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Aline Cordeiro Goldoni
ESTABELECENDO A ORDEM: A FORMAO DA GUARDA NACIONAL E SUA
IMPORTNCIA NA MANUTENO DA ORDEM INTERNA DURANTE A GUERRA COM
O
PARAGUAI (1864-1870)
ESTABLISHING THE ORDER: THE FORMATION OF THE NATIONAL GUARD AND
ITS
IMPORTANCE IN THE MAINTENANCE OF THE INTERNAL ORDER DURING THE
WAR WITH PARAGUAY
Aline Cordeiro Goldoni*
Resumo: Criada em agosto de 1831, a Guarda Nacional brasileira
teve como modelo principal a Garde Na-tionale francesa.
Inicialmente, a fun-o da Guarda Nacional brasileira era manter a
ordem social, conter as revol-tas populares e propiciar a sustentao
do aparelho estatal, a fim de manter a integridade do Imprio.
Criada em meio a grandes agitaes polti-cas, logo aps a abdicao de
Pedro I (abril de 1831), a Guarda Nacional foi um instrumento de
imensa impor-tncia no processo de apaziguamento dessas revoltas.
Este artigo analisa o processo de formao da Guarda Na-cional e a
importncia que esta teve na manuteno da ordem na Corte e na
provncia do Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai. Assim como
os pontos inerentes a sua estrutura, fun-cionamento e atuao.
Palavras-chave: Guarda Nacional, Exrcito, Regncia, ordem,
guerra.
Abstract: Created in August 1831, the National Guard took as its
main model the french Garde Nationa-le. Initially, the Brazilian
National Guards functions were to keep the social order, to contain
the popular insurgencies, and to propitiate the maintenance of the
State apparatus, in order to keep the Imperial integri-ty. Created
among political turmoil, just after the abdication of Pedro I
(April 1831), the National Guard was an instrument of great
importance in the process of pacification of those insurgencies.
This article analyses the process of formation of the National
Guard, and the importance of its pre-sence in the maintenance of
the order in Court and in the province of Rio de Janeiro during the
Paraguayan War. Just as of the inherent points of its structure,
operation, and agency.
Keywords: National Guard, Army, Regency, order, war.
* Doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Historia Social
(PPGHIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail:
[email protected]
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Entretanto o tempo correu, o anno de 1831 apareceu, e as grandes
necessidades da ordem fizero crear a
Guarda Nacional [...].Pronunciamento do deputado Justiniano Jos
da Rocha. Anais do Parlamento Brasileiro Cmara
dos deputados. Sesso de 25.06.1850.
Criada em 18 de agosto de 1831, poucos meses aps a abdicao de D.
Pedro I (7 de abril), a Guarda Nacional brasileira tinha como
principal funo, segundo a legislao que a originou, defender a
Constituio, a Liberdade, e a Integridade do Imperio; para manter a
obedincia as Leis, conservar ou restabelecer a ordem, e a
tranquilidade publica; e auxiliar o Exercito de Linha na defesa da
fronteira, e costas. (Coleo de Leis do Imprio do Brasil, 1831,
p.49) Este artigo abordar o processo de forma-o da Guarda Nacional,
pontos inerentes a sua estrutura, funcionamento, atuao e a
importncia que esta teve na manuteno da ordem provincial durante
situaes de emergncia, dando destaque para a Guerra do Paraguai
(1864-1870). Para tanto, considerarei a relao da corporao com
outras instituies e as funes que foram delegadas Guarda na provncia
do Rio de Janeiro, como por exemplo: o papel de polcia que, em
muitos momen-tos, precisou ser desempenhando pelos seus
membros.
Aps o sete de abril eclodiram rebelies em diversas provncias do
Im-prio. O pas foi tomado por uma intensa agitao poltica e social.
Durante aquele perodo a unidade nacional esteve em xeque e os
debates em curso discutiam o tipo de Estado que seria capaz de
garantir a ordem. A situao do pas demandava medidas urgentes para
que as autoridades regenciais pu-dessem estabilizar o sistema
poltico brasileiro. Entre os grupos sociais de maior influncia
poltica no havia consenso sobre qual arranjo institucional seria
mais conveniente para o pas vrios temas foram debatidos, entre
eles: a centralizao do poder, o grau de autonomia das provncias e a
organizao das foras armadas. Tais debates procuravam, dentre outras
coisas, o estabe-lecimento de medidas que buscassem a manuteno da
integridade nacional, situar o grau de atribuies dos diversos rgos
da monarquia e a criao de uma nova forma de organizao militar para
auxiliar de maneira efetiva o Exrcito de Linha, cuja lealdade era
vista com reservas pelos regentes.
Para que tais medidas pudessem ser postas em prtica era
necessrio estabelecer a ordem e extinguir as revoltas sociais e
separatistas, que durante o perodo se manifestaram por todo
territrio nacional. As foras militares, que teoricamente seriam
responsveis pela conteno desses movimentos, no inspiravam confiana
muitos dos motins que tiveram lugar na capital do Imprio, nesse
momento, contaram com a participao de povo e tropa, situao agravada
pelos constantes boatos sobre as posies restauradoras de parte da
oficialidade.
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Aline Cordeiro Goldoni
Durante o perodo inicial da Regncia o grupo poltico que esteve
no poder imps crescente controle sobre os regimentos profissionais
e, como parte desta ao, os corpos das tropas de 1 linha foram
desmobilizados. A maioria dos oficiais portugueses integrantes do
Exrcito imperial foi reforma-da, o que ajudou a estabilizar a
situao institucional. Os governantes temiam que, aliada falta de
disciplina dos soldados, a presena de oficiais portugueses no
Exrcito, supostamente favorveis restaurao, pudesse inflamar
revoltas internas. Numa perspectiva contrria ao que acontecia com
as foras militares naquele momento e com base neste contexto, a
Guarda Nacional surgiu como opo por uma fora que simultaneamente
estivesse desvinculada do antigo imperador, evitando os fantasmas
de uma possvel restaurao e, principal-mente, dissolvesse as ameaas
ordem pela indisciplina, oriundas da grande concentrao de tropas
ociosas e mal pagas nas cidades.
Neste sentido, durante todo o perodo regencial e grande parte do
Se-gundo Reinado, a Guarda Nacional atuou como uma instituio
essencial para sustentar a ordem interna e defender a soberania
nacional do pas contra inimigos externos. O perodo do confronto com
o Paraguai um momento exemplar desta situao, pois a corporao foi
obrigada a cumprir essas duas funes de maneira simultnea.
Internamente, em muitos casos, os corpos de polcia de diversas
provncias do Imprio foram imediatamente incorporados ao exrcito,
restando Guarda Nacional o servio de policiamento. Externa-mente,
milhares de homens da Guarda Nacional de todo o Imprio foram
incorporados aos batalhes do exrcito e enviados para o campo de
batalha. Como ser mostrado ao longo desse artigo, o quadro que se
formou na pro-vncia do Rio de Janeiro bastante ilustrativo desta
condio.
Por sua proximidade da Corte, centro poltico do Imprio, a regio
teve um papel estratgico durante o conflito com o Paraguai,
funcionando como ponto de reunio das tropas que vinham de diversas
provncias para serem direcionadas ao teatro da guerra. Essa
conjuntura requereu uma pre-ocupao maior com a manuteno da ordem e,
com a anexao dos corpos policiais s tropas de 1 linha, a Guarda
Nacional da Corte e da provncia fluminense ficaram encarregadas de
suprir essa ausncia.
Objetivo principal: a manuteno da ordem
O perodo regencial foi um dos mais agitados da histria poltica
do Brasil. Alm da constante ameaa de restaurao, as rebelies
provinciais perturbaram a ordem interna e a estabilidade do
governo. O vazio de poder propiciou a abertura de um espao poltico
para que os segmentos menos favorecidos da sociedade [...]
manifestassem sua insatisfao, gerando um clima de permissividade,
inquietao e incerteza (GUIMARES, 2001, p.109). Em meio a este
cenrio de dvida e insegurana, que somente veio
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se estabilizar no fim da dcada de 1840, surgiu a Guarda Nacional
brasilei-ra, como um instrumento criado pelo governo regencial para
promover a efetivao da ordem.
Para Jeanne Berrance de Castro (CASTRO, 1977), no momento de sua
criao, a Guarda Nacional foi considerada como um elemento de
pro-teo ao trono brasileiro, em oposio ao Exrcito imperial ainda
bastante identificado com o antigo imperador e favorvel restaurao
(CASTRO, 1977, p. 27). Em seu livro A milcia cidad: a Guarda
Nacional de 1831 a 1850, a instituio abordada em amplitude
nacional, com destaque para a Guarda Nacional de So Paulo, no
perodo que vai de 1831 (ano de forma-o da Guarda) at 1850 (ano em
que a instituio passa pela sua principal reforma legal). Para
Castro, durante o perodo regencial a ausncia de uma tropa de 1
linha disciplinada e controlada pelo poder civil foi um fator
de-terminante no surgimento de uma milcia cidad.
A autora tambm argumenta que com a instaurao da Guarda Nacio-nal
houve uma importante integrao social, uma vez que essa instituio
po-deria agregar todos os cidados eleitores, independentemente da
cor. Como na Frana ps Revoluo, o fato de todo cidado votante poder
participar da Guarda Nacional brasileira sugeriria que esta se
aproximasse da viso de mil-cia democrtica, pelo menos at a reforma
de 1850. De acordo com Castro, a partir desse momento, houve a
[...] transformao da milcia cidad em um elemento ativo de ao
poltica provincial (CASTRO, 1977, p.217).
Apesar da relevncia deste trabalho, para o estudo da Guarda
Nacio-nal brasileira, o amplo destaque que Castro confere ao carter
democrtico e de integrao tnica e social da instituio, baseado no
fato do preenchi-mento dos cargos de oficiais ocorrer
prioritariamente atravs do processo eletivo, pode ser questionado.
Ao exacerbar o carter eleitoral do processo de preenchimento dos
postos de oficiais, no qual supostamente os soldados seriam os
responsveis pela eleio de seus superiores diretos, Castro
negli-gencia a origem social dos oficiais de alta patente, que eram
nomeados pelo governo. Alm disso, a autora minimiza possveis
manipulaes nas eleies internas por parte dos oficiais superiores ou
mesmo de autoridades locais como o juiz de paz. A existncia de
eleies no impedia que as mesmas fos-sem controladas, especialmente
nos comandos estabelecidos em municpios de pequena populao, nos
quais os contatos pessoais refletiam a operao das hierarquias
locais.
Outro trabalho importante sobre o tema o livro de Fernando
Uri-coechea, O Minotauro Imperial A Burocratizao do Estado
Patrimonial Bra-sileiro no Sculo XIX. Uricoechea (URICOECHEA, 1978)
tambm situa a criao da Guarda Nacional brasileira como parte do
processo de manu-teno da ordem, procedimento este que foi iniciado
aps a abdicao de Pedro I. De acordo com o autor, [...] devia ela
dar uma ajuda poderosa
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aniquilao de qualquer grupo, instituio ou faco contestatria das
no-vas autoridades imperiais [...] (URICOECHEA, 1978, p. 134). O
autor situa a instituio como um elemento pertencente a uma
conjuntura pr--burocrtica, ou melhor, de transio entre uma ordem
patrimonial e uma ordem burocrtica. Neste sentido, os servios
prestados por esta instituio preenchiam as lacunas deixadas por uma
administrao central que ainda no havia alcanado um nvel suficiente
e funcional de racionalizao dos seus servios.
Uricoechea (URICOECHEA, 1978) discorda de Castro (CASTRO, 1977)
em ralao profundidade do carter democrtico, afirmando que o efeito
socializador da Guarda era limitado pelo carter patrimonial
exercido pela milcia sobre seus membros. Se, em relao aos seus
membros, ela atuaria de forma patrimonial, na relao com as
autoridades centrais a Guarda Na-cional seria um servio litrgico,
prestado pelos proprietrios locais em troca de status social. Dessa
maneira, a milcia no se constitua nem como uma burocracia estatal,
nem como uma entidade autnoma. Nessas condies, o verdadeiro sentido
poltico da instituio se encontrava na utilizao da influ-ncia
exercida pelos proprietrios locais a favor do governo central, j
que o Estado no podia depender satisfatoriamente de seus prprios
recursos para burocratizar a mquina estatal (URICOECHEA, 1978, p
203).
Antonio Edmilson Martins Rodrigues, Francisco Falcon e Margarida
de Souza Neves (RODRIGUES; FALCON; NEVES, 1981) ao abordarem os
motivos que teriam levado criao da Guarda Nacional, assim como
Castro e Uricoechea, (mesmo que exista diferenas entre eles),
enfatizam a questo da manuteno da ordem. Segundo esses autores, no
momento de sua criao, a instituio [...] era vista por seus
idealizadores como o instrumento apto para garantia da segurana e
da ordem, vale dizer, para a manuteno do espao da liberdade entre
os limites da tirania e da anar-quia (RODRIGUES; FALCON; NEVES,
1981, p. 9). Numa anlise da trajetria da Guarda Nacional no Rio de
Janeiro entre 1831 e 1918, eles conceituam a milcia como um objeto
em torno do qual girava uma nego-ciao de interesses, cujas partes
envolvidas eram o Estado e a esfera local. Sobre o carter
democrtico da instituio, enfatizado por Jeanne Berrance de Castro
(CASTRO, 1977), com base no principio eletivo para parte dos postos
de oficiais, os autores argumentam que:
Longe de garantir aspectos democratizantes ou niveladores, com
base na elegibilidade de parte (grifo meu) da oficialidade da
Guarda, esse pretenso princpio de igualdade, viciado em sua origem
porque aplicado a uma sociedade essencialmente desigual, ter que
ser redimensionado, transformando-se na prtica numa forma de
reafirmar o poder local: as listas de classificao ana-lisadas
demonstram que as eleies reproduzem no interior da guarda a
hierarquia existente na sociedade, balizada fundamental-
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mente pela propriedade. (RODRIGUES; FALCON; NEVES, 1981, p.
79).
Na mesma direo, Maria Auxiliadora Faria (FARIA, 1979) definiu a
Guarda Nacional como sendo uma fora para-militar criada para
preservar a ordem poltico-econmica fundada no latifndio e no
escravismo (FA-RIA, 1979, p. 153). Partindo de uma anlise
provincial, a autora trabalha com a Guarda Nacional de Minas Gerais
(1831-1873) demonstrando, com base no estudo dos quadros do servio
ativo da milcia mineira, que [...] a massa dos que integram (praa e
oficiais inferiores) no representativa de classe economicamente
poderosa (FARIA, 1979, p. 189). O contr-rio, segundo Faria,
acontecia com os postos de comando, que ficavam nas mos dos que
detinham tambm o poder econmico e a eles no escapavam naturalmente
o controle sobre as prprias autoridades civis de nomeao
governamental [...] (FARIA, 1979, pp. 190 e 191).
Mais recentemente, foi elaborado por Andr Fertig (FERTIG, 2003),
um estudo sobre a atuao da Guarda Nacional no Rio Grande do Sul
entre 1850 e 1873. Sobre a criao da instituio, Fertig trabalhou com
a hip-tese de que a corporao foi criada com o objetivo de funcionar
[...] como um instrumento centralizador de poder, pois delega
poderes a chefes locais que sero fiscalizados diretamente pelos
representantes do governo central. (FERTIG, 2003, pp. 15 E 16). Alm
disso, o autor enfatiza a importn-cia da milcia gacha, visto o
carter especfico que a instituio assumiu na provncia do Rio Grande
do Sul, dada sua posio fronteiria, fazendo com que ela assumisse
posio nuclear das atividades de defesa do Imprio. Fertig seguiu a
linha de Richard Graham (GRAHAM, 1997), ressaltando o papel central
do clientelismo para o controle da poltica em todas as esferas.
Em um extenso trabalho que tambm aborda a Guarda Nacional gacha,
porm partindo de outra perspectiva, Jos Iran Ribeiro (RIBEI-RO,
2001) analisa a instituio a partir dos indivduos que formavam o seu
efetivo. Discutindo questes como qualificao, alistamento,
dificuldades de organizao dos corpos e as funes desempenhadas por
esses, no perodo de 1831 at 1845, Ribeiro busca entender o que
significava ser um guarda nacional naquela poca. Quais benefcios
e/ou nus que o alistamento na guarda podia trazer para os
indivduos, quais eram as condies enfrentadas durante sua atuao na
instituio. Este, ao contrrio da maioria dos traba-lhos sobre a
Guarda Nacional brasileira, enfoca sua anlise nos guardas e no na
instituio e conclui que: por mais difcil que tenha sido a trajetria
desses indivduos [...] qualificados na Guarda Nacional os fazia, de
certa forma, privilegiados, se comparado aos que eram recrutados no
exrcito. 1
1 Esses so alguns dos trabalhos sobre a Guarda Nacional no
Brasil, j realizados. Atualmente, h uma quantidade considervel de
pesquisadores que vem se dedicando ao estudo dessa insti-tuio to
cara histria da sociedade poltica brasileira. Como resultado dessas
pesquisas tem
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Aline Cordeiro Goldoni
Em suma, contrapondo esses trabalhos, possvel concluir que esses
autores compartilham da ideia de que a Guarda Nacional funcionou
como um instrumento utilizado pela elite poltica da poca de sua
criao para estabelecer a ordem interna. Entretanto, a partir dessa
premissa maior, os argumentos dos autores so desenvolvidos de
maneira diversa. Efetuando-se uma comparao entre os dois principais
autores citados acima, pode-se di-zer que Jeanne Berrance de Castro
percebeu a milcia como uma ferramenta de reforo do poder civil
instaurado aps a abdicao (CASTRO, 1977, p. 17). Fernando
Uricoechea, por sua vez, entendeu a Guarda Nacional como uma
instituio que durante boa parte do sculo XIX, operou de maneira a
compensar o espao deixado pela inexistncia de uma burocracia
racionali-zada e eficiente que pudesse se estabelecer de forma
direta do centro at as localidades (URICOECHEA, 1978).
Criada pela Lei de 18 de agosto de 1831, a Guarda Nacional
bra-sileira teve como principal fonte de inspirao a Garde Nationale
francesa ps-revolucionria, instituio de carter liberal amplamente
influenciada pelo conceito de nao em armas.2 No Brasil, a
iniciativa de armar civis e organiz-los em uma corporao paramilitar
a Guarda Nacional foi parte da agenda dos liberais. A adeso a estes
princpios descentralizadores tinha sua origem no combate ao poder
central, inicialmente articulado imagem de um Imperador estrangeiro
e autoritrio. O fortalecimento da Guarda foi ao encontro da
desmobilizao do Exrcito, ambas mantendo [...] o firme propsito de
dissolver uma estrutura burocrtica centralizada sob o cetro de uma
Coroa estrangeira e absolutista (SOUZA, 2008, p.210). Esta situao
era influenciada pela presena de um significativo nmero de oficiais
portu-gueses no Exrcito, pois, [entre] os anos turbulentos de 1830
e 1831, um total de 44 homens serviram como generais no exrcito
imperial. Desse total de 44 homens, 26 eram portugueses, 16
brasileiros, um ingls e um francs (SCHULZ, 1994, p.25).
Aliada a isso, a notcia de diversas revoltas iniciadas pelas
tropas de 1 linha, constitua uma fonte de preocupao para o governo
e conserv-las reunidas e armadas era um risco constante de novas
sublevaes. Desde os ltimos anos do Primeiro Reinado eram constantes
as rebelies de corpos militares; com o objetivo de cont-las de
maneira eficiente, foi preciso que a Regncia tivesse, diante da
tropa, uma atitude mais enrgica, anulando as possibilidades de
anarquia ou revolta. A primeira medida legal aprovada pelo governo
regencial, a Lei de 6 de junho de 1831, atuou justamente neste
surgido dissertaes e teses dedicadas anlise da instituio em
momentos diversos de sua longa existncia. Tais trabalhos acadmicos
se colocam, em sua grande maioria, como estudos de casos que
abordam a Guarda Nacional de uma determinada provncia em
particular.2 Membros do governo viram alguns problemas na utilizao
do modelo francs, devido s diferenas sociais e institucionais
existentes entre os dois pases.
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sentido. Aumentou a pena para o crime de ajuntamento poltico,
que era qualificado pela reunio de trs ou mais pessoas; proibiu
reunies noturnas com cinco ou mais indivduos, o infrator poderia
ser punido com priso de um a trs meses, no sendo necessrio que
ficasse provada a inteno crimi-nosa das pessoas envolvidas.
No entanto, segundo alguns autores, a desmobilizao do Exrcito no
se deveu exclusivamente atitude sediciosa da tropa. Para Vitor
Izeck-sohn, a crise do Primeiro Reinado serviu no apenas para
demonstrar que os grandes ajuntamentos das corporaes militares, na
capital imperial e nas capitais provinciais, se constituam em uma
situao potencialmente peri-gosa; ele tambm demonstrou o custo que a
manuteno de um Exrcito profissional acarretaria a um Imprio
financeiramente quebrado. A reorga-nizao institucional passava,
portanto, pela redistribuio dos encargos do aparato militar entre
diferentes agentes de ordem, no havendo garantia de que a
exclusividade sobre os meios de coero acontecesse em benefcio do
governo (IZECKSOHN, 1997, p.54).
Desse modo, a deciso do governo regencial de desmobilizar as
for-as militares no expressava somente falta de confiana no
elemento militar. Ela tambm refletia a falta de meios financeiros,
materiais e humanos que possibilitassem o fortalecimento do
Exrcito. O Estado no podia depen-der satisfatoriamente de seus
prprios recursos para bancar um processo de recrutamento amplo e
eficiente, fato que o obrigava a recorrer aos servios
proporcionados pelos chefes locais. A Guarda Nacional, uma milcia
que no acarretava um excessivo nus financeiro, surgiu como uma
alternati-va a esse impedimento; um incremento da dinmica extrativa
do Estado. Durante a dcada de 1830, a descentralizao militar
proporcionada pela utilizao da Guarda foi posta a servio da defesa
de uma ordem cada vez mais centralizada.
Numa outra perspectiva se coloca Adriana Barreto de Souza
(SOU-ZA, 2008), que apesar de concordar com a ideia de que [...] os
conflitos de rua, por si s, no explicam a poltica de reduo do
Exrcito (SOUZA, 2008, p.206), faz a ressalva de que o impacto
desses conflitos no pode ser minimizado. A autora corrobora a ideia
de Thomas Holloway, segundo o qual o fantasma da anarquia
(HOLLOWAY, 1997, p.83), to divulgado pela imprensa e pela fala dos
polticos, no esteve unicamente ligado s re-belies militares. Para
Holloway, estes movimentos seriam de fcil controle, sendo assim, a
preocupao que mais afligia o governo era o potencial que existia
para o surgimento de uma insurreio social (HOLLOWAY, 1997, pp. 82 e
83). Souza complementa a ideia de Holloway afirmando que a
compreenso da ao repressora da Regncia fica mais completa se a
ques-to contemplar a reunio, to incomum, de diferentes setores
sociais que essas manifestaes promoviam.
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Em contrapartida a um Exrcito reduzido, se criou a Guarda
Nacio-nal, que, de acordo com Thomas Holloway, ocupou durante algum
tempo no Rio de Janeiro parte significativa do aparato de represso
disponvel para o policiamento (HOLLOWAY, 1997, p. 90). Os
regimentos da Guarda Na-cional foram formados por municpio, ficando
o alistamento e a qualificao dos integrantes da corporao a cargo
das autoridades municipais juzes de paz e cmaras municipais. Para a
criao desses regimentos foi necessria a formao de uma estrutura
administrativa organizada. No entanto preciso destacar que a Guarda
Nacional apresentou uma incongruncia bsica entre os fins para os
quais foi criada e a sua utilizao prtica. A milcia acabou por se
tornar um instrumento de barganha dos potentados locais com o
governo central. Suas normas de funcionamento foram alvo de
constantes adaptaes dos chefes locais, que as interpretavam com
base na realidade social das localidades, adequando assim o
funcionamento da Guarda aos seus prprios interesses, muitas vezes
em detrimento dos interesses estatais. Durante a Guerra do
Paraguai, essa situao constituiu-se num entrave ao recrutamento de
tropas.
Para ampliar rapidamente os corpos do exrcito, uma das primeiras
aes encetadas pelo governo foi o destacamento de corpos da Guarda
Na-cional para o exrcito em operaes, o que acabou restringindo o
emprego da milcia como um instrumento de barganha e comprometendo o
grau de cooperao que seus chefes mantinham com o governo central. O
esforo para a Guerra alterou, momentaneamente, a dinmica das relaes
institu-das entre os grupos locais e o governo central, que tinha
como base o ge-renciamento das foras da Guarda Nacional. A partir
do momento em que a milcia precisou ser deslocada das localidades
onde atuava sob o comando dos grupos de maior influncia, para
expandir os contingentes do exrcito no exterior, a conexo entre
interesses particulares e estatais que sustentava a existncia
daquela instituio passou por um teste severo. Isso porque o
prestgio dos chefes locais estava diretamente relacionado
capacidade prpria de manter seus protegidos resguardados dos
inconvenientes que o recrutamento militar pudesse ocasionar. No
alistamento de homens para o Exrcito, a partir do momento em que os
comandantes percebiam sua autoridade ameaada por demandas externas,
tendiam a cooperar menos.
Estrutura e funcionamento da Guarda Nacional
A partir da sua criao, o servio na Guarda era permanente,
obriga-trio e pessoal. Todos os cidados brasileiros que
participassem nas eleies primrias, com idade entre 21 e 60 anos,
estavam sujeitos ao alistamento nos corpos da instituio.
Posteriormente, um decreto de 25 de outubro de 1832 mudou o limite
mnimo de idade para 18 anos e especificou o mon-
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tante da renda lquida anual para o votante, que era estabelecida
de acordo com a importncia do municpio.
O alistamento de cidados para a milcia era feito no municpio
onde estes residiam, e no caso de mudana, o guarda ficava excludo
do batalho ou companhia a que pertencia originalmente, devendo se
alistar na cidade na qual viesse estabelecer nova residncia. Ficava
a cargo, e sob superviso, do juiz de paz a organizao de um Conselho
de Qualificao que seria for-mado pelos seis eleitores mais votados
do seu distrito. Esses indivduos fica-vam responsveis por verificar
a idoneidade dos cidados aptos a assentarem praa na Guarda Nacional
e, consequentemente, fazer seu alistamento. Era obrigao do juiz
tomar nota de todas essas alteraes, que deveria, segundo a lei, ser
feito rigorosamente no livro de matrcula.
O papel do juiz de paz durante o processo de alistamento para a
Guar-da era determinante no comprometimento dessa instituio com as
autori-dades locais. Sua atuao junto aos conselhos de qualificao
acabava forta-lecendo o poder local com atribuies judiciais e
policias, enquanto reduzia, de certa forma, a autoridade do poder
central. Muitas vezes a relao de troca de interesses estabelecida
entre os juzes e os proprietrios locais fazia com que somente
fossem qualificados para a Guarda os cidados indicados por
influentes locais. Em muitos casos os juzes nomeavam protegidos
seus como inspetores de quarteiro, para que esses ficassem isentos
do servio ativo na Guarda Nacional. Como foi observado por Thomas
Flory, tericamente no haba nada que impidiera al juez nombrar
encargados a todos los ciudadanos del sexo masculino de su
parroquia, eximindolos as de trabajar en la Guar-dia (FLORY,1986,
p.147). Em muitas localidades, a completa organizao dos corpos da
Guarda Nacional esteve comprometida pelos desmandos e pela falta de
profissionalismo desses representantes do Estado.
O processo de formao dos corpos de guardas nacionais nos
diversos municpios do Imprio tardou; o processo de seleo era lento.
Em 1832, o ministro da justia Diogo Antonio Feij deu conta, em seu
relatrio anual, de alguns dos problemas que atrasavam a formao
desses regimentos. A m diviso das Parochias: a negligencia de
algumas Camaras, e Juizes de Paz [...], tem sido as causas deste
retardamento (FLORY, 1986, p. 147).
Na provncia do Rio de Janeiro, regio onde esse trabalho se
con-centra, a formao dos corpos da Guarda Nacional tambm ocorreu,
ini-cialmente, de maneira muito lenta e ineficiente. A anlise dos
relatrios dos presidentes da provncia ilustra bem esse processo. Os
relatos acerca das dificuldades encontradas para efetuar a
organizao dos corpos perpassam a grande maioria dos seus informes,
desde o ano de instaurao da milcia at o ano anterior ao incio do
conflito com o Paraguai. Formada inicialmente por 11 legies (ver
Quadro 1) as mesmas apresentavam problemas como: falta de meios
financeiros para fornecer instruo adequada aos homens que
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OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 201258
Aline Cordeiro Goldoni
compunham os batalhes da milcia ou; falta de interesse dos
prprios guar-das em comparecer aos treinamentos, pois desta forma
teriam de deixar suas atividades de lado e; a escassa quantidade de
armas.
Legies Corpos Municpios
1 Legio 1 Esquadro de Cavalaria e 4 Batalhes de Infantaria
Niteri e Mag
2 Legio 1 Esquadro de Cavalaria e 2 Batalhes de Infantaria
Itabora
3 Legio1 Esquadro de Cavalaria, 2 Batalhes de Infantaria e 1
Corpo de Infantaria
Santo Antnio de S
4 Legio 1 Esquadro de Cavalaria e 2 Batalhes de Infantaria Maric
e Saquarema
5 Legio 1 Esquadro de Cavalaria e 2 Batalhes de Infantaria Cabo
Frio
6 Legio 1 Esquadro de Cavalaria e 3 Batalhes de InfantariaCampos
dos Goytacazes e
So Joo da Barra
7 Legio 1 Esquadro de Cavalaria e 2 Batalhes de
InfantariaCantagalo e
Nova Friburgo
8 Legio 3 Corpos de Cavalaria e 1 Batalho de InfantariaValena,
Vassouras e
Paraba do Sul
9 Legio 1 Corpo de Cavalaria e 2 Batalhes de Infantaria Barra
Mansa e Resende
10 Legio 3 Esquadres de Cavalaria e 1 Companhia de Artilharia
Parati e Angra dos Reis
11 Legio 1 Esquadro de Cavalaria e 2 Batalhes de InfantariaSo
Joo do Prncipe e
Mangaratiba
Quadro 1 Legies de Guardas Nacionais formadas na provncia
fluminense quando da organizao dos corpos. Fonte: Relatrios de
presidente de provncia de 1836 at 1843.
Ao passar a presidncia da provncia fluminense em 1848, Aureliano
de Sousa e Oliveira Coutinho (futuro Visconde de Sepetiba)
descreveu a persistncia de problemas estruturais que ainda eram
sentidos mesmo passa-dos 17 anos de criao da Guarda:
A Guarda Nacional nunca pode ser convenientemente organisa-da
nesta Provincia, assim como em outras do Imperio [...]. Os
conselhos de qualificaao e a falta de armamento so causa de que
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Estabelecendo a ordem...
em alguns pontos da Provincia ella no apresente como cumpria
daquelles conselhos por considerao e muitas vezes por esprito de
partido, nullifico batalhes inteiros [...]. (Relatrio
presiden-cial, 1848, p. 22)
Apesar da existncia de outros problemas, o ponto que mais chama
ateno aquele relativo falta de armamentos, uma referncia constante
nos relatrios dos presidentes provinciais. Atravs da leitura desses
documentos pde-se concluir que a falta de armas para equipar os
guardas nacionais nunca chegou a ser resolvida. Essa escassez
prejudicava no s a prestao de servio, mas tambm o treinamento dos
guardas. Afora algum armamento fornecido aos corpos de commando de
Nictheroy, nenhum mais tem sido dado guarda nacional da
provncia.(Relatrio presidencial, 1857, p. 26) De todos os municpios
fluminenses, somente Niteri, a capital da provn-cia, conseguiu
arregimentar os corpos da Guarda Nacional de maneira a constiturem
uma fora organizada e eficiente. Suponho que a proximidade da
capital da provncia com a Corte favorecia a organizao da instituio.
O papel poltico desses dois municpios exigia um cuidado especial
com a formao dos corpos da Guarda Nacional e a necessidade de uma
fora que sustentasse a ordem, tanto na capital do Imprio como no
seu entorno.
Em geral, os armamentos e artigos necessrios para o bom
aprovei-tamento e treinamento dos corpos eram ultrapassados,
danificados e distri-budos em quantidade inferior ao nmero de
soldados. Em alguns casos os comandantes superiores, responsveis
pelos corpos de determinados mu-nicpios, financiavam a compra de
armamentos para os seus subordinados. Como reconheceu o ento
vice-presidente da provncia fluminense Joo Manoel Pereira da Silva
em 1856. Em differentes municpios o armamento que existe comprado
custa dos officiaes e praas: sendo notvel que, em outros, [...]
acha-se em to mo estado, que para fazerem uso delle, os offi-ciaes
e guardas o mando concertar. (Relatrio presidencial, 1857 p.
26)
Os gastos do governo para a manuteno das corporaes se redu-ziam
ao fornecimento das armas de guerra, bandeiras, tambores, cornetas
e trombetas; ao fornecimento de papel necessrio para registros,
ofcios, mapas e conselhos de disciplina e, ainda, ao soldo que
fosse estipulado para os trombetas, cornetas, ou tambores, quando
este servio no pudesse ser gratuito. Nem mesmo o uniforme era
fornecido pelo governo. Segundo a lei, este deveria ser o mais
simples, e menos dispendioso que for possvel.
Alm dos administradores pblicos e dos membros do judicirio,
tambm estavam isentos do servio ordinrio, caso apresentassem
requeri-mento para tal fim, os officiais de milcias que tiverem 25
annos de servio e os reformados do Exercito, e Armada e ainda os
empregados nas Admi-nistraes dos Correios. Entretanto, o
requerimento deveria ser aprovado pelo Conselho de Qualificao, e
somente ento o cidado estaria regular-
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OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 201260
Aline Cordeiro Goldoni
mente isento. Os cidados possuidores de enfermidade que os
impossibili-tassem de cumprir o servio devido seriam
automaticamente dispensados pelo Conselho, sem necessidade de
efetuar requerimento. Como a estrutu-rao dos corpos para a Guarda
Nacional se dava com base em um critrio financeiro de 100$000 rs.
anuais, que era a renda necessria para a incluso do cidado na
condio de votante, uma quantia consideravelmente peque-na para os
padres da poca, este valor acabava por englobar grande parte da
populao, at os menos favorecidos economicamente.
No entanto, a existncia de duas listas diferentes de recrutas
criou um precedente para que o servio da reserva se tornasse um
meio de fuga ao recrutamento para o servio ativo e at mesmo para o
servio militar, uma vez que os alistados na Guarda Nacional eram
isentos do recrutamento para o Exrcito de Linha. Os cidados
integrantes da ativa eram assim compreen-didos: todos os cidados
que o Conselho de Qualificao julgar que podem concorrer para o
servio habitual. A lista de reserva, por sua vez, deveria ser
formada por todos os cidados para quem o servio habitual for
extrema-mente oneroso, e que no devam ser requisitados, seno em
circunstancias extraordinrias.
Na prtica, o servio da ativa acabava recaindo, em grande parte,
sobre os cidados economicamente menos favorecidos. Tal situao se
devia ao fato de integrantes de um seleto grupo, que exercia
atividades de maior proeminncia ou status social, contarem com o
amparo do critrio de isen-o legal. Alm disso, era comum, que os
aspirantes guarda contassem com o apoio de cidados influentes para
figurar em uma ou outra lista que estivesse de acordo com seus
interesses pessoais. Os diversos subterfgios e meios empregados
pelos indivduos mais abastados, ou com alguma influ-ncia social,
para no figurar na lista do servio ativo deixaram a Guarda Nacional
destinada consternao dos pobres e dos desamparados que, em muitos
casos, aceitavam a qualificao na milcia para escapar do temido
recrutamento nas tropas de 1 linha.
A substituio tambm poderia ser utilizada como um meio de se
evadir dos corpos da milcia. Cidados que no conseguiam se incluir
nas listas dos isentos lanavam mo de um ltimo recurso, a
substituio, que poderia ser feita entre parentes prximos e afins,
para quem o servio se constitusse em um fardo menor e fosse
compatvel com suas obrigaes habituais. J os guardas nacionais
designados para um corpo destacado de-veriam apresentar um
substituto com idade entre 18 e 40 anos e este ainda precisava ser
aprovado por um conselho de sade.3 Durante o prazo de um ano, em
caso de desero do seu substituto, o indivduo ficava obrigado a
servir na sua unidade pelo mesmo tempo em que seu substituto serviu
quan-
3 Entende-se por corpo destacado aquele que, em situao de
emergncia, era designado para atuar fora de seu municpio de
origem.
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61OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 2012
Estabelecendo a ordem...
do destacado. O pedido de substituio tambm deveria ser aprovado
pela autoridade competente, o que, segundo anlise das
correspondncias dos presidentes das provncias enviadas ao Ministrio
da Justia, no era muito difcil de acontecer. Diferentemente do que
acontecia com os pedidos de substituio, que eram aceitos sem
maiores problemas, os processos de re-querimento de baixa s eram
deferidos com base em motivos expressamente declarados em Lei.
A disciplina constitua outro ponto delicado da organizao e do
fun-cionamento dos regimentos da Guarda Nacional. Esta questo era
regida por determinaes bem detalhadas, o que talvez possa ser
explicado pelo fato de ser gratuito o servio prestado pelo guarda
nacional ao Estado. Os guardas poderiam ser punidos por uma srie de
condutas consideradas im-prprias como, por exemplo, no atender a um
chamado, desobedincia ou insubordinao, embriaguez, omisso de
servio, entre outras. Durante a Guerra do Paraguai muitos casos de
indisciplina e insubordinao foram registrados, at mesmo por parte
dos oficiais. Na provncia do Rio de Ja-neiro, o problema maior se
deu em relao ao recrutamento e ao envio dos guardas para o
exrcito.
As penas para tais infraes variavam desde a simples repreenso ou
priso temporria (mximo de cinco dias) at a baixa de posto. As
punies eram regulamentadas pelo Conselho de Disciplina, rgo que era
formado em todos os batalhes e companhias. Entretanto, estes
Conselhos eram, na maioria das vezes, bastante brandos nas punies
atribudas aos guardas e esta situao acarretou protesto por parte de
representantes do governo.
Os Conselhos de Disciplina so interminveis: os Guardas
Na-cionaes em quanto respondem a elles lucro no entrarem na
dis-tribuio do servio, e podem quasi sempre contar com a
impuni-dade. (Relatrio do Ministrio da Justia, 1832, p. 13)
A oficialidade dos corpos era eleita atravs do voto individual e
se-creto. As eleies para os cargos do oficialato da Guarda eram
realizadas em cada localidade que possusse um corpo para ser
comandado; os guardas nacionais se reuniam e elegiam os oficiais
inferiores e cabos. Este processo eleitoral acontecia sob a
presidncia de um juiz de paz e somente guardas do servio ativo
podiam votar e ser votados para oficiais, oficiais inferiores e
cabos. O prazo mximo para permanncia de um indivduo no posto de
oficial era de quatro anos, no entanto havia a possibilidade de
concorrer em uma nova eleio.
A partir dessa clusula a fase inicial da instituio considerada,
por alguns autores, como o seu perodo democrtico, influenciado
essencial-mente por preceitos liberais. O princpio eletivo para os
postos de oficiais mencionado como o maior avano da legislao que
originou a Guarda.
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OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 201262
Aline Cordeiro Goldoni
Entretanto, a nomeao para os postos mais elevados de comando -
Coman-dantes de Legies e Comandantes Provinciais - ficava a cargo
do governo central, como uma salvaguarda contra a autonomia
excessiva da milcia. To-davia, essa questo deve ser observada com
alguma ressalva, pois mesmo com o sistema de escrutnio individual
nada garantia que a troca de votos por favores pessoais deixasse de
acontecer, como denunciou o ministro da justia Gustavo Adolfo
Aguiar Pantoja em 1837:
Esta organisao, como vos tem ponderado em todos os relat-rios
anteriores, he minimamente viciosa, porque, estabelecendo--se como
regra a eleio peridica dos Postos, tem-se consagrado o elemento da
insdisciplina, [...] aquelle que huma vez foi no-meado Official, ou
Commandante, ambiciona no decahir [...] mas como a conservao, e
augmento de seu Posto depende da escolha de seus companheiros,
acontece que, para captar-lhes a benevolncia, alguns empregam summa
condescendencia, e at negligencia em detrimento do servio.
(Relatrio do Ministrio da Justia, 1836, p.23).
Neste sentido, o preenchimento dos cargos de oficiais no esteve
livre da influncia de arranjos e manobras baseadas em relaes
pessoais, mesmo com o processo eletivo. Alm disso, a nomeao para os
postos de coman-do tambm era alvo da influncia exercida pelos
grupos dominantes. Com base num levantamento feito a respeito da
origem e posio social ocupada pelos comandantes superiores,
responsveis pela organizao dos batalhes da Guarda Nacional nas
diversas localidades da provncia fluminense, foi possvel constatar
essa situao. Dos 18 comandantes em questo, a esma-gadora maioria
era composta por grandes proprietrios de terras e escravos ou ricos
negociantes. Muitos ainda faziam parte do crculo familiar ou de
amizade de figuras ilustres e influentes no cotidiano da poltica
provincial e, at mesmo, nacional.
A partir deste contexto, o procedimento de alistamento nos
corpos da Guarda Nacional obedecia aos interesses das influncias
locais. Os indiv-duos eram recrutados observando-se aspiraes
polticas e, em muitos casos, deixavam de s-lo como represlia. O
fato de um cidado ser excludo das listas da Guarda representava um
problema, pois, ficava automaticamente sujeito ao recrutamento para
o exrcito.
As mudanas sofridas
Entre 1831 e 1837, o perodo do governo regencial foi marcado por
medidas descentralizadoras, que visavam promover uma maior
autonomia para as provncias. Dentre essas medidas, destaca-se o ato
adicional de 1834, pois estabeleceu algumas modificaes que serviram
para avanar esse proje-
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63OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 2012
Estabelecendo a ordem...
to. O ponto chave dessas reformas foi a transformao dos
Conselhos Gerais em Assembleias Legislativas Provinciais que
concederam s estncias locais, atravs de um legislativo prprio,
certa autonomia poltica.
A Guarda Nacional foi atingida diretamente por tal deciso, uma
vez que daquele momento em diante as Assembleias Provinciais
poderiam mani-pular a estrutura de funcionamento da instituio de
acordo com os seus inte-resses, o que deu incio a uma srie de
modificaes na composio original da milcia. Alm disso, essa
subordinao da milcia diretamente administrao provincial contribuiu
para que a instituio funcionasse no apenas como um mecanismo de
controle do governo central sobre os municpios, mas tambm como um
elemento de manuteno das hierarquias locais.
No entanto, a partir de 1837, com a substituio do grupo poltico
que estava no governo, algumas alteraes poltico-administrativas
foram colocadas em prtica. Essas mudanas viriam a influenciar a
estrutura orga-nizacional, que era mantida pela Guarda Nacional at
aquele momento. A partir de 1837 a milcia comeou a adquirir um
formato que se concretizou em 1850, com a reorganizao de sua
legislao. A Lei de interpretao do Ato Adicional, promulgada em 12
de maio de 1840, e a Reforma do Cdi-go de Processo em 3 de dezembro
de 1841 so exemplos de medidas que buscavam uma maior centralizao
de poder. A partir da, foram anuladas as atribuies concedidas s
Assembleias Provinciais e restabelecidos os Con-selhos Provinciais
no momento anterior.
Essas mudanas que visavam a maior centralizao poltica do
Imp-rio, pretendiam depositar o controle poltico nas mos do governo
central e suas consequncias para a Guarda Nacional, foram
relevantes. A partir delas a instituio deixou de ser subordinada ao
juiz de paz local para se vincular diretamente ao ministro da
justia. A poltica de centralizao administrativa mantinha um
controle maior por parte do governo central sobre a indicao de
funcionrios da justia e da polcia, incluindo: os guardas de priso,
os altos magistrados, os delegados de polcia e os oficiais da
Guarda Nacional.
No entanto, a grande reforma sofrida pela instituio aconteceu em
1850. Com o intuito de uniformizar sua legislao que vinha sendo
am-plamente alterada pelas diversas provncias do Imprio desde o Ato
Adicio-nal a poltica centralizadora dos conservadores promoveu esta
mudana visando criao de um marco regulatrio mais homogneo. A
ausncia de um padro nacional da estrutura da milcia foi alvo de
inmeras crticas, pois comprometia o carter de instituio nacional
que se pretendia para a Guarda. Nos relatrios do Ministrio da
Justia da dcada de 1840 en-contrei vrias referncias falta de
uniformizao estrutural da corporao em nvel nacional. Em 1846, o
ministro da justia argumentou sobre esse ponto, observando que:
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OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 201264
Aline Cordeiro Goldoni
Vario nas provincias no s as graduaes de alguns officiaes, como
mesmo a respeito de sua nomeao e demisso existem de-cretadas
providencias bem contrarias marcha regular do servio, e disciplina
que nella conveniente conservar. [...] So claros e patentes os
inconvenientes que deste estado de couzas deve se derivar, e as
difficuldades com que tem o governo de lutar em muitas occasies.
Relatrio do Ministrio da Justia, 1846, p.17.
Ento, a partir da Lei n 602 de 19 de setembro de 1850, se
estabe-leceu a reorganizao da milcia, que passou a ser subordinada
diretamente ao governo central e, no mais, ao poder local atravs
dos juzes de paz. O ano de 1850 marcou a institucionalizao da
milcia na nova ordem admi-nistrativa a subordinando, ao menos
legalmente, ao poder central. A prin-cipal alterao corroborada pela
nova organizao da Guarda Nacional foi a extino definitiva do
processo eletivo para preenchimento dos postos de oficiais. Os
cargos de oficiais passaram a ser ocupados por guardas nomea-dos
pelo poder central, subordinando as provncias e, consequentemente,
os municpios, ao controle do governo central. A nomeao para o
oficialato de maior graduao era determinada pelo presidente de
provncia, a partir da indicao dos comandantes dos corpos.
Alm disso, ficava estabelecido pelo artigo 57 que os oficiais
teriam que pagar pela patente e pelo selo a quantia equivalente a
um ms de soldo semelhante a dos oficiais de 1 linha. O imposto do
selo e emolumento das patentes de oficiais da milcia se tornou uma
fonte de renda para a Guarda Nacional. A supresso do procedimento
eletivo abriu espao para a com-pra de patentes de oficiais,
aumentando ainda mais a distncia social que j existia entre os
ocupantes dos postos de oficiais e os praas.
O formato que a Guarda Nacional adquiriu, de 1850 em diante, se
ajustou perfeitamente ao contexto social e poltico da poca,
funcionando como uma ferramenta de articulao das foras centrais e
locais. Este ltimo, responsvel pelo controle da milcia nas
localidades, assumia o nus em tro-ca do prestgio e do poder social
que a atividade proporcionava. O governo central, por sua vez,
delegava essa responsabilidade aos potentados locais em troca de
apoio poltico nessas localidades onde no conseguia se estabelecer
por falta de recursos financeiros, materiais e humanos. Em sntese,
a Guarda Nacional Brasileira funcionou como um objeto de barganha
entre os pode-res central e local. Ela conferiu uma posio
importante aos chefes locais que definiam quem faria parte dos
corpos da Guarda, influenciando diretamente no processo de
alistamento destes.
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65OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 2012
Estabelecendo a ordem...
A atuao durante a Guerra do Paraguai na provncia do Rio de
Janeiro e na Corte
A ao da Guarda Nacional era concentrada nos municpios e, quando
necessrio, seus servios poderiam ser utilizados fora de sua
localidade, se-gundo determinao legal. Este foi o caso nas revoltas
regenciais, durante as quais diversos corpos da Guarda foram
destacados para atuar em outros mu-nicpios com o intuito de conter
tais movimentos e restabelecer a ordem nas regies sublevadas.
Durante todo o perodo da Regncia, e incio do Segundo Reinado, o
objetivo imposto Guarda Nacional foi de funcionar como fora
policial e apaziguadora, auxiliando o exrcito na supresso s
revoltas.
Durante a Guerra do Paraguai, a lista de atribuies da Guarda
ga-nhou contornos ainda maiores com o destacamento de milhares de
mem-bros da milcia para os corpos do exrcito. Como foi colocado por
Joaquim Nabuco: com a partida do Imperador [para Uruguaiana, no Rio
Grande do Sul] o ministrio procura ativar em todo o pas o
alistamento de voluntrios. O principal concurso seria o
oferecimento da guarda nacional, e o governo apela para ela.
(NABUCO, 1997, P.577). No incio do conflito, o governo brasileiro
tomou medidas para aumentar o nmero de soldados do Exrcito
Imperial, pois o contingente era diminuto para um conflito
internacional de grandes propores. Entre essas iniciativas, tal
como exposto na fala de Joa-quim Nabuco, estava o alistamento de
homens da Guarda Nacional atravs da sua transferncia para os corpos
expedicionrios enviados ao front.
No entanto, alm de ocupar o importante papel de fora reserva do
exrcito, a atuao interna da Guarda como fora policial, algo que j
fazia parte do cotidiano da instituio, foi extremamente relevante
para a manu-teno da ordem nas diversas provncias do Imprio. Com
relao Corte e provncia do Rio de Janeiro, regio analisada por este
artigo, as corres-pondncias enviadas pelos presidentes aos
ministros da guerra e da justia e os relatrios anuais, que tratam
do perodo da guerra, registram a constante utilizao dos homens da
Guarda Nacional para a guarnio de fortes (neste caso, substituindo
as tropas de 1 Linha), cadeias, policiamento e contro-le da ordem
durante as eleies. Alm disso, a corporao desempenhou um papel
fundamental auxiliando o governo provincial no recrutamento de
guardas e voluntrios para o exrcito e, ainda, na organizao das
tropas.
O corpo de polcia da provncia ofereceu-se para marchar com o
exrcito para o Sul j em janeiro de 1865, poucos dias aps a publicao
do Decreto criando os corpos de Voluntrios da Ptria. Esta atitude
foi, posteriormente, seguida pelo corpo de polcia da Corte.
Inicialmente, como registrado pelo ento presidente da provncia,
essa notcia [...] ia dando lu-gar a terror e pnico [...] (Relatrio
presidencial, 1865, p. 4) entre a popu-lao, assustada como os
inconveniente que a falta de policiamento poderia
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OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 201266
Aline Cordeiro Goldoni
causar. O clima de insegurana, no entanto, logo cessou, pois o
presidente mandou destacar praas da Guarda Nacional para o [...]
servio das cadas e diligencias [...] (Relatrio presidencial, 1865,
p. 4). A partir da, grande parte do servio de polcia na Corte e na
capital da provncia ficou a cargo dos corpos destacados da Guarda
que foram redirecionados de seus munic-pios de origem para fazer o
policiamento dessas cidades.
O oferecimento do Corpo de Policia fluminense (que estava
dividido por diversos municpios da provncia), s foi aceito mediante
sua substitui-o por corpos da Guarda, condio que ficou clara em
carta enviada pelo ento presidente Bernardo de Souza Franco ao
ministro da justia:
Sua sahida dos Destrictos no pode porem ser feita de outra forma
seno substituindo os destacamentos da Guarda Policial por outros da
Guarda Nacional, para o que indispensvel que o Governo Imperial
autorize o destacamento de duzentas praas da Guarda Nacional,
incluindo alguns poucos officiaes que so to somente necessrios nos
destacamentos de maior fora e importncia.Requisito pois de V. Ex a
authorisao precisa para destacar esta fora, e a expedio das ordens
necessrias para que seja paga pe-las collectorias respectivas. (AN,
Srie Justia, DA, IJ1-467)
Em geral, o destacamento de corpos gerava uma srie de problemas,
pois os guardas designados deviam deixar de cumprir suas atividades
ren-tveis para prestar servios fora de suas localidades. Embora
remunerados, esses no eram bem vistos, porque os soldos eram muito
baixos, insuficien-tes para o sustento dos cidados e, geralmente,
pagos com atraso. O go-verno fornecia, aos guardas nacionais
destacados, armamento, fardamento e equipamento militar, desde que
esses no pudessem ser adquiridos pelos cidados. Esses problemas,
oriundos da forma como eram organizados os corpos, adicionados ao
risco de morte que os cidados corriam, muitas vezes dificultavam e
at mesmo chegavam a impedir a formao e o envio desses
contingentes.
O prazo mximo para uma fora ficar em situao de destacamento era
estipulado conforme as possibilidades legais. Os destacamentos
orde-nados pelo governo central eram os mais longos, podendo durar
at um ano inteiro. Os governos das provncias podiam ordenar at seis
meses. Os longos prazos dos destacamentos fomentavam as deseres
entre os guardas destacados, uma vez que tal situao gerava inmeros
prejuzos ao cidado que ficava, como j mencionado anteriormente,
impossibilitado de cumprir suas principais atividades. No caso da
guerra com o Paraguai, os destaca-mentos se tornaram bastante
longos e precisaram de autorizao do Minis-trio da Justia, pois as
praas eram remuneradas.
O destacamento de guardas nacionais para fazerem a segurana
p-blica na Capital do Imprio no foi uma novidade trazida pela
situao de
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67OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 2012
Estabelecendo a ordem...
emergncia gerada pelo conflito com o Paraguai. Constitua-se numa
ati-vidade quase rotineira a vinda de guardas dos diversos
municpios flumi-nenses, mas principalmente de Niteri, para a formao
de um batalho provisrio destacado na Corte. Mormente em ocasies de
comoo social guardas nacionais oriundos do interior da provncia
estiveram de prontido na capital do Imprio.
A partir da anlise dos relatrios dos presidentes da provncia,
foi possvel concluir que ao atuar no lugar dos corpos de polcia
durante a guer-ra, os guardas continuaram lidando com situaes
corriqueiras que j faziam parte do seu cotidiano como um caso de
tumulto durante as eleies muni-cipais em So Joo do Prncipe em 1868
(AN, Srie Justia, DA, IJ1-475), por exemplo. Ou, a desordem causada
por um grupo de pessoas em Porto das Caixas que no concordaram com
algumas modificaes feitas por um funcionrio da estrada de ferro de
Cantagalo a respeito da disposio dos vages. Essa agitao foi
resolvida com o destacamento de alguns homens da Guarda Nacional
para a estao ferroviria daquela vila. (Relatrio pre-sidencial,
1868, p.5)
Os episdios de desordem mais inusitados estavam relacionados ao
contexto gerado pela guerra, como o caso de prisioneiros paraguaios
que ao servio do aquartelamento prximo dos Aprendizes Artilheiros e
os da Praia de Fora, que tentaro tirar do poder de um Guarda
nacional, um deles que fora preso por embriaguez. (AN, Srie Justia,
DA, IJ1-473). Este acontecimento que teve lugar na capital da
provncia em maro de 1868, foi logo contido sem maiores
consequncias.
O emprego dos regimentos da Guarda como uma alternativa para a
manuteno da ordem no foi exclusividade dos corpos de polcia, tambm
as tropas de 1 Linha foram substitudas pela fora civil. No que diz
respeito s fortalezas, os guardas nacionais ficaram responsveis
pela guarnio des-sas bases militares at o final do conflito. Em
1869, o presidente da provn-cia exps essa situao em seu relatrio
anual:
A guarda nacional da provincia contina a ser sobrecarregada, sem
que o governo possa infelizmente attenuar os sacrificios a que tem
estado ella sujeita desde o comeo da guerra contra o Paraguay.Alem
dos destacamentos acima referidos, contribui ella mensal-mente com
225 praas para o servio das fortalezas que era feito por soldados
de 1 linha. (Relatrio Provincial, 1869, p. 8)
Como foi dito no incio deste artigo, durante a Guerra do
Paraguai, alm de realizar ainda mais intensamente as funes
policiais, a Guarda Nacional tambm realizou o papel de fora
auxiliar do exrcito. Sob essa perspectiva, a instituio na maioria
das provncias do imprio, em diversos momentos, deixou de ser um
agente mantenedor da ordem para ser um
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OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 201268
Aline Cordeiro Goldoni
elemento de resistncia. No Rio de Janeiro houve bastante oposio
por parte dos guardas e tambm dos seus oficiais, que muitas vezes
dificultavam o envio dos seus comandados para o front. Como exemplo
de tal situao, podemos citar o caso relatado pelo ento presidente
desta provncia Esperi-dio Eloy de Barros Pimentel ao ministro da
guerra sobre a constante recusa da Guarda Nacional de se prestar ao
servio da guerra. E ainda, a dificuldade que havia de manter esses
homens aquartelados at o momento do embar-que para o teatro de
operaes. Segundo o presidente:
[...] attento o espirito que geralmente manifesta a Guarda
Nacional de recusar-se ao servio da guerra, expedi um thelegramma
pela estao da Ponta Negra ao Tenente Coronel Castro ordenando-lhe
que procedesse quanto antes a discriminao dos guardas que de-vio
compor o contingente [...]. Esta ordem foi immediatamente cumprida;
sendo recolhidos a um xadrez os guardas comprehendi-dos na citada
disposio. (AN, Srie Justia, DA, IG1-145)
A partir do momento em que a milcia precisou ser retirada das
lo-calidades onde atuava para fazer parte de um confronto
internacional, a co-nexo de interesses particulares e estatais a
partir da Guarda Nacional foi modificada repentinamente. A
necessidade crescente de homens para lutar na Guerra obrigou o
governo imperial a lanar mo do recrutamento de guardas nacionais em
grande escala. So inmeros os relatos das autoridades mostrando a
dificuldade existente no alistamento dos homens dessa institui-o.
Muitas vezes essa adversidade era apoiada pelos prprios comandantes
da Guarda, ou por outras autoridades locais responsveis pelo envio
dos contingentes da milcia para reforo do exrcito.
A ampliao do alistamento contribuiu para acirrar as relaes entre
o poder estatal e as lideranas locais. Estes ltimos se sentiram
prejudicados, uma vez que a mo-de-obra antes empregada na manuteno
de suas lavou-ras e engenhos estava ameaada de ser redirecionada
para o teatro da guerra. Alm disso, a ao violenta dos recrutadores
muitas vezes tornava invivel a proteo antes oferecida por parte dos
chefes locais aos cidados selecio-nados para ingressar nas foras
armadas, afetando o prestgio e o status em que se baseava a
autoridade desses condestveis.
Concluindo...
No obstante a falta de empenho dos guardas e oficiais, de uma
ma-neira geral, em seguir para a guerra, a manuteno da ordem
provincial foi efetivada pela Guarda Nacional de maneira a suprir a
falta do elemento policial. Atravs da anlise dos relatrios e
correspondncias dos presiden-tes de provncia, essa posio assumida
pela milcia na provncia do Rio de Janeiro pde ser confirmada. A
participao direta de batalhes da Guarda
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Nacional, no servio que deveria ser desempenhado pela polcia,
descrita por um grande nmero de presidentes. Valendo-se do recurso
garantido pela lei, as autoridades policiais constantemente
requisitavam os milicianos para ajudarem em suas atividades dirias,
que muitas vezes chegaram a ser desempenhadas exclusivamente com o
auxlio de membros da Guarda, pois faltava fora policial para a sua
realizao.
Alem do servio de guerra, para o qual a guarda nacional tem
contribudo [...] sobre ella pesa tambem o servio ordinrio de
destacamento, quer para suprir a insufficiencia da fora effectiva
do corpo policial provisorio, quer para guarnecer a capital e as
fortalezas da barra do Rio de Janeiro [...]. (AN, Srie Justia, DA,
IG1-145)
O perodo da Guerra do Paraguai foi, sem dvida, o momento em que
os batalhes da milcia ficaram mais sobrecarregados pela execuo de
praticamente todo o servio que deveria ser feito pela polcia. Com a
par-tida de grande parte dos corpos policiais para o teatro de
guerra, o efetivo que j era diminuto, se tornou ainda mais escasso.
Essa situao obrigou os guardas nacionais a exercer funes de vigia
nas cadeias e tambm a efetuar diligncias. Chama ateno o relato de
um tenente-coronel do comando superior do municpio de So Joo da
Barra, cujo contedo ilustra bem essa situao. Neste documento o
oficial comunica ao presidente da provncia que entre os dias 16 e
31 de outubro de 1869, todo o servio de polcia havia sido feito
pelo destacamento da Guarda Nacional daquele municpio, o que
segundo o tenente-coronel foi feito sem a menor novidade (APERJ,
Fundo: Presidente de Provncia, Caixa 79, Mao 3). Neste sentido, a
insti-tuio esteve, durante uma situao de emergncia, gerada por um
conflito externo, mais uma vez realizando seu papel, qual seja de
aparelho utilizado pela elite poltica para a manuteno da ordem.
Referncias
- Fontes Manuscritas
Arquivo Nacional
Fundo/Coleo: Srie Guerra/Gabinete do Ministro
Cdigo do Fundo: DA
Seo de Guarda: CODES
Arquivo Nacional
Fundo/Coleo: Srie Justia/Gabinete do Ministro
-
OPSIS, Catalo, v. 12, n. 2, p. 48-71 - jul./dez. 201270
Aline Cordeiro Goldoni
Cdigo do Fundo: AI
Seo de Guarda: CODES
Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro
Fundo: Presidente de Provncia
Cdigo do Fundo: PP
Fontes Impressas
Anais do Parlamento Brasileiro Cmara dos deputados (Diversas
ses-ses).
Coleo de Leis do Imprio do Brasil, 1822-1850. Rio de Janeiro,
Typ. Nacional, 1887.
Coleo de Decises do Imprio do Brasil, 1831-1850. Rio de Janeiro,
Typ. Nacional, 1887.
Relatrios da Repartio de Negcios da Justia apresentados
Assem-blia Geral Legislativa entre 1831-1870. Rio de Janeiro, Typ.
Nacional.
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Artigo recebido em 30/04/2012, aceito para publicao em
18/11/2012 e publicado em 20/12/2012.