10 2. Coesão Cristalina 2.1 - Introdução Neste capítulo, iniciamos nosso estudo dos sólidos cristalinos 1 tentando responder a uma pergunta simples: por que átomos isolados se unem para formar sólidos? A resposta também parece simples: devido à atração eletrostática entre elétrons negativos e núcleos positivos. De fato, interação Coulombiana e Mecânica Quântica são suficientes para explicar a coesão cristalina 2 . Porém, esta aparente simplicidade esconde uma imensa riqueza e variedade de maneiras pelas quais os átomos se ligam entre si para formar um sólido. Neste capítulo, iremos explorar estas diferentes manifestações da coesão cristalina tendo como guia a Tabela Periódica dos elementos, auxiliar indispensável de um físico de Matéria Condensada. Neste passeio pela Tabela Periódica, ficará clara a conexão entre a estrutura eletrônica dos átomos e as formas de coesão cristalina. 2.2 - Cristais de Gases Nobres: A Interação de Van der Waals Começamos pela coluna VIII da Tabela Periódica, a dos chamados gases nobres ou inertes. Estes elementos possuem a última camada eletrônica totalmente preenchida e preferem mantê-la assim, ou seja, permanecem com sua estrutura eletrônica praticamente inerte ou inalterada mesmo na presença de outros átomos. Neste sentido eles formam o tipo mais simples de sólido, essencialmente uma coleção de átomos neutros, cada qual com sua nuvem eletrônica esférica original. Como então esses átomos neutros se atraem para formar um sólido? A explicação está na chamada interação dipolo flutuante - dipolo induzido, ou interação de Van der Waals (ou ainda interação de London). Em mecânica quântica, dizer que um átomo possui uma distribuição esférica de carga eletrônica só faz sentido em termos de média temporal: flutuações quânticas produzem dipolos elétricos instantâneos nos átomos, que por sua vez induzem a formação de dipolos nos átomos vizinhos. A interação entre estes dipolos causa uma atração entre os átomos. 1 A definição do conceito de cristal ou sólido cristalino será feita de forma mais precisa no próximo capítulo. Por ora, basta dizer que um sólido cristalino é aquele onde os átomos se organizam geometricamente de maneira ordenada. 2 Interações magnéticas contribuem pouco para a coesão e interações gravitacionais podem ser totalmente desprezadas.
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2. Coesão Cristalina
2.1 - Introdução
Neste capítulo, iniciamos nosso estudo dos sólidos cristalinos
1 tentando responder
a uma pergunta simples: por que átomos isolados se unem para formar sólidos? A
resposta também parece simples: devido à atração eletrostática entre elétrons negativos e
núcleos positivos. De fato, interação Coulombiana e Mecânica Quântica são suficientes
para explicar a coesão cristalina2. Porém, esta aparente simplicidade esconde uma imensa
riqueza e variedade de maneiras pelas quais os átomos se ligam entre si para formar um
sólido. Neste capítulo, iremos explorar estas diferentes manifestações da coesão cristalina
tendo como guia a Tabela Periódica dos elementos, auxiliar indispensável de um físico de
Matéria Condensada. Neste passeio pela Tabela Periódica, ficará clara a conexão entre a
estrutura eletrônica dos átomos e as formas de coesão cristalina.
2.2 - Cristais de Gases Nobres: A Interação de Van der Waals
Começamos pela coluna VIII da Tabela Periódica, a dos chamados gases nobres
ou inertes. Estes elementos possuem a última camada eletrônica totalmente preenchida e
preferem mantê-la assim, ou seja, permanecem com sua estrutura eletrônica praticamente
inerte ou inalterada mesmo na presença de outros átomos. Neste sentido eles formam o
tipo mais simples de sólido, essencialmente uma coleção de átomos neutros, cada qual
com sua nuvem eletrônica esférica original.
Como então esses átomos neutros se atraem para formar um sólido? A explicação
está na chamada interação dipolo flutuante - dipolo induzido, ou interação de Van der
Waals (ou ainda interação de London). Em mecânica quântica, dizer que um átomo
possui uma distribuição esférica de carga eletrônica só faz sentido em termos de média
temporal: flutuações quânticas produzem dipolos elétricos instantâneos nos átomos, que
por sua vez induzem a formação de dipolos nos átomos vizinhos. A interação entre estes
dipolos causa uma atração entre os átomos.
1 A definição do conceito de cristal ou sólido cristalino será feita de forma mais precisa no próximo
capítulo. Por ora, basta dizer que um sólido cristalino é aquele onde os átomos se organizam
geometricamente de maneira ordenada. 2 Interações magnéticas contribuem pouco para a coesão e interações gravitacionais podem ser totalmente
desprezadas.
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Vejamos como isto funciona de forma mais detalhada. Considere dois átomos (1 e
2) separados por uma distância r. Em um dado instante, uma flutuação quântica produz
um momento de dipolo elétrico p1 no átomo 1. Este dipolo irá gerar um campo elétrico E
proporcional a p1/r3 na posição do átomo 2. Este campo elétrico, por sua vez, irá
polarizar o átomo 2, induzindo-lhe um momento de dipolo p2 proporcional ao campo
elétrico:
3
12
r
pEp
,
onde é a polarizabilidade do átomo em questão. A energia de interação entre os dois
dipolos p1 e p2 é proporcional ao produto de ambos dividido pelo cubo da distância entre
eles:
6
2
1
3
21
r
p
r
ppU
.
O sinal negativo indica que a interação é atrativa.
Existe portanto, a longas distâncias, uma interação atrativa entre os átomos e que
decai com r-6
. Esta é a chamada interação de Van der Waals, importante não apenas em
sólidos de gases nobres como também em outros sistemas moleculares. Apesar de termos
usado, na demonstração acima, argumentos puramente clássicos (exceto um! Qual?), a
origem da interação de Van der Waals é intrinsicamente quântica, e uma demonstração
mais rigorosa da dependência com r-6
será feita no Problema 1 da Lista 1. Uma interação
desta forma justifica o termo de correção à pressão na equação de estado de Van der
Waals, cuja descoberta, como já vimos, valeu ao físico holandês o Nobel de física em
1910. É uma interação fraca (se comparada às outras interações que veremos neste
capítulo), o que explica os baixos pontos de fusão e energias de coesão dos gases nobres
(Tabela 2.1).
(2.1)
(2.2)
p1
p2 r
Figura 2.1 - Representação clássica de dois átomos neutros interagindo através de seus dipolos (um
flutuante e o outro induzido). Os círculos brancos representam os núcleos, e os círculos pretos representam
a posição instantânea média dos elétrons.
12
Elemento Distância
Interatômica
(Å)
Energia de
Coesão
(eV/átomo)
Ponto de
Fusão
(K)
Parâmetros de Lennard-Jones
(10
-4 eV) (Å)
He líquido a T=0K e pressão nula 8,7 2,56
Ne 3,13 0,02 24 31 2,74
Ar 3,76 0,080 84 104 3,40
Kr 4,01 0,116 117 140 3,65
Xe 4,35 0,17 161 200 3,98
Quando os átomos se aproximam de tal modo que as funções de onda eletrônicas
começam a se superpor (overlap), uma interação repulsiva começa a ser importante. A
origem desta interação é um efeito combinado da chamada repulsão de overlap, da
repulsão Coulombiana entre os elétrons das camadas mais externas e o Princípio de
Exclusão de Pauli. Veremos isto em maior detalhe na Seção 2.3, quando tratarmos das
ligações covalentes.
Não há uma forma analítica exata para o termo repulsivo. Resultados numéricos
podem ser obtidos por cálculos de primeiros princípios, mas, em geral, formas empíricas
simples podem ser utilizadas com sucesso. A mais popular delas é uma lei de potência
repulsiva proporcional a 121 r , que, combinado ao termo atrativo de van der Waals, dá
origem ao chamado potencial de Lennard-Jones:
612
4)(rr
rvLJ
.
Os dois parâmetros livres do potencial, e são em geral ajustados para
reproduzir propriedades destes materiais no estado gasoso. Os parâmetros para os
diversos gases nobres estão listados na Tabela 2.1, e um gráfico do potencial para átomos
de Ar está mostrado na Fig. 2.2. O potencial de Lennard-Jones tem a forma típica de
basicamente todos os potenciais interatômicos: atrativo a longas distâncias, repulsivo a
curtas distâncias, com um mínimo que indica a distância de equilíbrio entre dois átomos.
Por isso, e por sua simplicidade analítica, o potencial de Lennard-Jones é bastante
utilizado em simulações do movimento atômico, conhecidas como simulações de
dinâmica molecular.
Um dado interessante da Tabela 2.1 é o comportamento do elemento He. O hélio
não se solidifica, mesmo a temperatura de zero absoluto3. A origem deste efeito está no
chamado movimento de ponto-zero: há energia cinética mesmo a temperatura zero, um
efeito intrinsicamente quântico.
3 Pode-se obter He sólido somente aplicando-se pressão hidrostática.
TABELA 2.1 – Alguns parâmetros estruturais dos sólidos de gases nobres.
Fonte: Kittel, p. 60
(2.7)
13
Como dissemos antes, a interação de van der Waals leva este nome porque
contém os ingredientes que justificam a chamada equação de estado do gás de van der
Waals4. Esta equação foi proposta por J. D. van der Waals em sua tese de doutorado em
1873 e é a maneira mais simples de se descrever gases não-ideais e transições de fases:
RTbvv
ap
2,
onde p é a pressão e v é o volume molar. Os ingredientes são precisamente um potencial
fortemente repulsivo a curtas distâncias (responsável pelo termo de volume excluído do
potencial) e fracamente atrativo a longas distâncias (responsável pela correção na
pressão), que estão contidos no potencial de Lennard-Jones, por exemplo. Mas os
expoentes 6 e 12 dos termos atrativo e repulsivo deste potencial não são os únicos a
reproduzir a equação de Van der Waals, esta é razoavelmente independente da forma
analítica específica do potencial interatômico.
4 Os gases não-ideais ou de Van der Waals são estudados no curso de Termodinâmica. Uma boa referência
é o livro de F. Reif, Fundamentals of Statistical and Thermal Physics, (McGraw-Hill, 1988).
0 1 2 3 4 5 6 7
-0.01
0.00
0.01
0.02
U (
eV)
R (A)
Figura 2.2 – Potencial de Lennard-Jones para o argônio. Repare o curto alcance do potencial atrativo,
quando comparado à região “excluída” devido ao forte potencial repulsivo.
(2.8)
14
2.3 - Energia de coesão, parâmetro de rede de equilíbrio e
módulo de bulk
A energia de coesão, o volume de equilíbrio e o módulo de bulk são três
quantidades importantes associadas à coesão cristalina. Define-se a energia de coesão
como a diferença entre a energia do conjunto de átomos isolados que compõem um sólido
e a energia do sólido. É conveniente definir a energia de coesão por átomo, de modo que
ela tenha um valor finito mesmo quando tomamos o limite termodinâmico (número
infinito de átomos).
Quando for possível escrever, ainda que de forma aproximada, a energia total do
sólido como a soma de interações entre pares de átomos, o cálculo dessa quantidade se
simplifica. Este é o caso, por exemplo, dos cristais de átomos de gases nobres que
interagem entre si pelo potencial de Lennard-Jones. Desta forma, a energia potencial por
átomo U de um sistema contendo N átomos é:
ji
ijLJ
ij
ijLJ rvN
rvN
U )(2
1)(
1 . (2.8)
A notação ij indica o somatório por todos os pares de átomos ij. Já o segundo
somatório indica a soma dupla independente por i e j, com a restrição i ≠ j e o fator ½
compensa a contagem dupla de pares. Se o número de átomos N tende a infinito e se os
átomos estão arranjados de forma periódica (como veremos de maneira mais rigorosa no
próximo capítulo), então cada átomo "enxerga" exatamente a mesma vizinhança local que
todos os demais. Desta forma, podemos contabilizar a energia potencial por átomo
escolhendo um átomo central (por exemplo i = 1) e somando por todos os vizinhos j deste
átomo central. Em outras palavras, reduz-se o somatório duplo da Eq. (2.8) a um
somatório simples:
N
j
jLJ rvU2
)(2
1 , (2.9)
onde rj r1j é a distância do íon j ao átomo central (origem). Desprezando os efeitos
quânticos, à temperatura zero a energia cinética será nula, de modo que a energia de
coesão será dada simplesmente pelo negativo da energia potencial (supondo, é claro, que
o potencial de interação entre pares vai a zero no infinito).
15
Figura 2.3 - Átomos arranjados segundo uma rede cúbica simples.
Vamos considerar um exemplo em que os átomos de gases nobres estão
organizados segundo uma rede cúbica simples, como mostrado na Fig. 2.35. Seja a a
distância mínima entre dois átomos quaisquer, também chamada de parâmetro de rede.
Podemos verificar que, neste caso, a energia potencial por átomo é:
)3(8)2(12)(62
1)( avavavaU LJLJLJ (2.10)
O primeiro termo desta soma é a contribuição dos 6 vizinhos mais próximos do átomo
central (primeiros vizinhos); o segundo termo representa a contribuição dos 12 segundos
vizinhos, e assim por diante. Desta forma, fica explícito que a energia potencial é uma
função do parâmetro de rede a. Se a pressão sobre o sistema também for nula, o sólido irá
adotar o parâmetro de rede a0 que minimiza a energia potencial, ou seja, temos que impor
a condição
0
0
ada
dU . (2.11)
Sabendo que, no caso da rede cúbica, o volume ocupado por átomo é 3av
(verifique!), podemos, alternativamente, escrever a energia potencial como função do
volume: U(v). Isto nos permite calcular a pressão hidrostática sobre o sólido a um volume
qualquer:
dv
dUvp )( . (2.12)
Além disso, a partir da derivada segunda da energia em relação ao volume, podemos
calcular o módulo de bulk, ou módulo de compressibilidade volumétrica:
00
02
2
00
vvdv
dpv
dv
UdvB . (2.13)
5 Na verdade, veremos no próximo capítulo que este não é o arranjo mais favorável energeticamente para os
sólidos de gases nobres.
16
O módulo de bulk, que tem dimensões de pressão, mede a resistência do sólido a sofrer
variações de volume sob ação de uma pressão externa, ou seja, é uma medida da rigidez
do sólido. A Tabela 2.2 mostra o módulo de bulk de alguns materiais (inclusive líquidos e
gases). O diamante “ainda” é o material menos compressível da natureza, apesar de
existirem propostas teóricas de novos materiais com módulos de bulk ainda maiores6.
Tabela 2.2 - Módulo de bulk de alguns materiais.Fonte: Wikipedia.
Material Módulo de bulk (Pa)
Diamante 442 × 109
Aço 160 × 109
Vidro 35-55 × 109
Água 2,2 × 109
Ar 1,01 × 105
2.4 - Cristais Iônicos
Investigaremos agora a coesão entre os átomos da coluna IA da Tabela Periódica
(os chamados metais alcalinos) com os átomos da coluna VIIA (halogênios). Estes
compostos, conhecidos como halogenetos alcalinos, são os protótipos de um tipo de
ligação bastante importante em FMC, a ligação iônica.
Consideremos o mais estudado destes compostos, o cloreto de sódio (NaCl),
vulgarmente conhecido como “sal de cozinha”. O mecanismo de coesão neste material
está esquematizado na Fig. 2.3. Considere um átomo de Na isolado (na fase gasosa). Sua
configuração eletrônica é 1s22s
22p
63s
1, ou seja, há um único elétron na camada mais
externa. É razoavelmente fácil arrancar este elétron e formar um íon positivo Na+. O
custo (energia de ionização) é de apenas 5,14 eV 7. Tome agora um átomo de Cl isolado,
6 "Prediction of New Low-Compressibility Solids", A. Y. Liu e M. L. Cohen, Science 245, 841 (1989).
7 Analise na tabela periódica a energia de ionização dos diversos átomos. Note que os metais alcalinos são
os átomos dos quais se pode mais facilmente arrancar um elétron.
Na + 5,14 eV Na+ + e
-
e- + Cl Cl
- + 3,61 eV
Na+ + Cl
- Na
+ Cl
- + 7,9 eV
Figura 2.3 – Mecanismo de coesão dos cristais iônicos, exemplificado para o NaCl. Veja detalhes em
Kittel, p. 67.
17
com sua configuração eletrônica 1s22s
22p
63s
23p
5. Com 7 elétrons na última camada,
necessita de apenas mais um para formar um íon negativo Cl- de camada fechada. De
fato, este elétron extra não custa nenhuma energia adicional, pelo contrário, o íon Cl- é
mais estável do que o átomo neutro, de forma que a formação do íon libera uma energia
de 3,61 eV (afinidade eletrônica). Esta energia, porém, não compensa a energia para
formação do Na+, de tal modo que, até o momento, nosso balanço energético é negativo.
Porém, este déficit energético, calculado a partir da ionização de cada íon isolado, é mais
do que compensado pela atração eletrostática das espécies iônicas: ao trazermos os íons
de Na+
e Cl- desde o infinito até a as posições que ocupam no cristal de NaCl há um
ganho energético de 7,9 eV por par de íons. Portanto, a energia de coesão do NaCl a
partir dos átomos neutros é de (7,9 - 5,1 + 3,6) = 6,4 eV (por par), o que representa uma
coesão extremamente forte, típica dos cristais iônicos. Veja na Tabela 2.3 as energias de
coesão dos diversos halogenetos alcalinos e compare com os valores da Tabela 2.1 para
os sólidos de gases nobres.
Li Na K Rb Cs
F 10,49 9,30 8,24 7,68 7,49
Cl 8,61 7,93 7,18 6,93
Br 8,24 7,55 6,87 6,62
I 7,68 7,05 6,49 6,30
Assim como nos cristais de gases nobres, a interação atrativa de Van der Waals e
a repulsão devido ao Princípio de Exclusão também estão presentes em cristais iônicos,
mas a atração eletrostática entre os íons é responsável pela maior parte da energia de
coesão. A contribuição eletrostática para a energia de coesão é também conhecida como
energia de Madelung, e seu cálculo nos põe em contato pela primeira vez com algumas
sutilezas e dificuldades associadas ao potencial Coulombiano ( ~ /1 r ).
Por simplicidade, consideremos um cristal iônico unidimensional de cargas
iônicas +q e -q. O íons positivos e negativos se alternam na cadeia unidimensional
infinita, como está mostrado na Fig. 2.4, e a distância entre íons é R.
Queremos calcular a energia eletrostática deste sistema infinito de cargas iônicas. Cada
par de íons contribui com uma energia de ij
rq 0
2 4 , onde o sinal + (-) corresponde a
cargas de sinal igual (oposto) e rij é a distância entre as cargas. A energia potencial
eletrostática por íon é portanto
+ + + + + + _ _ _ _ _
R
Íon de referência
Figura 2.4 - Cadeia unidimensional de íons separados por uma distância R. As linhas tracejadas marcam
os limites das camadas neutras, úteis para cálculos rapidamente convergentes da constante de Madelung.
Tabela 2.3 – Energias de coesão (em eV) de diversos halogenetos alcalinos a
partir dos íons isolados. Fonte: Ashcroft, p. 406.
18
0
2
0
2
0 4
1
2
1
4
1
2
1
j jji ij r
q
r
q
NU
.
O segundo somatório envolve novamente a definição de um íon de referência (veja Fig.
2.4) que escolhemos como origem (j=0), de modo que rj r0j é a distância do íon j à
origem. O índice j é um inteiro diferente de zero que vai de a . Portanto, a energia
por íon é
R
q
jR
qU
j
2
00
2
0 8
11
4
1
2
1
,
onde
00 ||
11
jj j jrR
é a chamada constante de Madelung. A primeira igualdade é a definição geral, enquanto
que a segunda corresponde ao caso específico de nosso cristal 1D. Note que a constante
de Madelung é um número adimensional relacionado às propriedades geométricas da
estrutura cristalina8 em que os íons estão localizados, não dependendo das cargas dos íons
q e nem mesmo da distância mínima entre os íons, R. Além disso, deve ser um número
positivo se o cristal iônico é estável (U 0 ). Note ainda a mudança na convenção de
sinal: + (-) corresponde agora a pares de cargas de sinal oposto (igual).
Figura 2.5 – Convergência numérica da constante de Madelung, dependendo da maneira como os termos
são somados. Os quadrados (convergência lenta) correspondem à soma expressa na Eq. (2.12), enquanto os
círculos (convergência rápida) correspondem à Eq. (2.13).
Vamos então calcular a constante de Madelung para o nosso cristal iônico
unidimensional. Agrupando os termos +j e -j na soma, temos:
8 Aguarde a definição mais rigorosa deste conceito para o próximo capítulo. Por ora, entenda como
estrutura cristalina o conjunto de posições espaciais que os íons ocupam.
(2.14)
(2.15)
(2.16)
0 2 4 6 8 10
1.0
1.2
1.4
1.6
1.8
2.0
2 ln2
Termos
19
2
1
1
1
2
1
3
1
4 .
Se tentássemos realizar numericamente esta soma exatamente na ordem descrita acima
notaríamos uma convergência bastante lenta para o resultado final (Fig. 2.5). Para este
caso simples unidimensional, a série pode ser somada exatamente usando-se a expansão
ln( )1 2 32 3 x x x x , de modo que 2 2ln . Porém, em cristais de 2 ou 3
dimensões a soma deve ser realizada numericamente, e aí nos deparamos com a
dificuldade associada ao fato de que este tipo de série é condicionalmente convergente,
significando que a convergência depende da ordem em que os termos são somados.
Há um método bastante útil para convergir a soma rapidamente. O truque consiste
em somar por camadas neutras do cristal, indicadas por linhas tracejadas na Fig. 2.4. A
primeira camada inclui o íon de referência e metade de cada um dos vizinhos mais
próximos de modo que a carga total da primeira camada é 1 1 2 1 2 0. Para cada
metade de carga inclui-se um fator adicional de ½. Considerando todas as células,
obtemos
1
1
1
1
1
2
1
2
1
3
1
3
1
4 .
Uma breve inspeção nos faz concluir que esta série é idêntica à da Eq. (2.11). O
reagrupamento dos termos desta maneira, porém, permite uma rápida convergência da
mesma, como mostrado na Fig. 2.5. Na lista de exercícios deste Capítulo, aplica-se o
método de Madelung para um cristal bidimensional.
A Fig. 2.6 mostra a densidade eletrônica em um plano do cristal de NaCl. Nota-se
que os íons são praticamente esféricos.
Figura 2.6 - Densidade eletrônica em um plano do cristal de NaCl. Fonte: Ashcroft e Mermim.
(2.17)
(2.18)
20
Dissemos que, em um cristal iônico formado por elementos das colunas I-VII
existe uma transferência de 1 elétron do cátion para o ânion. Na realidade, esta
transferência eletrônica nunca é completa: quando os íons se juntam para formar o sólido,
existe ainda uma certa probabilidade de que este elétron passe uma fração de seu tempo
em orbitais do cátion. De fato, é impossível associar rigorosamente uma carga a um íon
específico em um sólido ou molécula. No entanto, há algumas receitas que são usadas
para estimar a quantidade fracionária de carga eletrônica que é transferida do cátion para
o ânion9. Esta quantidade de carga está também associada à ionicidade ou caráter iônico
de uma ligação química. A Tabela 2.4 apresenta o caráter iônico de vários compostos, a
partir da definição de J. C. Phillips10
. Note que os halogenetos alcalinos apresentam uma
ionicidade bem próxima de 1, indicando uma transferência quase completa de um elétron.