do bairroque morria… Era, antes sim, a imposição dos outrostempos e de outras necessidades. Lembremos: “Ostempos mudam e a gente também muda”, afirmou José

valente. A segunda geração, dos filhos que permaneceramno bairro, já se vão representando como cidadãos de

direitos e de voz, capacitados para desenvolver estratégiasque contrariarem a sujeição a uma ordem ou “destinosocial” que os progenitores conheceram durante o regime

(3)do Estado Novo . A vitalidade do movimento associativo,as novas iniciativas que estão na origem de novos clubesilustra este outro ímpeto que acabamos de referir.

O movimento associativo e os novos clubes – “muitacarolice e orgulho bom”

“Era um bairro muito clubista”Vitor Aveiro, vogal do Desporto/JFC

“O bairro tinha muito orgulho nos seus clubes”Fernando Pereira, ex-morador

Tal como ocorrera com a origem dos dois clubes jáidentificados – O Unidos e os Amigos da Luz – e quemarcaram a génese do movimento de cariz associativo nobairro, a formação de uma estrutura clubística, regular esólida tem sempre o seu início em encontros informais,irregulares e descomprometidos. Todos os clubes têminício em reuniões entre amigos que aqui ou ali se juntamem torno de um gosto ou pretexto comum – o gosto por

jogar à bola é o exemplo mais frequente. Nesta fase confirma-se o gosto pelo “bichinho” doassociativismo. Os clubes já criados (“Amigos da Luz e “OsUnidos”) reanimam as dinâmicas e promovem váriasiniciativas com novos fôlegos. E outros protagonistasentravam em campo confirmando os clubes como agentesfundamentais na mediação e representação da imagem do“nosso bairro” no exterior.

Clube Atlético e Cultural – “todos iguais, sendodiferentes”

Em 1974 foi fundado o Clube Atlético Cultural. Foina paróquia da vizinha freguesia da Pontinha que esteclube recebeu o seu primeiro estímulo pois era ali quepartilhava um espaço comum com a Juventude Operária

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Católica (JOC), também da Pontinha. Já em 1971, umgrupo de estudantes universitários queria levar adiante umprojecto desportivo e cultural a que denominaram “Cultura,Assistência e Convívio” inspirados no lema de FernandoPessoa – “o Homem sonha e a Obra nasce”. E a obranasceu. O desporto já havia sido compreendido como

instrumento eficaz na integração e coesão sociaisconseguindo validar o sucesso de jovens deslocados doambiente escolar. Durante muitos anos as relações do CACcom os demais clubes desportivos do bairro foram tensasna medida em que, naquela perspectiva, “não estátransparente” a atribuição do campo desportivo a “umclube de fora” – do bairro e da freguesia. De qualquer modoo CAC desde sempre investiu no recrutamento de jovensatletas entre os moradores do bairro de modo a esbateresse estigma de “clube de fora”.

“O CAC cruza-se com a história do Bairro Padre Cruz numa série de vectores – o mais importante é no campodesportivo, nomeadamente no futebol. Porque é dosmaiores clubes de Lisboa e o maior de Odivelas e, como tal,as crianças e as pessoas percebem que fazemos umtrabalho em termos de formação – enquanto atleta eenquanto cidadão. Nós não damos importância apenas aoaspecto físico mas também à relação com a escola. Temque haver a componente desportiva, social, familiar e dedivertimento…O bairro tem um problema – as gerações mais velhas têmum ódio de estimação em relação ao clube – mandam-nosir para a Pontinha quando somos de Carnide. Isso não faz

sentido nenhum porque as nossas instalações e grandenúmero de associados são de Carnide apesar de a nossa sede ser na Pontinha. Com as gerações mais novas não éassim. O diálogo é muito mais fácil. Toda a gente sabe que

só trabalhando em conjunto é que as coisas avançam.. E se há questões pessoais elas não devem ser misturadascom as questões do clube. Mas creio que isto mudoumuito… tenho mudado muitas mentalidades… sou muitofrontal e temos que ser honestos, transparentes. Não faz

sentido que num bairro um seja mais vizinho do que outro.

Essa mentalidade tem vindo a alterar-se. Somos 3 clubesdo bairro, independentemente da nossa sede na Pontinha.Porque 90% da nossa atividade é em Carnide.” (VitorCacito, presidente do CAC desde 2009)

Grupo Recreativo Escorpiões Futebol Clube – os“toupeiras” A história deste clube é exemplar em muitosaspectos(4). Foi narrada por Emídio Silva, seu fundador. A

vivacidade e interesse do seu testemunho levam-nos aconsiderá-lo património do clube, e do bairro. Por essemotivo, mantivemos grande parte da sua sequência.Escute-se:

“A actual sede dos Escorpiões tem muito da sua história alimontada. Porque não foi ali que o clube nasceu… a ideiado clube nasceu entre um grupo de adolescentes, quatroou cinco amigos admiradores e praticantes de futebol, que

se reuniam à conversa nas escadinhas da rua Rio Mira. E perguntámos: porque é que não fazemos um clube defutebol na nossa rua?Éramos onze e tivemos a ideia de formar uma equipa defutebol. Fizemos essa equipa e comprámos trezeequipamentos. Eu e Manuel Joaquim já trabalhávamos eadiantámos o dinheiro. Começámos a jogar com o CasaPia.Começou a haver pressão dos nossos pais para formar umclube pois ficavam impressionados quando nos iam ver

jogar. Diziam que nos ajudavam, que se estabelecia umacota simbólica… e, então, decidimos fundar um clube –Escorpiões Futebol Clube. Fundámos o clube nesse dia, 2de Agosto de 1976. Foi o dia em que fomos comprar osequipamentos. O nome resulta de termos começado por

ganhar os jogos todos e houve um senhor que disse quenós éramos como os escorpiões – deitávamos o “veneno”,no bom sentido. Porque íamos ganhando todos os jogos.

Sempre que jogávamos, ganhávamos. A primeira sede foi a minha casa. Reuníamos à noite para pla nea r jog os, ver est rat égias e as coi sas foram

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acontecendo… Sempre com o apoio dos pais – a minha sogra era uma activista do futebol, gostava muito de nós eficou a madrinha do clube. Num mês, mês e meio tínhamos90 pessoas a quererem ser sócios.Pedimos apoio logístico a um outro sócio amigo – o Álvaroda Pontinha – que ofereceu uma cave e ali pusemos as

taças. Era nossa primeira sede. Era bom para ele porquelevávamos movimento e dinheiro, e era bom para nós quereuníamos ali. Ali estivemos dois anos.Depois, na Rua do Rio Mondego houve um vizinho – o

Alfredo Amaral – que nos alugou uma garagem já aqui nobairro. Essa, foi a nossa primeira sede verdadeira.Comprámos uma máquina de café de saco, todacromadinha, toda bonita. Tínhamos lá o emblema do clube(…) Passámos uns anos bons na garagem do Alfredo. Foi,de facto, a primeira sede aberta ao público. Só o sócio

pod ia frequen tar as instalações. Não acei távamosqualquer pessoa, éramos um clube de bairro. Tínhamos asinscrições sempre fechadas para evitar problemas. Nuncahouve zaragatas dentro das sedes (…). A sede estavaaberta mas nós não estávamos legalizados e tínhamos queo fazer, arranjar 21 assinaturas de adultos comresponsabilidades. (…) E aí tivemos que alargar o círculode sócios. Fomos à Federação Portuguesa de Colectividadede Cultura e Recreio. A direcção era mesma dos rapazesdas escadinhas. Ainda hoje temos a escritura dosEscorpiões (…)Depois deu-se lugar a outras actividades de desporto quenão só o futebol. Entraram outras direcções. Houve o ZéLuís, por alcunha o Zé Lagarto, que foi uma pessoa muitoimportante para o clube. E o que foi engraçado é que,

primeiro, ele era contra os Escorpiões porque morava pertoda sede e nós fazíamos barulho… Mas o que é certo queele fez-se sócio e, depois, fez parte da direcção e foi um

grande incentivador e dinamizador do clube. Foi uma pessoa que fundou a juventude escorpionina onde tivemosde 150 a 200 crianças com várias actividades desportivas.Ele esteve 10 anos na direcção e eu estive sempre com eleem cargos distintos… E foi através dele que conseguimos anova sede.

Conseguimos ter teatro nos Escorpiões graças ao ZéMartins. Estivemos três vezes no S. Luís com a peçaFogueira de Natal. Uma peça do Bento Martins, ensaiada

pelo Zé Martins. Tivemos que alugar um autocarro de doisandares para levar as crianças para o teatro…Mais tarde veio o futebol de salão, futebol de cinco. Não

podíamos ser federados porque já havia o clube dosUnidos, aqui no bairro. A juventude escorpionina foirareando porque as gerações seguintes, os netos, já não

são tão afoitos às colectividades. E a tendência dascolectividades é para irem desaparecendo a pouco e

pouco. A realidade é esta – não havia quase alternativas, asdiversões nós não podíamos frequentar financeiramente.Hoje qualquer pessoa pode ir. Eu já vir morrer váriascolectividades... o Andorinhas, os Amigos da Luz, já vi osUnidos no auge, na 3ª divisão.”

A história da sede que falei no início tem uma história muitointeressante. Aquilo era um depósito da Câmara Municipalde Lisboa, muito pequenino, uma cave num prédio. Umlocal de arrumos dos carrinhos dos almeidas. Aquilo eramuito baixinho, não conseguíamos andar lá dentro em

pé…. Não dava para meter uma máquina para escavar.Mas o Zé Luís, dinâmico como sempre, arranjou solução –vamos comprar dois carrinhos de mão, picaretas, pás eenxadas e vamos começar a desbastar isto. O Zé Luísimpulsionou imenso e começámos mesmo a escavar…Hoje pensamos a loucura e o perigo que foi! Fomosconsiderados as toupeiras pela CML. É uma história demuita persistência. De muito trabalho e esforço conjunto.(…) Nesse ano ficámos sem dinheiro nenhum porqueaplicámos tudo nas ferramentas… Conseguimoscondições especiais para conseguir fazer isto, com muita

ginástica financeira. (…) A sede abriu há 23 anos atrás. A sede era toda verde e preto que é a cor dos escorpiões.Trabalhámos aqui muito. (…) Fizemos coisas muito boas ebonitas.” (Emídio Silva, sócio fundador e ex-director, ex-morador)

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ALGUNS FUNDADORES D'OS ESCORPIÕES, ANOS 80(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

NA GARAGEM DO SR. ALFREDO AMARAL, 2010

JUVENTUDE ESCORPIONINA

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Clube de Futebol Os Unidos – “os anos de boamemória”

Na conjuntura das movimentações sociais quedescrevemos, merece referência especial o ano de orgulhod’Os Unidos. Um clube que fundou raízes firmes no bairro,

uma referência forte para várias gerações de sócios e de jogadores e cujo empenho chegou a patamares de famanunca sonhados…

“Em 1977-1978 estivemos na 3ª Divisão do CampeonatoNacional. Foi a fase de ouro do clube. Viajámos até àMadeira, tínhamos muitos adeptos a apoiar-nos… foimuito bom. Às vezes, quando íamos jogar fora, era mais

gente nossa a apoiar do que a gente que jogava em casa.Conseguíamos mobilizar muita gente, iam camionetas,excursões… Foi quando estivemos na 3ª Divisão Nacionale se disputou a Taça de Portugal contra o Vitória deGuimarães que ganhou por 2-1. Mas primeiro o resultadoesteve por nossa conta. Foi em 1977/78. Quem treinavaera o Carlos Bandeirinha. Ainda aí está. Era muita carolicee orgulho bom. Nessa altura nem todos tinha possibilidadede dirigir um clube, era preciso pulso e trabalho e, também

por isso, tínhamos muito orgulho nos resultados quevieram depois. E o que desejo para o clube é que consiga

superar as enormes dificuldades e levarem o bom nome dacamisola”. (Carlos Pedro, morador e ex-presidente doClube de Futebol Os Unidos)

Grupo “Amigos da Malha” – “não queremos que atradição se perca”

Tal como sucedeu com outras iniciativasassinaladas, o grupo d’Os Amigos da Malha surgiu dacamaradagem em volta de um jogo tradicional português e,ao que parece, de origem das Beiras – o jogo da malha.Uma prática desportiva que remonta a ambientes (etempos) da província e relembra um costume de convívioancestral. A preocupação em manter vivo o gosto por estaprática, a transmissão da “arte” às novas gerações, a

“naturalidade” com que o jogo entra nos quotidianos, orecurso a materiais de uso e manuseio fácil… têm sidoaspectos que o Grupo tem procurado defender como umuso e costume ancestral que faz parte do patrimóniotradicional e que importa preservar.

“Não queremos que isto se perca. As crianças jogam àmalha naturalmente. E isto estimula capacidades,concentração e o gosto pela competição tranquila… Todosos clubes têm para cima de 100 sócios, excepto os Amigosda Malha que têm à volta de 60. Eles limitam as entradas.” (Freitas, responsável pela área do Desporto da JFC)

Aos fins-de-semana e próximo da sede dosUnidos, em terreno de terra batida, regularmente juntava-se um grupo de amigos. Esses convívios de carácterinformal foram acontecendo durante a década de 70. Nosanos 80 “oficializaram” a sua identificação – “Os Amigos daMalha” – e, por ocasião da constituição da Associação deMoradores, em 1986, este grupo passou a integrar umasecção daquela associação.

Chegaram a incluir 50 adeptos mas mantém-secomo um Grupo informal, sem enquadramento legal.

Novo comércio: os mesmos espaços, outras funções

Vencidos os momentos mais intensos do períodopós-revolução, dentro do bairro também se registam aqui eali tímidas iniciativas de negócio, novos pontos decomércio. Mas importa ter presente que o comércio dobairro, por esta altura, já tinha a concorrência forte dosestabelecimentos da vizinha freguesia da Pontinha quetambém crescera significativamente. De facto, aproximidade, variedade e as mobilidades facilitadas (querpelo autocarro, quer pelo automóvel) fizeram doabastecimento na Pontinha o hábito mais frequente. Aindaassim, houve quem investisse em pequenos negócios nobairro. Reunimos alguns exemplos.

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A mercearia do senhor Fonseca Após o pós-25 de Abril verificou-se a desocupaçãodas casas destinadas às Oficinas de malhas e de costurabem como ao atelier de carpintaria, já foi referido. Surgempropostas para outros usos e funções, algumas, poriniciativa dos moradores. O caso da mercearia do senhor

Fonseca é um exemplo.“Nestes barracões havia casas de reparações deelectrodomésticos mas tinham muita dificuldade emmanter o negócio. Eu propus ficar com esses barracões.

Apresentei os pedidos. Assim, passaria a haver umamercearia para servir a população, pois a única era amercearia ‘casa branca’. Pouco mais naquela altura. Omercado só tinha a fruta e os legumes. E uma taberna parabeberem uns copos e jogar à malha. Por isso, umamercearia aqui iria dar muito jeito para as pessoas. Noinício correu muito bem, mas foi sempre um negócio paraas pessoas que moravam aqui à volta. Um negócio de

proximidade. Tinha um ambiente de família. As pessoas podem comprovar que eu tenho sido “o Fonseca” querealmente está sempre pronto para ajudar, para facilitar…“leve lá que paga depois”. Ainda hoje, para mim, a amizadeconta mais do que o resto do negócio. Eu gosto de passarna rua e dar-me bem com toda a gente.

Antes de 1979 foi a loja de roupa (…) Alguém me acenoucom a possibilidade de ocupar estes barracões e eu penseiem fazer aqui uma camisaria… Não tinha nada a ver commercearia porque eu nem percebia desse negócio. Hoje,ainda tenho essa parte aí com venda de roupas porque foium hobby que ficou. Fabricávamos camisas e batas pormedida e fiz uma loja de roupa porque as pessoas iam pedindo. Era uma pequena fabriqueta de costura. Foi em1979. Era uma pequena oficina de confecção. Vendia paraas pessoas do bairro mas cheguei a ter encomendas defora, para lojas. Forneciam os tecidos e eu fabricava, aminha mulher cortava e eu costurava…Não empregava

pessoas do bairro. Só empreguei pessoas após montar amercearia. Só mais tarde, quando se deu o 25 de Abril éque mudei para mercearia. Isto foi uma sobrecarga muito

grande, isto vai morrer tudo. É uma pena o negócio dasmercearias acabar…“(Joaquim Fonseca, comerciante emorador)

O velho mercado O comércio do mercado – recuperado a partir da

antiga vacaria – conheceu um período difícil durante adécada de 70-80 e não recuperou a importância junto dosresidentes pois este, foi um equipamento que osmoradores não valorizam, actualmente. Para issocontr ibuíram vários factores. Por um lado, odesinvestimento camarário na manutenção e cuidado como edifício que se foi degradando e ficando pouco apelativo;o preço das rendas das lojas e a rentabilidade de negóciosque dependem de populações de fracos recursos; a maiormobilidade dos moradores (muitos filhos, da segundageração, conseguiram adquirir automóvel e abastecem-seem outros locais) e a proximidade com a freguesia daPontinha.”.

De qualquer modo, a título de “ilustração”incluímos o breve depoimento do café do Quim que asomar aos outros (novos) pequenos comerciantes dadécada de 70-80 (tabacaria/papelaria, cafés, cabeleireiro,talho, churrasqueira…) são reveladores dos custos dasobrevivência dos negócios no bairro.

O café do Quim Bem localizado, na rua principal, este café é pontode encontro entre moradores de todas as gerações.Merece o breve comentário que, mais recentemente, asimpatia e experiência dos funcionários (Miguel e Paulo)dão vida própria ao balcão (e, hoje, para “sentir” um poucoda vida do bairro, basta o instante de uma bica...)

“Conheço o bairro há uns 30 anos (…) Depois, apareceu a possibilidade de ficar com o negócio. Já cheguei a termesas aqui. Era para os velhotes. Sentavam-se aí, jogavamcartas, damas, dominó… Hoje não tenho interesse em teras mesas porque a casa não é muito grande e as mesasatraíam um certo tipo de clientes que não nos interessa… e

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quando os velhotes queriam, acabavam por não ter namesma… Quando há um petisco ou assim, voltamos a poruma mesa. Mas este mercado não está tratado ao mesmonível do que outros mercados – o de Benfica, Sete Rios, oRato. Este mercado não tem fiscal, nem segurança nem

policiamento. Para todos os efeitos este mercado não

existe – alugaram a loja a cada um, que paguem a renda, aágua e luz e que se desenrasquem… De um do geral, as preocupações que aqui estão traduzem as preocupaçõesde todos os comerciantes do mercado. As questões delimpeza das ruas, também. Hoje há um grande descuido eninguém sabe quem é responsável pelo quê…”(JoaquimMarques, comerciante).

Outros projectos pioneiros – o primeiro apoiodomiciliário da SCML

Desde 1978, e após o período mais revolucionárioe conturbado, a SCML reentrou no bairro com outraestrutura organizativa. Entre os apoios que disponibilizavapara a população idosa, houve notícia de um projectopioneiro – o Apoio Domiciliário. Esta valência de apoiofundamental só seria inscrita, formalmente, na estruturaorgânica da SCML perto dos finais de 90. A inspiração podeter vindo do trabalho conjunto com as irmãzinhas daAssunção e moradoras no bairro (Albertina Lopes e IsabelMaria).“Quando entrei para a SCML entrei com um projecto

pioneiro com a D. Isabel Maria (minha sogra) que foiconvidada através das Irmãs de Caridade de N. Srª da

Assunção, que tinham um trabalho muito meritório aquidentro do bairro. Começámos só as duas, em 1978. Eraum tipo de “apoio domiciliário” mas muito diferente do queé hoje porque naquela altura era praticamente o trabalhode mulher-a-dias. A falta de apoio era tanta, tanta, quetínhamos mesmo quer começar primeiro pelo mais básico

para sentirmos que tínhamos feito algum trabalho de ajuda(…) Foi muito inovador, na altura. Havia pessoas em

paupérrimas condições, a viverem com galinhas, com patos (…) O trabalho foi sendo cada vez mais exigente e

estruturado. Este apoio era feito aos idosos do bairro, prioritariamente aos que não tivessem rede familiar deapoio.” (Albertina Lopes, ex-moradora e técnica doPolivalente da SCML)

1980-1990 – A(s) cultura(s) de bairro, o capital social

comunitário Tal como já referimos e sublinhámos, a localizaçãogeográfica e organização vicinal do espaço – facilitadora deencontros e de reencontros – o semelhante perfil dosmoradores e a oferta de equipamentos suporte aos usos doquotidiano… foram criando e consolidando redes deconvivência, sociabilidade e associativismos vários quefortaleciam o sentido de pertença ao território e uma“cultura de bairro”, apesar do torvelinho social que revolvetodo este período. A representação que o bairro constróisobre si mesmo devolve essa imagem positiva dacomunidade com os seus núcleos próprios e focos deinteresse vários… Pensava-se e vivia-se como comunidade“e isso abria-nos a relação aos outros. Não vivíamosguetizados. Abríamo-nos e relacionávamo-nos com osoutros.” (Fernando d’Oliveira, morador)

As festas, os santos populares – “cada rua era umpalco”

Marcha do Bairro Padre Cruz

Esta é a marcha //Assim, a cantamos.O Bairro do Padre Cruz// Onde sonhamos.

Ruas, são rios de Portugal.Os moradores!// Com alegria vamos cantar Porque o Bairro //Tem os seus valores

E sem rival!Agostinho Coelho Cristino (morador)

Durante as décadas de 70 e 80, apesar daprogressiva degradação, o bairro (de alvenaria e de lusalite)recuperou a vitalidade. Quer através das iniciativas dos

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GRUPO DE EXCURSIONISTAS (sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR

JOVENS DA RUA DO RIO COURA(sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

NOITE DE FADOS NO SALÃO DE FESTAS(sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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moradores, quer no dinamismo comunitário a partir dascolectividades existentes (Unidos, Amigos da Luz,Escorpiões…). As festividades adequadas ao ciclo do ano –os bailes de máscaras, as famosas marchas pelos santospopulares,… – são lembranças vivas entre todos osmoradores. Nesta fase, a solidariedade entre os residentes

da mesma rua e a sã rivalidade com as demais… retomame proporcionavam um (novo) ambiente de comunidade vivae saudável – “o Bairro Padre Cruz era o príncipe dos bairrosde Lisboa!”, sintetizou Mário Guerra.

“Às festas do bairro, às festas da rua, ninguém falhava…toda a gente ali estava. Nunca deixávamos escapar asdatas. O Carnaval também era vivido por ruas. Tinha queacontecer sempre qualquer coisa. Mascarávamo-nos emcasa sem ninguém saber e, depois, aparecíamos na ruatodos de repente, já mascarados, para vermos o espantodos vizinhos… Estávamos sempre a pensar nas surpresasque podíamos fazer aos vizinhos, … cada rua era um palco.Nasci e cresci na rua mais bonita do Bairro Padre Cruz

porque a nossa rua era isso mesmo – uma família. Se umavizinha tinha um problema, as outras 19 vinham perguntaro que tinha acontecido. E tudo acontecia naquela rua!

Aquela rua era uma animação… É a rua do rio Sabor.Nessa rua acontecia tudo. Desde arraiais populares, afestas, almoçaradas que se organizavam entre vizinhas,entre as 20 casas daquelas rua, o montar de um tribunalquando havia desavença entre duas vizinhas e que na horatinha que se resolver… É um bairro de raiz provinciana e a

província é muito isto – a entreajuda, a proximidade, o estar sempre próximo para dar e receber. E vivemos as coisas

mais bonitas… Nós fomos criados ali uns 8 a 10 miúdos damesma faixa etária, ainda passámos pela fase de pedir umtostãozinho pelo Stº António…E, depois, quando haviacasamento, varríamos a rua de alto a baixo para estar tudomuito arranjadinho, tudo muito limpinho para aquiloacontecer…” (Mário Guerra, ex-morador)

Em paralelo, os clubes do bairro, também eles,promoviam fortes relações e convivências. Os clubes,

rapidamente, sediaram a organização destes entusiasmose os festejos eram aproveitados para “dar força ao clube” e,ao mesmo tempo, testar e rivalizar a popularidade entrecada um deles. As festas passam a ter a assinatura dosclubes… (os arraiais dos Amigos da Luz, dos Unidos, dosEscorpiões…). Porque cada um queria inovar e

surpreender tudo e todos.“Eu era ainda uma jovem e percebi que este era um bairrode gente trabalhadora, alegre, que investia muito nas suasatividades, nos clubes. Cada uma investia no seu clube

porque também havia uma certa conotação política com osclubes e as pessoas canalizavam muito as suas energias

para o seu clube… defendiam muito os seus clubes commuita genica e iniciativa.. Havia um gerir das relaçõescheios de festas e de iniciativas. Era um bairro que mexiamuito com a minha maneira de ser… Fiz várias letras paraas marchas do bairro.”(Albertina Lopes, técnica da SCML,ex-moradora).

O reanimar da paróquia – “uma paróquia de relação”

Durante o torvelinho da década de 70 os ânimosexcederam-se, percebeu-se. Porém, quando entramos nadécada de 80 o fulgor da paróquia reanima-se e reaparecenum “território social”, agora, muito disputado. Asiniciativas paroquiais já não são únicas nem surgemisoladas como acontecera em tempos do início do bairro.Nos anos 80 enfrentam a concorrência das colectividadesque se multiplicavam entre desafios e convivências. Dequalquer modo, nesta fase, a paróquia conseguiu impor-se, de novo. O facto de ter sido reconhecida como paróquiade Nossa Senhora de Fátima, reforçou muito o papel daigreja no bairro. Esta autonomia consolidou a áreaespecífica de intervenção nas funções rituais que lhe sãoinerentes: celebração de baptizados, primeira comunhão,casamentos, para além da acção regular da catequese.

Também as homílias do Padre António Baptista são muitolembradas, e enchiam as assembleias dominicais.

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MARCHAS NAS RUAS DO BAIRRO(sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

FESTA DE PASSAGEM A PARÓQUIA,1984 (FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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“A grande força da paróquia foi de 1981 até 1987-88. (…)Recordo que, na altura, se criou uma dinâmica muito forteque ultrapassava a própria paróquia. Houve situações emque na Missa de Domingo das 10.30, que era a missa dacatequese, nós tivemos que pôr pregos e cordas parareservar os nossos lugares. Aconteceu com o actual Padre

Baptista. Criou-se ali um movimento tal que tínhamos quearranjar estratégias para antecipadamente garantir osnossos lugares. Muita gente ficava fora da igreja. A igrejaficava repleta. Isto aconteceu durante dois ou três anos. Foiuma altura em que também se faziam muitas festas no

próprio ba irro, faziam-s e excursões, passeios , oencerramento do ano era sempre feito no pinhal da Paiã,

perto da Pontinha. Houve um momento em que a paróquiafuncionou como um grande ponto de atracção e deconvergência. E isso ia muito para além da questãoreligiosa…Tudo tem os seus períodos. O Padre Baptistatinha chegado de África e tinha uma forma de comunicarque era invulgar. Durante a missa circulava entre as

pessoas e falava com elas. Ele fazia a homilia entre as pessoas, escutava os miúdos, ajudava… havia ali umaforma de comunicar que, depois, foi perdendo odinamismo…”(Fernando d’Oliveira, morador)

E é o próprio Padre António Baptista quem melhor recorda:

“O registo do primeiro baptismo ocorreu em 28 de fevereirode 1982 numa altura em que a situação de quase-

paróquia já permitia celebrar na capela N. Srª de Fátima.Nesse ano, registam-se mais 31 baptizados. E em outrosanos chegaram a celebrar-se 50 e 60 batizados. Os

baptismos são individuais, as famílias são humildes, nãohá grandes festas. Nas comunhões, sim. Chegámos a fazerem dois turnos, dois domingos, por causa da assistênciados pais, avós e padrinhos. Era uma grande festa de

paróquia. A média era de 60 e 70. Pastoralmente nem seria muito correcto, mas tinha que ser… Em 1984 há oregisto do primeiro casamento na paróquia. Nestes anosforam dois, depois a média foi de oito, dez casamentos porano. Hoje, o casamento é um por ano.”

A gestão do bairro: uma gestão comparticipada

“Há uma base humana e de trabalho conjuntoque é capaz de trabalhar para prevenir as situações…”

Natália Nunes(SCML, em funções técnicas no bairro de 1973 a 1991)

Percebemos que a democratização do pós-25 deAbril tornou o governo e o Estado permeáveis às pressõesdos movimentos sociais da sociedade civil. Mas, tambémpor isso, nem sempre houve linhas políticas claramentedefinidas o que se reflectiu, necessariamente, nas políticasde apoio à habitação.

D e s d e o s f i n a i s d o s a n o s 7 0 q u e aresponsabilidade pela habitação social foi sendo imputadaàs autarquias, em várias modalidades de cooperação e deparecerias, ficou dito. Porém, o modo como a sociedadecivil e iniciativas privadas se articularam, em termosconcreto, dependeu das negociações e das forças vivas dopoder local. Nesta fase, e de um modo geral, assistiu-se aoalargamento progressivo da oferta de habitação social,através de entidades de natureza diversa – cooperativas,empresas privadas e IPSS… que usufruíam definanciamentos por parte do INH ou, no caso dosrealojamentos, com comparticipação a fundo perdido doIGAPHE (Silva, Nunes (1994). A partir de 1980, com a governação de KruzAbecassis (Aliança Democrática, até 1989), assistiu-se auma outra viragem no enquadramento da intervençãomunicipal em termos de habitação social, consequente dagradual transferência para os municípios daquelaresponsabilidade. Escusado será referir que a procura decasa por parte de largas franjas da população maiscarenciada continuava a crescer e que, dada a estruturalausência de alternativas, continuava a instalar-se nasdescontroladas periferias, pressionando a urgenteintervenção dos municípios.

Por outro lado, durante a década de 80, viveu-senão tanto a experimentação do poder local mas apolitização (e consequente partidarização) da sociedade

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BAPTISMO NA IGREJA DO BAIRRO,PADRE ANTÓNIO BAPTISTA (sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

PROFISSÃO DE FÉ,PADRE ANTÓNIO BAPTISTA (sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

CASAMENTO,PADRE ANTÓNIO BAPTISTA (sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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civil que cede a novas fracturas. E isso também se verificarána relação e negociação do Bairro com os poderes centrais,da cidade.

A gestão do Bairro Padre Cruz confirmava, agora, asua dependência directa da CML (através da DirecçãoMunicipal da Habitação, que já referimos) sem que

retirasse vantagens dessa proximidade. Um Plano deUrbanização do Bairro Padre Cruz foi aprovado em 1981, ea proposta de obra foi apresentada em 1986. A equipa daobra, constituída ainda sob a presidência de KrusAbecassis, foi dirigida pelos arquitectos Maria Rosa Leitão,Sousa Afonso e o engenheiro Carlos Pereira.

Dia após dia, mês após mês, ano após ano,acentuava-se a degradação das antigas zonas de lusalite ealvenaria sem que houvesse qualquer intervenção mesmoquando solicitada. Esta situação manteve-se até 1987 (!)conforme testemunha Elisabete Santos:

“Recordo-me que a casa tinha muito poucas condições.Tinha sido deixada em muito mau estado pelos anterioresmoradores. Aquilo que sinto hoje em dia é menos grave emenos doloroso do que sentia na altura (…). Não tínhamoscondições para tomar banho, não tínhamos condições

para cozinhar. Tínhamos uma cama sobre tijolos. Não era propriamente o espaço mais aprazível para se viver…Lembro-me que tínhamos que aquecer a água no fogão edepois verta-la no alguidar… Tomava banho no quarto.”

Por curiosidade vale referir que nesse ano de 1987foram efectuados os primeiros recenseamentos dosalojamentos precários. Com a colaboração do LNEC foi

criado um grupo de trabalho para caracterizaçãosociocultural das “populações mal alojadas” e prosseguirno planeamento dos realojamentos de modo a evitar a“desestruturação dos seus modos de vida” (Boletim GTH,50/51, 1986). Também nesse mesmo ano a CâmaraMunicipal de Lisboa interveio com um novo programa deapoio à construção de habitação com “fins sociais”. Taismedidas reconheciam a estrutural e persistente prioridadedo problema da habitação na agenda política camarária e

incluem-se no Plano de Intervenção a Médio Prazo (PIMP,Decreto-Lei nº 226/87, de 6 de Junho).

Foi neste contexto que surgiu o projecto relativo àconstrução faseada de um bairro novo de realojamento,com um total de 1 290 fogos, a construir em duas fases naparcela expectante dos campos de trigo. No ano seguinte,

em 1988, foram iniciadas as obras de preparação dasinfraestruturas viárias e do primeiro conjunto de edifícios dehabitação. Este projecto e obras prosseguiram durante omandato socialista, sob responsabilidade de JorgeSampaio. Enquanto isso, acentuava-se o desinvestimentono edificado do “bairro antigo” e o agravamento dascondições de habitabilidade. Já sabemos que as casas nãose adequavam às necessidades das famílias, e astransformações feitas pelas famílias prosseguiam porrazões da mais elementar sobrevivência, em muitos casos.

Por outro lado, o esforço concertado entrealgumas instituições, autarquia e moradores foifortalecendo uma outra “vida de bairro” mais conscientecivicamente e amadurecida politicamente. Entre tempossocialmente agitados, a figura de Maria Vilar Diógenes teveum papel decisivo neste processo, enquanto presidente daJunta de Freguesia de Carnide. Durante o seu mandato foiencetado um trabalho de proximidade junto dosmoradores, de auscultação dos respectivos problemas noterreno e o incentivo a uma gestão participada peloconjunto da comunidade.

“Estava a arrumar uns papéis nas gavetas da Junta deFreguesia… e dei conta de um ofício de aprovação, na

Assembleia Municipal de Lisboa, para a construção dequinhentos e tal fogos para substituir o bairro de lusalite,naquela zona da “casa branca” e para realojar moradoresao abrigo do PER [Plano Especial de Realojamento].

Abrangia moradores do bairro de lusalite, alvenaria, a população abrangida pela construção do eixo Norte/Sul. E,apercebi-me que era para continuar esquecido… na

gaveta. Como tínhamos várias reuniões com váriasinstituições e com a Câmara (foi na transição do presidente

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GRUPO DE JOVENS, ARRÁBIDA, 1988(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

GRUPO DE JOVENS, DIA VERDE, 1989(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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Abecassis para o Jorge Sampaio), divulgámos o “achado” junto da comunicação social e começámos a mexer-nos…Entretanto, a propósito de um encontro de bairrosdegradados que ia acontecer conseguimos reunir algumas

juntas de freguesia, divulgámos as nossas preocupações, eapresentámos algumas conclusões - porque já havia

estudos feitos. E foi a propósito deste assunto queformalizámos a existência da Associação de Moradores dobairro do Padre Cruz. Fizemos um grande plenário demoradores no salão de festas e havia muitos moradores dobairro de lusalite nos órgãos da Associação, e havia

parceiros como a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, oEng.º Fonseca Ferreira, União dos Sindicatos de Lisboa e oMDM (Movimento Democrático das Mulheres)….Foi umano de muita luta, a mostrar as péssimas condições emque viviam estas pessoas… Eram elas que falavam (… ) e aCâmara sentiu-se pressionada perante a evidência destasrealidades. Conseguimos que a população e os parceirosfossem ouvidos nos processos de realojamento. AComunicação Social teve um papel muito importante…(…)Não teríamos conseguido o que conseguimos – garantirque os realojamentos fossem, primeiro, para os moradoresdo bairro de lusalite – se não tivesse havido muita luta eempenho da nossa parte. Foi nessa altura que se constituio Grupo Comunitário com vários parceiros, com aMisericórdia, a Junta de Freguesia, a Câmara, associaçõese moradores como parceiros…”

“A Maria Vilar fez um grande trabalho junto com osmoradores. É uma grande referência em toda a freguesia”,é a opinião generalizada que lhe confere, sem dúvida, o

relevo de figura emblemática deste período, sem negar a(5)influência da questão político-partidária.” E estava abertoum novo capítulo nas modalidades gestão do bairro.

O Grupo Comunitário: reunir para prevenir

A comunidade foi firmando a sua identidade socialacompanhando dois processos fundamentais. Por umlado, a continuidade de um percurso comum de

experiências de vida e de trajectórias sociais (conformeesboçámos em capítulo anterior) que animavam aidentidade e a “cultura de bairro”. Por outro, um acumularde experiências que, face aos novos desafios, capacitava aconversão desse “sentido identitário” numa valia nova, em“capital social comunitário”.

“Houve aqui uma tradição associativa e comunitária que foiuma mais-valia efectiva. O envolvimento dos parceiros e otipo de relações que se criaram foram fundamentais.” (AnaViana, SCML, em funções técnicas no bairro de 1991 a1997)

Um capital social que, para além de absorveraquela “âncora identitária”, foi sendo capaz de conquistarpoder negocial perante a definição ou indefinição daspolíticas traçadas para o bairro, por parte do governo daCML. Vale referir que este “capital social comunitário” é umconceito rico e com interesse nas áreas da sociologia,antropologia e economia social… Sumariamentecaracteriza-se pelo facto de ser um recurso dascomunidades e não dos indivíduos isoladamente; ser oresultado de processos de socialização que unemrepresentações e expectativas; assentar numa cultura decooperação e exprimir-se em relações/redes desociabilidade que alimentam ambientes de confiança e sãopropiciadoras do envolvimento cívico e político; ser uminstrumento de capacitação/poder negocial – quer dosmoradores, quer das instituições a trabalhar no terreno –perante os desafios “externos” que se vão impondo emcada momento. Logo, este novo “capital social

comunitário” quer representar-se como um “valor activo”do Bairro Padre Cruz que promove, e é promovido, pelaconsciência e participação cívicas entre todos (moradores,técnicos das instituições, autarcas…) na definição doshorizontes desejáveis, e não desejáveis, para o bairro. Maseste capital novo também não era alheio ao investimentopolítico-partidário.

A constituição do Grupo Comunitário resultoudesse movimento participado e concertado entre

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responsáveis autárquicos (Maria Vilar Diógenes assumira apresidência da Junta de Freguesia de Carnide), algunstécnicos das instituições, designadamente da SCML(Natália Nunes e, mais tarde, Roque Amaro, da PROACT) emoradores que tiveram papel activo nas decisões para obairro.

Veremos que, a partir de agora, este capitalcomunitário assumirá maior expressão no jogo social epolítico entre o Bairro Padre Cruz e a gestão da cidade. Eonde o papel interventivo da autarquia se destaca emdefesa das forças partidárias que representa. Um capitalcomunitário que, a partir desta década, servirá comoinstrumento na reivindicação a um lugar de direito – e jánão à margem – no âmbito da discussão em matéria depolítica urbana ou em assuntos da gestão interna.

“O Grupo Comunitário do Bairro Padre Cruz ao contrário doGrupo Comunitário da Horta Nova, sempre foi maisinstitucional. Sempre foi mais de parceria do que de

participação.Parceria, no sentido que envolve os grupos institucionais; e

participação envolvendo mais os moradores de formaespontânea, aqueles que não têm voz organizada… Erararo aparecer lá moradores que não fossem porta-voz deuma associação, colectividade… (…) No início, acoordenação era eu quem a fazia como elemento neutro,como elemento que vem de fora. Depois, passou a haverum anfitrião rotativo… a escola, a polícia, o centro de

saúde… que dirigia a reunião. E sempre nesta lógica docircular e do inclusivo e sem qualquer simbolismo. Naquelaaltura [anos 80] não havia uma cadeira, uma mesa que o

distinguisse dos outros.”(Roque Amaro, Proact/ISCTE, emprojectos de desenvolvimento local na freguesia durante osanos 80 e 90).

“O Grupo Comunitário surge nos anos 80 porque já se previa que o bairro ia sofrer grandes alterações. Era precisocomeçar a trabalhar com a população e os serviçosexistentes no bairro. Assim, a Misericórdia tentou fazeralgum trabalho com as associações envolvidas e outras a

envolver… Foram criadas duas associações a Associaçãode Pais e a Associação Juvenil – a ‘Renascer’ e foramcriadas para que pudessem depois, elas mesmas, criar ascondições para receber a população… A Associação dePais resultou de um trabalho de muitas e muitas reuniões.Quando o bairro é ‘invadido’ por nova população, os

serviços já estavam todos muito concertados e sabiammuito bem o que queriam para ali e, por outro lado, já haviamais repostas – a Associação de Pais. Um efeito dissomesmo foi o aparecimento da cantina na nova escola…"(Natália Nunes, SCML, em funções técnicas no bairro de1973 a 1991).

“Mais tarde, já na estrada dos anos 80, levantaram-sealgumas questões relativas ao realojamento. Depois surgiuo projecto ‘Integrar’, de Carnide. Era um projecto que

pretendia preparar e levantar algumas questões e prevenir para o que vinha a seguir. Por que previa -se umrealojamento maciço com pessoas oriundas dos maisdiversos locais da cidade e diferentes raças e etnias (…). OBairro do Padre Cruz sempre apareceu como um bairro

pacato, que até se distinguia de alguns dos outros por teruma população maioritariamente trabalhadora daCâmara. Pessoas pacíficas, trabalhadoras, integradas…Com o realojamento alterou-se mas, mesmo assim, nuncaatinge aquilo que se passa em outros bairros. Há uma basehumana e de trabalho conjunto que é capaz de prever e detrabalhar para prevenir as situações…"(Ana Viana, SCML,em funções técnicas no bairro de 1991 a 1997)

Poderemos arriscar que a figura de morador do

Bairro Padre Cruz adquire, a partir desta fase, um outrocontorno e significado. A consciência política e aparticipação cidadã assumem relevo e as reduzidas taxasde absentismo em todos os actos eleitorais podem servirde exemplo (Figueiredo, P. (2005). Foi a partir da década de80 que a voz comunitária subiu o tom e conquistou oespaço político à esquerda, a que não é alheio oinvestimento do trabalho autárquico e as diferentescoligações do partido político eleito na freguesia.

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Pelos finais dos anos 80, nos anteriores camposde cultivo que circundavam o bairro começaram a ser“plantadas” as fundações para uma parcela deconstruções que viria a ocupar uma extensa área de 28hectares. E que ficará conhecido como “bairro novo” nagíria local. Porém, a defesa da identidade local (da tal

“cultura de bairro”) será pretexto para novos confrontosentre “nós” (“os filhos do bairro”) e os “outros” (os novosresidentes, estranhos às origens do bairro). A animadacultura bairrista acabará por assumir compromissosterritorialmente vincados com o bairro antigo, o que darálugar confrontos que atravessarão o ambiente social dobairro durante o período seguinte, a tomar início na décadade 90, já sob orientação e concretização de um outroprograma político-partidário destinado à cidade.

Síntese Cronológica1974 a 1990: A vivência local do(s) poder(es) e da(s)cultura(s)

1974Revolução de “25 de Abril”. Início de um novo ciclo nahistória do país. O bairro vive muito perto mas “com grandeestranheza” os momentos da revolução pois o respectivoposto de comando estava instalado no vizinho Quartel deRegimento de Engenharia 1. Este quartel marca um doslimites físicos entre o Bairro/Pontinha e os concelhos deLisboa/Loures (a partir de 1998 será Lisboa/Odivelas).1974/75Após o golpe militar, a Câmara Municipal de Lisboa é geridapor uma Comissão Administrativa (três presidentes num só

ano) e são suspensos os anteriores planos para a cidade.Período de experimentação do novo poder localdemocraticamente eleito; intensas manifestaçõespopulares em Lisboa, e no país. Agravamento dasconstruções clandestinas e acolhimento dos “retornados”das ex-colónias; aumento da população residente nasperiferias desqualificadas.Em Carnide é deposto o anterior presidente da Junta deFreguesia e constitui-se uma Comissão Administrativa da

qual João Gualdino (residente em Carnide) foi o primeiropresidente (1974-76). Vivem-se momentos deconturbação social e tensão política. Os primeirosrealojamentos em prédios (200 fogos, em 10 edifícios de 5pisos) introduzem tensões nas relações entre moradores.Constituição informal da primeira Comissão de Moradores,

extinta após os primeiros realojamentos. Os moradoresfazem adaptações na estrutura original das casas dealvenaria e de lusalite devido à necessidade deajustamento às famílias residentes.- (06/05) - Criação do Clube Atlético e Cultural (CAC) comsede na freguesia da Pontinha mas com o campo de jogosem território da freguesia de Carnide.1976Lino Góis Ferreira é eleito presidente da ComissãoAdministrativa da CML. Em Carnide, Serafim Elias (PS) é oprimeiro presidente da autarquia democraticamente eleito(1976-79).Extinção das Oficinas da Acção Social da CML.

Transferência dos gabinetes técnicos dos Serviços daAcção Social da CML para o núcleo de Carnide emconsequência dos momentos de tensão no bairro.- (02/08) - Inauguração da sede dos “Escorpiões FutebolClube” na cave de um edifício da rua Rio Guadiana.1977/78Aquilino Ribeiro Machado é eleito presidente da CML(1977-80/Partido Socialista).1977/80Época de ouro do Clube de Futebol Unidos. Conquistaposição na tabela da 3ª Divisão do Campeonato Nacionalde Futebol; o treinador da equipa, Carlos Bandeirinha, é

morador no bairro.Criada a Direcção de Serviços de Habitação que integra oServiço de Realojamento que geria a atribuição de casasmunicipais.1978O Centro Social Paroquial de Carnide transfere para a SCMLa gestão dos equipamentos e das atividades sociais(creche, jardim de infância e apoio a idosos). A SCMLreaparece no bairro mais consolidada institucionalmente.

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Década de 1980Estabilização das tensões sociais no país, adesão àComunidade Económica Europeia (CEE). Krus Abecassis éeleito presidente da CML (CDS/PSD; 1980-89); períodoneoliberal, incremento da oferta da habitação social emcondições que não contrariam os padrões de vida

marginalizados. Em meados da década surge apreocupação com os bairros históricos e, em 1985, sãocriados os primeiros Gabinetes Técnicos Locais (GTL’s deAlfama, Mouraria, Castelo…). O GTH avança com umprimeiro plano de urbanização para a área “descampada” eexpectante do Bairro Padre Cruz.Em contraste, na freguesia de Carnide, afirma-se umposicionamento político de esquerda. Maria Vilar Diógenesé eleita presidente da autarquia em representação dacoligação da APU (Aliança Povo Unido) e será reconduzidano cargo durante 11 anos (1982 a 1993).No final da década de 80 é constituído o Grupo Comunitáriodo Bairro Padre Cruz para conciliar interesses entremunicípio, instituições e moradores, relativamente aosproblemas do realojamento do velho bairro de lusalite emfase de demolição por iniciativa camarária.1983 (01/09)Decreto de elevação da comunidade religiosa a Vicariato. OPatriarca de Lisboa, D. António Ribeiro, faz coincidir estadata com a memória dos 35 anos do falecimento do PadreFrancisco da Cruz, patrono do bairro.1984Celebração do primeiro casamento na (ainda) capela de NªSenhora de Fátima.1985 (12/06)

Assinatura do Tratado de adesão de Portugal à ComunidadeEconómica Europeia (CEE).As relações no bairro estabilizam; em outros moldes,reanimam-se convivências do bairro. A paróquia revitaliza-se com o padre António Baptista, sobretudo nacongregação da juventude (catequese e outras iniciativas).Os quatro principais clubes ou associações do bairro (OsUnidos, Amigos da Luz, Escorpiões e CAC) funcionam empleno. Os equipamentos de apoio da SCML (creche, jardim

de in fânc ia e cen t ro de d ia ) rea f i rmam-seinstitucionalmente.1985-1986Alterações ao primeiro projecto de urbanização do BairroPadre Cruz por técnicos do GTH1987

Criação do INH (Instituto Nacional da Habitação) e IGAPHE(Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacionaldo Estado) que, na linha de liberalização das iniciativas daAliança Democrática (AD), serão organismos responsáveispelo parque habitacional do Estado. Criação do Plano deIntervenção a Médio Prazo (PIMP) que estará na origem daerradicação das barracas no município de Lisboa (Dec-Leinº 226/87, de 6 de Junho).1987 (19/02)Decreto Patriarcal designando a elevação a Quase-Paróquia do Bairro Padre Cruz.1988Início da profunda transformação da paisagem envolvente.Nos campos de cultivo instalam-se as fundações para ofuturo “bairro novo”. A paisagem bucólica da “aldeiabranca” desaparece. Realojamento dos últimos moradoresdas casas desmontáveis de lusalite e demolição parcialdessa zona do bairro. A Junta de Freguesia de Carnide éparceira atenta.Extensão da rede do Metropolitano e abertura da estaçãodo Colégio Militar.1989Eleição de Jorge Sampaio como presidente da CML (até1995) – início de período de governação socialista(mantém-se até 2002). A questão da habitação social, as

degradadas condições dos bairros clandestinos e dos“bairros de lata” surgem como prioridades. Contabilizam-se 20 000 barracas que albergam cerca de 10% dapopulação de Lisboa. As periferias geográficas sãoperiferias sociais onde aumenta o número dos “malalojados”. Constituição formal da Associação deMoradores do Bairro Padre Cruz (com primeira sede nocentro cívico/ salão de festas).Joaquim Gomes, federado no Carnide Clube (e nascido no

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Bairro Padre Cruz) conquista a camisola amarela na Volta aPortugal em Bicicleta. Em 1991 repetirá a proeza e essasduas camisolas serão oferecidas ao Grupo Recreativo “OsEscorpiões”.

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Fase 31990- 2000: BAIRRO DE CONTRASTES – O ALVORECERDO BAIRRO NOVO E O ANOITECER DO BAIRRO ANTIGO

“Este bairro, tal como foi pensado e construído – sobretudo na década de 90 – poder-se-ia ter

transformadonum verdadeiro barril de pólvora.”Paulo Quaresma (ex-morador, presidente da JFC)

“O problema do realojamento é, antes de mais,um problema social e não um problema de edifícios (…) porque as pessoas não são coisas que se ponham nas

gavetas.”Isabel Guerra(1)

Novas políticas, velhas heranças: os “mal alojados”das periferias sociais

Sendo o Bairro Padre Cruz um bairro municipalficou evidente, ao longo deste percurso, que as diferentesorientações políticas na gestão municipal foramdeterminantes na evolução do bairro.

Além disso, as diferentes linguagens e prioridadespolítico-partidárias criaram situações complexas, impassese adiaram resoluções nas intervenções urbanas. A situaçãodos realojamentos no “bairro novo” e, depois, no vizinhobairro do Vale do Forno vincaram profundamente aspaisagens físicas e vivenciais durante este período.

Um período marcado pela governação socialista epor várias iniciativas para recuperar e reabilitar o parque

habitacional da capital, melhorar a qualidade de vida,integrar na cidade os bairros de realojamento municipal,fixar camadas mais jovens da população em Lisboa, cujocentro se despovoara, em contraste com o crescimentodescontrolado das periferias (Cardoso, Ana (2003). Umconjunto de medidas iniciadas, primeiro, sob a presidênciade Jorge Sampaio (1989-95) e, depois, seguidas por JoãoSoares (1995-2002), mas que motivaram avisadaspreocupações, sobretudo no que diz respeito às soluções

(2)encontradas em matéria de realojamento .

“O PER anuncia-se como essa política para as ÁreasMetropolitanas. Daí que seja pertinente a questão: valerá a

pena o pesado esforço financeiro e institucional daconstrução de bairros sociais, rapidamente transformados

em «guetos», onde as populações melhoram de «abrigo»,mas vêem agravados os problemas económicos, familiarese relações de vizinhança?” (Ferreira, A Fonseca (1994): 8)

Dada a estrutural ausência de uma verdadeirapolítica de habitação (Ferreira, Fonseca: 1988) antigas enovas populações continuavam a fixar-se nas (ainda)desqualificadas periferias (Benfica, Marvila, Olivais eLumiar foram das freguesias que, em Lisboa, mais

(3)cresceram…) . Volvidas três décadas, a gravidade doproblema da habitação reaparece, com nova veste e vigor,no discurso político:

“Todos temos consciência de que a habitação é um dos problemas mais graves com que o País ainda se debate(…) A degradação do parque habitacional e a manutençãode núcleos de habitação precária são geradoras de

situações de exclusão e marginal ização social queimpedem o pleno exercício de cidadania e marcamnegativamente a vida individual, familiar e colectiva (…)”

(4)(João Soares, presidente da CML, 1996)

Um discurso novo para identificar um velhoproblema que resiste a todas as novas linguagens econceitos. As “classes pobres” de outrora reaparecem

como os “mal alojados” deste presente. Por consequência,sobrevêm diversas iniciativas focadas no problema(5)habitacional do município . Surge o programa de

“erradicação total das barracas”, a concretizar até ao anode 2001. Um programa que teve grande ênfase nacampanha de Jorge Sampaio para a CML. Neste contexto, os serviços de gestão eplaneamento da CML também foram alvo dereorganizações (cf. Boletins GTH, designadamente a

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PLANTA DE LOCALIZAÇÃO DO "BAIRRO NOVO"

CONSTRUÇÃO DO "BAIRRO NOVO", 1990-91(CML, DCH)

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criação do DGSPH Departamento de Gestão Social do(6)Parque Habitacional ) com impacto evidente no

relacionamento com os bairros municipais. O GabineteLocal da Gebalis surgirá a partir destas remodelações.

Em 1995 prosseguia o plano dos realojamentosurbanos, sob a nova presidência de João Soares e vereação

da Habitação sob responsabilidade de Vasco Franco. Desteplano fazia parte o anterior Programa de Intervenção aMédio Prazo (PIMP, 1987, iniciado com Kruz Abecassis) eque justificou a demolição faseada do velho e pioneiro“bairro de lusalite”.

Porém, após a constatação do elevado número denúcleos de barracas recenseados no concelho de Lisboa edas limitações do PIMP, desenvolveu-se um outro e vastoplano: o Programa Especial de Realojamento (PER, fixadoem Decreto-Lei nº 163/93, 7 de Maio de 1993).Sustentada pelo PER confirmou-se a linha da actuaçãocamarária. Contudo, no que diz respeito aos realojamentosmunicipais, a tal resolução urgente e premente do“problema da habitação” acabaria por se restringir a jogosde equilíbrio entre quantitativos recenseados (quantasbarracas, quantos fogos disponíveis, quantos a construir?),subestimando aspectos fundamentais para o sucesso dasintervenções: a avaliação das reais condições – humanas esociais – que ao longo dos anos foram gerando aquelesdesequilíbrios e perpetuando a fragilização de amplascamadas da população; o continuado padrão,monoclassista e estigmatizante, das populaçõessocialmente mais vulneráveis e empobrecidas; osterritórios que lhes eram destinados e os modos deinserção; o plano e a estética de muitos bairros para

realojamento; o impacto dos realojamentos nos bairros deacolhimento, sempre geograficamente distantes eperiféricos; a desinformação e desacompanhamentoinstitucional vivido pelas populações: quer as que são alvode realojamento, quer as populações residentes nosterritórios municipalizados… entre outras situações queadiante melhor escutaremos.

O alvorecer do “bairro novo” – velhos problemas,novos impactos

Em contraste com a firmeza do programa políticopara a gestão da cidade, o Bairro Padre Cruz atravessou umdos momentos mais instáveis, tensos e intensos da sua

memória. No seguimento das directrizes de 1987 foi apartir de 1990 que se iniciou uma nova e determinantefase de evolução urbanística e social do bairro.

A paisagem física do bairro novo – o bairro dos blocoscoloridos

“Para mim, o que era importante,era criar um espaço público aprazível,

agradável, amparável.(…)Maria Rosa Leitão (arquitecta, GTH/CML)

“A gente tem que ir para a modernice, não é?”Armando Cipriano (morador)

Em 1988 já haviam sido colocadas as fundaçõesdo “bairro novo” programado para várias fases. No âmbitodo PIMP procedeu-se à construção de 81 edifícios (1 200fogos) entre 1989 e 1996; numa outra fase, iniciada em1997 e concluída em 1999, são construídos mais 22edifícios (272 fogos) sob a responsabilidade tutelar daEPUL.

Durante este processo de 10 anos (1989-1999)instalaram-se 1 472 fogos com diferentes tipologias (de T1a T4) com áreas e acabamentos bem mais “convidativos”,

é amplamente reconhecido. Tod av ia , o no vo mo delo pa isag ís ti co co ns tr uí dodiferenciava-se muito do “bairro antigo”, tanto ao nível doedificado como na organização dos espaços abertos epúblicos. Neste plano, os fogos apresentavam-sedistribuídos por edifícios de 3, 5 a 6 pisos agrupados emamplos quarteirões, em banda e em L, que as coresdistinguiam.

O uso do edificado destinava-se principalmente à

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JORNAL DE NOTICIAS, 28 DE MARÇO DE 1993

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habitação com alguns serviços de apoio e comércio local,complementares.

O desenho deste conjunto revelava umaacentuada preocupação com os espaços exteriores e zonascomuns. O espaço público ocupa uma grande área edesenvolve-se em ruas com maior largueza, amplas praças

para onde convergem os caminhos pedonais e viários,pracetas de lazer e de encontro ou ainda espaçosdestinados a ajardinamentos.

As acessibilidades transfiguraram-se dando lugara ruas e avenidas que facilitaram a mobilidade viária, semdúvida. Contudo afastam os convívios entre os residentes efalta a real integração na malha da cidade. Estas avenidasde intensa circulação automóvel introduzem novos eixos detensão e preocupação junto dos moradores e responsáveislocais atendendo à perigosidade e ao número de acidentesque ocorrem. Curiosamente, a diferença entre os dois bairrostambém é vincada ao nível dos nomes das ruas: atoponímia escolhida já não evoca memórias aldeãs nemtão pouco procura fluir solidariamente. Agora, as ruas

(7)recebem nomes de eminentes professores .Mas o que mais importa reter é que foi nesta

parcela do bairro que ocorreram todos os principaisinvestimentos públicos: as escolas (de 1º ciclo, PiteiraSantos, pré-fabricada e a futura escola EB2/3), o centropolivalente para acção social (infância, ATL e idosos; cujoauditório viria a ser distinguido com o nome da escritoraNatália Correia), pontos de comércio e equipamentos deparque infantil, localizados em espaços públicos e zonas

verdes …

Mais tarde, e após uma intensa negociação, oespólio e uso da biblioteca também conseguiu sertransferido da envelhecida e desadequada sala no CentroCívico para ocupar um novo espaço no centro polivalente(adquirindo o nome de Biblioteca Natália Correia, em1998).

Conforme referimos, o Plano de Urbanização doBairro Padre Cruz, que havia sido aprovado ainda sob apresidência de Kruz Abecassis, fora concebido pelos

arquitectos Maria Rosa Leitão, Sousa Afonso e oengenheiro Carlos Pereira. O testemunho da arquitectaMaria Rosa Leitão traz informação relevante na perspectivatécnica de quem pensa, projecta, intervém e qualifica oterritório:

“Marcar a diferença com o edificado e valorizar oespaço público”“Tomei como base esta linha de água, um canavial, umalinhamento de oliveiras e esta rua [rio Cávado] que seriammarcas que eu gostava de prolongar e de manter. Alinguagem arquitectónica resulta propositadamentediferente entre as duas zonas do bairro (…) porqueentendo que a nossa cidade faz-se por um somatório decontrastes, de variedade e de diversidade (…) É isso que

permite que passemos de um bairro para outro, numcontinuum edificado, sem que isso nos perturbe.

A questão fundamental com que aqui nos confrontámos foia implantação de um número determinado de edifícios,não muito altos. O limite eram os seis pisos (…) tendo ematenção o dimensionamento das praças. Porque a partirdisso perdia a escala. Mas vejo que o olhar estende-se, asruas estão equilibradas (…)O que era importante era criar um espaço público aprazível,agradável, amparável. Isso de amparar as pessoas quando

se sai de casa é muito importante… com as paredes, asfachadas dos edifícios, os diferentes usos… era importanteque houvesse também comércio, usos diversos para osespaços que justificassem o caminhar pelas ruas (…).

Aqui, a cor veio introduzir alguma diversidade nestaunidade. A marcação dos cantos, dos finais, das praças

eram pintados com cores diferentes – o amarelo, o laranja,o marfim e o branco foram usados com fins e marcaçõesdistintas. (…)Fomos responsáveis pelo espaço público e o desenho dos

seus ornamentos e arranjos. E essa foi a parte que me foimais agradável. A parte da habitação foi muito sofrida

porque era muito grande e eu tinha receio que nãoresultasse… Ao princípio surgiu um edifício desgarrado dotodo… era assustador. Mas, à medida que foi crescendo

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CONSTRUÇÃO DO "BAIRRO NOVO", 1990(CML, DCH)

PLANTA DO "BAIRRO NOVO", 1990(CML, DCH)

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começou a perceber-se a relação das coisas e das cores… As pessoas começaram a achar que aquilo tinha alguma graça, que podia resultar. E isso foi muito bom. E, de facto,a quantidade de imprevistos que surgem sempre nestasobras deveriam ficar registados nas fachadas dos edifícios

porque só quem os viveu é que sabe o que foi

acontecendo.” (…)Um bairro destinado apenas a realojamentomunicipal, porque…“Não fazia parte do projecto naquela altura, isto começou

por ser PIMP e depois virou PER e, quando foi feito, já todaa gente sabia que construir assim massivamente“habitação para realojamento” levava a guetos de todo otamanho. Por isso é que também era tão importante que oespaço público tivesse características que, de algum modo,

pudessem colmatar essa questão.Para já, afastado como estava, o bairro teria que ter aonível dos equipamentos básicos a oferta apropriada e,depois, que atraíssem e servissem populações vindas forado bairro, pessoas diferentes para que usassem tambémestes equipamentos. Havia uma série de intenções

pensadas para aqui que não se concretizaram (…) A selecção da toponímia das ruas foi-nos completamentealheia (…). Creio que foi da responsabilidade do Dr. João

Soares, vereador da cultura, à data. O presidente daCâmara era o Dr. Jorge Sampaio. E isso é só um exemplo

sem grande importância, mas que mostra como as coisasacontecem. Só soube, por exemplo, que a rua deBarcelona ia ser inaugurada porque vi os preparativos e

porque leio, depois.”

As estórias que os edifícios escondem“Costumo visitar o bairro, dou uma volta de carro para ver a

sua evolução. Porque estabelece-se uma cumplicidadecom o local onde se trabalhou. (…) Há uma particularidadeque fica sempre: quando olho para o edificado lembro-medos problemas que aconteceram, não vejo só por fora. Seio que o edifício guarda as dificuldades que tivemos. Nãoconsigo ter um olhar neutro, fica aquela cumplicidade…

Nos dias de sol este bairro tem um ar bem-disposto. Sinto-o assim, alegre. Com as árvores, as plantas… o jogo de

sombras. Outros dias sinto este bairro cinzento, tristonho…mas sinto-o diferentemente, como se estivesse vivo. Não éigual todos os dias. (…) Este bairro é diferente, sim. Nomais isento olhar sinto que é diferente, sim.

Toda a planificação do espaço, designadamente do espaço público a que foi dada particular atenção tomando porreferência critérios próprios, não foi pensada paracontrariar dinâmicas sociais “marginalizantes”. Foi paraconstruir um espaço digno mas segundo critérios meus.Um pouco à minha imagem….”

Independentement e do valioso testemunhoexistem considerações colocar: transcorridos 30 anos,com uma revolução social pelo meio, o que mudourealmente nas políticas de realojamento? Quais osimpactos sociais destes grandes conjuntos habitacionais?Em que medida estas acções e políticas de realojamentoforam (e são) mais eficazes na promoção da qualidade de

vida das populações? Afinal, mudar de casa teve efeitosreais no “mudar de vida”? Que aproximação houve emrelação à vida e problemas concretos das pessoas? Osnovos espaços de realojamento permitem, também, fixar orosto (humano) de cada um? E como foi este processo

vivido e avaliado pelos moradores e outras pessoasenvolvidas?

A paisagem vivencial do bairro novo – tensões econflitos

“O bairro exterior e o bairro interior são agora duas realidades” António Cristino (morador)

“Não criem guetos!”Luísa Monteiro (ex-chefe da esquadra do bairro)

As primeiras famílias realojadas no bairro novoforam, precisamente, as famílias que ainda permaneciam

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"BAIRRO NOVO" NA ACTUALIDADE

"BAIRRO NOVO" NA ACTUALIDADE

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nas casas de lusalite muito para além do seu prazo de validade. Só em 1994 é que foram demolidas as últimascasas do primitivo bairro de lusalite (previsto durar 15 anose persistiu 35 anos).

“Os primeiros realojamentos para os prédios foram para os

moradores que estavam na lusalite. E as casas quevagaram de lusal i te acolheram outros novosrealojamentos… Mas aquilo já não era um bairro. Eramumas ruas de lama verdadeiramente indescritíveis.Lembro-me de entrar numa casa em que tinha uma vala deterra a dividir o chão e a água corria no meio… e as camasdos miúdos eram tarimbas de madeira onde as criançasdormiam. Não queria acreditar que isso ainda existia em1995… parecia a Idade Média. Claro que havia casas maisarranjadas. Mas esteve assim pouco tempo porque depoisfoi demolido…” (Ana Viana, SCML, em funções técnicas nobairro 1991 a 1997)

Os moradores do bairro de lusalite foramtransferidos para edifícios previamente identificados a fimde manter as vizinhanças. Todavia, no novo edificado osmodos de relacionamento alteraram-se. Mais do que“vizinhos” passaram a ser “coabitantes” do mesmo prédio,de um mesmo território que muitos estranhavam. Estasnovas “paisagens interiores” acusavam a alteração nasanteriores redes de vizinhança, um menor investimento nasconvivências quotidianas e na ocupação dos espaçoscomuns. Estes aspectos são “compensados” com oinvestimento no conforto da nova casa que assumiuprioridade no projecto familiar.

“Claro que não se podem comparar as casas actuais com alusalite, onde eu morava, mas as casas do bairro novoobrigam a gastar lá dinheiro, a investir, a comprar tintas, a

pintar… sou eu que lá moro e gosto de ter as coisas emcondições. Em alguns prédios, por dentro, as paredesestão muito descuidadas. Mas não quero sair daqui. Nascie cresci aqui e quero continuar a viver aqui, não conheçomais nada. Em todo lado onde vá, o meu bilhete de

identidade é: Carnide, Bairro Padre Cruz!” (ArmandoCipriano, morador)

“Gostei quando mudei de casa, há 19 anos. Gostei muito. As casas de lusalite estavam muito degradadas, as pessoasfaziam gaiolas em todo o local. A casa é muito melhor mas

aqui é uma convivência diferente. O bairro está diferente.” (Lurdes Silva, moradora)

“Não gosto deste ambiente do bairro agora. Isto pareceque mudou tudo. Parece que ficaram vaidosos, que seacham importantes porque moram nos prédios. Julgamque são ricos. Ninguém se ajuda uns aos outros…

Antigamente íamos comer caracóis para os quintais unsdos outros. O meu marido também fazia churrascos…Quando alguém estava doente, iam logo ajudar. Haviamuita camaradagem e agora não há nada disso. Estámuito modificado, o bairro.” (Maria do Carmo Rocha,moradora)

“As pessoas viviam ao lado umas das outras. Agora vivem por cima. E essa diferença é muito marcante. Isso, simbolicamente, é muito importante… No viver por cima,não há relações de vizinhança. Saio do elevador, eacabou.” (António Cristino, morador)

“Às vezes, afasto as cortinas e vejo que aqui é gente detrabalho, gente sossegada (…) Ao pé de mim, escusam dedizer mal, que eu não deixo. Gosto muito de aqui morar.Quando foi feito o cemitério, pensei: Olha ainda bem!Quando morrer também cá fico!”(Nazaré, moradora)

Relembremos também que foi a partir de 1991que, em várias fases, foi chegando a população transferidados núcleos de barracas da cidade – Bairro da Liberdade;Quinta das Fonsecas; Quinta da Macaca; Azinhaga dosBarros; Quinta dos Milagres; Alto dos Moinhos, devido àconstrução do Eixo Norte-Sul... Num momento posterior, epor etapas, foram instaladas as populações oriundas daQuinta José Pinto, da Quinta José de Alvalade, de

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Campolide e da Ajuda. Após 1993 ocorrem novos realojamentos parareceber mais agregados familiares provenientes do Casaldo Sola, Alto dos Moinhos, Quinta do Pisani... Ascaracterísticas destes agregados são idênticas às outraspopulações realojadas na cidade durante aquele período,

mas muito diferentes do perfil da primeira geração dosanos 60. Agora, acusam débeis inserções profissionais oudesemprego; famílias desestruturadas, jovens e criançascom percursos de risco; diversidade étnica e cultural(angolanos, cabo-verdianos, guineenses e etnia cigana…),apesar da predominância da nacionalidade portuguesa;ligações a redes exteriores ao bairro, onde negócios ilícitose “marginais”, em alguns casos, servem de atractivo…

Ora, esta inserção num mesmo território depopulações com trajectórias diferentes, mas quepartilhavam o peso de fortes vulnerabilidades sociais, tevepor efeito avivar confrontos num lugar que muitosestranham, cada qual à sua maneira. Por outro lado, as recentes comunidadestransferidas de outros bairros sujeitaram-se a “mobilidadesforçadas”, a contragosto e algo compulsivas o quedificultava novas sociabilidades e as procuras deinterconhecimento …. Muitas delas (as populações deCampolide, por exemplo) foram instaladas no bairro com apromessa de que, posteriormente poderiam regressar paraos bairros de origem onde já tinham consolidado raízes eidentidade.

“Porque no bairro novo há o problema das diferenças deraças e há muitos que não se querem integrar. Não se

querem ‘encaixar’. Há muitos problemas com a integraçãodos negros. Creio que eles gostariam de estar todos juntos…” (Armando Cipriano, morador)

De todo este complexo mosaico de geografiashumanas e forçadas convivências resulta a insegurança por

viver num bairro a transformar-se no dia-a-dia. “Não meidentifico nada com o bairro como está agora”. A rua, astais ruas amplas, as praças para convívios são, afinal,

representadas como cenários de “perigos” e já não comoespaço de aprendizagem e sociabilidade. Devido aoshorários de trabalho sobrecarregados das famílias, ascrianças brincam até fora de horas (ficam “presas narua”!), longe das vigilâncias adequadas. As ruas perdem osentido e a coerência da intimidade e são percorridas

diariamente por populações que não se reconhecem noespaço nem se relacionam entre si. Mas que, contudo,carregam antigas e novas fragilidades sociais.

“Senti que houve, de facto, diferença no perfil das populações. E a maior evidência é entre a população maisantiga e a do bairro novo. Claro que também havia

problemas com crianças do bairro antigo, mais ligados ao problema do Portugal rural de antigamente: situações de pais alcoólicos, violência doméstica… Os problemas quevieram com as vagas novas foram, de facto, problemasurbanos e suburbanos , daque les pesados…toxicodependência, tráfico, pequena criminalidade… Enós dizíamos: “alguém está a criar um barril de pólvora aquie nós estamos sentados em cima dele”. Ao juntar aqui

populações fragilizadas de toda a cidade, juntavam pessoas com perfi s dif ere ntes mas com grandesvulnerabilidades… E ao fazerem estas vagas sucessivas derealojamentos não estavam a dar tempo para cimentarcada uma dessas vagas… Quando ainda estava a acalmarda ebulição, lá vinha outra vaga… e nós sentíamos que secontinuasse a esse ritmo, a qualquer momento poderiarebentar… Felizmente nunca aconteceu. Houve uma

grande, eno rme, responsabi lidade por pa rte dosmoradores e parceiros locais. Muito pouca ajuda exterior

houve.” (António Martins, professor e director da escola do1º ciclo; esteve em funções de 1992 a 2011)

O “bairro antigo” vs “bairro novo” – nós e os outros

"Isto, de facto, só não se tornou um barril de pólvoradevido ao trabalho do Grupo Comunitário

e aos moradores do bairro antigo“ (Paulo Quaresma, ex-morador, presidente da JFC)

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“E eu ficava triste porque via virem para aqui pessoas que nada tinham a ver com o bairro e era-lhes

dado casas…”Fernando Pereira (ex-morador)

Perante estas enormes transformações – físicas e

vivenciais – o “bairro antigo” também reage e defende-secomo uma pequena ilha de resistência e de sobrevivênciado “verdadeiro espírito” do bairro, fechada a tudo o que nãoseja “seu”, i.e., que seja diferente do “nosso bairro”. Aonível das vivências, das paisagens interiores, acentuou-sea demarcação entre modos de habitar os territórios: “bairroantigo” versus “bairro novo”. As duas margens nãointeragiam nem se relacionavam – os residentes da parteantiga evitavam as “zonas novas” – “nunca lá entrei, nãogosto nada”, dizem; e os residentes da zona novadesconhecem a história e edificado mais antigo – “nunca láfui… e parece que está tudo a cair”. Constroem-se limitesmentais e físicos – o(s) bairro(s) demarcaram-se por umafronteira que o atravessamento de uma rua concretiza – arua rio Cávado.

“O bairro tem evidenciado muitos conflitos entre “nós e osoutros”. Por cada vaga de realojamentos, sobressaiamessas fracturas. Reforçamos sempre a nossa identidadequando surgem os outros. A última vaga é sempre “osoutros”. E foi assim sucessivamente. E a história do bairroreflecte muito isso. Começa na parte antiga, na lusalite, edepois na alvenaria.Depois, os moradores do bairro antigo e bairro novo.Porque os do bairro antigo eram, na sua maioria,

funcionários camarários e, de facto sentiam que a sua situação era diferente dos recém-chegados…E até entre alusalite e a alvenaria essas diferenças se colocaram. Isso,eu senti.” (António Martins, professor e director da escolado 1º ciclo; esteve em funções de 1992 a 2011).

“Este bairro, tal como foi pensado e construído – sobretudona década de 90 – podia ter transformado toda esta zonada cidade num verdadeiro barril de pólvora. Tem todas as

características para o ser. Foi estrategicamente construídona ponta da cidade sem qualquer ligação fácil ao resto dacidade, há 50 anos atrás.Nos anos 90 a população do bairro antigo viu crescer todaesta zona. Durante dez anos foram, quase mensalmente,despejadas no bairro novas populações, sem qualquer

acompanhamento . Vinham de ou t ras zonasdesestruturadas da cidade, não tinham condições. Algumas vinham de barracas, nunca tinham vivido em prédios. Houve alguma resistência em vir morar para aqui porque era outra zona ainda desintegrada da cidade,distante do local de trabalho, sem ligações ao território.Não se sentiam nada acolhidos a viver aqui. Estavamreunidas as condições para que corresse muito mal.Do ponto de vista da população residente e consolidadatambém ela viu perder serviços e somar um conjunto defactores em desfavor da respectiva qualidade: as consultasno médico, a escola que servia ficou apertada e passou ater uma escola pré-fabricada, o campo foi substituído pornovos prédios, a envergadura das obras, os transtornos da

presença das máquinas; as pessoas criaram expectactivasde que esses prédios pudessem ser para “filhos do bairro”,

para desdobramentos ou para as casas de alvenaria que jáestavam também a acusar a degradação do tempo e dosusos, mas viram as casas serem atribuídas a pessoasexteriores ao bairro. Não foram em nada beneficiados coma vinda massiva das novas populações.

A situação não se tornou socialmente insustentável porquehouve aqui dois trabalhos fundamentais: o trabalhocomunitário já desenvolvido e o hábito de discussãoconjunta dos problemas; segundo – o perfil da população

mais antiga, a sua sedimentação e laços de entreajudacriados (…). Correram-se riscos muito grandes.” (PauloQuaresma, presidente da JFC)

101"BAIRRO ANTIGO" E "BAIRRO NOVO" NA ACTUALIDADE

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Vale do Forno – os “príncipes do nada” em terra deninguém

“E depois vem o Vale do Forno,que foi o maior atentado racista dos anos 90, em

Portugal”

Paulo Quaresma (à época, vogal da Junta de Freguesia)“As pessoas têm que fazer uma pergunta a elas próprias:

se eu tivesse vivido esta realidade, esta condição,o que é que eu seria, onde é que estaria?”

Luísa Monteiro (à época, subchefe da esquadra da PSPno bairro

Conforme temos verificado a história do BairroPadre Cruz cruza-se com a história da cidade em muitospontos. E a maior parte desses cruzamentos resultaram emfocos “problemáticos” devido às decisões na gestãourbana da própria cidade. Ora, um dos períodos maisintensos e tensos na vida do bairro correspondeu à fase emque nas suas proximidades – no Vale do Forno – foram

(8)realojadas 108 famílias (428 indivíduos) de etnia cigana .Aconteceu no verão quente de 1995 e várias são as razõespara que grande parte dos moradores do bairro retenhauma má lembrança dessa experiência.

“Lisboa queria mostrar que era capaz de fazer a Expo 98.Que era uma capital europeia” e o bairro do Vale do Fornofoi “instalado” no âmbito do PER (Programa Especial deRealojamento) em consequência da necessidade delibertação de terrenos camarários para a EXPO 98

“acabando por se proceder ao maior atentado racista dosúltimos tempos. Do conjunto da população desalojada dosterrenos afectos à Expo 98, só os indivíduos de raça ciganaforam deslocados para os antigos paióis do Vale do Forno.Para as outras populações – não ciganas – foramencontradas soluções alternativas de realojamento emoutros locais da cidade.“ (Paulo Quaresma, ex-morador,presidente JFC) .

Esta “comunidade” viveu durante 100 meses (de1995 a 2003) em condições degradadas e degradantes cf.testemunho adiante de Roque Amaro. A nível do apoiosocial o bairro do Vale do Forno contou com o ProjectoComunitário “Príncipes do Nada” (expressão utilizada peloescritor Miguel Torga, relativamente à comunidade

(9)

cigana)e desenvolvida pela Proact no âmbito doPrograma Nacional de Luta contra a Pobreza (articuladocom a SCML a trabalhar no bairro sob a coordenaçãotécnica de Natália Nunes). E este foi outro importantetestemunho:

“Mesmo em relação ao Vale do Forno houve muitasreuniões com a população e com a própria escola paraaceitarem … Senti muito a questão das lideranças e dos

parceiros. Sinto isso em todo o lado. (…) E eu pensei –como dar a volta a isto? Então, lembrei-me de convidaruma pessoa de fora – o Professor o Roque Amaro. (…)” (Natália Nunes, SCML, em funções técnicas no bairro de1973 a 1991).

E foi Roque Amaro quem relembrou:

“Vou contar a história. Eram 70 famílias que foramalojadas nas antigas casas militares, lá em cima, nos

paióis. (…) A história desta comunidade é uma história deexpulsões sucessivas. Foi um processo muito moroso.Começa em 95 mas ninguém os queria receber (…) A certaaltura, com a pressão de ter que fazer as obras, a próprioParque Expo soube destes antigos paióis [que negoceiacom o Exército] e que ficam por trás do cemitério, no Vale

do Forno. Por lá fizeram umas pequenas intervenções, um saneamento básico… Algumas casas não eram muito más,mas outras eram péssimas. Eram anexos que nem sequertinham casa de banho.Este realojamento da comunidade cigana tem váriose lementos es t igmat izan tes . Até s imból ica e

geograficamente aquilo é negativo, eles estavam numenclave de Lisboa, quase a cair para Odivelas, por detrásde um cemitério e em cima de um terreno explosivo e ao

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NOTICIA NO JORNAL PÚBLICO, MARÇO DE 2002

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lado de um aterro sanitário que, naquela altura, nem eraaterro – era uma lixeira a céu aberto. Horrível. Atraía ratos erépteis. Aquilo era um gueto em condições muito más. (…)Num balanço global ficámos aquém do que nós

pensávamos que era possível realizar. Mas conseguimos,mesmo assim, algumas coisas interessantes .

Conseguimos conter a panela de pressão que aquilo era.Mais do que resultados positivos, conseguimos evitarresultados negativos. Esse foi o principal resultado. (…)Tivemos a ajuda de uma pessoa muito interessante – a

subcomissária Luísa Monteiro, que nos ajudou imenso,nem tanto na proteção mas a encontrar soluçõesinovadoras e criativas na relação com a polícia.Outro grupo com quem se teve, também, um resultadointeressante foi com as raparigas (…) e fizemos o que eraimpensável fazer – criámos uma turma de alfabetização deadultos (…) e à volta deste projecto desenvolvemos outrasactividades – dança. Fomos buscar uma professoraespanhola de flamenco e sevilhanas que fez um trabalhoespectacular (…) Outro aspecto importante referir: o

projecto ajudou-os a discutir coisas que nunca tinhamdiscutido – o que é o cigano hoje, a questão das vivências emitos que têm. Houve mesmo quem reconhecesse: “tenhoorgulho em ser cigano, mas estar com outras pessoastambém nos ajuda…”

A presença dos ciganos no Bairro Padre Cruz nunca foi bemvista nem recebida (…) Ainda por cima porque foi poucodepois dos realojamentos no bairro novo. E o bairro antigode alvenaria tinha acabado de sentir o primeiro choquecom esses realojamentos e… depois vêm os ciganos (…)Nós tivemos uma luta constante contra aquele tipo de

realojamentos que, a continuar assim, seria sempre um gueto.”

Além do projecto “Príncipes do Nada”, coordenado(10)pela Proact, o bairro contava com a Pastoral dos Ciganos

que para ali transferiu o Cento Majari onde funcionava olocal de culto, um serviço de atendimento à populaçãoadulta, um curso de pré-primária para cerca de 40 cr ianças(3 a 5 anos) e ATL’s para 90 crianças. Mas porque foi

sobretudo ao nível das inserções escolares que o problemada comunidade cigana se cruzou com as vivências doBairro Padre Cruz, importa dar voz a quem também esteveenvolvido apresentando a sua perspectiva do trabalho noterreno diário – o professor António Martins.

“No início não era eu o director, mas a minha colegaapanhou um susto valente. Não por serem ciganos mas porque eram 125 alunos de novo na escola, das 400 pessoas alojadas no Vale do Forno. Foi muito complicado porque o ano lectivo estava a começar com horários eturmas já organizadas (…) e depois fez-se o disparatemáximo que foi constituir turmas só com alunos ciganos.(…) Havia um sentimento generalizado de uma certaindignação, não para com as crianças, mas como todo o

processo tinha sido conduzido (…). O alojamento foi feitonum gueto e aquilo era verdadeiramente indescritível.Quando assumi a Direcção tentámos reparar algumas

situações do ano anterior. A escola, nessa altura, tinha 400alunos e quase um quarto era de etnia cigana. Durantemuitos anos esta foi a escola com maior população ciganade todo o país. (…) De qualquer modo, no final, as coisasestavam a ficar muito melhores do que no início.” (AntónioMartins, professor e director da escola do 1º ciclo; esteveem funções de 1992 a 2011)

De referir que a Junta de Freguesia de Carnidedesenvolveu iniciativas para integrar a comunidade cigananas actividades da freguesia (festas, feiras, encontros…).Inclusivamente, a Associação Renascer (adiante referida)procurou envolver os representantes da comunidade

cigana nas reuniões do Grupo Comunitário, o queefectivamente veio a suceder. Porém, esta situação teráum “inesperado” desfecho, a narrar mais adiante, a seutempo.

As relações entre bairros – as novas dinâmicasassociativas

Na continuidade do trabalho desenvolvido, a

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autarquia, a SCML, a paróquia e o Grupo Comunitárioconfirmaram-se como elementos congregadores dasdinâmicas do bairro, sem esquecer o importante papel dosclubes desportivos e recreativos, agentes mediadores – eestratégicos – na relação do bairro com o exterior.

Em paralelo, deste movimento entre pessoas e

ideias, concretizam-se iniciativas que vincaram a vida dobairro. Uma delas foi precisamente o Agrupamento deEscuteiros que motivou jovens e impulsionou trabalhos queresistiram até recentemente. Escutemos um pouco da suahistória na voz de quem hasteou o “Alerta” no Bairro PadreCruz – António Cristino.

Estar Alerta – o Agrupamento de Escuteiros 933“Até 1990 mantenho-me sempre como catequista ligado à

paróquia. Antes porém, em 1986-87, houve um grupo de jovens que me lança o desafio – eu teria 35-36 anos, jácasado e com família constituída – de criar um

Agrupamento de Escuteiros no bairro.Esse grupo, que começou por ser enorme, ficou hojereduzido a vinte três ou vinte e quatro membros. Tivemosque ter, primeiro, uma formação adequada. Não bastava avontade.O escutismo é uma escola de formação. Não existe parafazer acampamentos ou acantonamentos … O escutismo

pretende ser, juntamente com os pais e com a escola, umaentidade formadora do carácter do jovem – torná-lo maisautónomo, mais solidário, mais responsável, maisconsciente… Portanto, é neste sentido que o escutismofunciona… O escutismo procura contribuir para a formaçãointegral dos jovens. E só assim é que faz sentido para mim.

Passámos quase três anos a ter formação em Carnide juntamente com os primeiros jovens desse ano. E, em1990, é criado formalmente o Agrupamento 933. Tevecomo primeira sede os lavadouros que serviam as casas delusalite. Foi uma sede que construímos por dentro.

Adequámos às actividades, criámos espaços para jovens. Ali estivemos até todo o bairro de lusalite ir abaixo.Quando foi abaixo conseguimos, a muito custo, uma sedena parte de alvenaria, onde hoje ainda está na R. Rio

Coura, nº 41. Uma casa que estava desocupada e que aCâmara nos cedeu.Este grupo começou com cerca de 20 jovens entre os 10-14 anos. No segundo ano já éramos pelo menos 45 e,depois, até 2000, chegámos a ter entre 90 a 110membros. A partir daí foi decrescendo. Eram jovens daqui e

da Serra da Luz porque esta paróquia serve a Serra da Luz. As actuais famílias que têm jovens entre os 6 e os 17 anos são famílias que não estão motivadas… Existe algumadespesa, algum custo – mesmo que não seja muito – e hojeestas famílias estão habituadas a que tudo lhes sejadado… o que tem diminuído muito o número de membros.(…) E os próprios jovens têm uma cultura voltada paradentro, muito pouco voltada para fora… No último anotinha 30 jovens e este ano decidimos parar para redefinir.

Só estamos com adultos.Os escuteiros associaram-se a outras associações dobairro. Fizemos várias actividades conjuntas,nomeadamente com as associações de moradores, comos clubes … Uma, por exemplo era a Festa do Bairro.

Surgiu em 1990. Deixámos de fazer por questões de segurança.Todos promovíamos essas festas, durante o mês de Julho,durante um ou dois fins-de-semana. Era uma festa em queas pessoas partilhavam bons momentos. (…) Mas osescuteiros sempre foram uma presença aqui no bairro.” (António Cristino, morador)

Renascer – o associativismo é precisoE tudo isto nos levou a pensar: como vai ser isto?

E parámos para pensar: temos que criar uma alternativa

–e o ‘Renascer’ nasce dessa força.” Mário Guerra, ex-morador

(co-fundador da Associação Juvenil Renascer)

“(…) e nós deslocávamo-nos numa carrinha velhatoda desmanchadinha…

a que chamávamos a ‘Clementina’”Maria do Pilar (moradora,

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PROMESSAS, AGRUPAMENTO 933, 1996(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

PROMESSAS, AGRUPAMENTO 933, 1996(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

AGRUPAMENTO 933, 1996(FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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ex-colaboradora da Associação Juvenil Renascer)

Sobre as motivações e caminhos percorridos poresta associação importa escutar quem esteve envolvido nasua origem, constituição e trabalhos:

“Uma peça fundamental, entre outras, naquele bairro e para aquele tipo de jovens foi a constituição da AssociaçãoRenascer. A Associação veio absorver jovens que tinhamacabado de chegar ao bairro, não sabiam muito bem o quequeriam, o que os esperava… Era grafitis, era não terocupação… Muito do que se vê e vive nas actuais colóniasda Junta de Freguesia de Verão deve-se a essa anteriorexperiência. O Renascer nasce como qualquer grupo de

jovens: com uma preocupação em fazer actividades para o grupo. No início queria ter mais intervenção, fazeracontecer coisas que não existiam no bairro. Não nasceainda com uma preocupação ou consciência social tãonítidas.Havia o grande problema dos horários das escolas e dasfamílias. As crianças terminavam a escola e não tinham

para onde ir. Algumas nem almoço tinham, outras ficavamfora do portão quando a escola fechava. E a escolatambém não tinha cantina. Essas eram questões que secolocavam e nos faziam pensar como poderíamos resolve-las. (…)Os primeiros acantonamentos partem do Renascer. Depoismais tarde, é a própria Junta que começa a estender isso

por toda a freguesia. O Renascer começa a participar emactividades que inicialmente nem estavam previstas (…).Houve um ano em que se fez um grande concurso de

grafitis para o muro dos Unidos. Isso foi um concurso comdivulgação e impacto em que vieram os “maiores” emelhores “grafiteiros”… e conseguimos. Foi um ano emque, pela primeira vez, se conseguiu fazer o arraialcomunitário dentro do campo dos Unidos. Já não era os

Amigos da Luz que o faziam. E todos os clubes eassociações participaram (…). Depois, criou-se o boletimdo Renascer, ainda que de um modo muito artesanal, tem

(11)muitas referências ao que se foi passando no bairro.

A minha participação no Grupo Comunitário começa com oRenascer. O Grupo Comunitário ajudou muito aocrescimento do Renascer. Fez com que ultrapassasse o

papel de uma “simples associação” de jovens com um papel comum, mas abrir a atenção para o que eram asnecessidades reais e concretas do bairro.” (Paulo

Quaresma, ex-morador, co-fundador da Associação JuvenilRenascer, presidente da JFC)

“Quando trabalhávamos na paróquia tivemos um trabalhomuito activo antes de fundarmos o Renascer com um grupode jovens, com a catequese… As associações tentavamresponder e salvaguardar, de modo organizado, esse tipode energia que o bairro promovia – o Renascer – com oPaulo Quaresma, a Carla, a Cristina Dias, a Paula Guerra…Renascer vem disso mesmo, de captar a energia do bairro.(…) Os propósitos foram uma maneira – e conseguimos! –de cativar jovens e desenvolver com eles projectos queforam muito engraçados. A Associação também foi umapoio para as mudanças que o bairro foi sofrendo. Houveessa preocupação em fazer a ligação entre aquilo quechamávamos o “bairro velho” e o “bairro novo”.Procurávamos criar troca de experiências, conviver, contara história do bairro…”(Mário Guerra, ex-morador, co-fundador da Associação Juvenil Renascer).

“A Associação Renascer assegurava os ATL’s da EscolaPiteira Santos, do 1º ciclo. (…) Na altura o director daescola de 1º Ciclo era o professor António Martins. Guardoas melhores recordações e sei que fizemos um trabalhoimportante no bairro com as crianças e famílias. Elas

confiavam muito em nós. Havia um trabalho de proximidade, de grande confiança.Este trabalho para mim foi “um abrir de olhos”, foi umaexperiência única. (…)”(Catarina Pereira, ex-colaboradorada Associação Juvenil Renascer; actualmente, técnica daJunta de Freguesia de Carnide).

“Como trabalhei na cantina do Renascer e no ATL, toda a gente me conhece e me tem respeito. O Renascer foi uma

105MÁRIO GUERRA, UM DOS FUNDADORES DA ASSOCIAÇÃOJUVENIL RENASCER (sd, FOTOGRAFIA PARTICULAR)

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A esquadra 36 da PSP – a segurança na proximidade“O momento mais feliz como polícia

foi no Bairro Padre Cruz porque me fizeram crescer como ser humano.”

(Luísa Monteiro, subchefe da PSPna esquadra de 1997 a 2001)

“A esquadra não veio para aqui porque era uma zonainsegura.” Foi criada num momento em que promoveunum policiamento dissuasor e de proximidade. Eraimportante que o bairro tivesse todos estes serviços.Estamos perante um bairro com 8 500 pessoas (…) Obairro vivia muito dependente do exterior, no caso aPontinha, para um conjunto de serviços – havia queequilibrar o bairro e dotá-lo desses serviços…"(PauloQuaresma, ex-morador, presidente da JFC)

“Conheci o Bairro Padre Cruz com os realojamentos econheci o Bairro Padre Cruz com o lusalite… O que temosque fazer quando ali chegamos? Primeiro, arrumar aesquadra. Fui para a esquadra do bairro como subchefe(…). Não me foi passada nenhuma informação sobre obairro. Julgava que ia encontrar um bairro muito mais

perigoso, com muito mais crime, e nunca senti insegurançanenhuma…O momento mais feliz na minha vida

profissional como polícia foi no Bairro Padre Cruz porqueme fizeram crescer como ser humano. Fizeram de mimuma pessoa melhor. (…) E eu não sabia que isto tinhatanta miséria. E eu pensei que poderia fazer melhor poresta comunidade… São menos as questões de crime masmuito mais as questões sociais que merecem atenção no

Bairro Padre Cruz. A questão das crianças na rua, até muitotarde, sem apoios, sem estruturas familiares, sempre mefez muita impressão… A nossa função era dar umaresposta mais imediata às situações, mas a sua resoluçãoultrapassava a nossa esfera de acção. Mas eu sentia umanecessidade grande para ajudar – eu queria fazer parte do

processo. Queria dar mais uma valia, ajudar a resolver.“ (Luísa Monteiro, subchefe na esquadra de 1997 a 2001)

A Ludoteca – “aprender a brincar” Na sequência de um diagnóstico orientado pelaSCML sobre as principais carências das famílias com

jovens em idade escolar foi identificada a falta deapoios/espaços de acolhimento para os jovens após operíodo lectivo. Para preencher esta carência foi

implementada a actividade da Ludoteca, “crescer abrincar” (de 1993 a 2008). O objectivo era esse mesmo:disponibilizar um espaço (perto das escolas, na R. Prof.Almeida Lima) onde o jovem podia entrar livremente e ficara brincar.

“No caso de muitos destes jovens, por causa das enormescarências de apoios, tratava-se mesmo de “aprender abrincar”. Não havia qualquer pagamento, nem vínculo deobrigação. Os jovens inscreviam-se e apareciam quandoqueriam. E podiam lá ficar dentro do horário das 16 às21h. Mas a certa altura houve tanta afluência que tivemosque criar grupos de jovens e definir os dias. A Ludotecadestacava-se da oferta que havia nas escolas porque pr op or ci on av a um es pa ço de br in ca de ir a li vr e,descontraído, era uma oferta não formatada. Houvetambém uma pareceria com a CML ao nível do apoiologístico, cedência de espaços e de alguns recursos,designadamente humanos: a Vanda Botelho e a MónicaMascarenhas estiveram lá antes de mim e sei que fizeramum trabalho valioso para implementar a ludoteca”.(RuiGato, técnico do Ministério da Educação; coordenadorpedagógico da Ludoteca “crescer a brincar” de 2003 a2008)

A nova biblioteca – “uma conquista difícil”“Estava a ser construído o Polivalente que seria cedidototalmente à Misericórdia enquanto nós continuávamosnum espaço degradado e decadente sem condiçõesnenhumas, a antiga sala de leitura. Procurámos conquistarali o espaço para a biblioteca. Contactámos a Associaçãode Moradores que também participou nessa luta e fezmuita pressão. Conseguiu-se espaço para a biblioteca noPolivalente que foi todo adaptado e hoje partilhamos o

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B.º PADRE CRUZ, 2010

"BAIRRO NOVO", 2010

POLIVALENTE, "BAIRRO NOVO", 2010

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espaço com a Misericórdia. As condições de trabalho erammuito limitadas e limitativas. Mas tínhamos uma relaçãomuito próxima com a Misericórdia.Vivemos muitas histórias na biblioteca Natália Correia –umas, muito boas que recordo com muita saudade, outrasmenos boas, mas que hoje, um pouco à distância já mefazem rir. Conseguimos ir chegando às pessoas porque euera bibliotecária a tempo inteiro. O espólio foi muitoalargado, maior e melhor catálogo, desenvolveram-seactividades de promoção da leitura. Procurávamos quebrara rotina. Houve iniciativas de trazer a biblioteca à rua efizemos sessões de leitura no espaço exterior (…).Mas a biblioteca colocava-nos problemas diários. Houve

projectos que desenvolvemos com jovens e famílias…(…) A relação com as escolas era muito boa. Com as escolas primárias. Com a EB2,3 era mais difícil trabalhar devido àlogística e os tempos de deslocação. Outro projecto foi aaula na biblioteca. (…) Foi muito interessante econseguimos criar dinâmicas muito boas com pesquisa emlivros, recursos a outras fontes de informação…Foi sempre uma biblioteca que colocou problemas de

segurança. A Câmara contr ibuiu muito para quetivéssemos esse tipo de problemas. A forma como alojou as

pessoas, designadamente no Vale do Forno. Foram criadas situações complicadas. A aceitação dos ciganos por partedos moradores não era fácil…”(Elfrida Reis, técnicaresponsável pela biblioteca do bairro de 1996 a 2009)

A nova escola e a “ilha de cultura” bairristaDevido à polémica que, na altura, envolveu a

decisão da localização da escola dentro ou fora do bairro,

importa reter esta avaliação:“Relativamente ao projecto de construção da EB 2,3 houveduas posições por parte dos técnicos. Os que defendiamque a escola deveria ser construída aqui no bairro, e eu eraum desses. Outros defendiam que não, pois isso iria

perpetuar a guetização. Ora, teoricamente isto faz sentido,mas na prática não resulta. Verificámos que havia umabsentismo elevado entre o final do 1º ciclo e o 9º ano,

mais de 90% desistia da escola. Nós queríamos fazerregredir isso e a única maneira era criar um território de

segurança. Apesar de todos os problemas que o bairro possa ter era ali que os jovens criavam as suas referênciase o facto de irem para Telheiras era um problema muitodesmotivante…O que existe em termos de dinâmica localque promove as referências ao bairro que acabam por ser“aprisionantes”. Num momento em que os transportes sãotão mais acessíveis o faz com que estes jovens se sintamtão inseguros na cidade?É a cultura do próprio bairro. O bairro criou uma identidade,nas últimas décadas, que se constrói sobretudo poroposição e rejeição: à Polícia, à Câmara, ao Estado…

Anteriormente as instituições eram aliadas. E isso eravisível nos anteriores moradores, até pelas suas profissões.Hoje, isso não acontece. A maior parte, apesar de viveremem bairros de lata, foram forçados a morar nos prédios emlocais que eles não queriam nem escolheram... No fundo,

pertencem todos à mesma cultura, uma cultura de rua – eisso era visível nas crianças que permanecem até às 2h damanhã sem que ninguém os vá buscar – a revolta é amesma, e isso acaba por fundamentar uma ilha de culturaem que se reconhecem e aí, nesse território, são todosiguais. Reconhecem-se. Ora, o sair do bairro faz senti-losestranhos e diferentes. Inseguros…”(António Martins,professor e director e ex-director da escola EB1 do bairro)

A gestão local do bairro

O Grupo Comunitário e o trabalho de parceria Durante este período o Grupo Comunitário e a

Junta de Freguesia reforçaram o trabalho de pareceriaentre instituições e o envolvimento dos moradoresalertando para o agravamento das condições de vida dapopulação do “bairro antigo”. As questões relativas aofuturo do bairro de alvenaria –recuperação oudemolição – começam a colocar-se de um modo mais concreto.

“A Junta de Freguesia e o Grupo Comunitário tiveram um papel muito importante para o bairro atingir outra fase.

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BIBLIOTECA MUNICIPAL NATÁLIA CORREIA, 1995

ESCOLA PITEIRA SANTOS, 1996

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Nomeadamente, em termos de comércio e serviços. Antes,não havia nada… e sempre fomos constituindo um grupode pressão e criar algum movimento.Não se pode esperar retirar centenas pessoas de bairros delata, enfiá-los em prédios onde atingem os milhares e estarà espera de que tudo corra normalmente. Nem as poucasmercearias que havia não estavam preparadas para proviras necessidades da população com estas dimensões. Atécafés , hav ia mui to poucos . Farmác ia , nem

pensar…apareceu agora De resto, não havia nada. Só prédios e ruas. Nesse grupo de trabalho, que era um grupocomunitário, reuníamos com a Associação Renascer, a

SCML, a PROACT, Pastoral dos Ciganos, a esquadra, aassociação de moradores, a associação de pais, odepartamento da acção social, a Gebalis… mas, comestes, a relação era muito complicada, difícil. Elesassumiam uma posição de sobranceria e de arrogância.Comportavam-se como os “senhorios do bairro”… buscavamuito pouco o diálogo. Raramente participavam (…)Houve um conjunto de sinergias que estas instituiçõescriaram e, a partir delas, aconteceram outros projectos…” (António Martins, professor e ex-director da escola EB1)

A nova entidade gestora do bairro: a Gebalis No âmbito das preocupações de gestão municipalapós os realojamentos foram experimentadas novasparcerias institucionais e nasceu a Gebalis (1995),empresa pública gestora dos bairros (municipais) deLisboa. Esta empresa procurava melhores níveis de eficáciana gestão dos novos bairros construídos (no âmbito doprograma da de erradicação das barracas) e apostava

numa relação flexível e de proximidade conforme divulgadono documento da sua instituição: “(…) Trata-se de umaempresa municipal, com um funcionamento muitodescentralizado e ágil, que permite elevados níveis deeficácia na gestão dos novos bairros construídos no âmbitodos programas de erradicação de barracas”. No dia 1 de Outubro de 1996 foi instalado oGabinete Local da Gebalis no Bairro Padre Cruz. Contudo, aGebalis foi herdeira de uma situação em que a Câmara

manifestamente não cumpriu com as suas obrigações talcomo é opinião corrente entre moradores e não-moradores. Nos pós-25 de Abril não houve qualquerinvestimento por parte da Câmara conforme numerosostestemunhos já evidenciaram.Foram as técnicas do gabinete local (Cláudia Rocha eHelena Gomes) quem referiu:

“Percebemos que as populações transferidas para o bairro,não tendo comum a origem da história, vieram determinar

profundas alterações no núcleo original. Geraram-seinicialmente processos de rejeição que iam ou não sendoresolvidos se as populações recém-chegadas se fossemaculturando. A nossa gestão data de 1996. Ao longodestes anos houve bastante investimento. Mesmo emtermos de melhorias, investiu-se muito nas canalizações

permitindo que as pessoas tivessem água quente. (…)[nota: reportam-se a melhorias realizadas em 1996]Em todos os realojamentos existe uma mescla de situaçõesmais e menos problemáticas. Não podemos dizer que hajauma fase de realojamento mais difícil porque tambémexistem situações complicadas com agregados na parte dealvenaria.

As várias etnias estão espalhadas pelo bairro. Essasindicações vêm da Câmara. Nós só gerimos. Não existem

prédios com etnias concentradas. Existem angolanos,cabo-verdianos e guineenses para além de indivíduos deetnia cigana. São raros os casos de famílias de etniacigana, do Vale do Forno, que aqui ficaram.”

Adiante retomaremos outras situações relativas

aos desempenhos da Gebalis, no complexo processo dagestão do bairro.

As transformações do bairro e a vida paroquial – umreencontro comprometido

“Em 1990 começou a fazer-se o realojamento e os prédiosaltos foram uma barreira para que os paroquianos viessemà Igreja e frequentassem as práticas religiosas. Em 1990 a

109GABINETE LOCAL DA GEBALIS, CRIADO EM 1996

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vida paroquial entrou em crise. As novas populaçõestraziam pouco hábitos espirituais, excepto os cabo-verdianos, nas gerações acima dos quarenta anos, que sãomuito afáveis.”(padre António Baptista, em funções nobairro desde 1981)

“Apercebo-me do apagamento da força e expressãoidentitária da paróquia e do bairro… Decorre isto do factode grande parte dos actuais moradores não terem ali as

suas raízes, o que torna mais difícil a integração. A geraçãoanterior era de grande parte de “filhos do bairro” e, grande

parte assumia em si mesmo o papel da paróquia. Actualmente estarão cá 3 ou 4 pessoas dessa geração eaquela geração que estava cheia de força e cheia deentusiasmo já cá não está. A maior parte dos jovens depoisde casarem saem daqui, e por isso, vamos tendo uma

paróquia envelhecida a perder força e um grupo decrianças que não se identifica com a paróquia…Reconheço que fomos perdendo força porque vamos

ganhando vícios ou porque vai-nos faltando quem nos substitua e quem nos rejuvenesça. Hoje em dia vivemosmuito mais desligados da vida paroquial. Há muito maisofertas paralelas e a própria religião começa a perder peso

– não valor – dentro das próprias comunidades e issoacontece em todas as comunidades. Não é só no BairroPadre Cruz a perda da influência da religião.” (Fernandod’Oliveira, morador)

A fechar este capítulo, uma última nota. É inegávela importância da melhoria das condições de vida por partedas famílias que beneficiaram dos realojamentos ao abrigo

dos programas PIM e, depois PER, ficou explícito. Porém,algumas questões permanecem (sempre) em aberto: asdinâmicas que, continuadamente geram tais exclusõessociais e, depois, a necessidade de as “controlar” semhaver uma estratégia realmente concertada, commaturidade e reflexão em termos de políticas de habitação,mais abrangentes e fundamentadas que identifiquem econtrariem a reprodução de fragilidades socio-económicas; o facto de se ter optado por programas de

realojamento em escalas massivas em temposdesadequados, sem tempo para providenciar apoios eacompanhamentos institucionais, dando origem a grandesconcentrações urbanísticas e guetos sociais em moldesque a Europa já há muito tempo questionava; o centralismode todas as decisões que excluem as negociações comparceiros – as autarquias, os técnicos e os moradores…; arigidez nos critérios para os realojamentos – os moradoresdas “barracas” – que não demonstraram flexibilidade emabranger o bairro de alvenaria, já em condições muitíssimodegradadas, gerando vincadas tensões sociais…

Todavia, e no caso singular do Bairro Padre Cruz,evidenciou-se a capacidade imaginativa e interventiva porparte dos poderes localmente instituídos, da competênciade técnicos, autarcas e população empenhando-se naresolução dos problemas que a gestão da cidade,insistentemente, lhes colocava… Como tal, também ficoubem claro que o Bairro Padre Cruz não é um problemana cidade. É um “problema”das formas de gestão da cidadeao longo de mais de 50 anos e, como tal, a sua históriaacrescenta ampla informação crítica acerca dos processosde crescimento e desenvolvimento da cidade. Confirma-se:“Os bairros são lugares para se procurar, identificar, inquirir,questionar.” (Cordeiro; Costa (1999): 61). E passamos àfase seguinte.

Síntese cronológica1990 a 2000: Bairro(s) de contrastes: o alvorecer dobairro novo e o anoitecer do bairro antigo

1990

Início do novo Plano Regional de Ordenamento do Territórioda área Metropolitana de Lisboa (PROTML) e do novo PlanoEstratégico de Lisboa (1992). Década de grande produçãourbanística por parte da CML. As “políticas de habitação”(em grande parte, políticas de realojamentos massivos)adquirem grande impacto apoiadas que foram, durante adécada anterior, pelo IGAPHE, INH, FEDER através deacordos com a CML. Em paralelo, a unidade “bairro”conquista importância na reabilitação dos territórios da

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cidade antiga. Criação do Gabinete Técnico Carnide-Luz(Direcção Municipal de Reabilitação Urbana), na sequênciado Grupo de Trabalho de Carnide-Luz, formado em 1989.No Bairro Padre Cruz, a década de 90 corresponde a umperíodo de grandes transformações: correcção daarquitectura dos primeiros prédios construídos emalvenaria no topo do bairro; demolição do primitivo bairrode lusalite e realojamentos de populações deslocadas denúcleos de barracas espalhados pela cidade. “Bairroantigo” e “bairro novo” fixam-se no vocabulário local eretratam distintas realidades socio-espaciais. É criado oAgrupamento 933 do Grupo Nacional de Escutas.1992 (07/06)Elevação da Quase-paróquia a Paróquia consagrada aopatrocínio de Nossa Senhora de Fátima e que dará adenominação à respectiva igreja.1993Devido ao aumento da população residente, decide-se odesdobramento da Escola 167 em duas unidades do 1ºciclo: o edifício original na Rua Rio Tejo e um prefabricadona rua Piteira Santos. Nesta unidade (“Escola PiteiraSantos”) funciona o 1º ciclo, jardim-de-infância eposteriormente o ATL (Atelier de Tempos Livres) e orefeitório. Esta solução por dois edifícios desagrada àdirecção da escola e à população. No seguimento, éconstituída a Associação de Pais e Amigos da EscolaPrimária nº 167 do Bairro Padre Cruz.- (7/05) - Por iniciativa municipal, e atendendo àslimitações do anterior PIMP, é cr iado o Programa Especialde Realojamento (PER) com o objectivo de prosseguir naerradicação das barracas nas áreas metropolitanas de

Lisboa e do Porto.- (26/06) - Criada a Associação Juvenil Renascer com opropósito de unir os “bairros do bairro” e superar carênciasdiversas. É instalada a Ludoteca – iniciativa daCML/Bibliotecas de Lisboa.1994Lisboa é Cidade Europeia da Cultura (a partir de 1999,ficaria Capital Europeia da Cultura).

1995Eleito João Soares como presidente da CML; Vasco Francoé vereador do pelouro da Habitação. Adão Barata é eleitopresidente da Junta de Freguesia de Carnide (PCP/PS).São destruídas as últimas casas de lusalite. O bairro novocontinua a desenvolver-se e dispõe de novos serviços ecomércio: farmácia, mercearias, talho, cabeleireiro, várioscafés… O bairro antigo mais envelhece e degrada-se.Durante o mês de Agosto concretiza-se o problemáticorealojamento de 108 famílias ciganas na periferia norte dobairro – o Vale do Forno – em resultado das obras derequalificação da zona oriental de Lisboa para instalar afutura EXPO 98.1996Celebração dos 400 anos do santuário Nossa Senhora daLuz, em Carnide.Construído o edifício polivalente onde são instalados oauditório e a biblioteca municipal (que acolhe e acrescentao espólio da antiga “sala de leitura”), a creche e o centro dedia da SCML.Criação do gabinete local da Gebalis (empresa gestora dosbairros municipais de Lisboa criada em 1995, a partir daCML).1997Prossegue a presidência de João Soares na CML. A Juntade Freguesia de Carnide elege José Araújo (PCP/PS) comopresidente da autarquia (até 2001; Paulo Quaresmadesempenha funções como vogal da Educação, Cultura eDesporto). Em Setembro, é inaugurado o Centro ComercialColombo na fronteira sul da freguesia.- (18/10) - Abertura das estações de Carnide e Pontinha da

rede de Metropolitano de Lisboa.- (18/11) - Inauguração do Centro Comunitário Polivalenteda Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; aumentosignificativo da prestação de apoio e cuidados aos idosos(atendendo ao envelhecimento da população original) e àinfância (em resposta ao aumento do número de crianças).Este Centro Polivalente desenvolve serviços de creche, ATL,animação socioeducativa; apoio a idosos nas vertentes deCentro de Dia, Apoio domiciliário, convívio…

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Falecimento de D. António Francisco Marques (n. 1927),antigo Prior de Carnide e do Bairro Padre Cruz e primeiroBispo de Santarém (posterior atribuição do seu nome aduas ruas – uma, na Quinta do Bom Nome, em Carnide, eoutra na freguesia da Pontinha).1998Em Maio é inaugurada a Grande Exposição Internacional –a Expo 98.- (08/03) - A CML atribuiu o nome de Natália Correia(1923-1993), referência de vulto na literatura portuguesa,à antiga Biblioteca Municipal de Carnide.- (19/11) - Criação do Município de Odivelas (Lei n.º 84/98de 14 de Dezembro) que passa a preencher parte da linhafronteira com o bairro, antes pertença do município deLoures.1999Desde Outubro, e no âmbito do Programa Nacional de Lutacontra a Pobreza, desenvolvimento formal do projectocomunitário “Príncipes do Nada” para apoiar a comunidadecigana realojada no Vale do Forno, da responsabilidade daPROACT. Instalação do Gabinete local da Comissão deProtecção de Crianças e Jovens (CPCJ).Abertura das oficinas do Metro na Pontinha que ocupamterritório das antigas quintas e azinhagas. A recenteAvenida Cidade de Praga vinca a separação física do bairrodo restante território da freguesia de Carnide. E da cidade.No final da década o Bairro Padre Cruz é uma cidade dentroda Cidade abrangendo 38 hectares; o “bairro antigo”dispõe de 12 hectares com 916 moradias unifamiliaresnum total de 1 117 fogos. O “bairro novo” (da EPUL) éconstruído em 25 hectares, com 1 289 novos fogos de

várias tipologias inseridos em quarteirões padronizados, deblocos. O bairro inclui um total de 2 589 fogos para umapopulação estimada em mais de 8 500 habitantes econfirma-se como o maior bairro municipal da PenínsulaIbérica.

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Fase 42000 a 2012: A REQUALIFICAÇÃO DO BAIRRO PADRECRUZ – O FUTURO E A MEMÓRIA

“Equacionar o futuro implica ter sempre em atenção o presente e conhecer o passado.”

Maria Vilar Diógenes (ex-presidente da JFC, presidente da Assembleia Municipal da Freguesia)

O Bairro Padre Cruz nas políticas da Cidade – ocontexto da intervenção

primeira década deste novo século (2000-2012)Ainclui momentos de profundo impacto etransformação nas paisagens físicas e vivenciais do

Bairro Padre Cruz.Ao nível do edificado as confrontações

conheceram novas vizinhanças (Parque Colombo, ocondomínio da Quinta das Camareiras, Pólo Tecnológico deLisboa, gerido pela LISPOLIS,…) que valorizaram oterritório mas não contrariaram a persistente periferizaçãofísica e social do bairro. Aumentou a rede de transportes eestá prevista, no médio-longo prazo, uma nova estação na

(1)rede de metropolitano que integrará o bairro . A estrutura viária envolvente também foi alterada. Contudo, os novosacessos rodoviários – a avenida de Cidade de Praga –mantiveram a separação física do bairro relativamente aoterritório da freguesia e da cidade.

Todavia o que mais importa agora destacar é que aproblemática da requalificação impôs-se como a matériade fundo durante todo este recente período. Confirmou-se

a preocupação e o investimento por parte da autarquia,instituições, associações locais e moradores em revitalizaro bairro de modo a equilibrar um presente de acentuadadegradação com um futuro de grandes transformações.

O acolhimento a novas associações (Bola pr’áFrente, Azimute Radical e Lua Cheia, por exemplo; e, maisrecentemente, o espaço JuntArte com novas associações),as inaugurações da nova escola EB1 e do Centro Culturalde Carnide e o maior diálogo entre os dois núcleos do bairro

comprovam esse esforço conjunto que a autarquia eassociação de moradores também procuram estimular. ASCML permanece como instituição central na prestação deapoio social à população enquanto a paróquia ainda vêlimitada a sua intervenção.

A requalificação do “bairro antigo”, que implica ademolição faseada da zona antiga de alvenaria, deixou deser um projecto adiado e tomou conta da agenda dasinquietações dos moradores, autarcas, técnicos e (alguns)políticos… Hoje, é uma realidade a acontecer e queultrapassa, em muito, a questão da requalificação física doespaço. No contexto das paisagens vivenciadas este foi –é! – outro período instável, agitado por antigos e novosconfrontos, de expectativas e muitos impasses, ilusões edesilusões. Mas é, também, um tempo decisivo. É omomento em que o bairro – e o muito trabalho neledesenvolvido – obriga a gestão da cidade a equacioná-locomo um “lugar em si mesmo” no cenário urbano, e nãoapenas como chão de recurso (um “não-lugar”, periférico)para acolher populações compulsivamente transferidas dediferentes locais “problemáticos” da cidade. De facto, nafase actual, existe empenho para que o bairro conquisteuma nova imagem no cenário urbano. O capital socialcomunitário acumulado e amadurecido ao longo do tempotêm sido contributos determinantes. Porque o Bairro PadreCruz tem “história” reconhecida, começou a serpercepcionado como um “lugar de direito(s)” comcontornos e singularidades específicos. Como tal, emtermos da gestão da cidade o Bairro Padre Cruz oferecehoje, sem dúvida alguma, matéria singular para capacitar

modelos alternativos no planeamento e intervençãourbana onde o envolvimento positivo e activo da populaçãoserá o desafio e a aposta. “As pessoas devem sempre fazerparte da solução do problema”, bem lembrava a comissáriaLuísa Monteiro. E da saúde da democracia. Contudo, não esqueçamos que no interior dobairro ainda persistem conflitos antigos a braços comnovos problemas que exigem atenta e eficaz resolução. Apopulação residente no Bairro Padre Cruz diversificou-se do

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INÍCIO DA REQUALIFICAÇÃO, JANEIRO 2012(FOTOGRAFIA DE BOM NORTE)

FASEAMENTO DA REQUALIFICAÇÃO, 2012 (CML)

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só uma parte do bairro é que está arranjado. Ao pé domercado, é uma vergonha. Sei que é um trabalho custoso

porque também fui jardineira na CML mas havia que cuidardaqueles espaços. Este é um bairro camarário que tem osespaços verdes mais bem arranjados mas é bom que osolhos vejam todos os espaços verdes (…) Por trás háverdadeiras lixeiras. A parte do bairro velho ficou muitoesquecida.” (Isaura Marques, moradora)

“A diferença que eu noto mais é que parece que estamostotalmente ao abandono. Ninguém nos arranja uma rua,um passeio. Eu ontem tive o trabalho de contar que na ruaabaixo da minha estão quatro candeeiros seguidinhosfundidos. São quatro! Houve sempre um problema de faltade assistência… mas desde que se falou na requalificação,então, estamos totalmente ao abandono… De ano paraano é adiado. Era para estar completo em 2013! (TeresaGuerra, moradora)

Em 2005, por resolução de Conselhos deMinistros, o Bairro Padre Cruz foi incluído no ProgramaNacional “Iniciativa Bairros Críticos” no âmbito das políticasda cidade. Por outro lado, a questão da reabilitação ‘versus’requalificação do bairro estava em acesa polémicacamarária. Confrontavam-se duas propostas: areabilitação (recuperar e manter o edificado de alvenariacom as adaptações necessárias) defendida pelo vereadorSá Fernandes (BE) ou a requalificação (demolirintegralmente o antigo edificado e construir de raiz),defendida por Gabriela Seara (PS). Esta última proposta(132/2006) vence por maioria em sessão de Câmara de29/03 de 2006. Os moradores foram acompanhando comgrande angústia os ecos destas indecisões.

O primeiro projecto de requalificação e o segundoimpasse

“A requalificação é um projeto ambicioso, absolutamenteindispensável.”

Gabriela Seara (ex-veradora da Habitação, CML)

Após longos impasses, em 2006, o executivo deCarmona Rodrigues apresentou o primeiro projecto“ambicioso mas indispensável” para a requalificação do“bairro antigo” sob a responsabilidade da vereadoraGabriela Seara. Finalmente, em sessão de Câmara deOutubro foi aprovado o plano de financiamento para arequalificação do bairro prevendo-se o arranque para 2008e a conclusão para 2013.

O primeiro estudo e projecto estiveram a cargo daEPUL. Previa-se a demolição integral dos 917 fogos dealvenaria e a construção de raiz de 1619 fogos (18 lotes)ocupando a área de 12 hectares, dos quais 904destinavam-se ao realojamento dos agregados residentesno bairro. Estipulava-se também “a construção dehabitação a comercializar ao abrigo do Programa EPULJovem, no sentido de viabilizar financeira-mente aoperação” (EPUL, Loteamento do Bairro Padre Cruz,Outubro de 2007). Este projecto já contemplava orealojamento dos agregados dentro do bairro durante asobras e o respectivo faseamento assim como tambémincluía a recomendação para que “a operação fossedesenvolvida em estreita pareceria com as forças vivas dobairro”. Pretendia-se “requalificar o tecido urbano, eliminara imagem negativa associada aos bairros de realojamentose oferecer uma oportunidade aos jovens de aquisição dehabitação de qualidade no binómio preço/qualidade.”(EPUL, ibidem). A fechar este capítulo de impasses, a 14 deNovembro de 2007, no Auditório Natália Correia, o

vereador Sá Fernandes reforçava as razões da suacontraproposta, de reabilitação do edificado de alvenariaperante um grupo de moradores e responsáveis locais quea rejeitou. Também nesta fase é de relevar a importância dopapel do Grupo Comunitário, Associação de Moradores eda autarquia na auscultação da voz dos moradores. Porém,em resultado da mudança de executivo e das faltas degarantia de financiamento, os projectos ficam pendentes.

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MAQUETA PROJECTO DE REQUALIFICAÇÃO DA EPUL, 2007

PROJECTO DE REQUALIFICAÇÃO DA EPUL, 2007

A requalificaçãoe o papeldoGrupoComunitário necessariamente mais participado ( ) Uma coisa é a

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A requalificação e o papel do Grupo Comunitário

Ainda durante uma reunião ocorrida em 2005 oGrupo Comunitário deliberara convidar todos os gruposmunicipais, vereadores da Câmara de Lisboa e a comissãopermanente de habitação da Assembleia Municipal a

visitarem o bairro antigo, e abreviar o tempo para aintervenção. Viveram-se novos momentos de tensão e degrande preocupação. Os moradores desanimavam,aumentavam o número de casas emparedadas e apenasuma pequena minoria de residentes continuava a fazer asobras de manutenção – a indefinição entre recuperação oudemolição pesava nos quotidianos que, dia para dia, viamcom grande tristeza e desesperança.

“Como vemos pelas situações referidas hoje nas reuniõesdo Grupo Comunitário, o grande problema das pessoas,dos moradores é… as casas, as condições dehabitabilidade. Tenho aqui situações de jovens que

reflectem muito esse problema. Há jovens que estãodesistentes da escola também, em parte, por causa doambiente degradado das casas em que vivem. São alunosque vivem na zona velha do bairro.” (Cristina Santos,directora da escola até 2010-11)

A intervenção da Gebalis manifestava-seclaramente insuficiente e as críticas multiplicavam-se. Aspreocupações relativas à requalificação do bairro dealvenaria passaram a preencher os encontros do GrupoComunitário. Esse, o “problema” o principal (e muitas

vezes, único) assunto a debater. Será, pois, nesse sentidoque Roque Amaro – um dos fundadores do GrupoComunitário – apresenta uma perspectiva crítica:

“Neste momento há uma mudança radical. Hoje o grupo é preenchido pelos seus residentes que vão pôr os seus problemas e não necessariamente integrados nasassociações que os representam. Vêm colocar o seu

problema pessoal – o Grupo Comunitário assume caráctermais populista que aparenta participação mas não é

necessariamente mais participado. (…) Uma coisa é aadesão a um convite; outra coisa é a iniciativa de estar

presente, por razões próprias . E isto acontece só parcialmente. E, depois, faltam duas coisas importantes: passar de uma lógica pontual – aparecer quando se tem problemas para pôr – para uma lógica de continuidade. E, portanto, a pessoa adere ao processo e não ao problema.E isto é fundamental. E, depois, o terceiro aspecto é passarde uma lógica reivindicativa para uma lógica construtiva.Estas são as três condições da passagem para um trabalhoverdadeiramente comunitário (…). Duas instituições quedirigem o Grupo Comunitário - a Junta de Freguesia e a

Associação de Moradores. É um Grupo Comunitário muitocentrado nestas organizações quando, antes, não era. Eramuito mais partilhado, repartido em termos deresponsabilidades e tarefas.“(Roque Amaro, PROACT)

O Bairro Padre Cruz, hoje – antigas e novascomunidades

Actualmente o Bairro Padre Cruz ocupa uma áreade 37 hectares onde estão implantados 1 041 edifícios, 2315 alojamentos (113 lotes), dos quais a grande maioria égerida pela Gebalis (2 119 fogos). Dos restantes, 196fogos já são pertença de particulares tendo sido vendidos

(3)às famílias residentes . De acordo com os Censos de 2011, residiam nobairro 6 468 habitantes (o site oficial da Gebalis refere umapopulação de 7 871 habitantes em 2013), agrupados em2048 famílias. Mantém-se ainda como o maior bairro dafreguesia de Carnide (29% da população). Já sabemos quea população deste bairro reúne um número significativo depessoas dependentes do Rendimento de Inserção Social(14%, 296 processos de RSI e 901 beneficiáriosabrangidos segundo dados da SCML).

Em termos das características globais dapopulação existe um ligeiro predomínio da populaçãofeminina (53,3%) e, em termos etários, o grupo com maiorexpressão encontra-se em idade activa (dos 25 aos 64anos, 3 165 pessoas); depois os idosos (65 ou mais anos)

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VASOS DA CIDADANIA, UTENTES DO CENTRO DE DIA SCML,BAIRRO PADRE CRUZ, 2010

que correspondem a 1 242 residentes no bairro novo São coisas completamente diferentes O

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que correspondem a 1 242 residentes. Segundo a Direcção de Acção Social Local Norteda Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, 105 famílias dobairro com crianças e jovens estão em acompanhamentopor situações de risco. Além disso, registam-se casosassociados ao alcoolismo, toxicodependência…. Em termos das competências escolares, o perfilda população confirma percursos escolares interrompidosbem como precoces abandonos escolares atendendo àselevadas percentagens de indivíduos com o 1º ciclo doensino básico (40%), que não sabem ler nem escrever(23%) em contraste com o mínimo (1%) que possui cursosuperior. Ora, estes baixos níveis de escolaridadeconfirmam a dificuldade em aceder a empregosqualificados e com melhores níveis remuneratórios porparte desta população.

Contudo, será importante e fundamentalreconhecer que esta mesma população existemcompetências laborais e experiências profissionais sem o

devido reconhecimento formal. Competências ecapacitações que representam valores e valias para acomunidade, são saberes-fazeres, técnicas e práticasfuncionais relacionadas com a agricultura, com diferentesformas de apoio social relacionadas, muitas delas, com astais entreajudas de vizinhança extremamente valiosas (“a

vizinha está fora e pede-me que lhe areje a casa”; “sempreque vou lá abaixo ao mercado pergunto à vizinha se elaprecisa de alguma coisa, porque ela não pode,coitadinha…”; “vou olhando pela mãe, agora que a filhaestá fora”; “tenho as chaves de todas as casas desta rua.As pessoas confiam muito em mim”…) Exemplos desolidariedades informais que percebemos social eeconomicamente desvalorizadas.

Os bairros do bairro – diálogos a construir

“Eu, para ali nunca vou…”moradora

“O bairro antigo tem uma identidade que não se encontra

no bairro novo. São coisas completamente diferentes. Oideal é que não exista esta distinção de identidades. E secalhar nunca houve nada que aproximasse, de facto, as

pessoas que chegaram das pessoas que já cá estavam. Ouvice-versa. Era bom que houvesse estruturas, quehouvesse dinâmicas, que houvesse formas de intervençãoque as aproximasse e correlacionasse. O que é facto é queainda temos gente nova para um lado e gente do bairroantigo para outro. E isso para mim não faz sentido. Éclaramente visível que ainda há uma identidade no bairroantigo que não existe no bairro novo mas o ideal é querelacionem identidades.”(Fernando d’Oliveira, morador)

Vimos que no “bairro de alvenaria” grande parte dapopulação reside no local desde a sua fundação, mantêm-se sólidas relações de vizinhança e de entreajuda, umelevado sentido de pertença para com o bairro ao ponto denele localizarmos a original “âncora identitária”, que fixou efoi estruturando o tipo de relações e representações que

prevalecem, ainda hoje. Porém, na actualidade este “bairroantigo” acentua envelhecimento – da população e dashabitações – abandono e acentuada degradação. Nestaparcela residem 770 famílias com elevada percentagem deidosos. E de idosos vulnerabilizados. É precisamente paraesta população que as condições de habitabilidade (interiore exterior às habitações) se revelam, dia-a-dia, maisdesadequadas. Muitos idosos vivem isolados em ruasdescalcetadas, expostos a dificuldades, barreiras e perigos

vários.Por sua vez, no “bairro novo” o desenvolvimento

das relações de vizinhança é condicionado – “Eu só sei queela, agora, mora para perto da escola… mas nunca lá fuinem conto ir”; alheias e sem curiosidade sobre acomunidade que reside no Bairro Padre Cruz – “eu para aparte velha, nunca vou… mas também dizem que aquiloestá tudo a cair”… A construção em altura levou aoisolamento de alguns idosos e pessoas com mobilidadereduzida, que vêem o acesso ao exterior muito limitado, emparticular nos casos de edifícios com elevadores avariados– “Isto não há meio de andar direito! Eu bem queria ter

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GRAFITI NO "BAIRRO NOVO", 2010

FLOREIRA NO "BAIRRO NOVO", 2010

ficado num andar baixo Já viu esta minha vida?!” por motivos de financiamento e da impossibilidade de

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ficado num andar baixo… Já viu esta minha vida?! No que diz respeito às áreas de uso comum (asruas, as praças, …) existe manutenção e cuidado nalimpeza. Os espaços verdes, esses sim, estão muitocuidados. Contudo estes espaços públicos tambémparecem “desamparados” de vivências, associados ainseguranças, sobre os quais os moradores desenharam emantêm fronteiras mentais. “Eu, para ali nunca vou, nemquero ir…” respondem, também, os “antigos”.

Por outro lado, tal como sucede no bairro antigo,as formas de apropriação do espaço no bairro novo – detorná-lo “seu” ou de “rejeitá-lo” – manifestam-se de modosdiversos: na manutenção e limpeza das fachadas eespaços comuns de entrada nos edifícios, no cuidar dasfloreiras e dos espaços verdes ou nos gestos de vandalismo(graffitis desapropriados, vidros partidos, campainhasestragadas, portas forçadas…) que, afinal, evidenciam asdiferenças na relação construída e as diferentes

(4)expressões de inserção/rejeição do território do bairro .

Por outro lado é de referir que neste conjuntourbano sobressai, recentemente, a animação do CentroCultural de Carnide (seja como auditório de cultura, desde2011, biblioteca, ou centro de dia e, creche da SCML). Emesmo anteriormente, em ocasiões festivas, como é ocaso dos santos populares e apresentação das marchaspopulares, faz-se uso do amplo espaço exterior. E onde ascomunidades dos “dois bairros” convivem animadamente.

A requalificação do bairro de alvenaria – segundoprojecto e terceiro impasse

“Conseguimos a vitória que as pessoas fiquem no bairro.Mas não podemos deixar de questionare colocar as coisas em cima da mesa”

Maria Vilar (ex-presidente da JFC, presidente da AMFC)

Em 2007 António Costa (PS) foi eleito Presidenteda CML e os pelouros da Habitação e RequalificaçãoUrbana ficaram a cargo da vereadora Helena Roseta. Aproposta aprovada para a requalificação ficara suspensa

por motivos de financiamento e da impossibilidade degarantir os realojamentos no bairro durante o processo dedemolição/requalificação. Em 2010, Paulo Quaresma,desabafava:

“Enquanto não houver alguém que esclareça qual ocaminho… neste momento não há caminho, outra vez.

Sentimo-nos todos enganados. Afinal não há dinheiro paraa recuperação do bairro. Há dinheiro para fazer duasresidências assistidas. E ponto final. Esta situação éaflitiva. (…). É imoral o que se está a fazer.” (PauloQuaresma, ex-morador, presidente da JFC)

“O que se passava, para além das questões definanciamento é que a agenda estava parada porque era

preciso achar, primeiro, uma solução para o realojamento. A CML já não dispunha de realojamentos como o PER e, por isso estávamos num impasse.” (Helena Roseta, vereadora).

Finalmente, em 2008-09 foi apresentado umestudo alternativo sob a responsabilidade da vereadoraHelena Roseta e os maiores bloqueios – em termos degarantias de financiamento – conseguiram serultrapassados. No âmbito da candidatura apresentada pelaCâmara Municipal de Lisboa ao programa "Política deCidades – Parcerias para a Regeneração Urbana – BairrosCríticos” com parcial financiamento pelo Quadro deReferência Estratégico Nacional (QREN), confirmou-se onovo plano de realojamento proposto e a demoliçãointegral – faseada – das habitações do bairro de

(5)alvenaria . No seu total o calendário da obra poderáprolongar-se além dos 10 anos e inclui 8 fases e subfases,envolvendo a mesma área territorial, de 12 hectares.

O actual projecto de requalificação – criar um “BairroIntegrado”

Neste novo projecto as preocupações com a(6)sustentabilidade e a referência aos eco-bairros

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B.º PADRE CRUZ, 2010

BUSTO DO PADRE CRUZ, 2010 (FOTOGRAFIA DE HUGO GUERRA)

apresentam-se sob o conceito de “Bairro Integrado” EmEm síntese “a operação de loteamento do Bairro Padre

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apresentam-se sob o conceito de Bairro Integrado . Emparalelo, alguma informação e acompanhamento por partedas populações residentes indiciam uma outra atitude departe a parte. Para isso terá o capital social comunitáriocontribuído decisivamente – e o reconhecimento do bairroenquanto espaço de raízes e de pertenças, de memóriassocialmente significativas, tem apelado a uma outraatenção na intervenção urbanística, conforme veremos.Verifica-se diferença na concepção, planeamento elinguagem com que se apresenta e defende este novoprojecto (disponível em site da CML):

“Apesar de já ter sido elaborada uma primeira soluçãourbanística, aprovada em Março de 2007 (…) Decorrentedas necessidades e dos desafios lançados no sentido dereduzir os impactes ambientais provocados pelodesenvolvimento das áreas urbanas, e tendo em conta aoportunidade associada à dimensão desta intervenção,

surgiu o conceito de criação de um Bairro Integrado, com

forte preocupações sociais e ambientais, fruto das mais prementes exigências locais, procurando promover umurbanismo sustentável e manter o equilíbrio entre o meioambiente e as comunidades humanas.”

Em termos globais a proposta apresenta-se, semdúvida, abrangente, multifacetada e desafiante e incorporanovos conceitos:

“Propõe-se uma Estratégia Integrada de Qualificação doBairro Padre Cruz a qual inclui a reconversão urbanística eambiental do Bairro de Alvenaria, através da demoliçãototal do edificado aí existente, o realojamento dosresidentes em construções dignas, a criação de umaadequada rede de equipamentos, a infraestruturação totalda área de intervenção, com criação de um espaço públicoqualificado, dotado de espaços verdes e de utilizaçãocolectiva, que proporcionem áreas de vivência comunitáriae de animação social, num quadro de sustentabilidadeambiental.”

Em síntese, a operação de loteamento do Bairro PadreCruz prevê 960 novos fogos [inseridos em 22 lotes,variando entre 4 a 6 pisos] dos quais, como se referiu, 770

são para realojamento dos actuais habitantes, destinando- se os restantes 190 fogos a construção de habitação, emvenda livre com custos controlados, para descendentesdos actuais moradores (…).”

Sem possuir elementos que permitam aferir dareal possibilidade de concretização deste “BairroIntegrado” não deixa de ser significativa a referência apreocupações ambientais e sociais anteriormentearredadas dos momentos de concepção e de planeamentourbano. Em termos do conceito de “Bairro Integrado”, ficareferido:

“Assim, é proposto um novo conceito baseado na sustentabilidade aliada à requalificação do tecido urbano,também associado à implementação de uma diversidade

social que elimine a imagem negativa associada aosBairros de Realojamento.(…) Tendo em conta, a situação particular desta operação, o seu carácter profundamenteassociado à regeneração urbana e a consideráveldimensão que esta área de intervenção assume no tecidoda cidade de Lisboa, este bairro manifesta-se numaexcepcional oportunidade para o desenvolvimento de um

projecto impar, integrado no tema “SustentabilidadeTerritorial”.

E, neste contexto de “Sustentabilidade Territorial”alistaram-se preocupações que transcrevemos:

“O presente projecto de loteamento introduz princípios deintervenção fortemente humanizados, de forma a

promover um bairro claramente integrado, incentivando a prática da sociabi lidade, no reforço da iden tidadecomunitária, propondo um novo conceito caracterizado

pelos seguintes aspectos:- A criação de um Bairro Social e Ambientalmente

Sustentável, que constitua uma referência de integração

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urbana e social na cidade e na comunidade;( ) venham a ser mantidos (foi-nos dito) fica por aferir no

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urbana e social, na cidade, e na comunidade;(…)- Adequação da intervenção às expectativas enecessidades dos moradores, promovendo oacompanhamento do processo numa base de

proximidade, diálogo (participação) e incorporação de propostas; (…)- Promover a diversidade tipológica do edificado, de formaa potenciar uma maior diversidade social por um lado, e

por outro a anu lar monot onia vis ual que pod erácomprometer a relação identitária do residente com a suahabitação.”

A finalizar esclarece-se que “o edificado que se propõe nanova zona urbana, pretende entender este bairro como um

só, consolidando o seu conjunto global, com a adopçãodos projectos às características locais e com a criação deespaços públicos estruturantes e agregadores das diversasdinâmicas urbanas.”

A proposta de “Bairro Integrado” assente em

dinâmicas de “Sustentabilidade Territorial” resulta namaqueta da imagem ao lado.

Não sendo este o momento nem o espaçooportunos para aferir da integração dos princípios epreocupações que temos vindo a assinalar existem, porém,alguns pontos a relevar. Ficou referido que a concepção e oplaneamento do actual projecto foram anteriores a estetrabalho de recolha de memórias e das vivências locais.Fica pois por saber quanto do reconhecimento do valor damemória e do património local – reconhecidos comoprincípios orientadores a ter em conta no processo derequalificação – está realmente inscrito nesta maqueta deprojecto que surpreende a vários níveis. A primeira surpresa resulta do desenho que, afinal,se aproxima do “bairro novo” ou “bairro dos blocoscoloridos”. Um bairro que constatámos ser menosfacilitador das sociabilidades locais, das redes de

vizinhança e que resultou – tal como este, agora, resultará– de uma demarcação relativamente à memória visual dobairro antigo. Muito embora alguns nomes das ruas dos rios

venham a ser mantidos (foi nos dito) fica por aferir, noconcreto, o reconhecimento das memórias e anterioresconvivências.

Por outro lado, conforme transcrevemos, esteprojecto pressupõe fortes “princípios humanizados”. Será,pois, com particular interesse e atenção que deverão seracompanhadas as reocupações destes novos fogos atravésde compromissos que devem envolver o trabalho com acomunidade. E que, por isso, será particularmente exigenteno apoio social, de forma a permitir as tão fundamentaisregenerações do tecido social do bairro e contrariarguetizações.

Também será válido reforçar que um “bairrointegrado” só parece fazer sentido quando integra de facto– positiva e criativamente – os vários recursos disponíveis.Q u a l a a m p l i t u d e e p o s s i b i l i d a d e d e o smoradores/agregados familiares serem, realmente,parceiros de voz e de acção neste processo derealojamentos?

Além de tudo isto expõe-se aqui matériariquíssima para aferir do diálogo a estabelecer entre o novoedificado e as vivências comuns procurando apurar em quemedida a(s) comunidade(s) (e, dentro dela, os moradores)conseguirá reapropriar-se positivamente deste diferentecenário urbano (?) Quando poderão reavê-lo e revivê-locomo “o nosso bairro”?

O GABIP e o pioneirismo do Bairro Padre Cruz

“O GABIP é a chave de todo este processo.”Helena Roseta (vereadora, CML)

"Até agora o realojamento foi um processo de mudar as pessoas de tijolos maus para tijolos bons.Mas de facto nunca houve um trabalho de

acompanhamento que fazia falta, fazia muita falta…"Isabel Santana (Acção Social, CML)

Em Março de 2009 fora criado o GAPUR – umgrupo de trabalho de acompanhamento, no terreno, aos

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PROPOSTA DE REQUALIFICAÇÃO DO BAIRRO PADRE CRUZZONA DE ALVENARIA, VISTA NASCENTE

complicados processos de realojamento por iniciativa daBairro Padre Cruz é pioneiro.”(Isabel Santana, Acção

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complicados processos de realojamento por iniciativa da vereadora Ana Sara Brito (despacho de 81/P/2009).Porém, na prática, constatou-se que esse grupo não reuniacondições para operar devidamente na medida em que nãoincluía os principais intervenientes locais, as tais “forças

vivas”: associação de moradores e representantes daautarquia.

”A criação do Gapur não foi muito bem recebida por partedos parceiros locais. Era tudo centralizado nos serviços enão havia articulações estreita nem parcerias nem partilhade informações e conhecimento com os parceirosenvolvidos… Ocorreram impasses e conflitos em váriosmomentos porque não houve convergência de interessesnem mobilização por parte das instituições locais (a JF e asassociações locais o facto de os moradores ofereceremresistência aos serviços.“ (Isabel Santana, Acção Social,CML)

(7)

Posteriormente foi criado o GABIP – uma novaestrutura de trabalho mais abrangente que “será a chavede todo este processo” nas palavras de Helena Roseta.

“Aliás, o GABIP (gabinete de apoio ao processo derequalificação do Bairro Padre Cruz/ bairro de intervenção

prioritária) é expressão de um novo paradigma. O GABIPtem seis elementos, comissão executiva, e tem sido um

processo muito mais positivo. Objectivos políticos eobjectivos técnicos não andam a par e passo. Hátramitações e procedimentos técnicos que são maismorosos mas são fundamentais para validar os processosde modo justo e transparente. Pela primeira vez temos um

processo de realojamento acompanhado por todos os parceiros. Isso permite ganhar confiança e credibilidade junto dos moradores, ganhar credibilidade dos técnicos,facilita os processos… metodologias muito participativas,audiências individuais com cada uma das famílias… É um

processo muito moroso, mas também muito mais próximoe justo. Claro que existem entraves que nos ultrapassam.Com o Bairro Padre Cruz aconteceu o primeiro GABIP. O

Bairro Padre Cruz é pioneiro. (Isabel Santana, AcçãoSocial, CML)

Neste contexto, após atentos e demoradosestudos e conversações conseguiu-se avançar com umasolução integrada muito cuidadosa e “artesanalmente”complexa que garante três pontos fundamentais): 1.durante as várias fases do processo de requalificação osmoradores se rão rea lo jados – p rov isór ia oudefinitivamente, conforme pretenderem – dentro do bairro;2. todos os moradores a realojar visitam a casa que lhes foiatribuída para confirmar a adequação da casa que lhes foidestinada; 3. todos os moradores que assim o desejaremficarão a residir no bairro após concluídas as obra.

“Deste processo destaco como método de trabalho orealojamento faseado por pequenos grupos de famílias.Primeiro 44 e, depois, 60 famílias. Antes de começar o

processo são explicados os critérios para os realojamentos

e criou-se uma estrutura – o GABIP (…) cuja comissãoexecutiva inclui a participação da Junta de Freguesia e da Associação de Moradores… e que tem sido a chave de todoeste processo. Reunimo-nos de 15 em 15 dias, sãoestudados os casos das famílias, caso a caso, ascaracterísticas de cada situação, as propostas derealojamento que podem ser feitas. Entretanto fomosdescobrindo fogos devolutos aqui no bairro que, com

pequenas obras de reabilitação servem para acolher estesrealojamentos. Tudo isto tem sido um trabalho de grandeminúcia, artesanal, de grande respeito pelascaracterísticas de cada família, olhando caso a caso… Há

sempre situações mais difíceis, mas penso que é umtrabalho exemplar. Exemplar, do realojamento que temoshoje em Lisboa, e que são muito diferentes dos quetivemos no passado… Este processo é pioneiro no sentidodo respeito e da participação das pessoas. Não é que issonão devesse existir no passado… mas entende-se aqui queo ritmo do processo tem que respeitar o ritmo dasmudanças das famílias…”(Helena Roseta, vereadora daHabitação, CML)

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CERIMÓNIA DE ENTREGA DAS PRIMEIRAS 7 CHAVES,FEVEREIRO 2011

“Existem dois paradigmas: antes e depois da vereadora modelo de realojamento mais participado. A vereadora e o

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Existem dois paradigmas: antes e depois da vereadoraHelena Roseta. Até agora o realojamento foi um processode mudar as pessoas de tijolos maus para tijolos bons. Masde facto nunca houve um trabalho de acompanhamentoque fazia falta, fazia muita falta… Agora é muito maisdialogante, mais articulada e próxima… e o GABIP éexpressão desse novo paradigma. É um novo modelo detrabalho que tem o seu tempo. O tempo das instituiçõesnão é o tempo das pessoas. (…) É, de facto, um novomodelo e esperamos que as pessoas percebem o produtofinal e todo o trabalho que está ali, até ao momento daentrega de chaves… que se realiza nos Paços do Conselho

– é outra novidade deste forma de trabalhar: umacerimónia com outro significado, um momento com umadignidade própria… Mostrar um direito que também éresponsabilizante.” (Isabel Santana, Acção Social, CML)

O contributo do capital social comunitário

“Juntos vamos começar a construir um novo bairro.”Paulo Quaresma (ex-morador, presidente JFC)

“Sim, o capital comunitário é muito importante. O bairro játinha uma estrutura comunitária montada. O próprio

presidente da Junta de Freguesia foi morador e tem umaexperiência participativa. A presidente da Associação deMoradores também é uma peça fundamental porqueconhece as pessoas pelos nomes. E isso faz a diferença

porque as pessoas não são números. Cada família é umafamília. Além disso, montámos um sistema em que sereconhece que existem critérios gerais de realojamento,mas cada bairro pode ter critérios especiais. E essescritérios são definidos em função das populaçõesconcretas, idades, mobilidades…” (Helena Roseta,

vereadora, CML)

“Este modelo de realojamento será aplicado nos outrosbairros ou em zonas que careçam de intervenção. Nãotenho dúvida que todo o trabalho já desenvolvido pela

Junta, pelas associações, motivou e inspirou a seguir um

modelo de realojamento mais participado. A vereadora e odirector sabem tanto acerca da situação de cada famíliacomo o próprio técnico. Há muito mais informação acircular e isso é facilitador dos procedimentos e decisões atomar.(…) Compreendemos que não podemos desapossaras pessoas de qualquer modo de situações e realidadesnas quais vivem há mais de 40 anos… Só assim, comacompanhamento, é que faz sentido o processo derealojamento.” (Isabel Santana, Acção Social, CML)

Nesta fase, para além da necessidade de umacompanhamento humanamente atento e criterioso, épermanente a preocupação em manter a populaçãoinformada. A Câmara Municipal de Lisboa fez circular ofolheto “revitalizar bairro padre Cruz” e a Junta deFreguesia, no respectivo Boletim de edição mensal,noticiam os principais momentos deste processo derequalificação. É de reconhecimento unânime o desabafode Elisete Andrade, actual presidente da Associação de

Moradores:“Quando alguma coisa de mal acontece no bairro sai logo anotícia… agora sobre este processo de requalificação queé complexo, moroso, um trabalho sério e atento … a formacomo se tem procedido e não haver uma única crítica…Ora, isto tem alguma coisa que se lhe diga.”

Sobre o processo de requalificação – o parecer dosmoradores

“E o progresso só é progresso se respeitarmos adignidade das pessoas.

Se não, não é progresso…”Elisete Andrade (moradora, presidente da AMBCP)

Compreende-se que, por parte dos moradores,não exista uma só e única posição perante o processo de

(8)requalificação . Conforme foi referido, cada caso é umcaso, e o modo como a população tem encarado arequalificação resulta, em grande parte, da resolução que é

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MORADORES COLABORAM NA REABILITAÇÃO DAS CASAS

encontrada para o seu agregado, em particular. Nas eles acabavam por ficar no habitat deles à mesma com

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p g g , preuniões do GC que se mantêm como focos deactualização da informação relativa ao processo, as vozesdividem-se e os ânimos, por vezes, sobem de tom.Situações que evidenciam a tensão, os receios e asdúvidas que, ainda assim, persistem entre a população. Dequalquer modo, e sem surpresa, parecem ser os residentesmais idosos e dependentes aqueles que manifestammaiores preocupações e os menos envelhecidos (e, logo,mais independentes e informados) os que mais facilmenteaceitam os compromissos longos com a requalificação.

“Vejo com bons olhos as residências e vejo com bons olhosas primeiras alterações começarem por aí… Porque serãoas pessoas que mais vão sofrer com isto. Porque, paraalém do ficar muito bonito, há pessoas que vão morrer como morrer do bairro porque isto é o bairro delas.É aqui que se divide um bocadinho… foi ali que tudoaconteceu. A vida deles está aqui. Neste cantinho. Nesta

ilhazinha… Há 50 anos, é uma vida inteira. Vão sofrer coma queda da casa deles. Por isso, é preciso ter muitocuidado com estas mudanças pois a casa pode estar muitoestragada e a meter água, com poucas condições… masfoi ali que se construiu uma vida e essa vida cai ao chão.Portanto, é preciso um acompanhamento, um cuidadomuito especial…” (Mário Guerra, ex-morador)

“Foi muito difícil às pessoas de mais idade aceitarem. Masquando se começou a pensar nisso, foi bem estruturado,bem pensado e bem explicado às pessoas que as pessoasaceitaram… Só que com esta demora toda, este faz e nãofaz, as pessoas estão a criar uma revolta. E estão a sentir-

se mesmo abandonadas porque, entretanto, foi umemparedar de casas à doida. Existem ruas onde só vivemduas ou três pessoas… As pessoas sentem-se inseguras,revoltadas e vivem no meio da lixeira… Estedesacompanhamento ocorre quando nasce o bairro novo e

já lá vão mais de 15 anos… Eu acho que estas casas pequeninas conseguiam-se recuperar e isso, para idosos,dava muito jeito porque não são grandes de tamanho e

p jardim, com quintalinho…” (Teresa Guerra, moradora)

“E creio que esta requalificação pode ser muito benéfica,até para a tal aproximação entre bairros, entrementalidades e costumes das pessoas. É evidente quehaverá aquela nostalgia do bairro antigo quedesaparece…. Mas as pessoas estão cá, e a as pessoas éque irão ter que fazer o bairro. E pode ser que nessa altura

se perceba que todas as pessoas têm que fazer o bairro - as pessoas que estão cá há menos tempo e os que estão cáhá muito tempo. Uma estrutura de vida nova pode ser querevitalize um bocado o bairro. Não tenho medo dastransformações do futuro. É uma oportunidade para obairro nascer outra vez.”(Fernando d’Oliveira, morador)

“Apesar de estarem cansados do estado de degradação dobairro velho, as pessoas sentem-se fortemente ligadas aele. E têm algum receio da mudança, o novo tipo de

construção, um modo de estar diferente, mais um tipo de prateleira…. As pessoas estão habituadas a estar na suacasinha, a paredes meias com alguém, com muito espaçoexterior… e por isso estão relutantes em relação àmudança mas também expectantes.” (Albertina Lopes, ex-moradora, funcionária do Centro de Dia da SCML)

“Vejo com bons olhos a requalificação. Mas ainda não sabemos a que preço, com que custos… qual o custo deconstrução não sabemos quanto é que as pessoas irão

pagar, e não se falou numa política clara do que vaiacontecer… Agora já se ouve dizer que o bairro vai estar emobras durante 15 ou 20 anos… e isto é inaceitável paramim. Um bairro como este, que é fechado sobre si mesmonão pode estar à espera com obras durante quinze ou vinteanos. Isso é inadmissível! Os Grupos Comunitários têm que

ser grupos de pressão… Preocupam-me as obras, comeste trânsito, o caos que vai ficar… Por vezes, parece-meque as pessoas que estão a tomar decisões não sabem oque estão a decidir…” (José Martins, morador)

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RUAS DO BAIRRO ANTIGO, NA ACTUALIDADE

“Actualmente é inevitável a requalificação. Porque aquilo“O nosso ponto forte decorre do facto de trabalharmos no

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q ç q qque o Bairro precisa é muita coisa. Muita coisa! Urgente

preparação das pessoas para as novas situações… É umaobra prevista para 10 anos – e isso tem muitasconsequências. Importante é a contribuição desse Grupode Acompanhamento com reuniões regulares de 15 em 15dias. Nós (Associação de Moradores) fazemos parte desseGrupo e é urgente começar a preparar e a formar cidadãos

para as contingências todas… Os mais novos terão maiscapacidade de alterações e de mudança mas têm queestar preparados para ajudar os mais velhos nesse

processo todo (…) Há coisas que a gente intui e deseja,outras que não sabe como vão acontecer. Mas hácaracterísticas e valores que era importante preservar (…).Mas mesmo assim, eu acho que o que vai surgir será muitodiferente do que está agora. Mesmo muito diferente. E amemória do “antes” é algo a preservar… Também há muita

gente que tem pombais, levam os pombos a concurso, masisto não pode ficar dentro dos bairros nem das habitações,

mas têm que ser criados espaços próprios. (…) Isto temque ser muito bem estudado porque por um lado hárelações de vizinhança que as pessoas querem manter ounão. O Grupo de Apoio tem que pensar muito bem todasestas situações para que se consiga dar a melhorresposta…” (Elisete Andrade, moradora e presidente daAMBCP)

O futuro do Bairro Padre Cruz e os (novos)compromissos da Gebalis

O calendário faseado, a dimensão, complexidadee consequências do processo de requalificação envolvemmuito directamente a população residente mas também asinstituições locais. Atendendo ao enorme desafio que tempela frente e às novas exigências para que é convocada, aGebalis, enquanto empresa gestora do bairro emrepresentação da CML, terá que multiplicar, aperfeiçoar,capacitar e sensibilizar o trabalho de acompanhamento noterreno. Importa firmar “pontos fortes” e corrigireficazmente os “pontos fracos”.

plocal, directamente com as pessoas. Conhecemos o bairro,as famí l i as , f azemos v i s i t a s cons tan tes deacompanhamento… A proximidade é muito importante emtermos de relações e de visibilidade que se cria sobre as

situações e os problemas. Nós, aqui, conseguimosconversar e fazer propostas. Porque também é disso que setrata. (…) Cada vez mais as pessoas têm compreendidoque a via do diálogo é a melhor solução. Temos muitos

parceiros aqui no bairro. É dos bairros que conta com mais parceiros, felizmente… a Associação de Moradores, a Junta de Freguesia, a Lua Cheia, a Santa Casa, o Futebolde Rua, E contamos sempre com todos.”(Helena Gomes,técnica)

“Existe também o problema de acabar por se dar maisvisibilidade, por parte das pessoas, ao que não corre tãobem ou aquilo que não vai ao encontro das suasexpectativas. Existe todo um trabalho que é feito, muito

boas soluções que são encontradas, mas que nenhummorador vai ao Grupo Comunitário elogiar. O ponto fraco pode ser, precisamente, o facto de não se publicitardevidamente o trabalho conseguido, as soluçõesencontradas.” (Cláudia Rocha, técnica)

Relativamente ao tempo e faseamento previstospara a requalificação, Helena Gomes refere que “Estasituação, para além dos estados de perturbação,

vulnerabilidade e insegurança que provocam (quando éque a minha casa vai abaixo? para onde vou?) acaba pordesobrigar os moradores de investir na sua casa, na suarua, no seu bairro... Esse é um processo evolutivo que temtido várias fases… Agora as coisas têm avançado. A nossapreocupação passa pela integração do bairro na cidade deLisboa, a integração das pessoas, este gostar de estar nobairro, de aqui morar, a capacitação dos própriosmoradores para colaborarem com este trabalho de modo acontribuírem para uma maior integração para todos. Istotem muito que ver com tudo o que fazemos, e de criar eestimular um sentido de pertença ao bairro, de autonomia,

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B.º PADRE CRUZ, 2010

POMBAL NO "BAIRRO ANTIGO", 2010(FOTOGRAFIA DE HUGO GUERRA)

criar capacitação, criar estruturas… de dignificação. Nóstaxas de insucesso e de abandono escolar precoce. Foi

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p ç g çsomos gestores de um património da Câmara.

É fundamental apostar na boa comunicação entreas populações realojadas e a entidade responsável pelagestão do bairro, a Gebalis. Há que insistir na consolidaçãocriativa de todo o tipo de estratégias e de acções emconjunto com a comunidade para que se promova um maispositivo sentido de pertença, e de responsabilidade pelobairro. Relembremos: “A partir do momento em que umacomunidade tem orgulho no seu bairro, o bairro está salvo.”(Helena Roseta, vereadora, CML)

Outros equipamentos centrais na vida do bairro

Porque este é um processo de requalificaçãointegrada, todos os equipamentos estão, de uma forma oude outras, envolvidos na requalificação do bairro quepassa, necessariamente pelas relações do bairro com a

cidade. A questão central que se coloca, hoje, nofuncionamento dos vários equipamentos do Bairro PadreCruz prende-se, precisamente, com a articulaçãointerior/exterior quer seja dentro do bairro, quer seja entre obairro e a cidade. Tome-se o exemplo: a escola quer dar-sea conhecer e ser reconhecida no contexto da comunidade,do bairro; a biblioteca procura trabalhar no sentido de abriros horizontes da comunidade a outras realidades econtextos sociais, contrariar o fechamento na tal “ilha” decultura(s).

O papel da escola: “valorizar a escola na comunidade” O papel da escola no bairro mereceria, por si só,

uma outra pesquisa. Compreende-se que desde osprimeiros tempos – da escola primária dos pátios divididospara o jogo da bola e do elástico – muitas mudançasocorreram. E, todas elas se reflectiram na dinâmicaescolar. No momento presente o que mais importadestacar é o investimento numa escola de segundo eterceiro ciclos instalada dentro do bairro com objectivo decontrariar dois problemas profundos desta comunidade: as

patravés das palavras de quem acompanhou este processona sua origem, que escutámos:

“Começámos esse primeiro ano, de 2001, com imensasdificuldades. Todo o bairro era em terra batida, não havia

jardins em parte alguma e projectámos os nossos jardins ea nossa humanização da escola. Percebemos que a

pop ulação escola r era de mui tos fra cos recurs oseconómicos e culturais. Tivemos conhecimento que ascasas que habitavam eram sem gestão, desarrumadas… eentão planeámos um projecto educativo que apelasse auma gestão humanizada dos espaços. Aproveitar osespaços físicos – os corredores, as entradas – e colocartodas as artes feitas pelos alunos. Ter sempre exposições

permanentes. E chamar os pais à escola, convidá-los avisitar o novo espaço.No início, o que ouvia dos pais é que esta era uma escolabranca que iria ser pintada de negro. Foram estas primeiras

palavras que ouvi destas famílias, numa reunião. A escolaabriu em Setembro de 2002 e afirmei que esta escolamanteria a sua cor.Nos primeiros 3 meses, verifiquei que nós com tantotrabalho na organização, na arrumação do espaço, das

salas, organização internamente… não conseguíamosconviver internamente sem abrir a escola ao meio porquecada aluno que vinha para cá trazia um problema. Vinhamescorraçados de outros locais, de outros meios. DeTelheiras voltavam com repetências. Em Janeiro pedimosajuda ao Instituto do Apoio à Criança.(…) Todos os anoschegam professores novos e todos os anos temos

professores que têm que sentir e conhecer - “viver o bairro”- e isso também não é fácil.

A instalação da escola no bairro também se deveu a muita pressão política. (…) Hoje, nós só temos alunos do bairro porque a escola não tem capacidade para mais.(…) Pararaqui, nesta escola, é condenar ao fracasso. A escola temque ter projectos, tem que estar humanizada, com espaçoagradáveis , sofás , plantas…Tudo is to é umaaprendizagem. E a escola ainda está branquinha! Temos

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VISTA DA "ESCOLA BRANCA", 2010

desenvolvido um trabalho para valorizar o papel da escolaÉ

desenvolve um serviço informado e muito cúmplice. Foi

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na comunidade. É muito importante que a escola sejareconhecida pela comunidade e fortalecer positivamenteesses laços. A escola tem um papel fundamental na vida dobairro, e trazer os pais à escola é das coisas mais difíceis.”

A partir do ano lectivo de 2010-11 o agrupamentode escolas do bairro passou a ser presidido pelo professor(9)António Almendra . Tivemos conhecimento que o projectoescolar prossegue com vista a consolidar as parceriasinstitucionais, a contrariar as taxas elevadas de insucesso ede abandono escolar. Contudo, mantém-se o problema doafastamento e desinteresse das famílias relativamente àescola como um grande desafio a vencer. Em resposta a anteriores pressões dos moradorese solicitação da Junta de Freguesia, foi construída einaugurada em Setembro de 2010 a nova escola EB 1,Aida Vieira. A escola recebeu o nome de uma professoraprimária do bairro prematuramente falecida em 2008.

Contudo, após um curto tempo de utilização esta escola foisujeita a remodelações e reparações atendendo àsdiferenças entre o edifício projectado e o edifícioconstruído, para além de problemas no uso e colocação dealguns materiais. Referimos esta nota porque, uma vezmais, o plenário do GC e a voz dos moradores,designadamente da Associação de Pais, tiveram que semanifestar para a resolução dos problemas.

Biblioteca Municipal Natália Correia – estimularliteracias, criar oportunidades A Biblioteca Natália Correia está integrada na rededas Bibliotecas municipais de Lisboa e, sem dúvidaalguma, que tem conseguido impor-se como um suportefundamental para os residentes, os quais representam amaior parte dos utilizadores. Ficou distante o tempo emque a Biblioteca representava “estranheza” e ameaça.Hoje é muito procurada pelos jovens, sobretudo. De referira presença e o bom acompanhamento por parte de umpessoal técnico que, em alguns casos, sendo morador dobairro, disso consegue tirar vantagens e, no seu conjunto,

através das palavras da responsável, Natália Amorim, querecolhemos um valioso e lúcido testemunho, sobre osprincipais problemas e valias do bairro.

“A biblioteca foi inaugurada em 1996 e é herdeira dabiblioteca de Carnide. Que era a biblioteca situada nasinstalações do salão de festas. Mais tarde, arranjaramestas instalações e passaram para este edifício. Estabiblioteca funciona muito aqui no bairro para o bairro. Émuito diferente de outras experiências que tenhoconhecido. É muito raro termos utentes que não sejamresidentes. Este ano foi um ano de observação dasdinâmicas, do que se espera aqui de uma biblioteca. E oque a biblioteca pode oferecer.Este bairro não é uma zona aberta. É um bairro muitofechado sobre si mesmo. (...) Têm um território culturalmuito vincado que vive muito dessa tradição bairrista

geograficamente limitada e que os fecha ou inibe à procura

de novidade… A novidade é uma ameaça. O Bairro PadreCruz tem características de conservador. A mudança não ébem vista. O que não deixa de ser curioso porque é umbairro exposto à mudança e fruto dessa mudança porquefoi um bairro que acolheu pessoas vindas de outros sítios e

poderia ser um campo fecundo para adaptação a novas situações… mas acho que não.É um bairro com história porque há aqui gente que mora hámuito tempo. Mas é curiosa a junção destas duas

situações – a da existência de uma tradição commoradores que têm história no bairro com experiência nobairro de 40 ou 50 mais anos – e, depois, a experiência deoutras pessoas que vieram de outras partes da cidade,muito mais recentemente. Há, de facto, um bairro novo eum bairro antigo. Os nossos utentes leitores são pessoasresidentes no bairro há mais tempo. Temos utilizadores dobairro novo mas que usam outros recursos que não oslivros. A biblioteca tem 1348 leitores. A esmagadoramaioria são residentes no bairro.Esta biblioteca tem alguma estratégia, não serviu “apenas”

para estender a rede. (…) As pessoas, aqui, marcam um

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território muito mais restrito e muito pouca mobilidade embairro, mas nós temos uma responsabilidade de natureza

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termos de procuras culturais em outros locais da cidade. Ea abertura da biblioteca tem que ver, precisamente, comisso – a promoção da oferta em locais que podem estarmais fragilizados, a oferta de serviços de proximidade comorganismos que tenham que ver com a educação, com acultura, com o livro…(…) É fundamental investir nadesconstrução da imagem negativa da cultura letrada queameaça, que os fragiliza… e por isso há muitas estratégiasque os atiram para a vida prática e eles acabam por nem

saber ler… Todos projectos têm que considerar as pessoas. A história tem que ter algum encanto na vida de umacriança… É isso é que põe uma criança a ler.” (NatáliaAmorim, bibliotecária, no bairro de 2010-12)

Centro Social Polivalente do Bairro Padre Cruz – umsuporte continuado da SCML A presença da SCML no Bairro Padre Cruz temlonga história conforme vimos em fases anteriores e

também mereceria capítulo próprio. Não sendo possível,faremos uma breve referência ao conjunto das valênciasoferecidas à população e um pouco do contexto deintervenção no terreno pela voz de Sofia Júdice, directoraresponsável pelo Polivalente:

“O Bairro Padre Cruz é um bairro agradável quando seentra do ponto de vista urbanístico e de arquitectura… asruas são espaçosas, estão limpas e os edifícios estãoconservados. Pelo menos, por fora, o que se vê. É umimpacto positivo. Tem espaços verdes bem tratados e bemconservados. De alguma forma fui conhecendo melhor a

zona mais antiga porque é aí que vive a maior parte da população idosa e é aquela que mais acompanhamos.Percebe-se que existe uma relação de proximidade com oespaço e com a rua. Uma relação próxima com os vizinhos.Tem uma dinâmica muito própria de solidariedade, deentreajuda… mas também vejo que acontecem um poucona zona nova… Essas relações facilitam muito a nossaactuação no bairro, a sinalização das pessoas maiscomplicadas. Todas as instituições são fundamentais no

social. Quando cheguei ao bairro, fui bem acolhida. Sintoque a SCML é uma instituição que é valorizada pela

população que sente que pode confiar e contar com oapoio nos momentos de maior vulnerabilidade… os idosos

sabem isso. O grande problema transversal é a precaridade socioeconómica… e num momento de crise estas populações sofrem um maior impacto.Este polivalente tem várias valências – creche, fechou o

jardim-de-infância, animação socioeducativa de jovens pré-adolescentes uma faixa etária (10-13 anos); espaçode inclusão digital, sala de inclusão das TIC’s – onde têm

sido desenvolvidos projectos internos. Dispõe de um centrode dia para 80 idosos; serviço de apoio domiciliário para 60idosos e o apoio domiciliário integrado que é umaintervenção conjunta entre acção social e saúde. (…) É umcentro grande. Todas as valências estão praticamente

preenchidas.Era importante que as populações dos dois bairros

interagissem mais pois o desenvolvimento do bairro só tema ganhar com isso… e capacitar as pessoas para que elastambém sejam parte integrante da solução. A participaçãoé algo muito importante, e eu gostaria de apoiar estacomunidade no sentido de a envolver na dinâmica dobairro. A função de uma instituição como a SCML étambém muito agregador, de catalisador dessa

participação.” (Sofia Júdice, Directora do Polivalente daSCML, 2011-12)

“As relações que estabelecem aqui têm que ver muito comas relações de vizinhança – o bom e o mau. Já houvealguns conflitos mas resolveram-se… mas como aqui a

sala é grande, as pessoas posicionam-se de modo adefenderem-se, a fazerem as suas triagens com quem sequerem dar… Há idosos muito solitários, muito sozinhos.

As famílias não têm capacidade para dar apoio afectivo eefectivo a estes idosos. A Misericórdia, apesar de algumascríticas que possa haver, tem sido uma instituiçãofundamental no apoio a este bairro.” (Albertina Lopes, ex-moradora e funcionária da SCML)

128

ENTRADA DO POLIVALENTE, SCML, 2010

A paróquia: reconquistar relação com a comunidadef úl d d

actividades da Associação Nacional de Futebol de Rua eCh i d d d i i

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“O meu esforço nestes últimos anos tem sido o de tentarque a paróquia seja interventiva e que seja uma paróquiade relação – que não funcione de forma isolada nemfechada relativamente às outras instituições que existemaqui no bairro. Nós não somos ‘coisas’ à parte, somos uma

parte integ rante da própria vid a do bairro, comespecificidade própria como cada um, mas existimos emrelação. E isso tem sido, de facto, nos últimos anos umdesafio muito grande: tentar restituir à comunidade o papelda paróquia. Não é só no Bairro Padre Cruz a perda dainfluência da religião. Também terá a ver com a forma como

somos educados – com outros atractivos, mais demomentos, fruições de momento. São soluções para oimediato enquanto a religião é algo de continuidade e estasofertas satisfazem mais rapidamente, viradas para omomento imediato.” (Fernando d’Oliveira, morador)

O associativismo no bairro – novos parceiros

A d i v e r s i f i c a ç ã o d o s e q u i p a m e n t o s ,estabelecimentos comerciais e coletividades existentes noBairro Padre Cruz são muito importantes para a dinâmicada comunidade funcionando como elementos agregadorese espaços de encontro – o café da Amália, por exemplo, já éoutra referência positiva no “bairro novo”. Durante esta década surgiram novos pontos decomércio, serviços e actividades diversas. Às actividadesdesportivas e recreativas já existentes, acrescentaram-seoutras com uma nova atitude associativa: desde as maisradicais (Azimute, em 2001) o futebol de rua (pelaAssociação Nacional de Futebol de Rua, em 2007) ediversificadas como o teatro de contadores de histórias(Lua Cheia, em 2009), ao Taeckwonduo, atelier de músicae ginástica de manutenção (dinamizadas pela Associaçãode Moradores), entre outras … como SOS Racismo, WACTe as mais recentemente sediadas no espaço JuntArte (paraalém da Azimute Radical, Ginga Brasil, Umbigo Teatro e

(10)Vicenteatro…) . Apesar da recolha dos váriosdepoimentos, ricos e diversos, daremos como exemplo as

Lua Cheia – Teatro para Todos, atendendo a que sintetizamum conjunto de problemáticas comuns às váriasassociações e acrescentam informação sobre os novos“vizinhos”, frequentemente ignorada pela comunidademais antiga do bairro. É material para reflexão.

Associação Nacional de Futebol de Rua – a bolasempre pr’a frente!“A Associação Nacional de Futebol de Rua foi fundada em2007 e tem que ver com a percepção de que umamodalidade desportiva – por exemplo, o futebol – pode terum papel fundamental na inclusão social.(…) Propusemosà Junta uma parceria que foi logo aceite. O bairro reuniacaracterísticas propícias ao que queríamos implementar:

grandes zonas de espaços públicos, muitos jovens,tradição de jogarem à bola com bolas de trapos, hábitos deapropriação da rua como espaço lúdico, zonas vedadas aotrânsito, este bairro tem mais jardins do que é habitual; tem

também grandes largos e planos entre os prédios, ideais para praticar o futebol de rua… A Gebalis também é parceira neste projecto.Havia essa prática de um modo espontâneo, informal…

por outro lado havia uma leitura um pouco estigmatizanteda cidade relativamente a este bairro e pensámos que erauma área com potencial para a nossa intervenção. Seriauma ferramenta de trabalho a privilegiar… Começámos pororganizar campeonatos ao longo de quatro anos e

percebemos que também era possível levar jovens destesbairros a torneios. Percebemos que, durante estes anos, os

jovens que formámos integraram-se, mudaram os seuscomportamentos, a sua motivação, a melhoria deautoestima; perceberam que havia mundos alternativosonde eles também tinham o seu lugar… Mudámos

percursos: pessoas com problemas de toxicodependência,alcoolismo passaram a investir na sua recuperação (…)Existem quatro clubes mas existe ainda uma quantidade demoradores disponível para outras modalidades, menosformais (…) Então é esse futebol de rua que nós queremosagarrar, esse futebol que nasce de modo informal, entre

129

PROGRAMA DOS 50 ANOS DA IGREJA DO BAIRRO, 2012

amigos, vizinhos…N i í i ã í h d á j

na produção de espectáculos de teatro de marionetas. Ed ã d hi

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No início não tínhamos nada, começámos a jogar na pedra; depois, formos marcando um campo, organizandotorneios… a ideia seria ter um campo nosso (…)Percebemos que há uma ruptura entre esta e a zona maisantiga do bairro (…) Verificámos que as famílias são muitodistantes dos filhos, que acumulam dois e três empregos

para subsistir, que passam muito pouco tempo com osfilhos… e que os que cá estão são os desempregados,reformados, rendimento mínimo com uma série dedesinvestimentos acumulados…Fizemos uma formação com uma série de parceirosdurante um mês – veio também a associação de pais daHorta Nova – e a ideia era depois organizar o primeirotorneio de futebol de rua. Durante dois meses todoscolaboraram (na organização, na arbitragem, nas comidas,churrascaria…) e, nesse dia, foi verdadeiramentecomunitário…. O que falhou foi a presença dos pais dos

jovens que, uma vez mais, também não estavam. (…) Mas

a partir daí ficámos mais conhecidos e ganhámos aconfiança dos moradores. Publicitámos a nossa actividadee começámos a ser chamados. E a nossa postura étambém para que as parcerias melhorem aqui dentro. Eneste momento o que está a acontecer é passar essaenergia, consolidar as parcerias. Este é um dos bairrosmais isolados da cidade. Apesar dos outros teremcondições piores em termos de condições dehabitabilidade e imagem pública… este bairro está muitoisolado… Mesmo os miúdos mais pequenos têm muitadificuldade em sair do bairro. Muitos perguntam onde éLisboa: ‘Lisboa é onde? Toda a vida passaram aqui e não

saíram de cá… como tem aqui todos os recursos acabam por não sair daqui. Criam imagens da cidade, de Lisboa,como algo inseguro, perigoso, assustador… estes miúdos

sentem que a cidade é um mundo construído pelos e paraos brancos.”(Vanda Ramlho, direcção ANFR)

LUA CHEIA – teatro para todos & mais algunsA LUA CHEIA – teatro para todos, é uma

associação de profissionais de teatro, com forte currículo

nas duas personagens que são o rosto da companhia –Maria João Trindade e Ana Enes. Desde 2009 que a LuaCheia anima o ESPAÇO LUA CHEIA onde têm desenvolvido

várias actividades, com especial relevo para as “Noites deLua Cheia” onde o “luar da palavra” ilumina as estórias e osambientes acompanhados pelo bom convívio entre chá ebolinhos, no final.

“No momento em que se abre as portas à comunidade e percebem que fazemos atividades com e para os miúdos –e que os miúdos vêm e gostam – então já ganhasterespeito, já conquistaste o teu espaço no bairro… Tem sidoum trabalho muito porta a porta. Já tivemos muito públicomas temos que os ir chamar, lembrar. Mas tem havido uma

sensibilização crescente. O número de presentes é muitovariável – se o tempo melhora vêm muito menos. Estacomunidade é muito fechada. Aos poucos vamosconseguindo… mas temos que ir devagarinho. A

adaptação foi de parte a parte. O bairro tem muitasactividades, mas a maior parte das pessoas nem sabem oque existe. Era importante haver um trabalho maisconcertado, mais actividades na rua que envolvessem a

população. Porque estes jovens têm muita carência de situações de interacção em padrões normais. É nessas situações que lhes é dada a formação e a experiência que precisam para a vida. Não nos parece que faça falta maiscomércio, pois é preciso estimular para que saiam daqui,do bairro… é um problema guetizar.” (Maria João Trindade)

Vale referir também que, não sendo nova, tambéma própria Associação de Moradores (constituída emJaneiro de 1989) tem consolidado a presença e aintervenção no bairro de acordo com a pressão dostempos, conforme referimos. Actualmente, para alémpresidir às sessões regulares do Grupo Comunitário edesenvolver as actividades inerentes à sua missãoassociativa, é parceira e consultora no trabalho derequalificação (integra as Comissões Executiva e Alargadareferente aquele processo). Mas, para além disso e nesse

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INICIATIVA DA ASSOCIAÇÃO "FUTEBOL DE RUA"

INICIATIVA DA LUA CHEIA - TEATRO PARA TODOS

preciso contexto, tem acrescido e multiplicado esforços nabili ã d it li b i lé

houve mais espírito comunitário, mais associativo. Asf d d d édi

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mobilização de recursos para revitalizar o bairro – para alémdas actividades mais ou menos regulares (Taekwondo,ginástica, música, informática…) promoveu, maisrecentemente, iniciativas (Feira do Tem Tudo, visitas epasseios…) com impactos positivos junto da comunidadedos “dois bairros”.

… E os antigos clubes desportivos – Unidos,Escorpiões e CAC

“O desporto é um dos grandes veículos da juventude dobairro

para comunicar, associar e juntar. É um manancial paraapostar.”

(prof. Freitas, JFC)

Quanto às associações recreativas/desport ivasmais antigas no bairro (Unidos, Escorpiões, CAC) verifica-

se, actualmente, que a respectiva “sobrevivência” não foi,nem é, isenta de conflitos e de constantes dificuldades. OsUnidos e Escorpiões procuram manter acesa a chama doclube apesar da sucessão de direcções e da quebra namassa associativa que, entre outros factores, têm pesadona sobrevivência dos respectivos clubes… Actualizar osprogramas e as ofertas desportivas e reafirmar a respectivaposição na comunidade são preocupações do dia-a-dia. Obairro dispõe hoje de um conjunto de equipamentosdesportivos que evidencia o continuado estímulo à práticae cultura desportiva, a saber: complexo Desportivo CarlosLourenço do CAC (Rua Prof. Arsénio Nunes); PolidesportivoBº. Padre Cruz; Pavilhão Desportivo Bº Padre Cruz; estádioDr. Agostinho Lourenço, onde actua o Clube de Futebol OsUnidos, para além dos campos/pavilhões de jogos dasescolas.

“É nos finais de tarde que se conseguem juntar. Hoje a vidatambém está a criar condições terríveis para que as

pessoas labutem de manhã à noite e está muito difícil paraas pessoas terem tempo para estar, para comunicar … E já

pessoas foram emparedadas em grandes prédios e perderam o contacto com a terra. É um contacto vital…Haverá muita gente no bairro que fala do Chico Veneno eterá coisas para contar… Ele era muito reivindicativo. Tinhaum espírito um bocado bilioso, mas era para ‘catar’ tudo

para os Unidos, porque ele era um lutador nato… Às vezesultrapassava as medidas, lá bebia o seu copito. Era umlutador. Os Unidos devem-lhe muito.(…) Os clubes hoje só

sobrevivem porque há generosidade. Há pessoas muito generosas, há dirigentes que dedicam o seu tempo à luta pelo clube e às vezes até exageradamente porque depoiscriam problemas com as famílias. É porque a desmotivaçãotambém é grande, porque há muita falta de apoios… e as

pessoas vão se desmobilizando lentamente. Esse é o grande problema. Porque há pessoas muito dedicadas. Etem que ser uma grande luta. (…) Os clubes são escolas deformação que criam hábitos que vão durar para o futuro…Esses clubes têm essa componente humana muito forte.

De vez em quando lá fazem uma almoçarada para todos. Emesmo ao nível do desporto alguns clubes têm registos anível de Lisboa muito bons. Temos campeões a nível de

primeiro grau nos Unidos, nos Escorpiões… Existemdinâmicas geracionais de pais para filhos. E isso é um

grande testemunho, um belo testemunho. E é isso tambémque não deixa morrer os clubes. Pegam nos clubes e hoje80% é malta jovem. Pode haver um ou outro carola dosmais antigos mas hoje é sobretudo malta jovem…” (prof.Freitas, JFC)

A resistente união dos Unidos“Isto é muito difícil. Em primeiro arranjar sócios em número

suficiente para fazer as assembleias. Depois as pessoascriticam mas também não ajudam nem participam. É muitodifícil. E para quem viveu e viu esses momentos de ouro doclube, é muito difícil ver o clube assim. As pessoasquebram. (…) Hoje em dia é muito difícil, não há apoios,horários…mesmo ao nível humanitário, não há o mesmoapoio… porque dantes havia orgulho, não era qualquer

pessoa que ir para director do clube. Era uma honra. Hoje,

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B.º PADRE CRUZ, 2010

qualquer pessoa pode ser directora do clube. E há pessoasq e se êm ser ir do cl be e não ser ir o cl be “(Carlos

estruturas de apoio (…) As condições de trabalho sãoessenciais porq e isso pode determinar a prestação da

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que se vêm servir do clube e não servir o clube.“ (CarlosPedro, morador e presidente do clube até 2012)

Escorpiões – “ter uma história bonita para contar” “Sinto-me com o peso de uma história bonita. Queremoshomenagear as pessoas que fundaram isto. São 16

pessoas… e o Emídio é um dos sócios fundadores. Esteano estamos a tentar trazer ao clube as pessoas que ofundaram, fizeram bem ao clube, incentivaram…Gostávamos que voltassem a ter uma relação com oclube… o bairrismo está a acabar. Essa é a grandedificuldade a falta de bairrismo e de companheirismo. Parater dinheiro, temos que trabalhar… E queremos trabalhar

para por o clube de pé e trazer dinheiro para o clube.Mobilizar os associados, puxar as pessoas que foramimportantes para o clube que voltem e ajudem o clube a ir

para a afrente… com trabalho, dedicação e amor ao clube.Porque também queremos ter um futuro bonito para

contar…” (Nuno Diogo)O CAC – um clube em afirmação“O bairro tem um problema – as gerações mais velhas têmum ódio de estimação em relação a este clube. Toda a

gente sabe que só trabalhando em conjunto é que ascoisas avançam. (…)Este clube é uma grande família onde as pessoas se

sentem bem. Onde as pessoas se sentem valorizadas etodos trabalham com objectivos comuns. Temos apoiadodiferentes causas, diferentes instituições… e estas coisasmarcam a diferença. (…) É como o projecto que temos deGoalball (11) onde o treinador da modalidade que tem10% de visão apresentou-me o projecto e eu acreditei no

projeto e dei-lhe todo o apoio. E nunca pensei que ser íamos campeões naciona is . I s to é que éempreendedorismo: as pessoas acreditarem e ajudarem-

se umas às outras… (…) O clube tem vindo a crescer emlinha recta. Hoje estamos no limite das nossascapacidades. Temos crescido controladamente. Agora jánão conseguimos crescer mais. Teríamos que ter outras

essenciais porque isso pode determinar a prestação daequipa e fazer toda a diferença.” (Vitor Cacito, presidentedo CAC)

As hortas do bairro: “porque a Natureza dá tudo…”

“Um dia que não venha à horta, não é dia para mim.”Júlio Vaz (morador)

E, no presente, retomamos questões queatravessam o nervo do tempo e nos ligam ao passado. Ashortas persistem em vincar a imagem e a vida do bairro. Éum largo campo agrícola que serve de porta de entrada aquem vem dos centros de Lisboa. Relembra-nos ancestraisequilíbrios do homem com a Natureza – e do homem com asua natureza. A necessidade da salvaguarda destesterritórios verdes e a melhor interacção/articulação com otecido urbano da freguesia começam a prender as

atenções públicas. A maior parte dos terrenos vizinhos àshortas são municipais. Porém, os talhões agrícolaslocalizados na entrada do bairro pertencem a particulares.Os moradores nada pagam porque, a qualquer momento, odono das terras poderá querê-las. É esse o acordo.

“Isto está projectado para uma outra estrada, fazer umarotunda… Quando tiver que largar isto vou para a minhaaldeia. O que me prende aqui é precisamente esteterrenozinho aqui. Trato esta terra como seja minha, com omesmo cuidado (…). Eram mais os homens que cultivavamas hortas. Os talhões são definidos de comum acordo… O

senhor engenheiro Ribeiro Telles também já cá veio.Cruzei-me várias vezes aqui com ele… Sou dos maisantigos aqui da horta, eu também vim da Quinta daCalçada. Gostei do bairro porque tinha muito arvoredo…

Aqui, planta-se de tudo…é o nabo, é a batata, é a couve, olombardo, cenouras, nabiças, grelos de nabo, feijão devárias qualidades, courgetes, alface… e ali temos a salsa,a hortelã, aqui pimentos, pepinos, as abóboras… tenhoabóboras para todo o ano… tenho tudo! Porque a natureza

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SEDE DOS ESCORPIÕES, 2010

CAC, TORNEIO DE GOALBALL

dá tudo… é preciso é saber tratá- la. Tudo o que semeamostem outra qualidade Eu aqui como e sei o que como

sobre o tema “estilos de vida saudáveis”. Trata-se doprojeto “Aim High Choose Healthy” promovido pela

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tem outra qualidade. Eu aqui como, e sei o que como …como na minha aldeia. Daí a razão de eu fazer isto. Temosaqui poços feitos por nós … poços com 10 metros!

Já têm vindo aqui as criancinhas da escola ver. Porque ascrianças não sabem como nasce uma batata, uma couve,um tomate… vêem no prato mas não sabem como apareceno prato… a partir de Maio vêm até aqui ver comonascem…” (Júlio Vaz, morador)

Para além da riqueza etnográfica (técnicas decultivo, instrumentos de trabalho, antiguidade dossaberes…), dimensões conviviais e pedagógicas, de apoioà subsistência, oportunidade de negócios inovadores,aprendizagem de cidadania ambiental… a existência dashortas, só por si, apelaria a uma mudança social eambiental assente em princípios ecológicos que bempodem servir de eixos de sensibilização e aprendizagempara uma melhor e mais sã convivência no bairro, em

cidade, em sociedade. E esta não é uma utopia, é umapossibilidade inscrita no terreno real e visível. Por isso,acredita-se que no coração do bairro reside, dormitando,também esta outra mais-valia: “uma relação com a terraem que a Cidade não é fértil nem promove.” (Contumélias:6) E, também aqui, a força e a vivacidade da história dobairro. As suas remotas origens rurais podem e devemservir de contributo para alicerçar uma nova identidadeecológica. Um outro “bairrismo verde” bem poderia ser aproposta. E o desafio que a semente da memória lança emterra de futuros mobilizando novos parceiros num trabalhoconjunto de revitalização e regeneração da vida e

valorização da representação social do Bairro Padre Cruz.Porque, afinal, o Bairro também tem direito ao (seu)futuro…

“A Europa junta-se para criar uma Horta pedagógica emCarnide!25 jovens provenientes de vários países europeus (Bósnia-Herzegovina, Itália, Estónia, Ucrânia e Portugal)encontram-se neste momento em Lisboa para reflectir

projeto Aim High, Choose Healthy promovido pela Associação SPIN e financiado pelo Programa Juventude em Acção da Comissão Europeia. (…) equipados com sachos,regadores, ancinhos e sementes, o grupo internacional de

jovens irá fazer nascer uma Horta pedagógica paracrianças dentro da nova creche da Associação Crescer aCores no Bairro Padre Cruz.(…) Irão plantar e pintardesenhos criativos e coloridos no espaço que será usado

por mais de 30 crianças dia riamente a partir de Setembro.(…) A nova creche faz parte de um projeto derecuperação da antiga escola primária na Rua do Rio Tejo.Para a criação da Horta contamos com um grande trabalhode parceria: a participação da Associação Wakeseed nafacilitação do workshop de criação da Horta, com o apoioda Junta de Freguesia de Carnide no transporte ealimentação dos 25 jovens nesse dia, cedência de plantas

por parte da CML, doação de tintas por parte da Entrajudae apoio logístico da Associação Mãos do Mundo. Será um

grandioso momento de encontro e partilha intercultural ede participação na vida comunitária!”(Agosto de 2013)

A fechar, a recomendação:

“Parece que estamos parados, mas não. Carnide está acrescer e quem vive cá há tantos anos como eu, vê… Onúcleo que aqui temos de escolas, de empresas, mesmoaqui a dois passos… Agora até temos ofertas do PóloTecnológico que já vieram ter com a associação demoradores para fazer parceria para arranjar cursos para arapaziada, para a metalo-mecânico… É um bairro comfuturo, e é uma freguesia muito boa… É, porque seolharmos à volta, temos tudo, supermercados, farmácia,…acho que o bairro está muito bem rodeado. Mesmo para

gente nova está muito bom… Por isso, gostava quefizessem as casas rapidamente. Já que as prometeram,que as fizessem rapidamente e que fizessem o que

prometeram: umas quantas casas para os ‘filhos do bairro’que tiveram que sair sem vontade e que querem regressar!E que não deitem abaixo o salão de festas…! Tenho um

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HORTAS DO BAIRRO PADRE CRUZ, 2010

JULIO VAZ NAS HORTAS, 2010

desgosto enorme se aquilo for abaixo!” (Teresa Guerra,moradora)

- (12/07) - A JFC mobiliza esforços para solucionar situaçãodas famílias ciganas do bairro do Vale do Forno

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moradora)

Não esqueçamos: resgatar a memória,compreender e validar a(s) identidade(s) locais, foi umpasso; recuperar e estimular a participação dascomunidades no respectivo desenvolvimento, será o passoseguinte. Aquele que nos faz ambicionar por um lugar, umbairro, uma cidade… mais equilibrados e justos. Ondeconstruir seja, também, criar possibilidades. E habitarsignifique partilhar e con-viver entre pessoas e ambientesque dialogam com passado e com o futuro das paisagensque queremosnossas.

Síntese cronológicaDESDE 2000 a 2012: A requalificação do bairro – ofuturo e a memória

Década de 2000

Na freguesia de Carnide: aumento da população,diferenciação das dinâmicas entre os bairros, crescimentosocioeconómico; localização de novos investimentos àescala da cidade e oferta de mais equipamentos nafreguesia (Hospital da Luz, ISLA…); construção de novas

vinhaças junto ao bairro (Quinta das Camareiras, Pólo Tecnológico...). No interior do Bairro tem início outradécada de profundas transformações - após propostas econtrapropostas, o projecto de requalificação (na zonamais antiga) toma forma de projecto para ser concretizado.2002Câmara Municipal de Lisboa com a presidência de PedroSantana Lopes – 2002 a 2004 (presidência social-democrata com alternâncias, até 2007, com CarmonaRodrigues). Em Carnide, Paulo Quaresma é eleitopresidente da Junta de Freguesia (CDU). Inaugurada aEscola EB 2-3 que amplia a oferta escolar e ficaráconhecida por “escola branca” na gíria do bairro.Formalização da Associação Azimute Radical (actividadesiniciadas em 1999) com sede na JFC mas actividades nobairro.

das famílias ciganas do bairro do Vale do Fornopressionando a CML (presidência de Pedro SantanaLopes). A intervenção camarária no bairro de alvenaria éimperativa e urgente pois perigam a população residente.2003

Terminam os processos de realojamento no bairro novoiniciados na década de 90. O NUPIC – Núcleo de Psicologiae Intervenção Comunitária – inicia act ividade na freguesia apartir do projecto “Príncipes do Nada” da responsabilidade-da PROACT.- (31/01) - Criação da Associação de Pais e Encarregadosde Educação, Escola EB 2/3 do Bairro Padre Cruz.- (17/12) - Com grande aparato policial e medidascoercivas são retiradas as famílias ciganas do bairro doVale do Forno, após 100 meses de contestação. O bairrodo Vale do Forno é arrasado,2004O Presidente da Câmara de Lisboa – Carmona Rodrigues

(ind., PSD) – comparece na reunião do Grupo Comunitáriode 21 de Março para discutir a urgente intervenção nobairro de alvenaria.Em Carnide, Paulo Quaresma (CDU), é reeleito no cargo depresidente da autarquia. Por resolução de Conselhos deMinistros, o Bairro Padre Cruz é incluído no ProgramaNacional “Iniciativa bairros Críticos” no âmbito das políticasda cidade. A questão da reabilitação ‘versus’ requalificaçãodo bairro está em discussão. Estudo de actualização daGebalis sobre o bairro antigo dá conta de 916 fogos, 844estão habitados, 72 fechados (dos quais, 32emparedados). Reforço do associativismo local eincremento da prática desportiva na freguesia: construídose inaugurados o Polidesportivo e o Pavilhão DesportivoBairro Padre Cruz; disponibilizado terreno para Os Amigosdo Jogo da Malha.2006Mantém-se a discussão sobre o futuro do bairro antigo.Confrontam-se duas propostas: a reabilitação ou arequalificação. Esta última proposta (132/2006),defendida pela vereadora Gabriela Seara, vence por

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maioria em sessão de Câmara de 29/03. Com arranqueprevisto para 2008 prevê-se a demolição integral dos 917

requalificação. A questão dos calendários e planos da obrasão temas quentes discutidos em GC As condições de

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previsto para 2008 prevê-se a demolição integral dos 917fogos de alvenaria e a construção, de raiz, de 1580 fogosassim como a venda parcial de lotes (EPUL jovem) numaárea de 12 hectares. Em Abril, o Boletim da JF dá ênfaseaos 47 anos de história do bairro..2007Nova orientação na gestão da cidade com a alteraçãopolítica do executivo camarário. António Costa (PS) é eleitopresidente da CML; no pelouro da Habitação, a vereadoraHelena Roseta (coligação Por Lisboa); no pelouro doUrbanismo, Manuel Salgado. Por motivos de financiamentofica suspensa a anterior proposta da EPUL para arequalificação do bairro. Em Carnide, Paulo Quaresma(CDU) confirma-se na presidência da autarquia.2008Visitas ao bairro por parte do executivo camarário presididopor António Costa. Em pleno verão (dia 5 de Agosto) éagendada reunião alargada do Grupo Comunitário para

iniciar a discussão sobre novo projecto de requalificação.2009No âmbito da candidatura ao QREN através do Programa“Parcerias para a Regeneração Urbana – bairros Críticos” éapresentado projecto alternativo que desbloquea impassefinanceiro. Tem a assinatura de de arquitectos da CML eprevê um calendário alargado (com intervenções faseadaspara 10 anos), dividido por 8 etapas. O projecto éapresentado e discutido no contexto do Grupo Comunitário(GC). Em Março é criado um grupo de trabalho – o GAPUR –para coordenar no terreno as operações de realojamentoprovisórios. Prosseguem as atividades associativas,sobretudo as de carácter desportivo. Nova sede daAssociação de Moradores. Multiplicam-se serviços eofertas culturais e associativas (Azimute, AssociaçãoFutebol de Rua, Teatro da Lua Cheia, …) que intervêm nobairro.No final do ano, Paulo Quaresma é reconduzido no seuterceiro mandato como presidente da JFC (até 2013).2010Novo impasse relat ivamente ao processo de

são temas quentes discutidos em GC. As condições desegurança e habitabilidade deterioram-se dia a dia.Aprovada nova estrutura de trabalho conjunto – o GABIP(Grupo de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária PadreCruz) – que substitui o GAPUR. Em algumas sessões estãopresentes a vereadora Helena Roseta e arquitecta LídiaPereira para esclarecer decisões e fases do projecto derequalificação.Em Março confirma-se o interesse comunitário pelo registodo património histórico e vivencial do bairro de que estetrabalho é testemunho.Implementação do “Projecto Barcelona” que envolve osmoradores da Rua de Barcelona, a Gebalis, JFC, CML einstituições locais. A Associação Azimute Radical aposta naintervenção cultural com o espectáculo “Ora Toma Que é dobairro” (encenação de Mário Guerra, em Junho). EmSetembro é inaugurada a nova escola EB1, Aida Vieira coma presença do Presidente da República, Cavaco Silva,

presidente da CML, António Costa, e outrasindividualidades. Em Outubro, apresentação o livro infanto- juvenil “No meu bairro aconteceu…” (inserido no presenteprojecto de investigação) por ocasião da inauguração danova escola Aida Vieira.- (30/11) - Assinatura de Protocolo de descentralização decompetências entre a CML e JFC com vista à transferênciada gestão do Auditório Natália Correia para a Junta deFreguesia.2011Os resultados provisórios dos Censos registam 22 415residentes revelando um crescimento populacional nafreguesia superior aos 18,5%. O Bairro Padre Cruz (6 468habitantes) mantém-se como o maior e mais populosobairro da freguesia. Em Março são entregues as primeiras 7chaves para as famílias a realojar no âmbito do projecto derequalificação.Por iniciativa de um ex-morador é criada a comunidade

virtual “Intas&Entas” do Bairro Padre Cruz que, em 3meses, reúne 500 membros. A curiosidade e o interessepelas memórias do bairro multiplicam-se. Criação do

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blogue “Bairro Padre Cruz” por iniciativa de outro morador.Em 2010 a CML propusera a implementação do “Bip-Zip”

No mês de Janeiro são iniciados os trabalhos de demoliçãodas casas e a terraplanagem dos terrenos relativos à fase

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Em 2010 a CML propusera a implementação do Bip Zip(bairros e Zonas de Intervenção Prioritária) e, em 2011,são aprovadas as quatro candidaturas apresentadas pelaautarquia. A escola EB1, Aida Vieira, inaugurada emSetembro, revela problemas no edificado. A situação édivulgada na televisão e jornais. As condições do comércionas lojas do mercado são outro motivo de preocupação porparte dos comerciantes e moradores.- (24/03) - Inauguração do Centro Cultural de Carnide(CCC, antigo auditório municipal Natália Correia) comonovo espaço de cultura da freguesia a desenvolverprogramação regular na sequência do protocolo dedescentralização de competências.A Associação de Moradores lança um abaixo-assinado(recolha de 1000 assinaturas em uma semana) solicitandoà CARRIS a reposição da carreira 768 aos fins-de-semanae feriados e do percurso da carreira 729.Em Junho, encontra-se quase finalizado o realojamento

das primeiras 44 famílias da primeira fase.O bairro serve de cenário para dois trabalhoscinematográficos – “Sangue do meu sangue”, de JoãoCanijo (que viria a ter grande reconhecimento nacional einternacional), e uma novela portuguesa. É aprovada acandidatura ao Apelos 21- bairros, uma iniciativa da CMLdirigida à participação em ideias para a sustentabilidadepor parte dos bairros da coroa norte de Lisboa.- (28/12) - Deflagra incêndio na Igreja N. Senhora deFátima devido a curto-circuito no presépio. A intervençãopronta de alguns moradores evita o pior. A JF assegura arecuperação da pintura interior da igreja. Uma ex-moradorarecupera habilidosamente a imagem de S. José que haviasido muito danificada.2012Visitas oficiais por parte do executivo camarário paraacompanhamento dos trabalhos. A JF e a AMBPC reforçaminiciativas para dinamizar a vida do bairro (ofertas decursos/ programas culturais no CCC, por exemplo), criammomentos de convívio (feiras de Natal, hortícolas e detrocas) bem como novos serviços de apoio à população.

das casas e a terraplanagem dos terrenos relativos à faseA0, junto ao quiosque e Serra da Luz; estão em curso osrealojamentos dos 60 agregados familiares identificadosna fase A1. São evidentes as preocupações por parte dosmoradores com os tempos entre as fases de demolição eos processos de realojamento. Realização do filmedocumental “Bairro Padre Cruz: um bairro que seja nosso”integrado no presente projecto de investigação comunitária“Construir cidade à escala humana – história e memóriasdo Bairro Padre Cruz” (Fátima Freitas e Telmo Botelho)- (17/09) - Inauguração do Posto de Correios em resposta auma longa espera por parte dos moradores. A Junta deFreguesia assegura o funcionamento do Posto instalado noCCC.- (5/10) - Celebração dos 50 anos da igreja paroquial de N.Senhora de Fátima com programação durante umasemana – exposição fotográfica “50 anos de história deuma igreja e de uma comunidade”, procissão com a

imagem de Nº Senhora de Fátima pelas ruas do bairro, doisconcertos (Orfeão dos Serviços Sociais da CML e OrquestraLigeira da Carris), celebração da eucaristia por D. JoséPolicarpo da Cruz e a homenagem a Cândida Sanches, areconhecida parteira e moradora muito estimada pelacomunidade.- (31/10) - Em cerimónia oficial no CCC, com a presença dopresidente António Costa, e de alguns vereadores, éentregue à JFC a recuperação e futura utilização da antigaescola primária Rio Tejo (em avançado estado dedegradação).- (10/11) - Novas associações promovem iniciativas nobairro; dinamização de actividades culturais por parte daCaravana da Cidadania junto ao CCC com animação daassociação cultural Ginga Brasil Capoeira.- (24/11) - Disponibilização do Transporte Solidário, umserviço de apoio à população maior de 55 anos residentena freguesia. Esta iniciativa ocorreu no âmbito do ProjectoBip-Zip, teve a ajuda da ARPIC e da Unidade de SaúdeFamiliar “Carnide Quer”.

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NOTAS

de diferente áreas de intervenção, professores, agentes de segurança,comerciantes, padres, dirigentes associativos e desportivos, … que de

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Construir cidade à escala humana1 Jorge Nicolau, ex-morador do bairro, arquitecto e professor, desenvolveinteressante trabalho de investigação sobre o Bairro Padre Cruz o quepossibilitou a partilha de perspectivas enriquecedoras.2 Após a adopção da Convenção para a Protecção do Património Mundial,Cultural e Natural, em 1972, alguns Estados-membros da União Europeiamanifestaram interesse na criação de um instrumento de protecção dopatrimónio imaterial. Considera-se património cultural imaterial aspráticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bemcomo os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhesestão associados – que as comunidades, os grupos de indivíduosreconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural, dasua herança e identidade sociais.3Em termos da documentação para a reconstituição da história factual,para além de alguma bibliografia disponível, visitámos e procurámos nos

vários arquivos da Câmara Municipal de Lisboa – arquivos fotográficos,núcleo intermédio e histórico (onde encontrámos técnicos cujoprofissionalismo merece destaque), Gabinete de Estudos Olisiponenses(a louvar o empenho e cumplicidade sempre disponibilizados), bem comono Departamento de Habitação da Câmara Municipal de Lisboa (ondepudemos contar com a ajuda da arquitecta Lídia Pereira, actualresponsável pelo projecto de Requalificação do Bairro) no apuramento domaterial cartográfico disponível.4A este propósito recomenda-se a leitura da recente obra “A cidade entreBairros” (vd. bibliografia) que permite aprofundar um pouco acomplexidade do próprio conceito/representação de “bairro”.5 Para a reconstituição das memórias, estórias de índole mais pessoal esubjectiva, recorreu-se à técnica da entrevista. Reuniu-se um conjunto deinformantes à medida dos nossos passos e intenções. Numa primeira fasenão houve a preocupação em estabelecer o número limite deentrevistas/conversas porque queríamos recolher a maior diversidade detestemunhos e permitir que o bairro se fosse revelando em diferentesângulos e descobrindo por si mesmo. Com o intuito de captar a maiorriqueza e especificidade de cada testemunho (quantos deles a merecerum capítulo inteiro!) a abordagem das questões foi moldada em função doperfil dos entrevistados e adaptada às circunstâncias do momento. Onúmero de registos gravados excedeu as 90 entrevistas e fazem parte deum espólio a disponibilizar para outros trabalhos. Reportam-se ainformantes cuja “referência geracional” e antiguidade no Bairrocorrespondem a uma ou a diferentes fases do Bairro (com acentuadadominância das primeiras fases de 1959-60 a 74 e de 1975 a 1990). Nalistagem dos entrevistados incluem-se maioritariamente moradores, ex-moradores, mas também vereadores, responsáveis autárquicos, técnicos

algum modo tiveram ou têm uma ligação directa e/ou influente nosdestinos do Bairro. (cf. nota de agradecimentos). Em todos os contactos adisponibilidade para colaborar e o entusiasmo pelo pioneirismo doprojecto foram incentivo e razão para a nossa demanda. Nas várias“visitas” e participação em eventos do Ba irro (encontros, festas, reuniõesdo Grupo Comunitários… ocorridos de março de 2010 até à presente datade edição) houve sempre preocupação em recolher informação e dar aconhecer o trabalho de pesquisa de modo a que cumprisse um dosobjectivos fundamentais: ser uma pesquisa comunitária que envolvesse aprópria comunidade.

(Fase 0) Até 1958: no início era o campo1 Manuel Cebola, recentemente falecido, foi um dos mais antigosmoradores do Bairro cujo testemunho foi particularmente significativo -pela vivacidade e importância das memórias partilhadas, pois conheceu obairro antes de ser bairro. Encontre-se neste livro um gesto de singularreconhecimento.2O valor de 3.500.000$00 (três milhões e quinhentos mil escudos)corresponde aproximadamente a 17.500 euros. No entanto fica porexplicar por que este terreno não foi expropriado pela CML uma vez que em

1958 estava em vigor o Dec. Lei 28 197, de 1 de Julho de 1938, queprevia a expropriação de terrenos para fins de interesse público tal como jáhavia sido praticado em outras situações e viria a ser repetido para aconstrução do bairro dos Olivais.3 Ao que consta a primeira monografia da Freguesia de Carnide foi escritaem 1895 pelo pároco de Carnide, José Baptista Pereira (em Carnide entre1894 e 1898), com base nos respectivos registos paroquiais. Intituladaprecisamente “Memórias de Carnide” foi posteriormente republicada em1999 com o título adulterado para “Memórias da Pontinha”. Estaadulteração decorreu da redefinição dos limites concelhios entre Lisboa eOdivelas pois a Pontinha fez parte da freguesia de Carnide até finais doséculo XIX.4 “… há que esclarecer as origens do conceito de freguesia (…) a maisantiga circunscrição territorial eclesiástica, rural ou urbana, designava-secollatio (colação), com sede numa igreja matriz. Posteriormente passou achamar-se parochia (paróquia). Simultaneamente surgiu a expressãofreguesia para designar o distrito territorial e a igreja matriz querepresentava o local de culto e o conjunto dos fregueses (do latim filiusecclesiae, que se tornou sucessivamente em filgrês, felgrês, freguês) (Vd.Martins, Jorge, p. 13).5 O Termo de Lisboa correspondeu à coroa norte e ocidental de Lisboa. Foi

variando os seus limites e fronteiras ao longo de cinco séculos de história.As primeiras referências ao Termo de Lisboa datam de 1385 e reportam-

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se a cartas de doações à cidade por parte de D. João I. A lei de20/08/1654 é o primeiro documento oficial que enumera as 31f i d T d Li b d i C id A ó l

14Nos inícios dos anos 70 surgiram novos bairros residenciais na freguesiad C id (B i N d C id B i d Q i d L H N )

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freguesias do Termo de Lisboa onde se inscreve Carnide. Após algumas variações na catalogação administrativa o Termo de Lisboa foi extinto em11/09/1852 e a área do concelho de Lisboa foi ampliada em 1886 – anoque também assinala a criação do concelho de Loures. Sabemos queCarnide integrou o concelho de Belém em 1840-1885, passou pelo dosOlivais em 1885 e fixou-se definitivamente no concelho de Lisboa, em1886, quando a freguesia já contava com 1.700 habitantes. (vd. maisdetalhadamente Martins, Jorge, pp. 16-19).6De acordo com informações soltas de Manuel Cebola (que trabalhou naQuinta da Penteeira) e António José, filho do Sr. Arménio, rendeiro deCastanheira de Moura.7 In, Livro de Lisboa, especialmente introdução (vd. bibliografia).8 De entre “os povoados suburbanos localizados a um par de léguas dafronteira da «Circunvalação», que se caracterizavam por proporcionar a«primeira paragem» a quem saía da Cidade (ou a última a quem entrava) eque possuem uma entidade evidente (…): Belém-Ajuda, Benfica, Luz-Carnide, Lumiar, Ameixoeira, Olivais. (Matos; Braga (1998): 141)9 Localizada na continuidade da linha defensiva das Invasões Francesas de

1807-1811.10 Este Regimento, após várias alterações e renomeações, é herdeiro doBatalhão de Artífices Engenheiros criado por decreto em 24 de Outubro de1812. Finalmente, em 1947, passou a designar-se por Regimento deEngenharia nº 1. No curso da história as suas tropas tiveram intervençõesdecisivas com especial relevo para a participação/comando das tropas noprocesso revolucionário do 25 de Abril. Desde 24 de Abril de 2001 que alise instalou o Núcleo Museológico do Posto de Comando do Movimentodas Forças Armadas (vd. Martins, Jorge, pp. 103-104).11 Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, posterior, Visconde de Sá daBandeira (nomeação em 1832, por D. Maria II) e Marquês de Sá daBandeira (nomeação em 1864, pelo Rei D. Luís I), foi destacado político eprimeiro-ministro de Portugal. Durante as Guerras Liberais foi militar nasquais perdeu o braço direito no Alto da Bandeira durante o Cerco do Porto.12 Outra identificação a merecer melhor investigação histórica e que parecedecorrer da existência do tal antigo cemitério para vítimas da cólera doséculo XIX.13 Vd. mais detalhadamente sobre Carnide o interessante livro (de reduzidoformato) de Maria Calado e Vítor Matias Ferreira, “Lisboa – freguesia deCarnide”, da colecção Guias de Contexto publicada pela CâmaraMunicipal de Lisboa ou, um seu resumo, no site da própria Junta deFreguesia de Carnide.

de Carnide (Bairro Novo de Carnide, Bairro da Quinta da Luz e Horta Nova)mais diversificados na composição social da população e que justificaramo maior investimento nos acessos à freguesia.15 José Teixeira (o “Teixeira”) era o comerciante mais velho e com o negócio(mercearia) mais antigo de Carnide; viria a falecer em fevereiro de 2013,somando 91 anos. Um pouco da sua longa história está documentada nolivro “Balcões com História” e no vídeo produzido pela JFC em Setembrode 2012.16 O Estado Novo corresponde ao regime político sob a ditadura de AntónioOliveira Salazar, ministro da pasta das Finanças. Embora com alteraçõesna forma e conteúdo vigorou desde 1933 até 1974.17A Carta de Atenas é um documento de compromisso, datado de 1933,redigido e assinado por grandes arquitectos e urbanistas internacionais doinício do século XX, com destaque para Le Corbusier. A Carta éapresentada como conclusão do Congresso Internacional de Arquitectos

Técnicos de Monumentos Históricos, em Atenas, na Grécia, em 1931. ACarta serviu de inspiração à arquitectura contemporânea e assentava emquatro funções básicas na cidade: habitação, trabalho, diversão ecirculação defendendo também a possibilidade de usufruto dessas

funcionalidades por parte de todos os cidadãos, o que representava algum“progressismo” inovador.18 Inspirada no modelo do Partido Trabalhista inglês a proposta de 1918 dogoverno português apresentava laivos de progressismo: “Em 1919, nogoverno presidido por Domingos Pereira e com o socialista Dias da Silva noMinistério do Trabalho, é lançado um programa muito mais ambicioso debairros sociais. Este visa garantir «os direitos e as necessidades de quemtrabalha e produz». (…) Os bairros operários teriam creche, maternidade,escola infantil e profissional, ginásio e biblioteca, sendo administrados porcomissões com participação de moradores eleitos.” (Pinheiro, Magda:311).19 A crise política da I República, a participação de Portugal na I GrandeGuerra e o período de depressão económico-social que o mundo ocidentalatravessou contribuíram para travar a implementação desta s medidas. Atardia concretização (apenas em 1928-30) onerou e comprometeu ospropósitos originais.20 O Gabinete Técnico da Habitação, da Câmara Municipal de Lisboa (GTH)foi criado em 1959 para resolver a crise habitacional de uma partesignificativa da população da capital e da zona suburbana. (…)(http://infohabitar.blogspot.pt/2010/06/habitacao-em-lisboa-memoria-do-gth-50.html21 Infelizmente, por razões de tempo e de meios, não conseguimos apurar a

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equipa da CML que, à data, teria sido responsável pelo planeamento,desenho e acompanhamento da obra do Bairro. De qualquer modo, a

ê i d t i f ã fi d l i f õ

feminina do Estado Novo português. A OMEN foi criada em 1936, e ti nhapor objectivos estimular a ação educativa da família. Pretendia contribuir

l li ã d d ã i li t d j t d

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ausência desta informação ficou compensada com algumas informaçõesconstantes das explicações e debates que se acompanham em outrosdocumentos referenciados (Relatório de Gerência Municipal de 1959 e1960 e Actas da CML 1958,1959, 1960).22 Outra nota importante reporta-se à implícita justificação (ideológica)acerca da “escolha” do material, cf. mesmo documento das Actas da CMLde 1960.

(Fase 1) 1959 a 1974: Construtores da cidade, artesãos do bairro1Os topónimos foram fixados pelo edital municipal de 8 de Agosto de 1961,na sequência de um parecer da Comissão Consultiva Municipal de

Toponímia - presidida pelo vereador João Aguiar de Sousa Coito e com os vogais Dr. Alberto Gomes, Dr. Durval Pires de Lima e Dr. Henrique MartinsGomes – de 19 de Maio de 1961, no qual se encontra a seguinteexplicação: «Por último a Comissão voltou a apreciar o pedido daRepartição de Obras Municipais, a que se refere o oficio número 5793,datado de 29 de Novembro de 1960 da mesma repartição, no sentido dese atribuir as nomenclaturas aos arruamentos do Bai rro de Carnide, tendoa Comissão emitido parecer de que os arruamentos sejam denominadoscom nomes de rios portugueses, sendo atribuídos aos arruamentosprincipais os nomes dos maiores rios e, tanto quanto possível, os seus

afluentes aos arruamentos circunvizinhos, conforme se indica narespectiva planta número 10095.»2 “Os tipos II e III das casas de fibrocimento ocupam as áreas de 24,62 m2 e29,48m2 respectivamente e os seus custos unitários estimaram-se em31.062$22 e 37.191$52 para cada tipo. Os tipos I e II de alvenaria comum piso ocupam as áreas de 28,63 m2 e 35,12m2 respectivamente e osseus custos unitários estimaram-se em 35.505$64 e 43.554$24 paracada tipo. Quanto aos tipos I e II de alvenaria com dois pisos em que seintroduziram benefícios de habitabilidade indispensáveis às necessidades

vitais presentes, as áreas ocupadas são, respectivamente, de 22,675m246,725m2, 58,10m2 e 70,70 m2 respectivamente e os seus custosunitários estimaram-se em 18.572$92, 38.145$90 e 47.432$36 e57.718$90 para cada tipo.” in Relatório de Gerência Municipal, Actas deSessões de Câmara, CML, 19603 A Legião Portuguesa (LP) era uma organização nacional que funcionoudurante o período do Estado Novo em Portugal. Criada em 1936, a LP foiextinta no próprio dia do 25 de abril de 1974. A Organização NacionalMocidade Portuguesa foi criada em 1936.. Pretendia abranger toda a

juventude – escolar ou não – e procurava o desenvolvimento “integral” dascrianças e dos jovens incluindo capacidades físicas, formação do caráctere a devoção à Pátria, o respeito pela ordem, disciplina, o culto dos deveresmorais, cívicos e militares. Foi também extinta com a revolução do 25 deAbril.A Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN) foi uma organização

para a plena realização da educação nacionalista da juventudeportuguesa e, dentro deste espírito, a organização e orientação daMocidade Portuguesa Feminina foram confiadas à OMEN. Estaorganização foi extinta por decreto, já em 1975. (informações em váriossites).4O Padre Francisco Rodrigues da Cruz (conhecido por “Padre Cruz”) nasceuem Alcochete, em 1859. Por altura das perseguições religiosas da IRepública esteve preso durante alguns dias e foi interrogado pelo próprioMinistro da Justiça de então, Afonso Costa, após o qual foi libertado.Extremamente respeitado por todos chegou a ser, durante alguns anos, oúnico sacerdote que usava a sotaina em público, ao arrepio do que estavaestabelecido na lei. Desenvolveu um intenso apostolado junto dos presos,dos mais carenciados... O seu funeral, em 1948, foi uma verdadeiramanifestação de pesar por parte do povo. O Processo Informativo deBeatificação começou em 1951 ainda durante o Estado Novo. A vida demissionário junto dos mais humildes e desprotegidos serviu ao caracterassistencialista do Estado Novo que, dentro dessa mesma linha, atribuiu oseu nome e homenageou em estátua no bairro municipal que começara aconstruir no centésimo aniversário do nascimento do “Santo Padre”(1859-1959). (informações em vários sites).5

O Serviço de Bibliotecas Móveis tivera início em 1937, ano em que seorganizaram as primeiras bibliotecas, designadas na época poritinerantes. As Bibliotecas Itinerantes tal como as conhecemos hojetiveram a sua origem em 1961 e percorriam dois itinerários na cidade.Atendendo ao sucesso da iniciativa, em 1962 e 1965, foram cri adas maisduas Bibliotecas e o número previsto de estacionamento foi alargado para48. Em 1998, devido ao envelhecimento das viaturas, já só funcionavauma biblioteca itinerante.6 “O período inicial desta carreira foi algo estranho. A própria indicação dadapela Carris era de que seguia o percurso da carreira 26A entre osRestauradores e a Estrada da Pontinha, continuando depois pela EstradaMilitar e Azinhaga da Pentieira até ao bairro. (…) Como todas as carreiras,a oferta no 41 foi sendo reduzida entre 1969 e 1973, fruto da contraçãoglobal que afectou toda a rede durante esse período. (…) Em 15 de Julhode 1973, porém, deu-se uma alteração profunda que marcaria o períodoáureo do 41: a supressão dos elétricos de Carnide (…), INhttp://historiaccfl.blogspot.pt/2009/10/41-o-autocarro-do-bairro.html7A relação entre o Estado Novo e a Igreja Católica obriga a situar váriastendências e orientações de intervenção sociopolítica no contexto daIgreja. Se, por um lado, a figura do Cardeal Cerejeira surge vinculado coma ideologia do Regime, por outro lado, também é reconhecida a existênciade grupos progressistas de reflexão e acção católica que incomodavam econtestavam o regime do Estado Novo. Vd. a este propósito, entre tantomais (Braga da Cruz; Fernando Rosas…) algumas publicações

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mencionadas no movimento “Não Apaguem a Memória”,designadamente ALVES, Pe. José da Felicidade, Católicos e Política deHumberto Delgado a Marcello Caetano 2 ª Edição Lisboa Edição de

para a atribuição de casa municipal, contribuiu para “viciar” asexpectativas de mobilidade e, de certo modo, fixar a identidadeestigmatizada do Bairro

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Humberto Delgado a Marcello Caetano, 2.ª Edição, Lisboa, Edição deAutor, s/d; e o site http://www.forumavarzim.org.pt.8 Sucessão de padres na paróquia com responsabilidade no Bairro PadreCruz: Padre António Francisco Marques (pároco de S. Lourenço de Carnidede 1952 a 1972, depois, nomeado Bispo de Santarém, em 1975);durante um ano aproximadamente: Padre Alfredo Teixeira; Padre JoaquimFrancisco Dinis; Padre Joaquim Marques da Costa (altura da aquisição daimagem de N. Srª de Fátima); Padre Artur Carreira das Neves; Padre CasalMartins (pároco); Padre António Sousa Rocha Araújo; Padre ManuelCarreira das Neves; Padre João António Alpalhão (substituto); PadreAntónio Baptista de Abreu (desde 1981 até ao presente) (informaçõesgentilmente prestadas pelo Padre António Araújo).9Joaquim Augusto Gomes Oliveira nasceu em 21/11/1965 em Lisboa. Em22 anos como ciclista (17 como profissional) percorreu 600.000 kmstendo chegado à vitória 56 vezes. Participou em 18 Voltas a Portugal,ganhou as edições de 1989 e 1993 (tendo ainda obtido um 2º lugar, cinco3º, um 4º e dois 5º lugares). Participou em provas no estrangeiro ondeobteve resultados premiados. Iniciou a carreira no Carnide Clube erepresentou clubes/patrocinadores de nomeada - o Sporting,Louletano/Vale do Lobo, Torreense/Sicasal, Sicasal/Acral, Lousa/Calbrita,

Recer/Boavista, LA Alumínios, LA/Pecol, Carvalhelhos/Boavista… Em2004 foi recordado e homenageado e recentemente esteve emprogramas televisivos como comentador da 75 Volta a Portugal embicicleta, de 2013.

(Fase 2) 1974-1990: A vivência local do(s) poder(es) e da(s)cultura(s)1 As operações SAAL [Serviço Ambulatório de Apoio Local] foram duranteum curto período, após o 25 de Abril de 74, uma intensa experiência deintervenção participativas no domínio da habitação social. Ainda hoje éuma referência pela forma como envolveu arquitectos, engenheiros,

juristas, geógrafos, sociólogos e, sobretudo, os próprios moradores debairros degradados, para lutar por uma habitação condigna e o direito a

viver e habitar a cidade. O SAAL conheceu, no espaço e no tempo, formasde acção e desenvolvimento diferenciado e, por isso, não foi o mesmo noNorte, no Centro e no Sul do País.2 Infelizmente, não foi possível recuperar os quantitativos dosdesdobramentos efectuados durante estes primeiros anos do pós-74. Aconfirmação resultou de informação junto de Helena Gomes, técnica doGabinete Local da Gebalis.3 Seria muito interessante desenvolver pesquisa acerca das representaçõesdo Bairro por parte das diferentes gerações (avós, filhos, netos). Alémdisso, o facto de os baixos rendimentos servirem de critério preferencial

estigmatizada do Bairro.4 Em termos da prática desportiva dos Escorpiões, o futebol de 11 foi aprimeira modalidade a ser praticada durante os primeiros 6 anos. Seguiu-se a ginástica e o teatro que abandonaram por falta de condições. Emalternativa implementaram a prática de futebol de salão no Pavilhão daEscola EB2/3 do Bairro Padre Cruz. Os jogos foram disputados por toda acidade de Lisboa, Odivelas e concelhos vizinhos. Conquistou vários troféusficando o registo de que “Os Escorpiões” foram vice-campeões nacionaisda 3ª Divisão da zona sul na época de 1987/88 (com a final na cidade de

Tomar), na época seguinte de 88/89 passaram à 2ª Divisão e, finalmentena época posterior de 89/90 alcançaram a 1ª Divisão. A estes galardões

juntam ainda o título de campeões de série da 2ª divisão júnior em1999/2000 e campeões de série da 3ª divisão sénior na época de2000/2001. Na modalidade da pesca também somou triunfos –campeões regionais em iniciados nas épocas de 89/90 e em juvenis91/92. O número de adeptos tem vindo a diminuir e as deslocações paracampeonatos são suportadas pelos directores e praticantes. Na práti ca deatletismo reuniram um número considerável de praticantes (passarinhos,benjamins, infantis, iniciados, juvenis. Seniores 1 e 2, veteranos) tendoparticipado nos Jogos de Lisboa e em outras provas em Lisboa, Loures eoutros concelhos metropolitanos Detêm os troféus de Joaquim Gomes

(vd. referência na cronologia) - duas camisolas amare las oferecidas pelo vencedor da Volta a Portugal em bicicleta em 1989 e 1991. A somar àprática desportiva, as festas de Natal, excursão anual à Serra da Estrela,celebração do aniversário foram episódios marcaram a vida e a memóriano Bairro. Sabe-se que hoje atravessam fase muito difícil e vivem daexploração do bar, das quotizações, dos lucros das festas recebendo anuale esporadicamente alguns subsídios.5 A Aliança Povo Unido (APU) foi uma coligação formada pelo PartidoComunista Português (PCP), Movimento Democrático Português –Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE) e, após 1998, também peloPartido Ecologista, "Os Verdes" (PEV).

(Fase 3) 1990-2000: Bairro de contrastes – o alvorecer do bairronovo e o anoitecer do bairro antigo1Isabel Guerra, in “As pessoas não são coisas que se ponham nas gavetas”,Sociedade e Território, ano 2, Janeiro 1988, p. 11. Recentemente, emJunho de 2013 “a investigadora Isabel Guerra, do DINÂMIA’CET – Centrode Estudos Sobre a Mudança Socioeconómica e o Território (ISCTE-IUL),defende que, embora o Programa Especial de Realojamento (PER) tenhadado casa a quase 35 mil famíli as, criou “guetos urbanísticos e sociais”.2 A revista Sociedade e Território é uma publicação elucidativa sobre estamatéria, expondo fundamentada crítica de especialistas sobre osproblemas do urbanismo em geral, e sobre a questão habitacional e da

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habitação social, em particular.3 Durante o período 1960 1991 os dados comparativos dos Censos para o

entidade.” in Câmara Municipal de Lisboa, DGSPH/DEPGR, Equipa Técnica – Reflexões sobre o Realojamento das Famílias Residentes noValedoForno 2003

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Durante o período 1960-1991 os dados comparativos dos Censos para oconcelho de Lisboa confirmam que a par do despovoamento,envelhecimento demográfico e terciarização do tecido urbano dasfreguesias do centro, as freguesias localizadas na periferia da cidade (StªMaria dos Olivais, Ameixoeira, Marvila, Lumiar, Benfica, S. Domingos deBenfica, Carnide…) cresceram em termos demográficos. Principaisrazões: a continuada atracção pela grande cidade junto das populaçõesrurais empobrecidas; a transferência compulsiva das populações parabairros periféricos devido a obras para a reestruturação urbana e viária dacidade e os movimentos imigratórios consequentes da descolonização.4Soares, João in, Cadernos CML/Departamento de Construção deHabitação, 54, 1996, p. 3.5

Tal como a “Semana da Habitação”, o “Encontro Nacional da Habitação”,estudos e levantamentos de iniciativa camarária: “Observatório daHabitação”, os programas RECRIA, REHABITA e RECRIPH…, entre outros.6O DGSPH – Departamento de Gestão Social do Parque Habitacional, porexemplo, é uma microestrutura camarária (1993) integrada na DirecçãoMunicipal de Habitação, Educação e Intervenção Social (DMHEIS) mas daqual dependem vários departamentos, divisões e serviços. O peso do

organigrama da gestão camarária é, muitas das vezes, um reconhecidoentrave à agilização e concretização das directivas camarárias.7A partir da década de 90 do século XX, com o surgimento de novosarruamentos na urbanização nova do Bairro Padre Cruz, conjugado com afalta de arruamentos em Telheiras onde era tradicional inse rir topónimosde catedráticos, construiu-se aí um novo núcleo de topónimos deprofessores universitários, a saber: Rua Prof. Lindley Cintra, Rua Prof.Arsénio Nunes, Rua Prof. Pais da Silva, Rua Prof. Almeida Lima, Prof. Tiagode Oliveira e Fernando Piteira Santos, Prof. Miller Guerra (Edital de07/09/1993), Prof. Sedas Nunes (Edital de 27/09/1993), ProfessorFidelino de Figueiredo (Edital de 20/01/1998), Prof. Francisco da GamaCaeiro (Edital de 20/09/1999), Jorge Vieira, Prof. Francisco Pereira deMoura, Prof.ª Maria Leonor Buescu (Edital de 15/06/2000) e também aRua de Barcelona (05/07/2000).8 A origem da comunidade cigana remontava aos finais dos anos 60. Asfamílias (cerca de 13 agregados) residiam em barracas na Falagueira,Concelho da Amadora. (…) Após 25 de Abril de 1974, a Junta deFreguesia por pressão da população, cedeu um terreno e materiais paraque esta comunidade construísse um novo bairro próximo do ColégioMilitar (freguesia de Carnide). Em 1989, as famílias foram realojadas naRua Conselheiro Ferreira do Amaral em casas de habitação social térreaem alvenaria pela Câmara Municipal de Lisboa. Em 1997 são desalojadaspela “Parque EXPO 98 S.A” por necessidade de reafectação do terreno erealojadas no Bairro do Vale do Forno – Freguesia de Carnide pela mesma

Vale do Forno, 2003.9 A PROACT, criada em 1977, é uma Unidade de Investigação e Apoio

Técnico ao Desenvolvimento Local, à Valorização do Ambiente e à LutaContra a Exclusão Social. Trata-se de uma associação privada sem finslucrativos sediada no ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho eda Empresa; é constituída por grupo de l icenciados em Economia, Gestãode Empresas e Sociologia bem como técnicos de outras áreas comexperiência no terreno que visam apoiar o desenvolvimento localprivilegiando a integração das comunidades socialmente mais

vulneráveis.10 O Secretariado Diocesano de Lisboa da Obra Nacional para a Promoção ePastoral dos Ciganos – criada em 1977 pelo Patriarcado de Lisboa – foiposteriormente transformada em IPSS. É vulgarmente conhecida pelaPastoral dos Ciganos e acompanhou desde o início o realojamento das400 pessoas de etnia cigana no bairro do Vale do Forno, situado no antigoquartel de paióis, adaptado a casas de habitação.11 Dos 97 agregados realojados, 49% ficaram no Bairro Municipal daAmeixoeira onde havia mais fogos municipais por atribuir; 16% foramrealojados no Bairro Alfredo Bensaúde e 12% na Alta Lisboa Norte. Os

restantes fogos municipais atribuídos situam-se em vários bairrosdispersos de Lisboa – Alta Lisboa Sul, Casal dos Machados, Flamenga,Horta Nova, Furnas, Olivais Sul, Padre Cruz, Armador, Sargento Abílio – porse tratar de bairros onde havia mais escassez de fogos por atribuir. (in,Camara Municipal de Lisboa, DGSPH/DEPGR, Equipa Técnica – Reflexõessobre o Realojamento das Famílias Residentes no Vale do Forno, 2003).12Este pequeno jornal associativo “Renascer esc revendo…” com edição doprimeiro exemplar em Julho-Agosto de 1994 manteve-se activo até 1997(2+26 números, no total). Porém, após 2 números surge em 1996 comum novo título “InfoRenascer” revelador do amadurecimento do projecto..

(Fase 4) 2000 a 2012: A requalificação do Bairro: o futuro e amemória1Em termos de transportes públicos de passageiros o Bairro dispõe dascarreiras nº 205, 726, 729, 747 e 768 da responsabilidade da Carris.Além disso, a uma distância de 700 m dispõe do interface da Pontinhaque oferece diversas paragens de autocarro da rede pública (Rodoviária,Carris e LT/Vimeca), estação de metropolitano na Pontinha (Linha Azul) epraça de táxis. Recentemente a população passou a dispor de uma viaciclável, integrada na rede ciclável de Lisboa, mas cujo estado deconservação inibe a respectiva utilização servindo sobretudo de caminhopedonal de ligação Pontinha/Carnide.2 Dos 97 agregados realojados, 49% ficaram no Bairro Municipal da

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Ameixoeira onde havia mais fogos municipais por atribuir; 16% foramrealojados no Bairro Alfredo Bensaúde e 12% na Alta Lisboa Norte. Osrestantes fogos municipais atribuídos situam se em vários bairros

7 Despacho nº1/GVHR/2011, publicado em Boletim Municipal nº 855 de3/02/2011

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restantes fogos municipais atribuídos situam-se em vários bairrosdispersos de Lisboa – Alta Lisboa Sul, Casal dos Machados, Flamenga,Horta Nova, Furnas, Olivais Sul, Padre Cruz, Armador, Sargento Abílio – porse tratar de bairros onde havia mais escassez de fogos por atribuir. (in,Camara Municipal de Lisboa, DGSPH/DEPGR, Equipa Técnica – Reflexõessobre o Realojamento das Famílias Residentes no Vale do Forno, 2003).3 Informações retiradas do site da Gebalis – empresa municipal, e Agenda21, Plano de Acção Bairro Padre Cruz, 2012.4 Alguns trabalhos de mestrado em arquitectura recentemente realizadossobre o Bairro Padre Cruz referem a escassez de espaços geradores deencontro e contacto entre pessoas, sobretudo no bairro novo. (vd.referências na bibliografia) (5O projecto de requalificação do Bairro Padre Cruz/QREN deu entrada como número CML-201146-DZZF e foi enviado para a Divisão de GestãoSocial.“A Câmara Municipal de Lisboa promoveu, a 31 de Maio de 2009, acandidatura de Requalificação do Bairro Padre Cruz ao ProgramaIntegrado de Requalificação e Inserção de Bairros Críticos do QREN(Quadro de Referência Estratégico Nacional). Esta proposta foi aprovadaem Agosto de 2009, tendo o respectivo protocolo de financiamento sido

assinado entre a Câmara Municipal de Lisboa e o POR Lisboa (ProgramaOperacional Regional de Lisboa), em 18 de Janeiro de 2010. Esteprograma engloba a implementação de 11 operações, num montanteglobal de investimento de cerca de 19 milhões de euros.A requalificação visa a reconversão do espaço público, infraestruturas eambiente urbano (operação 1), a construção de 2 lotes para realojamento(operação 2) a implementação de um edifício com 4 equipamentos deproximidade: creche, residências assistidas, centro de dia e serviços deapoio domiciliário (operação 5 e 6) e a construção de um campodesportivo informal (operação 9). As restantes operações promoveminiciativas de dinamização social, cultural, empreendedora e económicada população de todo o bairro.(…)”6 O novo conceito de eco-bairro aponta para uma nova política das cidadese que Portugal tem procurado acompanhar, mais recentemente, desde2007 (Programa de Cidades Polis XXI, QREN 2007-13). Nascidos danecessidade de aliar um urbanismo sustentável a um estilo de vidaecológico, a operacionalização do conceito de eco-bairro depende daacção consistente e integrada em vários domínios, desde a energia àágua, passando pelos transportes e mobilidade, o aproveitamento dosresíduos, as técnicas e escolha dos materiais de construção semesquecer a sensibilização, mobilização e envolvimento das comunidadeslocais. Procura-se alcançar novos equilíbrios entre o humano, físico e oespaço construído onde a capacidade de gerar, gerir e integrar recursosem várias vertentes procura melhorar o equilíbrio ambiental das presentese futuras populações.

3/02/2011.8 Num interessante e recente artigo, Isabel Raposo propõe uma análisesobre o modo como o poder central tem lidado com as intervençõesurbanísticas em territórios desfavorecidos sugerindo a recente mudançade paradigma: em contraste com o “paradigma higienista, racionalista efuncionalista que suporta as operações de renovação urbana assente emgeral na demolição do edificado existente e na sua substituição porconstrução nova, e o paradigma emergente, interaccionista, em que seenquadra o “construir no construído”. (vd. Raposo, 2012, “A Cidade entreBairros”, p. 112).9 No ano escolar de 2010-11 e após a realização da conversa com a DrªCristina Santos, o Dr. António Almendra passou a presidir no cargo dedirector do agrupamento de escolas do Bai rro Padre Cruz. Para colmatareste desfasamento de registos optou-se por inserir o novo e posteriortestemunho do Dr. António Almendra no documentário “Um bairro queseja nosso”, entretanto realizado, e manter o registo da Drª CristinaSantos no presente documento atendendo a que esteve no cargo dedirectora durante 10 anos e acompanhou o processo desde o seu início.10Uma outra associação com trabalho no terreno do Bai rro - SOS RACISMO

“existe desde 1990 e propõe uma sociedade mais justa, igualitária eintercultural, onde todos, nacionais e estrangeiros com qualquer tom depele, possam usufruir dos mesmos direi tos de cidadania. Também a Wact,instituição apolítica, laica, e sem fins lucrativos, forma Changemakers nobairro Padre Cruz desde 2009. “Um Changemaker WACT muda-se a sipróprio e aprende a mudar os outros. É proWACTivo: melhor e maiscidadão (…) Consideramos que a nossa experiência na área de desenho,implementação e avaliação de projectos é um dos nossos principaistrunfos. Consideramos que a nossa principal dificuldade tem sido acativação do público adulto. Esperamos continuar a apoiar projetos destetipo focados no Bairro Padre Cruz ou noutros contextos semelhantes.”(Afonso Fontoura, WACT, informação cedida por e-mail).

11Nota informativa na página da NET: a equipa de Goalball do CAC é jádetentora de um título de campeã nacional e vencedora da Taça dePortugal (época 2009/2010). Na próxima época desportiva, o clubeprepara-se para abraçar novas modalidades, continuando a fomentar aprática desportiva em jovens com deficiência.

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Outras fontes

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http://www.gebalis.pt/site/html/padre_cruz.html

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Facebook – Grupos “Intas&Entas” do Bairro Padre Cruz, e “Bairro PadreCruz”

Outros documentos• Alberto Artur Mendes – Uma vida, um testemunho, poemas, Lisboa,1988, ed. de autor • Agenda Local 21 – Plano de Acção 21 e Estrutura de Monotorização,Bairro Padre Cruz, Julho de 2012• Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa• Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa – planta topográfica deSilva Pinto (1907)• Boletins Informativos da Junta de Freguesia de Carnide (vários anos)• Boletim Proact “Príncipes do Nada”,ns 1 a 11 (Janeiro, 2001 a Outubro,2004)• Documentário de António Lopes Ribeiro, “Lisboa de Hoje e de Amanhã”,CML, 1948• Filme documental “Bairro Padre Cruz: um bairro que seja nosso”integrado no presente projecto de investigação comunitária” (FátimaFreitas e Telmo Botelho)• Folha Informativa InfoRenascer, ns 1 a 26, 1994 a 1997• Folheto Informativo “Revitalizar Bairro Padre Cruz”, Informação daCâmara Municipal de Lisboa, mensal, Janeiro 2012; depois, trimestralJulho/Setembro 2012, (ns 1 e 2)• Fotografias de Lisboa anos 40 (Estádio Nacional, Fonte Luminosa, e

Fotografias de Hugo Guerra, Fátima Freitas e Prazeres Sousa; outras,cedidas pelos moradores (fotos particulares).• Poemas, letras de marchas populares, da autoria dos moradores• Reuniões do Grupo Comunitário do Bairro Padre Cruz (desde Março2010)

Testemunhos oraisAlbertina Lopes, Alfredo Amaral, Agostinho Cristino e Ermelinda, Ana Enes,Ana Viana, António Almendra, António Araújo, António Baptista, AmáliaLemos, Amélia, António Cristino, António José, António Martins, ArmandoArtur Mendes, Armando Cipriano, Cândida Sanches, Carminda Prado,Carlos Canhoto, Carlos Faria, Carlos Inácio, Carlos Pedro, Catarina Pereira,Cláudia Rocha, Cremilda, Cristina Santos (ex-directora do agrupamentoescolar), Cristina Santos (moradora), Cristina Virgílio, Custódia Pereira,Domingas Ferreira, Elfrida Reis, Elisabete Santos, Elisete Andrade, EmídioPereira, Ernesto Costa, Estela Gonçalves, Etelviro de Jesus, FernandoFerreira, Fernando d’Oliveira, Fernando Pereira, Joaquim Fonseca, (prof.)Freitas, Helena Gomes, Helena Roseta, Ilda Silva, Isabel Dias, IsabelGeada, Isabel Maria, Isabel Santana, Isaura Marques, Joaquim Libório,Joaquim Marques, Jorge Nicolau, Jorge Subtil, Jorge Humberto, JoséAugusto Gonçalves, José Ferreira dos Santos, José Lamelas , José Martins,José Rodrigues (Zé Lagarto), José Valente, Júlia Silva, Júlio Vaz, JoaquimCruz, Lídia Pereira, Leonor Olivença, Lucinda Lamelas, Luísa Monteiro,Lurdes Faria, Lurdes Rodrigues, Manuel Campos, Manuel Cebola, ManuelJoão, Manuel Martins, Manuel Oliveira, Mari a do Carmo Costa, Maria daGraça Cristino, Maria da Graça Pereira, Maria João Trindade, Maria deLurdes Quaresma, Maria Pilar, Maria Piedade, Maria Rosa Leitão, MariaRosalina, Maria Santos, Maria Vilar Diógenes, Marieta Ferreira, MárioGuerra, Maximiana Lopes, Natália Amorim, Natália Nunes, NatáliaSantos, Nazaré, Nuno Bento, Nuno Diogo, Olinda, Paula Rodrigues, PauloQuaresma, Prazeres Sousa, Renata Lajas, Roque Amaro, Rosalina Nunes,Rui Gato, Sofia Júdice, Teresa Correia, Teresa Guerra, Teresa Martins,

Teresa Pedra, Vanda Ramalho, Vasco Estevão, Vítor Aveiro, Vítor Cacito.

Ficha técnicaDocumento integrado no Projeto de Investigação “Construir a cidade àescala humana – história e memórias do Bairro Padre Cruz” desenvolvidoentre Março 2010 e Dezembro 2012. Uma iniciativa da Junta deFreguesia de Carnide e Grupo Comunitário do Bairro Padre Cruz, apoio daCâmara Municipal de Lisboa, Associação de Moradores do Bairro PadreCruz.

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