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¡! Pueblos Hermanos de América¡! A migração dos Warao para o Norte do Brasil
Bruno Miranda Braga
RESUMO: Este artigo apresenta aspectos do deslocamento do grupo indígena venezuelano Warao para o
Brasil especificamente para a região norte, nas cidades de Boa Vista - RR e Manaus - AM. Procuramos
destacar a migração em si, as razões e situações que impulsionaram e continuam a impulsionar esse grupo
a se deslocar para essas cidades, seus anseios e suas formas de sociabilidades. Destacamos o papel de
organizações sociais que ajudam os indígenas a se estabelecer em território brasileiro, principalmente a
Igreja Católica. Tratasse de uma história atual da América indígena que muito permanece da própria história
dos ameríndios de ontem e de sempre.
PALAVRAS-CHAVE: Deslocamento. Migração. Warao.
RESUMEN: Este artículo presenta aspectos del desplazamiento del grupo indígena venezolano Warao a
Brasil específicamente a la región norte, en las ciudades de Boa Vista - RR y Manaos - AM. Buscamos
destacar la migración en sí, las razones y situaciones que han impulsado y siguen impulsando a este grupo
a trasladarse a estas ciudades, sus deseos y sus formas de sociabilidad. Destacamos el papel de las
organizaciones sociales que ayudan a los pueblos indígenas a establecerse en territorio brasileño,
especialmente en la Iglesia Católica. Fue una historia actual de América indígena que sigue siendo gran
parte de la historia misma de los amerindios de ayer y siempre.
PALABRAS CLAVE: Desplazamiento. Migración. Warao.
1.1. Os Warao e a Venezuela: o princípio do contexto
“Pueblos hermanos de América
Pueblos hermanos de América
Luego, luego llegará
Luego, luego llegará
Pueblos hermanos de América
Pueblos hermanos de América
llegará la igualdad”
(Cantores de Deus. Composição Pe. Zezinho)
Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestre em História
Social pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Especialista em Gestão e Produção Cultural pela
Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Licenciado em História (UNINORTE) e em Geografia
(UEA). E-mail: [email protected]
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2016, parecia ser mais um ano convencional para o continente americano, e para
o mundo. Porém, 2016 foi um ano marcado por guerras, mortes e violações dos direitos
humanos mundo afora.
A crise de refugiados bateu seu recorde de mortos – mais de 7 mil, de acordo com
a Organização Internacional de Migrações (OMI) e a Síria entrou em seu quinto ano
consecutivo de guerra.
Nas Américas, a corrida presidencial consolidou Donald Trump como novo
presidente dos Estados Unidos, a Colômbia assinou um acordo de paz com as Forças
Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o furacão Matthew deixou 900 mortos em sua
passagem pelo Haiti.
Ainda nas Américas, apesar de a Venezuela estar em colapso há meses, em maio
a crise chegou a seu estimulo maior. Após a população venezuelana protestar ativamente,
posto que sofre/sofria com a escassez de itens de serviços básicos, o presidente Nicolás
Maduro declarou, no dia 17, estado de exceção e emergência econômica. A decisão do
líder do país que possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo, foi vista pela
oposição política como uma tentativa de obstruir a realização de um referendo
revocatório, que poderia antecipar o fim de seu mandato.
A situação insólita, no entanto, parece longe de chegar ao fim. Ao longo dos
meses, diversas manifestações e tentativas de colocar o referendo em votação foram em
vão. A última derrota de Maduro foi a suspensão da Venezuela do Mercosul. E ainda hoje,
já em 2020 essa crise reflete os ideários e os momentos iniciados em 2016.
Uma das maiores situações que foram ocasionadas pela dita crise, foi uma grande
emigração de indígenas que viviam em situação de extrema vulnerabilidade em seu país
natal. O local escolhido pelos emigrantes em sua grande composição fora o Brasil,
especificamente o extremo norte, região fronteiriça a Venezuela.
Os Warao são um grupo étnico habitantes do nordeste da Venezuela e norte das
Guianas Ocidentais. Também denominados graficamente por Warao, Waroa, Guarauno
Guarao e ou Warrau. O termo Warao traduz como "povo do barco", (CLARK, 2009) por
possuírem uma intensa relação com à água, e seus usos. Os Warao são um povo de amplas
atividades hídricas. A maior parte da população, que soma-se em torno de 20.000
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habitantes, encontrma-se na região do delta do Orinoco na Venezuela, com números
menores nas vizinhas Guiana e Suriname. Sua língua falada é aglutinante, chamada
também de Warao.
Imagem 01: Índios Warao da aldeia Curiara, no Delta Orinoco
Fonte: https://amazoniareal.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Waraos_em_curiara-2.jpg
Os Warao são exímios pescadores e artesãos. Há indícios e registros de sua
presença no delta do Rio Orinoco que datam entre de oito mil a nove mil anos, segundo
as autoridades venezuelanas. O Censo Nacional da Venezuela apontou que eles somavam
36 mil pessoas, em 2001. Depois do grupo Wayúu, os Warao são a segunda maior
população indígena da Venezuela.
A região do delta do Rio Orinoco é um terreno fértil formado por locais
pantaneiros e ilhas pequenas. Nestas se localizam as habitações do povo Warao, formadas
como ocas cobertas de palhas, e, cabanas elevadas – palafitas- para se guardar nas
inundações. Estas casas são construídas geralmente na área mais alta para resguardo nas
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sazonalidades anuais. O interior das casas, encontramos uma cozinha com forno bem ao
centro, as redes para o repouso e um poço de barro. Às vezes, um grupo de casas é
construído sobre uma única plataforma de grandes árvores. Dos outros móveis presentes
às vezes geralmente são vistos certos banquinhos de madeira, às vezes esculpidos no
formato de animais.
Porém, desde os 1970 os Warao vivem em constante deslocamento.
Compreendemos deslocamentos como uma categoria de análise da Nova História, pois,
“os fenômenos de mobilidade e de deslocamento se afirmam como características
essenciais das nossas sociedades contemporâneas.” Nesse sentido, “longe de serem
fluidos, homogêneos ou lineares, estes deslocamentos são pontuados de tempos, mais ou
menos longos, de espera” há uma organização, um sentimento em se deslocar, em migrar.
“Tendo por origens razões técnicas, administrativas ou políticas, tais momentos
encontram bem frequentemente uma tradução espacial: territórios acolhem estas
sociedades em espera”.
[...] os mundos americanos, nascidos do deslocamento (voluntário ou forçado)
de populações de origens diversas que deixaram a sua marca nos territórios de
que se apropriaram, se oferecem como um terreno de estudo particularmente
adaptado. Durante muito tempo terra de refúgio para perseguidos de todas as
confissões, depois Eldorado sonhado para milhões de imigrantes, o continente
americano é, ainda hoje, o teatro de numerosos deslocamentos humanos:
migrantes deixando (ou fugindo) os campos para as cidades tentaculares,
clandestinos que cruzam os muros do medo, refugiados climáticos
aglomerados dos campos de seca ou instalações precárias (como após o
Katrina). (VIDAL, MUSSET e VIDAL, 2011. p. 02)
O represamento do Rio Manamo é sempre apontado como um dos fatores mais
contribuintes para o deslocamento atual (GARCIA CASTRO, 1999). A defasagem das
condições de manutenção e a constante e predatória invasão das suas terras pelo
agronegócio, fez com que em 2016 os Warao se tronassem expatriados e rumassem para
uma nova terra pois a sua pátria ameaçava a sua existência.
Mesmo com o deslocamento para os principais centros urbanos da Venezuela, os Warao
mantiveram/mantém seus aspectos culturais fortes e a união entre o grupo. Muitas vezes,
quando podem e se sentem seguros, regressam a seu lugar originário.
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O deslocamento para as cidades se deu para o setor laboral de mão de obra não
qualificada e a mendicância. Neste último caso, alguns autores como Garcia
Castro afirmam que houve um reforço cultural, já que o mecanismo de inter-
relação étnica no contexto urbano pelos warao não é totalmente alheio à sua
condição e valores culturais, havendo a aplicação de técnicas tradicionais de
coletas, feitas por mulheres e crianças, transportadas para o contexto urbano.
Portanto, a coleta de esmolas nas ruas seria, para tal corrente, análoga à coleta
de frutos e pequenos animais em seu habitat natural. (PEREIRA, 2019)
Nisso a lógica cultural Warao foi posta em prática também em solo brasileiro
uma vez que por aqui eles estão exercendo suas práticas em meio as relações interétnicas.
Assim as sensibilidades desses indígenas são visíveis em meio a ação nacional em vista
de sua migração acelerada, e não estavam alheiros a toda problemática socioeconômica
pelo qual a Venezuela vivenciou, logo como toda a população de lá, os warao também
foram assestados pelo transtorno venezuelano. Como meio de sobrevivência, muitos
migraram para o Brasil, num trajeto de cerca de 1.000 km, há um abrigo na cidade de
Pacaraima (fronteira) e outro em Boa Vista (230 km a partir da fronteira), com população
oscilante, cada um com aproximadamente 500 pessoas. Havia outro em Manaus, porém
muitos indígenas migraram para Santarém e Belém, o que “reduziu” a população warao
naquela capital.
1.2. A chegada ao Brasil: de Boa Vista a Manaus e de lá para o Brasil
A região noroeste do norte do Brasil, caracterizada pelo estado de Roraima, tem
por limites a Venezuela, ao norte e noroeste; Guiana, ao leste; Pará, ao sudeste;
e Amazonas, ao sul e oeste. É um dos portões do Brasil para outros países do cone sul.
Ao se deslocarem para o Brasil, o primeiro ponto por cá que os warao se alocam
é Pacaraima. Partindo em maior parte do Delta Amacuro, na Venezuela, essas levas
migratórias percorrem em média 915 quilômetros até a Pacaraima, município roraimense
que se localiza na divisa do Brasil com a Venezuela.
Os grupos se deslocam para lá de formas distintas, geralmente por meio de uso
do ônibus que constantemente traz diferentes levas desse povo.
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Os Warao não viajam sozinhos. Tanto as redes de parentesco como os grupos
formados ao longo do caminho são de fundamental importância para suas
estratégias de fixação e mobilidade, enquanto população indígena transeunte
em busca de sustentabilidade num novo contexto. Analiticamente, é importante
considerar a mobilidade Warao como característica cultural da etnia enquanto
estratégia social e econômica que promove a circulação não apenas de
mercadoria, mas sobretudo de suas relações pessoais fundamentais na
definição de papéis sociais e políticos na sociedade Warao (por exemplo,
afirmação e constituição de parentesco e liderança).(SANTOS, ORTOLAN e
SILVA p. 08. s/d)
Em maio de 2020, Anibal Perez Cardona, indígena Warao residente em Natal
(RN) em relato a João Paulo Vale de Medeiros da Pastoral da Terra Nordeste II, nos
mostra que:
Os/as brasileiros/as sempre nos perguntam se chegamos ao Brasil andando a
pé. Eu explico que é impossível chegar a pé até aqui. Só se pode chegar a pé
até Boa Vista (Roraima). Entre a Venezuela e o Brasil, há uma conexão
terrestre que permite atravessar a fronteira por estrada. A rota que fizemos
desde a Venezuela é por Santa Elena de Uairén até a fronteira,
em Pacaraima (Roraima).
Nem todas as famílias Warao tiveram a mesma oportunidade de chegar direto
até a fronteira porque algumas precisaram fazer viagens em escalas, de
povoado em povoado. Logo, parte delas pôde trazer artesanatos e outra parte
não. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA NORDESTE II, 2020)
O mapa de localização seguinte, apresenta o trajeto que os warao percorrem até
Pacaraima, cruzando a fronteira entre Venezuela e Brasil.
Imagem 02: Mapa de localização do trajeto do Delta Amaruco até Pacaraima
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Fonte: Criação nossa com dados da ferramenta Google Maps
Com o relato de Anibal Perez temos uma dimensão de como se dá a vinda a deles
ao Brasil, propondo que que se trata de uma migração terrestre, também é possível vermos
a trama que se forma nesse contexto uma vez que cada leva traça sua rota de maneira
peculiar, umas vem direto até a fronteira, outras optam por fazer escalas de povoado a
povoado até chegar em Pacaraima, esses últimos trazem consigo artesanatos, artesanatos
estes produzidos pelos mesmo durante o percurso, em suas pausas. Continuando, Anibal
nos diz que:
Quando chegamos a Pacaraima, como já não era mais Venezuela, tudo se
tornou diferente, começando pela moeda e pelo idioma. Esse foi o primeiro
obstáculo. O outro era que tínhamos que solicitar uma permissão formal (um
protocolo de refúgio) para entrarmos no país.
Houve famílias que conseguiram obter esses protocolos, mas outras não.
Algumas - que não tiveram acesso ao documento - precisaram optar por outros
caminhos. Para muitos núcleos Warao, não foi fácil chegar até o Brasil porque
a maioria não tem recursos econômicos suficientes.
Os primeiros grupos que chegaram a Boa Vista buscaram ajuda para poder
pagar as passagens a fim de que outras famílias pudessem vir. Também
buscaram apoio para viajar até Manaus; de Manaus, até Belém e assim
sucessivamente. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA NORDESTE II,
2020)
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Neste trecho, o migrante nos mostra como se dá a chegada ao Brasil, como os
warao se estabelecem ou não por aqui. Num primeiro momento, o de reconhecimento, há
o evidente estranhamento, o idioma e a moeda são apontados por Anibal como primeiros
pontos de sentido para o “choque” com o outro país, o “obstáculo” como o mesmo
denomina. Adiante se dá as questões legais de permanência no país: o protocola de
refugiado que faz com que migrantes possam permanecer ou não no país escolhido.
Evidentemente, não são todas as famílias que conseguem a permanência, em sua
maioria, os warao tem dificuldades para chegar ao Brasil em virtude dos custos do
caminho, e como se manter após sua entrada no país. Criou-se pelo relato do indígena
uma “rede de solidariedade” na qual aqueles que conseguem vir e se estabelecer ajudar
mais famílias a também virem, uma vez que:
Hoje, há núcleos Warao em Pacaraima, Boa Vista, Manaus, Rio Branco,
Santarém, Belém e em outras 18 cidades do Pará. Também há famílias em
quase toda a região Nordeste (Imperatriz, São Luís, Teresina, Mossoró, Natal,
Campina Grande, João Pessoa, Recife) e em diversas outras cidades do país,
como Rio de Janeiro, Campinas, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Brasília,
Anápolis, Goiânia e Florianópolis. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
NORDESTE II, 2020)
Em Roraima, os warao lidam com a ajuda da comunidade local além da produção
pequena de artesanatos no qual são muito habilitados. Atualmente,
os/as Warao sobrevivem de doações e apoios provenientes, em especial, da sociedade
civil, não do Governo. Ainda que em alguns estados já existam abrigos e as famílias
recebam algum tipo de assistência, por ora, os/as Warao fazem o possível para sobreviver
com a venda de artesanatos. Os/as que não contam com assistência suficiente pedem
ajuda nas ruas para conseguir pagar os aluguéis e ter acesso a alimentos.
Figura 03: Mulher Warao fabricando cesta com a fibra de buriti.
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Foto: Andrés Meyer. Fonte: Wilbert e Lafée-Wilbert
Ainda falta ao governo e a política pública a pauta dos direitos dos/as indígenas
refugiados/as e que forneça o suporte necessário para que estes possam se subsidiar. “A
atividade da pesca, por exemplo, exige uma série de licenças que nós não temos. Assim,
destacamos que necessitamos de documentos específicos e de outras condições materiais
para podermos viver dignamente no Brasil”, afirma o indígena Anibal.
Em 2017, passado o início da grande leva do deslocamento dos warao, segundo
dados da Polícia Federal de Roraima, o ritmo de entrada/saída de imigrantes da Venezuela
em solo brasileiro foi entorno de 70 mil pessoas naquele ano. Somente em Pacaraima
17.130 venezuelanos solicitaram refúgio ao Brasil. Em 2016 formalizaram o pedido 2.230
imigrantes e, em 2015, 230 pessoas. De 1º. a 15 de janeiro deste ano 649 venezuelanos
procuraram o posto da polícia para solicitar refúgio. A PF não informa o número de
mulheres, homens e crianças e nem quantos são indígenas entre os imigrantes
venezuelanos.1
Na cidade de Boa Vista em 2018, estavam mais 369 Warao e 47 Panare, povo
que em fins de 20117 começara a se deslocar para o Brasil. Eles são também da região
1 Os dados são do site Amazônia Real. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/migrante-cidadao-a-
dinamica-dos-deslocamentos-dos-indios-warao-na-amazonia/
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do Delta do Orinoco como os Warao, mas provenientes do oeste do Suapure, no Estado
Bolívar.
No ano de 2018, moravam na capital amazonense 139 índios Warao em quatro
casas alugadas pela Prefeitura de Manaus. Um abrigo, onde viviam cerca de 31 indígenas,
foi desativado pelo governo do Amazonas depois que o Município assumiu a ação
humanitária por determinação do Ministério Público Federal.
De Manaus, a migração continuava, eles se deslocam em viagem de barco pelo
rio Amazonas até o estado do Pará. Os Warao migraram para Santarém, onde 40 pessoas
estavam morando em uma escola do bairro Cambuquira, e para Belém, onde estão
acampados no mercado Ver-o-Peso mais 70 indígenas. Com a chegada dos índios,
Santarém decretou emergência social devido à falta de recursos para atender os
venezuelanos nas áreas sociais, incluindo, na assistência da saúde e educação. Decreto
semelhante foi baixado em Boa Vista e Manaus.
Em abril de 2020, os imigrantes indígenas da etnia Warao, da Venezuela, foram
transferidos de abrigo na zona leste de Manaus para uma escola municipal na zona oeste.
A mudança é para reduzir o número de refugiados no abrigo e prevenir contra o contágio
pelo novo coronavírus (Covid-19). A Prefeitura de Manaus já remanejou 277 indígenas
venezuelanos para dois novos espaços de acolhimento. A prioridade é remanejar famílias
(AMAZONAS ATUAL, 14 de abril de 2020).
O norte do Brasil foi o ponto principal de fixação deste grupo étnico.
Inicialmente por ser mais próximo da região da qual eles provinham, hoje por serem os
três estados que que mais dispõem de abrigos e organizações não-governamentais bem
como empenho da sociedade civil que os acolhem e dentro de limitações, os ajudam.
No mapa seguinte, vemos o deslocamento e diáspora dos warao pelo norte do
Brasil, desde sua origem na Venezuela, até a chegada no estado do Pará.
Imagem 04: Migração dos Warao no Brasil
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Fonte: https://amazoniareal.com.br/migrante-cidadao-a-dinamica-dos-deslocamentos-dos-indios-
warao-na-amazonia/
1.3. Hijos de Diós en L’America: políticas, sociabilidades e culturas
“Hijos de Dios en América
Después de tantos dolores
Ya sabemos el camino
El camino es fraternidad
El camino, el camino, el camino,
El camino es amor...”
(Cantores de Deus. Composição Pe. Zezinho)
Aos poucos os warao migrantes se integraram a sociedade civil. Com a ajuda de
organizações e de pessoal bem disposto, estes migrantes foram introduzidos em diferentes
escalas podendo paulatinamente se estabelecer em terra brasileira.
O papel da Igreja católica e de suas frentes de ação como a Pastoral do Migrante
e a Cáritas foram de importância primordial para o melhor acesso deste povo a
sociabilidade local. Em Roraima, missionários da Consolata, prestam constantes serviços
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a população fora dos abrigos. Segundo Jaime C. Patias, IMC2, Conselheiro Geral para
América, os responsáveis pelo abrigo destinado aos indígenas Warao e E’ñepá em Boa
Vista, afirmavam que em 2019 o local estava lotado. Os indígenas contestam dizendo que
muitos deles saíram abrindo vagas. As informações sobre o número exato de abrigados
no bairro Pintolândia são duvidosas. Uma Equipe do Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (ACNUR), no dia 1 de fevereiro, fez um recadastramento e
ouviu também mais de 60 Warao que estão fora do abrigo, mas até o fechamento desta
matéria não deu nenhuma resposta. As mães e crianças que deveriam ter prioridade no
acolhimento, continuam na rua.
O governo brasileiro concede refúgio aos venezuelanos, mas uma vez no
território nacional um bom número deles não encontra acolhida digna. Apenas 6 mil são
contemplados com abrigos. Os que ficam de fora estão sujeitos a serem disturbados. Não
podem dormir nas praças, parques, em terrenos baldios e em algumas ruas. Sempre tem
alguém correndo com eles.
Em Manaus, a Cáritas arquidiocesana em abril de 2019, quando se verificou um
aumento significativo na quantidade de indígenas venezuelanos em Manaus, nisso,
a Cáritas passou a acompanhar de perto a situação dos Warao que estavam
hospedados no centro, a poucos quarteirões de distância da sede da instituição.
A Cáritas articulou o aluguel de cinco espaços para moradia dos Warao sendo
um no Centro, um no Bairro Planalto, um no Bairro Cidade Nova, um no
Educandos e um no Bairro Manoa para um total de 246 indígenas Warao. Além
de também promover uma ação de saúde em parceria com a Universidade
Estadual do Amazonas (UEA), a qual disponibilizou médicos, enfermeiras,
remédios. A alimentação para mais de 100 indígenas Warao, que participaram
da ação social, ficou por conta do Grupo Aliança de Misericórdia. Foram
identificados alguns casos de tuberculose entre essa população e outros casos
mais graves, ao quais foram encaminhados para a rede de saúde. Foram
realizadas doações de alimentos, roupas e de materiais para confecção de
artesanato para a subsistência dos mesmos. (PAIVA E BRITO, 2019. p. 28.)
Esse acompanhamento da situação de vulnerabilidade dos warao, intensificou-
se por parte da Igreja de Manaus sendo apontado como um dos objetivos do seu plano de
2 IMC - Institutum Missionum a Consolata (Turim). Instituto da Consolata para as Missões Estrangeiras;
Instituto das Missões da Consolata de Turim; Padres da Consolata. É uma congregação religiosa Cristã
Católica que atua na formação de padres para missão além-fronteiras.
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evangelização. De fato, o papel social da Igreja junto a esse grupo se mantém ainda hoje
como um forte entusiasmo e senso de cuidado para com o estrangeiro que muitas vezes
ao chegar numa terra diferente, não consegue se estabelecer em decorrência de solidão e
falta de informação. A Arquidiocese também tem realizado diferentes campanhas junto a
sociedade para viabilizar itens para a subsistência dos migrantes e bem como, sua inserção
na sociedade por meio de cursos, oficinas e diálogos culturais.
Sobre a tipologia da migração warao, a Cáritas da Arquidiocese de Manaus,
destaca que se classifica como um movimento pendular de idas e voltas da Venezuela
continuadamente, por isso em tempos se tem aumento e em tempos decréscimo dessa
população.
Segundo dados da Secretária de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania
(SEJUSC) (2019), atualmente estão vivendo na rodoviária cerca de 60
indígenas Warao. E ainda tem em torno de 350 indígenas no Abrigo Alfredo
Nascimento, segundo informações da Secretaria Municipal de Assistência
Social e Cidadania (SEMASC) (2019). E de acordo com o Alto Comissariado
das Nações Unidas (ACNUR), os Warao já chegaram às cidades de Santarém
e Belém no Pará. Assim, vale ressaltar que a Cáritas, ao longo de sua trajetória,
vem auxiliando e tentando assegurar os direitos sociais das pessoas em
exclusão social e mais vulnerabilizadas, não só da capital Manaus, mas
também das cidades do interior do Estado. E há alguns anos faz esse mesmo
trabalho com os migrantes oriundos do Haiti e da Venezuela. Visando uma
“construção solidária, sustentável e territorial de um projeto popular de
sociedade democrática e de direitos”, que é o lema geral da instituição. (PAIVA E BRITO, 2019. p. 28.)
Os dados apresentam que a presença warao em Manaus estava/está em constante
crescimento e com a ajuda de organizações eles conseguem migrar de Manaus par cidades
do estado do Pará.
Uma das principais atividades e habilidades dos warao é o artesanato. Com o uso
de materiais orgânicos e extratos da natureza como fibras, esses índios desenvolvem
diferentes obras de uma grandeza entre adornos, enfeites e utensílios para o dia a dia.
Com o objetivo de gerar renda, a produção de artesanato índias Warao, é
estimulada pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e o Fundo de População das
Nações Unidas (UNFPA) com o Museu Casa do Objeto Brasileiro. O financiamento é da
União Europeia e as oficinas fazem parte de uma estratégia para transformar o potencial
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artístico indígena em peças para serem disponibilizadas no mercado de artesanato. Para
isso, conta com o trabalho de orientação do renomado designer mato-grossense Sérgio
Matos.
“O artesanato Warao é completamente diferente de todas as comunidades com
as quais já trabalhei. A grande capacidade de fazer pontos, os grafismos que
elas desenvolvem, as construções, tudo tem um trabalho artístico muito forte
por trás. A ideia é mostrar esse talento, valorizar a cultura e o trabalho das
artesãs Warao que vieram ao Brasil, sendo uma oportunidade para que possam
caminhar de forma autônoma”, diz Sérgio, que neste ano já ministrou oficinas
nas cidades de Pacaraima e Boa Vista, em Roraima. (AMAZONAS ATUAL
04 de dezembro de 2019)
Imagem 05: Índias Warao produzem artesanato com palha de buriti
Fonte: (Foto: Felipe Irnaldo/Acnur Brasil) Disponivel em: https://amazonasatual.com.br/indias-warao-
em-manaus-produzem-artesanato-e-expoem-em-sao-paulo/
Considerações finais: No contexto Amazônico, somos todos irmãos – o
colorido na cidade
Deslocamentos humanos sempre acarretam uma série de questões que
transcendem as paginas deste texto. Falar de ameríndios que migram é falara da própria
história da América uma vez que desde a sua conquista e posse, os diversos grupos
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indígenas se viram por motivos diversos na necessidade de se deslocar e tentar a vida e a
resistência noutro local.
Um valor interessante que faz parte do sentido social da migração dos Warao
para o norte do Brasil foi o estabelecimento por uma parcela da população de uma
solidariedade orgânica na lógica que Émile Durkheim lhe atribui, nesse sentido, para o
migrante warao o maior problema decorrente da divisão do trabalho está relacionado à
questão moral, ou seja, à capacidade de manter os membros coesos e a sociedade
funcionando harmonicamente. E essa harmonia tem muito a ver com o bem-estar da
comunidade e sua participação nas sociabilidades.
Espacialmente falando, ao migrarem, os warao trouxeram consigo sua carga
cultural, e com este o colorido presente em seus trajes como mostram as imagens
seguintes.
Imagem 06: Apresentação de dança e canto Warao
que imigraram da Venezuela
Fonte e fotos: Yolanda Simone/Amazônia Real.
Disponível em : https://amazoniareal.com.br/migrante-cidadao-a-dinamica-dos-deslocamentos-dos-
indios-warao-na-amazonia/
Imagem 07: Warao na Oficina de Trabalho
apresentam a dança e música da cultura indígena
Imagem 08: Com seus vestidos coloridos, as índias
Warao andam pelas ruas de Boa Vista
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Foto: Marcelo Mora/Amazônia Real
Disponível em: https://amazonia.org.br/2017/01/crise-na-venezuela-o-repudio-das-instituicoes-dos-direitos-
humanos-contra-a-deportacao-em-massa-dos-indios-warao/
Referências:
AMAZONAS ATUAL, 14 de abril de 2020. Disponível em:
https://amazonasatual.com.br/indios-venezuelanos-sao-transferidos-de-abrigo-em-
manaus-para-evitar-aglomeracao /
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA NORDESTE II. O êxodo do povo Warao para o
Brasil. Disponível em: https://www.cptne2.org.br/publicacoes/noticias/noticias/5290-o-
exodo-do-povo-warao-para-o-brasil l. maio de 2020.
GARCIA CASTRO, Alvaro; HEINEN, Dieter. Planificando el desastre ecológico:
Impacto del cierre del caño Manamo para las comunidades indígenas y criollas del
Delta Occidental (Delta del Orinoco, Venezuela). Antropológica. 91, 1999: (31-56).
Caracas, Fundación La Salle de Ciencias Naturales.
GARCIA CASTRO, Alvaro; HEINEN, Dieter. Planificando el desastre ecológico:
Impacto del cierre del caño Manamo para las comunidades indígenas y criollas del
Delta Occidental (Delta del Orinoco, Venezuela). Antropológica. 91, 1999: (31-56).
Caracas, Fundación La Salle de Ciencias Naturales.
https://amazonasatual.com.br/indias-warao-em-manaus-produzem-artesanato-e-expoem-
em-sao-paulo/
https://amazoniareal.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Waraos_em_curiara-2.jp g
https://amazoniareal.com.br/migrante-cidadao-a-dinamica-dos-deslocamentos-dos-
indios-warao-na-amazonia /
https://amazoniareal.com.br/migrante-cidadao-a-dinamica-dos-deslocamentos-dos-
indios-warao-na-amazonia /
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PAIVA, Janaína Zildéia da Silva, BRITO, Afonso de Oliveira. Acompanhamento para
garantir dignidade aos indígenas waro. Arquidiocese em Notícias. ano 18, 162, abril de
2019. Manaus.
PEREIRA, André Paulo dos Santos. O povo indígena Warao: um caso de imigração
para o Brasil. MP no debate. Disponivel em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-
21/mp-debate-povo-indigena-warao-imigracao-brasil#_ftn1, 21 de janeiro de 2019.
ROBERT CLARK, Patricia (2009). Tribal Names in the Americas [Nomes Tribais das
Américas] (em inglês) 50ª ed. [S.l.]: McFarland & Company.
SANTOS, Sandro Martins de Alemida, ORTOLAN, Maria Helena e SILVA, Sidney
Antônio da. "índios imigrantes" ou "imigrantes índios"? Os Warao no Brasil e a
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artesanato e expõem em São Paulo. Disponível em: https://amazonasatual.com.br/indias-
warao-em-manaus-produzem-artesanato-e-expoem-em-sao-paulo/