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Hispania, LXIV/1, num. 216 (2004)
O GOVERNO E A ADMINISTRAO DO BRASIL SOB OS HABSBURGO E OS
PRIMEIROS BRAGANA*
por
PEDRO CARDIM Universidade Nova, Lisboa
RESUMEN: La historiografa dedicada al gobierno y a la
administracin del Brasil en el perodo 1580-1700 ha conocido un
desarrollo muy significativo. Adems de haberse registrado una
interesante discusin conceptual, se asiste a la formulacin de una
serie de nuevos modelos interpretativos, as como a la apertura de
temas y campos poco o nada explorados. El fin de este artculo es
caracterizar esta evolucin y llamar la atencin sobre este
estimulante terreno historiogrfico en el que, tras d-cadas de
separacin, la historia del Antiguo Rgimen en Amrica y Europa
apare-cen cada vez ms sintonizadas.
PALABRAS CLAVE: Brasil colonial. Historia Atlntica. Gobierno.
Admin-istracin. lites luso-brasileas. Siglos XVI-XVII.
ABSTRACT: The historiography dedicated to the government and
administration of Brazil in the period 1580-1700 has recently
experienced a very significant development. In addition to
witnessing an interesting conceptual reconsideration, it has seen
the formulation of a series of new interpretative models, as well
as the exploration of new or understudied themes and fields. The
aim of this article is to characterise this development and call
attention to the stimulating historiographical domain in which,
after decades of separation, the history of the ancien rgime in
Europe and the Americas is increasingly integrated
KEY WORDS: Colonial Brazil. Atlantic History. Government.
Adminis-tration. Luso-Brazilian elites. Early Modern period.
* "Urna primeira verso deste trabalho foi apresentada na cole
des Hautes tudes en Sciences Sociales, Paris, em Maio de 2002.
Posteriormente, este estudo foi aprofundado graas ao apoio
concedido pelo GRICES (MCES) e pelo CAPES no mbito do projecto
Colonia e Mtropole: Insti-tuies e Prticas Sociais. Um estudo
comparativo.
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118 PEDRO CARDIM
O campo de estudos dedicado historia colonial do Brasil
conheceu, nos ltimos anos, desenvolvimentos muito significativos.
Ao mesmo tempo que se procedeu abertura de novas reas de trabalho,
estabeleceu-se um dilogo cr-tico com as grandes propostas
interpretativas da historia brasileira. Como re-sultado, dispomos
hoje de urna imagem verdadeiramente renovada do perodo compreendido
entre o ltimo quartel de Quinhentos e o final do sculo XVII1.
Urna das facetas mais singulares da referida renovao o facto de
ela ter sabido preservar os seus laos com a grande tradio da
historiografa dedi-cada ao perodo dos Habsburgo e dos primeiros
Bragana. Assim, a despeito de todas as novidades, continua a
notar-se a presena do fundamental legado de Sergio Buarque de
Holanda, de Caio Prado Jr. e, at, da menos consensual obra de
Gilberto Freyre. Permanecem igualmente presentes os contributos de
Eduardo d'Oliveira Franca e de Vitorino Magalhes Godinho, ou os
trabalhos de Frdric Mauro e de Fernando Novis.
Nao menos relevantes para a renovao deste campo de estudos foram
as pesquisas desenvolvidas, desde o final da dcada de I960, por
Dauril Alden2, por A. J. R. Russell-Wood e por Stuart B. Schwartz.
Aprofundando linhas de investigao abertas, sobretudo, por Charles
R. Boxer3, estes e outros investi-gadores norte-americanos4 (assim
como alguns estudiosos brasiieiros, como foi o caso de Vera Amaral
Ferlini3) exploraram diversos temas da historia socio-econmica do
Brasil dos Habsburgo e dos Bragana, assinando, tambm, al-guns
estudos fundamentis de historia institucional recorde-se o pioneiro
trabalho de Stuart Schwartz sobre o Tribunal da Relao da Bahia6, ou
o de A. J. R. Russell-Wood sobre a Misericordia da Bahia7. A Stuart
Schwartz deve-
1 Para urna boa panormica desta renovao historiogrfica
consulte-se, CARDOSO, Ciro F. e
VAINFAS, Ronaldo (org.): Os dominios da historia, Rio de
Janeiro, Campus, 1997; FREITAS, Marcos C. (org.): Historiografa
brasileira em perspectiva, Sao Paulo, Contexto, 1998; MORAES, Jos
Geraldo Vinci de & REG, Jos Marcio, Conversas com Historiadores
Brasiieiros, Sao Paulo, Editora 34, 2002; e, ainda, de SCHWARTZ,
Stuart B.: Depois da dependencia: caminhos novos da historiografa
brasilei-ra in Da Amrica Portuguesa ao Brasil. Estudos Histricos,
Lisboa, Difel, 2003, pp. 273-304.
2 ALDEN, Dauril: Royal Government in Colonial Brazil, Berkeley,
University of California Press, 1968.
3 De Charles BOXER consulte-se a valiosa reedio da sua Opera
Minora, Lisboa, Fundao
Oriente, 2002-, dirigida por Diogo Ramada Curto. 4 RUSSELL-WOOD,
A. J. R: United States scholarly contributions to the
historiography of
Colonial Brazil, The Hispanic American Historical Review, 65 (4)
pp. 683-723. JOHNSON, Harold & SILVA, Maria Beatriz Nizza da
(orgs.): O imperio luso-brasileiro, 1500-1620, Lisboa, Estampa,
1992 (Nova Historia da Expanso Portuguesa, vol. 6); SILVA, Maria
Beatriz Nizza da (org.): Sexualidade, familia e religio na
colonizao do Brasil, Lisboa, Livros Horizontes, 2001.
5 FERLINI, Vera Amaral: Terra, Trabalho e Poder. O mundo dos
engenhos no Nordeste colonial, 2a
edio, Bauru, Edusc, 2003; veja-se tambm, de FERLINI, V.: A
civilizao do acucar, sculos XVI a XVIII, Sao Paulo, Brasiliense,
1984.
6 SCHWARTZ, Stuart B.: Sovereignty and Society in Colonial
Brazil. The High Court of Bahia and
itsjudges 1609-1751, Berkeley-Los Angeles-Londres, UCP, 1973. 7
RUSSELL_WOOD, A. J. R.: Fidalgos and Philanthropists. The Santa
Casa da Misericordia of
Bahia, 1550-1755, Londres, MacMillan, 1968.
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PRIMEIROS BRAGANA ny
mos, igualmente, um decisivo contributo para o alargamento do
leque de per-sonagens estudado pelos historiadores do Brasil
colonial. Na verdade, ao lado dos membros da elite colonial
luso-brasileira, Schwartz fez surgir um grupo bastante
diversificado de homens livres da sociedade colonial, grupo esse
composto por pequeos proprietrios de terras, por artesos e por
todos aqueles a quem a his-toriografa vinha concedendo um papel
menos visvel no antigo sistema colonial8.
O alargamento do leque dos actores da sociedade colonial
envolveu, tam-bm, os Africanos e os Indgenas. Quanto aos primeiros,
graas ao labor de Emilia Viotti da Costa, de Ktia M. de Queirs
Mattoso, de Alberto da Costa e Silva, de Stuart Schwartz ou de Joo
Jos Reis, conhecemos hoje bastante mel-hor o seu contributo para a
formao do Brasil colonial9. A linha de estudos sobre a escravido
devemos, sobretudo, o fim do predominio do homem branco como nico
sujeito da sociedade colonial, e o reconhecimento do papel activo
desempenhado pelos africanos10. Ao concentrarem a sua ateno no
mundo dos negros, escravos ou livres, tais estudos trouxeram luz um
universo diversifi-cado, dinmico e extremamente vasto11.
Quanto aos Indgenas, os estudos de Manuela Carneiro da Cunha ou
de John Manuel Monteiro tambm lhes devolveram um estatuto de
protagonista activo do processo histrico brasileiro. Como apontou
recentemente S. Schwartz, urge restituir as sociedades indgenas
toda a sua dimenso scio-histrica, e ter em conta que tais populaes
foram, tambm elas, produtoras da sua propria historia, tendo sido
muito mais do que simples vitimas passivas da colonizao. Tal no
significa negar a violencia da conquista, o arbitrario da colonizao
ou o carcter assimtrico das relaes entre europeus e indgenas. Pelo
contrario, trata-se, sobretudo, de procurar captar as vozes
indgenas me-diante um apurado trabalho crtico sobre fontes,
escritas e oris, na certeza, porm, de que tomar em conta essas
fontes no equivale a consider-las neu-trais, no condicionadas por
um determinado ponto de vista ou, porventura, mais autnticas do que
as europeias12. Por outro lado, importa ter em conta
8 SCHWARTZ, Stuart: Slaves, Peasants and rebels. Reconsidering
Brazilian slavery, Urbana & Chi-
cago, August Meir & John H. Bracey, 1992. 9 Cfr. maxime
SCHWARTZ, Stuart: Sugar Plantations in the formation of Brazilian
Society. Bahia,
1530-1833, Cambridge, Cambridge University Press, 1985. Sobre a
componente africana imprescin-dvel a consulta da obra de Alberto da
Costa e SILVA, em especial A Enxada e a Lana. A Africa antes dos
Portugueses, Sao Paulo, Edusp, 1992; e, tambm de SILVA, A. da Costa
e: A Manilha e o Libambo. A Africa e a escravido de 1500 a 1100,
Rio de Janeiro, Nova Fronteira / Fundao Biblioteca Nacional,
2002.
10 RUSSELL-WOOD, A. J. R.: The Black Man in Slavery and Freedom
in Colonial Brazil, Londres,
Macmillan's, 1982. 11
MAGALHES, Joaquim Romero: Os escravos e os emigrantes in
MATTOSO, Jos (coord.): Historia de Portugal, vol. 3, Joaquim Romero
de Magalhes (dir.), No alvorecer da modernidade, Lisboa, 1993;
veja-se, tambm, de SCHWARTZ, Stuart: Os escravos: "remedio de todas
as outras cousas" in BETHENCOURT, F. & CHAUDURI, K. (dirs.):
Historia da Expanso Portuguesa, Lisboa, Crculo de Leitores, 1998,
vol. Il, pp. 232-247.
12 SCHWARTZ, Stuart & SALOMON, Frank: "Un Amricain
(imaginaire) Paris". Rponse
Carmen Bernand, Annales HSS, (mars-avril 2003) n 2, pp. 499-512.
Sobre esta temtica consulte-
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120 PEDRO CARDIM
que a renovao historiogrfica que temos vindo a descrever
envolveu, tam-bm, algumas temticas que, durante muito tempo,
tiveram pouca continui-dade e que so recentemente foram retomadas.
Um caso ilustrativo do que aca-bamos de afirmar o estudo dos grupos
de comerciantes e as ligaes que estabeleceram entre a Europa e a
Amrica do Sul, de que um dos melhores exemplos o trabalho indito -
de David Grant Smith13. Merecem igual-mente referencia as
investigaes sobre a Inquisio, sobre os Cristos-novos e sobre os
Judeus em terras sul-americanas, devedoras, sobretudo, do labor de
Jos Gonalves Salvador e de Anita Novinsky, mas tambm das recentes
pesquisas de Nathan Wachtel14 e de Bruno Feitler15. Outra rea de
trabalho que actualmente suscita urna ateno crescente a missionao,
em especial o estudo das misses da Companhia de Jess, um terreno
onde Serafim Leite, nos anos de 1950 e I960, desempenhou um papel
de primeira importancia. Recentemente surgiram varios novas
pesquisas sobre as misses no Brasil durante o perodo dos
Habs-burgo, pesquisas essas que aprofundaram as propostas
enunciadas por geraces anteriores de estudiosos - pensamos nos
trabalhos de Dauril Alden16, de Char-lotte de Castelnau17, de
Carlos Zern18 ou de Andra Daher19.
Ao falarmos desta multifacetada renovao historiogrfica nao
devemos ol-vidar os contributos que privilegiaram a dimenso
cultural. Desde meados da dcada de 1980 que se registou a entrada
em cena, na historiografa Brasileira, da Historia das Mentalidades,
e desse facto resultou a introduo de toda urna srie de novos temas,
problemticas e mtodos. Assim, questes como a magia, a feitiaria, os
hbitos sexuais, a vida familiar, a vida privada, etc., pas-saram a
ser as temticas mais exploradas por urna importante gerao de
histo-
se, de ALMEIDA, Maria Regina Celestino de:, Metamorfoses
Indgenas. Identidade e cultura as aldeias coloniais do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2003.
13 SMITH, David Grant: The Mercantile Class of Portugal and
Brazil in the Seventeenth Century. A
Socioeconomic Study of the Merchants of Lisbon and Bahia, Tese
de Doutoramento, Austin, The Universi-ty of Texas, 1975.
14 WATCHEL, Nathan: La foi du souvenir. Labyrinthes marrams,
Paris, Le Seuil, 2001.
15 FEITLER, Bruno: Inquisition, juifs et nouveaux-chrtiens au
Brsil, Lovaina, Leuven University
Press, 2003. Para um recente estado da questo sobre esta rea de
estudos, veja-se, de VAINFAS, Renaldo: A problemtica das
mentalidades e a Inquisio no Brasil Colonial, Estudos Histricos,
Rio de Janeiro, 1988, pp. 161-173; ver, ainda, de Ana Margarida
PEREIRA, A Inquisio no Brasil. Aspectos da sua actuao as Capitanas
do Sul (de meados do sc. XVI ao inicio do sculo XVIII), Coimbra,
Fauldade de Letras da Universidade de Coimbra, 2001.
16 ALDEN, Dauril: The Making of an Enterprise. The Society of
Jesus in Portugal, its Empire and be-
yond, 1540-1750, Stanford, Stanford University Press, 1995.
17
CASTELNAU, Charlotte de:, Les ouvriers d'une vigne strile. Les
jsuites et la conversion des Indiens au Brsil 1580-1620,
Paris-Lisboa, Centre Culturel Calouste Gulbenkian-CNCDP, 2000.
18 ZERON, Carlos Alberto: La Compagnie de Jsus et l'institution
de l'esclavage au Brsil. Les justifi-
cations d'ordre historique, thologique et juridique et leur
intgration par une mmoire historique, Tese defen-dida na cole des
Hautes tudes en Sciences Sociales, Paris, 1998.
t9 DAHER, Andra: Les singularits de la France quinoxiale.
Histoire de la mission des pres capucins au Brsil (1612-1615),
Paris, Honor Champion, 2002.
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PR1MEIROS BRAGANA 121
dadores, entre os quais se destacam, pela qualidade da sua vasta
obra, Laura de Mello e Souza20 e Ronaldo Vainfas21. Sem perderem de
vista o contributo de Fernando Novis, estes e outros estudiosos
exploraram novos campos de estu-do, detectando muitas zonas onde o
poder rgio ou as autoridades religiosas eram incapazes de chegar,
assim como formas diversificadas de resistencia as imposies da
Igreja e da Coroa.
Mas os avanos historiogrficos registados nos ltimos anos so
tambm devedores de lihhas de pesquisa desenvolvidas fora do mundo
universitario. E esse o caso da fundamental obra de Evaldo Cabrai
de Mello, um historiador que, na senda dos estudos de Jos Antonio
Gonsalves de Mello, cultivou, de um modo superior, urna historia de
enfoque Pernambucano. Distante das chamadas macro-explicaes ou
macro-interpretaes do Brasil22, Evaldo Cabrai de Mello
interessou-se pelos anos em que o Brasil esteve sob a tutela dos
Habsburgo, mas tmbm pelo perodo final de Seiscentos, produzindo
urna historia poltica sempre slidamente apoiada num profundo
conhecimento do contexto social e cultural daquela poca. Revelando
um invejvel dominio dos mais diversos corpora documentais, Cabrai
de Mello tem-nos brindado com urna srie de magistrais retratos do
exerccio do poder no chamado Nordeste aucareiro23. Um outro
excelente exemplo dessa sntese entre renovao e continuidade o
contributo de Caio C. Boschi, materializado nos seus excelen-tes
trabalhos sobre as irmandades leigas da regio de Minas24, e ainda
na eficaz coordenao de grandes projectos de identificao e de
inventariao de massas documentais relevantes para a historia do
Brasil colonial.
20 SOUZA, Laura de Mello e: 0 diabo e a terra de Santa Cruz.
Feitiaria e Religiosidade Popular no
Brasil Colonial, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1986; SOUZA,
Laura de Mello e: Inferno Atlntico, So Paulo, Companhia das Letras,
1993; SOUZA, Laura de Mello e: (org.), Cotidiano e vida privada na
Amrica portuguesa, vol. I da Historia da Vida Privada do Brasil,
coleco dirigida por Nov AIS, Fer-nando A., So Paulo, Companhia das
Letras, 1997; SILVA, Maria Beatriz Nizza da: A Cultura Portu-guesa
na Terra de Santa Cruz, Lisboa, Editorial Estampa, 1995.
21 VAINFAS, Ronaldo: Trpico dos Pecados. Moral, Sexualidade e
Inquisio no Brasil, Rio de Janei-
ro, Editora Campus, 1989; VAINFAS, R.: A heresia dos indios.
Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial, So Paulo, Companhia das
Letras, 1995; VAINFAS, R. (org.): Dicionrio do Brasil Colonial
(1500-1808), Rio de Janeiro, Objetiva, 2000.
22 Cfr. RES, Jos Carlos: As Identidades do Brasil. De Varnhagen
a FHC, Rio de Janeiro, Fundao
Getlio Vargas, 4 a edio, 2001. 23
MELLO, Evaldo Cabrai de: Olinda Restaurada. Guerra e acucar no
Nordeste, 1630-1654 [1975], Rio de Janeiro, Topbooks 1998; Rubro
Veio. O Imaginario da Restaurao Pemambucana [1986], Rio de Janeiro,
Topbooks, 1997; MELLO, Evaldo Cabrai de: 0 Norte Agrario e o
Imperio (1871-1889) [1984], Rio de Janeiro, Topbooks, 1999; MELLO,
Evaldo Cabrai de:, Aferid de Narciso: ensaio de historia regional,
So Paulo, Editora SENAC, 2001; 0 Negocio do Brasil. Portugal, os
Pases Baixos e o Nordeste (1641-1669), Lisboa, CNCDP, 2001; Um
imenso Portugal. Historia e Historiografa, So Paulo, Editora 34,
2002.
24 BOSCHI, Caio Csar: Os Leigos e o Poder. Irmandades leigas e
poltica colonizadora em Minas G-
rais, So Paulo, tica, 1986.
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122 PEDRO CARDIM
Enquanto decorriam estes desenvolvimentos historiogrficos no
Brasil, a his-toriografa dedicada ao Portugal da poca moderna
atravessava tambm um pe-rodo de aprecivel transfbrmao. De forma
muito esquemtica, diramos que tal transformao assentou em tres
principis eixos: a prioridade concedida ao estudo das relaes de
poder, as suas mltiplas confguraes; urna maior abertura aos
contributos das outras ciencias sociais, atravs do reforo da ligao
ao contexto e suas especficas caractersticas; a adopo de um
entendimento mais aprofindado dos circuitos de produo, de difuso e
de recepo das decises polticas.
Esta renovao dos estudos sobre a dinmica poltica da poca moderna
en-volveu, antes de mais, o abandono do estudo tradicionalista e
teleolgico do itinerario histrico dos sistemas normativos. Tal
implicou a adopo de um entendimento alargado do campo normativo,
bem como a prtica interpretati-va mais sensvel comunicao entre as
varias esferas de normatividade. Impli-cou, tambm, o esforo por
alcanar urna compreenso abrangente do campo poltico, assim como a
recusa de leituras lineares, modernizadoras e aperfeioa-doras dos
sistemas poltico-institucionais. Notou-se, tambm, urna preocupa-o
renovada pela reconstituico da semntica das categoras e dos modelos
vi-gentes no passado, por exemplo atravs do estudo da acepo coetnea
de palavras como imperio, moarquia, governo ou administrao. Apesar
de, no inicio, incidirem apenas no cenrio europeu, com o tempo
estas mudan-as tambm se fizeram sentir nos estudos sobre o
empreendimento imperial portugus, tanto no Oriente como no
Atlntico.
Um outro importante contributo para o conhecimento da Amrica do
Sul sob os Habsburgo e os primeiros Bragana proveio da
plurifacetada linha de pesquisas dedicada Monarqua Hispnica. Como
bem sabido, as ltimas tres dcadas o estudo do conglomerado de
territorios encabeado pelos Habs-burgo espanhis foi profundamente
renovado pelas investigaes de muitos historiadores oriundos de
Espanha, mas tambm do Reino Unido, de Franca, de Italia e dos
Estados Unidos. John H. Elliott, Antonio Domnguez Ortiz, Bernard
Vincent, Pablo Fernndez Albaladejo, J. I. Fortea Prez, Geoffrey
Parker, Henry Kamen, I. A. A. Thompson, Jonathan Israel, Cesare
Mozzarelli, Bartolom Yun, entre muitos outros, contam-se entre os
responsveis por essa renovao. Portugal, como parte do agregado de
reinos e de territorios que foi a Monarqua Hispnica, acabou por
beneficiar desta revitalizao, sobretudo graas aos contributos de
Antonio M. Hespanha25, de Fernando Bouza Alvarez26,
25 De HESPANHA, Antonio Manuel, veja-se, maxime, As Vsperas do
Leviathan. Instituies e Poder
Poltico - Portugal, sculo XVII, [1986}, Coimbra, Almedina, 1994;
HESPANHA, Antonio Manuel (dir.): Historia de Portugal, MATTOSO, Jos
(dir.), vol. IV, 0 Antigo Regime (1620-1807), Lisboa, Crculo de
Leitores, 1993.
26 BOUZA ALVAREZ, Fernando: Portugal en la Monarqua Hispnica
(1580-1640). Felipe II, la
cortes de Tomar y la genesis del Portugal Catlico, Madrid,
Universidad Complutense, 1987.
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PRIMEIROS BRAGANA 123
de Santiago Luxn Melndez27 e, mais recentemente, de Jean-Frdric
Schaub28 e de Rafael Valladares29.
Incidindo ostensivamente sobre a poltica, esta historiografa
estudou, de um modo exaustivo, os rgaos de governo, a sua orgnica,
o seu oficialato, a sua cultura funcional e a sua actuao em
diversas conjunturas; estudou, tam-bm, as diversas formas de
administrao (conselhos palatinos, juntas, secreta-rios de estado);
os rgaos de administrao territorial; as diversas configuraces do
servio Coroa (oficialato tradicional e modelo comissarial; juzes
ordinarios e comissrios; magistratura e ethos aristocrtico). Alm
das reas temticas que acabaram de ser referidas, estudou-se a
valencia poltica da corte regia, a eti-queta e o dispositivo
cerimonial promovido pela monarqua. Foram analisadas as relaes
entre centro e periferia e suas implicaes polticas, estudando-se
tambm, de um modo aprofundado, a problemtica da monarqua compsita e
as questes de ordem constitucional a ela inerentes. Por ltimo,
reconstituiu-se, com toda a minucia, os processus de produo, de
difuso e de recepo das decises governativas, a fim de captar toda a
complexidade de tais processos.
Muitos desses trabalhos proporcionaram descries detalhadas das
estrutu-ras poltico-administrativas da Monarqua Hispnica, o que fez
com que o Bra-sil, como parte dos dominios do Habsburgo, tambm
tivesse sido alvo de al-guma teno. Privilegiando a dimenso
poltico-institucional do Brasil dos Habsburgo e dos primeiros
Bragana, esta linha historiogrfica tem procurado descrever a
orgnica do governo e da administrao, mas tambm a sua cultura
organizativa, os seus efectivos e, ainda, as suas complexas
articulaes com o meio social e econmico em que se inseriam as suas
prticas administrativas. Alm disso, urna linha de estudos que, para
alm da caracterizao das insti-tuies e da sua lgica de
funcionamento, procura igualmente compreender o modo como os
diversos grupos sociais que gravitavam em torno dessas insti-tuices
tiravam partido dos recursos por elas encerrados.
Muito embora algumas das mais importantes instituices do Brasil
dos Habsburgo continuem espera de um estudo aprofundado, para
Portugal exis-
27 LUXAN MELNDEZ, Santiago de: La revolucin de 1640 en Portugal,
sus fundamentos sociales y
sus caracteres nacionales. El Consejo de Portugal: 1580-1640,
Madrid, Universidad Complutense, 1988. 28
SCHAUB, Jean-Frdric : Le Portugal au temps du comte-duc
d'Olivares, 1621-1640. Le conflit de juridiction comme exercice de
la politique, Madrid, Casa de Velazquez, 2001; idem, Portugal na
Monar-qua Hispnica (1580-1640), Lisboa, Livros Horizonte, 2001.
29 VALLADARES, Rafael: El Brasil y las Indias espaolas durante
la sublevacin de Portugal
(1640-1668), Cuadernos de Historia Moderna, 14 (1993) pp.
151-172; VALLADARES, Rafael: Felipe IV y la Restauracin de
Portugal, Mlaga, Algazara, 1994; VALLADARES, Rafael: La Rebelin de
Portu-gal, 1640-1680. Guerra, conflicto y poderes en la monarqua
hispnica, Valhadolid, Junta de Castilla y Len, 1998. Veja-se,
tambm, de STELLA, Roseli Santaella: O dominio espanhol no Brasil
durante a Monarqua dos Felipes, Sao Paulo, Unibrero, 2000; SANTOS,
Ricardo Evaristo dos: El Brasil Filipino. 60 anos de presencia
espaola en Brasil (1580-1640), Madrid, MAPFRE, 1993; SERRANO
MANGAS, Fernando: La encrucijada portuguesa. Esplendor y quiebra de
la unin ibrica en las Indias de Castilla (1600-1668), Badajoz,
Diputacin de Badajoz, 1994.
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124 PEDRO CARDIM
te j urna srie de monografas dedicadas ao dispositivo
administrativo: Anto-nio M. Hespanha efectuou urna anlise
sistemtica do sistema poltico-administrativo portugus da poca
moderna; Joaquim Romero Magalhes ex-plorou varias facetas da
articulao entre o poder local e o poder central duran-te esse mesmo
perodo; Nuno Gonalo Monteiro estudou a ligao entre o uni-verso da
aristocracia e o servio Coroa, para alm de ter produzido alguns dos
mais importantes trabalhos sobre os municipios; Jos Subtil
analisou, com de-talhe, a actividade do tribunal do Desembargo do
Paco no perodo Setecentis-ta; Francisco Bethencourt retratou as
diversas facetas do tribunal da lnquisio numa perspectiva comparada
(Portugal, Espanha e Italia); Jean-Frdric Schaub estudou o governo
e a administrao de Portugal sob D. Fipe III, desvendando algumas
facetas at hoje pouco conhecidas da ruptura entre Portugal e a
Monar-qua Hispnica; Mafalda Soares da Cunha caracterizou
exaustivamente a casa de Bragana e a sua relevancia poltica na
primeira metade de Seiscentos; Diogo Ramada Curto incidiu sobre o
discurso poltico no Portugal de Quinhentos e de Seiscentos, tendo
tambm produzido importantes trabalhos sobre o cerimonial da
monarqua e sua relevancia poltica; Maria Paula Loureno estudou, com
grande detalhe, a Casa do Infantado e a Casa das Rainhas; Maria
Fernanda Oli-val realizou urna anlise exaustiva da Ordens Militares
e do papel por elas de-sempenhado no reforo do poder da Coroa
durante a poca moderna. Na ltima dcada o campo de estudos sobre a
religio catlica e o seu lugar no sistema pol-tico foi tambm
enriquecido com trabalhos relevantes, com destaque para o j citado
estudo de Francisco Bethencourt sobre a lnquisio, os estudos de Jos
Pedro Paiva sobre os prelados e a organizao diocesana, as pesquisas
de Isabel dos Guimares S acerca das Misericordias, e a recente
publicao da Historia Religiosa de Portugal, cujo volume dedicado
poca moderna dirigido por Joo Francisco Marques e Antonio Cames
Gouveia30 contm numerosas pginas consagradas aco da Igreja Catlica
na Amrica do Sul.
LACUNAS E NOVAS CONEXES
A despeito de todos os desenvolvimentos que acabamos de
delinear, nao h dvida de que a historiografa dedicada historia
Quinhentista e Seiscentista do Brasil continua a apresentar algumas
lacunas. Antes de mais, e como suge-rimos atrs, est ainda por fazer
a fixao da factologia bsica da dinmica pol-tica, faltando, tambm,
monografas de instituies fundamentis. Essa caren-cia especialmente
sentida no perodo inicial da colonizao, para o qual os estudos
existentes esto longe de ser numerosos31.
30 MARQUES, Joo Francisco & GOUVEIA, Antonio Cames
(coords.): Humanismos e Reformas,
vol. 2 da Historia Religiosa de Portugal, direco de Carlos
Moreira de AZEVEDO, Lisboa, Crculo de Leitores, 2001.
31 Cfr. COUTO, Jorge: A construco do Brasil. Amerindios,
portugueses e africanos, do inicio dopovoa-
mento a finis de Quinhentos, Lisboa, Edies Cosmos, 1995;
MAGALHES, Joaquim Romero: A
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PRIMEIROS BRAGANA 125
Por outro lado, a dinmica econmica e comercial, depois de um
longo tempo em que foi quase negligenciada, s agora comea a ser
melhor conheci-da graas as recentes e valiosas contribuies de
Jonathan Israel32, de Jorge Pedreira33, de Joo Fragoso34, de Manolo
Florentino33 ou de Leonor Freir Cos-ta36. Note-se que no contexto
historiogrfico norte-americano a dimenso so-cio-econmica sempre
esteve muito mais presente, designadamente nos trabal-hos que David
Grant Smith, Stuart Schwartz ou A. J. R. Russell-Wood dedicaram
componente mercantil da expanso lusitana.
Alm disso, inegvel que alguma historiografa portuguesa parece
ainda demasiado centrada no reino, esquecendo que na poca moderna
existia uma forte articulao entre os dominios europeus da Coroa
lusitana e os seus territo-rios americanos, africanos e asiticos.
Acresce que em certas reas acadmicas foram criados compartimentos
temticos pouco pertinentes para a completa compreenso dos fluxos de
trocas ou dos elos de conexo entre as varias regies do conjunto
imperial. Pouco pertinentes porque introduziram uma separao entre a
dinmica vivida no reino e aquela que foi a evoluo nas possesses
terri-toriais da Coroa portuguesa no Atlntico Sul. Para aqueles que
viveram no pe-rodo compreendido nos sculos XVI e XVII nao fazia
sentido pensar Portugal ou a Monarquia Hispnica separada das suas
possesses ultramarinas, razo pela quai se torna imprescindvel que a
historiografa tenha em conta esse aspecto.
O problema que acabou de ser referido revela que subsiste uma
certa difi-culdade em articular a historia do reino com a dinmica
registada nas possess-es ultramarinas, notando-se, tambm, problemas
na abordagem das varias parcelas do imperio de um modo sincrnico.
Nao menos gravosas sao as lacu-nas que decorrem do facto de alguma
historiografa investir apenas no estudo das primeiras dcadas do
empreendimento imperial portugus, encarando tal perodo como o
momento mais decisivo e mais positivo da expanso lusitana. Tal
concentrao de estudos na primeira metade do sculo XVI faz com
que
construo do espao brasileiro in BETHENCOURT, F. e CHAUDURI, K.
(dirs.): Historia da Expanso Portuguesa..., cit., vol. II, 1998,
pp. 28 segs.
32 Cfr. maxime ISRAEL, Jonathan I.: Conflicts of Empires. Spain,
the Low Countries and the struggle
for world supremacy, 1585-1713, Londres, Hambledom Press, 1997.
33
PEDREIRA, Jorge : Os homens de negocio da praa de Lisboa de
Pombal ao vintismo (1755-1822) diferenciao, reproduco e identificao
de um grupo social, Lisboa, Dissertao de Doutoramento,
Uni-versidade Nova de Lisboa, 1995 (policopiado).
34 FRAGOSO, Joo: consulte-se Homens de grossa aventura. Acumulao
e hierarquia na praa mer-
cantil do Rio de Janeiro (1790-1830), Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, 1992; e A economia colonial brasileira (sculos XVI-XIX),
2a edio, So Paulo, Atual, 2000; e O arcasmo como projeto. Mercado
atlntico, sociedade agraria e elite mercantil em uma economia
colonial tardia. Rio de Janeiro, C.1790-C.1840, Rio de Janeiro,
Civilizao Brasileira, 2001.
35 FLORENTINO, Manolo: Em costas negras. Uma historia do trafico
atlntico de escravos entre a Afri-
ca e o Rio de Janeiro, sculos XVIII e XIX, Rio de Janeiro,
Arquivo Nacional, 1995. 36
COSTA, Leonor Freir: Imperio e grupos mercantis. Entre o Oriente
e o Atlntico (sculo XVII), Lis-boa, Livros Horizonte, 2002.
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126 PEDRO CARDIM
ainda hoje prevalea um grande desconhecimento sobre o devir do
imperio a partir do ltimo quartel do sculo XVI, perodo muitas vezes
(impropriamen-te?) qualifcado como um tempo de declnio ou de
decadencia. Alm disso, entre muitos estudiosos portugueses nota-se
urna persistente tendencia para privilegiar a parte oriental dos
dominios imperiais da Coroa lusitana, deixando no esquecimento o
mundo Atlntico37.
Outro aspecto a registar: a historiografa portuguesa muitas
vezes eufemizou a componente destruidora e politicamente dominadora
da presena lusa no Atlntico do Sul, valorizando, em contrapartida,
a parte Oriental do Imperio e as faanhas militares que ai tiveram
lugar. A este facto h que juntar o apego a interpretaes do
empreendimento imperial com um cariz nacionalista38,
fre-quentemente associadas ao que poderamos classifcar como a
sobrevivencia de formas mais ou menos subtis da ideologia
luso-tropical, bem visvel na in-sistencia em temas como a ideologia
de cruzada, ou na deliberada omisso da dimenso destruidora do
dominio imperial. Apesar do esforo historiogrfico desenvolvido por
urna srie de estudiosos brasileiros - em particular pela chama-da
Escola Paulista para desmistificar a suposta cordialidade racial
luso-brasileira, em Portugal os ecos luso-tropicalistas ainda sao
escutados em alguns estudos, continuando-se a defender, aqui e ali,
a natural tolerancia portuguesa face as demais culturas, ou a inata
cordialidade dos lusos e a sua predisposio para a multi-etnicidade
e para o multiculturalismo. A idealizao das relaes estabelecidas
entre os portugueses-colonizadores e os povos colonizados outra
expresso desse renitente luso-tropicalismo, o mesmo se podendo
dizer da ex-presso Encontr de Culturas, criada para representar a
aco evangelizadora como um processo pacfico, benfico e vantajoso
para os povos no-europeus39.
Alm da que acabou de ser referida, urna outra flagrante lacuna
relaciona-se com a persistente omisso de um tema incmodo: o trfico
de escravos. E importante ter em conta que sao poucos os
historiadores portugueses que se dedicam ao trato escravista,
escravido e historia dos povos africanos deslo-cados para a Amrica.
Por ser urna questo pouco amvel, a escravatura tem sido urna
temtica evitada por muitos historiadores, tanto lusos como
brasilei-ros, e as pesquisas de Didier Lahon, de Valentim
Alexandre, de Joo Pedro Marques, de Maria do Rosario Pimentel, de
Isabel Castro Henriques ou de Ma-ra da Graa Ventura constituem,
provavelmente, as poucas excepes ao que
37 Acerca deste tema consulte-se, de XAVIER, Angela Barreto:
Tendencias na historiografa
da expanso portuguesa: reflexes sobre os destinos da historia
social, Pnlope. Revista de Historia e Ciencias Sociais, 22 (2000)
pp. 141-179.
38 Para urna boa problematizao sobre esta temtica, cfr. CATROGA,
Fernando: Ritualizaes
da Historia in TORGAL, Lus Reis et al., Historia da Historia em
Portugal, sees. XIX-XX, Lisboa, Crculo de Leitores, 1996, pp.
547-671.
39 Veja-se, por exemplo, Encontr de culturas oito sculos de
missionao portuguesa, catlogo de ex-
posio organizada pela Conferencia Episcopal Portuguesa, Lisboa,
CEP, 1996.
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acabamos de afirmar40. No que respeita especficamente historia
do conjunto da Amrica meridional, refira-se, tambm, a falta de
trabalhos que relacionem o contexto do Brasil colonial com a situao
vivida as varias regies que inte-gravam a Amrica Espanhola41. A
diviso acadmica das disciplinas com base em criterios nacionais
ainda mais acentuou esta ausencia de estudos relacionis, pois
definiu fronteiras temticas que nao se revelam pertinentes para o
tipo de abordagem que ser conveniente desenvolver para o caso dos
imperios portu-gus e espanhol.
Apesar de varias destas lacunas subsistirem, actualmente pode
dizer-se que a situao j bem diversa, e para essa mutao contribuiu,
antes de mais, a iniciativa de um nmero crescente de pesquisadores
brasileiros que acorreram Pennsula Ibrica nao s para estudar fontes
arquivsticas, mas tambm para encetar um dilogo frutuoso com os seus
congneres ibricos. Neste quadro foi importante a aco desenvolvida
quer pela Ctedra Jaime Corteso (da Fa-culdade de Filosofa, Letras e
Ciencias Humanas da Universidade de Sao Pau-lo)42, quer pela
Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses
(CNCDP), instituio que promoveu edies, apoiou reunies cientficas,
projectos de investigao, viagens de investigadores dos dois
lados
40 PlMENTEL, Maria do Rosario:, Viagem ao fundo das
consciencias. A escravatura na poca Moder-
na, Lisboa, Edies Colibri, 1995; VENTURA, Maria da Graa:
Negreiros portugueses na rota das Indias de Castela, 1541-1556,
Lisboa, Colibri - Instituto de Cultura Ibero-Atlntico, 1998; idem,
Portugue-ses no descobrimento e conquista da Hispano-Amrica.
Viagens e expedices (1492-1557), Lisboa, Colibri, 2000; ARES
QUEJIA, Berta e STELLA, Alessandro (orgs.): Negros, Mulatos,
Zambaigos. Derroteros africa-nos en los mundos ibricos, Sevilha,
CSIC, 2000; LAHON, Didier: O Negro no corao do Imperio. Urna
memoria a resgatar, sculos XV-XIX, Lisboa, Entreculturas, 1999;
LAHON, Didier: Esclavage et confr-ries noires au Portugal durant
l'Ancien Rgime (1441-1830), tese defendida na Ecole des Hautes
Etudes en Sciences Sociales, Paris, 2001; STELLA, Alessandro:
Histoires d'esclaves dans la Pninsule ibrique, Paris, cole des
Hautes tudes en Sciences Sociales, 2000; FONSECA, Jorge: Escravos
no sul de Portu-gal. Sculos XV1-XVU, Rota do Escravo n2, Lisboa,
Vulgata, 2002; HENRIQUES, Isabel Castro (co-ord.): Novas Relaes com
Africa: que perspectivas?, Lisboa, Vulgata, 2003-
41 Na linha das propostas de RUSSELL-WOOD, A. J. R (org.):
Government and Governance of Euro-
pean Empires, 1450-1800, Brookfield, Ashgate, 2000; para a parte
oriental dos imperios ibricos dis-pomos j do estudo de VALLADARES,
Rafael: Castilla y Portugal en Asia (1580-1680). Declive imperial y
adaptacin, Lovaina, Leuven University Press, 2001. Sobre o tema
consulte-se, igualmente, BETHEN-COURT, F.: Competio entre Imperios
Europeus in BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI (dirs.): Histo-ria da
Expanso Portuguesa..., cit., 1998, vol. II, pp. 361-382; de
GRUZINSKI, Serge: A Amrica Espa-ola vista a partir do Brasil
portugus in AA. W . , Portugal-Brasil. Memorias e Imaginario,
Lisboa, GTMECDP, 2000, pp. 232-244; veja-se, tambm, de VENTURA,
Maria da Graa: A fluidez de fron-teiras entre o Brasil e a Amrica
Espaola no perodo colonial in PlMENTEL, Maria do Rosario: Portu-gal
e Brasil no advento do Mundo Moderno, Lisboa, Edies Colibri, 2001,
pp. 257-268.
42 Consulte-se, de ARRUDA, Jos Jobson e TENGARRINHA, Jos Manuel
(orgs.): Historiografa Luso-
Brasileira Contempornea, Bauru, EDUSC, 1999; ARRUDA, Jos Jobson
e FONSECA, Lus Ado da (orgs.): Brasil-Portugal. Historia, agenda
para o milenio, Bauru, FAPESP, EDUSC, ICCTI, 2001; e, de
TENGA-RRINHA, Jos Manuel (org.): Historia de Portugal, Sao Paulo,
Instituto Cames/UNESP/EDUSC, 2000.
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128 PEDRO CARDIM
do Atlntico e, ainda, a edio de importantes conjuntos
documentais43. O legado da CNCDP marcante, pois sempre soube
romper, de forma subtil mas determinada, com a abordagem
eurocntrica que caracterizava a maioria dos estudos produzidos at
tempos recentes. Alm disso, essa instituio teve o mrito de
conseguir dar a conhecer ao pblico portugus a pluralidade de
pon-tos de vista sobre o seu passado imperial, rompendo com o
tradicional predo-minio do ponto de vista do colonizador44.
A publicao dos varios volumes da obra Historia da Expanso
Portuguesa, dirigida por Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri45,
teve tambm um im-portante efeito de relanamento da Historia da
Expanso em Portugal, intro-duzindo novos problemas, questionando
outros, dando a conhecer historiogra-fas estrangeiras sobre o
imperio portugus e aproximando os investigadores lusos dos seus
congneres lusfonos especialmente os brasileiros. Alm disso,
trata-se de urna obra que demonstra urna grande insistencia em
abordagens sincrnicas, procurando detectar interaces (e conexes)
entre as varias partes do imperio portugus.
Num plano mais grai, esta transformao do campo de estudos sobre
a historia brasileira do perodo dos Habsburgo e dos primeiros
Bragana tambm benefciou da vaga de investigaes sobre o Colonialismo
e o Ps-colonialismo46. A afrmao acadmica destas reas de estudo
levou um nmero crescente de estudiosos a interessar-se, de um modo
"renovado", pelas experiencias coloni-zadoras registadas a partir
do sculo XVI. Num primeiro momento, talvez por estarem muito
ligados aos meios universitarios anglo-saxnicos, os estudos
ps-coloniais incidiram sobretudo no empreendimento colonial
britnico no Orien-te, em especial na India de finis de Setecentos e
do sculo XIX. Contudo, com
43 Como derradeir exemplo da qualidade das edies da Comisso
Nacional para as Comemo-
raes dos Descobrimentos Portugueses veja-se, relativamente ao
Brasil: Cartas para Alvaro de Soma e Gaspar de Sousa, Lisboa, edio
de Joo Paulo SALVADO e Susana Mnch MIRANDA, Lisboa, CNCDP, 2003; o
Livro Io do Governo do Brasil, edio de Joo Paulo SALVADO e Susana
Mnch MIRANDA, Lisboa, CNCDP, 2003; e as Cartas do Io Conde da
Torre, edio de Joo Paulo SALVADO e Susana Mnch MIRANDA, Lisboa,
CNCDP, 2003.
44 Cfr. HERSCHMANN, Micael & PEREIRA, Carlos Alberto
Messeder: E la Nave Va... As cele-
braes dos 500 Anos no Brasil. Afrmaes e Disputas no espao
Simblico, Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 14, n 26 (2000)
pp. 203-215; e OLIVEIRA, Lucia Lippi:, Imaginario Histrico e Poder
Cultural: as Comemoraes do Descobrimento, Estudos Histricos, Rio de
Janeiro, vol. 14, n 26 (2000) pp. 183-202.
45 BETHENCOURT, F. e CHAUDHURI, K. (dirs.): Historia da expanso
portuguesa, vol. 1, 2 & 3,
Lisboa, Crculo de Leitores, 1998-1999; cfr. com MAURO, F.
(coord.): 0 Imperio Luso-Brsileiro, 1620-1750, vol. VII da Nova
Historia da Expanso Portuguesa, dirigida por SERRO, Joel e MARQUES,
A. H. de Oliveira , Lisboa, Editorial Estampa, 1991.
46 Entre a vastssima bibliografa recente, consulte-se, de
ALMEIDA, Miguel Vale de: O Atln-
tico Pardo. Antropologa, ps-colonialismo e o caso "lusfono" in
BASTOS, Cristiana, ALMEIDA, Miguel Vale de, & FELDMAN-BlANCO,
Bela (orgs.): Trnsitos coloniais: dilogos crticos luso-brasileiros,
Lisboa, Imprensa de Ciencias Sociais, 2002, pp. 23-38.
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o tempo estes estudiosos foram-se dando conta de que existiam
outras expe-riencias coloniais europeias tambm merecedoras de
ateno, e cronolgica-mente anteriores Britnica: os imperios Ibricos
do perodo compreendido entre os sculos XVI e XVIII. Na sequncia
disso, o caso da Monarqua Hisp-nica e do seu imperio foi
intensamente estudado - um fenmeno que coincidiu com as comemoraes
da viagem de Cristvao Colombo, em 1992 - , e algum tempo mais tarde
os dominios ultramarinos da Coroa portuguesa foram alvo da mesma
ateno.
Neste quadro, urna das reas que mais interesse tem suscitado a
temtica das identidades47, da mestiagem e das justaposies
culturis48. Hoje sabemos que a mestiagem, enquanto resultado da
fragmentao das sociedades indge-nas na Amrica, correspondeu,
nalguns casos, a urna estrategia de resistencia, embora tenha sido
um fenmeno que decorreu, tambm, da grande mobilida-de que
caracterizava aquelas sociedades49. Verificou-se que, em muitas
ocasies, era precisamente no terreno da mestiagem que se dava o
verdadeiro confronto entre a Ocidentalizao e as formas culturis
locis. Importa reter, no entanto, que o resultado deste processo
nem sempre foi urna fuso entre as varias co-munidades,
registando-se desenvolvimentos paralelos, urna coexistencia que
chegou a estender-se at aos nossos dias50. No que toca ao contexto
brasileiro, para alm dos trabamos de Joo Jos Reis51, neste terreno
obrigatrio men-
47 CURTO, Diogo Ramada , Cultura escrita e prticas de identidade
in BETHENCOURT, F. &
CHAUDHURI, K. (dirs.): Historia da Expanso Portuguesa..., cit.,
vol. Il, 1998, pp. 458-531. 48
Veja-se, in genere, a obra de Serge Gruzinski; consulte-se
igualmente LOUREIRO, Rui Manuel & GRUZINSKI, S. (orgs.): Passar
as Fronteiras. Actas do II Coloquio Internacional sobre Mediadores
Cultu-ris, sculos XV a XVIII, Lagos, Centro de Estudos Gil Eanes,
1999; vide tambm, de SCHWARTZ, Stuart (org.): Implicit
Understandings. Observing, reporting, and reflecting on the
encounters between Euro-peans and other Peoples in the Early Modern
Era, Cambridge, Cambridge University Press, 1994; e, de BASTOS,
Cristiana, ALMEIDA, Miguel Vale de Se FELDMAN-BIANCO (orgs.):
Trnsitos coloniais: dilo-gos crticos luso-brasileiros, Lisboa,
Imprensa de Ciencias Sociais, 2002.
49 Cfr. GREENBLATT, Stephen: The Go-Between in Marvelous
Possessions. The Wonder of the New
World, Oxford, Clarendon Press, 1991, pp. 119 segs. Para o
contexto imperial portugus, veja-se, de RUSSELL-WOOD, A. J. R.: A
World on the Move. The Portuguese in Africa, Asia, and America,
1415-1808, Carcanet Press, Manchester and St. Martin's Press, New
York, 1992; RUSSELL-WODD, A. J. R.: Fronteiras da Integrao in
BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI, K. (dirs.): Historia da Expanso
Portu-guesa..., cit., vol. I, 1998, pp. 238 segs.; e, tambm de
RUSSELL-WOOD, Populao e Sociedade in BETHENCOURT, F. e CHAUDHURI,
K. (dirs.): Historia da expanso portuguesa..., cit., 1998, vol. II,
pp. 126 segs.; RODRIGUES, Jos Damio: Entre Duas Margens. A circulao
Atlntica dos Aorianos nos sculos XVII e XVIII, Arquiplago -
Historia, 2a Srie (2002) vol. VI, pp. 225-246.
50 ARES QUEIJA, Berta & GRUZINSKI, Serge (orgs.): Entre dos
mundos. Fronteras Culturales y
Agentes Mediadores, Sevilha, Escuela de Estudios
Hispano-Americanos, 1997. ALMEIDA, Miguel Vale de: Um Mar Cor da
terra. Raa, Cultura e Poltica da Identidade, Oeiras, Celta,
2000.
51 RES, Joo Jos: Negociao e conflito. A resistencia negra no
Brasil escravista, com SILVA, Eduar-
do, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1981; RES, Joo Jos &
GOMES, Flvio dos Santos (orgs.): Liberdade por um fio. Historia dos
Quilombos no Brasil, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1996. Sobre
o
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cionar o labor de Silvia Hunold Lara, autora de varios estudos
sobre as popu-laes africanas deportadas para o Brasil. Concedendo
um especial destaque aos padres identitrios africanos e sua
transformao no decurso da passagem para a Amrica, Silvia Lara
reconstituiu o complexo processo de redimensio-namento das tradies
africanas resultante do contacto com novos contextos demogrficos e
sociais52.
Em parte devido aos varios contributos que acabaram de ser
assinalados, a renovao do campo de estudos sobre o Brasil de
Quinhentos e de Seiscentos nao tem cessado, e nos ltimos dez anos
foram formuladas diversas perspectivas ino-vadoras. Refira-se,
desde j, que se nota um maior intresse por temas at hoje pouco
estudados, caso do mundo da escravizao de africanos e de indgenas.
Na senda dos trabalhos de Joo Jos Reis, de Manuela Carneiro da
Cunha53, de John Manuel Monteiro54 ou de Svia Hunold Lara55, os
africanos e os indgenas os "vencidos", os subalternos parecem ter
adquirido, por fim, o estatuto de sujei-tos de primeiro plano da
dinmica histrica do perodo colonial.
Paralelamente, empreendeu-se o estudo da factologia bsica de
certos pe-rodos fulcrais da historia da Amrica Portuguesa no perodo
dos Habsburgo, na linha do que j comeara a ser efectuado por Evaldo
Cabrai de Mello, por Caio Boschi56 ou por Joaquim Romero
Magalhes57. Os exemplos mais recentes sao os estudos de Luiz Felipe
de Alencastro58, de Pedro Puntoni59, de Roseli Santaella Stella60,
de Leonor Freir Costa61 ou de Guida Marques62.
tema da escravido, veja-se, tambm, de SILVA, Maria Beatriz Nizza
da (org.): Brasil: colonizao e escravido, Rio de Janeiro, Editora
Nova Fronteira, 2000.
52 LARA, Svia Hunold: Campos de Violencia Escravos e Senhores na
Capitana do Rio de Janeiro 1750
1808, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. Para alm da identidade
propriamente cultural, a problem-tica religiosa outra das reas mais
exploradas neste campo de estudos da mestiagem, sendo a esse
respeito exemplar o estudo que Nathan Wachtel dedicou complexa
identidade religiosa dos judaizan-tes que viveram na Amrica.
Baseado em quarenta processus inquisitoriais conservados na Cidade
do Mxico, em Lima, em Lisboa e em Madrid, Wachtel privilegia temas
como o sincretismo e a mestia-gem religiosa cfr. WACHTEL, Nathan:
La foi du souvenir. Labyrinthes marranes, Paris, Le Seuil, 2001;
ver, ainda, de CALAINHO, Daniela, Mtropole das Mandingas.
Religiosidade Negra e Inquisia Portugue-sa no Antigo Regime,
Niteri, Universidade Federal Fluminense, 2000.
53 CUNHA, Manuela Carneiro da (dir.): Historia do Indios do
Brasil, So Paulo, Companhia das
Letras, 1992. 54
MONTEIRO, John Manuel: Negros da terra. Indios e bandeirantes as
origens de So Paulo, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1994.
55 LARA, Silvia: Linguagem, dominio senhorial e identidade tnica
as Minas Grais de mea-
dos do sculo XVIII in BASTOS, Cristiana, ALMEIDA, Miguel Vale de
& FELDMAN-BlANCO, Bela (orgs.): Trnsitos coloniais: dilogos
crticos luso-brasileiros, Lisboa, Imprensa de Ciencias Sociais,
2002, pp. 205-226.
56 BOSCHI, Caio: Os Lagos e o Poder...., cit., 1986.
57 MAGALHES, Joaquim Romero: A construo do espao brasileiro in
BETHENCOURT, F. e
CHAUDHURI, K. (dirs.): Historia da Expanso Portuguesa..., cit.,
vol. Il, 1998, p. 28-64. 58
ALENCASTRO, Luiz Felipe de: 0 Trato dos Viventes. Formao do
Brasil no Atlntico sul, Sao Paulo, Companhia das Letras, 2001.
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PRIMEIROS BRAGANA ^ 3 j
Nota-se tambm um maior investimento no estudo da dimenso
cultural e literaria do empreendimento colonizador63, com pesquisas
que incidem em grandes vultos da literatura luso-brasileira, caso
de Antonio Vieira, mas tam-bm em outras figuras, como Gregorio de
Matos64. Este interesse pela dimens-o literaria tem tambm
privilegiado as manifestaes de Messianismo e de Sebastianismo em
solo sul-americano durante o perodo dos Habsburgo (Jaqueline
Hermann65, Thomas Cohen66, Ana Paula Megiani67), atravs do es-tudo
dos valores e das categoras, assim como do modo como a experiencia
americana criou novas identidades e novos entendimentos do ser
humano e da sua insero na vida colectiva68. Analisada foi tambm a
normatividade que era intrnseca a esse processo de interaco
cultural neste caso, veja-se, sobretu-do, os excelentes trabalhos
de Laura de Mello e Souza e de Ronaldo Vainfas69.
No essencial, dir-se-ia que se procedeu a urna inverso do
enfoque, estu-dando-se agora nao s o impacto das formas culturis
europeias nos trpicos, mas tambm o modo como a experiencia colonial
afectou e modelou a Europa, em reas to diversas como a poltica, a
economa, a guerra, o tecido social ou as artes visuais. No fundo,
deixou-se de olhar exclusivamente para o lado do
59 PUNTONI, Pedro: A Msera Sorte. A Escravido Africana no Brasil
Holands e as Guerras do Trfico no
Atlntico Sul, 1621-1648, Sao Paulo, Hucitec, 1999; tambm de
PUNTONI, P.: A Guerra dos Brbaros. Pavos indgenas e a colonizao do
serto. Nordeste do Brasil, 1650-1720, Sao Paulo, Edusup-Fapesp,
2000.
60 STELLA: O dominio espanholno Brasil..., cit., 2000.
61 COSTA, Leonor Freir: O transporte no Atlntico e a Companhia
Geral do Comercio do Brasil
(1580-1663), Lisboa, CNCDP, 2002. 62
MARQUES, Guida: O Estado do Brasil na Unio Ibrica: dinmicas
polticas no Brasil no tempo de Filipe II de Portugal, Pnlope.
Revista de Historia e Ciencias Sociais, n 27 (2002) pp. 7-35.
63 Cfr. ALMEIDA, Palmira: Dicionrio de Autores no Brasil
Colonial, Lisboa, Colibri, 2003.
64 PCORA, Alcir: Teatro do Sacramento. A unidade
teolgico-retrico-poltica dos sermdes de Antonio
Vieira, Sao Paulo, Universidade, 1994; e, tambm de PCORA, A.:
Mquina de gneros, Sao Paulo, Edusp, 2001. HANSEN, Joo Adolfo: A
stira e o engenho. Gregorio de Matos e a Baha do sculo XVII, Sao
Paulo, Companhia das Letras, 1989.
65 HEMANN, Jacqueline: No reino do desejado. A construo do
Sebastianismo em Portugal, sculos
XVI e XVII, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1998. 66
COHEN, Thomas: The fire of tongues. Antonio Vieira and the
missionary church in Brazil and Por-tugal, Stanford, Stanford
University Press, 1998.
67 MEGIANI, Ana Paula: O Jovem Re Encantado. Expectativas de
Messianismo Rgio em Portugal,
secs. XIII a XVI, So Paulo, Hucitec, 2003. 68
Cfr. CURTO, Diogo Ramada: A literatura e o imperio: entre o
espirito cavaleiroso, as trocas da corte e o humanismo cvico in
BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI, K. (dirs.): Historia da Expans-o
Portuguesa, Lisboa, Crculo de Leitores, vol. II, 1998, pp.
434-454.
69 Veja-se in genere SOUZA, Laura de Mello e (org.): Historia da
Vida Privada do Brasil. Coti-
diano e vida privada na Amrica portuguesa, Sao Paulo, Companhia
das Letras, 1997; SOUZA, Laura de Mello e: Inferno atlntico.
Demonologia e colonizao. Sculos XVI-XVII, Sao Paulo, Companhia das
Letras, 1993; de VAINFAS, Ronaldo (org.): Confissdes da Baha, Sao
Paulo, Companhia das Letras, 1997; MELLO, Evaldo Cabrai de: Como
manipular a Inquisio in E. Cabrai de Mello, Um imenso Portugal.
Historia e Historiografa, Sao Paulo, Editora 34, 2002, pp.
127-146.
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132 PEDRO CARDIM
colonizador, tomando-se agora como unidade de anlise a mutua
constituio do colonizador e do colonizado70. as palavras de Antonio
Carlos de Souza Lima, para se entender as (ex)metrpoles preciso
entender as suas (ex)colnias, as redes de interdependencia e as
tradies de conhecimento que as articula(ra)m, inclusive no plano
das condutas, de padres de interaco e formas estereotipadas de
comunicao, dos smbolos e das ideias, reconhecendo o quanto os
processos de formao do estado e de construo de naes na Eu-ropa
devem, tambm, experimentao nos mundos coloniais71.
Finalmente, e de novo a poltica, regista-se urna ateno renovada
pelos ins-trumentos poltico-administrativos implantados na Amrica
sob os Habsburgo e os primeiros Bragana, notando-se igualmente o
intresse pelas diversas respos-tas que, a um nivel local, foram
dadas a essa imposio de mecanismos regulado-res. A esse respeito,
sabemos hoje que, em alguns casos, a resposta foi de rejeio, embora
se saiba, tambm que em muitos outros a reaco foi de acomodao e de
adaptao. Noutros contextos, ainda, a presena da Coroa chegou mesmo
a ser solicitada como fonte de recursos para lidar com tenses
locis, ou para me-diar conflitos entre bandos que integravam o
universo poltico sul-americano. Este claramente um campo onde se
poder beneficiar muito dos conhecimentos adquiridos sobre a
Monarqua Hispnica e sobre o lugar que Portugal ocupou nesse
compsito agregado de reinos e de territorios72.
Por outro lado, o conhecimento mais apurado das condies de
exerccio do poder no quadro do Antigo Regime tornou possvel urna
avaliao mais consis-tente das prticas de dominao colonial, tanto
dos Habsburgo como dos Bra-gana. Questionou-se, desde logo, a noo
de que existia urna direco firme e coordenada, por parte da Coroa,
dos varios espaos imperiais. Como recordou recentemente Antonio
Hespanha73, urna das realidades com que tiveram de lidar aqueles
que governaram o imperio portugus foi a inexistencia de um estatuto
jurdico unificado para todo o imperio. Os territorios
extra-europeus que integravam os dominios da Coroa portuguesa
caracterizavam-se por urna
70 BASTOS, Cristiana, ALMEIDA, Miguel Vale de &
FELDMAN-BIANCO, Bela, Introduo,
Trnsitos coloniais: dilogos crticos luso-brasileiros, Lisboa,
Imprensa de.Ciencias Sociais, 2002, p. 12. 71
LIMA,. Antonio Carlos de Souza: Tradies de conhecimento na gesto
colonial da desi-gualdade: refiexes a partir da administrao
indigenista no Brasil in BASTOS, Cristiana, ALMEIDA, Miguel Vale de
& FELDMAN-BlANCO, Bela (orgs.): Trnsitos coloniais: dilogos
crticos luso-brasileiros, Lisboa, Imprensa de Ciencias Sociais,
2002, pp. 151-172. Acerca deste mesmo tema, consulte-se, de FlLHO,
Rubem Barboza: Tradio e Artificio. Iberismo e Barroco na Formao
Americana, Belo Horizon-te, Editora UFMG, 2000.
72Sobre este tema fundamental a consulta da obra de BOUZA
ALVAREZ, Fernando: Portugal en la Monarqua Hispnica (1580-1640)...,
cit., 1987, e tambm do livro de SCHAUB, Jean-Frdric: Portugal na
Monarqua Hispnica, Lisboa, Livros Horizonte, 2001.
73 HESPANHA, Antonio Manuel: A constituio do Imperio portugus.
Reviso de alguns en-
viesamentos correntes in FRAGOSO, Joo, BiCALHO, Maria Fernanda e
GouvA, Maria de Ftima (orgs.): O Antigo Regime nos Trpicos. A
dinmica imperial portuguesa (sculos XVI-XVIII), Rio de Janei-ro,
Civilizao Brasileira, 2001, pp. 163-188.
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O GOVERNO E A ADMINISTRAO DO BRASIL SOB OS HABSBURGO E OS
PRIMEIROS BRAGANA 133
enorme heterogeneidade fsica e cultural74; por urna situao de
extremo plura-lismo jurdico; pela vigencia de direitos indgenas em
diversas partes do impe-rio; e pela interpenetrao entre instancias
jurdicas e conjuntos normativos europeus. Todas estas realidades tm
de ser levadas em conta na avaliao do exerccio do poder no mbito do
imperio portugus.
Alm disso, o conhecimento das condies concretas de exerccio do
poder no Antigo Regime tornou tambm possvel reavaliar outras
interpretaes co-rrentes do imperio portugus. E esse o caso da
insistencia numa imagem cen-tralizada do Imperio, e da tese de que
sempre existiu urna clara direco estra-tgica, urna "ideia de
imperio", gizada e sistemticamente aplicada desde Lisboa ou desde
Madrid. Como notou urna vez mais Antonio M. Hespanha, a imagem de
um imperio marcadamente centralizado foi corroborada quer por
estudiosos oriundos do pas colonizador, quer por historiadores
provenientes dos territorios colonizados pelos lusos. Do ponto de
vista do antigo coloniza-dor, a viso nacionalista do passado sempre
apreciou a ideia de que o imperio possua urna direco forte e
coordenada, falando em Plano das Indias, em Escola de Sagres, em
Poltica de Sigilo, em Ideia Imperial ou em Ideolo-ga de Cruzada,
para desse modo reforar a convico de que a nao portu-guesa s se
realiza atravs da conquista e da "submisso civilizadora" de outros
povos. Do ponto de vista do pas que fora colonizado, convinha
sublinhar a centralizao e a fora do colonialismo, retratando-o como
um dispositivo im-placvel e institucionalmente pesado. A. M.
Hespanha75 assinalou que ambas as interpretaes que acabamos de
referir enfermam de um optimismo excessi-vo acerca das capacidades
da Coroa portuguesa para exercer a sua soberana em territorios to
distantes. Hoje sao j plenamente conhecidas as dificuldades
sentidas pelos reis portugueses para dominar, com eficacia, os seus
pequeos dominios europeus. Em face desses dados, estamos
actualmente em condies para reavaliar, de um modo mais pertinente,
o efectivo impacto da autoridade regia nos vastssimos territorios
ultramarinos.
bem provvel que toda esta renovaao conduza a mudanas no
vocabula-rio conceptual. Alias, a reviso lexical est j em curso
desde h alguns anos, em especial no estimulante universo
historiografa) brasileiro, onde se terh dis-cutido, com
intensidade, a pertinencia terica de conceitos como Imperio, ou
Colonia, a dicotoma Metrpole/Colnia e, sobretudo, a expresso
Brasil-colonia, ltimamente substituida por expresses como Amrica
Portuguesa, espaos coloniais, Conquistas, ou por referentes
geogrfico-administrativs como Estado do Brasil, Pernambuco ou
Maranho. Problemtic^'m sido, tambm, a tarefa de encontrar urna
palavra pertinente para classificar os acto-res do processo
histrico luso-brasileiro: Colonos? Brasileiros? Braslicos?
74 MORAES, Antonio Carlos Robert: Bases da formao territorial do
Brasil. 0 territorio colonial
brasileiro no "longo" sculo XVI, Sao Paulo, Hucitec, 2000.
75
HESPANHA, Antonio Manuel: A constituio do Imperio portugus...,
cit., 2001, pp. 163-188.
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Luso-brasileiros? A resposta nao se revela fcil, sobretudo
porque hoje cada vez mais adquirido que o senhorio colonial nao era
nem colonizado nem coloni-zador. Este aliciante debate conceptual
um bom exemplo do clima de reno-vao que se vive no mundo
historiografa), sobretudo do lado brasileiro.
O BRASIL SOB OS HABSBURGO E OS PRIMEIROS BRAGANA
inegvel que existe j um conjunto significativo de historiadores
que soube tirar partido das mltiplas aquisies que acabaram de ser
enumeradas, renovan-do profundamente o campo historiografa)
luso-brasileiro. Para alm das obras j referidas de Laura de Mello e
Souza, de Ronaldo Vainfas e de Silvia Hunold Lara, pens tambm em
Luiz Felipe de Alencastro, em Maria Fernanda Bicalho, em Ftima
Gouva, em Luciano Figueiredo, em Pedro Puntoni, em Jnia Furtado, em
Tiago C. P. dos Reis Miranda76, em Angela Domingues77, em lara Lis
Car-valho Souza78, em Rodrigo Bentes Monteiro79, em Guida
Marques80, para citar apenas os mais directamente ligados ao estudo
do Brasil de Seiscentos.
O alcance desta renovao historiogrfica muito visvel nos
trabalhos de to-dos estes estudiosos. Vejamos, como exemplo, as
propostas interpretativas formu-ladas por Luiz Felipe de Alencastro
acerca do Atlntico Seiscentista81, ou seja, o espao onde a
influencia das Coroas Ibricas se fez sentir com mais intensidade. A
fim de explicar o relacionamento entre Portugal, a Monarqua
Hispnica e o Bra-sil, Alencastro rompeu com o esquema bipolar que
pauta quase todos os estudos dedicados a esta temtica, introduzindo
urna abordagem muito mais plural e dinmica. Assim, em vez de
bipolar, o ponto de vista proposto por Alencastro multipolar, e
nela os principis protagonistas sao os varios espaos coloniais.
Alencastro fala de urna Amrica Portuguesa composta por economias
regionais e por comunidades dispersas, insistindo no carcter
fragmentado de um territorio onde cada urna das partes era
portadora de urna identidade particular, de urna especfica lgica de
funcionamento e de intresses prprios. Entre essas varias re-
76 MIRANDA, Tiago Costa Pinto dos Reis: A Inocencia da Razo.
Antonio Freir de Andrade Ence-
rrabodes (1699-1783), Sao Paulo, 1998 (Tese de Doutoramentp em
Historia Social apresentada no Departamento de Historia da
Faculdade de Filosofa, Letras e Ciencias Humanas da Universidade de
Sao Paulo).
77 DOMINGUES, Angela: Quando os indios eram vassalos. Colonizao
e relades de poder no norte do
Brasil na segunda metade do sculo XVIII, Lisboa, CNCDP,
1999-78
SOUZA, lara Lis Carvalho: Patria Coroada. 0 Brasil como Corpo
Poltico Autnomo, 1780-1831, Sao Paulo, Unesp, 1998.
79 MONTEIRO, Rodrigo Bentes: 0 Rei no Espelho. A Monarqua
Portuguesa e a colonizao da Am-
rica, 1640-1720, Sao Paulo, Hucitec, 2002. 80
MARQUES, Guida: O Estado do Brasil na Unio Ibrica..., cit.,
2002, pp. 7-35. 81
Luiz Felipe de ALENCASTRO, 0 trato dos viventes..., cit.,
2001.
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O GOVERNO E A ADMINISTRAO DO BRASIL SOB OS HABSBURGO E OS
PRIMEIROS BRAGANA 135
gies avulta o eixo Rio de Janeiro-Buenos Aires-Angola, onde
prevalecem, tam-bm, os interesses Peruleiros e de Potos82; a regio
da Baha, sobretudo conec-tada com a Costa da Mina; e, finalmente, o
ncleo Grao Par-Maranhao, mais directamente ligado as Caraibas e a
Lisboa do que as demais regies sul-americanas. No fundo, Alencastro
abandona o clssico esquema dual de um rela-cionamento
metrpole-colnia, dedicando urna muito maior ateno multiplici-dade
de intresses coexistentes, multiplicidade essa que, em ltima
anlise, extra-polava os limites estanques da bipolaridade.
Envereda, assim, por um esquema alternativo, concentrando a sua
ateno na existencia de espaos e de mercados interdependent es, com
hierarquias mltiplas e complexas.
Luiz Felipe de Alencastro sustenta que os intresses ligados ao
trfico de es-cravos foram o elemento determinante para o processo
que apelida de forma-o do Brasil83. Falando de ventos negreiros e
das condices fsicas e mate-rials que favoreceram a gnese de urna
mentalidade escravocrata, Alencastro retrata um sistema social onde
os intresses dos fornecedores de escrvos afri-canos se revelaram
mais fortes do que os do abastecimento de mo-de-obra indgena. O
autor de 0 Trato dos Viventes chamou a ateno, tambm, para o papel
desempenhado pelos Assentos negreiros o primeiro deles foi
arrema-tado em Madrid em 1595 , porque tais contratos tero
alegadamente contri-buido para consolidar, as dcadas que se
seguiram, um grupo com fortssimos intresses no trfico (de que
faziam parte os Sousa Coutinho, os Mendes de Vasconcelos, os
Miranda Henriques, os Vidal de Negreiros...). Finalmente, e no que
respeita dimenso cultural de todo este processo, para Alencastro a
Companhia de Jess ter fornecido a justificao ideolgica para a
escravizao de negros e para a proteco dos indgenas urna concluso
que ter de ser confrontada com as recentes investigaes de Charlotte
de Castelnau e de Car-los Zeron acerca dos efeitos culturis da
missionao em terras brasileiras, des-de os finis de Quinhentos at
ao primeiro quartel do sculo XVII84.
Este um entre varios outros exemplos que poderiam ser
apresentados para ilustrar os avanos da historiografa que incide na
historia poltico-administrativa do Brasil dos Habsburgo e dos
primeiros Bragana. O perodo compreendido
82 Cfr. CANABRAVA, Alice: 0 comercio portugus no Rio da Prata,
1580-1640, Sao Paulo, Univer-
sidade, 1944; REPARAZ, Gonalo: Os portugueses no Per nos sculos
XVI e XVII, Lisboa, Tip. Casa Portuguesa, 1967; BARRIERA, Daro :
Vers une histoire politique configurationnelle. Conqurants,
familles et rapports de pouvoir dans une ville aux confins de
l'Empire espagnol (Santa F, Rio de La Plata, XVl-XVIle sicles),
tese defendida na cole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 3
vols., Paris, 2002.
83 Sobre este tema, consulte-se RUSSELL-WOOD, A. J. R.: Iberian
Expansion and the issue of
Black Slavery: changing Portuguese Attitudes, 1440-1770, The
American Historical Review, 83 (1978) pp. 16-42; KNIGHT, Franklin
W.: Slavery and lagging capitalism in the Spanish and Por-tuguese
American Empires, 1492-1713 in SOLOW, Barbara L. (org.): Slavery
and the rise of the Atlantic System, Cambridge, Cambridge
University Press, 1991, pp. 62-74.
84 CASTELNAU, Charlotte de & ZERON, Carlos, Une mission
glorieuse et de profit. Rforme
missionnaire et conomie sucrire dans la province jsuite du Brsil
au dbut du 17e sicle, Revue de Synthse, 4e. Serie, t. 120, n. 2-3
(199) pp. 14 segs.
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136 PEDRO CARDIM
entre 1621 e 1654 ou seja, os anos da guerra neerlandesa tem
sido, sem d-vida, o mais privilegiado pelos estudiosos, com urna
nfase especial para os tra-bamos de Evaldo Cabrai de Mello e para
as investigates de Pedro Puntoni85. Outro contributo importante o
de Guida Marques, historiadora que prepara actualmente urna
dissertao de doutoramento sobre a administrao do Brasil no primeiro
quart el de Seiscentos, um perodo menos conhecido mas nem por isso
menos importante da historia do Brasil colonial sob os Habsburgo.
Privile-giando a dimenso comunicacional da actividade
poltico-administrativa da Co-roa em terras brasileiras, o estudo de
Guida Marques incide sobre as formas de comunicao entre rgaos
administrativos, o papel estratgico da informao, os expedientes de
vigilancia e de controle que foram implementados, etc. Encontra-se
tambm em curso atravs dos trabamos de Guida Marques, de Edval de
Souza Barros, de Erik Myrup, de Gilson Reis, entre outros a
caracterizao do papel desempenhado pelos sucessivos rgaos palatinos
que lidaram com materias brasileiras, a saber, o Conselho da India
criado no tempo de D. Filipe II de Por-tugal, a Junta da Fazenda86,
a Junta de Pernambuco, o Conselho Ultramarino e a Junta do
Comercio, para alm de outras instituies de menor projeco.
No que especficamente respeita ao lugar do Brasil no quadro das
relaes entre Portugal e a Monarqua Hispnica, o desvendar de novos
corpora docu-mentais com destaque para o decisivo contributo do
Projecto Resgate (identificao e reproduo da documentao sobre o
Brasil-colonia dispersa pelo mundo) - tambm foi determinante. O
grande manancial de dados que tem sido revelado permitiu efectuar
urna avaliao mais precisa do papel do Brasil na relao estabelecida
entre a Coroa Portuguesa e os monarcas Habs-burgos. Questionou-se,
desde logo, um tpico muito enraizado, nao s na his-toriografa mas
sobretudo no senso comum: a tradicional distino entre o mo-delo
colonizador luso onde alegadamente predominara urna economa baseada
em exploraces rurais e no escravismo e aquele que se desenvolveu na
Amrica Espanhola, por exemplo no Mxico no Peru, territorios que
conta-vam com grandes concentraes populacionais de indgenas e minas
de prata. Trabalhos recentes tm contribuido para matizar este
tpico87.
Os recentes desenvolvimentos historiogrficos tm tambm permitido
urna mais correcta avaliao do peso poltico do Brasil, chamando a
ateno para o facto de, desde bastante cedo, o potencial do espao
brasileiro ter sido pressen-tido pelos governantes ibricos. Sabe-se
hoje que datam do reinado de D. Joo III as primeiras propostas de
transferencia ou retirada da corte lusa para a
85 MELLO, Evaldo Cabrai de, 0 Negocio do Brasil. Portugal, os
Pases Baixos e o Nordeste (1641-
1669), Lisboa, CNCDP, 2001. 86
MARTN GUTIRREZ, Diego: La Junta de Hacienda de Portugal,
Pamplona, Newbook, 1996. 87
Veja-se os comentarios tecidos por SCHAUB, Jean-Frdric, sobre
este ponto, em Hacia una historiografa eurocolonial. Amrica
portuguesa y Monarqua Hispnica in AA. W . , Los virreinatos
americanos, Actas do Congresso Internacional, Madrid, Novembro de
2002, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales (no prelo).
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O GOVERNO E A ADMINISTRAO DO BRASIL SOB OS HABSBURGO E OS
PRIMEIROS BRAGANA 137
Amrica do Sul, para ai ser estabelecido o centro governativo de
uma nova unidade poltica88. Sabe-se, tambm, que a centralidade da
Amrica Portugue-sa se acntuou a partir do momento em que a Coroa
lusa foi agregada Mo-narqua Hispnica, e que urna das razes para o
aumento da importancia deste territorio, no quadro da estrategia
ultramarina dos Habsburgo espanhis, ter sido o facto de ele ter
sido visto como uma primeira linha de defesa contra ata-ques
dirigidos ao corao das Indias de Castela. O peso poltico do Brasil
tam-bm esteve bem patente no investimento efectuado pelos monarcas
Habsburgo tanto na reforma do seu dispositivo administrativo,
quanto no empenho com que Filipe IV lidou com a ameaa
neerlandesa89. Depois de 1640, a importan-cia do Brasil continuou
bem presente, sobretudo se tivermos em conta que os diplomatas
portugueses usaram este territorio como moeda de troca as
ne-gociaes para alcanar o reconhecimento internacional da sua
secesso da Mo-narqua Hispnica semelhana do que suceder as negociaes
encetadas pelos Antonianos, logo aps 1581, junto das coroas inglesa
e francesa90.
Anda no que toca ao impacte da agregao da Coroa lusa nos
dominios dos Habsburgo, cumpre ter em conta o importante tema da
integrao entre Amrica Espanhola e Amrica Portuguesa. Tal como
sucedeu na parte oriental dos imperios ibricos91, aps 1581 tambm no
Atlntico possvel detectar varios sinais de integrao, em especial em
duas reas: a comercial e a militar. Quanto aos laos comerciis,
aprofundaram-se as pr-existentes rotas de ligao entre diversos
pontos da costa africana e as Indias Espanholas, sobretudo
rela-cionadas com o fornecimento de escravos92. Desenvolveram-se,
tambm, os laos entre a Amrica Portuguesa e as Indias Espanholas,
como por exemplo o eixo Rio de Janeiro-Buenos Aires, ou as ligaes
entre o Maranho, o Alto Amazonas93 e as possesses caribenhas da
Coroa de Castela. No que concerne
88 Cfr. MELLO, Evaldo Cabrai de: Um imenso Portugal. Historia e
Historiografa, Sao Paulo, Edi-
tora 34, 2002, pp. 63 segs. 89
SCHWARTZ, Stuart B.: Luso-Spanish Relations in Habsburg Brazil,
The Americas, 34 (1968) pp. 33-48. E, tambm, STELLA, Roseli
Santaella: 0 dominio espanhol no Brasil..., cit., 2000.
90 MARQUES, Guida: La dimension atlantique de l'opposition
antonienne au pouvoir des
Habsbourg et l'enjeu brsilien (1580-1640), Anais de Historia de
Alm-Mar, IV (2003), pp. 213-246. 91
VALLADARES, Rafael: Castilla y Portugal en Asia (1580-1680).
Declive imperial y adaptacin, Lovaina, Leuven University Press,
2001.
92 Consulte-se in genere os trabalhos de VENTURA, Maria da Graa
(coord.): A Unio Ibrica e o
mundo Atlntico. Segundas Jornadas de Historia Ibero-Americana,
Lisboa, Colibri, 1997; ESTEVES, Maria Luisa: Para o estudo das
relaes comerciis de Angola com as Indias de Castela e Genova no
pe-rodo da restaurao (1640-1668), Studia, n 51 (1992), pp. 29-60;
CORTS LPEZ, Jos Luis: La importancia de la esclavitud en la
expansion portuguesa en Africa y su repercusin en el mundo hispnico
in CARABIAS TORRES, Ana Maria (org.): Las relaciones entre Portugal
e Castilla en la poca de los Descubrimientos y de la Expansin
Colonial, Salamanca, Universidad, 1994, pp. 1249-1269.
93 DOMINGUES, Angela: O reconhecimento do "Rio Grande": as
primeiras viagens de Espan-
his e Portugueses pelo Pas das Amazonas in AA. W . ,
Portugal-Brasil. Memorias e Imaginario, Lisboa, GTMECDP, 2000, pp.
5-12.
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138 PEDRO CARDIM
administrao militar, as necessidades de defesa contra inimigos
comuns cedo impuseram urna viso integrada e de solidariedade entre
a Amrica Portuguesa e a Amrica Espanhola. Os estudos j citados de
Evaldo Cabrai de Mello, de Pedro Puntoni, de Roseli Santaella
Stella, de Rafael Valladares e, mais recen-temente, de Guida
Marques, comprovam o que acabamos de afirmar. A guerra contra os
neerlandeses no Nordeste brasileiro, alm de ter dado fora aqueles
que pugnavam pela organizao de urna srie de empreendimentos
militares em que participassem soldados oriundos de diversos pontos
da Monarquia, contribuiu tambm para reforar a opinio daqueles que
pensavam, de forma integrada, a defesa das possessors americanas
das coroas ibricas94.
No entanto, importante frisar que esta viso integrada esteve
longe de ser consensual, tendo sido forte a resistencia contra as
abordagens administrativas em que os mbitos jurisdicionais das suas
coroas se confundiam. A viso particu-larista subsistiu entre alguns
portugueses que recearam ver o seu espao imperial invadido por
dignitrios, oficiis e negociantes oriundos de outros pontos da
Monarquia dos Habsburgo. Contudo, a filiao nacional nao explica
muitas das tomadas de posio sobre este tema, j que tambm possvel
encontrar nume-rosos exemplos de portugueses entusisticamente
favorveis a um aprofunda-mento da integrao entre as possesses
americanas de Castela e as de Portugal. Da mesma forma, convm
evitar a viso simplista de urna Castela invariavel-mente
centralizadora e sempre empenhada em incorporar novos territorios.
Na verdade, sabemos hoje que, nalguns casos, foram os prprios rgos
da adminis-trao central castelhana os primeiros a travar um
aprofundamento da integrao entre os dois imperios na Amrica
meridional, demonstrando um receio simtri-co quele que era nutrido
por alguns portugueses, ou seja, receando a invaso, por parte de
hordas de portugueses, das reas de influencia hispnica, com a
consquente disperso de monopolios, de privilegios e de poder93.
A rvolta de 1640 eclode num momento em que estava em curso este
dilo-go entre os partidarios de uma maior integrao e aqueles que
actuavam no sen-tido particularista. Para alm de ter rompido pelo
menos temporariamente algumas das rotas anteriormente desenvolvidas
(por exemplo o eixo Rio de Janei-
94 SCHWARTZ, Stuart B.: A jornada dos vassalos: poder real,
deveres nobres e capital mercan-
til antes da Restuarao, 1624-1640 in Da Amrica Portuguesa ao
Brasil. Estudos Histricos, Lisboa, Difel, 2003, pp. 143-184.
95 Cfr. SCHWARTZ, Stuart B.: Pnico as Indias. A ameaa portuguesa
ao Imperio espanhol,
1640-1650 in Da Amrica Portuguesa ao Brasil..., cit., 2003, pp.
185-216. Para uma compreenso deste problema escala mais grai da
Monarquia Hispnica, veja-se o excelente ensaio de THOMP-SON, I. A.
A.: Castile, Spain and the monarchy: the political community from
'patria natural' to 'patria nacional' in KAGAN, R. & PARKER, G.
(orgs.): Spain, Europe and the Atlantic world. Essays in honour of
John H. Elliott, Cambridge, Cambridge University Press, 1995, pp.
125-159; acerca desta temtica consulte-se o nosso Poltica e
identidades corporativas no Portugal de D. Filipe I in AA. VV.,
Estudos em Homenagem ajoo Francisco Marques, Porto, Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, 2002, vol. 1, pp. 275-306.
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O GOVERNO E A ADMINISTRAO DO BRASIL SOB OS HABSBURGO E OS
PRIMEIROS BRAGANA 139
ro-Buenos Aires), o movimento separatista portugus foi
aproveitado, do lado Hispnico, por aqueles que nutriam algum
ressentimento pela crescente entrada de lusos nos circuitos da
Monarqua. Rafael Valladares assinalou recentemente que a rvolta de
1640 foi um bom pretexto para a expulso dos chamados infil-trados
lusos estabelecidos as colonias espanholas. Quanto aos mercadores
de Sevilha, acolheram favoravelmente a rvolta de 1 de Dezembro,
pois proporcio-nava urna boa justifcao para se livrarem dos
concurrentes lusos96.
Contudo, inegvel que a ruptura de 1640 acarretou prejuzos
avultados, e varios homens de negocio Portugueses e Hispnicos
sofreram prejuzos devido ao corte de relaes que se seguiu rvolta, o
mesmo se podendo dizer de algumas regies da Amrica espanhola, agora
privadas de importantes zonas de abastecimento de escravos. Em
Buenos Aires a situao tornou-se particu-larmente complicada, pois
escassez de escravos somou-se a interrupo de contactos comerciis
com as reas meridionals brasileiras97. Ainda assim, o tr-fico
clandestino prosseguiu, nao s com o sul do Brasil, mas tambm com
mer-cadores neerlandeses. Quanto aos crculos financeiros, Rafael
Valladares notou que aps 1640 um grupo de banqueiros portugueses em
Madrid com Duarte Fernandes cabea - moveu influencias para que
fossem organizadas misses junto das autoridades luso-brasileiras e
luso-angolanas para as convencer a permanecerem fiis aos
Habsburgo98. Segundo Valladares, o plano integrava-se na poltica de
bloqueio econmico desenvolvida por Filipe IV, cujo intuito era
desviar o trfico sado desses territorios e canaliz-lo para os
portos da Monar-qua Hispnica, a fm de asfixiar a economa
portuguesa.
A par da Monarqua Hispnica, o Tempo dos Flamengos tem sido outra
das reas de eleio da recente historiografa. A partir das pistas
lanadas pelo clssico livro de Jos Antonio Gonsalves de Mello, o
Brasil holands tem sido objecto de urna ateno inusitada, em
especial da parte de Evaldo Cabrai de Me-llo e de Pedro Puntoni,
estudando temas como o modelo poltico-administrativo desenvolvido
pelos neerlandeses, a integrao do Nordeste aucareiro nos circui-tos
comerciis e financeiros das Provincias Unidas, o papel desempenhado
pelos Judeus e pelos Cristos-Novos, ou, ainda, a postura dos
neerlandeses face ao es-cravismo". Tem-se constatado, tambm, que
alguns dos governantes neerlande-ses se distinguiram por urna muito
vincada dimenso projectual ao nivel poltico, em particular a figura
central de Joao Mauricio de Nassau100.
96 VALLADARES, Rafael: El Brasil y las Indias espaolas durante
la sublevacin de Portugal
(1640-1668), Cuadernos de Historia Moderna, 14 (1993) pp.
151-172.
97 VALLADARES, Rafael: El Brasil y las Indias espaolas..., cit.,
1993, pp. 162 segs.
98 VALLADARES, Rafael: El Brasil y las Indias espaolas..., cit.,
1993, pp. 155 segs.
99 PUNTONI, Pedro: A Msera Sorte. A Escravido Africana no Brasil
Holands e as Guerras do Tr-
fico no Atlntico Sul, 1621-1648, Sao Paulo, Hucitec, 1999.
100MELO, Ana Vasconcelos e: Imagens do Nordeste brasileiro no sculo
XVII. Um discurso visual de
apropriao colonial, Tese de Mestrado em Historia da Arte,
Universidade Nova de Lisboa, 2000.
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140 PEDRO CARDIM
A Evaldo Cabrai de Mello devemos pginas de antologa sobre alguns
te-mas fundamentis do perodo neerlands, mas nao s: em primeiro
lugar, de-monstrou que a guerra neerlandesa foi um lugar de
experimentao de novas tcnicas militares, as quais influenciaram
posteriormente a arte da guerra na Europa. Cabrai de Mello
procedeu, tambm, a urna minuciosa reconstituio da chamada Querela
dos Engenhos, ou seja, a disputa que, na dcada de 1660, ops os
antigos proprietrios aos novos possuidores dos engenhos
locali-zados em zonas ocupadas pelos neerlandeses101. Por ltimo, o
mesmo Cabrai de Mello estudou o lugar de Pernambuco as negociaes
diplomticas que se seguiram rvolta de 1640, assim como o papel
desempenhado por este confu-to no processo de reforo da identidade
poltica pernambucana, processo esse que teve o seu momento
culminante na segunda metade de Siscentos102.
AS ELITES LUSO-BRASILEIRAS E A POLTICA EM TERRAS TROPICAIS
Naquela fase inicial do empreendimento colonizador, a poltica,
as terras sul-americanas, jogava-se essencialmente em torno do
controle dos recursos ma-terials e simblicos disponveis. Embora nao
exista ainda um consenso quanto melhor palavra para designar os
protagonistas da dinmica poltica da Amrica Portuguesa colonos?;
brasileiros?; braslicos? , dispomos j de estudos monogrficos sobre
a actuao de figuras que desempenharam funes de relevo na
administrao territorial, em especial sobre alguns representantes da
Coroa em terras brasicas. Trabalhos como os j citados de Evaldo
Cabrai de Mello e de Luiz Felipe de Alencastro, mas tambm os
estudos de Maria Fernanda Bicalho103, de Francisco Bethencourt104,
de Maria de Ftima Gouva105, entre outros, tm demonstrado que os
vice-reis e os governadores, enquanto representantes da Coroa,
gozavam de urna enorme margem de autonoma, realidade que obriga a
matizar a imagem de um imperio fortemente centralizado. Merece
referencia, tambm, a linha de estudos dedicada historia social das
elites polticas, onde Nuno Gonalo Monteiro, Mafalda Soares da
Cunha106 e Maria Fernanda Oli-
101 MELLO, Evaldo Cabrai de: Olinda Restaurada..., cit., 1998,
pp. 381 segs.
102 MELLO, Evaldo Cabrai de: Rubro Veto. O imaginario da
restauraco pernambucana, 2a edico re-
vista e aumentada, Rio de Janeiro, Topbooks, 1997. 103
BlCALHO, Maria Fernanda: Centro e periferia: pacto e negociao
poltica na administrao do Brasil Colonial, Leituras. Revista da
Biblioteca Nacional, 6 (2000) pp. 17-40.
104 BETHENCOURT, Francisco: O complexo Atlntico in BETHENCOURT,
F. & CHAUDHURI,
K. (dirs.): Historia da Expanso Portuguesa, Lisboa, Crculo de
Leitores, 1998, vol. Il, pp. 315-342. 105
Cfr. o excelente ensaio de GOUVA, Maria de Ftima: Poder poltico
e administrao na formao do complexo atlntico portugus (1645-1808)
in FRAGOSO, Joo, BlCALHO, Maria Fer-nanda e GOUVA, Maria de Ftima
(orgs.): 0 Antigo Regime nos Trpicos.., cit., 2001, pp.
287-315.
106 CUNHA, Mafalda Soares da: Os governadores coloniais in
MONTEIRO, Nuno G., CUNHA,
Mafalda Soares da, e CARDIM, Pedro (orgs.): Optima Pars. As
Elites do Antigo Regime no espao Ibero-americano, Lisboa, Imprensa
de Ciencias Sociais (no prelo).
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O GOVERNO E A ADMINISTRAO DO BRASIL SOB OS HABSBURGO E OS
PRIMEIROS BRAGANA \^\
val107 tm investigado questes como o recrutamento, a hierarquia
e a qualidade de nascimento dos membros das diversas lites
actuantes no quadro imperial. Tirando o partido da prosopografa,
estes estudiosos reconstituram as opes dos diversos grupos sociais
face as varias oportunidades de servio proporcionadas pela Coroa.
Tal abordagem tem permitido identificar as prioridades da Coroa e
as linhas de fora da sua actuao, numa perspectiva tanto diacrnica
como sin-crnica. A neurlgica questo do processo de escolha dos
governadores coloniais tambm tem sido abordada por Nuno Monteiro108
e por Mafalda Soares da Cunha109, em trabamos onde se torna bem
claro que se tratava de urna seleco que segua vias muito
diversificadas, e que s em alguns casos era antecedida por urna
consulta ou parecer de rgaos como o Conselho da Fazenda, o Conselho
da India ou o Conselho Ultramarino.
Graas as citadas investigaes de Mafalda Soares da Cunha, sabemos
hoje que para os principis postos de governo a Coroa chamava
membros da aristocracia, se bem que, at bastante tarde, o servio na
India tenha continuado a ser muito mais valorizado pela Coroa e,
logo, mais atractivo para a grande nobreza. Alm de de-monstraren!
que o servio desempenhado na parte Oriental do imperio era muito
melhor remunerado do que os cargos exercidos no Atlntico, os
estudos de Mafal-da Soares da Cunha para o perodo seiscentista, e
os de Nuno Gonalo Monteiro110 para o sculo XVIII, sugerem tambm que
o servio militar constituiu a principal via de nobilitao no quadro
da governao colonial, se bem que a guerra fosse avaliada de urna
forma muito diferenciada: a chamada guerra viva (caso da guerra
holandesa) era muito mais valorizada do que a guerra de pegar indio
ou do que a guerra dos Palmares. Estas ltimas, e sobretudo a
participao em Bandeiras, podiam funcionar, at, como factor de
desqualificao social.
Em face dos dados at agora compilados sobre o conjunto do
oficialato regio, urna coisa parece certa: no tocante remunerao de
servios a Monarqua no necessitou de fazer uma grande transferencia
de recursos para remunerar os ser-vios prestados pelos seus
vassalos na Amrica do Sul. Em regra, os naturais do Brasil eram
recompensados com cargos, dignidades ou honras sul-americanas, e at
ao final de Seiscentos s poucos ascenderam ao ponto de
desempenharem um
107 OLIVAL, Maria Fernanda: As Ordens Militares e o Estado
Moderno. Honra, merc e venalidade em
Portugal (1641-1789), Lisboa, Estar, 2001. ios MONTEIRO, Nuno
Gonalo: Trajectrias sociais e governo das conquistas: Notas
prelimi-
nares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da
India nos sculos XVII e XVIII in FRAGOSO, Joo, BICALHO, Maria
Fernanda & GouvA, Maria de Ftima (orgs.): 0 Antigo Regime nos
Trpicos..., cit., 2001, pp. 249-284.
109 CUNHA, Mafalda Soares da: Do Brasil Mtropole. Efeitos
sociais (sculos XVII-XVIII)
in CUNHA, Mafalda Soares da (coord.): Do Brasil Mtropole.
Efeitos Sociais, vora, Universidade, 2001, pp. 9-14.
110 MONTEIRO, Nuno Gonalo: A Corte, as provincias e as
conquistas: centros de poder e tra-
jectrias sociais no Portugal Restaurado (1668-1750) in VENTURA,
Maria da Graa (coord.): 0 Barroco e o Mundo Ibero-Americano,
Lisboa, Colibri, 1998.
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142 PEDRO CARDIM
papel de primeira importancia na alta poltica de Madrid ou de
Lisboa. Quanto ao perfil social desses homens, estudos recentes
demonstram que, no sculo XVII, ainda possvel encontrar alguns
dignitrios que, devid