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16-06-2018 Eis que fazem nov a Vítor e Zeca foram os primeiros feridos de Pedrógão Grande. Esta é a história deles e do seu renascimento, passo a passo, que se mostra no documentário do PÚBLICO que hoje se estreia em Lisboa, no Cinema São Jorge Reportagem Liliana Valente Foi naquela encruzilhada, numa estrada municipal que liga as aldeias dos Troviscais ao Mosteiro, que se desenhou o destino destes homens. Foram os primeiros feridos de Pedrógão Grande. Zeca ia na carrinha com Vítor e Carlos, quando o fumo e o calor os fizeram embater numa barreira. Zeca e Carlos, cunhados, correram numa direcção, Vítor correu na oposta. Não sem antes encalhar num cabo de aço que lhe amputou os dedos das mãos. Foi a fuga de Vítor para o lado contrário que os salvou naquela tarde-noite. O sogro de Zeca, Manuel, passava na estrada com o adjunto dos bombeiros da vila e encontraram- -no caído na estrada. Foi ele que, combalido, conseguiu avisar que não estava sozinho e que Zeca e Carlos estariam por ali. Foi um milagre terem sido encontrados, dizem. Foi um milagre, sim. Tal como é um milagre a recuperação que têm tido desde aquele dia 17 de Junho às sete da tarde. Há um ano em recuperação, ainda nem todos estão em casa. Zeca chegou à família em Fevereiro, Vítor ainda permanece internado no Hospital Rovisco Pais, na Tocha. O PÚBLICO esteve com os dois nos últimos cinco meses e testemunhou como se reconstroem duas vidas ao passo da regeneração da pele. O Vítor quer pintar e ter o mundo nas mãos Há um ano que está a recuperar das feridas do incêndio. Vai a caminho da nona operação para colocar próteses nas mãos, para recuperar os dedos que perdeu naquela noite. E é com elas que quer agarrar o futuro: pintar e expor em feiras. Acordou e ficou a olhar para o tecto a pensar no que lhe tinha acontecido. Esteve quase cinco meses apagado. Em Novembro do ano passado abriu os olhos. “Tive um acidente”, lembrou-se. Ao seu lado já tinha a equipa de médicos que o arrancaram do coma em que o tinham induzido nos dias a seguir ao incêndio. “Sabe o que lhe aconteceu?”, perguntou-lhe o homem de bata branca. Sabia de tudo. “Contei tudo o que andei a fazer de manhã, tudo, tudo, tudo até à hora do acidente. O médico virou-se para os colegas — estavam lá uns cinco ou seis — e disse: ‘Pronto, temos homem.’” Temos. Chama-se Vítor Neves, tem 51 anos e foi um dos feridos graves de Pedrógão Grande. Sorri sempre de olhos brilhantes e esperançados. A figura franzina que hoje é desmente os que acham que a força está na musculatura. “Vocês têm de ter vontade de recuperar senão não recuperam”, diz aos colegas no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro, no antigo Hospital Rovisco Pais, na Tocha, enquanto pedala na bicicleta, sempre com mais força e mais tempo do que seria de esperar. A perda dos músculos, resultado de quase cinco meses numa cama de hospital, foi apenas mais uma das maleitas a associar às complicações que o fumo e as chamas lhe levaram ao corpo, por fora e por dentro. A miopatia do doente crítico, designação dada à fraqueza dos músculos resultado de um internamento prolongado, afectou todos os órgãos de Vítor, incluindo o vital: o coração. “Esta semana estava a 35”, conta. No dia seguinte, o enfermeiro Marco faria nova medição da pulsação Vítor, de 51 anos, fotografado esta semana no Hospital Rovisco Pais, na Tocha, onde ainda está internado e o susto tinha aparentemente passado. Aparentemente, porque os soluços a bombear o sangue volta e meia são mais lentos. “Quanto tens isso o que é que te dá, apagas-te?”, pergunta-lhe Patrícia, a mulher de Zeca, com quem vai estando com frequência em lanches de fim-de-semana. Fica sem sentidos, mas agora já domina a arte de avisar antes de quase desmaiar. Desde o Natal que consegue ir a Pedrógão Grande de visita todas as semanas, transportado por uma ambulância dos bombeiros. A filha, Magda, sabe de cor aquele caminho pelo IC8 fora. “Ela passou dias e dias sentada num banquinho a olhar para mim. Eu estava isolado. Ela passava os dias inteirinhos a olhar para mim”, conta. A filha, que todos os dias durante meses se pôs a caminho de Coimbra, deu-lhe uma alegria por estes meses, está grávida do segundo filho e Vítor já sabe o trabalho que tem pela frente: “Tratar dos netinhos.” São eles que lhe dão força para recuperar: “Uma pessoa agora não pode perder a esperança. Por lhe ter acontecido isto uma pessoa não pode parar.” É, no entanto, esta ideia que preocupa quem dele gosta: Vítor tem força e vontade, mas o coração dá de si. A fraqueza física do principal órgão do corpo contrasta com a sua dimensão. Cada câmara carrega uma tenacidade que lhe dá força — e até de mais — na recuperação intensiva que está a fazer. A rotina no Rovisco Pais, Vocês têm de ter vontade de recuperar senão não recuperam Vítor Neves conversa com os colegas no Centro de Reabilitação da Região Centro, no antigo Hospital Rovisco Pais
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16-06-2018 Eis que fazem nov a - Universidade de Coimbra · Eis que fazem nov a Vítor e Zeca foram os primeiros feridos de Pedrógão Grande. Esta é a história deles e do seu renascimento,

Jul 11, 2020

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16-06-2018

Eis que fazem novaVítor e Zeca foram os primeiros feridos de Pedrógão Grande. Esta é a história deles e do seu renascimento, passo a passo, que se mostra no documentário do PÚBLICO que hoje se estreia em Lisboa, no Cinema São Jorge

ReportagemLiliana Valente

Foi naquela encruzilhada, numa

estrada municipal que liga as

aldeias dos Troviscais ao Mosteiro,

que se desenhou o destino destes

homens. Foram os primeiros

feridos de Pedrógão Grande.

Zeca ia na carrinha com Vítor e

Carlos, quando o fumo e o calor os

fi zeram embater numa barreira.

Zeca e Carlos, cunhados, correram

numa direcção, Vítor correu na

oposta. Não sem antes encalhar

num cabo de aço que lhe amputou

os dedos das mãos. Foi a fuga de

Vítor para o lado contrário que

os salvou naquela tarde-noite. O

sogro de Zeca, Manuel, passava

na estrada com o adjunto dos

bombeiros da vila e encontraram-

-no caído na estrada. Foi ele que,

combalido, conseguiu avisar que

não estava sozinho e que Zeca e

Carlos estariam por ali. Foi um

milagre terem sido encontrados,

dizem. Foi um milagre, sim. Tal

como é um milagre a recuperação

que têm tido desde aquele dia 17

de Junho às sete da tarde.

Há um ano em recuperação,

ainda nem todos estão em

casa. Zeca chegou à família em

Fevereiro, Vítor ainda permanece

internado no Hospital Rovisco

Pais, na Tocha. O PÚBLICO esteve

com os dois nos últimos cinco

meses e testemunhou como se

reconstroem duas vidas ao passo

da regeneração da pele.

O Vítor quer pintar e ter o mundo nas mãos

Há um ano que está a recuperar

das feridas do incêndio. Vai a

caminho da nona operação para

colocar próteses nas mãos, para

recuperar os dedos que perdeu

naquela noite. E é com elas que

quer agarrar o futuro: pintar e

expor em feiras.

Acordou e fi cou a olhar para o

tecto a pensar no que lhe tinha

acontecido. Esteve quase cinco

meses apagado. Em Novembro do

ano passado abriu os olhos. “Tive

um acidente”, lembrou-se. Ao seu

lado já tinha a equipa de médicos

que o arrancaram do coma em

que o tinham induzido nos dias a

seguir ao incêndio. “Sabe o que

lhe aconteceu?”, perguntou-lhe o

homem de bata branca. Sabia de

tudo. “Contei tudo o que andei a

fazer de manhã, tudo, tudo, tudo

até à hora do acidente. O médico

virou-se para os colegas — estavam

lá uns cinco ou seis — e disse:

‘Pronto, temos homem.’”

Temos.

Chama-se Vítor Neves, tem 51

anos e foi um dos feridos graves de

Pedrógão Grande. Sorri sempre de

olhos brilhantes e esperançados.

A fi gura franzina que hoje é

desmente os que acham que a

força está na musculatura. “Vocês

têm de ter vontade de recuperar

senão não recuperam”, diz aos

colegas no Centro de Medicina

de Reabilitação da Região Centro,

no antigo Hospital Rovisco Pais,

na Tocha, enquanto pedala na

bicicleta, sempre com mais força

e mais tempo do que seria de

esperar. A perda dos músculos,

resultado de quase cinco meses

numa cama de hospital, foi apenas

mais uma das maleitas a associar

às complicações que o fumo e as

chamas lhe levaram ao corpo, por

fora e por dentro.

A miopatia do doente crítico,

designação dada à fraqueza

dos músculos resultado de um

internamento prolongado,

afectou todos os órgãos de Vítor,

incluindo o vital: o coração. “Esta

semana estava a 35”, conta. No

dia seguinte, o enfermeiro Marco

faria nova medição da pulsação

Vítor, de 51 anos, fotografado esta semana no Hospital Rovisco Pais, na Tocha, onde ainda está internado

e o susto tinha aparentemente

passado. Aparentemente, porque

os soluços a bombear o sangue

volta e meia são mais lentos.

“Quanto tens isso o que é que

te dá, apagas-te?”, pergunta-lhe

Patrícia, a mulher de Zeca, com

quem vai estando com frequência

em lanches de fi m-de-semana. Fica

sem sentidos, mas agora já domina

a arte de avisar antes de quase

desmaiar.

Desde o Natal que consegue ir a

Pedrógão Grande de visita todas

as semanas, transportado por

uma ambulância dos bombeiros.

A fi lha, Magda, sabe de cor aquele

caminho pelo IC8 fora. “Ela

passou dias e dias sentada num

banquinho a olhar para mim. Eu

estava isolado. Ela passava os dias

inteirinhos a olhar para mim”,

conta. A fi lha, que todos os dias

durante meses se pôs a caminho

de Coimbra, deu-lhe uma alegria

por estes meses, está grávida

do segundo fi lho e Vítor já sabe

o trabalho que tem pela frente:

“Tratar dos netinhos.”

São eles que lhe dão força para

recuperar: “Uma pessoa agora não

pode perder a esperança. Por lhe

ter acontecido isto uma pessoa

não pode parar.” É, no entanto,

esta ideia que preocupa quem dele

gosta: Vítor tem força e vontade,

mas o coração dá de si.

A fraqueza física do principal

órgão do corpo contrasta com

a sua dimensão. Cada câmara

carrega uma tenacidade que lhe

dá força — e até de mais — na

recuperação intensiva que está

a fazer. A rotina no Rovisco Pais,

Vocês têm de ter vontade de recuperar senão não recuperam Vítor Nevesconversa com os colegas no Centro de Reabilitação da Região Centro, no antigo Hospital Rovisco Pais

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16-06-2018

as todas as coisasADRIANO MIRANDA ADRIANO MIRANDA

antiga leprosaria recuperada

para hospital de reabilitação, é

exigente, mas faz parte da terapia

deste centro, que criou condições

especiais no ano passado para

acolher cinco dos feridos dos

incêndios e que vai agora lançar

obras de expansão. Além de Vítor,

ainda lá estão internados mais

dois feridos graves dos fogos que

defl agraram em 15 de Outubro.

Todos os dias, acorda pelas

6h30. Fica na cama à espera a

despertar para um dia que, sabe,

vai ser exigente. O enfermeiro vai

correndo os quartos à vez, chega

perto de Vítor para o ajudar nas

tarefas matinais que começam

pelas 7h. Vítor levanta-se sozinho,

veste-se. Passa com o braço por

cima da cabeça para, com o

capuz, prender o casaco e fi car

com os braços mais descansados

para, sem pegar na roupa, poder

vestir-se. Falta ainda tomar banho,

porque não consegue segurar

no chuveiro. O alumínio quente

tolda-lhe a pele sensível, apesar

de a água sair tépida. Limpar-se

também ainda não consegue.

“Tem de ser devagarinho. Já

consigo lavar os dentes. Já me visto

sozinho, só não consigo calçar os

sapatos e atá-los e as meias, mas

devagarinho consegue-se”, diz.

Pouco depois sobe as escadas

para tomar o pequeno-almoço. E

subir as escadas, pé ante pé, é uma

conquista que a sua persistência

alcançou mais cedo do que

esperavam os médicos. Depois

de quase cinco meses em coma,

chegou ao Natal em cadeira de

rodas. Em Abril, já andava pelo

próprio pé, mesmo a tempo de

festejar o 51.º aniversário com

autonomia.

É o que vai fazer a manhã

inteira: aguentar-se em cima das

duas pernas que ainda há meses

tinham sido operadas, recebendo

enxertos de pele para se poderem

esticar. Mas este homem tem uma

vontade que ultrapassa as regras.

O caminho para o ginásio do

centro de reabilitação é feito de

carrinha interna de transportes

e Vítor vai de pé. Sai devagar,

sempre com uma bolsa a tiracolo

onde guarda o telemóvel. Anda

na passadeira, anda de bicicleta,

faz exercícios e a seguir faz

fi sioterapia. “Como estava e como

está!”, diz-lhe uma empregada

do centro. Sorri. Ainda há quatro

meses ali entrou sem andar,

sem esticar o braço, sem comer

sozinho, sem se vestir sozinho.

Agora raramente pede ajuda. Os

fechos éclair são os mais difíceis,

mas também eles sucumbem à

persistência e deslizam para onde

devem.

“Agora força para baixo”, diz-lhe

a fi sioterapeuta. Aperta as molas

amarelas, já consegue colocá-las

no arame. As vermelhas são de

maior resistência, mas não desiste

apesar de ter, como os dedos

foram amputados, as pontas mais

sensíveis. Aleija-se com facilidade.

Ainda na semana anterior, tinha

caído e magoado a mão. Estava

a tomar duche e desequilibrou-

se. Mais um revés. Mais uma ida

aos hospitais de Coimbra, onde

tem sido cliente assíduo. Ainda

lá voltaria em Maio, para uma

consulta ao coração e depois

em Junho para uma operação

marcada para preparar as próteses

de uma mão.

Apesar de lhe faltarem os dedos,

já agarra num lápis para escrever

e num pincel, para pintar. “Ainda

não disse à minha fi lha, mas estou

a pensar dedicar-me à pintura.

Quero pintar muitas coisas.

paisagens, fazer exposições nas

feiras”, conta entusiasmado.

Disse que se alguém se sentisse incomodado que tinha de sair, que era as pessoas que se tinham de habituar a mim e não eu a elasJosé Carlos Santosconversa com a mulher sobre a sua aparência por causa das queimaduras

c

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16-06-2018

Tinha feito umas experiências no

fi m-de-semana quando foi a casa

ter com a fi lha e agora não pensa

noutra coisa. Pede para desenhar

um pássaro, que leva um mundo

cortado ao meio nas mãos. “Isto é

um bocado o Vítor, quer voar e ter

o mundo nas mãos?”, pergunta-lhe

a terapeuta ocupacional. “Vamos

lá ver”, diz Vítor. Já vimos. Tem o

mundo todo em si.

“Eu disse que o meu pai ia voltar, porque tem o meu sangue”A recuperação de Zeca, 38 anos,

chama-se Leonor e tem oito anos.

Foi por ela que voltou depois de

meses entre hospitais.

“O Popeye nasceu na China,

em cima de uma piscina. Comia

espinafres, bebia leitinho, o

Popeye nasceu na China”, vai

cantando enquanto roda a mão do

pai. A pequena Leonor inventou

uma nova forma de curar feridas,

fi sioterapia com amor. Desde o

início do ano que naquela casa

no centro de Pedrógão Grande

passou a haver uma dupla que não

se larga. Leonor nunca desistiu de

recuperar o pai e a nova vida dele

é toda desenhada por e para ela.

“A primeira vez que o vi falei e

disse ‘olá’ e mais nada, comecei

a chorar. Na segunda vez que lá

fui não olhei, preferi não olhar. O

meu pai não era aquele.” Foi o que

pensou sem lhe dizer. Separava-os

um vidro. Ele em coma, queimado

dos pés à cabeça, ela a tentar

dar força à mãe, Patrícia, que lhe

contou sempre tudo, mesmo o pior

que imaginava. Leonor tinha de

estar preparada para o pior. “O pai

não vai voltar a estar connosco”,

acreditava. A fi lha, não. “Dizia-lhe

que o pai ia voltar. Cheguei a dizer

à minha mãe que sabia que o meu

pai ia fi car bom, porque eu tinha

o sangue dele.” Soube sempre e

acreditou pelos três.

“A minha fi lha reagiu muito

forte. Ver o pai numa cama de

hospital... Podia falecer, podia

estar vivo como está. Nunca

desistiu e se calhar também nunca

me deixou desistir.” É isso em

que Zeca, ou José Carlos Santos,

acredita para estar vivo e a lutar.

Durante meses foi submetido

a sete intervenções cirúrgicas:

cinco para excertos de pele e duas

ao olho e ao dedo. Já tem de ir

novamente ao bloco por causa

do outro olho, que volta e meia

mal fecha. Tem queimaduras

de primeiro grau nas pernas e

abdómen, onde também tem de

segundo e terceiro, na cara são

de segundo grau e nos braços de

terceiro. Foram dezenas as vezes

que foi ao bloco para lavagens.

Hoje, é Leonor que o ajuda a

limpar as feridas.

Zeca, tal como Vítor Neves e

Carlos Guerreiro, nunca pensaram

fi car tão queimados. Lembram-

-se de nunca terem entrado em

contacto com as chamas, mas o

calor era tanto que lhes arrancou

a roupa e a pele naquela tarde de

Junho. Tinham ido resgatar uma

madeira da empresa de Zeca.

Vítor, o empregado, Carlos, o

cunhado, que por ter carta foi

ajudá-los a trazer uma carrinha.

Este destino pesa nos ombros

de Zeca. Ainda está a tentar espiar

o sentimento de culpa, quando

não a tem. “As minhas primeiras

palavras para eles foi a de pedir

desculpa por ter tido o acidente”,

conta. Mas como poderá ter culpa

se foi empurrado pelo vento?

“Veio um vento fora do normal,

com cinzas, tudo e mais alguma

coisa e eu deixei de ver a estrada.

De dia tornou-se noite ali de um

momento para o outro. Abrandei e

senti um pneu rebentar, a carrinha

fugiu para o lado direito e eu bati

numa barreira.”

Depois de terem sido socorridos

pelo sogro de Zeca, Manuel David,

e pelo adjunto dos bombeiros de

Pedrógão, Sérgio Lourenço, que

andavam a fazer o reconhecimento

do perímetro do incêndio, foram

fugindo ao fogo numa carrinha de

comando até serem resgatados

pelo INEM em Figueiró dos

Vinhos, mas por uma unha negra.

O fogo estava a chegar à helipista

e mal tiveram tempo de procurar

veias para os entubarem. Carlos

fi cou pior, esteve em Espanha a ser

tratado e agora voltou para casa

por conta própria. Zeca e Vítor

conseguiram ir sempre a falar. E a

falar não se desalentaram.

Meses depois, em Agosto, saiu

do hospital directo à unidade de

cuidados continuados da Santa

Casa da Misericórdia de Pedrógão

Grande, onde esteve até ao dia 20

de Fevereiro deste ano. Foi pela

primeira vez a casa em Outubro,

no dia das eleições e decidiu ir

ao café. Patrícia, preocupada,

perguntou-lhe se não se importava

que o vissem assim de cara ferida.

“Disse-lhe que se alguém se

sentisse incomodado que tinha

de sair, que era as pessoas que se

tinham de habituar a mim e não eu

a elas.”

Pelo caminho perdeu 25kg,

e perdeu movimentos (quando

a pele se encolheu) que agora

tenta reganhar com a fi sioterapia

intensiva que faz no Idealmed,

Centro Hospitalar de Coimbra, três

vezes por semana. Ninguém o foi

ver, nem responsáveis políticos,

nem muitos dos conhecidos.

Poucos o ajudaram. Teve o apoio

da Associação Portuguesa de

Seguros e agora é a Fidelidade que

lhe paga os tratamentos e assegura

o ordenado. Além disso, recebeu

a baixa e o apoio da Segurança

Social e alguns donativos dos

bombeiros de Pedrógão. Não tem

carrinha para a empresa voltar

a trabalhar e não a consegue ter,

apesar de já ter pedido ajuda à

Câmara de Pedrógão, com quem

têm divergências por causa de um

terreno.

Indemnizações? Ainda não a

tem. No máximo, receberá 25

mil euros de indemnização do

Estado. Pouco, defende Dina

José Carlos, ou Zeca, como é conhecido, a ser ajudado pela filha, Leonor, de oito anos

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16-06-2018

Passou um ano e à distância de

um ano esta é a ocasião para olhar

para o passado, mas sobretudo

sonhar com outro futuro. Sonhar e

concretizar outro futuro.

E daí a ideia de que das cinzas

renasce a vida. Olhando para o

passado, importa retirar as lições

desse passado no que falhou.

Falhou por razões estruturais,

falhou por razões conjunturais,

falhou por motivos que se

prendem com sistemas, orgânicas,

políticas. Falhou também,

eventualmente, no que diz

respeito à intervenção dos seres

humanos, concretos.

Mas olhando para o futuro, das

cinzas tem de renascer a vida.

Renascer a vida não é só este ano

não se repetir o que aconteceu

no ano passado. Nem este ano,

nem no próximo ano, nem nos

anos próximos. É muito mais do

que isso. É olhar para aqueles

portugáis desconhecidos, e

concretamente aqui um deles, em

Outubro falaremos de outros, que

estão tão longe do pensamento

daquilo que tem sido o Portugal

dominante. Dominante na

comunicação social, dominante

na economia, dominante na

sociedade, dominante na política.

E essa correcção tem um

tempo muito limitado para

se concretizar. Até ao fi m da

próxima legislatura se perceberá

se somos ou não capazes de

corrigir as assimetrias existentes,

de ultrapassar as desigualdades

que teimam em permanecer. É

pois um desafi o que começa na

ponta fi nal desta legislatura e que

se prolonga para a próxima. Se

formos capazes de fazer reviver

até 2023 o que importa que

reviva, Portugal será diferente. Se

não formos capazes, perdemos

uma oportunidade histórica e

condenamos alguns portugáis

a serem muito ignorados,

muito esquecidos, muito

menosprezados e isso signifi ca

que falhámos como país.

Se não formos capazes, falhámos como país

Opinião Marcelo Rebelo de Sousa

Presidente da República

ADRIANO MIRANDA

ADRIANO MIRANDA

Duarte, activista que pertenceu

à Associação de Familiares das

Vítimas do Incêndios de Pedrógão

Grande. “Os feridos têm de ter

um tratamento muito cuidado. É

muito mau quando a vida de uma

pessoa são 70 mil euros base e a

vida de uma pessoa que continua

viva são 25 mil euros no máximo.

Um jovem, um pai de família,

alguém que tem fi lhos para criar.

Não é digno, não acho que seja

correcto.”

E o dinheiro faz falta para os

tratamentos de Zeca. Precisou

de ajuda para pagar a unidade

de cuidados continuados e do

fato especial, de compressão

da pele, que é obrigado a usar.

“Tenho luvas, mangas, no

sítio das queimaduras, umas

calças completas para tapar as

queimaduras e alisar a pele.

Durante a noite uso uma máscara

para baixar a pele.” Tem de o usar

o mais tempo possível. Acorda

todos os dias para um novo mundo

a olhar pelos dois buracos daquela

peça de elástico. A sua vida será

assim por dois a três anos, pelo

menos.

Esta é apenas uma das novas

exigências que lhe custa. Leonor

sabe que há mais. Uma delas é

não poder jogar paintball, vício

bom que tinha todos os fi ns-de-

semana. “A tua prenda ainda

demora uns mesitos a chegar”,

não se aguentou a contar ao pai

na véspera de aniversário, a 13 de

Abril. Sempre atenta, tinha ouvido

que Zeca precisava de umas

cotoveleiras para proteger a pele,

se levasse com uma bala de tinta e

convenceu a mãe a mandar vir da

Internet.

Um mês depois chegam ao

campo da Força Psi da Figueira

da Foz, o grupo de paintball onde

Zeca jogava. “Ficas ali atrás a tirar

caricas”, lança uma das amigas,

que sabe que Zeca, Patrícia e

Leonor só lá vão pelo convívio.

Zeca tem medo de se aleijar e

fi ca só a ver. “Podias ir jogar.

Não sei qual é o problema que

tu tens. Tens braçadeiras, tens

o fato. Aquilo não te vai atingir

mesmo na pele. Não achas?”,

insiste Leonor.

Esteve a roer na vontade de

brincar aos tiros de tinta. Cede.

Leonor ajuda-o a vestir-se, a

proteger cada centímetro de pele.

“Ninguém atira no Zeca.” Aviso

dado, tiro dado. Foi só lá dentro

matar o bichinho e voltar um

pouco à normalidade. Ilusão, diz.

Tal como aquela que teve quando

ao fi m de uma semana estava a

comer sozinho. Não se quer iludir

porque sabe que tudo demora

muito tempo. O relógio anda agora

muito mais devagar.

Leonor fi ca orgulhosa do feito

do pai. Aos oito anos ninguém

merecia ser obrigada a ter esta

força, esta clarividência. Cresceu

depressa neste último ano. Sabe

tudo o que se passa à sua volta e o

papel que desempenha na família.

“Quando ele acordou, achei que

era o mesmo. Acho que ele veio

por causa de mim.” Veio, Leonor.

E veio para fi car.

José Carlos Santos, fotografado esta semana em sua casa, em Pedrógão Grande, a usar o fato especial de compressão da pele. Apenas usa a máscara à noite para dormir

Ninguém o foi ver, nem responsáveis políticos, nem muitos dos conhecidos. Poucos o ajudaram

[email protected]

Ver documentário emwww.publico.pt

NELSON GARRIDO

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Já foram reconstruídas mais de metade das casas destruídas nos incêndios de 17 de Junho

Número de instituições no terreno difi culta seguir o rasto a 16 milhões

No dia fatídico, aquele em que a al-

deia fi cou virada do avesso, o céu

fi cou incandescente e a temperatu-

ra fi cou insuportável, o colchão da

cama de Fátima Sousa, de 55 anos,

também ardeu. Apesar dos estragos,

a casa fi cou habitável, e foi por lá

que ela continuou até que teve de

pedir tecto emprestado. Fátima vive

em Vila Facaia, concelho de Pedró-

gão Grande, há 27 anos. E vive há

pouco mais de dois meses na casa

do padre da freguesia, enquanto

uma empresa de construção civil lhe

faz obras na casa. “Apareceu-me o

engenheiro Bruno [funcionário da

Câmara de Pedrógão Grande], que

me disse que o Benfi ca me queria

pagar a casa. Eu nem era do Benfi ca,

mas agora passei a ser”, confessa.

Fátima conta que escolheram os ma-

teriais, as cores, ela só teve de dizer

qual a cama que preferia. “O IKEA

trouxe aí de tudo. Não falta nada”,

remata, para logo retroceder: “Falta

saúde”, sobretudo para o marido,

que está internado desde Fevereiro

por causa de um aneurisma.

A casa estará pronta dentro de um

mês, e na vizinhança, que enche a

boca para falar dos que tiveram di-

reito a casa reconstruída sem que

lá morasse ninguém, e dos que não

conseguem reconstruir um barracão

que lhes serve de sustento, assegu-

ram que Fátima Ferreira é das que

merecem “esta esmola”. “Não so-

mos mal agradecidos. Mas foi feito

tudo à sorte”, atalha Deonilde.

Luísa PintoDepois da tragédia de 17 de Junho

a solidariedade foi quase automá-

tica, e traduziu-se numa avultada

soma de donativos. A Fundação do

Benfi ca é apenas uma das muitas

centenas de beneméritos que de for-

ma pública ou anónima se quiseram

associar na reconstrução do territó-

rio. Nas contas ofi ciais divulgadas

pelo Ministerio do Planeamento,

que é quem está a coordenar to-

da esta gigantesca operação de re-

construção, a Fundação Benfi ca vai

gastar pouco mais de 32 mil euros a

recuperar aquela casa. É uma gota

de água nos mais de 16 milhões de

euros que totalizam a quantidade

dos donativos que foram enviados

para a região.

Andar por lá, por estes dias, é

ouvir muitos relatos de burlas e de

abusos, é ouvir queixas do que di-

zem que não fazem e do que deixa-

ram por fazer. Fala-se à boca cheia.

“Eu sempre que ouço alguma coisa,

faço chegar a informação a quem

de direito”, garante Teresa Morais,

deputada do PSD eleita pelo círcu-

lo de Leiria, esperando que alguém

investigue, fi scalize. Desconhecem-

se se há resultados destas queixas.

Mas andar por lá é, também, ouvir

relatos de resignação. E de agrade-

cimento.

Rui Fiolhais, presidente do Insti-

tuto da Segurança Social, a entidade

que assumiu a liderança no conse-

lho de gestão do Fundo Revita, o or-

ganismo criado pelo Governo para

fazer a gestão dos donativos, disse

ao PÚBLICO que os desafi os foram

elevados, sobretudo pela exigência

de “articulação com os doadores, os

poderes públicos e as populações

afectadas”.

A tarefa era complexa. Do relató-

rio do Governo publicado um mês

depois do incêndio, 491 casas foram

dadas como perdidas, sendo 169 de

primeira habitação, 205 de segunda

habitação, 117 em estado devoluto;

e empresas envolvidas foram qua-

se 50, em Pedrógão, Figueiró dos

Vinhos, Castanheira de Pêra e Góis

e 374 postos de trabalho afectados.

Ao longo dos meses, este inventário

foi sendo dinâmico, e as casas a in-

tervir, identifi cadas como primeira

habitação e susceptíveis de integrar

os apoios do Revita, também foram

sendo alteradas. No universo de ha-

bitações permanentes intervencio-

nadas os últimos números apontam

para 264 casas, estando concluída

a reconstrução em 60% dos casos.

Há ainda mais de uma centena de

casas em obra, sendo que o inves-

timento em todas elas ascende aos

dez milhões de euros.

Os donativos recebidos ultrapas-

sam largamente esse valor. Aliás, a

gestão da quantidade de donativos

que surgiu, provenientes dos mais

diversos quadrantes, foi, ela pró-

pria, um desafi o.

Até ao fi nal de Março de 2018 hou-

ve 60 entidades que formalizaram

a adesão ao fundo Revita — 40 com

donativos em dinheiro (4,3 milhões

de euros), oito em espécie (como a

IKEA, a Bosch, a Molafl ex ou a Sa-

msung) e quatro em prestações de

serviços (Ordem dos Arquitectos,

ordem dos Engenheiros, Mota En-

desta verba foi recolhido nos ofer-

tórios das missas. Mas há mais do-

nativos a contabilizar, como aquele

que a Fundação Aga Khan geriu di-

rectamente, através da atribuição de

bolsas de estudo a jovens da região,

no valor de 500 mil euros.

Os padrões de transparência in-

vocados por Rui Fiolhais são men-

suráveis nos relatórios trimestrais

que todos estas entidades fazem — e

nos quais revelam onde vão apli-

cando o dinheiro. E é neles que se

percebe que o fundo governamen-

tal assumiu a responsabilidade da

reconstrução de apenas 36% das

casas afectadas. A Gulbenkian tam-

bém avançou na reposição de per-

das das actividades de subsistência,

apoiando 1396 agricultores e 300

apicultores e reforçando a capaci-

dade de respostas das instituições

locais apoiando 39 instituições, das

quais 26 unidades de saúde local

e duas unidades hospitalares. De

60entidades aderiram ao fundo Revita, 40 com donativos em dinheiro, oito em espécie e quatro em prestação de serviços

83%é a percentagem dos donativos geridos pela União das Misericórdias (2,1 milhões de euros, no total) que já foi atribuída

Para além do Fundo Revita, criado pelo Estado, houve várias instituições, mais ou menos articuladas, a gerir a aplicação dos donativos no terreno, onde há relatos de abusos e queixas de a reconstrução ter sido feita “à sorte”

gil e Clube Português a Família).

No final, porém, o Revita não

fi cou a fazer a gestão da principal

fatia dos donativos. A Fundação Ca-

louste Gulbenkian, que doou meio

milhão de euros, fi cou responsável

pela aplicação de quase tanto di-

nheiro como o fundo público, uma

vez que geriu a aplicação de mais

de quatro milhões de euros. Uma

curiosidade é que a principal verba

foi entregue pelas linhas da Caixa

Geral de Depósitos (2,7 milhões de

euros). A União das Misericórdias

Portuguesas (UMP) fi cou com a ges-

tão de 2,1 milhões, provenientes de

donativos das misericórdias, de vá-

rias empresas como a Meo e a Nos,

e até do BCE. A Cáritas fi cou a gerir

também 2,1 milhões, sendo que 58%

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16-06-2018

ADRIANO MIRANDA

José Manuel Mendes é membro do

Observatório do Risco do Centro

de Estudos Sociais da Universidade

de Coimbra e é nessa qualidade

que tem vindo a acompanhar

todo o processo de reconstrução

das comunidades afectadas pelos

incêndios do Pinhal Interior.

Como classifi ca a resposta

do Estado aos incêndios de

Pedrógão Grande?

Foi rápida. Afi nal, temos 60% das

casas construídas. Em Mariana

(Brasil), a barragem rebentou em

2015 e ainda estão todos a viver

em hotéis, em fazendas de amigos.

Aqui, e a partir do momento

em que o Estado foi fortemente

interpelado pela comunicação

social, que foi exemplar, e depois

pela reprimenda institucional do

Presidente da República, o Estado

respondeu.

E a forma como os trabalhos se

desenvolveram no terreno?

Falhou muito no início. Foi tudo

muito ad hoc. Andavam pessoas

para trás e para a frente a distribuir

donativos, foi um caos. Houve

mais de 13 milhões de donativos,

dos quais o Revita, que foi o órgão

criado pelo Estado para gerir este

processo, só tem responsabilidade

directa em quatro milhões. Esta

profusão de entidades no terreno

é complicada. Não se chega a

perceber por que é que é assim, e

como é que tudo correu. No fi nal

faz-se uma auditoria para concluir

que o dinheiro foi aplicado naquela

população, e é obvio que se uma

instituição como a Gulbenkian faz

uma doação de 500 mil euros, pode

aplicá-la onde quiser, mas não se

“A distribuição de donativos no início foi um caos”

percebe o porquê de tanta gente no

terreno. E o pouco que se percebe

não pode deixar ninguém tranquilo.

A que se refere?

Os cidadãos exigiram que não

fosse o Estado a fazer a gestão do

dinheiro. Os doadores disseram-

-no explicitamente. Isso tem de nos

fazer pensar um pouco. Pode ser

muita coisa, não há um inquérito

sobre isso. Eu diria que são pessoas

que não se identifi cam com a

linha política do Estado ou com

a solução governativa que existe

actualmente. Mas o Estado pode

ser auditado, questionado.

Foi anunciado que estão todos

a aplicar os mesmos critérios

e metodologia, defi nida pelo

Revita...

Mas tudo é confuso. Qual foi a voz

das pessoas neste processo de

reconstrução? Puderam participar

nas decisões? Foram ouvidas?

Parece-me que todo o processo

foi de cima para baixo, imposto.

No terreno as pessoas sentem o

facto de estarem dependentes

de uma entidade de que podem

não perfi lhar os ideais e serem

penalizados por isso. Isso acaba

por reproduzir o poder de quem

está à frente dessas instituições

e dessas autarquias. Parece

óbvio que depois tem de votar

naquela cor. Acho curioso que

depois das eleições fi cou tudo na

mesma. Normalmente, após estas

tragédias, quem está no poder sai

penalizado. Aqui não. O presidente

da Câmara de Pedrógão Grande,

Valdemar Alves, é reeleito, porque

é também quem mais contesta os

critérios. E ele é o único que está

no Revita!

O que fi ca para aprendizagem

futura?

Não pode haver esta profusão

de entidades. Tem de haver uma

pessoa nomeada, como houve para

a comissão de indemnizações, a

provedora de Justiça. Há muitas

entidades que podem fazer a

gestão deste processo. Uma

secção do Tribunal de Contas, por

exemplo. É importante pensar-se

que as pessoas têm de manter a

dignidade. E como podem fazê-lo

se estão a ser mandadas por toda

a gente? Quem tinha capacidade

de resistir a isto, como alguns

estrangeiros, resistiu. L.P.

‘Não pode haver esta profusão de entidades. Tem de haver uma pessoa nomeada, como nas indemnizações’

[email protected]

acordo com a fundação, o último

donativo para esta causa chegou em

Abril deste ano e a quase totalida-

de das verbas do fundo (96,5%) já

estão comprometidas. A União das

Misericórdias tem 83% do seu fun-

do atribuído. A própria Santa Casa

da Misericórdia de Pedrógão, que

também recolheu donativos, ainda

não gastou um cêntimo — o presi-

dente disse publicamente que só o

fará quando já nao houver dinheiro

no Revita.

Quem se manteve sempre à mar-

gem deste processo, por opção, foi

a Associação das Vítimas dos Incên-

dios de Pedrógão Grande (APVIG).

Nádia Piazza diz que não houve

acompanhamento na reconstrução,

nem quis receber donativos — “quan-

do apareciam aqui, encaminhava

para a Cruz Vermelha”, explica. Não

foi esse o nosso objectivo, quando

nos constituímos”, sublinha, dizen-

do mobilizar todas as energias “para

aprender a não depender do Esta-

do”. “O Estado falhou. Há um ano,

falhou tudo”, recorda a presidente

da associação. “O nosso objectivo é

a responsabilização, procurar a jus-

tiça para que não volte a acontecer”,

insiste, acrescentando que tal signi-

fi ca combater todos os problemas da

interioridade.

A solução inédita de montar um

fundo social para a reconstrução

implicou, admite Rui Fiolhais, al-

guns dias em que a capacidade das

equipas “foi levada ao limite”. “Foi

um processo humanamente exigen-

te, mas que trouxe ao de cima o

melhor que há em nós”, sublinhou.

Fátima Sousa, a um mês de sair da

casa do padre para entrar naquela

que ainda está a pagar ao banco,

e que “vai fi car melhor do que al-

guma vez esteve”, também acha

que sim.

José Manuel Mendes Acompanha vítimas em situações trágicas e avisa que “pouco se percebe” sobre como estão a ser aplicadas as verbas

Entrevista

ADRIANO MIRANDA

Page 7: 16-06-2018 Eis que fazem nov a - Universidade de Coimbra · Eis que fazem nov a Vítor e Zeca foram os primeiros feridos de Pedrógão Grande. Esta é a história deles e do seu renascimento,

16-06-2018

52468a16-6218-4d88-baf9-efc702714606

Vieira da Silva assina acordo “precário” na segunda-feira. PS avisou ministro que não aceita algumas medidas p26

Mundial 2018 Portugal empatou com a Espanha (3-3) na estreia, com um hat-trick do capitão p2a9

Alteração cirúrgica à Lei das Finanças Locais dá margem para que sejam alargadas as fontes de receita p24/25

PS, PSD e esquerda vão mudar acordo de concertação

Cristiano Ronaldo jogou melhor que toda a Espanha

Autarquias podem vir a cobrar novas contribuições

Edição Lisboa • Ano XXIX • n.º 10.283 • 1,70€ • Sábado, 16 de Junho de 2018 • Director: David Dinis Adjuntos: Diogo Queiroz de Andrade, Tiago Luz Pedro, Vítor Costa Directora de Arte: Sónia Matos

ADRIANO MIRANDA

Eis que fazem novas todas as coisas

Renascer em Pedrógão

Marcelo ao PÚBLICO: “Reduzir as assimetrias é desafi o para a próxima legislatura” • Já foram entregues 16 milhões em donativos

Política, 10 a 15 e Editorial

ISNN-0872-1548

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