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http://www.uem.br/acta ISSN printed: 1806-2636 ISSN on-line:
1807-8672
Acta Scientiarum
Doi: 10.4025/actascieduc.v34i2.17497
Acta Scientiarum. Education Maring, v. 34, n. 2, p. 157-168,
July-Dec., 2012
Histria da Educao no Brasil: a escola pblica no processo de
democratizao da sociedade
Marisa Bittar1* e Mariluce Bittar2 1Departamento de Educao,
Centro de Educao e Cincias Humanas, Universidade Federal de So
Carlos, Via Washington Luis, km 235, 13565-905, So Carlos, So
Paulo, Brasil. 2Programa de Ps-graduao em Educao, Universidade
Catlica Dom Bosco, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. *Autor
para correspondncia. E-mail: [email protected]
RESUMO. Analisam-se neste artigo aspectos da histria da Educao
no Brasil relacionados consolidao da escola pblica e s polticas
educacionais. O perodo demarcado inicia-se com a dcada de 30 do
sculo XX, poca em que a organizao e implantao de um sistema escolar
pblico no Pas tornou-se condio sine qua non para o seu
desenvolvimento socioeconmico, e se estende aos anos 2000 com a
consolidao da democracia e do Estado de Direito no Brasil. Foram
utilizadas fontes documentais elaboradas por rgos governamentais e
entidades cientficas bem como a bibliografia produzida por
pesquisadores da rea. Os dados mostram que ao longo do perodo houve
expanso em todos os graus de ensino, contudo, continuam persistindo
traos de elitismo e excluso. Alm disso, verifica-se contraste entre
a qualidade da Ps-Graduao e a da escola pblica, que no tem cumprido
a sua funo essencial. Tais concluses evidenciam a necessidade de
resoluo desses problemas a fim de que se avance na prpria
democracia no Pas. Palavras-chave: histria da educao brasileira,
escola pblica, democracia.
History of Education in Brazil: the public school in the process
of democratization of society
ABSTRACT. This paper analyzes aspects of the history of
education in Brazil related to the consolidation of public schools
and educational policies. The period marked begins with the 1930s,
a time when the organization and implementation of a public school
system in the country has become a condition for the socio-economic
development, and extends to the 2000s with the consolidation of
democracy and the rule of law in Brazil. It is based on documentary
sources developed by governmental and scientific organizations and
the literature produced by researchers. The data show that over the
period there was an increase in all levels of education, however,
continues to persist traces of elitism and exclusion. Moreover,
there is contrast between the quality of graduate and public
school, which has failed its essential function. These findings
highlight the need to solve these problems in order to advance
democracy in the country. Keywords: history of brazilian education,
public school, democracy.
Introduo
Analisam-se, neste artigo1, aspectos da histria da Educao no
Brasil e a consolidao da escola pblica, bem como os vnculos com a
poltica educacional, no perodo de 1930, quando a necessidade de
organizao e de implantao de um sistema pblico educacional no Pas
tornou-se condio sine qua non para o seu desenvolvimento
socioeconmico, at os anos 2000, perodo em que se consolida a
democracia e o Estado de Direito no Brasil. Nesse percurso
histrico, discute-se tambm de que forma a consolidao de um sistema
pblico 1Parte das consideraes elaboradas neste artigo resulta da
pesquisa internacional desenvolvida por pesquisadores do Brasil,
Argentina, Chile, Mxico, Paraguai e Uruguai, denominada Red
Academica Conocimiento y Poltica Educativa en America Latina. O
captulo intitulado Produccin de Conocimiento y Poltica Educativa en
Amrica Latina la experiencia brasilera, elaborado por Mariluce
Bittar, Marisa Bittar e Marlia Morosini, integra o livro
Investigacin educativa y poltica en Amrica Latina, organizado por
Palamidessi, Gorostiaga e Suasnbar, 2012.
de educao no Pas exigiu um forte sistema de pesquisa e
ps-graduao, construdo ao longo das ltimas quatro dcadas, que o
elevou a uma posio de referncia na Amrica Latina, projetando-o no
cenrio mundial.
Com a finalidade de relacionar a construo da escola pblica ao
processo poltico do sculo XX, marcado por ditaduras, e o seu papel
na democratizao da sociedade brasileira, utilizou-se um amplo leque
de fontes documentais, desde as elaboradas por rgos governamentais
s produzidas por entidades cientficas da rea, como tambm a
bibliografia elaborada pela pesquisa em Educao Brasileira nessas
ltimas dcadas.
O texto est organizado em trs partes: na primeira, analisam-se
as disputas ideolgicas das dcadas de 30 a 60 do sculo XX e as
reformas educacionais que marcaram o perodo; na segunda,
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examina-se a expanso da escola pblica no perodo da Ditadura
Militar (1964-1985); na terceira, os anos da redemocratizao e as
polticas educacionais de carter neoliberal.
As reformas educacionais brasileiras no contexto das disputas
ideolgicas durante as dcadas de 30 a 60 do sculo XX
Nas dcadas compreendidas entre 1930 e 1960, o Brasil passou por
mudanas estruturais que incidiram diretamente sobre a construo de
um sistema nacional de educao pblica. No plano estrutural, o Pas
passava por uma transio caracterizada pela acelerao do modo
capitalista de produo, o que ocasionou transformaes
superestruturais, notadamente no aparelho escolar. Em termos
polticos, o perodo est compreendido entre dois processos vinculados
transio de um modelo econmico agrrio-exportador para
industrial-urbano: a Revoluo de 1930 e o golpe de Estado de
1964.
No perodo de 1930 a 1964, rivalizaram-se dois projetos de nao
para o Brasil. O nacional-populista, cuja gnese reportava-se a
Getlio Vargas e que agregou setores progressistas da sociedade
brasileira, defendia a industrializao do Pas base do esforo
nacional, sem comprometer a sua soberania. Por ter nascido
reconhecendo que a questo social no era caso de polcia, mas de
poltica, o projeto getulista contou com apoio dos trabalhadores.
Por sua vez, o projeto das oligarquias tradicionais, ligadas ao
setor agrrio exportador, previa o desenvolvimento econmico
subordinado liderana dos Estados Unidos da Amrica e representava
setores da elite poltica desalojada do poder em 1930, especialmente
os ligados economia cafeeira paulista. A polarizao ganhou fortes
cores ideolgicas oriundas do ambiente poltico internacional,
dominado pela disputa entre dois blocos, o capitalista e o
socialista, de tal forma que a poltica nacional da poca esteve
marcada pelos binmios esquerda x direita, conservadores x
progressistas.
A educao, por exemplo, foi palco de manifestaes ideolgicas
acirradas, pois, desde 1932, interesses opostos vinham disputando
espao no cenrio nacional: de um lado, a Igreja Catlica e setores
conservadores pretendendo manter a hegemonia que mantinham
historicamente na conduo da poltica nacional de educao; de outro,
setores liberais, progressistas e at mesmo de esquerda, aderindo ao
iderio da Escola Nova, propunham uma escola pblica para todas as
crianas e adolescentes dos sete aos 15 anos de idade.
Essa disputa ideolgica atravessou dcadas e reformas educacionais
sem que o poder pblico brasileiro edificasse um sistema nacional de
escolas pblicas para todos.
De fato, durante o perodo de 1930 a 1964, ocorreram vrias
reformas educacionais no Brasil sem que fosse resolvido o secular
problema do analfabetismo e da garantia de pelo menos quatro anos
de escolaridade para todas as crianas, fato que evidencia a forma
como o Estado Nacional conduziu a poltica educacional da poca. Para
se compreender esse aspecto das polticas pblicas no Brasil,
necessrio evocar a Revoluo de 19302, que passou a edificar o Estado
burgus adotando medidas centralizadoras que garantissem a unidade
nacional e a sua presena em setores estratgicos, como na supremacia
sobre o prprio territrio. Foi nesse contexto que logo aps a ascenso
de Getlio Vargas ao poder, em 1930, criou-se o Ministrio da Educao
e Sade Pblica, chefiado por Francisco Campos, que implantou a
Reforma de 1931, precedida por um pedido de Vargas aos educadores
reunidos na IV Conferncia da Associao Brasileira de Educao (ABE)
para que fornecessem ao governo o sentido pedaggico da revoluo. A
Reforma Francisco Campos, como ficou conhecida, teve como
diferencial a criao, pelo menos em lei, de um Sistema Nacional de
Educao, alm de ter criado o Conselho Nacional de Educao, rgo
consultivo mximo para assessorar o Ministrio da Educao. O texto da
Reforma determinou que o ensino secundrio ficasse organizado em
dois ciclos: o fundamental, de cinco anos, e o complementar, de
dois anos. Dessa forma, o ensino secundrio compreendia a
escolarizao imediatamente posterior aos quatro anos do ensino
primrio e tinha carter altamente seletivo.
A seletividade do ensino secundrio e a dicotomia entre ensino
profissional e secundrio ficaram mantidas, favorecendo os filhos da
elite. O primeiro ciclo, de cinco anos, tornou-se obrigatrio para
ingresso no ensino superior; o segundo, de dois anos, em
determinadas escolas. O ingresso ao superior devia guardar
correspondncia obrigatria com o ensino mdio, o que tambm
dificultava o acesso ao ensino superior. A Reforma deixou 2Em 1930,
Getlio Vargas liderou a revoluo que ps fim ao domnio da oligarquia
agrria representada por Minas Gerais e So Paulo e que governou o
Brasil na primeira fase republicana (1889-1930). Dissidente da
oligarquia tradicional, Vargas partiu do Estado do Rio Grande do
Sul e se ps frente do movimento tenentista que convulsionou o
Brasil na dcada de 20, tendo desfecho vitorioso em 1930. Iniciou-se
desde ento a era de Getlio Vargas no Brasil: a) de 1930 a 1934,
governo provisrio; b) de 1934 a 1937, governo eleito pela
Constituinte; c) de 1937 a 1945, ditadura do Estado Novo; e) de
1951 a 1954, eleito pelo voto direto. Vargas instituiu o populismo
e iniciou a etapa da industrializao no Brasil, a qual, por sua vez,
impulsionou a urbanizao, e esta, a presso por educao. Em agosto de
1954, mergulhado em grave crise poltica que almejava sua deposio,
Getlio Vargas cometeu suicdio.
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marginalizados o ensino primrio, o Curso Normal (formao de
professores para atuar no primrio) e os vrios ramos do ensino
profissional, salvo o comercial.
Aspecto inovador da Reforma Francisco Campos foi ter empreendido
a reforma do ensino superior, prevista no Estatuto das
Universidades Brasileiras (BRASIL, 1931), que dispunha sobre a
organizao do ensino superior e adotava o regime universitrio, o
qual previa a criao de universidades, organizadas de forma que
pudessem criar cincia e transmiti-la, alm de servir:
a) pesquisa cientfica e cultura desinteressada; b) formao do
professorado para as escolas primrias, secundrias, profissionais e
superiores; c) formao de profissionais em todas as profisses de
base cientfica; d) vulgarizao ou popularizao cientfica literria e
artstica, por todos os meios de extenso universitria (RIBEIRO,
1986, p. 102).
A influncia do movimento conhecido como Escola Nova nessa
Reforma perceptvel, pois incorporou uma reivindicao exposta no
Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, de 19323, sobre a criao de
universidades, previstas como etapa da escolaridade que acolhesse
os melhores, isto , aqueles dentre os que tivessem cursado a escola
dos sete aos 15 anos e que demonstrassem talento para o curso
universitrio. No mbito da Reforma, mais especificamente no que
preconizava o Estatuto das Universidades Brasileiras, foi
organizada a Universidade do Rio de Janeiro; em 1934, foi criada a
Universidade de So Paulo (USP), com a participao de Fernando de
Azevedo.
Antes das mudanas que viriam a ocorrer em 1937 foi promulgada a
Constituio Brasileira de 1934. Nela, o direito educao, com o
corolrio da gratuidade e da obrigatoriedade tomou forma legal, alm
de ter declarado gratuito o ensino primrio de quatro anos. A Carta
de 1934 consagrou o princpio do direito educao, que deveria ser
ministrada pela famlia e pelos poderes pblicos e o princpio da
obrigatoriedade, incluindo entre as normas que deviam ser
obedecidas na elaborao do Plano Nacional de Educao, o ensino
primrio gratuito e de frequncia obrigatria, extensiva aos adultos,
e a tendncia gratuidade do ensino ulterior ao primrio. Alm disso,
essa Constituio representou
3Trata-se do texto conhecido como Manifesto de 1932, cujo ttulo
original A reconstruo educacional no Brasil: ao povo e ao governo.
Redigido por Fernando de Azevedo, constituiu-se em um dos mais
importantes documentos da educao brasileira e representou a
influncia dos ideais da Escola Nova no Brasil, polarizando com os
ideais da escola tradicional e os interesses da Igreja Catlica. Foi
assinado por 26 intelectuais liberais brasileiros, dentre os quais,
o mais importante para a rea da educao foi Ansio Teixeira, e
influenciou largamente as ideias pedaggicas no Brasil. Em 2012, o
Manifesto est completando 80 anos de existncia e muitas das
reivindicaes ali contidas permanecem atuais.
uma conciliao de interesses no contexto dos conflitos
poltico-ideolgicos da poca. No que diz respeito ao debate
educacional e elaborao da Constituio, esses conflitos ficaram
explcitos entre os renovadores (liberais partidrios dos princpios
da Escola Nova) e os defensores da educao privada, no caso,
representada pela Igreja Catlica.
Com o golpe de Estado que instituiu a ditadura de Vargas
(1937-1945), uma nova Constituio, a de 1937, foi adotada no Brasil,
a qual, no aspecto da educao, transformou em ao supletiva o que
antes era dever do Estado.
Durante a ditadura de oito anos, o governo editou uma das
reformas mais duradouras do Sistema Educacional Brasileiro, as
chamadas Leis Orgnicas do Ensino, mais conhecidas como Reforma
Capanema (1942-1946). Esse conjunto das Leis Orgnicas do Ensino,
editadas de 1942 a 1946, estabeleceram o ensino tcnico-profissional
(industrial, comercial, agrcola); mantiveram o carter elitista do
ensino secundrio e incorporaram um sistema paralelo oficial (Servio
Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Servio Nacional de
Aprendizagem Comercial (Senac)).
A Reforma Capanema incorporou tambm algumas reivindicaes
contidas no Manifesto de 1932, a saber: a) gratuidade e
obrigatoriedade do ensino primrio; b) planejamento educacional
(Estados, territrios e Distrito Federal deveriam organizar seus
sistemas de ensino); c) recursos para o ensino primrio (Fundo
Nacional do Ensino Primrio) estipulando a contribuio dos Estados,
Distrito Federal e dos municpios; d) referncias carreira,
remunerao, formao e normas para preenchimento de cargos do
magistrio e na administrao.
Durante os oito anos do Estado Novo, termo com o qual Vargas
intitulou a sua ditadura, foram criadas vrias entidades e rgos
tanto na esfera da sociedade civil, quanto no mbito da sociedade
poltica em funo de lutas especficas vinculadas s universidades, rea
da educao, ou mesmo ao movimento estudantil. Foi o caso da Unio
Nacional de Estudantes (UNE), fundada em 1937, que combateu a
ditadura. Ao longo dos seus mais de setenta anos de histria, a UNE
marcou presena na vida poltica, social e cultural do Brasil, como:
a) contra a Ditadura de Vargas (1937-1945) e a Ditadura Militar
(1964-1985); b) no movimento das Diretas J, no incio dos anos 1980;
c) na campanha do impeachment do presidente Fernando Collor de
Mello, em 1992. Durante a dcada de 90, [...] foi um dos principais
focos de resistncia s privatizaes e ao neoliberalismo que marcou a
Era FHC (UNE, 2012), ou seja, o perodo de 1995-2002.
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Em janeiro de 1937, mesmo ano de criao da UNE, fundou-se o
Instituto Nacional de Pedagogia (INEP)4, que, atualmente, figura
como um dos mais importantes rgos de disseminao de informaes
educacionais e trabalha por meio da constituio de Comisses de
Especialistas designados entre os pesquisadores da comunidade
acadmica, para contriburem com a formulao das polticas educacionais
e de implementao dos processos de avaliao em todos os nveis
educacionais. Com a criao do INEP, iniciaram-se no Pas as bases
para a o desenvolvimento de atividades de pesquisa e de investigao
na rea da educao, mais tarde implementadas pelos Centros Regionais
de Pesquisa.
Terminada a ditadura Vargas, fato que coincidiu com o final da
Segunda Guerra Mundial, o Brasil editou a sua quarta Constituio
republicana (1946), que consagrou os direitos e garantias
individuais e assegurou a liberdade de pensamento. Demons-trando
tendncia progressista e aproximando-se da Constituio de 1934 e dos
princpios do Manifesto de 1932, essa Constituio reafirmou o direito
de todos educao, obrigatoriedade e gratuidade do ensino primrio.
Esses princpios progressistas, no entanto, no garantiram a
universalizao sequer da escola primria para todas as crianas
brasileiras, ou seja, a sequncia de reformas que vimos,
especialmente nos seus aspectos mais democrticos, pouco saa do
papel. Alis, um trao recorrente das polticas educacionais
brasileiras: incorporao de princpios democrticos que no chegam a
ser postos em prtica. A Constituio de 1946, por outro lado, previu,
pela primeira vez, a elaborao de uma lei especfica para a educao
brasileira: a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB), que viria
a ser aprovada apenas em 1961.
Antes, porm, no ano de 1948, no transcorrer do governo Eurico
Gaspar Dutra (1946-1950) e no contexto de manifestaes nacionalistas
e democrticas, foi criada a Sociedade Brasileira para o
4O INEP passou por vrias transformaes, desde a sua criao. No
incio, constituiu-se como o primeiro rgo do governo federal a
estabelecer-se como [...] fonte primria de documentao e investigao,
com atividades de intercmbio e assistncia tcnica. Em 1944, criou a
Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos (RBEP). Em 1952, sob a
presidncia de Ansio Teixeira, priorizou o trabalho de pesquisa, []
como um meio de fundar em bases cientficas a reconstruo educacional
do Brasil. Nessa poca, foram criados o Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros Regionais de Pesquisa,
que funcionaram como importantes centros de estudos e pesquisas
educacionais em algumas regies brasileiras, adquirindo projeo
nacional e internacional. Em 1981, lanou a Revista Em Aberto, para
assessorar internamente o MEC, mas posteriormente passou a atender
s necessidades de [...] professores e especialistas fora da
estrutura do MEC. Em 1985, retirou-se da funo de fomento para
retomar seu papel bsico de suporte s decises do MEC. No governo de
Fernando Collor de Mello (1990-1992), o INEP quase foi extinto, mas
aps essa fase, ainda no incio dos anos 1990, [...] atuou como
financiador de trabalhos acadmicos voltados para a educao. Aps
1995, tornou-se responsvel pelos levantamentos estatsticos e pelas
informaes educacionais que efetivamente orientassem [] a formulao
de polticas educacionais do Ministrio da Educao. No governo de Luiz
Incio Lula da Silva, passou a denominar-se Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP, 2012, p.
5).
Progresso da Cincia (SBPC), entidade cientfica integrada por
pesquisadores de todas as reas de conhecimento, sobretudo fsicos e
engenheiros. Iniciou-se, desde ento, a organizao das primeiras
reunies anuais e a publicao da Revista Cincia e Cultura, porta-voz
da SBPC. A Sociedade teve papel importante ao longo desses mais de
sessenta anos de existncia, especialmente no perodo de luta contra
a ditadura militar, reunindo uma diversidade de pesquisadores e
associaes cientficas, destacando-se nas discusses sobre as polticas
cientficas do Pas.
Os anos 1950 marcaram a criao de vrias agncias de fomento
pesquisa e cincia brasileiras; iniciava-se, em 1951, um novo
governo de Getlio Vargas, dessa vez eleito pelo povo. De acordo com
a sua plataforma nacionalista, a construo de uma nao desenvolvida e
independente exigia uma poltica cientfica e de pesquisa para o Pas.
Assim, no primeiro ano do novo mandato, criou-se o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq),
vinculado ao Ministrio de Cincia e Tecnologia, com a funo de
fomentar o desenvolvimento cientfico e tecnolgico no Pas. No mesmo
ano, teve origem a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior (Capes)5, que atualmente desenvolve atividades
relacionadas:
[...] avaliao da ps-graduao stricto sensu; ao acesso e divulgao
da produo cientfica; ao investimento na formao de recursos humanos
de alto nvel no Pas e no exterior; promoo da cooperao internacional
(CAPES, 2012).
No governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), o Pas entrou de
forma mais intensa na fase do nacional-desenvolvimentismo. Sob a
influncia dessa ideologia, foi criado o Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (ISEB), vinculado ao Ministrio da Educao e
Cultura (MEC), reunindo [...] intelectuais de distintas orientaes
tericas e ideolgicas (TOLEDO, 2005, p. 11)6, com o
5No incio, a Capes tinha como objetivo [...] atender s
necessidades dos empreendimentos pblicos e privados que visam ao
desenvolvimento do Pas. Alm disso, a [...] industrializao pesada e
a complexidade da administrao pblica trouxeram tona a necessidade
urgente de formao de especialistas e pesquisadores nos mais
diversos ramos de atividade: de cientistas qualificados em Fsica,
Matemtica e Qumica a tcnicos em finanas e pesquisadores sociais. A
Capes passou por diversas mudanas, chegando a ser extinta no
governo Fernando Collor de Mello, em 1990. Em 1992, ela se tornou
Fundao Pblica e, em 1995, primeiro ano do governo de Fernando
Henrique Cardoso, fortaleceu-se como [...] instituio responsvel
pelo acompanhamento e avaliao dos cursos de ps-graduao stricto
sensu brasileiros. Naquele ano, o sistema de ps-graduao ultrapassou
a marca dos mil cursos de Mestrado e dos 600 de Doutorado,
envolvendo mais de 60 mil alunos (CAPES, 2012, p. 3). 6Para Caio
Navarro de Toledo, o Instituto foi criado para servir de
instrumento para uma ao eficaz no processo poltico do Pas. Reuniu
intelectuais de distintas convices ideolgicas, incluindo o
marxismo, que acreditavam ser possvel, por meio do debate e do
confronto de ideias, formular um projeto ideolgico comum para o
Brasil. Em um contexto de polarizao ideolgica, o
nacional-desenvolvimentismo foi concebido como uma ideologia-sntese
capaz
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Educao Brasileira: de 1930 aos anos 2000 161
Acta Scientiarum. Education Maring, v. 34, n. 2, p. 157-168,
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objetivo de formular um projeto nacional para o Pas. O Instituto
ficou conhecido por:
[] oferecer cursos a oficiais das Foras Armadas, empresrios,
sindicalistas, parlamentares, funcionrios pblicos, burocratas e
tcnicos governamentais, docentes universitrios e do ensino mdio,
profissionais liberais, religiosos, estudantes, etc.
Distinguindo-se de uma instituio acadmica foi, precipuamente, um
centro de formao poltica e ideolgica, de orientao democrtica e
reformista (TOLEDO, 2005, p. 11).
Na ltima fase do ISEB, seus integrantes procederam a uma reviso
crtica das teses nacionais-desenvolvimentistas. De acordo com Caio
Navarro de Toledo, nessa reviso constatou-se que o,
[...] pas cresceu economicamente com a consolidao do capitalismo
industrial mas no resolveu em profundidade suas graves e histricas
desigualdades sociais e regionais (TOLEDO, 2005, p. 11).
No contexto poltico entre esquerda e direita, nacionalistas
versus entreguistas, no incio dos anos 1960, aps 13 anos de
conflitos ideolgicos e de lutas pela educao pblica brasileira, foi
aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao (Lei n.
4.024, de 1961)7, que incorporou os princpios do direito educao, da
obrigatoriedade escolar e da extenso da escolaridade obrigatria nos
seguintes termos: A educao direito de todos e ser dada no lar e na
escola (Artigo 2); O direito educao assegurado pela obrigao do
poder pblico e pela liberdade de iniciativa particular de
ministrarem o ensino em todos os graus, na forma da lei (Artigo 3)
(ROMANELLI, 1986, p. 176).
O retrocesso dessa Lei em relao Constituio de 1946 foi ter
estabelecido casos de iseno pelos quais o Estado no era obrigado a
garantir matrcula:
a) comprovado estado de pobreza do pai ou responsvel; b)
insuficincia de escolas; c) matrcula encerrada; d) doena ou
anomalia grave da criana (ROMANELLI, 1986, p. 174).
de levar o pas atravs da ao estatal (planejamento e interveno
econmica) e de uma ampla frente classista superao do atraso
econmico-social e da alienao cultural (TOLEDO, 2005). 7A primeira
LDB do Pas tramitou no Congresso Nacional de 1948 a 1961. Na
primeira fase, de 1948 a 1958, o projeto apresentado pelo Ministro
da Educao, Clemente Mariani, foi alvo da polmica centrada no
aspecto da centralizao ou da descentralizao da Poltica Nacional de
Educao. Nessa poca, o deputado federal Gustavo Capanema, do Partido
Social Democrtico (PSD), ex-Ministro da Educao, acusava o projeto
de ser centralizador. Com hegemonia conservadora no Congresso
Nacional, em 1958 o deputado Carlos Lacerda, da Unio Democrtica
Nacional (UDN), apresentou um substitutivo ao anteprojeto,
deslocando o foco da discusso para a liberdade de ensino,
rejeitando a centralizao e propondo que o Estado outorgasse
igualdade de condies s escolas oficiais e particulares (ROMANELLI,
1986). Segundo alegava, o Estado pretendia o monoplio sobre o
ensino. Esses debates no Congresso Nacional suscitaram, em 1959, o
incio da Campanha em Defesa da Escola Pblica, liderada por
Florestan Fernandes e Fernando de Azevedo, com centro na
Universidade de So Paulo (USP). A Campanha insurgiu-se contra o
substitutivo de Carlos Lacerda. Ainda em 1959, foi publicado um
Manifesto em favor da escola pblica, redigido por Fernando de
Azevedo, que tratava do aspecto social da educao e dos deveres do
Estado democrtico.
No que se refere estrutura do ensino, a Lei manteve a herana da
Reforma Capanema: pr-primrio; primrio; mdio, subdividido em dois
ciclos (tcnico e secundrio); superior. Da afirmar-se que a Reforma
Capanema teve carter duradouro que as outras reformas no
tiveram.
Depois de uma profuso de debates e com instituies ativas na rea
da educao como a UNE, INEP e SBPC, o Brasil chegou dcada de 60 do
sculo XX com quase 40% de analfabetismo, o que evidencia a
ineficincia das reformas, o seu carter retrico e a omisso do Estado
no cumprimento efetivo das leis que ele prprio editara. Os nmeros
expressam que pouco havia mudado: em 1940, a taxa de analfabetismo
no Brasil era de 56,0%; em 1950, era de 50,5% e, em 1960, 39,35%
(RIBEIRO, 1986).
Em uma sociedade com quase a metade de sua populao analfabeta,
quem eram os alunos e quem eram os professores? Os primeiros eram
os que conseguiam superar todos os obstculos para chegar at escola,
uma vez que o Brasil era predominantemente rural e escolas nas
fazendas eram raras. Esse era o mais forte obstculo escolarizao8.
Urbanizao e escolarizao, portanto, so dois fenmenos que precisam
ser considerados conjuntamente na histria do Brasil.
Diante da alta taxa de analfabetismo (39,35%) no Brasil na dcada
de 60, teve incio a experincia de educao popular, dentre as quais
se destacou o mtodo de alfabetizao de adultos de Paulo Freire. Com
o apoio da Unio Nacional dos Estudantes (UNE) e de uma parte da
Igreja Catlica que aderiu Teologia da Libertao, o educador
pernambucano comeou a alfabetizar segundo a sua mxima: [...] educao
como prtica da liberdade (FREIRE, 1978, p. 1). Coerente com essa
teoria e com a sua compreenso do Brasil, Paulo Freire preconizava
que, ao enorme contingente que nunca pisara o cho de uma escola, no
bastaria apenas alfabetizar com mtodos convencionais. Ao contrrio,
no processo da alfabetizao, ao mesmo tempo em que se deveria
fornecer aos adultos desescolarizados o instrumental da escrita,
seria necessrio fornecer-lhes tambm as ferramentas para interpretar
o mundo, ou melhor, para ler o mundo. Contudo, a sua inovadora
atuao, que no futuro seria reconhecida mundialmente, foi
interrompida em abril de 1964.
Essas caractersticas da educao brasileira, herdeira de trs
sculos de escravido e com as suas escolas de elite, trazem mente as
palavras de 8Foi depois de 1930 que a demanda por escolarizao
comeou a crescer no Brasil, como consequncia do projeto econmico
implantado pelo governo de Getlio Vargas, pautado na
industrializao. Antes disso, vivendo a maioria da populao na rea
rural, em um pas recm-liberto da escravido sem qualquer poltica
indenizatria ou compensatria, alm de manter a estrutura agrria de
produo, a necessidade de escolas era pouco percebida.
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July-Dec., 2012
Manacorda (1989, p. 41), para quem, desde que a sociedade se
dividiu em dominantes e dominados, [...] para as classes excludas e
oprimidas [...], nenhuma escola.
A expanso da escola pblica brasileira durante o regime militar
(1964-1985)
A poltica educacional da ditadura militar, instituda em 1964,
por meio de um golpe de Estado9, provocou mudanas estruturais na
histria da escola pblica brasileira. Para alguns, um fato
paradoxal, pois, como se explica que exatamente durante um regime
autoritrio que prendeu, torturou e matou seus opositores, a escola
pblica tenha se expandido? A resposta deve ser buscada na prpria
base produtiva do modelo econmico instaurado pelos governos
militares. A consolidao da sociedade urbano-industrial durante o
regime militar transformou a escola pblica brasileira porque na
lgica que presidia o regime era necessrio um mnimo de escolaridade
para que o Pas ingressasse na fase do Brasil potncia, conforme
veiculavam slogans da ditadura. Sem escolas isto no seria possvel.
Entretanto, a expanso quantitativa no veio aliada a uma escola cujo
padro intelectual fosse aceitvel. Pelo contrrio: a expanso se fez
acompanhada pelo rebaixamento da qualidade de ensino, segundo a
maioria dos estudiosos. imperioso constatar, porm, que a expanso,
em si mesma, foi um dado de qualidade, pois se qualidade e
quantidade so duas categorias filosficas que no se separam, o fato
de as camadas populares adentrarem pela primeira vez em grande
quantidade na escola pblica brasileira constituiu-se em um dos
elementos qualitativos dessa escola. Em outras palavras: se no
passado a escola pblica brasileira era tida como de excelente
qualidade, no se pode esquecer que essa qualidade implicava na
excluso da maioria.
A ditadura militar, ancorada no pensamento tecnocrtico e
autoritrio que acentuou o papel da escola como aparelho ideolgico
de Estado, editou um rol de medidas consubstanciadas, basicamente,
em duas reformas educacionais que mudaram a face da educao
brasileira. A primeira delas foi a Reforma Universitria10, de 1968,
que adequou a 9Esse golpe destituiu, em 31 de maro de 1964, o
governo do presidente eleito Joo Goulart, filiado politicamente ao
nacional-populismo. Durante o perodo decorrido aps 1930, as foras
polticas predominantes no Brasil se dividiram entre os que apoiavam
o projeto poltico-econmico nacional-populista, como trabalhadores e
setores da classe mdia, e os conservadores, como latifundirios e
oligarquias tradicionais. Quando a conjuntura internacional se
polarizou em consequncia da Guerra Fria, no perodo aps 1945, essas
foras direita, alegando que o Brasil caminhava para o comunismo,
tramaram o golpe de Estado que acabou sendo desfechado pelo
Exrcito, colocando fim ao nacional-populismo e subordinando o Pas
poltica norte-americana. 10A Reforma Universitria (Lei n.
5.540/1968) foi consequncia do trabalho de um grupo de
especialistas, atendendo a uma determinao do general Arthur da
Costa e Silva, ento presidente do Brasil, e foi realizada em curto
prazo. Isso
universidade ao modelo econmico preconizado pelo regime,
instituindo os departamentos, a matrcula por crdito e no mais em
disciplinas, a extino da ctedra, etc. Inspirada no princpio de
organizao da universidade norte-americana, essa Reforma, realizada
em contexto de represso poltica, de um lado, instituiu o modelo da
eficincia e produtividade e, de outro, o controle sobre as
atividades acadmicas. A represso se abateu principalmente sobre o
movimento estudantil organizado pela UNE, proibido de qualquer
manifestao de carter poltico. Foram atingidos tambm os professores
universitrios e intelectuais que atuavam por uma reforma democrtica
da universidade, que na poca era acessvel apenas a uma pequena
parcela da sociedade brasileira.
A relao da Reforma Universitria com a escola pblica encontra-se
na conexo estabelecida entre os cursos para formar professores e a
facilitao da expanso do ensino superior privado. Nesses cursos,
muitos dos quais noturnos, comearam a ser titulados os novos
professores para a escola pblica brasileira. Outra consequncia da
poltica educacional da ditadura militar consistiu na formao de uma
nova categoria docente que veio a substituir aquela que at ento era
formada nas poucas instituies universitrias ou nos Cursos Normais.
Desse novo contexto, nasceu uma categoria massiva que, pela condio
de vida e de trabalho a que seria submetida, logo iria se organizar
em sindicatos, um fenmeno tpico do novo professorado e inteiramente
distinto do perfil dos professores brasileiros at a dcada de
60.
Tendo feito a Reforma antes que outros a fizessem, expresso que
indicava o temor dos militares quanto fora do movimento estudantil
da poca, a ditadura militar editou tambm a reforma do ensino
fundamental conhecida como Lei n. 5.692, de 1971, transformando o
antigo curso primrio, de quatro anos, e o ginsio, tambm de quatro
anos, em oito anos de escolaridade obrigatria mantida pelo Estado,
isto , o ensino de primeiro grau que duplicou os anos de
escolaridade obrigatria.
Com essa reforma, o regime militar pretendeu conferir um novo
carter ao segundo grau de ensino. Com o propsito de lhe conferir
carter terminal e de diminuir a demanda sobre o ensino superior, a
reforma imprimiu-lhe o carimbo de profissionalizante, ou seja,
acabava-se com o ensino mdio de carter formativo,
porque o movimento estudantil estava mobilizado exigindo a
democratizao da universidade brasileira desde o pr-64 e o governo
militar pretendia calar a sua voz. No entanto, embora realizada
pelo Estado autoritrio, acabou incorporando algumas reivindicaes do
perodo anterior ditadura. Essa Reforma mudou a face do ensino
superior no Brasil, instituindo a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e a ps-graduao no mbito universitrio, alm de ter aberto
caminho para a expanso do ensino privado.
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Educao Brasileira: de 1930 aos anos 2000 163
Acta Scientiarum. Education Maring, v. 34, n. 2, p. 157-168,
July-Dec., 2012
com base humanstica, para fornecer uma profisso aos jovens que
no pudessem ingressar na universidade.
Quanto ao ensino de primeiro grau de oito anos, a expanso fsica
das escolas foi uma caracterstica dos 21 anos de ditadura. Mas que
escola era essa? Sem dvida, a das crianas das camadas populares; a
escola em que funcionava o turno intermedirio, com pouco mais de
trs horas de permanncia na sala de aula, mal aparelhada, mal
mobiliada, sem biblioteca, precariamente construda, aquela em que
os professores recebiam salrios cada vez mais incompatveis com a
sua jornada de trabalho e com a sua titulao. A escola na qual era
obrigatria a Educao Moral e Cvica, disciplina de carter doutrinrio,
que alm de justificar a existncia dos governos militares, veiculava
ideias preconceituosas sobre a formao histrica brasileira, e na
qual o ensino da Lngua Portuguesa, da Histria, da Geografia e das
Artes ficou desvalorizado.
Quanto expanso quantitativa de matrculas nas escolas pblicas,
alguns dados mostram o que ocorreu aps a Reforma de 1971. Em 1950,
apenas 36,2% das crianas de 7 a 14 anos de idade tinham acesso
escola. Em 1989, os dados indicavam 27.557.492 matrculas no ensino
de primeiro grau pblico ante 3.442.934 no privado. Em 1990, eram
88% (GOLDEMBERG, 1993). O Censo Escolar de 1991-2002 registrou
35.150.362 de matrculas no ensino de primeiro grau, e desse
montante apenas 3.234.777 estavam na rede privada (CENSO ESCOLAR,
2003). O ensino de segundo grau, por sua vez, em 1960, registrava
1.177.427 alunos matriculados (ROMANELLI, 1986). Em 2002, o Censo
Escolar (2003) indicava 8.710.584 de alunos matriculados nesse nvel
de ensino, dos quais 1.122. 970 na rede privada. Apesar desses
avanos quantitativos, a disparidade de matrculas entre um grau e
outro persistia e um grave problema no foi equacionado: o
analfabetismo. Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de
Domiclios (PNAD), de 2003, evidenciaram que,
[...] 10,6% dos brasileiros com dez anos ou mais de idade
declararam-se incapazes de ler e escrever. Esse nmero vem caindo
ano a ano, independentemente de qualquer campanha, pelo simples
fato de que a maioria dos analfabetos no Brasil so idosos. Aos 14
anos, o analfabetismo no Brasil se limita a 2% da faixa etria, e o
total cai naturalmente medida que vo minguando as geraes mais
antigas (SCHWARTZMAN, 2005, p. 41).
Os dados indicam que o mtodo de alfabetizao de adultos criado
por Paulo Freire foi interrompido pela ditadura, que instituiu
carssimas campanhas de
alfabetizao, dentre as quais a do Movimento Brasileiro de
Alfabetizao (Mobral), um verdadeiro fracasso. O pior, porm, foi o
fato de que os governos que sucederam a ditadura tambm no
resolveram esse problema. Alm disso, por no ter cumprido a
universalizao da escola bsica, tarefa realizada pela maioria dos
pases ocidentais na passagem do sculo XIX para o XX, o Brasil
ingressou no sculo XXI com essa vergonhosa herana11.
Em termos de polticas de desenvolvimento cientfico e tecnolgico,
importante registrar a criao, no incio da dcada de 60, da Fundao de
Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp)12, a primeira de uma
srie de fundaes estaduais de apoio pesquisa que foram sendo criadas
nos Estados brasileiros, com o objetivo de fomentar a pesquisa
cientfica e tecnolgica no Pas, bem como a criao dos programas de
ps-graduao stricto sensu. No final dos anos 1960, observa-se tambm
o crescimento das Reunies Anuais da SBPC e os embates de cientistas
e intelectuais contrrios ditadura. Nos anos 1970, a SBPC incorporou
cientistas das reas das Cincias Humanas e Sociais e na segunda
metade da dcada de 1980, participou ativamente da transio
democrtica, transformando-se em um [...] frum de discusso de
polticas pblicas para o pas (SBPC, 2012, p. 2).
No campo da pesquisa em Cincias Humanas e Sociais, foram
criadas, em 1976 e 1977, respectivamente, a Associao Nacional de
Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped)13 e a Associao Nacional de
Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais (Anpocs), que
desempenharam papel importante no enfrentamento ditadura militar,
bem como na organizao dos Programas de Ps-Graduao em Educao e em
Cincias Sociais, reunindo pesquisadores de todo o Brasil e sendo
fundamentais no processo de redemocratizao da sociedade brasileira
e da consolidao da pesquisa no Pas.
No final da dcada de 80, no contexto da Assembleia Nacional
Constituinte, aps intenso
11A situao do professorado brasileiro se deteriorou fortemente
desde o arrocho salarial imposto pelo regime e depois foi seguido
de empobrecimento crescente aps o fim da ditadura. Na dcada de 90,
a crise se aprofundou, pois [...] uma parte dos professores pblicos
aderiu a planos neoliberais de demisso voluntria, alm de levas que
abandonaram em massa a profisso pela impossibilidade de subsistirem
do seu prprio trabalho (FERREIRA JNIOR.; BITTAR, 2006, p. 80).
12Outras Fundaes de Pesquisa de maior expresso nacional so a Fundao
de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), de
1964; a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(Faperj), criada em 1980, e a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado
de Minas Gerais (Fapemig), criada em 1985. 13A Anped (2012)
organiza-se por meio de 24 Grupos de Trabalho (GTs) fixos e
comporta em sua estrutura o Frum Nacional de Coordenadores de
Programas de Ps-Graduao em Educao. Alm disso, mantm um peridico
internacional, a Revista Brasileira de Educao (RBE).
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164 Bittar e Bittar
Acta Scientiarum. Education Maring, v. 34, n. 2, p. 157-168,
July-Dec., 2012
processo de discusso e organizao dos mais variados segmentos da
sociedade poltica e da sociedade civil, o Brasil promulgou a sua
nova Constituio (1988). Denominada de Constituio Cidad, a nova
Carta Magna brasileira define em seu artigo 208 que o dever do
Estado com a educao ser efetivado mediante a garantia de ensino
fundamental obrigatrio e gratuito, considerado direito pblico
subjetivo. A efetivao desse direito, um avano em termos de polticas
pblicas educacionais, proporcionou mudanas importantes na educao
pblica brasileira, a seguir analisadas.
A redemocratizao e as polticas educacionais de carter
neoliberal
Conforme anlises anteriores, o perodo dos governos militares
empreendeu a expanso quantitativa da escola que, por sua vez, no
veio acompanhada das condies indispensveis para propiciar a
aprendizagem aos alunos e para cumprir, portanto, a sua funo
essencial. Terminada a ditadura militar, os governos que se
seguiram no cumpriram essa tarefa de interesse nacional. Uma ideia
da situao pode ser obtida observando-se trechos do Relatrio
intitulado Um ensino que tem muito a aprender, elaborado por Jane
Wreford, da Comisso de Auditoria da Inglaterra, que, a pedido do
Instituto Fernand Braudel, passou um ms visitando escolas pblicas
paulistas na Grande So Paulo, em 2002.
Alm de registrar problemas sobre a didtica dos professores, a
falta de foco individual no aluno devido alta carga horria de
trabalho, bem como o grande nmero de faltas, a rotatividade e os
baixos salrios, Jane Wreford acrescentou que nas duas aulas de
Geografia a que assistiu, no havia sequer mapas disposio. As
bibliotecas, com uma nica exceo, estavam trancadas. Embora Fsica,
Qumica e Biologia fossem disciplinas do currculo, os laboratrios
eram raros. Nas salas de aula do ensino fundamental, exceto uma, no
havia livros de leituras para diferentes graus de habilidade, nem
mesmo simples livros de histrias.
Quanto aos pontos positivos, ela realou: a) a merenda, [...] um
grande sucesso, gratuita e apetitosa, preparada na hora, com
ingredientes frescos e de alta qualidade (WREFORD, 2003, p. 5),
tornando as refeies [...] melhores do que na maioria das escolas
britnicas( WREFORD, 2003, p. 5); b) o apoio financeiro, que
aumentou [...] nos ltimos 15 anos (WREFORD, 2003, p. 4), embora
registrando o pouco que se gasta por aluno:
O Brasil gasta apenas 14% do PIB per capita para cada aluno da
escola fundamental e 16% por aluno do
ensino mdio, investimento muito abaixo do valor investido por
muitos pases desenvolvidos e em desenvolvimento (WREFORD, 2003, p.
17)14.
c) a dedicao, o [...] talento dos indivduos que conheci nas
redes municipal e estadual, em todos os nveis, e nos sindicatos.
Conheci pessoas que enfrentam grandes desafios no compromisso de
melhorar o sistema( WREFORD, 2003, p. 6). Ela concluiu o seu
relatrio anotando:
As crianas e jovens que conheci nesta vasta, violenta e catica
periferia so acolhedores, inteligentes e generosos. So um recurso
de que o Brasil precisa cuidar. Eles merecem melhores oportunidades
(WREFORD, 2003, p. 17).
Muito do que est registrado nesse Relatrio herana da poltica
educacional da ditadura militar. Mas no s, pois na dcada de 90,
especialmente desde os dois governos de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB, 1995-1998 e 1999-2002), com a adoo de medidas neoliberais no
mbito do capitalismo globalizado, a escola pblica brasileira
continuou se expandindo quantitativamente, mas a ineficincia do
ensino tem sido constatada pelas avaliaes de desempenho adotadas
pelo Estado desde ento.
Quanto transio poltica que marcou o fim da ditadura militar no
Brasil, ela manteve traos mais conservadores do que de mudana. A
eleio de um presidente de direita, Fernando Collor de Mello (PRN,
1990-1992), depois de vinte e um anos de ditadura e de lutas
democrticas que forjaram lideranas progressistas e de esquerda no
cenrio nacional brasileiro, evidencia que a transio para a
democracia transcorreu de forma conservadora, mantendo traos
estruturais da formao histrica brasileira. O fato mais
significativo ainda porque o derrotado nessas primeiras eleies
diretas para presidente (1989) foi Luiz Incio Lula da Silva, cujo
partido (PT) estava em franca ascenso junto aos movimentos
populares. Por seu lado, envolvido em escndalo de corrupo, Fernando
Collor de Mello no terminou o mandato.
Os dois governos de Fernando Henrique Cardoso adotaram medidas
que expandiram as matrculas na escola pblica15, mas diminuram o
14Em abril de 2002, segundo dados da Secretaria de Estado da Educao
de So Paulo, citados no Relatrio de Jane Wreford, as despesas
anuais por aluno, em todo o sistema, eram de 500 dlares. Os Estados
do Nordeste gastavam menos que 150 dlares por aluno. 15A
universalizao da escola pblica brasileira recebeu impulso no
governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), especialmente no
ensino fundamental que, em 2004, apresentava 94,4% de Taxa de
Escolarizao Lquida. Esse porcentual se deve em grande parte
Constituio Brasileira de 1988 e atual Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (LDB), n. 9.394/1996, que instituiu dois nveis de
ensino: a) Educao Bsica, formada pela Educao Infantil (zero a seis
anos), Ensino Fundamental (7 a 14 anos) e Ensino Mdio (15 a 17
anos); b) Educao Superior. Para Oliveira (2007, p. 674), a LDB
contribuiu para essa universalizao, [...] ao explicitar a
possibilidade de adoo de
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Educao Brasileira: de 1930 aos anos 2000 165
Acta Scientiarum. Education Maring, v. 34, n. 2, p. 157-168,
July-Dec., 2012
papel do Estado na educao superior ocasionando estagnao das
universidades pblicas alm de aposentadorias precoces de professores
que as deixaram para atuar nas universidades privadas, fato que
prejudicou, principalmente, as universidades pblicas federais. Uma
das principais medidas educacionais de seu governo foi desencadear
o processo de elaborao da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao
(LDB), prevista na Constituio Brasileira de 1988. Para Bittar,
Oliveira e Morosini (2008), a aprovao dessa Lei, aps oito anos de
intensos debates no Congresso Nacional:
[...] constituiu-se em um marco histrico importante na educao
brasileira, uma vez que esta lei reestruturou a educao escolar,
reformulando os diferentes nveis e modalidades da educao. [...]
desencadeou um processo de implementao de reformas, polticas e aes
educacionais [...] em vez de frear o processo expansionista privado
e redefinir os rumos da educao superior, contribuiu para que
acontecesse exatamente o contrrio: ampliou e instituiu um sistema
diversificado e diferenciado, por meio, sobretudo, dos mecanismos
de acesso, da organizao acadmica e dos cursos ofertados. Nesse
contexto, criou os chamados cursos seqenciais e os centros
universitrios; instituiu a figura das universidades especializadas
por campo do saber; implantou Centros de Educao Tecnolgica;
substituiu o vestibular por processos seletivos; acabou com os
currculos mnimos e flexibilizou os currculos; criou os cursos de
tecnologia e os institutos superiores de educao, entre outras
alteraes (BITTAR; OLIVEIRA; MOROSINI, 2008, p. 10-11).
Um dos efeitos das reformas educacionais institudas no governo
de Fernando Henrique Cardoso foi a intensificao do processo de
privatizao da educao superior brasileira. Iniciada nos anos da
ditadura militar, especialmente aps a Reforma Universitria de 1968,
a expanso desse nvel de ensino colocou o Brasil como um dos pases
com maior ndice de privatizao na educao superior, na Amrica Latina
e no mundo. O Censo da Educao Superior relativo ao ano de 2008
registra que do total de 2.252 Instituies de Educao Superior (IES),
somente 236 esto vinculadas ao setor pblico, enquanto 2.016 ao
setor privado, ou seja, 90% do total. Com relao s matrculas, do
total de 5.080.056 alunos, 1.273.965 esto frequentando as IES
pblicas, o que representa 25%; enquanto 75%, ou 3.806.091, esto
matriculados em IES privadas16. nesse nvel de mecanismos como os
ciclos, a acelerao de estudos, a recuperao paralela e a
reclassificao, entre outras medidas [...]. 16Para se ter uma ideia
da privatizao da educao superior no Brasil, deve-se verificar os
dados divulgados pelo Censo da Educao Superior, relativo ao ano de
2008, os quais mostram que das dez maiores universidades
brasileiras, em relao ao nmero de matrculas, oito eram privadas e
apenas duas pblicas.
ensino que o Pas ostenta a menor taxa de Escolarizao Lquida,
isto , apenas 13% dos jovens de 18 a 24 anos frequentavam um curso
superior em 2007 (IPEA, 2008). Esse sistema revela tambm que,
apesar de a Constituio Brasileira de 1988 exigir que as
universidades sejam pautadas na indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extenso, apenas 8% das IES que compem o sistema so
caracterizadas como tal, ou seja, 92% do Sistema de Educao Superior
no Brasil constituda por Faculdades, Centros Universitrios, Escolas
Isoladas, entre outros tipos de instituies, que no so obrigadas a
desenvolver polticas de pesquisa e de ps-graduao stricto sensu.
Resta, portanto, aos 8% caracterizados como universidades, o
oferecimento da pesquisa e da ps-graduao; isto significa que a
possibilidade do desenvolvimento da cincia, da tecnologia e do
avano do conhecimento no se estende a todo o sistema.
No que diz respeito ao perodo conhecido como era FHC, a SBPC
(2012, p. 3) entendeu que houve [...] uma tentativa de desmonte do
sistema de cincia e tecnologia e da ps-graduao, mediante as
polticas de privatizao, flexibilizao e desresponsabilizao
implementadas pelo Estado, em consonncia com as orientaes emanadas
dos organismos multilaterais.
Esse processo de expanso e privatizao orientado pela lgica de
que ao Estado caberia regular o sistema, instituiu-se um sistema
complexo de avaliao de todos os nveis de ensino aumentando o seu
controle com a inteno de melhorar a qualidade da educao oferecida,
o que, entretanto, no aconteceu. A poltica de avaliao sistemtica
que passou a ser praticada pelo Ministrio da Educao, por meio do
INEP, possibilitou o conhecimento de dados dos Censos da Educao
Bsica e da Educao Superior e a constatao de que os nveis de
aprendizagem no Pas, na Educao Bsica, eram muito baixos,
necessitando de polticas pblicas mais eficazes para enfrent-los.
Quanto Educao Superior, a constatao centrava-se na extrema
desigualdade de acesso e permanncia, na excluso de milhes de jovens
desse nvel de ensino, em especial negros e indgenas, na privatizao,
e no ensino de baixa qualidade, entre outros.
Depois da instituio das reformas neoliberais na dcada de 90, o
ex-ministro da Administrao Federal e Reforma do Estado do primeiro
governo de Fernando
Em termos de nmeros significa que essas dez universidades
detinham, em 2008, 686.638 matrculas de graduao. As duas pblicas
(Universidade de So Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista
Jlio de Mesquista Filho (Unesp) registravam apenas 82.482
matrculas, inferior primeira (Universidade Paulista (UNIP) que,
isoladamente, mantinha 166.601 matrculas de graduao. Das oito
universidades privadas, apenas uma caracteriza-se como
comunitria/confessional/filantrpica, a Pontifcia Universidade
Catlica de Minas Gerais (PUC-MG), com 34.017 alunos. As outras so
universidades de carter empresarial, com finalidade lucrativa
(BRASIL, 2009).
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166 Bittar e Bittar
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Henrique Cardoso surpreendentemente constatou que,
[...] a estratgia que foi imposta ao Brasil no final dos anos
1980, comeo dos 1990, no funcionou. Falo da estratgia de aceitao de
uma ortodoxia convencional, com o rtulo de modernidade neoliberal,
e a ideia de que se fizssemos as reformas haveria a felicidade
geral da Nao (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 3).
Sobre a ortodoxia convencional, afirmou que ,
[...] o conjunto de diagnsticos, propostas e presses que os
pases mais ricos fazem sobre os pases em desenvolvimento no para
nos ajudar, mas para neutralizar nossa capacidade competitiva
(BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 3).
Indagado sobre a razo de o Brasil estar estagnado desde 1980,
ele respondeu indicando duas razes, uma de ordem poltica, outra
econmica:
A resposta poltica: porque o Brasil perdeu a idia de nao. E
perdeu como? Perdeu ao longo da crise dos anos 80, no acordo feito
nas Diretas-J, no fracasso do Plano Cruzado, na quase hiperinflao
e, claro, no fortalecimento da hegemonia americana ao longo desse
perodo. E a outra resposta: erramos ao fazer rigorosamente o que
nos disseram que era para ser feito (BRESSER-PEREIRA, 2006, p.
3).
A anlise do ex-Ministro surpreende porque durante o seu governo
os que formulavam a mesma crtica eram rotulados de retrgrados.
Quanto ao resultado dessas polticas na rea educacional, pode ser
medido por meio de alguns dados oficias: a) a mdia brasileira no
ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB)17 est abaixo de
quatro numa escala de um a dez; b) 55% das crianas da 4 srie no
possuem o domnio da leitura; c) em 2004, a taxa de reprovao no
ensino fundamental era de 13%; d) hoje, um estudante que termine o
ensino mdio sabe quase o mesmo que um aluno da 8 srie sabia em
1995; e) a mdia de gasto por aluno brasileiro no ensino fundamental
de US$ 500 (quinhentos dlares) por ano; entre os pases da Organizao
para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), a mdia de US$
4.800 (DOSSI ESTADO, 2007). Diante desses nmeros, de se indagar:
que qualidade tem a democracia brasileira?
Em 2003, Luiz Incio Lula da Silva assumiu a presidncia da
Repblica, aps disputar e ser derrotado em trs campanhas eleitorais,
uma para Fernando Collor de Mello e duas para Fernando Henrique
Cardoso. Uma de suas medidas de maior 17O ndice de Desenvolvimento
da Educao Bsica (IDEB) foi criado pelo INEP, em 2007, no governo de
Luiz Incio Lula da Silva. Ele rene, [...] num s indicador, dois
conceitos igualmente importantes para a qualidade da educao: fluxo
escolar e mdias de desempenho nas avaliaes (IDEB, 2012, p.2).
impacto socioeducacional foi ampliar o Fundo de Desenvolvimento
e Manuteno do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio
(Fundef), criado no governo de Fernando Henrique Cardoso e que
destinava recursos aos oito anos do ensino fundamental, para Fundo
de Desenvolvimento e Manuteno da Educao Bsica e de Valorizao do
Magistrio (Fundeb), que abrange a Educao Infantil, o Ensino
Fundamental e o Ensino Mdio. Ao comparar as diferenas entre o
Fundef e o Fundeb, Jos Marcelino Pinto (2007, p. 888) afirma que a
[...] principal concluso a que se chega [...] que o Fundeb resgatou
o conceito de educao bsica como um direito. Alm de o Estado
investir mais em educao bsica com o objetivo de melhorar a sua
qualidade, o governo Lula tambm investiu mais na educao superior
pblica, especialmente no que diz respeito ao acesso, entendido como
estratgia de incluso de camadas com menor poder aquisitivo, a esse
nvel de ensino.
Nesse sentido, foram criadas 14 universidades pblicas federais,
em diversas regies brasileiras, e foi implantado, em 2007, o
Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais (Reuni)18. Para possibilitar e ampliar o
acesso e a permanncia de jovens com menor poder aquisitivo educao
superior nas IES privadas, implantou-se, em 2004, o Programa
Universidade Para Todos (ProUni) (PROUNI, 2012), com bolsas
integrais ou parciais oferecidas pelas IES privadas, alm de prever
cotas a jovens negros ou indgenas. Esse conjunto de medidas mudou o
perfil da educao superior no Pas.
Concluso
Do panorama histrico aqui traado, a concluso a que se pode
chegar a de que foi mais fcil expandir o sistema do que faz-lo
cumprir sua funo de promover aprendizagem s crianas e aos jovens
brasileiros. Nesse incio do sculo XXI, possvel afirmar que o Brasil
tem escolas, mas o problema que elas so precrias. Outra concluso
deste estudo quanto ao contraste entre a pesquisa em Educao que o
Pas conseguiu desenvolver e a qualidade da escola pblica. A
discrepncia tambm visvel no fato de que, a despeito do crescimento
econmico verificado desde os governos de Luiz
18De acordo com o site do MEC, o Reuni tem como [...] principal
objetivo ampliar o acesso e a permanncia na educao superior. O
Programa foi institudo pelo Decreto n. 6.096, de 24 de abril de
2007, no mbito das aes que integram o Plano de Desenvolvimento da
Educao (PDE), constituindo-se numa [...] srie de medidas para
retomar o crescimento do ensino superior pblico, criando condies
para que as universidades pblicas federais promovam a expanso
fsica, acadmica e pedaggica da rede federal de educao superior
(REUNI, 2012, p. 7).
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Educao Brasileira: de 1930 aos anos 2000 167
Acta Scientiarum. Education Maring, v. 34, n. 2, p. 157-168,
July-Dec., 2012
Incio Lula da Silva, o Brasil inicia o sculo XXI com 9,6% de
analfabetismo adulto, o que abrange 14,533 milhes de brasileiros
que no sabem ler nem escrever (ANALFABETISMO, 2010). Assim, apesar
de reformas e lutas em prol da educao, ainda temos tarefas que
deveriam ter sido cumpridas no sculo XIX e, por isso, no haveria
maior homenagem que o Pas pudesse prestar a Paulo Freire do que ter
construdo um sistema escolar pblico, de qualidade e que
proporcionasse as mesmas oportunidades a todas as crianas e jovens
brasileiros. A democracia brasileira continuar carente de contedo
social enquanto esse desafio no for cumprido. Uma populao letrada e
uma escola bsica que cumpra a sua funo de proporcionar aprendizagem
e formao crtica so requisitos indispensveis para a participao na
vida nacional, estabelecendo a relao entre educao e poltica na sua
forma mais plena, tal como preconizado historicamente pela
filosofia grega: a educao para atuao na polis, que deveria romper o
sentido meramente individual, visando o bem comum, isto , da
cidade, o que hoje pode ser entendido como um projeto democrtico de
Nao.
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Received on June 6, 2012. Accepted on June 22, 2012.
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