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Filmes e documentrios de temtica judaica:
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A life apart: Hassidim in America. Documentrio. EUA.
A lista de Schindler (Schindlers list). EUA, 1993.
A vida de Brian (Life of Brian). ING, 1979.
Aproximao (Disengagement). FRA, ISR, 2007.
As loucas aventuras do Rabi Jacob (Les aventures de Rabbi
Jacob). FRA, 1973.
Beijando Jessica Stein (Kissing Jessica Stein). ING, 2001.
Brothers (Ahim). ISR, 2008.
Caminhos da memria: a trajetria dos judeus em Portugal (Caminhos
da memria: a trajetria dos judeus em Portugal). BRA, 2002.
Cantor de jazz (The jazz Singer). EUA, 1927.
Casamento arranjado (Hatuna meuheret). ISR, 2001.
Cdigo de honra (School ties). EUA, 1992.
Competindo com os Steins (Keeping up with the Steins). EUA,
2006.
Deus no tribunal (God on trial). ING, 2008.
Exodus (Exodus). EUA, 1960.
Fievel : um conto americano (Na American tail). EUA, 1986.
Munique (Munich). EUA, 2005.
Nota de rodap (HeArat Shulayim / Footnote). ISR, 2012.
O anjo Levine (The Angel Levine). EUA, 1970.
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O ano em que meus pais saram de frias (O ano em que meus pais
saram de frias). BRA, 2006.
O corpo (The body). EUA, 2000.
O escolhido (ou Os escolhidos, ou A escolha) (The chosen). EUA,
1981.
O filho do outro (Le fils de lautre). FRA, 2012.
O gato do rabino (Le chat Du rabbin). FRA, 2011.
O levante do Gueto de Varsvia (Uprising). EUA, 2001.
O Prncipe do Egito (The Prince of Egypt). EUA, 1998.
O tango de Rashevski (Le tango de Rashevski). FRA, 2003.
Os Dez Mandamentos (The Tem Commandments). EUA, 1954.
Passover fever ( - Leilassede). ISR, 1995.
Promessas de um novo mundo (Promisses). EUA, 2001.
Quando que vamos comer? (When do we eat?). EUA, 2005.
Santa pacincia (The infidel). ING, 2010.
Suzie Gold : judia solteira procura (Suzie Gold). ING, 2004.
Tenha f (Keeping the faith). EUA, 2000.
The quarrel (The quarrel). CAN, 1990.
Trem da vida (Train de vie). FRA, 1998.
Trembling before God (Trembling before God). EUA, 2001.
Um heri do nosso tempo (Va, vis et deviens). FRA, 2005.
Um homem bom (Good). EUA, 2008.
Um homem srio (A serious man). EUA, 2009.
Um violinista no telhado (Fiddler on the roof). EUA, 1971.
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Uma estranha entre ns (A strange among us). EUA, 1992.
Uma vida iluminada (Everything is illuminated). EUA, 2005.
Ushpizin (HaUspizin). ISR, 2004.
Yentl (Yentl). EUA, 1981.
Yippee : alegria de viver (Yippe). Documentrio. EUA, 2006.
Zohan: um agente bom de corte (You dont mess with the Zohan).
EUA, 2008.
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A Orao como Experincia Mstica em Abraham J. Heschel
Alexandre Leone[*] [ [email protected]]
Resumo
Este artigo sobre o tema da orao como experincia mstica na obra
de Abraham J. Heschel. Para entender melhor as idias de Heschel
sobre a orao necessrio que nos voltemos para suas razes no
hassidismo. A comparao entre as fontes hassdicas e o pensamento de
Heschel clarifica a importncia do misticismo na sua filosofia.
Segundo Heschel, a orao a essncia da vida religiosa.
Abstract
This article deals with the issue of prayer as mystical
experience in Abraham J. Heschels writings. In order to understand
Heschels ideas on prayer, it is necessary to turn to his roots in
Hasidim. A comparison between Hasidic sources and Heschels thought
elucidates the importance of mysticism in his philosophy. According
to Heschel, prayer is the essence of religious life.
A obra filosfica e religiosa de Abraham Joshua Heschel (1907
1972) um convite ao reencontro existencial e ao espanto radical com
o mistrio profundo que, segundo o filsofo, o tecido da vida.
Heschel convida o homem moderno a dar um salto existencial, de modo
a abrir-se para o encontro a Presena Divina. nesse aspecto de sua
obra que ele expe de modo mais ntido suas origens hassdicas. A
experincia mstica tem como seu foco e concernncia ltima a vivncia
direta do encontro com a fonte do Sagrado. Tal experincia tem como
objetivo ltimo, nas religies testas, a unio com a Divindade. Essa
unio tem sido descrita e experimentada de vrios modos em diferentes
comunidades religiosas atravs dos sculos. Na Bblia ela descrita
como profecia; no misticismo medieval cristo, islmico e judaico, em
termos de encontro ertico; no misticismo judaico a partir do sculo
XVI como contemplao e absoro na Divindade. De acordo com Rudolf
Otto, a experincia de encontro direto com o Numinoso o centro de
toda experincia religiosa. Heschel denomina o Numinoso de Inefvel.
A experincia religiosa no se resume apenas mstica, h certamente
outras provncias no reino da religio. No entanto, talvez seja
possvel afirmar que o encontro direto com o Sagrado, para alm dos
smbolos e das liturgias comunitrias, representa a dimenso de maior
profundidade existencial na vida religiosa. Ela a seiva viva que
torna possvel a fundao e a renovao dos smbolos, das liturgias e da
comunidade religiosa enquanto comunho diante de Deus. No Judasmo,
mas certamente no apenas nessa tradio religiosa, a orao tem sido h
muito tempo usada como tcnica e exerccio espiritual de encontro com
Deus. Em particular a orao judaica por se caracterizar por longas
recitaes moduladas e por cantilaes repetitivas e, por seu carter
dirio, uma forma de meditao contemplativa. Esse exerccio espiritual
est cada vez distante do ritmo de vida e trabalho dos indivduos na
sociedade moderna. No toa que um dos aspectos da obra de Heschel
como crtico da modernidade seja justamente o de um convite abertura
ao mistrio e transcendncia a partir do reencontro com a dimenso
profunda da orao. nesse aspecto que ele deixa transparecer, de
forma mais ntida, suas razes mstico-hassdicas. Heschel foi um
intrprete e um tradutor dos conceitos da mstica judaica,
especialmente do hassidismo, para a linguagem filosfica do Ocidente
moderno. Isso no significa, no entanto, que sua obra tenha apenas
um contedo mstico. No entanto, enquanto pensador religioso, vrias
das categorias centrais de sua filosofia so melhor entendidas luz
do pensamento e das prticas religiosas do movimento de renovao e
popularizao da mstica judaica que foi o hassidismo.
-
Como sobrevivente daquele mundo, Heschel dedicou-se ao estudo da
experincia religiosa hassdica. Nesse sentido foi reconhecido como
um dos mais importantes estudiosos do hassidismo. Antes dele, o
estudo acadmico da literatura hassdica era praticamente
inexistente. A razo disso era que, por um lado, a literatura
hassdica muito difcil e enigmtica e, pelo outro, pela atitude
negativa que os estudiosos ligados ao Wissenschaft des Jundentums
nutriam em relao ao hassidismo. Para alm dos crculos ligados ao
Wissenschaft des Judentums desde o incio do sculo XX o hassidismo j
havia impressionado e influenciado outros pensadores judeus como
Martin Buber, Gershom Scholem, Jacob Levi Moreno e Walter Benjamin.
Heschel porm, enquanto pesquisador da literatura hassdica, no era
apenas um estudioso distante. Assim como o pensamento de Paul
Tillich ou Gabriel Marcel no pode ser desvinculado de seus
compromissos religiosos, tampouco pode ser a obra hescheliana
desvinculada da experincia religiosa que moldou o carter de seu
autor. Como exemplo da influncia direta do hassidismo da obra
hescheliana est a centralidade dada orao em seus escritos. Em
Heschel a orao um dos trs caminhos propostos ao homem moderno para
a contemplao da Presena Divina. O primeiro o caminho do sentimento
da presena de Deus no mundo; o segundo o caminho do sentimento de
sua presena na Bblia; e o terceiro o caminho do sentimento de sua
presena nos atos sagrados.[1] Citando o Zohar, a mais importante
obra mstica do Judasmo, Heschel escreve que ao primeiro caminho
corresponde a orao, ao segundo o estudo meditativo e, ao terceiro,
a ao humanizadora. A preocupao central da obra hescheliana inspirar
no homem moderno a busca de uma renovao humana baseada no seu
despertar para a profundidade e a oportunidade que a possibilidade
da humanizao. A condio humana, sendo frgil, se no devidamente
cultivada, pode ser perdida. O homo sapiens no tem essa condio como
uma coisa ou uma essncia que lhe garantida para sempre. Ele deve
cultivar sua humanidade a fim de se tornar plenamente humanizado e,
assim, ir alm de sua condio atual, que a de uma humanidade possvel
e ainda no redimida. Isso, porm, s pode se dar na busca da essncia
ltima de seu ser. Essa essncia a Divindade que , tambm, a essncia
ltima da existncia. Em outras palavras, o homem precisa buscar a
transcendncia para poder humanizar-se plenamente. Nesse aspecto, a
obra hescheliana apresenta vrios pontos em comum com a do filsofo
existencialista cristo Gabriel Marcel. Heschel nasceu em Varsvia,
na Polnia, em 1907, era descendente, tanto pelo lado paterno quanto
pelo materno, de longas linhagens de rabinos ligados desde o sculo
XVIII ao hassidismo[2]. Seu pai foi um rebe, o ttulo dado aos
lderes espirituais hassdicos. Entre seus ancestrais poderiam ser
citados o Dov Beer Friedman, o Pregador (Maguid) de Mezritch, (sc
XVIII), mais conhecido como o Grande Maguid e que foi o mais famoso
discpulo direto do fundador do hassidismo, o Baal Shem Tov (sc
XVIII). Outro famoso antepassado de Heschel foi o rebe Abraham
Joshua Heschel de Apt (scs. XVIII e XIX), o Apt Rebe, de quem
Heschel herdou o nome, como era costume entre as dinastias
hassdicas. Pelo lado materno esto entre seus mais famosos
antepassados o rebe Pinkhas de Koretz (sc XVIII) e o rebe Levi
Ytzhak de Berditchev, o Compassivo (sc XVIII). Heschel cresceu em
um ambiente religioso de pietismo mstico, como era corrente nas
comunidades hassdicas da Europa Oriental antes da Segunda Guerra
Mundial. At ento a comunidade tradicional judaica ainda
encontrava-se, em grande parte, pouco influenciada pela modernidade
que tardiamente chegava a essa poro to fechada dentro do mundo
judeu asquenazi. L ainda predominavam as formas tradicionais de
estudo da Tor, recheadas de lendas acerca de grandes rabinos e
mestres do passado. E onde a orao meditativa, o daven, era
largamente praticada. Para os hassidim cada ao humana era imbuda de
um sentido csmico e divino, sendo os seres veculos da manifestao de
Deus. Dois mestres do hassidismo so reconhecidos pelo prprio
Heschel como os que mais o influenciaram: o Baal Shem Tov, que no
sculo XVIII fundou o movimento, e Menahem Mendel de Kotzk, um dos
mais importantes lderes hassdicos do sculo XIX. O prprio Heschel,
em uma de suas ltimas obras, A Passion for Truth (1973, publicada
postumamente), descreve esses dois rabinos com representantes de
dois extremos da
-
concepo hassdica de mundo. Por um lado, o hassidismo se
manifestava como misericrdia, compassiva e alegre; por outro, se
manifestava como sede de justia, indignado com o sofrimento e
ansioso pela redeno da condio humana sofredora. No plo da compaixo
teramos, assim, o Baal Shem Tov reconhecendo a presena divina, A
Shekhin, em todos os seres, eventos e processos da criao. No plo da
justia severa, o Kotzker Rebbe que, indignado com o pecado e a
corrupo, sentia a dor do mundo. Heschel chega a comparar o
sentimento do Kotzker ao de Kierkegaard. A dor indignada gerava no
Kotzker a convocao tarefa do tikun olam, a redeno csmica. O
movimento acedesse inicia-se na primeira metade do sculo XVIII na
Europa Central quando Israel ben Eliezer, o Baal Shem Tov (o Mestre
do Bom Nome), que na poca pregava a fazia curas de aldeia em
aldeia, juntou um grupo de discpulos em torno de uma nova
disciplina religiosa. Essa nova disciplina, o hassidismo (Hassidut,
em hebraico) tinha como um dos seus aspectos centrais uma tcnica
espiritual que visava possibilitar a liberao das vicissitudes do
mundo atravs da unio mstica (devekut) com a Deus. O ensinamento
central do Besht que o ser humano capaz de desprender-se deste
mundo atravs da orao meditativa, o daven. O objetivo do daven
permitir que o indivduo possa atingir a experincia de unidade com a
Divindade. O hassidismo promoveu no Judasmo um novo tipo ideal, o
mstico piedoso, o hassid, em oposio ao intelectual talmdico, o
rabino. O hassid algum que est, por assim dizer, intoxicado com a
Presena Divina alcanada atravs da orao meditativa. A orao
meditativa no inclui apenas as longas recitaes comuns s oraes
judaicas, mas tambm o canto repetido de peas meldicas, o nigun, e a
dana hassdica. Alm disso, o hassidismo promoveu uma radical
reorganizao da vida comunitria judaica baseada na idia de um
misticismo para o homem comum. A teologia do hassidismo fortemente
panentesta, isto , ela ensina que Deus a realidade ltima. Todos os
fenmenos e seres do mundo so receptculos que contm a luz divina. Os
fenmenos e os seres no possuem nenhuma realidade independente em si
mesmos. Essa idia no deveria ser confundida com o pantesmo, que a
doutrina teolgica de que o Ser Divino existe atravs dos fenmenos
naturais. Deus concebido no pantesmo como sendo imanente ao
universo e natureza. O ensinamento hassdico, em sua origem, afirma
que nada no universo existe verdadeiramente, exceto Deus. O Divino
, para o hassidismo, um transcendente que se manifesta
imanentemente atravs de cada fenmeno no universo. Os fenmenos so,
por assim dizer, os veculos da manifestao da Divindade. O mundo um
vu que, se removido, revela apenas a Divindade. Se no pantesmo Deus
imanente natureza, no panentesmo a natureza existe em Deus. Tambm
nos seus escritos Heschel escreve sobre Deus em termos muito
prximos aos descritos na literatura hassdica. Para o filsofo, o
Divino est dentro e, estando dentro, est tambm alm, pois todo ser o
transcendente disfarado. Deus a unidade onde vemos diversidade, a
paz onde estamos envolvidos em discrdia. Deus significa: ningum
nunca est sozinho; a essncia do temporal o eterno; o momento uma
mensagem da eternidade em mosaico infinito. Deus significa: a unio
de todos os seres numa sagrada alteridade[3]. Esse ponto de vista
religioso, de que nada existe no mundo independente de Deus,
derivado diretamente do Zohar (sc XIII) e de sua interpretao feita
pelo crculo de discpulos de do rabino Itzkak Luria (Safed, sc XVI).
Segundo essa teologia mstica, tudo que existe pode ser elevado e
resgatado de modo a retornar sua fonte divina. De fato, o Baal Shem
Tov sugere que mesmo o ser humano tem uma autonomia relativa, no
estando realmente separado da Divindade. A pessoa deveria estar
consciente de que tudo no mundo est preenchido pelo Criador,
bendito seja Ele. Mesmo cada produto do pensamento humano resultado
de sua providncia.[4] Cada hassid, e no apenas o messias sozinho,
tem a tarefa de elevar e resgatar as centelhas divinas espalhadas.
O hassid deve elevar tudo at sua fonte original, deve transcender o
parcial em nome do todo, deve ser capaz de ver a essncia divina em
cada coisa no mundo material. Em cada objeto vibram internamente as
Sefirot, os Nomes Divinos que representam Sua ao criadora.
Portanto, a verdadeira adorao e servio religioso feito a Deus so a
busca
-
incessante da essncia contida no vaso ou no receptculo, o divino
no mundano, o espiritual no material. Essa a razo o hassidismo
sugerir que no h nada que seja essencialmente mal. O mal a aparncia
distorcida daquilo que ainda no foi redimido. Observe esse trecho
de um texto hassdico: Qual o sentido da elevao das centelhas?
Quando voc v algo fsico, corpreo e percebe que isso no realmente
mal - que os Cus no permitam! - voc pode servir ao Criador, bendito
seja Ele, atravs daquilo. Pois neste algo material voc pode
encontrar amor e temor, ou outra das qualidades divinas, de tal
forma que pode, ento, elev-lo.[5] Os ensinamentos do Baal Shem Tov
foram, aps sua morte, elaborados pelo seu mais proeminente discpulo
direto, Maguid de Mezritch, que, conforme acima mencionado, foi um
dos antepassados de Abraham J. Heschel. A questo central que o
Maguid de Mezritch procurou responder foi a da aparente autonomia
da conscincia humana que se v como um eu separado de Deus. Visto
que, segundo essa doutrina, Deus engloba toda a existncia e no h
nada que tenha uma existncia separada ou independente da Divindade,
a noo de eu apresenta-se como problemtica. Segundo o Maguid, a
existncia do homem tem como finalidade fazer Deus ser conhecido. A
razo para isso de Deus s pode ser conhecido em relao a um ser que,
embora no seja separado, tenha uma conscincia autnoma em relao
divindade. Se Deus no tivesse criado o mundo, no haveria nenhuma
conscincia acerca de Deus. O ser humano existe para conhecer Deus.
No entanto, para conhecer Deus ele precisa transcender sua aparente
existncia separada. A autoconscincia humana necessria para que ele
possa conhecer Deus, e, no entanto, esta mesma autoconscincia -
paradoxalmente - um obstculo para alcanar Deus. Segundo o Maguid, o
ser humano precisa erradicar a barreira que o separa do Divino,
causada pela pseudoconscincia de ser um eu finito separado do
Infinito. A superao dessa barreira o que o Maguid chama de adorao
de Deus. Nas palavras do Maguid: Quando ns tornamos a nossa
existncia transparente ficamos, ento, conectados com Aquele que est
Escondido.[6] O mundo seria, segundo essa viso, uma iluso que deve
ser superada. David S. Ariel chama essa posio acosmism, a negao
mstica da existncia do mundo. Tal postura apresenta muitas
semelhanas com vrias correntes do pensamento budista. O pensamento
do Maguid seria, assim, a mais radical formulao do panentesmo no
Judasmo. No hassidismo posterior essa posio aparece de forma mais
moderada. Em tal forma essa teologia mstica no nega completamente a
existncia dos seres, mas afirma a existncia do mundo em Deus. Tal
viso tem suas razes na mstica pr-cabalstica do Talmude, em que Deus
chamado de HaMakom (O Lugar) do mundo, e na mstica medieval do
Zohar, em que Deus chamado de Shekhin (A Presena) feminina e
maternal onde tudo existe. De acordo com o Maguid, o hassid
necessita transformar sua conscincia. Atravs de exerccios msticos,
ele consegue superar a conscincia do mundo, tornando-o transparente
presena da divindade que abarca toda a existncia. Deste modo o
hassid consegue transcender o mundo da gashmiut (corporeidade) de
forma tal a habitar na ruhaniut (a pura conscincia espiritual). O
que torna possvel ao hassid desassociar-se da conscincia fsica que,
para o Maguid, o mundo essencialmente um vu tecido por Deus. Atravs
do daven - a orao meditativa o hassid pode atingir o estado de
devekut (adeso) no qual ele transcende a pseudoconscincia de sua
prpria existncia e atinge a unio com Deus. Segundo Heschel, no
samos do mundo quando oramos; apenas vemos o mundo de um ngulo
diferente.[7] Essa tcnica tambm foi chamada, pelo Maguid, bitul
hayesh (a traduo literal seria aniquilamento da existncia, mas,
segundo o Rebbe Zalman Schachter Shalomi, a melhor traduo para o
conceito tornar a existncia transparente). O processo de bitul
hayesh tem incio quando o hassid passa a entender que o aspecto
fsico da existncia humana meramente externo, um invlucro para a luz
(conscincia) do Um. Isto ocorre quando a pessoa entra no estado de
orao. A meditao que precede a orao devotada ao entendimento da
relao entre o eu fsico e a conscincia. Orar, porm, no fcil, a orao
dificultada por estmulos fsicos que assaltam a conscincia.
Pensamentos sobre negcios, famlia e as vicissitudes da vida podem
se
-
intrometer na mente daquele que ora. Mais do que isso, para o
Maguid os pensamentos erticos podem ser um grande obstculo a se
chegar ao estado de entrega na orao, na medida em que desviam a
ateno do indivduo que deveria voltar-se para o Um. Esses
pensamentos, porm, contm em si mesmos centelhas de santidade a ser
redimida. Na se trata, ento, de neg-los, mas de encontrar Deus em
todos esses aspectos da vida. A orao meditativa , ento, uma
oportunidade para que o ser humano se reconcilie com as intromisses
que chegam sua conscincia. A esse respeito, Heschel escreve: A orao
no um pensamento que vagueia s no mundo, mas um acontecimento que
comea e termina em Deus. O que vai em nosso corao uma preliminar
humilde a um acontecimento em Deus.[8] A kavan (concentrao) parte
essencial da tcnica hassdica, que visa, atravs da orao,
possibilitar a experincia mstica. O Maguid introduziu um profundo
despertar acerca do papel da conscincia na prtica religiosa
judaica. Ele distingue duas formas diferentes de autoconscincia: a
primeira, denominada katnut (pequenez), e a segunda, a conscincia
mstica denominada gadlut (grandeza). A pseudoconscincia um obstculo
para atingir o Divino. Deus no est no cu, mas, sim, em toda a
existncia. A conscincia mstica o objetivo final dos hassidim e a
orao, a tcnica para a sua aquisio. As vrias correntes dos
hassidismo que nos sculos XIX e XX se desenvolveram do ncleo
original do Baal Shem Tov e do Maguid de Mezerich continuaram, de
formas variadas, as tcnicas de obteno da experincia mstica atravs
do daven, a orao exttica. Heschel desde pequeno bebeu gua nessa
fonte de forma muito direta e viva. Tal forma se tornou seu modo
prprio de rezar. Mesmo quando veio a morar em Nova York, Heschel
continuou freqentando minianin, grupos de orao hassdicos onde podia
sentir-se em casa. Essa vivncia e experincia existencial so o pano
de fundo a proposta de reencontro com a orao que ele faz em O Homem
Procura de Deus, onde desenvolve como tema central a orao como
proposta de exerccio espiritual e tcnica de reencontro com o
mistrio e a transcendncia. Neste sentido, Heschel identifica no
homem moderno a mesma necessidade premente de transcendncia sobre a
qual o pensador existencialista cristo Gabriel Marcel escreveu.
Marcel identifica a necessidade de transcendncia e escreve sobre a
necessidade de uma mudana de perspectiva. Heschel prope a orao como
exerccio dessa mudana de perspectiva na prtica concreta e diria.
Segundo Alfredo Borodowiski, a orao proposta por Heschel envolve
mais do que um exerccio intelectual: ela deve envolver o indivduo
em sua totalidade, o corpo e a mente tomados como uma nica
entidade. Na orao as diferenas entre os domnios espiritual e
material so completamente obliteradas.[9] Na medida em que implica
em envolvimento total da pessoa, a orao descrita por Heschel como
uma forma suprema de oferenda a Deus. A afirmao de que desde a
destruio do Templo em Jerusalm a orao tomou o lugar do sacrifcio no
implica que o sacrifcio tenha sido abolido quando o culto
sacrificial deixou de existir. A orao no um substituto para o
sacrifcio. Orao sacrifcio.[10] Acerca dessa passagem Borodowiski
afirma que, para Heschel, aps a destruio do Templo de Jerusalm (no
ano 70 da Era Comum) - at ento o local mais sagrado para o Judasmo
- um novo tipo de sacrifcio foi institudo: a orao. Essa mudana
envolve a mudana do objeto do sacrifcio do animal para a prpria
pessoa. O individuo a nova oferenda (korban) consumida durante a
orao[11]. A orao, enquanto oferenda, no interpretada por Heschel
como sendo um dilogo com Deus. Heschel no entende a orao em termos
de uma relao pessoa-pessoa, eu-Tu, como Buber. incorreto definir a
orao por analogia com a conversao humana. Ns no nos comunicamos com
Deus. Ns nos tornamos comunicveis com Ele. (A orao) um esforo para
que a pessoa se torne objeto des seus pensamentos.[12] O indivduo
convidado a viver no pensamento de Deus. Aqui tambm a linguagem
hescheliana aparece como intrprete do hassidismo. Assim como no
altar do Templo o sacrifcio era consumido pelo fogo, tambm, de
acordo com as fontes hassdicas, aquele que ora deve chegar a ponto
de ser consumido pelo fogo do xtase durante suas oraes. Em termos
hassdicos, a orao descrita como hitlahavut. A raiz hebraica dessa
palavra usada freqentemente na literatura hassdica lahav, termo que
poderia ser traduzido como flama. Hitlahavut
-
significa ser completamente absorvido durante a orao at o ponto
de perder prprio self e despir-se da natureza corporal, hilahavut
ha-gashmiut (deixar-se queimar de desejo pelo divino)[13]. Os
mestres do hassidismo foram freqentemente descritos orando desse
modo intenso. Acerca do rabino Aharon Kalin (1736 1772), um
discpulo direto do Maguid, foi dito que ele queimava de temor pelo
Criador quando recitava o Cntico dos Cnticos. O rabino Barukh, neto
do Baal Shem Tov, descrito na literatura hassdica como algum
especialmente famoso por sua capacidade de atingir o hitlahavut
durante suas recitaes. Sobre o prprio Baal Shem Tov se diz que, nos
dias de lua nova, sua face queimava como uma tocha durante o
daven[14]. De acordo como todas essas fontes, hitlahavut descrito
como um fogo flamejante que consome o indivduo durante a orao. A
ligao entre a orao e o fogo sacrificial reflete, tambm, na relao
que as fontes hassdicas fazem entre a orao e o ato de morrer.
Comparando a orao ao sacrifcio, Heschel cita as palavras do Baal
Shem Tov, que dizia ser um milagre que uma pessoa possa sobreviver
hora da meditao. Por fim, um outro aspecto relevante da mstica
hassdica que transparece na interpretao hescheliana da orao a noo
de dignidade das palavras. Essa noo, de dignidade das palavras como
veculos do esprito, j est presente nos poemas do jovem Heschel.
Neles, a experincia com o Inefvel se apresenta na forma de uma
poesia densa, que chega a tomar a forma de orao. Aqui vem tona a
noo de piut, os poemas litrgicos que caracterizaram a expresso
artstica e piedosa dos judeus medievais. Vrios piutim passaram a
integraram com o tempo o sidur, o livro das rezas dirias, e
aparecem em grande nmero na liturgia de Rosh Shan e Yom Kipur. O
piut heschelino quer trazer a experincia do divino para perto da
experincia do homem moderno. Em Heschel a palavra tem como funo
estimular a pessoa, para que ela busque a experincia do pathos.
Deste forma, a palavra em Heschel pensa a palavra como um veculo de
inspirao. Quando descreve a funo da palavra na recitao da orao,
Heschel reconhece nela no um smbolo, mas, antes, um instrumento
expressivo para a concentrao e um veculo para o esprito humano.
Tambm de acordo com as fontes hassdicas, cada palavra , em si
mesma, uma entidade completa e, como tal, um veculo que faz a
interface humano-Divino[15]. A parte final de O Homem Procura de
Deus dedicada crtica da teoria dos smbolos na teologia e na
filosofia da religio. Como explicar essa averso a uma teoria
aparentemente to bem sucedida e aceita? O interessante que nos
escritos de Paul Tillich, um dos mais importantes defensores da
teoria do simbolismo na religio, pode estar a chave para entender
este aspecto da obra hescheliana. Em Dynamics of Faith, um de seus
escritos centrais, Tillich distingue um tipo de f e, portanto, de
concernncia religiosa, que tem como caracterstica a vontade radical
de transcender os smbolos em nome do encontro com o Inefvel: o
misticismo. Mas como esta mesma experincia possvel, se o ultimal
tal que transcende toda a experincia possvel? A resposta dada pelos
msticos a de que h um lugar onde o ultimal est presente no mundo
finito: as profundezas da alma humana[16]. Segundo Heschel, a orao
um caminho para o despertar do ser humano, que ela um veculo para a
manifestao do Divino. O ser humano tem na orao um instrumento para
a descoberta de si mesmo como smbolo, isto , a manifestao viva do
Deus vivo. Este a promessa contida na obra de Heschel. Mas ser que
tal promessa mstica compatvel com a racionalidade necessria para a
filosfica? Novamente Tillich quem responde: O misticismo no
irracional. Alguns dos maiores msticos da Europa e da sia foram, ao
mesmo tempo, seus maiores filsofos, despontando com claridade
consistncia e racionalidade[17]. A consistncia da obra hescheliana
encontra-se na radical adeso a suas origens hassdicas.
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Jerusalem, 1958, Parashat Pekudei [6] Hayim Hayke de Amdur - Sefer
Hayim va-Hessed. Jerusalem, 1953, p. 14 [7] Heschel, A. J. O homem
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[12] Heschel, A. J. O homem procura de Deus. So Paulo: Paulinas
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[16] Tillich, Paul Dynamics of Faith. New York:2001, Perenial
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