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c A p T u L o
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INr~OOU~AOO CUllU~l C O rOlrlco NO~ MOYIMcNm~
~OCIAI~lAIINOAMcRICANO~
Sonia E. AlvarezEvelina DagninoArturo Escobar
entramos no novo milnio, que futuro aguardalatino-americanas?
Nveis sem precedentes de
violncia, pobreza, discriminao e excluso parecem indicarque o
"desempenho" e o prprio projeto das "novas" demo-cracias da Amrica
Latina esto longe de satisfatrios. precisa-mente sobre os possveis
projetos alternativos para a democraciaque se trava boa parte da
luta poltica na Amrica Latina dehoje. Vamos sustentar que os
movimentos sociais desempenhamum papel crtico nessa luta. O que est
fundamentalmente emdisputa so os parmetros da democracia, so as
prpriasfronteiras do que deve ser definido como arena poltica:
seusparticipantes, instituies, processos, agenda e campo de ao.
Os programas de ajuste econmico e social, inspirados
peloneoliberalismo, entraram nessa disputa como poderosos eubquos
competidores. Em resposta suposta lgica "inevi-:tvel" imposta pelos
processos de globalizao econmica,as polticas neoliberais
introduziram um novo tipo de relaoentre o Estado e a sociedade
civil e apresentaram uma definiodistintiva da esfera pblica e-seus
'particpantes, baseada numaconcepo minimalista do Estado e da
democracia.
Enquanto a sociedade civil obrigada a assumir as
respon-sabilidades sociais evitadas agora pelo Estado neoliberal
emprocesso de encolhimento, sua capacidade como esfera poltica
-
crucial para o exerci CIO da cidadania democrtica est cadavez
mais desenfatizada. Nessa concepo, os cidados devemfazer-se por
seus prprios esforos particulares e a cidadania cada vez mais
equiparada integrao individual no mercado.
Uma concepo alternativa de cidadania - apresentada porvrios dos
movimentos discutidos neste volume - v as lutasdemocrticas como
contendo uma redefinio no s do sistemapoltico, como tambm das
prticas econmicas, sociais e cultu-rais que possam engendrar uma
ordem democrtica para asociedade como um todo. Essa concepo chama
nossa atenopara uma ampla gama de esferas pblicas possveis onde
acidadania pode ser exercida e os interesses da sociedade nosomente
representados, mas tambm fundamentalmente reimodelados. O campo de
ao das lutas democratizantes seestende para abranger no s o sistema
poltico, mas tambm ofuturo do "desenvolvimento" e a erradicao de
desigualdadessociais tais como as de raa e gnsro, profundamente
moldadaspor prticas culturais e sociais. {ssa concepo ampliada
reco-nhece ainda que o processo de construo da democracia no
homogneo, mas internamente descontnuo e desigual: esferas edimenses
diferentes tm ritmos distintos de transformao,levando alguns
analistas a afirmar que esse processo ineren-temente "disjuntivo"
(Holston, Caldeira, 1999;ver tambm jelin,Hershberg, 1996).
Em alguns casos, os movimentos sociais no somente conse-guiram
traduzir suas agendas em polticas pblicas e expandiras fronteiras
da poltica institucional, como tambm lutaramde maneira
significativa para redefinir o prprio sentido denoes convencionais
de cidadania, representao poltica eparticipao e, em conseqncia, da
prpria democracia.Ambos os processos de traduo das agendas dos
movimentosem polticas e de redefinio do significado de
"desenvolvi-mento" ou "cidado", por exemplo, acarretam o
estabelecimentode uma "poltica cultural" - conceito desenvolvido no
campodos estudos culturais que, vamos sustentar, pode lanar uma
luznova sobre os objetivos culturais e polticos dos
movimentossociais na luta contempornea pelo destino da democraciana
Amrica Latina.
NOVO CONCEITO DO CULTURAL NASPESQUISAS SOBRE MOVIMENTOS
SOCIAISLATINO-AMERICANOS
DA CULTURA POLTICA CULTURAL
livro pretende antes de mais nada ser uma investigaoa relao
entre cultura e poltica. Afirmamos que essa
ser explorada produtivamente sondando ansnareza das polticas
culturais postas em prtica - com mais
$- cJ.~tez.e em maior ou menor extenso - por todossociais e
examinando o potencial dessa polticaomover a mudana social. A noo
inglesa des difcil de traduzir em portugus. Na Amricasso "poltica
cultural" designa normalmente as
stadaou de outras instituies com relao cultura,~daum terreno
especfico e separado da poltica, muito
rre.qehtemente reduzido produo e consumo de bens cul-ttlr~s:
arte, cinema, teatro etc. Aqui, utilizamos "poltica cultural"para
chamar a ateno para o lao constitutivo entre culturae poltica, e a
redefinio de poltica que essa viso implica.Esse lao constitutivo
significa que a cultura entendida comoconcepo do mundo, como
conjunto de significados queintegram prticas sociais, no pode ser
entendida adequada-mente sem a considerao das relaes de poder
embutidasnessas prticas. Por outro lado, a compreenso da
configuraodessas relaes de poder no possvel sem o reconhecimentode
seu carter "cultural" ativo, na medida em que expressam,produzem e
comunicam significados. Com a expresso "polticacultural" nos
referimos ento ao processo pelo qual o culturalse torna fato
poltico.
As cincias sociais convencionais no tm explorado
siste-maticamente as conexes entre cultura e poltica. Aludimos
aesse fato em trabalhos anteriores (Escobar, Alvarez, 1992;Dagnino,
1994). importante discutir a mudana das concepesde cultura e
poltica na antropologia, na literatura e em outrasdisciplinas como
pano de fundo para entender como o conceitode poltica cultural
surgiu de um intenso dilogo interdisciplinare de uma diluio de
fronteiras que ocorreu na ltima dcada,promovido por vrias correntes
ps-estruturalistas. Em nossa
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-
antologia anterior, salientamos que o conceito convencionalda
cultura em vrias disciplinas como esttica - embutidanum conjunto de
textos, crenas e artefatos cannicos - contri-buiu muito para tornar
invisvel as prticas culturais cotidianascomo um terreno para - e
fonte de - prticas polticas.Tericos da cultura popular como De
Certeau (984), Fiske (989)e Willis (990) transcenderam essa
compreenso esttica pararessaltar como a cultura compreende um
processo coletivo eincessante de produo de significados que molda a
experinciasocial e configura as relaes sociais. Assim, os estudos
decultura popular afastaram a pesquisa das humanidades da nfasena
"alta cultura", originria da literatura e das artes, e a
apro-ximaram de uma compreenso mais antropolgica da cultura.Essa
aproximao j fora propiciada pela caracterizao feitapor Raymond
Williams da cultura como "o sistema significantepelo qual
necessariamente (embora entre outros meios) urnaordem social
comunicada, reproduzida, experimentada eexplorada" 0981: 13). Como
observam Glenn Jordan e ChrisWeedon, "Nesse sentido, cultura no uma
esfera, mas umadimenso de todas as instituies - econmicas, sociais
epolticas. Cultura um conjunto de prticas materiais queconstituem
significados, valores e subjetividades" 0995: 8).
Em obra recente, a definio de Williams aprofundadapara concluir
que
nos estudos culturais ... a cultura entendida ao mesmo tempocomo
um modo de vida - abrangendo idias, atitudes, lingua-gens, prticas,
instituies e estruturas de poder - e comouma ampla gama de prticas
culturais: formas artsticas, textos,cnones, arquitetura,
mercadorias de produo em massa eassim por diante. (Nelson,
Treichler, Grossberg, 1992: 5)
Essa caracterizao da cultura aponta para prticas e repre-sentaes
concretas como sendo centrais para a cultura.Contudo, na prtica,
sua nfase principal continua nas formasartsticas e textuais. Isso
explica, acreditamos, vrias crticasfeitas aos estudos culturais,
tais como a dependncia excessiva,aparentemente problemtica, em
etnografias "rpidas" (quick anddirty), a proeminncia das anlises
textuais e a importnciaatribuda s indstrias culturais e aos
paradigmas de recepo econsumo de produtos culturais. Seja qual for
a validade dessas
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crticas - como vamos explicar adiante - justo dizer que
o.sestudos culturais no deram importncia suficiente aos movi-mentos
sociais como aspecto vital da produo cultura!.l
A noo de cultura tambm debatida ativamen:e na antr~-pologia. A
antropologia clssica aderiu a uma .eplstemologlarealista e a uma
compreenso relativamente fixa da culturacomo encarnada em
instituies, prticas, rituais, smbolosetc. A cultura era vista como
pertencendo a um grupo elimitada no tempo e no espao. Esse
paradigma de culturaorgnica sofreu golpes significativos com o
desenvolv~mento~~.~~~E~pologia estrutural, interpretativa e aquela
orientada
.. /no-positivista, parcial da cultura, em parte:~
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(e interesses polticos) inscritas na construo de
polticasmaterialistas, assim como as preocupaes materialistas
(einteresses polticos) inscritas nos enquadramentos culturaisda
poltica". Enquanto os antroplogos tm geralmente tentadoentrelaar as
anlises "do simblico e do material", os avanosna teoria do discurso
e da representao tm proporcionadoferramentas para exposies mais
matizadas da constituiomtua - e inseparvel - de significados e
prticas (verComaroff, Comaroff, 1991 para um exemplo excelente
dessaabordagem).
Esse desenvolvimento traz lies teis para os estudosculturais; na
verdade, combina bem com o que percebidocomo sendo um tema central
do campo, a saber, o que asmetforas da cultura e textualidade ao
mesmo tempo ajudama explicar e no conseguem resolver. A questo est
expressacom eloqncia na exposio retrospectiva que Stuart Hallfaz do
impacto da "virada lingstica" nos estudos culturais.Para Hall, a
descoberta da dscursividade e da textualidadelevou percepo da
"importncia crucial da linguagem (. ..)para qualquer estudo da
cultura" 0992: 283). Foi assim queos praticantes dos estudos
culturais se viram sempre "condu-zidos de volta cultura". Contudo,
apesar da importncia dametfora do discursivo, para Hall
h sempre algo descentrado em relao cultura, linguagem,
textualidade e significao, que escapa e se evade s tentativasde
lig-lo, direta e imediatamente, com outras estruturas (
...).[Devemos supor que] a cultura funcionar sempre atravs desuas
textualidades - e, ao mesmo tempo, que a textualidadenunca
suficiente (...). A no ser que e at que se respeite o~e~locamento
necessrio da cultura e, contudo, se fique sempreIrritado pelo seu
fracasso em reconciliar-se com outras questesimportantes, com
outras questes que no podem nunca serplenamente recuperadas pela
textualidade crtica em suas elabo-raes, os estudos culturais como
projeto, como interveno,permanecem incompletos.' 0992: 284)
Em nossa opinio, o dito de Hall de que cultura e textuali-da de
"nunca so suficientes" refere-se dificuldade de abordarpor meio da
cultura e da textualidade, "outras questes impor-tantes", tais como
as estruturas, formaes e resistncias queesto inevitavelmente
permeadas pela cultura, o "algo de ruim
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l embaixo" ao qual Hall quer que os estudos culturais
retornem,saindo do "ar limpo da significao e textualidade"
0992:278). Hall reintroduz assim a poltica no mbito dos
estudosculturais, no somente porque sua formulao proporcionaum meio
de manter as questes tericas e polticas em tenso,mas porque exorta
os tericos - em particular, os propensosdemais a permanecer no nvel
do texto e da poltica da repre-sentao - a se engajarem no "algo
asqueroso l embaixo"como uma questo tanto terica como poltica.
Em outras palavras, a tenso entre o textual e o que lhe
subjacente, entre representao e seu fundamento, entre
signi-~~S~~8~~PI:ticas, entre narrativas e atores sociais, entre
discurso
. . 'aispode ser resolvida no terreno da teoria. Mas o'ente" tem
mo dupla. Se h sempre "algo mais"a,algo que no bem captado pelo
textual!
:[tarnbm algo mais alm do assim chamado mate- sempre cultural e
textual. Veremos a importncia
so nos casos dos movimentos sociais dos pobres e;~::idos,para
quem o primeiro objetivo da luta amide
so pessoas com direitos, de forma a recuperare estatuto de
cidados e at de seres humanos.
outras palavras, essa tenso resolvida apenas provisoria-mente na
prtica. Sustentamos que os movimentos sociais souma arena crucial
para a compreenso de como esse entrelaa-mento, talvez precrio, mas
vital, do cultural e do polticoocorre na prtica. Ademais,
acreditamos que a conceituaoe a investigao das polticas culturais
dos movimentos sociais uma digresso terica promissora que leva em
conta a exor-tao de Hall.
DA POLTICA CULTURAL CULTURA POLTICA
Apesar de seu compromisso com uma compreenso maisampla de
cultura, boa parte dos estudos culturais, em particularnos Estados
Unidos, continua a ser fortemente orientada para otextual. Isso tem
a ver com fatores disciplinares, histricos einstitucionais (Ydice,
neste volume). Esse vis .penetra tambmo uso do conceito de poltica
cultural. Em sua utilizao atual- apesar do interesse dos estudiosos
da cultura em examinaras relaes entre prticas culturais e poder e
seu compromissocom a transformao social -, a expresso "poltica
cultural"refere-se amide a lutas incorpreas em torno de
significados
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e representaes, onde o que est politicamente em jogo paraatores
sociais concretos , s vezes, difcil de discernir.
Concordamos com a definio de poltica cultural propostapor Jordan
e Weedon em seu livro recente sobre o tema:
A legitimao das relaes sociais de desigualdade e a lutapara
transform-las so preocupaes centrais da POLTICACULTURAL. As
polticas culturais determinam fundamentalmenteos significados das
prticas sociais e, alm disso, quais grupose indivduos tm o poder
para definir esses significados. Elaspreocupam-se tambm com
subjetividade e identidade, umavez que a cultura desempenha um
papel central na constituiodo sentido de ns mesmos C ..). As formas
de subjetividade emque habitamos desempenham um papel crucial na
determinaode se aceitamos ou contestamos as relaes de poder
existentes.Ademais, para grupos marginalizados e oprimidos, a
construode identidades novas e resistentes uma dimenso essencial
deuma luta poltica mais ampla para transformar a sociedde.(1995:
5-6)
.,Porm, ao concentrar sua anlise na "concepo dominante
de cultura", que a reduz a "msica, literatura, pintura e
escultura,teatro e cinema", agora ampliada para incluir a indstria
cultural,a "cultura popular" e os "meios de comunicao de
massa",Jordan e Weedon parecem compartilhar a suposio de que
apoltica da representao - tal como recolhida de formas eanlises
textuais - tem um vnculo direto e claro com o exercciodo poder e,
de modo correspondente, com a resistncia a ele. Noentanto, nem
sempre esses vnculos so explicitados de modoa iluminar as posies
reais ou potenciais e as estratgiaspolticas de determinados atores
sociais. Sustentamos queesses vnculos so evidentes nas prticas, nas
aes concretasdos movimentos sociais latino-americanos e, portanto,
queremosestender o conceito de poltica cultural para analisar
suasintervenes polticas.
importante enfatizar o fato de que na Amrica Latina dehoje,
todos os movimentos sociais pem em prtica uma polticacultural.
Seria tentador restringir o conceito de poltica culturalqueles
movimentos que so mais claramente culturais. Nosanos 80, essa
restrio resultou numa diviso entre movimentossociais "novos" e
"velhos". Os novos eram aqueles para osquais a identidade era
importante, aqueles engajados em "novasformas de fazer poltica" e
os que contribuam para formas
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novas de sociabilidade. As opes favoritas eram os
mov~mentosfudgenas, tnicos, ecolgicos, femininos, h?mossexual.s e
de
-
deveria ser descrito como "uma posio (no exclusiva dasmulheres)
que desestabiliza tanto o fundamentalismo como asnovas estruturas
opressivas que esto surgindo com o capita-lismo tardio", e que a
confrontao do feminismo com essasestruturas "envolve mais
urgentemente do que nunca a lutapelo poder interpretativo". A
anlise de Srgio Baierle dosmovimentos populares urbanos em Porto
Alegre, Brasil, concei-tua-os como "espaos estratgicos onde se
debatem concepesdiferentes de cidadania e democracia", e Maria Clia
Paoli eVera Telles enfatizam da mesma forma os diferentes modos
emque movimentos populares e sindicatos se engajam simultanea-mente
em lutas por direitos e significaes.
Como afirma Evelina Dagnino, o conceito de poltica cultural
importante para avaliar o alcance das lutas dos movimentossociais
pela democratizao da sociedade e para destacar asimplicaes menos
visveis e amide negligenciadas dessaslutas. Ela sustenta que as
contestaes culturais no so meros"sub-produtos" da luta poltica, mas
ao contrrio, so consti-tutivas dos esforos dos movimentos sociais
para redefinir osentido e os limites do prprio sistema poltico.
Jean Franco(1998) observa que
as discusses sobre o uso de palavras parecem muitas vezescatao
de piolho; a linguagem parece ser irrelevante para aslutas "reais".
Contudo, o poder de interpretar e a inveno eapropriao ativa da
linguagem so instrumentos cruciais paraos movimentos emergentes que
buscam visibilidade e reco-nhecimento para as concepes e aes que se
filtram de seusdiscursos dominantes.
podem ser a fonte de processos que devem ser aceitos
comopolticos. Que isso seja raramente visto como tal mais umreflexo
das definies entranhadas do poltico, abrigadas nasculturas polticas
dominantes, do que uma indicao da forasocial, eficcia poltica ou
relevncia epistemolgica da polticacultural. A cultura poltica
porque os significados so consti-tutivos dos processos que,
implcita ou explicitamente, buscamredefinir o poder social. Isto ,
quando apresentam concepesalternativas de mulher, natureza, raa,
economia, democracia oucidadania, que desestabilizam os
significados culturais domi-nantes, os movimentos pem em ao uma
poltica cultural.
Falamos de formaes de poltica cultural neste sentido:elas so o
resultado de articulaes discursivas que se originamem prticas
culturais existentes - nunca puras, sempre hbridas,mas apesar
disso, mostrando contrastes significativos em relaos culturas
dominantes - e no contexto de determinadascondies histricas.
Evidentemente, as polticas culturaisexistem em movimentos sociais
da direita e at mesmo dentrode formaes estatais; os
neo-conservadores, por exemplo,pretendem "re-sacralizar a cultura
poltica" por meio da "defesaou recriao de um mundo da vida
tradicionalista e autoritrio"(Cohen, Arato, 1992: 24). Da mesma
forma, Jean Franco (1998)mostra como, durante os preparativos para
a Quarta ConfernciaMundial das Mulheres, os movimentos
conservadores e funda-mentalistas uniram-se ao Vaticano para
solapar o feminismo"pondo em cena um espetculo aparentemente
secundrio asaber, um ataque ao uso da palavra 'gnero": O artigo
deVernica Schild neste volume chama a ateno para os esforosdo
neoliberalismo no Chile para reestruturar a cultura tantocomo a
economia.
Mas o ngulo mais importante para analisar as polticasculturais
dos movimentos sociais talvez seja em relao comseus 'efeitos sobre
a(s) culturats) poltica(s). Cada sociedade.marcada por uma cultura
poltica dominante. Para os prop-sitos deste livro, definimos
cultura poltica como a construosocial particular em cada sociedade
do que conta como "pol-tico" (ver tambm Slater, 1994a; Lechner,
1987a). Desse modo,a cultura poltica o domnio de prticas e
instituies, reti-radas da totalidade da realidade social, que
historicamente vma ser consideradas como propriamente polticas (da
mesma
Com efeito, como David Slater sugere em seu artigo, "aslutas
sociais podem ser vistas como 'guerras de interpretao'''.
Nossa definio de poltica cultural ativa e
relacional.Interpretamos poltica cultural como o processo posto em
aoquando conjuntos de atores sociais moldados por e encar-nando
diferentes significados e prticas culturais entram emconflito uns
com os outros. Essa definio supe que signifi-cados e prticas - em
particular aqueles teorizados comomarginais, oposicionais,
minoritrios, residuais, emergentes,alternativos, dissidentes e
assim por diante, todos concebidosem relao a uma determinada ordem
cultural dominante -
24 25
-
maneira que outros domnios so vistos como
propriamente"econmicos"! "culturais", e "sociais"). A cultura
poltica domi-nante do Ocidente foi caracterizada como
"racionalista, uni-versalista e individualista" (Mouffe, 1993: 2).4
Como veremos,as formas dominantes de cultura poltica na Amrica
Latinadiferem um pouco - em alguns casos, talvez de modo
signifi-cativo - dessa definio.
As polticas culturais dos movimentos sociais tentam
amidedesafiar ou desestabilizar as culturas polticas dominantes.Na
medida em que os objetivos dos movimentos sociais contem-porneos s
vezes vo alm de ganhos materiais e institucionaispercebidos; na
medida em que esses movimentos sociais afetamas fronteiras da
representao poltica e cultural, bem comoa prtica social, pondo em
questo at o que pode ou nopode ser considerado poltico; finalmente,
na medida em queas polticas culturais dos movimentos sociais
realizam contes-taes culturais ou pressupem diferenas culturais -
entodevemos aceitar que o que est em questo para os movi-.,mentos
sociais, de um modo profundo, uma transformaoda cultura poltica
dominante na qual se movem e se constituemcomo atores sociais com
pretenses polticas. Se os movi-mentos sociais pretendem modificar o
poder social e se acultura poltica tambm abrange campos
institucionalizadospara a negociao do poder, ento os movimentos
sociaisnecessariamente enfrentam a questo da cultura poltica.
Emmuitos casos, os movimentos sociais no exigem incluso,mas antes
buscam reconfigurar a cultura poltica dominante.A anlise de Baierle
dos movimentos populares - que encontraeco nos captulos de Dagnino
e Paoli e Telles - sugere queesses movimentos podem, s vezes,
desempenhar um papelfundacional, "destinado a transformar a prpria
ordem polticana qual atuam" e destaca que os "novos cidados" que
emergemdos fruns de participao e conselhos populares de PortoAlegre
e outras cidades brasileiras questionam radicalmenteo modo como o
poder deve ser exercido, em vez de tentarmeramente
"conquist-lo".
As polticas culturais dos movimentos sociais podem servistas
tambm como fornentadoras de modernidades alternativas.Como diz
Fernando Caldern, alguns movimentos colocam aquesto de como ser ao
mesmo tempo moderno e diferente -"como entrar en la modernidad sin
dejar de ser ndios" (1988:
225). Eles podem mobilizar construes de indivduos,
direitos,economias e condies sociais, que no podem ser
definidasestritamente dentro dos paradigmas da modernidade
ocidental(ver Slater, 1994a e Warren, neste volume; Dagnino,
1994a,1994b).5
As culturas polticas da Amrica Latina so muito influenciadaspor
aquelas que prevaleceram na Europa e na Amrica doNorte e, contudo,
se diferenciam delas. Essa influncia estclaramente expressa nas
referncias recorrentes a princpiostais como racionalismo,
universalismo e individualismo.Porm, na Amrica Latina, esses
princpios combinaram-sehistoricamente de maneira contraditria com
outros princpiosdestinados a garantir a excluso social e poltica e
at a controlara definio do que conta como poltico em sociedades
extrema-mente hierarquizadas e injustas. Essa hibridizao
contraditriaa~~entou a anlise sobre a adoo peculiar do
liberalismocomo "idias fora do lugar" (Schwarz, 1988) e, com
respeito atempos mais modernos, a anlise das democracias de
"fachada"(Whitehead, 1993).
Esse liberalismo "fora de lugar" serviu s elites
latino-ame-ricanas do sculo XIXao mesmo tempo como resposta s
pres-ses internacionais e como meio de manter um poder
polticoexcludente, na medida em que se baseava e coexistia comuma
concepo oligrquica de poltica, transferida das prticassociais e
polticas do latifndio (Sales, 1994), onde os poderespessoal, social
e poltico se superpunham, constituindo umanica e mesma realidade.
Essa falta de diferenciao entre opblico e o privado - onde no s o
pblico apropriadopelo privado, como as relaes polticas so
percebidas comoextenses das relaes privadas - torna as relaes de
favor,o personalismo, o clientelismo e o paternalismo,
prticaspolticas comuns. Alm disso, ajudadas por mitos como o
da"democracia racial", essas prticas obscureceram a desigualdadee a
excluso. Em conseqncia, grupos subalternos; excludos,passaram a ver
a poltica como "negcio privado" das elites(como diz Baierle, como
"o espao privado' dos doutores"),resultando numa imensa distncia
entre sociedade civil epoltica - at mesmo em momentos em que os
mecanismosdominantes de excluso deveriam ser aparentemente
redefinidos,como, por exemplo, no advento da Repblica (Carvalho,
1991).
Quando, nas primeiras dcadas do sculo XX, a urbanizaoe a
industrializao tornaram inevitvel a incorporao das
7h 27
-
massas, no surpreende que essa mesma tradio tenhainspirado o
novo arranjo poltico-cultural predominante: opopulismo. .Tendo de
compartilhar seu espao poltico comparticipantes anteriormente
excludos, as elites latino-ameri-canas criaram mecanismos para uma
forma subordinadade incluso poltica na qual relaes personalizadas
comos lderes polticos garantiam o controle e a tutela sobreuma
participao popular heternoma. Mais do que a alegada"irracionalidade
das massas", o que estava por trs dosurgimento da liderana
populista - identificada pelosexcludos como seu "pai" e salvador -
era ainda a lgicadominante do personalismo.
Associada a esses novos mecanismos de representaopoltica e s
reformas econmicas necessrias modernizao- em relao s quais o
liberalismo econmico tinha reveladoseus limites (Flisfich,Lechner,
Moulian, 1986) - uma redefnodo papel do Estado tornou-se um
elemento crucial nas culturaspolticas latino-americanas. Copcebido
como o promotor demudanas a partir de cima e assim, como o agente
primrioda transformao social, o ideal de um Estado forte e
inter-vencionista, cujas funes eram vistas como incluindo
a"organizao" - e, em algumas concepes, a prpria "criao"- da
sociedade, passou a ser compartilhado por culturaspolticas
populistas, nacionalistas e desenvolvimentistas, emsuas verses
tanto conservadoras como de esquerda. A dimensoassumida por essa
centralidade do Estado na maioria dosprojetos polticos inspirou os
analistas a falar de um "cultodo Estado", ou estadolatria
(Coutinho, 1980; Weffort, 1984).A definio do que conta como
"poltico" tinha agora umareferncia nova e concreta, agravando as
dificuldades parao surgimento de novos sujeitos politicamente
autnomose, dessa forma, aumentando a excluso que o
populismopretendia resolver por meio da concesso de direitos
pol-ticos e sociais.
Sob presses internacionais para "manter vivos a democraciae o
capitalismo na Amrica Latina",surgiram nas dcadas de 1960e 70
regimes militares em quase toda a regio, numa reaos tentativas de
radicalizar as alianas populistas ou de exploraralternativas
socialistas democrticas. O autoritarismo exacer-bado transformou a
excluso poltica em eliminao poltica,por meio da represso estatal e
da violncia sistemtica.
Procedimentos burocrticos e tecnocrticos de tomada dedecises
ofereceram um fundamento adicional para restringirainda mais a
definio de poltica e seus participantes.
Organizadas basicamente em torno da administrao daexcluso, as
culturas polticas dominantes da Amrica Latina_ com talvez umas
poucas excees de vida curta - nopodem ser consideradas exemplos de
ordenao hegemnicada sociedade. Na verdade, todas estiveram
comprometidas,em diferentes formas e graus, com o autoritarismo
socialprofundamente enraizado que permeia a organizao excludentedas
sociedades e culturas latino-americanas.
significativo que os movimentos sociais que surgiram dasociedade
civil na Amrica Latina ao longo das duas ltimasdcadas - tanto em
pases sob regime autoritrio como emnaes formalmente democrticas
---:"tenham desenvolvidoverses plurais de uma cultura poltica que
vo muito almdo (re)estabelecimento da democracia formal liberal.
Assim,as redefinies emergentes de conceitos como democracia
ecidadania apontam para direes que confrontam a culturaautoritria
por meio da atribuio de novo significado snoes de direitos, espaos
pblicos e privados, formas desociabilidade, tica, igualdade e
diferena e assim por diante.Esses processos mltiplos de
re-signficao revelam claramentedefinies alternativas do que conta
como poltico.
A RECONCEITUAO DO POLTICO NO ESTUDODOS MOVIMENTOS SOCWS
LATINO-AMERICANOS
Ao explorar o poltico nos movimentos sociais, devemosver a
poltica como algo mais que um conjunto de atividadesespecficas
(votar, fazer campanha ou lobby) que ocorrem emespaos
institucionais claramente delimitados; tais como parla-mentos e
partidos; ela deve ser vista como abrangendo tambmlutas de poder
realizadas em uma ampla gama de espaos cul-turalmente definidos
como privados, sociais, econmicos,culturais e assim por diante. O
poder, por sua -vez, no deveser entendido como "blocos de
estruturas institucionais, comtarefas pr-estabelecidas (dominar,
manipular), ou como meca-nismos para impor ordem de cima para
baixo, mas antes como
29
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uma relao social difusa por todos os espaos" (Garca
Canclini,1988: 474). No entanto, uma concepo descentrada do poder
eda poltica no deve desviar nossa ateno do modo como osmovimentos
sociais interagem com a sociedade poltica e oEstado e "no deve nos
levar a ignorar a maneira como opoder se sedimenta e se concentra
em instituies e agentessociais" (475).
Desse modo, nossos autores do a devida ateno s relaesdos
movimentos com os poderes sedimentados de partidos, ins-tituies e
com o Estado, ao mesmo tempo em que sugeremque o exame dessa relao
"nunca suficiente" para apreendero impacto poltico ou a significao
dos movimentos socas."Como argumenta convincentemente David Slater
(neste volume),a afirmao de que os movimentos sociais
contemporneosdesafiaram ou refizeram as fronteiras do poltico
(Inglehart, 1988), o conceito de cultura poltica buscou
eliminaros preconceitos "ocidentalizantes" do passado (Almond,
Verba,1963, 1980). Contudo, ele permanece em larga medida
restritoquelas atitudes e crenas sobre aquele mbito restrito
(osistema poltico estritamente delimitado) que a cultura domi-nante
definiu historicamente como propriamente poltico equelas crenas que
sustentam ou solapam as regras estabe-lecidas de um determinado
"jogo poltico":
A cultura poltica envolve vrias orientaes psicolgicas
dife-rentes, incluindo elementos mais profundos de valor e
crenasobre o modo como a autoridade poltica deveria ser
estruturadae como o eu deveria se relacionar com ela, e atitudes,
senti-mentos e avaliaes mais temporrias e mutveis relacionadascom o
sistema poltico. (Diarnond, Linz, 1989: 10)
pode significar, por exemplo, que os movimentos podem sub-verter
os dados tradicionais do sistema poltico - poder estatal,partidos
polticos, insttues formais - ao contestar a legiti-midade e o
funcionamento aparentemente normal e natural deseus efeitos na
sociedade. Mas tambm o papel de algunsmovimentos sociais foi o de
revelar os significados ocultos dopoltico encerrados no social.
Assim, para muitos cientistas polticos como Larry Diarnonde Juan
Linz, "valores e disposies comportamentais (em parti-cular, no nvel
da elite) de compromisso, flexibilidade, tole-rncia, conciliao,
moderao e conteno" contribuem signifi-cativamente para a "manuteno
da democracia" (12-13).
Essas concepes de cultura poltica tomam o poltico comodado e no
enfrentam um aspecto chave das lutas dos movi-mentos explorado por
vrios dos captulos aqui reunidos.Como observa Slater C1994a), com
muita freqncia, a poltica referida de um modo que j pressupe um
significado que consensual e fundante. E concordamos com a avaliao
deNorbert Lechner de que "a anlise das questes polticas
levantanecessariamente a questo de por que uma determinada questo
poltica. Assim, podemos supor que a cultura poltica condi-ciona e
expressa precisamente essa determinao" (1987a: 8).A poltica
cultural posta em prtica pelos movimentos sociais, aocontestar e
dar novo significado ao que conta como poltico equem - alm da
"elite democrtica" - define as regras dojogo poltico, pode ser
crucial, sustentamos, para promoverculturas polticas alternativas
e, potencialmente, ampliar e apro-fundar a democracia na Amrica
Latina (ver tambm Avritzer,1994; Lechner, 1987a, 1987bj Dagnno,
1994). Rubin (nestevolume) afirma, por exemplo, que foi "o fomento
de uma culturapoltica nova e hbrida que permitiu COCEI manter seu
podermesmo quando a reestruturao econmica neoliberal e
adesmobilizao dos movimentos populares dominavam apoltica no resto
do Mxico e da Amrica Latina".
Da mesma forma que buscam avanar para alm da com-preenso esttica
da cultura e da poltica (textual) da repre-sentao, os captulos
seguintes transgridem as concepesestreitas e reducionistas de
poltica, cultura poltica, cidadaniae democracia, que predominam
tanto na cincia poltica tradi-cional como em algumas verses das
abordagens que enfatizamseja a mobilizao de recursos ou o processo
poltico." Emvez de avaliar ou medir o "sucesso" dos movimentos
sociaisprincipal ou exclusivamente com base no modo como
suasdemandas so processadas - e se o so - no interior dapoltica de
representao (institucional), nossos autores seempenham em lanar
nova luz sobre o modo como os discursose prticas dos movimentos
sociais podem desestabilizar eassim - pelo menos parcialmente -
transformar os discursosdominantes e as prticas excludentes da
"democracia [latino-americana] realmente existente" (Frase r,
1993).
Tendo experimentado uma espcie de renascimento noscampos da
cincia poltica e da sociologia em anos recentes
30 31
-
Ademais, embora as disposies culturais da elite observadaspor
Diamond e Linz pudessem sem dvida ajudar a fortalecera democracia
representativa com base na elite, elas nos dizempouco sobre como
padres e prticas culturais mais amplosque promovem o autoritarismo
social e a desigualdade notriaobstruem o exerccio da cidadania
democrtica significativapara cidados que no pertencem elite (Sales,
1994; Telles,1994; Oliveira, 1994; Hanchard, 1994). As rgidas
hierarquiassociais de classe, raa e gnero que caracterizam as
relaessociais latino-americanas impedem que a vasta maioria
doscidados de jure imagine e muito menos reivindique publica-mente
a prerrogativa de ter direitos. Como sustentamos emoutro lugar, os
movimentos populares, ao lado dos
feministas,afro-latina-americanos, de lsbicas e homossexuais,
assimcomo ambientalistas, foram instrumentais na construo deuma
nova concepo de cidadania democrtica, que reivindicadireitos na
sociedade e no apenas do Estado e que contestaas rgidas hierarquias
sociais que ditam lugares fixos na socie-dade para seus (no)
cidados-com base em critrios de classe,raa e gnero:
o autoritarismo social engendra formas de sociabilidade
numacultura autoritria de excluso que subjaz ao conjunto das
prticassociais e reproduz a desigualdade nas relaes sociais em
todosos seus nveis. Nesse sentido, sua eliminao constitui um
desafiofundamental para a efetiva democratizao da sociedade.
Aconsiderao dessa dimenso implica desde logo uma redefi-nio daquilo
que normalmente visto como o terreno dapoltica e das relaes de
poder a serem transformadas. E,fundamentalmente, significa uma
ampliao e aprofundamentoda concepo de democracia, de modo a incluir
o conjuntodas prticas sociais e culturais, uma concepo de
democraciaque transcende o nvel institucional formal e se debrua
sobreo conjunto das relaes sociais permeadas pelo
autoritarismosocial e no apenas pela excluso poltica no sentido
estrito.(Dagnno, 1994a: 104-105)
A anlise de Teresa Caldeira (a sair) de como e por que adefesa
dos direitos humanos dos criminosos comuns continuaa ser vista como
"algo ruim e condenvel" pela maioria doscidados no Brasil
democrtico ilustra pungentemente porque - luz do constante
autoritarismo scio-cultural - "aanlise social deveria olhar para
alm do sistema poltico" ao
~2
teorizar sobre as transies democrticas e explorar o modocomo "os
limites da democratizao esto profundamente incrus-tados nas
concepes populares do corpo, da punio e dosdireitos individuais". A
penetrao das noes culturais do"corpo e indivduo ilimitados",
sustenta Caldeira, impedeseriamente a consolidao dos direitos civis
e individuaisbsicos no Brasil: "Essa noo reiterada no somente
comomeio de exerccio do poder nas relaes interpessoais, mastambm
como um instrumento para contestar de modo explcitoos princpios da
cidadania universal e dos direitos individuais."A poltica cultural
dos movimentos de direitos humanos deveento trabalhar para
te-significar e transformar as concepesculturais dominantes dos
direitos e do corpo.
No entanto, apesar da ateno renovada concedida culturapoltica em
algumas anlises polticas recentes, o culturalcontinua a tocar o
segundo violino nas clssicas harmoniaseleitorais, partidrias e
polticas que inspiram a anlise (neo)institucionalista liberal. A
maioria dos tericos tradicionaisconclui que os movimentos sociais e
as associaes cvicasdesempenham, na melhor das hipteses, um papel
secundriona democratizao e tem, portanto, concentrado sua atenona
institucionalizao poltica, que considerada "o fator maisimportante
e urgente na consolidao da democracia" (Diarnond,1994: 15).
Em conseqncia, as discusses sobre a democratizaolatino-americana
concentram-se hoje quase que exclusivamentena estabilidade das
instituies e processos polticos repre-sentativos formais como, por
exemplo, nos "perigos do presi-dencialismo" (Lnz, 1990; Linz,
Valenzuela, 1994), na formao econsolidao de partidos e sistemas
partidrios viveis(Mainwaring, Scully, 1995), e nos "requisitos da
governab-lidade" (Huntngton, 1991; Mainwaring, O 'Donnell ,
Valenzuela,1992; Martins, 1989). Em resumo, as anlises
predominantes dademocracia centram-se no que os cientistas polticos
batizaramde "engenharia institucional", requisito para a consolidao
dademocracia representativa no Sul das Amricas,
Uma tendncia recente no estudo dos movimentos'
sociaislatino-americanos parece endossar esse foco exclusivo
'sobreo formalmente institucional (ver Foweraker, 1995).Embo;~
aliteratura mais antiga sobre os movimentos dos anos 70 e
80louvasse sua suposta absteno da poltica institucional, sua
33
-
defesa da autonomia absoluta e sua nfase na democraciadireta,
muitas anlises recentes sustentam que essas posturasderam origem a
um "ethos de rejeio indiscriminada do insti-tucional" (Doirno,
1993; Silva, 1994; Coelho, 1992; Hellman,1994), que tornava difcil
para os movimentos articular comeficcia suas reivindicaes nas
arenas polticas formais.Outros tericos destacaram as qualidades
paroquiais, fragmen-trias, dos movimentos e enfatizaram sua
incapacidade de trans-cender o local e engajar-se na realpolitik
tornada inevitvel peloretorno democracia eleitoral (Cardoso, 1994,
1988; Silva, 1994;Coelho, 1992).
Ainda que as relaes dos movimentos sociais com ospartidos, o
Estado e com as instituies frgeis, elitistas, parti-cularistas e
amide corruptas dos regimes civis da Amrica Latinameream certamente
ateno dos estudiosos, essas anlisesnegligenciam com freqncia a
possibilidade de que arenaspblicas no-governamentais ou
extra-institucionais - inspi-radas ou construdas principalmente por
movimentos sociais -possam ser igualmente essenciais para a
consolidao de umacidadania democrtica significativa para grupos e
classes sociaissubalternos, Ao chamar a ateno para as polticas
culturais dosmovimentos sociais e outras dimenses menos
mensurveise, s vezes, menos visveis ou submersas, da ao
coletivacontempornea (Melucci, 1988), nossos autores oferecem
leiturasalternativas da maneira como os movimentos contriburampara
a mudana cultural e poltica desde que o neoliberalismoeconmico e a
democracia representativa (limitada e em largamedida protoliberal)
se converteram nos pilares da dominaona Amrica Latina.
Os vrios artigos se detm numa variedade de debates te-ricos que
podem nos ajudar a transcender algumas das insufi-cincias inerentes
s leituras dominantes do poltico e lanaruma luz diferente sobre
suas imbricaes com o cultural nasprticas dos movimentos sociais
latino-americanos. Entre essesesto os recentes estudos culturais,
feministas e os debatesps-marxistas e ps-estruturalistas sobre
cidadania e demo-cracia, bem como conceitos correlatos como redes
ou "teias"de movimentos- sociais, sociedade civil e espaos ou
esferaspblicos.
CULTURA E POLTICA NAS REDES OU TEIAS DEMOVIMENTOS SOCIAIS
Uma maneira particularmente frutfera de explorar comoas
intervenes polticas dos movimentos sociais se estendempara dentro e
para alm da sociedade poltica e do Estado analisar a configurao das
redes ou teias dos movimentossociais (Melucci, 1988; Doimo, 1993;
Landim, 1993a; Fernandes,1994; Scherer-Warren, 1993; Putnam, 1993;
Alvarez, 1997). Porum lado, vrios dos captulos seguintes chamam
ateno paraas prticas culturais e redes interpessoais da vida
cotidiana quesustentam movimentos sociais ao longo dos fluxos e
refluxosde mobilizao e que infundem novos significados culturaisnas
prticas polticas e na ao coletiva. Essas estruturas designificado
podem incluir diferentes formas de conscincia eprticas relativas,
por exemplo, natureza, vida de bairroou identidade.
Rubin, por exemplo, descreve com eloqncia o modocomo movimentos
populares radicais em Juchitn, Mxico,extraem fora dos laos
familiares, comunitrios e tnicos.Ele destaca como "locais fsicos e
sociais" aparentemente apo-lticos, tais como bancas de mercado,
bares e ptios familiares,"contriburam para a reelaborao das crenas
e prticasculturais locais" e se tornaram "lugares importantes para
adiscusso e mobilizao lern Iuchtnl C ..) com suas caracters-ticas
de gnero e classe [proporcionandol terreno frtil pararepensar a
poltica e levando as pessoas para as ruas". A centra-lidade
atribuda s redes submersas da vida cotidiana (Melucci,1988) na
modelagem da poltica cultural dos movimentosencontra eco na
discusso de Libia Grueso, Carlos Rosero eArturo Escobar das lutas
afro-colombianas em torno de naturezae identidade, no tratamento de
Srgio Baierle dos movimentosurbanos brasileiros e no captulo de
Olvia Gomes da Cunhasobre os movimentos negros brasileiros neste
volume.
Por outro lado, vrios captulos sublinham que os movi- ..mentos
sociais no apenas dependem e se baseiam em redesda vida cotidiana,
mas tambm constroem e configuram novosvnculos interpessoais,
inter-organizacionais e poltico-culturaiscom outros movimentos, bem
como com uma multiplicidade deatores e espaos culturais e
institucionais. Esses vnculos
35
-
expandem o alcance cultural e poltico dos movimentos paramuito
alm das comunidades locais e ptios familiares e, algunsde nossos
autores sustentam, ajudam a contrabalanar assupostas propenses
paroquiais, fragmentrias e efmeras dosmovimentos.
Ao avaliar o impacto dos movimentos sociais sobre pro-cessos
mais amplos de mudana poltico-cultural, devemosentender que o
alcance dos movimentos sociais se estendepara alm de suas partes
constitutivas bvias e manifestaesvisveis de protesto. Como sugere
Ana Maria Doimo em seuincisivo estudo sobre o "movimento popular"
no Brasil:
Em geral, quando estudamos os fenmenos relativos parti-cipao
explicitamente poltica, tais como partidos, eleies,parlamento etc.,
sabemos onde procurar dados e instrumentospara "medi-los". No este
o caso do campo dos movimentosem questo (...) um tal campo
baseia-se em relaes interpes-soais que ligam indivduos a outros
indivduos, envolvendoconexes que vo alm c:I.e" grupos especficos e
atravessamtransversalmenteinstituiessociaisparticulares,tais como a
Igrejacatlica, o protestantismo - nacional e internacional -,
aacademia cientfica,as organizaesno-governamentais(ONGs),as
organizaesde esquerda, os sindicatose os partidos polticos.(Doimo,
1993: 44)
latino-americanos so cada vez mais regionais e transnacionaisno
seu alcance (ver tambm Lipschutz, 1992; Keck e Sikkink,1992;
Fernandes, 1994).
O termo "teias de movimento social" (em contraste com omais
comum "rede") transmite o aspecto intrincado e precriodos mltiplos
laos e imbricaes estabelecidos entre organi-zaes dos movimentos,
participantes individuais e outrosatores da sociedade civil e o
Estado. A metfora da "teia"tambm nos permite imaginar mais
vividamente os entrelaa-mentos em mltiplas camadas dos atores dos
movimentoscom os terrenos natural-ambiental, poltico-institucional
ecultural-discursivo nos quais esto incrustados.
Em outras palavras, as teias dos movimentos abrangemmais do que
suas organizaes e seus membros ativos; elasincluem participantes
ocasionais nos eventos e aes domovimento e simpatizantes e
colaboradores de ONGs, partidospolticos, universidades, outras
instituies culturais e conven-cionalmente polticas, a Igreja e at o
Estado que (ao menosparcialmente) apia um determinado objetivo do
movimentoe ajuda a difundir seus discursos e demandas dentro e
contraas instituies e culturas polticas dominantes (Landim, 1993ae
1993b). Quando examinamos o impacto dos movimentos,devemos ento
avaliar a extenso em que suas demandas,discursos e prticas,
circulam de modo capilar, como numateia (por exemplo, como so
utilizados, adotados, apropriados,cooptados ou reconstrudos,
conforme o caso), em arenasinstitucionais e culturais mais amplas.
Warren, por exemplo,critica a noo predominante de que "a medida do
sucessode um movimento social sua capacidade de conseguirmobilizaes
de massa e protestos pblicos", argumentando quena avaliao de um
movimento como o Pari-Maia - baseadoem educao, idioma, reafirmao
cultural e direitos coletivos- devemos considerar que pode no haver
nenhuma
Alvarez sustenta que as demandas, discursos e prticaspolticas,
bem como as estratgias polticas e de mobilizaode muitos dos
movimentos atuais esto amplamente espalhadas,s vezes, de modo
invisvel, pelo tecido social, com suas redespoltico-comunicativas
atingindo os parlamentos, a academia,a Igreja, os meios de
comunicao e assim por diante. Schildafirma:
Vastas redes de profissionais e ativistas que so feministas,
ouque so pelo menos sensveis s questes femininas, esto emao
atualmente no Chile e em outros pases latino-americanos.Essas redes
no so apenas responsveispor sustentar o trabalhode organizaes de
base e (...) ONGs,mas esto tambm enga-jadas na produo de
conhecimento, inclusivede categorias quese tornam parte dos
repertrios morais usados pelo Estado.
manifestao para contar porque no se trat de um movimentode massa
que gere protesto. Mas haver geraes novas deestudantes, lderes,
professores, agentes de desenvolvimento eidosos da comunidade que
foram tocados de alguma maneirapelo movimento pari-maia e sua
produo cultural.
Ademais, como demonstram as contribuies de Ydice,Slater, Lins
Ribeiro e Alvarez, muitas redes de movimentos
Devemos levar em conta tambm como a dinmica e osdiscursos dos
movimentos so moldados pelas instituies
37
-
SOCiaiS, culturais e polticas importantes que atravessam asredes
ou teias e como os movimentos, por sua vez, modelama dinmica e o
discurso daquelas instituies. Schild, porexemplo, observa que "as
agncias governamentais e iniciativaspartidrias sem fins lucrativos
que trabalham a favor dasmulheres contam fortemente com os esforos
de mulheres posi-cionadas em redes [inspiradas no feminismo]" no
Chile contem-porneo. E Alvarez analisa a absoro, apropriao e
re-signf-cao relativamente rpida, ainda que seletiva, dos discursos
edemandas feministas latino-americanos por instituies
culturaisdominantes, organizaes paralelas da sociedade civil e
poltica,o Estado e o establisbment do desenvolvimento.
OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A REVITALIZAODA SOCIEDADE CIVIL
Tal como a noo de cultura poltica, o conceito de sociedadecivil
testemunhou tambm umJ'~enascimento significativo, umverdadeiro boom
conceitual, nas cincias sociais durante altima dcada (Cohen, Arato,
1992: 15; Walzer, 1992; Avritzer,1994; Keane, 1988). Andrew Arato
atribui "o notvel ressurgi-mento desse conceito" ao fato de
que:
Expressava as novas estratgias dualistas, radicais,
reformistasou revolucionrias de transformao das ditaduras,
observadasprimeiro na Europa oriental e depois na Amrica Latina,
paraas quais proporcionou uma nova compreenso terica.
Essasestratgias se baseavam na organizao autnoma da sociedadee na
reconstruo dos laos sociais fora do Estado autoritrioe a conceituao
de uma esfera pblica independente e separadade todas as formas de
comunicao oficial, controladas peloEstado ou pelos partidos. 0995:
19)
Com efeito, como diz Alfred Stepan, "a sociedade civiltornou-se
a celebridade poltica" de muitas transies latino-americanas
recentes do regime autoritrio (Stepan, 1988: 5) efoi uniformemente
vista como um ator significativo (emborasecundrio) na literatura da
democratizao. Em seu artigoneste volume, Ydice sustenta que, sob o
Estado em processode encolhimento do neoliberalismo, a sociedade
civil "floresceu".Em outras obras recentes, a sociedade civil
tornou-se "interna-cional" (Ghils, 1992), "transnaconal" (Lins
Ribeiro, 1994 e
neste volume), "global" (Lipschutz, 1992; Leis, 1995;
Walzer,1995) e at "planetria" (Fernandes, 1994 e 1995).
Embora os esforos para delimitar esse conceito variemmuito -
indo de definies abrangentes (em algumas verses,residuais) que
incluem tudo o que no o Estado ou o mercado,at concepes que
restringem a noo a formas de vida associa-tiva organizadas voltadas
para a expresso de interesses dasociedade -, a maioria inclui os
movimentos sociais entreseus componentes centrais e mais vitais.
Ademais, analistase ativistas, tanto conservadores como
progressistas, tendema louvar o potencial democratizador da
sociedade civil emescala local, nacional, regional e global.
Nossos colaboradores endossam em geral essa viso posi-tiva, na
medida em que a sociedade civil constituiu amide anica esfera
disponvel ou a mais importante para organizara contestao cultural e
poltica. Porm, eles tambm chamama ateno para trs ressalvas
importantes, mas nem sempreexploradas. Primeiro, destacam que a
sociedade civil no uma famlia ou uma "aldeia global" homogneas e
felizes,mas um terreno de luta, minado s vezes por relaes de
poderno-democrticas e pelos problemas constantes de
racismo,hetero/sexismo, destruio ambiental e outras formas
deexcluso (Slater, Alvarez, Lins Ribeiro, Schild). Em particular,a
crescente predominncia das NGs nos movimentos latino-americanos e
sua relao complexa com movimentos de baselocal, de um lado, e de
outro, com agncias bilaterais, multila-terais e privadas, fundaes e
NGs transnacionais com basena Amrica do Norte, so tambm assinaladas
como questespolticas e tericas especialmente complicadas para os
movi-mentos da regio atualmente (ver tambm MacDonald, 1992;Ramos,
1995; Muoucah, 1995; Rielly, 1994; Walzer, 1992; Lebon,1993). Lins
Ribeiro destaca que "as NGs podem ser de fatoum sujeito poltico
efetivo fragmentado, descentrado em ummundo ps-moderno, mas o custo
da flexibilidade, do prag-matismo e da fragmentao pode muito bem
ser o reformismo- sua capacidade de promover mudanas radicais pode
enfra-quecer". Alvarez analisa questes de representatividade,
legi-timidade e responsabilidade que infestam amide as
NGsfeministas e, junto com Schild, chama a ateno para as
maneiras
39
-
em que as ONGs parecem s vezes agir como organizaes "neo"ou
"para" em vez de "no" governamentais. E Ydice pergunta:"[no
poderia] a efervescncia das ONGs [ter] dois sentidos:ajudar a
sustentar um setor pblico evacuado pelo Estado e, aomesmo tempo,
tornar possvel para o Estado livrar-se do queantes era considerado
de sua responsabilidade?"
Em segundo lugar, vrios dos captulos deste livro nosadvertem
contra o aplauso ingnuo s virtudes da sociedadecivil em suas
manifestaes locais, nacionais, regionais ouglobais. Slater observa
que "no poucas vezes, a sociedadecivil foi essencializada em um
marco positivo, como o terrenodo bom e do esclarecido"; seu
captulo, assim como os deSchild, Ydice, Lins Ribeiro e Alvarez,
destaca que a socie-dade civil um terreno minado por relaes
desiguais depoder em que alguns atores podem obter maior acesso
aopoder, bem como acesso diferenciado a recursos materiaisculturais
e polticos. Uma vez que a democratizao das relaesculturais e
sociais - seja ao nye1 micro do lar, do bairro e daassociao
comunitria, ou a nvel macro das relaes entremulheres e homens,
negros e brancos, ricos e pobres - umobjetivo expresso dos
movimentos sociais latino-americanosa sociedade civil deve ser
entendida ao mesmo tempo cornoo seu "terreno" e um de seus "alvos"
privilegiados (ver Cohen,Arato, 1992, esp. Capo 10). Nesse sentido,
h uma conexoevidente entre a importncia das lutas pela
democratizaono interior da sociedade civil e a poltica cultural dos
movi-mentos sociais.
Em terceiro lugar, vrios captulos examinam como a fronteiraentre
sociedade civil e Estado fica embaada muitas vezes nasprticas dos
movimentos sociais latino-americanos. Schildenfatiza a freqente
"transmgrao" das ativistas feministaschilenas das ONGs para o
Estado e vice-versa e chama aindaateno para o fato de que o prprio
Estado estrutura relaesno nterorda sociedade civil, afirmando que
"essa estruturaoconta com recursos culturais importantes da prpria
sociedadecivil". E SIater sustenta que h conexes entre o Estado e
asociedade civil que tornam ilusria a idia de um confrontoou mesmo
de uma delimitao entre os dois como entidadescompletamente autnomas
(Slater, neste volume).
O captulo de Rubin ilustra o modo como as prticas hbridasdos
movimentos sociais tambm desafiam amide as represen-taes dicotmicas
de vida pblica e vida domstica ou privada.
Rubin argumenta que as polticas culturais da COCEI
eramfreqentemente postas em prtica nas "zonas intermediriasde
contamos que eram pouco claros". No mesmo sentido,Diaz-Barriga
(1998) sustenta que as colorias que participamdos movimentos
urbanos da Cidade do Mxico atuam de modosemelhante dentro de
"fronteiras culturais". Afirma ainda queelas "contestavam e ao
mesmo tempo reforavam os significadospolticos e culturais da
subordinao das mulheres, bem comohabitavam um espao social envolto
em ambigidade, ironiae conflito".
OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A TRANS/FORMAODO PBLICO
Vrias concepes do pblico - tais como esferas pblicas,espaos
pblicos e contrapblicos subalternos - foramrecentemente propostas
como abordagens teis para exploraro nexo entre cultura e poltica
nos movimentos sociais contem-porneos (Haberrnas, 1987 e 1988;
Fraser, 1989 e 1993; Cohen,Arato, 1992; Robbins, 1993; Costa, 1994)
e so retrabalhadas eexpostas de vrias maneiras nos captulos que
seguem.
George Ydice afirma que os estudiosos das Amricasprecisam
"enfrentar o desafio de (re)construir a sociedadecivil e, em
particular, as esferas pblicas em disputa nas quaisas prticas
culturais so canalizadas e avaliadas" (1994: 2).Jean Franco (citada
em Ydice, 1994) sugere ainda que devemosexaminar "espaos pblicos"
em vez das esferas pblicas defi-nidas convencionalmente, a fim de
identificar zonas de aoque apresentem possibilidades de participao
dos grupossubordinados que usam e se movem nesses espaos. na
reiapropriao de espaos pblicos tais como centros comerciais,um dos
exemplos de Franco, que se torna possvel aos gruposmarginais
satisfazer necessidades no previstas nos usos conven-cionais de
tais espaos (Ydice, 1994: 6-7). A anlise ql..\eRubinfaz dos
quintais familiares e mercados locais corno locaisimportantes para
a produo de significados sobre cultura,poltica e participao; o uso
pelos ativistas negros colombianosde ambientes fluviais e
florestais; e os usos criativos dos zapatistasdo ciberespao so
ilustrativos da re/construo e apro-priao desses espaos pblicos
pelos movimentos sociais.
41
-
Para apreender o impacto poltico-cultural dos movimentossociais
e avaliar suas contribuies para minar o autoritarismosocial e a
democratizao elitista, no suficiente examinaras interaes deles com
ambientes pblicos oficiais (tais comoparlamentos e outras arenas
polticas nacionais e transnacionais).Devemos ampliar nosso olhar
para abranger tambm outrosespaos pblicos - construdos ou
apropriados pelos movi-mentos sociais - nos quais polticas
culturais so postas emprtica e se modelam as identidades, demandas
e necessidadessubalternas.
Nancy Fraser argumenta persuasivamente que a anlisede Habermas
da esfera pblica liberal traz
uma premissa normativa subjacente, a saber, que o confina-mento
institucional da vida pblica a uma esfera pblica nicae totalmente
abrangente um situao positiva e desejvel, aopasso que a proliferao
de uma multiplicidade de pblicosrepresenta um afastamento da
democracia, em vez de um avanoem sua direo. 0993: 13);
Essa crtica particularmente relevante no caso da AmricaLatina,
onde, mesmo em contextos polticos formalmente demo-crticos, as
informaes, o acesso e a influncia sobre as esferasgovernamentais em
que se tomam as decises polticas queafetam toda a sociedade so
restritos a uma frao muitopequena e privilegiada da populao e
negados s classes eaos grupos subalternos. Uma vez que os
subalternos tm sidohistoricamente relegados ao estatuto de
no-cidados naAmrica Latina - sustentam vrios de nossos autores -,
amultiplicao das arenas pblicas, nas quais a exclusoscio-cultural,
de gnero, racial e econmica, e no apenaspoltica, pode ser
contestada e re-significada, deve ser vistatambm como parte
integrante da expanso e aprofundamentoda democracia.
A proliferao de "pblicos" alternativos dos movimentossociais -
configurados, sugerem vrios de nossos colabora-dores, a partir de
redes ou teias poltico-comunicativas intra eintermovimentos - ,
portanto, positiva para a democracia,no somente porque serve para
"pr em xeque o poder doEstado", ou porque "d expresso" a
"interesses populares"estruturalmente pr-ordenados, como diriam
Diamond e Linz
42
35), mas tambm porque nesses espaos pblicosrnativos que esses
mesmos interesses podem ser continua-te re/construdos. Fraser
conceitua esses espaos alterna-
os como "contra pblicos subalternos", a fim de assinalare eles
so "arenas discursivas paralelas onde membros dospos sociais
subordinados inventam e circulam contradis-rsos, de modo a formular
interpretaes oposicionais deas identidades, seus interesses e
necessidades" (Fraser,93: 14). A contribuio dos movimentos sociais
para a demo-acia latino-americana pode ento ser encontrada tambm
naroliferao de mltiplas esferas pblicas e no apenas emeu sucesso no
processamento de demandas no interior dosblicos oficiais.Como
sustenta Baierle, para alm da luta pela realizao de
interesses, esses espaos tornam possvel o processamento
deconflitos em torno da construo de identidades e a definiode
espaos nos quais esses conflitos podem se expressar. Assimdefinida,
"a poltica incorpora, em seu momento supremo, aconstruo social do
interesse, que jamais dado a priori". ParaPaoli e Telles, as lutas
sociais dos anos 80 deixaram um legadoimportante aos anos 90: elas
criaram espaos pblicos plurais,informais e descontnuos, onde pode
ocorrer o reconhecimentodos outros como portadores de direitos.
Paoli e Telles afirmamque os movimentos populares e operrios
ajudaram igualmentea constituir arenas pblicas nas quais os
conflitos ganham visi-bilidade, os sujeitos coletivos se constituem
como interlocutoresvlidos e os direitos estruturam uma linguagem
pblica quedelimita os critrios pelos quais as demandas coletivas
porjustia e igualdade podem ser problematizadas e avaliadas.
Talcomo Baierle e Dagnino, elas sustentam ainda que essas
novasesferas pblicas de representao, negociao e
interlocuorepresentam um "campo democrtico em construo" queassinala
pelo menos a possibilidade de repensar e expandir osparmetros da
democracia brasileira realmente existente: ~
Como observamos acima, os pblicos com base em movi-mentos ou
inspirados por eles esto marcados por relaes depoder desiguais. Com
efeito, em vez de retratar os movimentossociais como
"intrinsecamente virtuosos do ponto de vistapoltico", como escrevem
Paoli e Telles, vrios de nossos cap-tulos exploram questes cruciais
relacionadas com a represen-tao, a responsabilidade e a democracia
interna no interior
43
-
desses pblicos alternativos construdos ou inspirados
pelosmovimentos sociais. Ainda assim, sustentamos que,
emboracontraditria, a presena pblica continuada mediante a
proli-ferao de teias de movimentos sociais e de pblicos
alternativostem sido um desenvolvimento positivo para a democracia
exis-tente na Amrica Latina. Nesse sentido, concordamos com
aavaliao de Fraser de que:
Os contrapblicos subalternos nem sempre so
necessariamentevirtuosos; alguns deles so explicitamente
antidemocrticos eanti-igualitrios; e mesmo aqueles com intenes
democrticase igualitrias nem sempre conseguem superar a prtica de
seusprprios modos de excluso e marginalizao informal. Aindaassim,
na medida em que surgem em reao excluso nointerior de pblicos
dominantes, esses contra pblicos ajudama expandir o espao
discursivo. Em princpio, os pressupostosque eram antes isentos de
contestao sero agora publicamentequestionados. Em geral, a
proliferao de contrapblicos subal-ternos significa uma ampliao da
contestao discursiva, umaboa coisa em sociedades -estratficadas.
(1993: 15)
Embora o papel supostamente democratizado r dos pblicosse torne
mais problemtico por questes de representatividadee responsividade,
exploradas em vrios de nossos captulos,a crescente imbricao de
pblicos alternativos e oficiais pode,todavia, ampliar a contestao
poltica e de polticas no interiordas instituies da sociedade
poltica e do Estado. Com efeito,como a pesquisa de Dagnino sobre os
militantes de Campinasdemonstra, os participantes de movimentos
sociais dificilmente"do as costas" a partidos e instituies
governamentais. Aocontrrio, seu estudo revela que, enquanto a
grande maioriados cidados brasileiros desconfia dos polticos e
consideraos partidos mecanismos de defesa de interesses
particulares,mais de setenta por cento dos que militam em
movimentossociais pertencem ou se identificam fortemente com um
partidopoltico e acreditam que as instituies representativas
soarenas cruciais para promover a mudana social.
Ainda assim, nossos captulos sugerem que os militantesnegros
colombianos, as feministas na ONU, os lderes domovimento Pan-Maia e
os zapatistas no esto apenas lutandopor acesso, incorporao,
participao ou incluso na "nao"ou no "sistema poltico" em termos
pr-definidos pelas culturaspolticas dominantes. Como sublinha
Dagnino, o que tambm
44
est em jogo para os movimentos sociais de hoje o direitode
participar na prpria definio do sistema poltico, o direitode
definir aquilo no qual querem ser includos.
GLOBALIZAO, NEOLIBERALISMO E APOLTICA CULTURAL DOS
MOVIMENTOSSOCIAIS
Ao encerrar, necessrio levar em considerao os mltiplosmodos
pelos quais a globalzao e o projeto econmico neoli-beral em voga em
toda a Amrica Latina afetaram a polticacultural dos movimentos
sociais em anos recentes. Por umlado, a globalizao e seu conceito
correlato, o transnaciona-lismo (ver o captulo de Lins Ribeiro
sobre essa distino),parecem ter aberto novas possibilidades para os
movimentossociais - por exemplo, facilitando os esforos para
promoveruma poltica de democratizao no-territorial de
questesglobais, como sustenta Slater. Lins Ribeiro acha que as
novastecnologias de comunicao, como a Internet, tornaram
possvelformas novas de "ativismo poltico distncia". E Ydice
observaque embora
a maioria das visoes da esquerda sobre a globalizao
sejapessimista, a volta sociedade civil no contexto de
polticasneoliberais e os usos das novas tecnologias sobre as quais
sebaseia a globalizao abriram formas novas de luta progressistanas
quais o cultural uma arena crucial de luta.
Na Colmbia, as lutas tnicas encontram tambm na globa-lizao do
meio ambiente - em particular, a importncia daconservao da
biodiversidade - uma conjuntura potencial-mente favorvel.
Por outro lado, vrios colaboradores sugerem que a global-zao e o
neoliberalismo no s intensificaram a desigualdadeeconmica - de tal
forma que um nmero cada vez maior deamericanos de ambos os lados do
Equador vive em pobrezaabsoluta, com os do sul privados at da rede
de seguranamnima e sempre precria proporcionadas pelos Estados
demal-estar social do passado -, como redefiniram de
modosignificativo o terreno poltico-cultural no qual os
movimentos
-
sociais devem empreender atualmente suas lutas. Com efeito,as
polticas neoliberais esmagadoras que varreram o continenteem anos
recentes parecem, em alguns casos, ter enfraquecidoos movimentos
populares e abalado as linguagens existentesde protesto, colocando
os movimentos a merc de outrosagentes articuladores, de partidos
conservadores e narcotrficoa igrejas fundamentalistas e consumismo
transnacional. Aviolncia assumiu novas dimenses como modeladora
dosocial e do cultural em muitas regies; classes emergentesligadas
a negcios ilcitos e empresas impulsionadas pelomercado
transnacional ganharam ascendncia social e poltica;e certas formas
de racismo e sexismo se acentuaram em conexocom a mudana na diviso
do trabalho que pe o peso doajuste estrutural sobre as mulheres, os
no-brancos e os pobres.
Est ficando cada vez mais claro que uma dimenso poltico-cultural
importante do neoliberalismo econmico o que sepoderia chamar de
"ajuste social", ou seja, o surgimento emmuitos pases de programas
sociais voltados para aquelesgrupos mais claramente excluds ou
vitimizados pelas polticasde ajuste estrutural. Seja o FOSIS (Fondo
de Solidariedad eInversin Social) no Chile, a Comunidade Solidria
no Brasila Red de Solidariedad na Colmbia, ou o
PRONASOL(ProgramaNacional de Solidariedad) no Mxico, esses
programas consti-tuem - sob a curiosa rubrica de "solidariedade" -
estratgiasde ajuste social que devem acompanhar necessariamente
oajuste econmico (ver Cornelius, Craig, Fox, 1994; Graham,1994;
Rielly, 1994). Podemos, de fato, falar propriamente aquide
"aparatos e prticas de ajuste social" (APAS). Com grausdiferentes
de alcance, sofisticao, apoio estatal, ou mesmocinismo, os vrios
APAS no s tornam manifesta mais umavez a propenso das classes
dominantes da Amrica Latinapara experimentar e improvisar com as
classes populares -como sugerimos acima em nossa discusso sobre a
culturapoltica dominante do sculo XX -, como evidenciam seupropsito
de transformar a base social e cultural da mobi-lizao. Isso talvez
fique mais claro no caso do Chile, ondeo processo de refundao do
Estado e da sociedade emtermos neoliberais est mais avanado; com
efeito, o FOSISchileno tem sido saudado como um modelo para
outrospases latino-americanos (ver Schild neste volume).
Como observamos no incio deste captulo, o neoliberalismo um
concorrente poderoso e ubquo na disputa contempornea
elo significado de cidadania e pelo projeto de democracia.p f" d
.programas como o FOSIS uncionam cnan o novas categoriasde clientes
entre os pobres e introduzindo novos discursos. dividualizadores e
atomizadores, tais como o do "desenvolvi-in di"mento pessoal", da
"capacitao para o auto- esenvo vimento ,da "auto-ajuda", da
"cidadania ativa" e similares. Esses discursospretendem mais do que
o auto-gerenci~mento da pobreza. Deuma maneira aparentemente
foucaultiana (ver o tratamentoque Ydice, Slater e Schild do ao
conceito de "governa menta-bilidade" de Foucault), eles parecem
introduzir novas formasde auto-subjetivao, formao de identidades e
disciplina.Os participantes desses programas acabam se vendo nos
termosindividualizadores e economicistas do mercado. Os APASpodem
assim despolitizar a base para a mobilizao. Esseefeito facilitado s
vezes por ONGs profissionalizadas queem muitos casos atuam como
mediadoras entre o Estado e osmovimentos populares.
Porm, devemos ser cautelosos, quando confrontados poresses
desenvolvimentos, para evitar o catastrofismo. Paracomear, nada
assegura que o modelo chileno ser exportadocom sucesso para outros
pases - ou continuar a ter xitono Chile - e no h garantias de que o
efeito da desmobili-zao ser permanente. Com certeza, formas de
resistnciaaos APASficaro cada vez mais claras. Schild sustenta que
nopodemos prever "que forma a identidade do cidado 'rnercadi-zado'
de hoje poder assumir, ou em que contextos essa iden-tidade
assumida por diferentes grupos sociais", mas mesmoassim, insiste
que "os termos em que a cidadania pode seradotada, contestada e
disputada esto predeterminados" pelaofensiva cultural-econmica do
neoliberalismo. Em contraste,Paoli e Telles sublinham que o
neoliberalismo no umprojeto coerente, homogneo ou totalizador; que
a lgicapredominante do ajuste estrutural est longe de ser
inevitvel;e que precisamente nos interstcios gerados por essas
contra-dies que os movimentos sociais articulam. s vezes
suaspolticas. Contudo, permanece o fato de que o neoliberalismoe a
globalizao transformam significativamente as condiessob as quais a
ao coletiva pode acontecer.
Em que medida as reformulaes neoliberais da cidadaniae da
democracia, bem como a agora dominante conceporestrita das polticas
socias encarnada nos novos APAS,produzem
47
-
reconverses culturais importantes? Em que medida os
grupospopulares e outros movimentos sociais sero capazes denegociar
ou utilizar parcialmente os novos espaos sociaise polticos abertos
pelos APAS ou pela celebrao professadapelo neoliberalismo da
"sociedade civil"?
Por fim, devemos levantar uma questo relativa possibili-dade de
que as novas condies ditadas pela globalizaoneoliberal possam
transformar o prprio significado de "movi-mento social". O que
conta como movimento social est sendoreconfigurado? Os movimentos
sociais esto refluindo nocontexto aparentemente desmobilizador das
polticas de ajusteestrutural e dos APAS? No deveramos olhar
criticamentepara a participao de muitas organizaes e ONGs,
antesprogressistas, nos aparatos de ajuste social? Alguns denossos
captulos propem respostas preliminares a essasquestes
prementes.
Com efeito, tarefa especialmente urgente investigar asrelaes
entre as verses reoliberais de cidadania, ajustesocial e a poltica
cultural dos movimentos sociais. Sem dvida,o que est em jogo muito
importante e para ns - intelectuais,estudiosos e militantes
intelectuais -, se imbrica com nossapercepo do mundo e do estado
atual de nossas tradies deconhecimento. Nesta antologia, o que
tentamos desenvolver uma indagao coletiva que possa nos permitir
avaliar simulta-neamente ambos: refernciais tericos e as questes
polticasque esto em jogo.
(Traduo de Pedro Maia Soares, revista pelos autores)
NOTAS
1 Uma exceo recente e importante Darnovsky, Epstein e Flacks,
1995.Essa antologia se concentra nos movimentos sociais
contemporneos nosEstados Unidos e abriga principalmente debates
relativos a "polticas de iden-tidade" e democracia radical.2 Mas
enquanto alguns pedem o abandono de "cultura", a maioria dos
antro-plogos crticos ainda acredita que tanto o trabalho de campo
como o estudode culturas continuam a ser importantes e, talvez,
prticas analticas, metodo-lgicas e polticas exemplares para
examinar o mundo no presente, mesmoque trabalho de campo e cultura
- em seus modos reflexivos, ps-estrutu-ralistas - sejam entendidos
agora de maneira significativamente diferentede at apenas uma dcada
atrs. Na medida em que a cultura continua a serum espao para o
exerccio do poder e dada a fora persistente das diferenas
culturais, apesar da globalizao, a teorizao da cultura e o
trabalho decampo continuam a ser projetos intelectuais e polticos
vigorosos.3 O "descentramento" e o deslocamento associados cultura
e ao discursivode que Hall fala se originam no fato de que o
significado jamais pode sertotalmente fixado, que qualquer
interpretao da realidade pode ser semprecontestada. Temos ento uma
tenso permanente entre uma "realidade material"que parece slida e
estvel e a sempre cambiante semiose que lhe d sentidoe que, a longo
prazo, o que torna o material real para as pessoas concretas.Essa
tenso, bem conhecida dos filsofos e antroplogos herrneneutas,
teste-munhou uma srie de reelaboraes desde o rompimento da diviso
base!superestrutura. O ps-estruturalismo foucaultiano foi o
primeiro a introduzira diviso entre formaes, afirmaes e
visibilidades discursivas e no-discursivas,com o discurso
organizando e incorporando o no-discursivo (instituies, eco-nomias,
condies histricas e assim por diante). Laclau e Mouffe
(1985)tentaram radicalizar o insight foucaultiano dissolvendo a
distino e afirmandoa natureza fundamentalmente discursiva da
realidade social. Para eles, noh materialidade que no seja mediada
por discurso e no h discurso queno esteja relacionado
materialidade. Assim, a diferenciao entre o materiale o discursivo
s poderia ser feita, se tanto, com propsitos de anlise.4 A cultura
poltica ocidental no evidentemente uma entidade monoltica.Mas quer
se refira democracia de elite ou participativa, liberalismo
oucomunitarismo, concepes neoconservadoras ou de bem-estar social,
serosempre concepes disputadas dentro dos limites estabelecidos
pela culturapoltica na histria do Ocidente moderno (Cohen, Arato,
1992).5 por isso que no concordamos com a opinio amplamente
difundida querestringe o alcance dos movimentos sociais ao
aprofundamento do imaginriodemocrtico do Ocidente. Rejeitar as
idias de sujeito unitrio e espaopoltico nico, como Mouffe (1993)
quer que faamos ao endossar o ant-essen-cialismo pode exigir jogar
fora mais traos da modernidade do que ela e amaioria dos tericos
polticos europeus e euro-amercanos parecem estarpreparados para
conceder. Da mesma forma, ao mesmo tempo em que concor-damos com o
fato de que os movimentos sociais so um "trao essencial deuma
sociedade civil vital e moderna", discordamos da afirmao de que
elesno devem ser vistos como "prefigurando uma forma de participao
doscidados que ir ou dever substituir os arranjos institucionais da
democraciarepresentativa" (Cohen, Arato, 1992: 19). Na Amrica
Latina, que se caracte-riza por culturas hbridas e uma diferenciao
precria entre Estado, economiae sociedade civil, e onde o
convencionalmente poltico raramente cumpriuo papel que lhe foi
confiado, a normatividade e a estruturao que os tericoseuropeus e
norte-americanos querem sustentar so tnues e problemticas,na melhor
das hipteses. Achamos mais interessante, por exemplo, a hipteseda
existncia de mbitos subalternos da poltica, paralelos esfera
dominantee articulados por diferentes prticas e idiomas de protesto
(Guha, 1988).6 Para uma viso exaustiva da literatura existente
sobre as relaes dos movi-mentos com os partidos e o Estado na
Amrica Latina, ver Foweraker, 1995.7 Reavaliaes recentes da teoria
da mobilizao de recursos (RM) levaram osestudiosos a explorar ao
mesmo tempo os lados institucional, estrutural e cul-tural-simblico
dos movimentos sociais. Os tericos da RM reconhecem cadavez mais
que os processos culturais - tais como os "marcos de ao coletiva"de
Tarrow (1992), "incentivos de identidade" de Friedman e McAdam
(1992),"politizao das apresentaes simblicas da vida cotidiana"
(1992) e a"transformao de significados hegemnicos e lealdades de
grupo" (Mueller,1992: 10) - esto intimamente entrelaados com o
desdobramento das
-
oportunidades polticas e das estratgias dos movimentos sociais.
Caro IMcClurgMuel1er resume bem essa nova direo de pesquisa ao
destacar como, enquantoo ator racional economicista da teoria da
mobilizao de recursos minimizavao papel das idias, crenas e
configuraes culturais, o novo ator do movi-mento social constri os
significados que designam, desde o incio, os tiposrelevantes de
queixas, recursos e oportunidades (1992: 21-22). Ver, desde oincio,
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