20 2 SOMOS OS FILHOS DA REVOLUÇÃO: LEGIÃO URBANA E O BRASIL DOS ANOS 1980 Se você prestar atenção no discurso punk,você percebe que eles falavam a mesma coisa que o pessoal dos 60.O Sex Pistols falava a mesma coisa,só que com toda aquela agressividade dos 70, tipo my generation.Era outro jeito de falar de amor ,porque é algo de que o ser humano não pode escapar.Alguém pode passar o resto de sua vida martelando a sua guitarra e dizendo que odeia todo mundo,mas não esqueça:quando Johnny Rotten cantava And I don‟t care, ele era a pessoa que mais se importava. E se não tivesse se importado tanto tanto,não berraria daquele jeito.Isso eu sei porque o Legião Urbana usou o mesmo discurso punk no inicio.Uma coisa totalmente niilista,destrutiva e anarquista,mas que no fundo estava falando que queria paz e harmonia no mundo.Aconteceu que na nossa cabeça,as pessoas dos 60 tinham falado disso da maneira mais clara possível,através de flores e de amor.Não deu certo,então vamos falar de outra maneira,mais dura. 1 Este relato é de um jovem que viveu intensamente os anos 1980 no Brasil e ajuda a entender um pouco da mentalidade dos jovens no país que estavam ligados a movimentos contraculturais e eram divulgadores de seus pensamentos e ideias através do grito estridente do rock´n roll. A contracultura era um movimento marginal que se propunha a questionar a cultura dita oficial e já vinha, desde meados dos anos 1960, influenciando uma grande parcela de jovens ocidentais que se rebelavam contra as sociedades tecnocratas, tendo como principal centro divulgador de idéias os Estados Unidos da América, mas deve-se ressaltar que a Europa também deu as suas devidas contribuições para que o movimento se propagasse pelo mundo. 2 No Brasil, a contracultura foi mais evidente a partir dos anos 1970, quando houve um aumento do número de jovens da classe média entrando nas universidades, pois segundo os estudiosos da contracultura esse jovem, ao ter contato com o ensino superior, acabava conhecendo a cultura dominante e tinha conhecimento suficiente da mesma para poder criticá-la de dentro. Ao analisarmos com maior interesse o relato de Renato Russo, percebemos o quanto esse jovem que fala num outro contexto histórico, os anos 1980, carrega a permanência dessa luta contracultural e sente na pele o mal-estar da modernidade, deixando evidenciar o sentimento de estranheza de um sujeito histórico jovem perante a sociedade tecnocrata. 1 RUSSO, Renato. Conversações com Renato Russo. Campo Grande: Letra Livre, 1996. p.78. 2 PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura? 8. ed.São Paulo: Brasiliense, 1992.
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2 SOMOS OS FILHOS DA REVOLUÇÃO: LEGIÃO URBANA E O BRASIL DOS ANOS
1980
Se você prestar atenção no discurso punk,você percebe que eles falavam a
mesma coisa que o pessoal dos 60.O Sex Pistols falava a mesma coisa,só que com toda aquela agressividade dos 70, tipo my generation.Era outro
jeito de falar de amor ,porque é algo de que o ser humano não pode
escapar.Alguém pode passar o resto de sua vida martelando a sua guitarra e dizendo que odeia todo mundo,mas não esqueça:quando Johnny Rotten
cantava And I don‟t care, ele era a pessoa que mais se importava. E se não
tivesse se importado tanto tanto,não berraria daquele jeito.Isso eu sei porque o Legião Urbana usou o mesmo discurso punk no inicio.Uma coisa
totalmente niilista,destrutiva e anarquista,mas que no fundo estava falando
que queria paz e harmonia no mundo.Aconteceu que na nossa cabeça,as
pessoas dos 60 tinham falado disso da maneira mais clara possível,através de flores e de amor.Não deu certo,então vamos falar de outra maneira,mais
dura.1
Este relato é de um jovem que viveu intensamente os anos 1980 no Brasil e ajuda a
entender um pouco da mentalidade dos jovens no país que estavam ligados a movimentos
contraculturais e eram divulgadores de seus pensamentos e ideias através do grito estridente
do rock´n roll. A contracultura era um movimento marginal que se propunha a questionar a
cultura dita oficial e já vinha, desde meados dos anos 1960, influenciando uma grande
parcela de jovens ocidentais que se rebelavam contra as sociedades tecnocratas, tendo como
principal centro divulgador de idéias os Estados Unidos da América, mas deve-se ressaltar
que a Europa também deu as suas devidas contribuições para que o movimento se
propagasse pelo mundo.2
No Brasil, a contracultura foi mais evidente a partir dos anos 1970, quando houve um
aumento do número de jovens da classe média entrando nas universidades, pois segundo os
estudiosos da contracultura esse jovem, ao ter contato com o ensino superior, acabava
conhecendo a cultura dominante e tinha conhecimento suficiente da mesma para poder
criticá-la de dentro.
Ao analisarmos com maior interesse o relato de Renato Russo, percebemos o quanto
esse jovem que fala num outro contexto histórico, os anos 1980, carrega a permanência dessa
luta contracultural e sente na pele o mal-estar da modernidade, deixando evidenciar o
sentimento de estranheza de um sujeito histórico jovem perante a sociedade tecnocrata.
1 RUSSO, Renato. Conversações com Renato Russo. Campo Grande: Letra Livre, 1996. p.78.
2 PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura? 8. ed.São Paulo: Brasiliense, 1992.
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Luciano Carneiro nos ajuda a entender como foi criada a noção do “ser jovem”
associada à música gênero rock, quando nos diz que:
[...] Em outros termos,uma determinada noção de juventude tendo como
referência uma parcela específica de jovens,acabou sendo tomada e difundida pelos meios de comunicação de massa enquanto sinônimo do
„ser jovem‟ num processo no qual cristalizou-se um modelo de juventude
fundamentado em símbolo de alta carga de positividade na sociedade de consumo[...]Enfim,um momento em que se admite muito do que deve ser
restringido na vida adulta,no qual tolera-se atitudes inadmissíveis „ao pai
de família‟(atitudes perdulárias, por exemplo) [...]3
E continua: “[...]É precisamente esta imagem de juventude que acabou sendo associada
a partir da indústria cultural ao rock,na seguinte lógica: a música do prazer para a fase do
prazer.4
Essa parcela da juventude associada ao rock é urbana e tentava aproveitar essa fase
áurea da vida ao máximo, antes que a mesma termine, pois para muitos desses jovens a
passagem para a vida adulta seria um rito de passagem dramático5, por isso atitudes radicais
são até permitidas nessa fase, pois como já vimos seria a fase mais prazerosa da vida desse
sujeito social.
Assim como Renato Russo, esses jovens que nasceram no final dos anos 1950 e início
dos anos 1960 cresceram num ambiente de repressão, os anos escuros dos porões ditatoriais,
estes foram chamados pelos estudiosos de os filhos da ditadura.6
Estamos falando dos anos 1980, do período em que um jovem que se considera
contestador das normas e padrões vigentes já possuía uma relativa liberdade no Brasil para
poder se expressar, mas essa liberdade não era total. Essa juventude dos anos 80 ainda
experimentou alguns resquícios da opressão do período militar. Seria incoerente afirmar que
os jovens ligados aos movimentos artísticos nos anos 80 receberam o mesmo tratamento de
choque que os jovens dos anos 60. O certo é que esse jovem, quando atingiu a maioridade nos
80, tinha muito a falar e a vontade de se expressar contra a sociedade que lhe era imposta. Às
3 ALVES, Luciano Carmelo. Flores no deserto: a Legião Urbana em seu próprio tempo. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. 4 ALVES, 2002.
5 NERY, Emilia Saraiva. Juventude, ansiedade e a história: um estudo a partir de letras de música
rock. Monografia (Curso de Licenciatura Plena em História) – Universidade Federal do Piauí,
Teresina, 2005. 6 CARVALHO, José Murilo de. O Brasil de Noel a Gabriel. In: CALVACANTE, Berenice;
ELSENBERG. (Orgs.) Decantando a republica: inventário histórico e político da canção popular
moderna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
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vezes essa vontade é tão grande que ele usa não apenas a voz ou seus escritos para exacerbar
sua condição de “ser jovem”, ele também usa o corpo para protestar. Como exemplo basta
lembrarmos do lendário episódio em que Renato Russo corta os pulsos num momento de crise
existencial7ou pensarmos nos jovens adeptos do movimento punk que usavam pedaços de
ferro fixados no corpo (nariz, orelha, lábio) e cabelos diferentes, tudo com a intenção de
chocar a sociedade que os oprimia.8
É perceptível que essa nova geração dos 1980, no período da chamada
redemocratização no Brasil “[...] já não era tão cativada pela música popular brasileira,que
muitas vezes,se expressava com letras carregadas de denúncia social e lançando mão de
metáfora para driblar a censura da década anterior.”9
A forma com que os artistas da MPB faziam suas canções já não encontrava tanta
compatibilidade com o que esse jovem dos anos 1980 sentia, até porque as canções críticas
dos anos 60 eram tão metaforizadas, para evidentemente passar pela crítica que, quando a
canção chegava ao receptor, no caso o público, já não tinha o sentido original que o emissor
da canção protesto havia imaginado. Nos anos 1980 uma canção de protesto já tinha uma
certa liberdade para ser direta, por exemplo ao ouvir a canção “Que país é esse?” era mais
fácil entender o que o compositor estava sentindo naquele momento em relação ao que
acontecia no país.
Nesse contexto de maior liberdade de expressão é que surge o grupo Legião Urbana. Os
integrantes dessa banda de rock acreditavam estar fazendo um som altamente influenciado
pelo movimento punk que, no Brasil, ganha maior visibilidade nos anos 1980.
O punk é um fenômeno que surgiu basicamente em meados da segunda metade dos
anos 70, mesmo sabendo que não se pode descartar a possibilidade de o mesmo já acontecer
antes. O movimento teve como centro irradiador a Inglaterra e os Estados Unidos da América;
espalhando-se logo depois por outros países. O termo punk, em inglês, tem vários
significados, mais o comumente usado é de “pessoa desqualificada, inútil, sem valor” e era
assim que se sentiam os jovens adeptos do movimento punk, que em sua maioria eram filhos
de operários e sentiam dificuldade para entrar no mercado de trabalho, mas usavam essa
condição desfavorecida como uma motivação para se rebelarem contra o “sistema” que os
oprimia, chegando a ter uma postura anarquista. Ser radical, aproveitar ao máximo o presente
7 DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
8 ALEXANDRE, Ricardo. Punk. In: ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos
80. São Paulo: DB&A, 2002. p.19. 9 CARMO, Paulo Sérgio do. Os 80: o rock balança a MPB. In: CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da
rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: SENAC-SP, 2003. p. 139.
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pois o futuro era incerto compunham o “ser jovem” punk. Os jovens acreditavam no slogan
do movimento do it your self ou “faça você mesmo”.10
Em termos musicais surge o punk rock atrelado aos punks essa vertente do rock surge
com a intenção de simplificar uma música; contando com apenas três acordes, era uma música
rápida e agressiva, cuja ênfase estava nas letras carregadas de denúncia social. O punk rock
era o lado oposto da vertente considerada “bom exemplo de rock”11
. Estamos falando do rock
progressivo, feito por músicos que em sua maioria eram adeptos da música erudita. Nesse tipo
de rock a ênfase era na sonoridade e a letra da música era um mero complemento dos enormes
solos de guitarra ou outro instrumento. Dessa forma, qualquer um podia se aventurar a fazer
punk rock já que este não necessitava de muito conhecimento de técnica musical para ser
feito.12
Paulo Sérgio do Carmo afirma que “nesse processo, é importante assinalar que no Brasil
não houve uma cópia importada, mas uma identificação adaptada a nossa realidade”13
e que se
deve ter em mente que o movimento punk passa por uma resignificação ao adentrar o país e
acaba por se tornar um movimento de gangue. Os jovens que viviam no maior estado
industrial brasileiro (São Paulo) tornam-se os pioneiros no estilo musical punk rock; havendo
ainda atritos entre as gangues de cidades vizinhas à capital paulista, caso das cidades do ABC
paulista (Santo André, São Bernardo e São Caetano).
Esse jovem brasileiro que vivia a margem da industrialização se identificava como
proletário e se sentia excluído do acesso à diversão e à cultura, mas via através do raivoso
som punk rock uma alternativa para externalizar sua condição de jovem, falar de sua realidade
periférica e muitas vezes manifestando orgulho de não ser adepto do padrão de vida
burguês.14
Nesse contexto fica evidente que eram jovens, pregando aquilo que os artistas
profissionais que se consolidaram nos anos 1970 na MPB não tinham mais como pregar, já
que, agora, a situação jovem era totalmente diferente nos anos 1980.15
10
ALVES, Luciano Carmelo. Flores no deserto: a Legião Urbana em seu próprio tempo. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. f. 150. 11
ALVES, 2002. 12
ALVES, 2002. 13
CARMO, 2003. 14
Muitas vezes os grupos de punk rock se deslocavam para os shows através do transporte público, o
que, na visão do jovem punk era o máximo. Seria uma forma de vivenciar-se na própria pele a
condição de ser proletário e de negar a sociedade consumista ao não possuir um meio de transporte próprio. ALEXANDRE, 2002. 15
ALEXANDRE, 2002.
24
Nesse cenário do punk rock brasileiro os grupos desse estilo levaram muito a sério o
“faça você mesmo”, pois os jovens divulgavam o show através dos fanzines16
e muitas vezes
tocavam apenas por diversão ou bebida, desde que muitos dos integrantes desses grupos
musicais já exerciam alguma atividade profissional e podiam manter os equipamentos
necessários para os shows. Muitos grupos se tornaram pioneiros nesse estilo musical no
país,17
indo tocar com a cara e a coragem em porões de casas antigas ou bares alternativos das
cidades.
Segundo Paulo Sérgio do Carmo, os grupos que aderiram à ideologia do movimento:
Os punks não se interessavam pela MPB por tratar-se, muitas vezes, de canções de protesto composta por artistas oriundos da classe media,que se
tornaram ‟burgueses‟ com o sucesso e ganharam dinheiro às custas da
romantização da pobreza ou com melosas canções sobre desencontros amorosos. Essas eram músicas com temas distantes da realidade urbana da
moçada[...].18
Percebemos ao ter contato com estudiosos da história do rock mundial19
que nos anos
1980 explode o estilo musical denominado new wave e pós-punk. O primeiro tinha como
característica fundamental o casamento do áudio com o vídeo que tanto foi carimbado na
mente dos jovens dos anos 80 pela (Music Television) MTV nos Estados Unidos da América
e que foi criado para rotular todos os grupos musicais surgidos no fim da euforia do
movimento punk. Musicalmente a new wave superava em partes as limitações sonoras do
punk-rock, mas, ao mesmo tempo, bebia na mesma fonte, devorando-o e o ressignificando e
às vezes chegando à conclusão de que um pop-rock alegre e bobinho não tinha a
agressividade que o movimento punk descarregava na sociedade. A banda símbolo desse
estilo no rock mundial era o The Police20
. Já o pós-punk era musicalmente mais vanguardista
com um som que mesclava ruídos de guitarra, sons de microfonia e experimentos de timbres
esquisitos. Essa vertente não usava os meios massivos de comunicação para fazer a
16
Uma forma de divulgar os shows que iram acontecer, consistia no envio de mensagens ou gravuras
desenhadas ou pintadas no papel e depois reproduzidas em máquinas de xérox para baratear e
aumentar a produção dos mesmos. 17
Dentre os principais grupos podemos citar: Cólera, Inocentes, Verminoses e outros. Ricardo
Alexandre (Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80) e Arthur Dapieve (BRock: o rock brasileiro
dos anos 1980 no Brasil) apontam características e entrevistas dos principais grupos de música rock que surgiram nos anos 1980 no Brasil. 18
CARMO, 2003, p.148. 19
FRIEDLANDER, 2002, p. 370. 20
O The Police era uma banda formada por 3 jovens na Inglaterra em meados de 1977 mesclando reggae, ska em melodias pop e que tinha no vocal o cantor Sting que mesmo com o fim da banda
continuou ganhando fãs na sua carreira solo. ALEXANDRE, 2002.
25
divulgação. Os grupos musicais adeptos do pós-punk contavam com os circuitos alternativos
de música para alavancar sua arte21
.
O grupo Legião Urbana talvez já estivesse nesse cosmopolitismo sonoro, já que
percebemos canções do grupo tendenciando para new wave e outras mais vanguardistas
sonoramente chegando ao pós-punk. Ao termos contato com a biografia do compositor e líder
do Legião Urbana22
, percebemos que a maior parte dos integrantes eram filhos de classe
média23
e não eram tão proletários como pregava-se o movimento punk. O próprio Renato
Russo afirma que esses jovens que se reuniam para falar de música, beber e fumar eram punks
de fim de semana24
. Ao pensarmos no jovem punk brasileiro e em todas as características que
lhe eram atribuídas, realmente ser punk para esses jovens de classe média de Brasília era um
paradoxo.
Do ponto de vista da sonoridade percebemos muito da influência do punk rock no grupo
pesquisado. Como exemplo justificativo dessa aproximação do grupo Legião Urbana com a
proposta do punk-rock, basta lembrarmos da música Que país é esse, onde esta canção
harmonicamente composta por “3 acordes”, bem no estilo punk-rock de ser e de se fazer,
mostrando-se uma canção com guitarras carregadas de som distorcido e agressividade na
letra, incorporando bem o estilo do do-it-yourself (faça você mesmo).
Mas na nossa pesquisa não queremos sustentar como verdade absoluta que todas as
canções do Legião Urbana constantes nos quatro primeiros álbuns mantinham aproximação
apenas com a proposta do punk-rock. Aqui também percebemos que o próprio compositor já
assumia sua ligação com o pós-punk, new wave e até mesmo com artistas emblemáticos dos
anos 1960: “[...]Eu queria cantar que nem Iggy Pop,David Bowie,Jim Morrison,diferenciava.
E eu estava tentando escrever como Bob Dylan e John Lydon.Referências,referências[...]”25
Ao observar os referenciais musicais de Renato Russo, fica menos complexo entender
como esse modo de ser jovem cosmopolita vai se constituindo, quando se fala de uma cultura
musical nos anos 1980, pois percebe-se que esse jovem consumia tanto compositores
clássicos dos anos 1960 como Bob Dylan, que alavancou toda uma geração com seu rock
folk, e “David Bowie”, que é considerado no cenário do rock mundial como o “camaleão do
21
ALAXANDRE, 2002. 22
DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. 23
Com exceção de Renato Rocha, que era filho de sargento militar, os demais integrantes pertenciam à
família de classe média, como é o caso de Dado Villa-Lobos que era filho de diplomata e Renato
Russo, filho de economista do Banco do Brasil, tendo os dois morado fora do Brasil e uma grande
bagagem cultural para os jovens que frequentavam a chamada “turma da Colina”. 24
ALEXANDRE, 2002. 25
DAPIEVE, 2006.
26
rock” por possuir uma grande capacidade de se adaptar em diferentes estilos de música rock e
em diferentes contextos temporais.
Um instrumento de repressão que foi amplamente usado durante o período ditatorial
continuava sendo nos anos 80 o principal inimigo da juventude ligada aos movimentos
culturais: a policia. Aqui cabe duas canções do grupo por nós analisado: Baader-Meinhof
Blues (1985) e Faroeste Caboclo (1978-1987).
A violência é tão fascinante
E nossas vidas são tão normais E você passa dia e noite e sempre vê
Apartamentos acesos. Tudo parece ser tão real
Mas já vimos esse filme também.26
[...] Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez, Violência e estupro do seu corpo
Vocês vão ver, eu vou pegar vocês [...]
[...] Agora santo cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general[...]27
Percebemos, nas letras, como esse jovem se expressava sobre a institucionalização da
violência através do órgão repressor policial. Essas canções expressam um sentimento de
descontentamento com esse órgão policial que ao invés de proteger o cidadão acaba é por
generalizar a violência, ao ponto de ser considerada normal a violência institucionalizada
pelo estado. Essas canções são compostas numa fase em que a banda Legião Urbana
acreditava no ideal punk e nada mais correto para um jovem que se diz punk do que botar em
prática o lema do movimento “faça você mesmo” e enfrentar, mesmo que muitas vezes
apanhando, o inimigo de frente. Quando revisitamos as histórias de vida desses jovens vimos
que confrontos de jovens punks contra a polícia eram algo comum. Vimos em parágrafos
anteriores que punk no Brasil acaba se tornando sinônimo de movimento de gangue e muitas
vezes a violência era estimulada não apenas contra a policia, mas também contra gangues
punks rivais. Nesse contexto, outra canção emblemática contribui com versos expressivos:
NAPOLITANO, Marcos. A historiografia da música popular brasileira (1970-1990): síntese bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica. Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte,
Uberlândia, v. 8, n. 13, 2006, p.145.
41
Algo bastante recorrente nas produções acadêmicas dos anos 1980 eram as biografias
dos grandes expoentes do samba, ainda conforme Marcos Napolitano:
No geral,tais biografias oferecem,na melhor das hipóteses,perfis
sociológicos, dados biográficos e psicológicos, panoramas de épocas,além de mapear a obra dos biografados. Neste sentido,servem como ponte para
outros ensaios temáticos mais verticalizados.Foram e são valiosas como
elementos de referência, cobrindo lacunas informativas que permitem aprofundar temas conexos.
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E ainda:
Também no início dos anos 1980 esboçou-se um certo boom de pesquisas na área de letras sobre música popular brasileira. Além de MPB stricto sensu,o
samba passou a ser objeto de análise poético-musical. Desfeitos junto à
PUC-Rio. São desse momento ainda as obras igualmente pioneiras de Adélia
Meneses, uma análise literária sobre Chico Buarque,e de Antonio Pedro, sobre o samba durante o Estado Novo. Em todos esses trabalhos a ênfase no
exame das letras, isoladas de outros parâmetros estéticos e culturais da
canção, constitui um primeiro olhar metodológico mais sistemático sobre o sentido histórico e cultural das canções. Com o tempo, tal abordagem passou
a ser criticada pelo campo de estudos da música popular, sem prejuízo do
impacto que essas obras tiveram em sua época, junto a programas universitários até então refratários ao tema. De qualquer forma, certas
perspectivas desses trabalhos determinaram alguns eixos de discussão. Por
exemplo, a tipologia de canções que conformam a obra de Chico Buarque,
proposta por Adélia, ainda não foi superada significativamente por nenhum outro trabalho sobre o compositor (lirismo nostálgico, canções de
repressão,variante utópica,vertente crítica), bem como a importância da
música popular para o projeto ideológico do estado novo,tantas vezes retomada na pesquisa acadêmica. Nos anos 80, surgiria um outro viés de
análise, que passou a examinar as tensas relações entre „erudito‟ e „popular‟
na música brasileira, merecendo menção a obra de fôlego de Arnaldo Contier sobre a modernidade musical em Villa-Lobos, concluída em 1988,