UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE … AMOEDO... · FICHA CATALOGRÁFICA Nadier Rodrigues, Renato Amoedo Direito dos acionistas minoritários / Renato Amoedo Nadier Rodrigues.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DIREITO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS
Salvador 2007
RENATO AMOEDO NADIER RODRIGUES
DIREITO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Direito Privado e Econômico.
Orientador: Prof. Dr. Edivaldo M. Boaventura
Salvador 2007
FICHA CATALOGRÁFICA
Nadier Rodrigues, Renato Amoedo
Direito dos acionistas minoritários / Renato Amoedo Nadier Rodrigues. - 2007. 311 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia - UFBA. Mestrado em Direito Privado e Econômico, 2007.
Orientador: Prof. Dr. Edivaldo M. Boaventura.
1. Sociedades por ações. 2. Acionistas minoritários. 3. Direito societário. I. Boaventura, Edivaldo M., orient. II. Universidade Federal da Bahia. III. Título.
CDD: 342.224
Bibliotecária responsável: Núbia Oliveira
CRB: 1381
RENATO AMOEDO NADIER RODRIGUES
DIREITO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Direito Privado e
Econômico.
BANCA EXAMINADORA EDIVALDO MACHADO BOAVENTURA Ph.D. em Educação pela The Pennsylvania State University, EUA. Livre Docente e Doutor em Direito, Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professor Emérito da UFBA. WASHINGTON LUIZ DA TRINDADE Livre Docente e Doutor em Direito da Universidade Federal da Bahia UFBA. Professor Emérito da UFBA. ALÍRIO FERNANDO BARBOSA DE SOUZA Doutor em Educação Superior pela The Pennsylvania State University, EUA. Mestre em Sociologia pela UFBA. Professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado da Fundação Visconde de Cairú. Professor da Universidade Católica de Salvador - UCSAL.
La società commerciale di oggi affonda le sue radici nel primordiale diritto della ‘societas’. Secoli e secoli sono passati, dando origine a forme più progredire e sottili, ad organismi giganteschi, nella variazioni sensibili dell`economia, ma la trama spituale della società è
perenne e criatallina. Lorenzo Massa, Trattato del Nuovo Diritto Commertiale
Talvez nenhum outro instrumento penetre tão profundamente suas raízes no húmus da vida econômica quanto a sociedade anônima, e a problemática que dela resulta é, ao mesmo tempo,
de ordem normativa e de ordem econômico-financeira, justamente porque os fatos da economia, observados com os meios avançados da pesquisa moderna, derivam seus próprios
pressupostos[...]A sociedade anônima,hoje sociedade por ações, não pode por certo cristalizar-se em estrutura imutável.
Carlos Emilio Ferri, Relatório dos Anais do Simpósio sobre a Reforma da Sociedade por Ações – 1964
La démocratie parlamentaire vient habilement au secours du capitalisme Elle entretient chez
les ationnaires la grande illusion. Elle flate l’ésprit d´égalité. Georges Ripert, Aspects Juridiques du Capitalisme Moderne
The modern economic world is centered in companies as structures of control; don’t forget this word: bureaucracy […]The illusion of executive management is more sophisticated, and
– recently – one of the most evidents forms of frauds. The owners, the stockholders, in general are recognized, even applauded, but they don’t have any executive role.
John Kenneth Galbraith, The Economics of Innocent Fraud – truth for our time
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço ao Professor Emérito Edivaldo Machado
Boaventura, pelo comprometimento total – sem ter qualquer obrigação de fazê-lo – e pelas
lições de Direito, Administração, Metodologia, Educação e de vida. Agradeço não apenas por
ter viabilizado a execução da pesquisa e a redação do relatório, mas pelo exemplo de
pesquisador, professor e orientador que multiplica sua seriedade e honestidade, qualidades
árduas e raras neste país.
Agradeço, de forma pessoal e especial, aos Professores Washington Trindade e
Augusto Aras, o primeiro por receber-me até em sua própria casa dividindo lições
absolutamente vitais – porém negligenciadas pela maioria; o segundo pela assistência
constante para orientar um tirocínio com todas as dificuldades possíveis transformando aluno
em professor.
Devo agradecer àqueles que representaram apoio complementar ao trabalho: aos
demais Professores do Programa que nunca faltaram em qualquer obrigação; devo agradecer
aos mestres do passado e àqueles que publicaram seus conhecimentos possibilitando as
conclusões do presente; e, enfim, aos professores que responderam o questionário solicitado.
Devo agradecer àqueles que representaram apoio suplementar ao trabalho de
pesquisa: aos colegas deste Programa e de outros, como Rodrigo Valverde pela aplicação dos
questionários na PUC/SP e FGV/SP; ao Professor Paulo Moraes, pelo apoio e orientação nas
matérias microeconômicas e na Acadepol.
Devo agradecer aos que propiciaram apoio replementar, aos funcionários do
programa, assim como aos revisores e a todos os outros que se envolveram positivamente em
alguma fase do Mestrado.
At last, but not least, agradeço aos que criaram dificuldades por motivações
pessoais ou políticas, sem eles não haveria superação; agradeço aos meus mantenedores
materiais: meus pais, à Faculdade Batista Brasileira, à Unyahna, à Faculdade de Tecnologia
Empresarial, ao Governo do Estado da Bahia e até a Capes – que ofereceu uma bolsa de
forma espontânea, mas também extemporânea (dias antes do fim do Mestrado).
RESUMO
Esta dissertação tem como objeto desvendar a temática do Direito dos acionistas minoritários, desta forma, objetiva esclarecer conteúdos, sentidos, fundamentos e justificativas de tais normas. A obra se divide em duas partes, a primeira se dedica a explicar as sociedades por ações e a segunda, o Direito dos acionistas minoritários. Quatro diretrizes foram valorizadas na composição do texto final em seções particulares; preliminarmente, foram descritos, de forma didática, os elementos: histórico e particularidades das sociedades por ações; em seqüência, explicações sobre o acionista e sua relação de poder que representam a dogmática conceitual básica; na terceira parte, descrevem-se, de forma aprofundada, os institutos de tutela dos acionistas minoritários e seus instrumentos reivindicatórios; e, finalmente, diferentes possibilidades para a fundamentação do objeto de estudo são exploradas, debatidas e testadas frente aos conceitos e institutos jurídicos consagrados. Para responder ao problema de pesquisa “quais os fundamentos dos direitos dos acionistas minoritários?” são abordadas quatro hipóteses de solução: primeiramente, a aplicação de uma principiologia infraconstitucional é descrita, segundo o caso germânico; em outra aplicação de teoria originalmente alemã, verifica-se no caso pátrio se a horizontalização dos direitos fundamentais seria uma explicação idônea; em uma terceira possibilidade, analisam-se os bens jurídicos tutelados nos dispositivos que positivam os direitos estudados, verificando-se a existência de novos valores axiológicos e jurídicos; e, como última tentativa, compila-se a contribuição norte-americana da Análise Econômica do Direito, segundo o método proposto por Posner, como forma de constatar tal fundamentação na solução de problemas fáticos por indução – forma metodológica historicamente consagrada no Direito Comercial. O trabalho buscou superar o paradigma da mera compilação, documentária e doutrinária, típica da pesquisa jurídica ao propor uma pesquisa de campo, com critérios baseados na estatística, buscando ampliar os dados obtidos e confirmar suas conclusões em dados empíricos. De forma sintética, o texto enumera, explica e articula os direitos estudados em seus contextos de vigência e exercício, recomenda a ampliação das soluções consagradas e apresenta as dificuldades da aplicação de cada uma das hipóteses no problema proposto. Palavras-Chave: Direito Empresarial; Direito Societário; Sociedades por Ações; Acionistas; Acionistas Minoritários; Relações de Poder; Governança Corporativa; Sociedades Anônimas.
ABSTRACT
The following text has as object questions related with the shareholders of the minority group and his rights, in this terms, the work aim at clarify contents, meanings, fundaments and justifications of the studied rights. Four goals were preferred in the composition of the final version in different parts, at first, the historical, such as the elements and peculiarities of the corporation (in the meaning of anonymous society or share company); then, explanations about the actionists and his relations of power represents the basic conceptual dogmatic; in the third part, the different forms of protection of the shareholders of the minority group are related and his ways of demanding; and, at last, the probable possibilities in fundament of the object are tested, refuted and explored through institutes and concepts in the juridical tradition. Answering the research problem, “which is the foundation of the minority rights?”, four hypothesis were tested: - at first, the application of under-constitutional principles is described, in the Germany case; - then, in another theory originally German, it’s verified if in the Brazilian reality the horizontal application of the fundamental rights would be a possible explanation; in an third path, the legally protected interests in the norms that states the studied rights are analyzed, searching for new axiological and juridical values; and, at last, the text considers the American contribution in the Economic Analysis of Law, as a mean to demonstrate the referred fundaments in the solution of concrete problems by induction – the consecrated methodological way in the practice of the Commercial Law. Summarizing in few words, the text not only enumerates, explains and articulates the studied rights in the contexts of validity and application but also recommends the magnifying of consecrated solutions and presents the difficulties in adopt any of the hypotheses tested. Key-words: Corporate Law, Corporation; Share company; Shareholders; Stakeholders; Corporate Governance; shareholder’s minority group; protection of minority.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. – Artigo;
AED – Análise Econômica do Direito;
AktG – Lei das Sociedades por Ações Alemã (Aktiengesetz);
Bacen – Banco Central do Brasil;
BGB – Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão);
Bovespa – Bolsa de Valores de São Paulo;
Drag Along – Cláusula que obriga, através de acordo de acionistas, a venda das ações dos
minoritários por certa fração do valor pago ao controlador;
CAOB – Company Accounting Oversight Board;
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEJ – Centro de Estudos Judiciários;
CF – Constituição Federal;
CF/1988 – Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988;
CJF – Conselho da Justiça Federal;
CVM – Comissão de Valores Mobiliários;
D.O.U. – Diário Oficial da União;
EAL – Economic Analysis of Law;
EEUU – Estados Unidos da América;
EUA – Estados Unidos da América;
FGV – Fundação Getúlio Vargas;
HGB – Handelsgesetzbuch (Código Comercial Alemão);
IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa;
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
KonTrag – Gesetz zur Kontrolle und Transparenz im Unternehmensbereich (Lei Alemã sobre
o controle e transparência na área empresarial);
LSA – Lei das Sociedades Anônimas – Lei 6404/76 com suas alterações posteriores;
LMC – Lei do Mercado de Capitais – Lei 6385/76 com suas alterações posteriores;
NCC – Novo Código Civil – Lei 10.406/2002;
OPA – Oferta Pública de Ações;
PROER – Programa de Estimulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional;
PUC – Pontifícia Universidade Católica;
RBDN – Regulamento Bovespa de Mercados de Níveis Diferenciados de Governança
Corporativa, tal como disponível no sítio eletrônico da Bovespa;
S.A. – Sociedade Anônima;
SEC – Securities and Exchange Commission (órgão de controle do mercado de capitais norte-
americano);
SOA – Sarbanes-Oxley Act of 2002;
STF – Supremo Tribunal Federal;
STJ – Supremo Tribunal de Justiça;
SUSEP – Superintendência de Seguros Privados;
Tag Along – Direito de saída conjunta1, economicamente, representa a distribuição do prêmio
de controle;
UCSAL – Universidade Católica do Salvador;
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro;
UFBA – Universidade Federal da Bahia;
USA – United States of América;
V.O.C. – Vereenigde Oost-Indische Compagnie (Companhia das Índias Orientais).
1 No tag along o acionista controlador assume a obrigação de só alienar suas ações para quem se disponha a adquirir também as ações dos minoritários pelo mesmo preço ou por um percentual preestabelecido deste preço, normalmente entre 80 e 90%. Esta obrigação pode superar a exigência legal surgindo no Estatuto Social ou em acordo de acionistas.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 13
1.1 TEMA 13
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA 15
1.3 OBJETO 16
1.4 OBJETIVOS 16
1.4.1 Objetivos gerais 16
1.4.2 Objetivos específicos 17
1.5 JUSTIFICATIVA 18
1.5.1 Atualidade e importância do tema 18
1.5.2 Adequação com as Linhas de Pesquisa do Programa de Mestrado em
Direito 20
1.5.3 Viabilidade da pesquisa 22
1.6 METODOLOGIA 22
1.7 REVISÃO DE LITERATURA CONCERNENTE 25
1.8 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 29
PRIMEIRA PARTE – SOCIEDADE POR AÇÕES 31
2 SOCIEDADE POR AÇÕES E A TUTELA DO ACIONISTA 33
2.1 CONCEITOS PRELIMINARES 33
2.2 REGISTROS HISTÓRICOS E LEGISLATIVOS DAS SOCIEDADES POR
AÇÕES 45
2.2.1 Gênese Econômica 45
2.2.2 Evolução Sistêmica 49
2.2.3 Realidade pátria vigente 55
2.2.3.1 LSA (Lei 6404/76) e precedentes 55
2.2.3.2 Do Código Comercial ao Código Civil Vigente (Lei 10.406, de 10 de Janeiro
de 2002) 59
2.2.3.3 Desafios e Tendências 66
2.2.3.3.1 Caso Enron e o Sarbanes-Oxley Act of 2002 (SOA) 72
2.3 TEORIAS DA ORGANIZAÇÃO INTERNA DA SOCIEDADE POR AÇÕES 74
2.3.1 A Teoria Contratualista 75
2.3.2 A Teoria Institucionalista 78
2.3.3 As Teorias Modernas 79
2.3.3.1 A Teoria do Contrato Associativo ou Contrato Organização 80
2.3.3.2 A Teoria dos Sistemas 82
3 PODER NA SOCIEDADE POR AÇÕES 84
3.1 ACIONISTA E SUAS RELAÇÕES DE PODER 84
3.2 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS ACIONISTAS 86
3.2.1 Direitos Essenciais 86
3.2.2 Direitos Não Essenciais 90
3.2.2.1 Impedimentos 91
3.2.2.2 Acordos de Acionistas 92
3.3 DEVERES E SUSPENSÃO DE DIREITOS 94
3.4 FORMAS DE INFLUÊNCIA E CONTROLE 97
3.4.1 Poder de Controle Interno - Mecanismos de Poder 97
3.4.2 Órgãos nas Sociedades por Ações 101
3.4.2.1 Assembléia Geral 104
3.4.2.2 Conselho de Administração 105
3.4.2.3 Diretoria 106
3.4.2.4 Conselho Fiscal 106
3.4.2.5 Auditores Independentes 107
3.4.3 Controle Externo e os Stakeholders 108
3.5 CONFLITOS DE INTERESSES 113
3.5.1 Fundamento Econômico 114
3.5.2 Fundamento Jurídico 115
3.6 CONTROLE DIFUSO DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS 116
SEGUNDA PARTE – DIREITO DOS MINORITÁRIOS 121
4 PROTEÇÃO DOS MINORITÁRIOS 122
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO ÀS MINORIAS 122
4.1.1 Realidade Legal Vigente 127
4.1.2 Contextos Para-legais: Novo Mercado e a Governança Corporativa 130
4.2 AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS 134
4.2.1 Possibilidades de Abusos e Responsabilidades 134
4.2.1.1 Controladores 134
4.2.1.2 Administradores ou Gestores 138
4.2.1.2.1 Deveres 139
4.2.1.3 Responsabilidades 142
4.2.1.4 Teoria Ultra Vires e desconsideração da pessoa jurídica em face da Teoria da
Aparência e da teoria dos atos próprios 147
4.2.2 Crimes Contra o Mercado de Capitais 152
4.2.2.1 Manipulação de Mercado 153
4.2.2.2 Uso Indevido de Informação Privilegiada 155
4.2.2.3 Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função 157
4.3 TUTELA DOS MINORITÁRIOS NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA ATUAL 158
4.3.1 As regras de transparência 158
4.3.2 Mecanismos de Tag Along e Drag Along na hipótese de alienação do
controle 159
4.3.3 Direito de recesso ou retirada 162
4.3.4 Tutela dos Acionistas Minoritários na Hipótese de Fechamento do Capital
de Sociedade Aberta 164
4.3.5 Participação dos Minoritários na Composição do Conselho de
Administração 166
4.3.6 Alteração na Proporção entre Ações Ordinárias e Preferenciais 169
4.4 MECANISMOS REIVINDICATÓRIOS 170
4.4.1 Ombudsman 170
4.4.2 Câmaras de Arbitragem 172
4.4.3 Fundo de Garantia da Bolsa 172
5 FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO AOS MINORITÁRIOS 174
5.1 TUTELA DAS MINORIAS SOB A PERSPECTIVA DE PRINCÍPIOS DE
PROTEÇÃO DIRETOS – POR ANALOGIA À LEGISLAÇÃO ALEMÃ 174
5.1.1 Princípio dos Bons Costumes 174
5.1.2 Princípio da Isonomia 175
5.1.3 Princípio da Lealdade 176
5.2 PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL PÁTRIA CORRELATA 177
5.3 BENS JURÍDICOS TUTELADOS 182
5.4 FUNDAMENTAÇÃO PELA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO 183
6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 191
REFERÊNCIAS 198
APÊNDICE A – FORMULÁRIO DE QUESTÕES DA AMOSTRAGEM 213
APÊNDICE B – COMPILAÇÃO DAS RESPOSTAS OBTIDAS NA
AMOSTRAGEM 215
APÊNDICE C – QUADRO COMPARATIVO DE ÓRGÃOS SOCIETÁRIOS 216
ANEXO A – REGULAMENTOS BOVESPA DE MERCADOS DE NÍVEIS
DIFERENCIADOS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA 217
ANEXO B – REGULAMENTO BOVESPA DE LISTAGEM NO NOVO
MERCADO 273
13
1 INTRODUÇÃO
1.1 TEMA
É notória a importância das sociedades por ações para a viabilidade da ordem
econômica e do estilo de vida contemporâneo. Desde os primeiros centros de comércio de
títulos e ações na expansão comercial mediterrânea na Revolução Comercial até o mal fadado
“encilhamento” da época de Ruy Barbosa e os “zangões” da República Velha, resta mais que
provada a capacidade, extraordinária e universal, das sociedades de capital de captar enormes
quantidades de recursos com a emissão de variadas espécies de títulos (securities).
Georges Ripert2 (1947) comenta que a sociedade anônima é o maravilhoso
mecanismo de financiamento das grandes empresas, porque permite atender a uma extensa
área de poupança atraída simultaneamente pela limitação da responsabilidade e pela
possibilidade de negociação dos títulos, obtendo liquidez a qualquer momento no mercado
mobiliário. Porém, para que as companhias cumpram sua missão econômica, diversas
adaptações têm sido necessárias no decorrer do tempo.
De fato, a formatação da sociedade por ações tem se modificado com o passar das
eras, de forma gradativamente mais acelerada com o desenvolvimento da comunicação e com
a dinamização das atividades humanas. As mudanças mais recentes ocorridas derivam, no
plano internacional, das crises de auditorias fraudulentas e, no plano nacional, da privatização
das empresas estatais e do desenvolvimento do mercado acionário como forma alternativa de
captação de recursos estrangeiros, preferindo a atual política econômica o investimento direto
e a aplicação em ações em vez de empréstimos feitos a bancos ou empresas brasileiras.
Como ilustra Calixto Salomão Filho3 (2006, p. 15), o Novo Direito Empresarial
apresenta uma nova classificação como Direito Empresarial Público com seus caracteres: a)
integrando-se ao Direito Econômico4, em uma particular concepção, com as teorias modernas
2 RIPERT, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1947. Pelo prefácio do ministro Philadelpho Azevedo, fica claro que Ripert e Henri Capitant representavam os dois pólos de evidência jurídica na França do início do século passado e, nessa obra, são revelados os maiores temas relacionados às sociedades por ações no passado até aquele momento histórico. 3 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo Direito Societário. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 4 Sobre o Direito Econômico observar as referências: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006; BRITO, Edvaldo. Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico: desenvolvimento econômico, bem-estar social. São Paulo: Saraiva, 1982; SILVA NETO, Manuel Jorge e. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: LTr, 2001; BAGNOLI, Vicente. Direito Econômico. São Paulo: Atlas, 2006.
14
do interesse social e da eficiência – conseqüentes da interdisciplinaridade; b) uma nova
estrutura, com a diluição do controle; e, finalmente, c) novas responsabilidades representadas
por direitos e formas de controle, a que se dedica a esta dissertação.
Na presente pesquisa, procurar-se-á discutir a aplicabilidade e o fundamento de
cada um dos direitos que protegem os acionistas minoritários na legislação pátria como
referencial primário, mas sem ignorar os exemplos estrangeiros como referência de
comparação.
O objetivo da dissertação, além de enumerar e discutir as normas relativas ao
tema, é o de demonstrar a fundamentação das tutelas legais aos acionistas minoritários,
rejeitando as explicações que consideram esses dispositivos normativos como meros
instrumentos de políticas públicas casuísticas sem fundamentos jurídicos5.
No desenvolver da pesquisa são debatidas diversas possibilidades em relação à
fundamentação do objeto, sob diversas perspectivas: a) a partir de explicações derivadas de
princípios constitucionais; b) da existência de novos valores concretizados como bens
jurídicos infraconstitucionais; ou mesmo, c) da adoção da Análise Econômica do Direito –
AED.
A conclusão pretendida, se viável, além de reafirmar toda norma inserida na
moral, poderia remeter a uma nova interpretação da constitucionalização dos mais diversos
direitos, a uma mitigação da lógica indutiva do Direito Comercial e, por fim, forneceria um
argumento justificador e integrador do sistema jurídico, uma diretriz em momento de grandes
mudanças nesse domínio normativo.
Uma vez demonstrado que as normas estudadas derivam de valores fundamentais
e não de uma lógica mercadológica, ou prática, seria lógico concluir da influência desses
valores em todas as outras normas da mesma natureza. Dessa forma, todas as mudanças
legislativas ao longo da história versando sobre as organizações societárias em estudo
estariam justificadas nas mudanças de valores das sociedades expressas em suas constituições
e nas garantias que consideravam fundamentais.
O corte aplicado na pesquisa limita o estudo nas sociedades por ações, mas pode-
se afirmar que o fenômeno observado de tutela do sócio minoritário – com o avanço na
burocracia societária – é uma tendência geral na prática e na legislação que supera os tipos
5 Esta posição contraria a importância do estudo do Direito e dos institutos estudados. Outro pressuposto adotado que reforça a investigação dos fundamentos dos dispositivos legais é de que o Direito como conjunto de normas está contido na moral – negando as teorias tangenciais e a possibilidade da norma sem conteúdo valorativo. Mesmo os defensores da teoria tangencial como Miguel Reale (1999) reservam sua aplicação para normas informativas, ou impróprias na concepção kelseniana, o que não se aplica ao caso em tela.
15
societários estudados – como até mesmo o Código Civil vigente (Lei 10.406, de 10 de Janeiro
de 2002) exemplifica ao avançar no processo de administração da segunda grande espécie
societária do direito pátrio, a sociedade limitada.
De modo objetivo, far-se-á uma breve discussão sobre um aspecto do Direito
Societário, enfocando seu desenvolvimento histórico, com o fito de explicar a sociedade
contemporânea por ações em sua definição, natureza e composição – derivada de séculos de
evolução. Em um segundo momento, a análise dos direitos dos acionistas minoritários será
detalhada, com enfoque dogmático, abordando-se questões como seu conceito, origem,
evolução e classificação. Posteriormente, serão estudadas as motivações, a eficácia e o
momento de criação de cada uma das normas referentes ao tema na legislação pátria. Por fim,
serão expostas, de forma clara e objetiva, as conclusões propiciadas pela pesquisa.
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA
O tema “Direito dos Acionistas Minoritários” foi escolhido após o contato com
doutrinas pátrias consideradas insuficientes6 (PERIN JUNIOR, 2004; AMENDOLARA,
2003) que fundamentavam tais direitos em justificativas parciais, alegando o aumento da
confiança ou garantia dos investidores no mercado acionário como seu principal mote. Dessa
forma o problema de pesquisa resume-se em: “Quais os fundamentos dos direitos dos
acionistas minoritários?”.
Desta inquietação surgem outros questionamentos: Uma fundamentação
principiológica baseada na ordem constitucional, como ocorre em outros ordenamentos, seria
implícita na legislação pátria? Tal fundamentação principiológica seria desejável em termos
doutrinários? Teria a proposta doutrinária citada efeito prático sobre futuras decisões?
Como conclusão dogmática, possíveis respostas que podem residir na teoria de
horizontalização de direitos fundamentais, como acentua Sarmento7 (2004), ou mesmo nos
6 PERIN JUNIOR, Ecio. A Lei 10303/2001 e a proteção do acionista minoritário. São Paulo: Saraiva, 2004. A obra referenciada é um manual prático-profissional.AMENDOLARA, Leslie. Direito dos acionistas minoritários e a nova Lei das S.A. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2003. Descreve publicação conseqüente de uma dissertação de mestrado sobre mesmo tema. Em ambas as obras o tema dos direitos dos acionistas é tratado, mas não há resposta satisfatória quanto a sua fundamentação. 7 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2004. A obra referenciada reproduz os resultados da pesquisa na produção da Tese de doutorado com o mesmo título defendida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ.
16
exemplos em que são definidos princípios constitucionais específicos na tutela dos direitos
estudados.
Em tempo, vale citar outras questões orientadoras da problemática estudada, a
saber: Quais as origens dos direitos estudados? Quais as justificativas dos direitos estudados?
Há origem de ordem constitucional nos institutos estudados? Em caso positivo, quais seriam?
Quais as implicações ligadas à definição da fundamentação dos institutos estudados? A
governança corporativa indica novos valores morais e bens jurídicos tutelados? Os direitos
estudados derivariam de novos valores morais?
1.3 OBJETO
Dentro desse cenário de constante evolução, emerge o presente objeto de estudo:
os direitos dos acionistas minoritários - surgidos da popularização do mercado de ações – e,
caracterizados pela soma das faculdades legais dos acionistas em situação minoritária que
visam limitar os poderes individuais ou de grupos econômicos que se encontrem em situação
majoritária, no comando da sociedade, evitando prejuízos das finalidades precípuas da
natureza do regime societário em questão.
Dessa forma, em sentido amplo, poder-se-ia definir o objeto de estudo como o
conjunto de direitos dos acionistas minoritários com seus matizes, origem, conteúdo e
fundamentação.
1.4 OBJETIVOS
1.4.1 Objetivos gerais
Produzir e compilar conhecimentos sobre o tema com o fim de obter uma
conclusão pertinente. De forma precisa, o objetivo do trabalho proposto é descrever e
fundamentar, juridicamente em princípios, em premissas maiores, os conteúdos dos direitos
específicos dos acionistas minoritários consagrados na prática mundial e positivados na
realidade pátria.
17
A dissertação, uma vez obtendo resposta teórica objetiva que integre e propicie
uma nova visão do sistema jurídico (objetivo imediato), pretende reafirmar o Direito coeso da
Constituição Federal às leis civis e comerciais (objetivo mediato) e, acima de tudo, derivado
de valores e nunca de conveniências instrumentais. Busca-se demonstrar – em um momento
de grandes mudanças e indefinições – afirmativas com valor sistêmico, úteis à compreensão e
à aplicação das normas, mas que também propiciem outras indagações, uma vez que mitigam
lógicas e contrariam posicionamento dominante.
É objetivo do trabalho expor, de forma didática e objetiva, as principais
controvérsias a respeito dessas importantes questões, sem receio quanto a emitir sugestões,
buscando, assim, contribuir de alguma forma para o desenvolvimento da Ciência do Direito.
1.4.2 Objetivos específicos
O objetivo específico primordial é produzir acréscimo doutrinário, influenciando
positivamente no estudo e nas práticas futuras relativas ao tema estudado, por meio da
compilação e da análise dos institutos mencionados. Em outras palavras, pretende-se
reafirmar teoricamente a hierarquia das normas, possibilitando mecanismos para sua
constitucionalização; provar o Direito produto da moral e de valores consagrados na Carta
Magna; apontar lacunas doutrinárias reincidentes na literatura pátria – listada na revisão
bibliográfica de Amendolara (2003) e Perin Junior (2004) – e listar e explicar cada um dos
direitos dos acionistas minoritários, assim como, seus possíveis fundamentos jurídicos.
Em suma, são objetivos a ser alcançados:
a) indicar a correta origem analítica do objeto estudado;
b) produzir uma contribuição que facilite a aplicação e o entendimento das normas
estudadas;
c) propiciar uma análise similar a outros institutos;
d) influenciar, positivamente, para que as decisões judiciais e legislativas – assim
como as futuras publicações – sejam mais técnicas; e, por fim,
e) divulgar e debater as conclusões obtidas.
18
1.5 JUSTIFICATIVA
1.5.1 Atualidade e importância do tema
No momento em que o Direito Comercial sofre sua quarta fase histórica e sua
terceira definição8 – a subjetiva moderna transformando-se no Direito das Empresas – no qual
mesmo os princípios mais básicos de teorias como a cambiária demonstram-se inócuos
perante as novas práticas – uma vez que não há mais cartularidade qualquer na ação ou em
títulos eletrônicos – trabalhos como este tem mais importância, uma vez que mitigam lógicas,
propõem soluções de integração e eficiência do sistema jurídico e apontam soluções
engrandecendo a Ciência do Direito e a teoria relativa ao mister.
A originalidade do trabalho proposto, como demonstrado no próprio tema, será
revelada no seu desenvolvimento e encerrada na conclusão, embasada pela Teoria Geral do
Direito, pela hermenêutica constitucional contemporânea e pelas mais modernas teorias de
aplicação de Direitos Fundamentais nas relações privadas. Contrariando as explicações da
doutrina especializada, o trabalho buscará legitimar as normas protetivas detalhadas
anteriormente como legitimadas, seja pela horizontalização de Direitos Fundamentais ou pelo
surgimento de novos valores morais, como normas derivadas de valores jurídicos, e não
apenas de fundamento economicista e tecnicista como alegado por alguns9.
O pressuposto, se viável, além de reafirmar toda norma inserida analiticamente
derivada da Constituição, poderia remeter a uma nova interpretação da constitucionalização
8 Como demonstram Rubens Requião (2003, p. 8-14) e Paulo Sérgio Restiffe (2006, p.13-14), a matéria repousa em sua terceira definição e em sua quarta fase de desenvolvimento. As fases históricas seriam: a) a primeira fase com as corporações de oficio na Idade Média; b) a fase segunda, decorrente da jurisdição estatal com a formação dos Estados Nacionais; c) a terceira fase ocorreria com o advento da teoria dos atos de comércio expressa no Código de Savary de 1673 e no Código Napoleônico de 1807; e, d) a quarta fase seria a decorrente da teoria da empresa após o Código Civil Italiano de 1942. As definições respectivas seriam: a) o conceito histórico da matéria ocorrente nas corporações de oficio do medievo que é o subjetivo, nesta fase o “Direito dos Comerciantes” representa a disciplina histórica dos comerciantes aplicando se àqueles que estivessem sob sua jurisdição; b) o segundo conceito decorre da teoria dos atos do comércio e da segunda fase histórica da matéria com o monopólio da jurisdição pelos Estados-Nacionais e é denominado “Direito dos Atos de Comércio”, ou “Direito do Comércio”, utilizando-se do critério objetivo; e, c) o conceito atual é o de “Direito Empresarial” ou “Direito das Empresas” em decorrência da teoria de Vivante. 9 Márcio Souza Guimarães (2005) chega a afirmar que “não se busca, nas sociedades anônimas, a proteção do minoritário, mas sim dos cidadãos que investem suas <<economias>> no mercado de valores mobiliários. Um mercado forte significa um país com economia sólida, nos moldes da economia norte-americana” como se a ação estatal garantindo direitos tivesse como meta a economia e como meio o individuo. Por princípio, em função da valorização da condição humana, os cidadãos e as coletividades não devem ser considerados meios e sim fins.
19
dos Direitos, a uma mitigação da lógica indutiva do Direito Comercial – que desde sua origem
tem como lógica mais significativa a busca de regras nas práticas e soluções específicas e não
em premissas gerais (como se faz no Direito Civil) – e, por fim, forneceria um argumento
justificador e integrador do sistema jurídico, uma diretriz em uma era de grandes mudanças
em praticamente toda a problemática deste ramo do Direito.
Os direitos e tutelas dos acionistas minoritários é tema vital, atual e mundialmente
consagrado com práticas – entretanto é praticamente ignorado pelos manuais e cursos mais
comuns de uso nacional. Afora a bibliografia ordinária dos cursos e manuais, que quando muito se reduzem
a enumerar e classificar os direitos e deveres gerais dos acionistas - particularizando nesse
mister apenas nos casos do sócio controlador e do administrador, extrapolando inclusive com
avançadas teorias de desconsideração da pessoa jurídica, em certo caso, até na empresa
individual – apenas literatura especifica versa sobre os direitos dos minoritários.
Diminui-se ainda mais tal universo se a busca é por obras que fundamentem
juridicamente esses direitos, uma vez que os autores que versam sobre a temática alegam
motivações que não podem satisfazer aqueles com maior formação principiológica – que
compreendem a norma derivada de valor, de enunciados fundamentais. Em suma, não há o
tratamento, com estudos e publicações, que a complexidade do tema exige.
À primeira vista, fundamentar normas com bens jurídicos constitucionais pode
parecer uma missão óbvia e fácil, quanto a isso existem fatos a ser considerados: que sem o
fundamental não há o complexo; que, se fosse fácil, os doutrinadores do tema não argüiriam
suas justificativas praticistas, segundo políticas momentâneas, tecnicamente errôneas e falhas,
segundo qualquer hermenêutica constitucional, ao desconsiderar o Direito inserido na moral;
e, que tudo aquilo que parece simples no presente, como o mero acender de uma lâmpada
elétrica, dependeu de vidas de gênios dedicados ao estudo e a tentativa de soluções.
Por fim, considera-se o fato de haver diversas obras conseqüentes de recentes
trabalhos de mestrado e doutorado na revisão bibliográfica concernente e no referencial
teórico versando, em todos os casos, sobre temas correlatos como prova da importância e
atualidade do tema. Exemplificam e comprovam tal afirmação o livro de Daniel Sarmento
(2004) descrevendo os Direitos Fundamentais nas relações privadas; a obra de Ecio Perin
Junior (2004) destacando a proteção ao acionista minoritário com o advento da Lei
20
10303/2001; a publicação de Nilson Lautenschleger Júnior10 (2005) prevendo os desafios
propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial pátrio; a edição de Leslie
Amendolara (2003) que ensina sobre os direitos dos acionistas minoritários; e, enfim, a
dissertação de Márcio Souza Guimarães11 (2005) sobre o controle difuso das sociedades
anônimas pelo Ministério Público.
1.5.2 Adequação com as Linhas de Pesquisa do Programa de Mestrado em Direito
O tema proposto está plenamente adequado às linhas de pesquisa do Programa,
em especial a relativa à “Instituições Interferentes na Atividade Econômica”, da área de
concentração em Direito Privado e Econômico.
De acordo com o que se espera de uma dissertação de mestrado, o trabalho
proposto, como será a seguir demonstrado, abordará o limite do conhecimento, o “estado da
arte”, de temas ligados à classe de sociedades que representam as mais importantes
instituições de Direito Privado, as sociedades por ações.
Reunindo a importância indubitável ultracitada ao que há de mais atual na
doutrina, na legislação e na prática relacionada ao mister, serão abordadas questões como os
princípios relacionados em legislações estrangeiras, as teorias mais modernas que explicam a
sociedade por ações e a tutela do acionista, a evolução histórica da proteção das minorias, a
definição de conceitos de minoria, maioria e dos direitos dos acionistas, o funcionamento das
modernas sociedades e as tendências com o chamado controle externo, a governança
corporativa e o Neumarkt (Novo Mercado) e suas conseqüências práticas na defesa dos
minoritários nos institutos, adotados ou não, na legislação pátria como o drag along, o tag
along e as tutelas dos minoritários em outras hipóteses determinadas. Em suma, uma
variedade de pontos que, individualmente, já representam importância crítica serão abordados
e, vez que estão associados da forma proposta, demonstram adequação completa à temática
abordada no programa.
10 LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, Nilson. Os desafios propostos pela governança corporativa ao Direito Empresarial brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005. Esta obra descreve resumidamente as pesquisas do autor na composição de sua Tese de doutorado perante a Ludwing-Maximilians-Universität-München (Alemanha). 11 GUIMARÃES, Márcio Souza. O controle difuso das sociedades anônimas pelo Ministério Público. São Paulo: Lúmen Juris, 2005. Este livro é inovador ao tratar de interesses transindividuais societários e as possibilidades de controle destes interesses pelo Ministério Público.
21
Se a horizontalização dos Direitos Fundamentais fosse tema axiomático e intuitivo
não estariam justificadas os recentes trabalhos de doutorado e mestrado sobre o tema
(SARMENTO, 2004). Da mesma forma, se a fundamentação e a estrita definição de cada um
dos direitos dos acionistas minoritários fossem tema claro e evidente, os manuais e cursos não
silenciariam sob o tema e muito menos a doutrina especializada se limitaria às
fundamentações ultracitadas.
Se, globalmente, a sociedade por ações é a forma societária das maiores empresas
existentes e se perpetua como a forma mais eficaz de captação de recursos para a criação de
grandes organismos para atividades econômicas determinadas, com a emissão dos chamados
securities (ações, debêntures, commercial papers, etc.), a importância desse instituto jurídico
extrapola o universo da produção para o mundo financeiro do mercado de capitais,
especialmente no Brasil onde se busca – desde a década de 90 com as privatizações e a
importação de políticas econômicas governamentais – substituir os empréstimos de bancos e
empresas brasileiras por investimentos diretos e com o oferecimento de participação acionária
como alternativas prioritárias de captação de recursos estrangeiros.
As sociedades por ações representadas na legislação pátria pela sociedade
anônima e pela sociedade em comandita por ações têm uma função peculiar que realça sua
importância para a economia. Não se refere neste ponto à missão consagrada de captar
recursos para a produção, mas graças às políticas econômicas que pretendem a manutenção do
equilíbrio da balança comercial graças ao investimento estrangeiro nessas instituições.
Em nações onde há mais investimento varejista em ações ou em fundos de ações,
há maior interesse nas instituições que capitaneiam a produção e regem a economia. No
Brasil, a situação é de transição – basta verificar que, em 1990, 2/3 (dois terços) das maiores
empresas brasileiras eram estatais (PERIN JUNIOR, 2004) e que, até o momento presente,
com o aumento do investimento privado nessas empresas, aumentou-se também, como é
público e notório, o interesse sobre seus regramentos.
Em um mundo cada vez mais dinâmico em que descobertas tecnológicas citam
uma crescente aceleração na produção, na comunicação e, conseqüentemente, nas relações
humanas, as mudanças normativas raramente são capazes de prever, ou sequer acompanhar,
as demandas sociais, transformando as leis em um empecilho e não em aliadas da atividade
econômica.
22
1.5.3 Viabilidade da pesquisa
É inquestionável a viabilidade da pesquisa a ser realizada. O tema escolhido é
amplamente discorrido pela doutrina nacional e estrangeira, sendo dotado de grande
atualidade e importância, face ao aprofundamento necessário acerca do gradativo aumento das
garantias aos minoritários. Não só estudiosos do Direito, mas também economistas,
administradores e outros especialistas em mercados de capitais e relações de poder em
sociedades produzem obras sobre temas correlatos.
Através do estudo da doutrina nacional e estrangeira acerca do tema a ser
abordado, bem como da jurisprudência dos tribunais brasileiros, aliada a uma pesquisa de
campo segundo o método do survey (levantamento) realizada através de entrevistas com
membros de órgãos interferentes no mercado de capitais, economistas, cientistas políticos,
advogados especializados em Direito Societário e Constitucional, membros do Ministério
Público, magistrados e professores universitários, o trabalho supera os limites usuais da
pesquisa jurídica de uso quase exclusivo dos mananciais doutrinários, bibliográficos e
documentais.
1.6 METODOLOGIA
Na realização da dissertação, será desenvolvida uma pesquisa que poderia ser
classificada como exploratória, objetivando a busca de soluções de problemas e questões
relevantes dentro do tema proposto. Segundo Antônio Carlos Gil (2002)12, as pesquisas
exploratórias: [...] têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevista com pessoas que tiveram experiência práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a compreensão (GIL, 2002, p. 41).
12 GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. A obra referenciada é citada, sobre as espécies de pesquisa, no livro BOAVENTURA, Edivaldo Machado. Metodologia da Pesquisa: monografia, dissertação e tese. São Paulo: Atlas, 2004.
23
Para instrumentalizar a dissertação, o mestrando desenvolveu pesquisa
bibliográfica, utilizando-se das técnicas de análise do conteúdo e do discurso – segundo as
lições de Laurence Bardin13 (1977) e Helena Nagamine N. Brandão14 (1993) – consistente na
exposição do pensamento dos mais diversos autores que já tenham escrito sobre as questões a
ser abordadas, tendo como fontes livros, artigos científicos, publicações periódicas e
impressos diversos referentes ao tema.
A Análise do Discurso ou “Análise de Discursos” é considerada em duplo sentido,
primeiro como técnica, depois como um campo da lingüística e da comunicação especializado
em analisar construções ideológicas presentes num texto. É muito utilizada, por exemplo, para
analisar textos informativos e as ideologias que trazem em si. Este tipo de análise é proposta
por seus doutrinadores com base na filosofia materialista que põe em questão a prática das
ciências humanas e a divisão do trabalho intelectual, de forma reflexiva. Como ilustra
Brandão (1993, p. 83): Nascida da necessidade de superar o quadro teórico de uma lingüística frasal e imanente que não dava conta do texto em toda sua complexidade, a Análise do Discurso volta-se para o “exterior” lingüístico, procurando apreender como no lingüístico inscrevem-se as condições sócio históricas de produção.
A análise de conteúdo, em seu turno, é definida (BARDIN, 1977, p. 09) como
“um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante
aperfeiçoamento, que se aplicam a <<discursos>> (conteúdos e continentes) extremamente
diversificados”.
O fator comum desejado da combinação destas técnicas lingüísticas e
interpretativas é uma hermenêutica controlada, baseada na inferência e capaz de conciliar o
esforço dos pólos objetivos e subjetivos da mensagem.
Foi desenvolvida pesquisa documental, na qual se valeu do estudo de materiais
padecentes de tratamento analítico, como estatutos sociais, memorandos, regulamentos,
boletins e documentos constitutivos e disciplinadores de sociedades por ações, a fim de
coletar dados que embasarão estudos histórico-comparativos dos temas a ser abordados.
13 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. representa um manual sobre como aplicar a técnica que enuncia em quatro etapas abertamente distintas e independentes: - na evolução e delineação da técnica; - em práticas, expondo exemplos do mecanismo dos processos; - nos métodos, descrevendo a análise de categorias por operação; e, - nas técnicas, demonstrando outras técnicas aplicáveis a função da análise de conteúdo como a analises de avaliação, de enunciação, de expressão e das relações. 14 BRANDÃO. Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1993. O escrito apresenta-se como uma obra moderna – até mesmo na adoção do sistema nome-data – que toma a forma de um manual e que se dedica ao <<exterior lingüístico>>, procurando apreender como no lingüístico inscrevem-se as condições sócio-históricas de produção, ou seja, é o contraponto temporal e espacial ao clássico francês.
24
Em relação aos procedimentos técnicos utilizados foi necessário - além da
pesquisa bibliográfica e documental - um levantamento por meio de amostragem. Este
procedimento é constituído pela interrogação direta das pessoas cujas características se deseja
conhecer, segundo uma seleção criteriosa e processos estatísticos, para possibilitar que as
conclusões sejam projetadas para a totalidade do universo considerando a margem de erro, ou
seja, em termos técnicos, que a amostra seja representativa, como cita Mário Triola (1999)15.
Na amostragem foi aplicado um questionário (Apêndice A) a especialistas
criteriosamente escolhidos. A seleção consistiu na eleição dos professores de conteúdos
pertinentes de três instituições de ensino de pós-graduação (FGV, PUC/SP e USP) que
aceitaram preencher o formulário e que responderam lidar profissionalmente com os temas
relacionados. Ou seja, aplicou-se um critério acadêmico, um profissional e um volitivo.
O método de seleção escolhido propiciou tão elevado grau de conhecimento do
tema que de toda população do levantamento apenas um não possuía doutorado concluso em
área correlata e apenas um não tinha graduação em Direito. Outro sinal da representatividade
dos escolhidos é a ocorrência de um terço deles como autores de livros referenciados e citados
no trabalho.
Quanto ao levantamento, será caracterizado, conforme lição de Antonio Carlos
Gil (2002, p. 114), “pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja
conhecer”, através da promoção de entrevistas com pessoas envolvidas e interessadas no tema
objeto do estudo tais como economistas, cientistas políticos, operadores das Bolsas, agentes
da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), administradores, professores universitários,
advogados especializados em Direito Societário ou Constitucional e magistrados como foram
executadas.
Dessa forma, o autor se propôs a colher os mais diversos pontos de vista acerca da
construção de uma fundamentação jurídica dos direitos dos minoritários, e de seu conteúdo,
visando alcançar a resposta mais adequada ao problema de pesquisa proposto integrando
conhecimentos de diversas matérias distintas segundo diferentes relações inter, trans e
multidisciplinares, como diferencia Maria Fátima Girardelli16(2007, p. 01): Segundo Piaget, as relações entre as disciplinas podem se dar em três níveis: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdiciplinaridade. Na multidiscipliaridade, recorremos a informações de várias matérias para estudar um determinado elemento, sem a preocupação de interligar as disciplinas entre si. [...]
15 TRIOLA, Mário F. Introdução à Estatística. 7. ed. Belo Horizonte: Ed. LTC, 1999. 16 GIRARDELLI, Maria de Fátima. Qual a Diferença entre multidiciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Manaus, fev. 2003. Disponível em: <http://pucrs.campus2.br/~annes/infie_interd.html>. Acesso em: 22 jan. 2007.
25
Na interdisciplinaridade, estabelecemos uma interação entre duas ou mais disciplinas [...] na transdiciplinaridade a cooperação entre as várias matérias é tanta, que não dá mais para separá-las e acaba surgindo uma nova <<macrodisciplina>>.
1.7 REVISÃO DE LITERATURA CONCERNENTE
A dissertação tem como objeto desvendar a temática dos direitos dos acionistas
minoritários, desta forma, objetiva esclarecer conteúdos, sentidos, fundamentos e
justificativas de tais direitos em um esquema direto e lógico, mas sem esquivar as lições dos
clássicos ou mesmo de disciplinas correlatas ao tema como a Economia, a Sociologia ou a
História. Comprovações exemplificativas de tais considerações residem na revisão
bibliográfica, nas premissas e argumentos utilizados.
A revisão de literatura sobre os direitos dos acionistas minoritários deve incluir
documentação relativa aos estatutos sociais, regulamentos e outros documentos constitutivos e
disciplinadores de sociedades por ações. No caso específico, a mais atual disciplina legal ao
tema refere-se à Lei 10.303/2001 e às instruções normativas da CVM.
As informações das instruções normativas sobre o tema estão compiladas em um
manual denominado “Recomendações da CVM sobre Governança Corporativa”, publicado
em junho de 2002 e distribuído gratuitamente pela CVM em sua sede e seu sítio eletrônico
assim como nos respectivos regulamentos da Bovespa (Anexos B e C) e em resoluções da
CVM – como a descrita no anexo A.
Na literatura sobre a origem e evolução destas sociedades, Franz Wieacker17
(1993) Georges Ripert (1947) e Rubens Requião18 (2003) debatem as diversas teorias quanto
ao seu surgimento - se nas sociedades venezianas de comércio ou nas “Companhias das
Índias” holandesas - além de demarcarem suas características iniciais e suas adaptações
econômicas e normativas com o passar das eras.
Superando os autores típicos da seara jurídica e fundando bases sólidas nos
clássicos de outras disciplinas ao descrever a evolução contextual das sociedades foram
17 WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. Embora a publicação descreva a História de diversos ramos do Direito Privado e tenha enfoque majoritário na realidade germânica, seu conteúdo também é idôneo a explicar, em grande parte, a evolução conjuntural e a origem das sociedades por ações. 18 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. O texto referenciado, neste caso, é uma das coleções mais difundidas do Direto Comercial no Brasil e se dedica tópicamente a diversos aspectos das sociedades comercias.
26
utilizados sociólogos como Raymond Aron19 (1985), historiadores como Fernand Braudel20
(1992a, b, c, 1995) e Eric Hobsbawn21 (1995).
Com o fito de desvendar os conceitos de economistas como Marx, Keynes e
Schumpeter, o subsídio de autores econômicos como Paul Strathern22 (2002) e Robert
Heilbroner23 (1996) foram necessários.
A primeira obra pátria dedicada especificamente às minorias nas sociedades
anônimas foi de Bulgarelli24 (1977), referenciada por seu valor histórico e comparada a
contribuições atuais como a de Leslie Amendolara (2003) que se ocupou, principalmente, de
enumerar direitos dos acionistas resguardando especial enfoque às diferentes normalizações
nacionais cronologicamente, aos mecanismos concretos de efetivação destas prerrogativas e à
citação de posições jurisprudenciais e doutrinárias na legislação pátria. Em sua obra existem,
inclusive, adendos com instruções da CVM na íntegra, assim como jurisprudências e
legislação especifica comentada. Desta forma, recepciona-se a trilogia da doutrina, da
jurisprudência e da legislação na pesquisa e investigação jurídica destacada por Boaventura
(2004, p. 99) no trecho: Para todo trabalho jurídico, seja um paper, monografia, dissertação ou tese, atenção especial merece o item Documento Jurídico (NBR 6023:2002, 7.9), que inclui legislação, jurisprudência (decisões judiciais) e doutrina (interpretação dos textos legais).
19 ARON, Raymond. History, truth, liberty: selected writings of Raymond Aron. Chicago: University of Chicago, 1985. A obra é uma compilação de textos de uma carreira com mais de 50 anos de produção acadêmica, desde a dissertação sobre as condições e limites do conhecimento válido na história e na sociologia até as interpretações das lições de Weber, Marx, Tocqueville e Keynes aplicadas as problemas sociais do século XX. 20 Neste caso, referem-se às três obras constituintes da coleção “Civilização e Capitalismo”, a saber: BRAUDEL, Fernand. The structures of everyday life: the limits of the possible. Tradução de Siân Reynolds. Berkley: University of California, 1992; BRAUDEL, Fernand. The wheels of commerce. Tradução de Siân Reynolds. Berkley: University of California, 1992; BRAUDEL, Fernand. The perspective of the world. Tradução de Siân Reynolds. Berkley: University of California, 1992, além da última obra do autor A history of civilizations. Traduzido por Richard Mayne. London: Penguin, 1995. 21 HOBSBAWN, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed. Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. O título, neste caso, serve para expor o pensamento de um historiador econômico que ilustra os fatos do século XX de forma particular e didática. 22 STRATHERN, Paul. Dr. Strangelove´s Game: a brief history of economic genius. London, Penguin Books, 2002. É uma obra singular que conta a história da economia contextualizada pela realidade subjetiva de seus principais protagonistas – os grandes economistas, historiadores econômicos e inovadores. 23 HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. Tradução Terezinha M. Deutsch. São Paulo: Nova Cultural, 1996, dedica-se com formato e conteúdo acadêmico às vidas, épocas e idéias dos maiores pensadores econômicos, na edição utilizada já se apresentam as modificações solicitadas por Galbraith – como a inclusão das notas de rodapé. 24 BULGARELLI, Waldirio. Regime jurídico da proteção às minorias nas sociedades anônimas. São Paulo: Biblioteca Pioneira de Direito Empresarial, 1977.
27
A importância capital destas fontes na investigação jurídica não é uma conclusão
recente. Clássicos do século passado já anunciam tal afirmativa, tal como Henri Capitant25
(1951, p. 31) em sua obra La Thèse de Doctorat en Droit ao se referir à documentação: Avant de paler de la rédaction de la thèse, revenons un peu en arrière pour donner quelques conseils sur la manière dont on doit conduire la documentation. Il fault entendre par là non seulement le dépouillement des ouvrages, monographies, articles, notes de jurisprudence publiés sur l’ínstitution étudiée, mais encore, suivant les cas, l’étude des précédents, le dépouillement de la jurisprudence ancienne et moderne, la consultation des statistiques, les recherches de droit comparé. Il est utile d’insister sur ces différents points.
Em uma análise, mais acadêmica do que prática, Ecio Perin Junior (2004) buscou
um enfoque mais teórico ao tema, enumerando os direitos dos acionistas, mas também se
dedicando a debater conceitos atinentes ao mister, a analisar diferentes teorias explicativas de
matérias conexas e, especialmente, a considerar doutrinas e legislações estrangeiras como
modelos de comparação. Esta obra soma no caráter conceitual, mas serve como objeto de
discordância a doutrina no que tange à fundamentação dos direitos que estuda.
Márcio Guimarães (2005), versando sobre a ação do Ministério Público (MP) no
Direito Societário, contribuiu com o tema abordando os direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos societários e explicando, didaticamente, os instrumentos da
disposição do Ministério Público para a tutela dos interesses transindividuais societários –
que, em grande parcela dos casos concretos, coincidem com interesses de minoritários, objeto
do trabalho.
No que concerne à interpretação de direitos com enfoque na sua horizontalização
e aplicação nas relações privadas, Daniel Sarmento (2004), em estudo sobre os reflexos dos
direitos fundamentais nas relações privadas, considera uma possibilidade de fundamentação
das prerrogativas estudadas, sendo, desta forma, fonte essencial por propor hipótese de
solução do tema-problema.
Em outra vertente de fundamentação, buscou-se a lógica da análise econômica do
Direito na obra de Posner26 (1996; 2003a) e a aplicação de sua argumentação no caso da tutela
estudada, aplicando-se suas análises sobre o regramento do mercado de capitais. Ainda
considerando a interface entre a Economia e o Direito, as lições de ganhadores do Nobel,
25 CAPITANT, Henri. La Thèse de Doctorat en Droit. 4. ed. Paris: Quatrieme 1951. 26 POSNER, Richard. El Análises Económico del Derecho. México: Fondo de Cultura Económica, 1996. POSNER, Richard. Economic Analysis of Law. 6. ed. New York: Aspen, 2003. Este autor, embora não seja ganhador do Nobel como Coase ou Becker – com quem mantêm um blog com debates diários, é considerado o mais atual e prolífico representante da análise econômica do Direito.
28
como Coase27 (1995; 1990) e Becker28 (1984; 1997), foram consideradas. Do último foi
necessária a compreensão da análise do custo social das discriminações; de Coase, seu
conceito de custo social, assim como suas soluções contábeis para a “internalização das
externalidades”.
A revisão apresenta uma série de escolhas dialéticas: a) para compensar a visão
prática e indutiva de Leslie Amendolara (2003), adicionou-se a obra de Ecio Perin Junior
(2004) – com considerações teóricas doutrinárias e de diplomas estrangeiros; e, b) sobre a
justificação das prerrogativas, estudadas incluiu-se o constitucionalista Sarmento (2004) –
com sua teoria indutiva de horizontalização de direitos fundamentais, assim como o
economicista Richard Posner (1996); e, por fim, c) para contrabalançar a opinião das obras
clássicas de Georges Ripert (1947) e Franz Wieacker (1993) considerou-se os didáticos
manuais de Requião (2003), o de Calixto Salomão Filho29 (2002a; 2006) e José Edwaldo
Tavares Borba30 (2004). Desta forma, buscou-se o equilíbrio em diversos aspectos: entre a
doutrina nacional e a estrangeira; entre a literatura tradicional e a inovadora; e, entre as
explicações dedutivas e indutivas.
Considerando, dentre as obras citadas na revisão bibliográfica, com menor
destaque por não tratar especificamente do tema, devem ser incluídos, além de Georges Ripert
(1947) e Requião (2003), Amador Paes de Almeida31 (2004a), Túlio Ascarelli32 (1945) e
Fábio Konder Comparato33 (2005), por constituírem peças didáticas e clássicas sobre a
matéria das relações entre os acionistas.
Em síntese, o estudo sobre revisão da literatura levantou questões a ser
aprofundadas quando da execução do projeto, a saber: quanto às diferentes correntes sobre as
origens das sociedades por ações, quanto às diferentes justificações propostas aos institutos e
sobre a possibilidade ou não de fundamentar tais institutos em princípios ou regras jurídicas.
27 COASE, Ronald Henry. Essays on economics and economists. Chicago: University of Chicago, 1995 e COASE, Ronald Henry. The Firm the Market and the Law. Chicago: University of Chicago, 1990. 28 BECKER, Gary Stanley. The economics of discrimination. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1984 e BECKER, Gary Stanley, BECKER, Guity Nashat. The economics of life. New York: McGraw-Hill, 1997. 29 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. 30 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2004. 31 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 32 ASCARELLI, Túlio. Problemas das sociedades anônimas e Direito Comparado. São Paulo: Saraiva, 1945. 33 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
29
1.8 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
O trabalho é composto, analiticamente, em duas partes: a primeira parte busca
desvendar a sociedade em suas nuances e a segunda parte visa expor o objeto de estudo em si,
os direitos dos acionistas minoritários.
Quatro diretrizes foram valorizadas na composição do texto final em seções
particulares respectivas a cada um dos capítulos; preliminarmente, foram descritos,
didaticamente, os elementos das sociedades por ações, desde histórico legislativo e econômico
de sua gênese às suas particularidades contemporâneas; em seqüência, explicações sobre o
acionista e sua relação de poder representam a dogmática conceitual básica; na terceira parte,
descrevem-se, de forma aprofundada, os institutos de tutela dos acionistas minoritários e seus
instrumentos reivindicatórios; e, no capitulo final, diferentes possibilidades para a
fundamentação do objeto de estudo são exploradas, debatidas e testadas frente aos conceitos e
institutos jurídicos consagrados.
O capítulo primeiro consiste no alicerce do texto, neste trecho intitulado A
Sociedade por Ações e a Tutela do Acionista onde se concentram definições preliminares dos
objetos estudados. Descreve-se, neste capítulo, a origem histórica das sociedades estudadas,
considerando os ensinamentos e teorias de diferentes autores, de clássicos a modernos, tanto
segundo uma retrospectiva na história do pensamento econômico quanto em termos jurídicos
e legislativos.
O capítulo segundo, intitulado O Acionista e sua Relação de Poder, busca,
inicialmente, classificar os acionistas segundo diferentes critérios e enumerar seus direitos e
obrigações com o fito de delinear as formas de influência e controle, em âmbito externo e
interno. Devido ao uso de referências documentais, doutrinárias e legislativas atuais, as lições
respectivas são típicas da realidade contemporânea e de tendências futuras contrastando com
o passado descrito no capítulo anterior.
O capítulo terceiro representa o clímax no aprofundamento dos direitos estudados,
uma vez explanada a análise da sociedade por ações, em diferentes perspectivas, resta a detida
descrição da proteção das minorias, desde seu histórico, passando a sua citação em espécie até
os mecanismos reivindicatórios específicos. Neste momento combinam-se faculdades legais e
contratuais na demonstração de que as soluções jurídicas no tema – associadas a conceitos e
fórmulas de economia e administração como “novo mercado” e a “governança corporativa” –
30
superam, em muito, as situações apresentadas na legislação, reafirmando a lógica indutiva
destas relações.
O capítulo quarto consiste no desfecho da busca de uma resposta satisfatória ao
problema de pesquisa: qual o fundamento dos acionistas minoritários? Neste ponto são
abordadas quatro hipóteses de solução; primeiramente, a aplicação de uma principiologia
infraconstitucional é descrita, segundo o caso germânico; em outra aplicação de teoria
originalmente alemã, verifica-se no caso pátrio se a horizontalização dos direitos
fundamentais seria uma explicação idônea; em uma terceira possibilidade, analisam-se os
bens jurídicos tutelados nos dispositivos que positivam os direitos estudados, verificando-se a
existência de novos valores axiológicos e jurídicos; e, como última tentativa, compila-se a
contribuição norte-americana da Análise Econômica do Direito, como forma de constatar tal
fundamentação na solução de problemas fáticos por indução – forma metodológica
historicamente consagrada no Direito Comercial.
O trabalho buscou superar o paradigma da mera compilação, documentária e
literária, típica da pesquisa jurídica, ao propor uma pesquisa de campo, com critérios baseados
na estatística, buscando ampliar os dados obtidos e confirmar suas conclusões em dados
empíricos. Sinteticamente, o texto enumerou, explicou e articulou os direitos estudados em
seus contextos de vigência e exercício; recomendou a ampliação das soluções consagradas; e
apresentou as dificuldades da aplicação de cada uma das hipóteses no problema proposto.
A introdução é o marco inicial que consiste em um plano de trabalho com um
caráter dualista: - de início, superando noções e teorias e contendo pressupostos
interpretativos de conteúdo e forma, o texto inclui os pontos essenciais do projeto de pesquisa
executado, tais como: objeto, objetivos, problema de pesquisa, justificativas, metodologia e
revisão de literatura; e, - a posteriori, apresentando a estrutura da dissertação. O que falta à
introdução é a abordagem de conteúdo próprio, encontrada nos capítulos seguintes, a parte
primeira, que se segue, não enfrenta o objeto de pesquisa em si, mas contextualiza o tema ao
tempo que descreve os principais aspectos das sociedades por ações – instituição interferente
na atividade econômica que supera em muitos aspectos a importância do próprio Estado – e
das relações entre os acionistas – protagonistas ativos e passivos dos direitos estudados.
31
PRIMEIRA PARTE – SOCIEDADE POR AÇÕES
Assim como não é possível executar uma pesquisa sem uma metodologia e um
planejamento, também não se pode compreender o objeto de estudo – no caso, os direitos dos
acionistas minoritários – sem um método de exposição sistemática.
Na redação do relatório de pesquisa, a opção de partir do geral para o particular,
do contexto ao problema, foi adotada e, como conseqüência desta eleição, os primeiros
capítulos do trabalho não versam especificamente sobre seu objeto, mas, sim, sobre as
grandes companhias, as sociedades de capital – representadas no Direito Pátrio pelas
sociedades anônimas e pelas sociedades em comanditas por ações.
No Capítulo I, definições preliminares são traçadas sobre institutos e conceitos
jurídicos fundamentais para o entendimento do tema. São definidas – em significados
técnicos, ordinários e jurídicos – expressões necessárias à compreensão do tema como sócios,
acionistas, sociedade anônima, comandita por ações, majoritário e minoritário.
Superando em seu desenvolvimento a mera descrição do histórico, da natureza e
dos sentidos de elementos correlatos ao objeto, o capítulo I ainda contextualiza a realidade
societária e as suas possíveis interpretações ao expor desde as referências normativas
vigentes, passando às tendências de governança corporativa até as diferentes doutrinas e
teorias sobre a organização interna das sociedades por ações.
A compreensão da realidade societária das grandes companhias depende do uso de
diversas fontes: da doutrina, ao abordar as diferentes teorias explicativas; da legislação, ao
descrever as legislações vigentes desde o Código Civil até as Leis Especiais; e, at last but not
least, foi necessário descrever práticas, como a governança corporativa.
De forma análoga, só é possível entender a natureza e as nuances dos direitos dos
acionistas a partir da compreensão das sociedades que criam o status de acionista e que
representam o âmbito de exercício destes direitos.
32
A Primeira Parte é encerrada com o Capitulo II que trata do poder nas sociedades
por ações. Este trecho inicia-se com a descrição dos direitos essenciais e não essenciais dos
acionistas, assim como dos seus deveres. O ápice do capítulo ocorre com a descrição das
formas de influência e controle das relações societárias – fenômenos que demonstram a real
complexidade do ambiente descrito e a eminente necessidade das tutelas especiais descritas na
segunda parte.
33
2 SOCIEDADE POR AÇÕES E A TUTELA DO ACIONISTA
2.1 CONCEITOS PRELIMINARES
Superando as bases e pressupostos edificados na introdução, a primeira parte é
iniciada com o capítulo dedicado às sociedades por ações e à tutela do acionista. Como
qualquer texto acadêmico didático, o referido trecho segue o plano delimitado e se inicia com
a natureza e a definição de seu objeto.
Utilizando-se da lógica aristotélica do terceiro excluído e demonstrando o que se
pode entender por sociedade em termos societários e técnicos pela sua noção ordinária,
devem-se observar os sentidos descritos em dicionário 34 (HOUAISS, 2001, p. 2.595), a saber: 1. agrupamento de seres que convivem em estado gregário e em colaboração mútua Ex.: <s. humana> <s. de abelhas> 2. Rubrica: sociologia. conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e de espaço, seguindo normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de grupo; corpo social, coletividade. Ex.: <a s. medieval> <a s. moderna> <a s. norte-americana> 3 grupo de indivíduos que vivem, por vontade própria, sob normas comuns; comunidade, coletividade Ex.: <s. cristã> <s. de hippies> 4 ambiente humano em que o indivíduo se encontra integrado Ex.: ele gosta daquela s. em que vive 4.1 a alta sociedade, a alta-roda Ex.: uma dama da s. 5 relacionamento entre pessoas que vivem em grupo; convivência, contato Ex.: o homem precisa da s. dos seus semelhantes 6 grupo de pessoas que se submetem a um regulamento a fim de exercer uma atividade comum ou defender interesses comuns; agremiação, grêmio, associação Ex.: s. dos compositores, dos escritores etc. 7 Derivação: por metonímia. a sede de tais agremiações; clube, grêmio, centro Ex.: vai ao baile na s. hoje? 8 Rubrica: ecologia. agrupamento de animais de uma espécie que vivem em estado gregário, freq. com indivíduos interagindo entre si e desempenhando funções específicas Ex.: <s. dos gorilas> <s. dos cupins> 9 Rubrica: direito comercial. grupo de pessoas que, por contrato, se obrigam mutuamente a combinar seus recursos para alcançar fins comuns Ex.: <s. anônima> <s. fabril>.
Em um outro dicionário35 (FERREIRA, 1988, p. 607) de menor precisão lingüística e
menor divisão de empregos, os diversos significados vulgares são detalhados no excerto:
34 HOUAISS, A., VILLAR, M.S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
34
1. Agrupamento de seres que vivem em estado gregário. 2. Conjunto de pessoas que vivem em uma certa faixa de tempo e espaço, seguindo normas comuns e que são unidas pelo sentimento de consciência de grupo corpo social. 3. Grupo de indivíduos que vivem por vontade própria sob normas comuns; comunidade. 4. Meio humano em que o individuo se encontra integrado. 5. Relação entre pessoas; vida em grupo; participação, convivência. 6. Reunião de indivíduos que mantêm relações sociais e mundanas. 7. Grupo de pessoas que se submetem a um regulamento a fim de exercer uma atividade comum ou defender interesses comuns [...].
Observa-se, de início, que os conceitos vulgares ou mesmo os sociológicos não
satisfazem o critério jurídico, neste caso, exigindo uma transcrição particular da mesma obra
(FERREIRA, 1988, p.607) como: “10. Jur. Contrato consensual pelo qual duas ou mais
pessoas se obrigam a reunir esforços ou recursos para a consecução de um fim comum”.
Embora este sentido, mesmo que mais aproximado, também seja inaplicável, primeiro, por
existir possibilidades de sociedades unipessoais no Direito Brasileiro – tanto na esfera pública
com as empresas públicas como na esfera privada com as subsidiárias integrais – e, em
segundo, pela natureza especificamente comercial das instituições estudadas.
Parafraseando um dicionário jurídico especializado36 (SILVA, 2006, p. 1311)
sociedade é: Do latim societas (associação, reunião, comunidade de interesses), gramaticalmente e em sentido amplo, sociedade significa reunião, agrupamento, ou agremiação de pessoas, na intenção de realizar um fim, ou de cumprir um objetivo de interesse comum, para o qual todos devem cooperar, ou trabalhar. Assim, a sociedade, em princípio, advém da reunião, maior ou menor, de pessoas, de famílias, de povos, ou mesmo de nações, compondo uma unidade distinta dos elementos que a integram com um objetivo de interesse comum, razão fundamental de sua constituição [...]. Em regra a sociedade traz fins de ordem econômica, visando particularmente os interesses dos sócios. A associação não tendo finalidades econômicas, tanto pode ser instituída em defesa do interesses morais, intelectuais, ou de outra espécie, exclusivamente dos associados, como pode cuidar de interesses ou trazer benefícios a estranhos. Nela não há o objetivo de auferir lucros que se dividirão entre os sócios, o que é da essência da sociedade [...]. Assim, como expressão jurídica, sociedade tem seu conceito próprio: revela-se na organização constituída por duas ou mais pessoas, por meio de um contrato, ou convenção, tendo por objetivo de realizar certas e determinadas atividades, conduzidas ou empreendidas em benefício e em interesse comum [...].
Segundo Ripert (1947), as antigas doutrinas referenciam um corpus mysticum, um
elemento da vontade comum dos associados que se desprenderia do contrato – a idéia era
vaga – mas derivou o conceito de pessoa fictícia, para definir aquela que não fosse natural; em
seqüência, com a dificuldade de considerar como fictícias os poderosos entes com mais e mais
atributos de personificação e personalização, a nomenclatura evoluiu para “pessoa moral”.
35 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988. 36 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27.ed. Atualizadores Nagib Slaìbi Filho e Gláucia Carvalho, Rio de Janeiro: Forense, 2006.
35
Como relembra Salomão Filho (2006, p. 53): “o conceito de sociedade sempre
permaneceu um conceito associativo individualista, onde a comunhão de objetivos serve
meramente para permitir explicar a natureza jurídica do contrato social”. Este conceito de
sociedade tendo como elemento básico a cooperação37 – aplicada tanto às sociedades de
pessoas como às de capital – é confirmada, na realidade fática, no desequilíbrio conseqüente
da sua desconsideração, como a mesma obra referenciada demonstra no trecho: A manifestação exterior mais importante (e mais deletéria) da falta de aplicação do princípio cooperativo do direito societário esta na forma de racionamento promovida pela lei de sociedades anônimas entre majoritário e minoritário. (SALOMÃO FILHO, 2006, p. 53).
O segundo conceito a ser desvendado – em seus sentidos ordinários, técnicos e
jurídicos – é o de “ação”. Baseando-se nos significados do dicionário adotado (FERREIRA,
1988, p. 24) pode-se afirmar que ação traduz genericamente “2. Manifestação de uma força,
de um agente, de uma energia”, juridicamente, este vocábulo tem sentidos processuais
contemplados nesta obra ao descrever ação como “16. Meio processual pelo qual se pode
reclamar à Justiça, o reconhecimento, a declaração, a atribuição ou a efetivação de um direito,
ou, ainda, a punição do infrator das leis penais” ou como “15. Faculdade de invocar o poder
jurisdicional do Estado para fazer valer um direito que se julga ter”. Em outra definição
técnica, a da contabilidade, a mesma obra ainda transcreve outros significados para a
expressão tais como “13. Título de propriedade, negociável, representativo de fração do
capital de uma sociedade anônima” ou mesmo “14. Título ou documento representativo e
comprobatório dos direitos e obrigações dos que pertencem a tais sociedades; papel”. Neste
trabalho os conceitos financeiros e técnicos – contábeis têm mais adequação que as noções
processuais – jurídicas apresentadas, com a ressalva que no Direito vigente não existem mais
ações como “papeis” fisicamente.
O terceiro conceito jurídico a ser desvendado é o de sociedade por ações. O
Direito Societário é reconhecido constitucionalmente – CF/1988 artigo 5o, incisos XIII, XVII
e XVIII e no artigo 170, parágrafo único – porém sua regulação encontra-se em legislação
infra-constitucional e em convenções privadas sejam estatutos ou contratos sociais.
Na Teoria Geral do Direito a sociedade seria a associação de esforços e de capital
para a consecução de uma finalidade comum, surgida a partir de um negocio jurídico – seja 37 Os conceitos de “cooperação” e de “associativo” adquirem maior sentido quando bem compreendida a função da coordenação de bens e ações para a constituição de um complexo unitário direcionado ao desenvolvimento de uma atividade (ou realização de um empreendimento) com vistas a uma finalidade ulterior concebida pelos seus associados. Diferentemente dos contratos de permuta ou escambo, o contrato associativo revela a intenção comum dos seus participantes a um escopo, o contrato associativo revela a intenção comum de seus participantes a um escopo em si e por si considerado. Para maior aprofundamento consultar o ponto 2.2.3 no Capítulo I.
36
ele contratual ou institucional. No Brasil as sociedades de pessoas são contratuais, sendo seu
documento constitutivo o Contrato Social; e, as sociedades de capital institucionais, sendo seu
documento constitutivo o Estatuto Social.
Na diferenciação usual e doutrinária entre sociedade e empresa (firm and
company), a empresa, em termos jurídicos, é o objeto de direito e a sociedade é o sujeito de
direito. Como assevera Requião (2003), a conceituação jurídica de empresa como organismo
econômico apresentando-se como combinação de fatores pessoais e reais, colocados em
função de um resultado econômico repete a lição da Economia Política que considera a
empresa como organização dos fatores de produção avançando na busca de critérios objetivos,
ou “elementos de empresa”.
De Plácido e Silva (2006, p. 1.311) confirma o conceito pátrio ao definir
sociedade através da enumeração dos seus requisitos no excerto: [...] No entanto, a sociedade, melhormente, entende-se a instituição, entidade, a pessoa jurídica, que se fundou, ou que teve origem de um contrato, onde se estabeleceram as necessárias condições de sua existência. Para a existência jurídica da sociedade, além da capacidade jurídica de seus componentes, a livre manifestação da vontade e a licitude de seu objeto é necessário que: a) cada sócio contribua com alguma coisa (bens, dinheiro ou trabalho) para a formação de seu capital, ou satisfação de seus objetivos; b) que todos os sócios, numa medida proporcional, participem de seus benefícios, isto é, dos lucros obtidos pela exploração do negócio, objeto da sociedade; c) que, igualmente, haja encargo relativo, ou proporcional, a respeito dos prejuízos; d) que todos os sócios, além do livre consentimento, a tenham constituído com o espírito societário (affectio societatis), isto é, com a intenção de estabelecer a comunhão de interesses, quer sob o ponto de vista ativo, como passivo, pela qual, além de pôr em comum bens e valores, têm participação nos lucros e contribuição nos prejuízos.
Segundo Requião (2003), os <<elementos de empresa>> seriam: a) a empresa
como expressão do empresário, se há condições de funcionamento com obediência às normas
de registro; b) a empresa como idéia criadora, se há nomes, marcas, patentes, sinais
designativos ou outras inovações; c) a empresa como complexo de bens, se há
estabelecimento comercial; e, d) as relações com dependentes, se há a regulação de normas
trabalhistas. Ressalva-se apenas que a definição de empresa adotada é majoritária na doutrina
pátria – tanto na esfera societária como trabalhista – mas existem outras definições jurídicas
de empresa como na doutrina francesa que a considera como entidade personalizada.
Em grande controvérsia doutrinária, discute-se a natureza do ato constitutivo das
sociedades – se é contratual ou institucional – de qualquer modo, o ato é celebrado entre
pessoas, físicas ou jurídicas, que se reúnem e se obrigam, de forma recíproca, a contribuir,
com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, os
resultados.
37
Borba (2004, p. 30) relembra que a teoria do contrato bilateral não satisfaz certas
questões societárias – por não haver partes contrapostas – ao contrário, na formação da
sociedade, partes conjugam esforços para fim comum. Superando esta noção inicial, Túlio
Ascarelli (1945, p. 255), com a teoria do contrato plurilateral, revitaliza a teoria contratualista,
nessa teoria defende-se que existem contratos plurilaterais, nos quais podem depender de
várias partes dirigidas para um fim comum – ao invés da contraposição de pólos – bastando
aplicar novas regras contratuais e afastar outras como a exceptio enadimplenti contractus.
O Código Civil de 1916 – em seu artigo 16, inciso II – encerrou a controvérsia
sobre a personificação das sociedades ao estabelecer que são pessoas jurídicas de direito
privado as sociedades mercantis, as sociedades civis e as associações. O Código Civil vigente
repetiu a regra em seu artigo 44, afirmando que seriam pessoas jurídicas associações e
sociedades, como regra geral.
A grande incongruência entre o que a doutrina e o código definem sobre
sociedade encontra-se nas sociedades não personalizadas – as sociedades em conta de
participação e as sociedades em comum – vez que não possuem personalidade e que a
ausência de registro de seus atos constitutivos em órgão competente é a regra. Para arrematar,
ainda é válida a lembrança de que, mesmo que ocorra eventual inscrição de seu instrumento
em qualquer registro, as sociedades não personalizadas do NCC não terão personalidade
jurídica – como assevera Restiffe (2006).
As sociedades podem ser classificadas quanto: 1) ao seu objeto, como empresárias
ou não empresárias (como a sociedade simples e as cooperativas); 2) pela sua forma de
constituição, como contratuais (ou de pessoas) ou institucionais (ou de capital); 3) quanto à
responsabilidade dos sócios, se é limitada, ilimitada ou mista; 4) quanto à forma do capital, se
fixo ou variável; 5) quanto à lei que as disciplina, se exclusivamente o NCC ou se regidas por
lei especial; 6) quanto à nacionalidade, se nacionais ou estrangeiras; e, 7) quanto à atribuição
de personalidade jurídica, se personificadas ou não personificadas.
Na legislação pátria, sociedade por ações, independente de seu objeto social, é
considerada empresária, de capital, personificada, de responsabilidade limitada e, quanto à sua
forma de constituição, como estatutária.
Cabe inclusive uma ressalva, neste ponto, sobre as possibilidades de sociedades
com capital estatal – que podem assumir qualquer das formas sociais personificadas, inclusive
a de S/A – sendo empresas públicas, se o capital é integralmente estatal; ou, empresas de
economia mista, cujo capital é parcialmente do Estado.
38
A referida obra (FERREIRA, 1988, p.607) acerta ao tentar definir sinteticamente
sociedade anônima como “aquela em que o capital é dividido em ações do mesmo valor
nominal e que é sempre mercantil, seja qual for seu objeto, limitando-se a responsabilidade
dos sócios (acionistas) ao valor das ações subscritas”.
Preliminarmente, é necessário diferenciar conceitos semelhantes, mas não
idênticos, de forma a constituir uma dogmática conceitual suficiente para o correto
entendimento do tema. Na terminologia empresarial pátria (REQUIÃO, 2003), considera-se
como companhia qualquer sociedade anônima aberta. As sociedades por ações no Brasil, em
seu turno, representam um gênero composto por apenas duas espécies, a saber, as sociedades
anônimas e as sociedades em comanditas por ações.
Na América Latina, tradicionalmente, as legislações preferem a expressão
sociedade anônima, porém, considerando a existência de um segundo tipo de sociedade por
ações no Brasil (a sociedade em comandita por ações) e conhecendo as alterações
introduzidas pelas Leis 8.021/90 e 8.088/90 que extinguiram as ações ao portador e as
endossáveis – revogando juridicamente o acionista anônimo, ou inominado, resulta a
conclusão de que a melhor técnica indica o uso da expressão sociedade por ações, mais ampla
e correta. Mesmo antes da década de 1990, a expressão “sociedade anônima” já era
majoritariamente indicada pela doutrina como uma imprecisão terminológica – devido ao fato
de que os sócios poderiam ser inominados, mas não a sociedade. Restiffe (2006, p. 152)
sintetiza a questão no trecho: Define-se a sociedade anônima como o modelo societário constituído por duas ou mais pessoas, e cujo capital divide-se em ações, limitando-se a responsabilidade dos acionistas ao preço pago pelas ações subscritas. A definição de sociedade anônima, haurida no art. 1o, da Lei 6404, de 15/12//1976, é corroborada pelo disposto no art. 1.088, do CC.
Quanto à segunda espécie do gênero “sociedades por ações” na legislação
brasileira, a Sociedade em Comandita por Ações, diversos autores a indicam como instituição
em vias de extinção – tanto no Brasil como no exterior – sendo mantida no sistema jurídico,
mas com raras ocorrências fáticas. Existem alegações em defesa da manutenção do
regramento legal desta sociedade em declínio baseadas na importância da manutenção de
soluções, conceitos e institutos jurídicos próprios que podem ser úteis em desafios futuros,
como na responsabilização dos administradores – que representa grande inovação nas
sociedades anônimas, mas apenas regra secular das sociedades em comandita.
A sociedade em comandita por ações é uma sociedade comercial híbrida: tem
características de comandita simples (contratual e pessoal) e de sociedade anônima
39
(institucional e de capital). Seu capital é dividido em ações, possuindo diferentes categorias de
acionistas, como os comanditados e os comanditários na comandita simples. Nesta sociedade
a direção é exclusiva dos sócios, sendo inclusive possível adoção de firma incluindo o nome
dos diretores (necessariamente sócios e consequentemente ilimitada e solidariamente
responsáveis pelas obrigações pessoais).
O texto legal afirma que a sociedade em comandita por ações é regida pelas
normas relativas às sociedades anônimas, no que elas forem adequadas. Existem estipulações
sobre as comanditas por ações no Código Civil vigente – como o artigo 1.090 que trata de seu
nome empresarial até o artigo 1092 – e na própria lei que trata das sociedades anônimas
(artigo 280 a 284).
Além da responsabilização dos diretores (Código Civil artigo 1.091, §1o), da
possibilidade de adoção de denominação ou razão social (artigo 1090), da obrigatoriedade de
os administradores serem sócios, são também peculiaridades desse tipo societário: - a
nomeação dos diretores por estatuto e a possibilidade de destituição por, no mínimo, 2/3 do
capital social (continuando a responsabilidade pelas obrigações contraídas em sua
administração por dois anos); - a limitação de responsabilidade dos acionistas comanditários,
obrigados apenas pelo valor de suas subscrições, como nas sociedades anônimas; e, - não
poder, enfim, uma sociedade em comandita por ações possuir conselho de administração,
autorização estatutária de aumento de capital ou emitir bônus de subscrição. Dessa forma,
havendo apenas três artigos no Código Civil e cinco na LSA, demonstra-se a pouca atenção
dada ao legislador para essa forma societária em desuso.
Acionista, em uma acepção literária é “um substantivo masculino, que exprime
<<possuidor de ações>> e, por extensão, credor de dividendos” como escreveu Machado de
Assis (apud Amendolara, 2003). Na atualidade, mesmo essa definição livre e literária não
pode ser aceita totalmente, vez que esse termo é comum de dois gêneros, podendo representar
substantivo masculino ou feminino a depender do artigo que o antecede, ao definir o gênero.
Em uma definição técnica, advinda do dicionário (FERREIRA, 2001, p.36) seria
“pessoa que tem ação ou ações de companhia industrial ou comercial, de organização
financeira etc.”. Observando a identidade parcial conclui-se que acionista é quem possuí pelo
menos uma ação.
Segundo o Dicionário Jurídico referenciado (SILVA, 2006, p. 54) Acionista. Acionário. Pessoa que possui ações de empresas, sociedades anônimas ou sociedades em comandita por ações. Sócio de sociedade comercial, cujo capital é representado por ações [...] O acionista será controlador quando detiver a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e usar efetivamente o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; será majoritário quando amealhar mais da
40
metade das ações ordinárias; será remisso quando não cumprir seu dever de integralizar o montante das ações com que dispôs a participar da sociedade.
Perin Júnior (2004) encerra o debate da definição de acionista passando a sua
classificação baseada em sua conduta, por meio de um trecho técnico-jurídico, que não deixa
de ser objetivo e didático, descrevendo que: Desta forma, o acionista é toda pessoa física ou jurídica titular de ações de uma sociedade por ações. Dentre os acionistas, existem aqueles que se envolvem na vida da sociedade, participando de suas assembléias, e os que se opõem a distância, tendo nas ações mero instrumento de renda ou de especulação bursátil. (PERIN JÚNIOR, 2004, p. 28)
Uma classificação pioneira e didática é repetida desde Ascarelli (1945), passando
por Bulgarelli (1977) até Coelho38 (2002). Este esquema discrimina os sócios de uma
companhia aberta pela sua motivação: os empreendedores seriam aqueles interessados na
exploração da atividade econômica da empresa; por outro lado, os investidores seriam aqueles
interessados apenas em rendimentos financeiros da ação. Os investidores, segundo esta
classificação, ainda seriam divididos em rendeiros, se tivessem como objetivo constituir
carteira de ações como patrimônio estável – visando assim perspectivas de retorno em longo
prazo – como investidores institucionais exemplificados por fundos de pensão e fundos de
investimento; ou, em especuladores, se buscam obter ganhos imediatos.
De fato, não há definição legal positiva para acionista minoritário, ou mesmo para
majoritário. O que a legislação pátria conceitua, ao acionista em sua relação de poder, é a
posição de controlador.
Como referência pioneira da literatura referenciada, Bulgarelli (1977, p. 24)
propõe uma solução para o tema descrevendo que “[...] Daí a noção, hoje bem aceita, de que a
minoria é o acionista ou conjunto de acionistas que, na Assembléia Geral, detém uma
participação em capital inferior àquelas de um grupo oposto” e, na mesma obra, conclui: Ora localizando maioria e minoria dentro da Assembléia Geral, da qual somente participam, como regra, os acionistas detentores do direito de voto, conclui-se que somente estes são minorias, excluindo-se os preferencialistas. Essa indefinição da lei, da doutrina e da jurisprudência gera interpretações subjetivas nem sempre favoráveis às ações pertinentes aos não controladores (BULGARELLI, 1977, p.132).
A jurisprudência da época acatou estas lições pioneiras e as reproduziu como nos
acórdãos seguintes, transcritos de Amendolara (2003, p. 20-21): Apelação civil 73.910 RJ. Relator: Sr. Ministro Carlos Madeira. AC. 73910 – 27.10.81 – TRF. Ementa: <<I – O conceito de maioria e minoria na nova Lei das Sociedades Anônimas se funda na maior ou menor participação no capital votante, tendo em
38 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
41
vista o controle da companhia. Não se incluem na maioria as ações preferenciais que, por suas características, não participam do poder de controle, limitando-se ao interesse de auferir dividendos.>> AC 27554 – 8.11.83 – TJ.RJ. A expressão acionista minoritário, em se tratando de sociedade por ações, designa, em linguagem técnica, o acionista que, embora detentor de ações ordinárias com direito de voto, não integra o grupo controlador, isto é, quem detém o controle, o comando [...]. Apelação em MS 98060 – 5.11.82 – TJ.RJ. <<Acionista Minoritário, a expressão designa o titular de ação cujo voto irrestrito possa influir na direção das atividades sociais, mas que não integra a maioria efetivamente, exercendo o poder político na sociedade>>” (Grifo Nosso).
Resolvendo o problema da relativização dos conceitos, a doutrina assume a
missão de distinguir, de forma crítica, maioria de minoria, como faz Fábio Konder
Comparato39 (1983, p.33) ao questionar sarcasticamente que: Ora, minoria e maioria são noções que só fazem sentido quando referidas ao direito de voto, às assembléias deliberatórias ou colégios eleitorais. No sistema da nova lei acionária, por exemplo, as ações preferenciais sem voto podem ser emitidas até dois terços do capital social. Nesta hipótese, quando a lei fala em acionistas majoritários, estava, porventura, se referindo aos titulares de ação votante?
Adotando esta nova orientação, a CVM pretendeu incluir todos os acionistas não
controladores (inclusive preferencialistas), como minoria, emitindo a Instrução 361/02 – que
dispõe sobre o cancelamento do registro de companhia aberta – com o seguinte texto: “Artigo
3º para os efeitos dessa Instrução, entende-se que: I – Ações em circulação: todas as ações
emitidas pela companhia objeto”. Desta forma, havendo ações preferenciais no mercado seus
portadores seriam considerados como minoritários.
A legislação pátria, desde a Lei 6.404/76, com seus 300 artigos, vacila na
limitação dada ao conceito de minoria, porém, neste trabalho, buscando uma definição mais
ampla e avançada, será adotado como parâmetro os direitos dos preferencialistas como
equivalentes ao das minorias – se a situação fática os equiparar e a lei não fizer distinção
especifica.
Novas tendências tornam conceitos tradicionais relativos propiciando novas
relações de poder – gradativamente mais complexas em relação às organizações existentes no
passado, expressas muitas vezes pela simples estrutura empresarial familiar. Exemplo de fator
reestruturante das sociedades por ações é o processo de democratização do capital – quando
as empresas buscam financiamento a baixo custo com emissão de ações – provocando
excessiva dispersão e possibilitando até mesmo a um pequeno grupo, coeso, apoderar-se do
controle acionário.
39 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
42
A doutrina de Borba (2004) aprofunda ainda mais a questão dividindo a minoria
em ausente ou ativa. A minoria ativa, nessa ótica, constituiria uma espécie de oposição aos
controladores (quando não fossem os próprios controladores), seus representantes
compareceriam às assembléias, fiscalizariam os administradores, opinariam sobre decisões e
buscariam influir, das formas possíveis, no futuro da sociedade segundo o ativismo societário
– cada vez mais aparente com a profissionalização dos investidores. A minoria ausente seria
aquela com comportamento oposto ao da minoria ativa, por seu turno, não se interessaria em
exercer qualquer forma de participação na fiscalização ou administração, seria composta pelos
sócios com intuito preponderantemente investidor e sem iniciativa ou intenção empresarial.
Esta configuração, que permite o “controle minoritário” também exige formas
específicas de proteção das maiorias ausentes de investidores contra a minoria controladora,
como a própria legislação especial ilustra – em diversos trechos da Lei 6.404/76, ou Lei das
Sociedades Anônimas (LSA), a saber: o art.109, §3º; o art. 117, §1º, incisos a e c; o art. 161, §
4º, inciso a; o art. 202, § 1º; o art. 215, §2º; o art.254-A, § 4º; e, o art. 276 e §§).
Em seu turno, o conceito de acionista controlador é definido na LSA artigo 116: Art. 116 Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
Amendolara (2003, p. 135) relembra que o conceito legal de controlador não é
uma mera questão quantitativa, exigindo dois elementos volitivos relacionados ao exercício
do poder: a) o modo permanente, isto é, estável; e, b) usar do poder, vez que de nada
adiantaria para uma pessoa natural ou jurídica deter o poder majoritário, absoluto ou
compartilhado, se não o usasse para administrar a sociedade ou indicar seus administradores.
Segundo o autor citado: “Poder passivo, inerte – não é poder”.
Dessa forma, o conceito de acionista controlador descrito na lei abarca quatro
modalidades de poder de controle seja ele majoritário, totalitário, minoritário ou gerencial.
Coelho (2002, p. 279) ressalta que essa redação legal ampla aparelha o sistema jurídico para
“acolher evoluções no mercado de capitais, de que decorra maior dispersão de ações”, mas
que a identificação do controlador, em um caso específico, é uma questão de fato – dentro dos
pressupostos legais. Na prática, é controlador, em âmbito societário, quem faz a maioria nas
três últimas deliberações sociais – segundo a resolução 401, item IV, do Banco Central do
43
Brasil (Bacen) – mesmo sem dispor de ações correspondentes a mais da metade do capital
com direito a voto, ou seja, quem comanda os negócios sociais com permanência.
O dispositivo descrito contempla a hipótese de controle interno não ordinário,
assim como, abarca a situação oposta da administração exercida por força de acordos entre
acionistas. Deve-se ressaltar, entretanto, que o fato da LSA se bastar conceituando poder no
âmbito do controle interno não exclui a possibilidade de ela também poder ser aplicada ao
controle externo, quando o controle é possível por ente sem qualquer participação acionária,
como destaca Fábio K. Comparato (2005, p. 64):
Tal não significa, porém, que a LSA seja totalmente alheia ao fenômeno do controle não acionário. Ao contrário, cremos discernir uma clara previsão do fato em pelo menos um de seus dispositivos. No art. 24, parágrafo único, ao conferir à Comissão de Valores Mobiliários o poder de designar as sociedades serem abrangidas pela regra da consolidação das demonstrações financeiras, o legislador de 1976 determinou ‘a inclusão de sociedades que, embora não controladas (entenda-se, ‘não controladas acionariamente’, segundo a norma do art.243 §2º), sejam financeira ou administrativamente dependentes da companhia’. Essa ‘dependência financeira’ pode, obviamente, ser interpretada como controle externo, tal como definiremos no capítulo seguinte.
Ressalvando esta conceituação legal, é necessário citar que o “controle” é noção
variada em diferentes ramos jurídicos como o tributário, o bancário e o previdenciário – na
atribuição de responsabilidades – como descreve Coelho (2002, p. 492): Para o Direito Societário, em vista da tutela da minoria, o conceito de controle fundado na titularidade de direitos de sócios é satisfatório. Para outros ramos do Direito, cujos objetivos são diversos, o conceito pode não servir inteiramente. Na disciplina da concorrência, por exemplo, deve abranger também as hipóteses de ingerência, na administração da sociedade, por agentes não titulares de direitos de sócios (controle externo).
De fato, este conceito do Direito Societário tem importância para outros ramos do
Direito e é sistematicamente importado – com as adaptações necessárias a cada situação –
como ocorreu após 1977 na legislação fiscal; desde 1983, na seguridade social; nas relações
bancárias, em 1987; e, mais recentemente, na regulação do processo de desestatização em
1997. É vital, dessa forma, lembrar que as preocupações destes ramos jurídicos com a figura
do acionista controlador tem sentido diverso daquelas no Direito Societário, essas legislações
não cuidam dos interesses de minoritários, mas, sim, da atribuição de responsabilidades.
Considerando os fatos descritos, pode-se compreender porque os controladores
são também chamados de “maioria” – o que pode ser uma imprecisão quantitativa se há
controle minoritário, na prática societária. Em sentido analógico, a minoria também seria um
conceito com grandes dificuldades terminológicas, devido às denominações, sentidos e usos
na qualificação de espécies de acionistas.
44
Quanto à definição das minorias como objeto de estudo, deve-se constatar que o
fato de certo tipo de acionista participar da vida societária, sem ser o controlador, não influi
na definição de minoria que, para efeito de tutela, deve ter os parâmetros mais amplos
possíveis. De fato, a concessão de certos direitos a todos os acionistas – e alguns outros
apenas a determinados acionistas que representam certa porcentagem do capital social – é
válida e legítima, por proteger aqueles que em certo momento estejam em situação de
minoria, mesmo que tais direitos só sejam exercidos por aqueles com postura ativa em relação
aos negócios da sociedade.
Em realidade, as tutelas estudadas não são exercidas apenas pelos minoritários
ativos, por dois principais motivos. Em primeiro, graças aos sócios especuladores que se
mantêm passivos em relação à fiscalização e à administração da sociedade por longos
períodos, mas reagem prontamente às manobras dos controladores para valorizar suas
próprias ações em comparação ao valor dos demais – como ocorre, por exemplo, em casos de
fusão, incorporação, venda de controle que serão aprofundados em seqüência. Em segundo,
pelas possibilidades, indicadas por Guimarães (2005), de tutela de interesses transindividuais
societários até mesmo pelo Ministério Público.
Nessas condições, resta a conclusão de que minoria, em termos práticos, pode ser
representada por uma maioria desorganizada, sem conflitos conceituais uma vez que se
compreenda que a proteção aos minoritários é dirigida a todos os acionistas não
controladores.
Todos os acionistas, em princípio, devem ter tratamento igualitário e uniforme a
natureza e quantidade de sua participação no capital. Dessa forma, o entendimento de direitos
particulares de minorias não deve ser entendido como prerrogativas especiais apenas a
quantidade ou natureza das ações possuídas por certo grupo, mas, sim, como prerrogativas
funcionais com o fim específico de evitar a violação de direitos pela maioria por meio de
abusos, mantendo um equilíbrio mínimo dentro do quadro acionário.
45
2.2 REGISTROS HISTÓRICOS E LEGISLATIVOS DAS SOCIEDADES POR AÇÕES
2.2.1 Gênese Econômica
Uma ressalva pertinente deve ser feita ao considerar dados e opiniões históricas,
existem divergências quanto à veracidade e à interpretação de fatos históricos mesmo antes
dos eventos descritos por Heráclito – considerado como pioneiro da História. Mesmo quanto a
eventos contemporâneos muitas vezes não existem interpretações pacíficas – desde a função
humanitária das armas atômicas usadas no Japão até a ocorrência do extermínio de Judeus no
III Reich.
De fato, é comum a interpretação divergente de fatos por diferentes correntes de
historiadores econômicos – como será demonstrado – mas também existem divergências
sobre a materialidade e a ocorrência de certos acontecimentos. A doutrina que se dedica a
estudar os discursos, as interpretações e as descrições da História de forma diversa da versão
majoritária e oficial é denominada revisionismo.
O revisionismo propicia a ampliação dos debates e o amadurecimento de opiniões,
mas esta tendência foi severamente rechaçada no Brasil – desde os ambientes acadêmicos até
o Supremo Tribunal Federal (STF)40, onde o editor Siegfried Ellwanger Castan foi punido41
por editar e comercializar obras quase centenárias e conhecidas mundialmente como O judeu
internacional, de Henry Ford, Os protocolos dos sábios do Sião e Brasil, colônia dos
banqueiros de Gustavo Barroso, até relatórios modernos baseados em documentos oficiais
recentes e em provas materiais geradas por testes forenses como Os conquistadores do
mundo: os verdadeiros criminosos de guerra de Luis Marchalko, Hitler: culpado ou
40 Segundo as palavras do Ministro Carlos Britto (STF, 2004, p 218): “[...] preconceito é discriminar, mas discriminar negativamente. É considerar subgente, subraça, inferior. Não pode haver outro conceito jurídico senão este [...] Os livros em causa não dizem que os judeus são uma subraça, subgente ou subpovo. Mesmo os livros editados pelo paciente, basta ver os títulos dos livros: O judeu internacional, Os judeus, conquistadores do mundo; estes livros denunciam os judeus, não por eles, judeus, mas sob a influência do sionismo, tido pelo autor como movimento fundamentalista, radical, sectário. Os judeus aspiram à conquista do mundo, por se consideraram o povo eleito por Deus, no plano religioso, e um povo vocacionado para o domínio político do mundo por formulas heterodoxas de domínio financeiro e da impressa mundial. Ora isso não é preconceitualizar. Isso é dizer o contrário”. 41 Refere-se nesse trecho à decisão do HC 82.424-2/RS, para aprofundamento sobre o tema é indicado: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Crime de racismo e anti-semitismo: um julgamento histórico do STF; hábeas corpus no 82.424/RS. Brasília: STF, 2004.
46
inocente?, de Sérgio Oliveira ou mesmo a obra Acabou o Gás: o fim do mito, do próprio
Siegfried Castan.
De fato, não só a jurisprudência brasileira impõe certa versão da história punindo
aqueles que propagam ideário diverso, mas também a legislação – como na Lei 9.459/1997 –
que proíbe a divulgação do nacional socialismo.
Superando os debates localizados no estado da arte e retornando aos clássicos que
fornecem bases seguras, pode-se localizar a gênese econômica das sociedades por ações nas
obras de Fernand Braudel (1992a, b, c, 1995)42, Georges Ripert (1947) e Franz Wieacker
(1993).
Braudel (1995), além de defender um estudo da história envolvendo “todas as
ciências sociais” – em uma proposição pioneira de interdisciplinaridade, ele descreve o
capitalismo como limitado e frágil na ausência de apoio do Estado como no trecho "O
capitalismo triunfa apenas quando se identifica com o Estado, quando é o Estado". O
argumento de Braudel tinha, por base, exemplos históricos de Estados capitalistas como
Veneza, Holanda, Inglaterra e Estados Unidos.
O Mediterrâneo na época de Felipe II, estudado na tese de Braudel, foi a primeira
economia mundial moderna, transformada em espaço de interações por rápidos avanços na
tecnologia militar e naval. Braudel43 (apud FUNDAÇÃO [...], 2006) chamou a economia
mundial de: "a superfície de vibrações mais ampla possível [...] que cria uma uniformidade de
preços numa área vasta, como um sistema arterial que distribui sangue através de um
organismo vivo. É uma estrutura em si mesma". Entretanto, o papel do capitalismo nessa
estrutura era privilegiado e limitado. No mesmo texto (apud FUNDAÇÃO [...], 2006),
descreve-se que “o capitalismo no passado, diferentemente do atual, ocupou apenas uma
estreita plataforma da vida econômica. Se elegeu certas áreas como residência é porque eram
as únicas que favoreciam a reprodução do capital”.
Ressalva então Braudel (1995), em sua obra mais avançada, que desde o início do
século XX, o capitalismo – ou economia de mercado como prefere Galbraith44 (2004) – foi
sendo adaptado às exigências de nacionalismos e bem-estar social de tal forma que suas
operações foram-se afastando progressivamente dos princípios do mercado.
42 Historiador econômico francês que estudou o poder dos mercados no desenvolvimento da civilização, migrou para o Brasil em 1935 para viabilizar a fundação da Universidade de São Paulo (USP). 43 INSTITUTO FERNAND BRAUDEL. Porque Fernand Braudel. Disponível em: <http://www.braudel.org.br/index.php?old=http://www.braudel.org.br/instituto/porque.php>. Acesso em: 10 dez. 2006. 44 GALBRAITH, John Kenneth. A Economia das Fraudes Inocentes: verdades para o nosso tempo. Tradução Paulo Antero Soares Barbosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
47
É particular, no entanto, a caracterização das sociedades em geral aplicadas às
sociedades por ações, superando as construções civis presentes desde o pater familias do
Direito Romano. No Direito Comercial o jus fraternitatis, ou o affecio societatis,
originalmente propiciavam a ação coletiva de comerciantes, ou seja, diversos agiam com
qualificação de comerciante comprometendo-se de forma recíproca, mútua e pessoal. Como
ilustra Ripert (1947, p. 60) na passagem: Durante séculos não se conheceu outra coisa. É preciso chegar aos tempos modernos para encontrar sociedades que comerciam sem que nenhuma pessoa física responsabilize seus bens pessoais pelos compromissos da sociedade. Um comércio sem comerciante! O espírito, contudo, não saberia concebê-lo.
Uma primeira das características gerais das sociedades de capital, qual seja, a
limitação da responsabilidade, desta forma, é um produto da modernidade.
Diversos manuais, como o de Requião (2003), indicam a polêmica sobre a origem
das primeiras sociedades abertas por ações. Goldshimidt (apud REQUIÃO, 2003) indica a
origem das companhias na Casa di San Giorgio em Gênova (1409-1799), que consistia em
uma associação de credores de empréstimos públicos com o fim de administrar o espólio
tributário que lhes era entregue para administrar seus créditos.
Escarra (apud REQUIÃO, 2003, p.03) repudia tal teoria alegando que o exemplo
genovês “não era sociedade, mas apenas associação de portadores de obrigações – como
debenturistas – não sendo nem sociedade comercial não seria sociedade por ações” para este
autor o marco do surgimento seriam as “Companhias das Índias” da Holanda (instituídas entre
1602-1621) com destaque para a “Companhia das Índias Ocidentais”, de 1621, que tinha por
objetivo conquistar o Brasil – e que chegou a nomear como administrador Maurício de
Nassau. Sobre a interação entre a Companhia das Índias Ocidentais e o Brasil colonial,
Trajano de Miranda Valderde45 (1959, p. 11) ensina na obra Sociedades por Ações que: Em 1602 formou-se, na Holanda, a primeira sociedade do gênero – a Companhia das Índias Ocidentais, que por cerca de 30 anos garantiu, no Brasil, o domínio dos Estados Gerais dos Países-Baixos Unidos. Assentou sua poderosa máquina em Pernambuco, só desmontada após memoráveis lutas. Tanto a Companhia das Índias Ocidentais, quanto a Companhia das Índias Orientais, resultaram da fusão de companhias menores, existentes desde 1593, cujo objetivo era a exploração do comércio marítimo.
Em relação à teoria da origem genovesa, Braudel (1995a, p. 157) reconhece que
nesta cidade houve o mais extraordinário exemplo de convergência e concentração econômica
da Europa no período indicado, porém as associações que propiciavam este feito não tinham
45 VALVERDE, Trajano de Miranda. . Sociedades por ações. 3. ed., v.1, Rio de Janeiro: Forense, 1959.
48
natureza societária, pois eram compostas por banqueiros em associações que ele compara aos
atuais consórcios internacionais.
Em referencia à alegação da origem holandesa, Braudel (1995a, p. 207) relembra
que “once Holland had conquered the trade in Europe, the rest of the world was a logical
bonus” e que em ambos os processos “Holland used very similar methods to impose her
commercial supremacy or rather monopoly, whether close to home or far away”, ou seja, que
a dominação e o uso de muitas táticas empresariais ilícitas no presente – como espionagem,
suborno, cartelização e outros – já eram usadas desde a origem das grandes sociedades.
Em outra obra, denominada Os jogos das trocas, Fernand Braudel (1996, p.391)
justifica a gênese da sociedade por ações na origem da colonização e do descobrimento do
Novo Mundo – marco que inicia a História Moderna – graças à conjunção de três realidades: [...] primeiro o Estado, mais ou menos eficaz, nunca ausente; o mundo mercantil, isto é, os capitais, o banco, o crédito, os clientes – um mundo hostil e cúmplice, ou as duas coisas ao mesmo tempo; e por fim uma zona de comércio para ser explorada de longe, a qual, por si só, determina muitas coisas. (BRAUDEL, 1996, p. 391)
Nestes termos, Braudel define precisamente, em 20 de Março de 1602, a criação –
por iniciativa estatal – da primeira companhia, em sua acepção usual, conhecida como
Companhia das Índias Orientais, ou Vereenigde Oost-Indische Compagnie (V.O.C.), preferido
a versão original.
Braudel (1995a, p. 213) ressalta também inovações da V.O.C. tais como: ter como
sócios outros entes societários – e não apenas pessoas naturais; o fato de esta empresa ter
políticas próprias a ponto de ser “a state within a state (staat-builen-de-staat)” e de,
consequentemente, representar um vetor de poder muitas vezes independente do Estado e de
seus investidores.
Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (2005) reconhecem na
companhia holandesa o marco inicial das sociedades de capital ao tratar de sua composição
administrativa, em suas palavras: [...] A Companhia das Índias Orientais, por exemplo, modelo de todas que a sucederam, não previa assembléia geral de acionistas, mas conselhos locais em cada um dos Países Baixos. Esses conselhos designavam 60 membros do diretório, eleitos proporcionalmente à sua participação no capital social: 20 por Amsterdã, 12 por Zelândia, 14 por Delft e Roterdã, e 14 por Horne e Enkhuizen. (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2005, p. 35).
Em todas as possibilidades referidas, a gênese da sociedade de capitais tem alguns
elementos comuns entre relativa identidade temporal (Idade Moderna) e espacial (Europa) até
seu surgimento como desenvolvimento das sociedades de pessoas. Confirma estes elementos,
49
congregando todos os marcos propostos anteriormente como etapas de um único processo,
Ripert (1947, p. 101) ao citar que: A sociedade por ações saiu do antigo contrato de sociedade pela ação das cláusulas autorizando a cessão de quotas e a limitação de responsabilidade. Se o legislador não o houvera reconhecido, a prática a teria criado sozinha. Já no fim do século 18, assistia-se à formação de sociedades de capitais por uma transformação a sociedade de pessoas. O legislador interveio para interditar e não para permitir.
2.2.2 Evolução Sistêmica
Como demonstrado, quase que de forma unânime, nas lições dos manuais
contemporâneos há grande controvérsia em torno do surgimento da primeira sociedade por
ações. Além dos autores já enumerados, Ripert (1947) e Restiffe46 (2006) apontam que o
desenvolvimento das companhias ocorreu no colonialismo do século XVII graças ao
capitalismo mercantil – da necessidade de grandes somas para proporcionar maiores lucros
sem comprometer, em grande quantidade ou por longo período, o capital dos investidores.
De início, essas sociedades tinham sua constituição e funcionamento altamente
dependentes de favores de monarcas – a ponto de algumas serem autorizadas a prestar
serviços públicos ou mesmo terem poderes típicos de governo como no caso da Companhia
das Índias de 1621 – essa fase dos privilégios foi encerrada com o Code de Commerce
Napoleônico com seu artigo 37 que revogava os sistemas de privilégios, mas exigia
autorização governamental.
A sociedade em comandita por ações constituiu criação do Código Francês de
1807, esse tipo societário teve sua fase de esplendor no período denominado fèvre des
cammandites, ou febre das comanditas – entre 1807 até 1867. Esse fenômeno se explicou pelo
regime imposto as sociedades anônimas até então – elas não podiam ser constituídas
livremente ao contrário das sociedades em comanditas por ações.
As comanditas por ações, exatamente por terem seus diretores como sócios
comanditários (com responsabilidade ilimitada e solidária), podiam ser constituídas
livremente. Essa é a explicação pela sua preferência na época conhecida como febre das
comanditas, quando grandes famílias obtinham subscrições populares de qualquer proporção
de seu capital sem perder o controle da administração da sociedade.
46 RESTIFFE, Paulo Sérgio. Manual do novo direito comercial. São Paulo: Dialética, 2006.
50
O Código Comercial Brasileiro de 1850 não prevê as comanditas por ações, como
relembra Requião (2003, p. 301) “por injunção da experiência francesa [...] pronunciou-se o
Conselho de Estado que emitiu parecer contra a existência desta espécie de sociedade” [sic.].
O Decreto 1.487, de 13 de dezembro de 1854, determina expressamente que as sociedades em
comanditas não podiam dividir seu capital em ações.
As sociedades em comanditas por ações só foram legalizadas no Brasil com a Lei
3.150 de 1882, no mesmo ano da liberdade plena das sociedades anônimas, coincidência que
frustrou a ocorrência no Brasil da febre ocorrida na França.
Como resposta à proliferação das sociedades em comanditas por ações, em 1867,
a França admitiu o sistema da liberdade plena para funcionamento e constituição das S/A
experimentando, desde então, as três fases: a da concessão; a da autorização e da liberdade
plena. Muitos países, como a França, seguiram a evolução entre estes sistemas de forma
linear; outros, ao contrário, foram regidos de forma randômica e particular.
Com a adoção do sistema da liberdade plena para as sociedades anônimas houve
um desprestígio das sociedades em comanditas por ações e este tipo societário remanesceu em
desuso a ponto de ocorrerem debates sobre sua manutenção em cada reforma legislativa
concernente – como resta ilustrado na Exposição de Motivos do Projeto da LSA (apud
REQUIÃO, 2003) ao dizer que: O projeto considerou a hipótese de eliminar esse tipo de sociedade, dada sua pouca utilização; prevaleceu, no entanto a intenção de preservá-la, não apenas por ser mais um modelo de organização jurídica à disposição do empresário, mas ainda por ter sido nela introduzida inovação de maior significado: a possibilidade de ser o gerente pessoa jurídica (REQUIÃO, 2003, p. 01).
Ressalva-se que essa alusão ao gerente pessoa jurídica não corresponde com a
realidade vigente, vez que a Emenda no 29 da Câmara dos Deputados à referida Lei extinguiu
essa possibilidade, porém outras lições são atualmente usufruídas das comanditas por ações
como a responsabilização dos administradores – com a evolução da despersonalização da
pessoa jurídica – o que faz autores como Requião (2003) enunciar “a ressurreição das
comanditas” com a “comanditarização da sociedade anônima”. Mudanças como estas – que
acentuam as conseqüências jurídicas da heterogeneidade dos acionistas tanto na esfera da
responsabilidade administrativa, como na patrimonial e na penal – fundamentam o objeto de
estudo do trabalho.
A evolução sistêmica da sociedade anônima é apresentada em três fases evolutivas
e três sistemas de constituição possíveis. O sistema pioneiro foi o do privilégio
51
governamental, em posteriori surgiu o sistema da autorização (ou concessão) e, por fim, há o
sistema da plena liberdade (ou normativo). Como confirma Restiffe (2006): Na evolução histórica das sociedades por ações, verificam-se três períodos distintos: i) o período das companhias privilegiadas (séculos XVII e XVIII; ii) o período das companhias como sociedades empresárias (século XIX); e, iii) o período da concentração industrial e da macroempresa (século XX e atualmente). (RESTIFFE, 2006, p. 150).
Quanto aos sistemas, pode-se afirmar que se identifica: - o sistema do privilégio
governamental, quando a outorga ocorre por ato político por meio de leis especiais; - sistema
da autorização ou concessão, quando é exigida autorização jurídica do poder público; e, -
sistema da liberdade plena, ou sistema normativo, se não é necessária a autorização.
A sociedade anônima tornou-se eficaz instrumento da economia de mercado
precisamente porque permite à poupança popular participar dos grandes empreendimentos,
em que o investidor, modesto ou abastado, não se vincula a responsabilidade além da soma
investida, e pela possibilidade de, a qualquer momento, sem dar conta do ato a ninguém e sem
enfrentar maiores burocracias, negociar livremente os títulos, obtendo a liquidez monetária
desejada a qualquer tempo. Graças a tal simples mecanismo, a poupança privada pôde
ingressar comodamente ao mundo dos negócios, a ponto de afirmar Requião (2003, p. 07) que
“tornando-se a sociedade anônima o instrumento popular do capitalismo, fundamental para o
seu predomínio, sem o qual não se poderia conceber sua expansão”.
Fazendo uma mudança de foco da evolução do Direito Societário no mundo para a
realidade do Brasil, alerta Waldirio Bulgarelli47 (1998) que, apesar do descobrimento em
1500, não se pode enunciar um legítimo Direito Comercial nacional até 1808, corrobora com
sua afirmação J.X. Carvalho Mendonça48 (2000, p. 88) sobre a época afirmando que só havia:
“as leis e os alvarás esparsos, quase todos dos séculos XVII e XVIII, proviam sobre
mercadores e homens de negócio, seus privilégios e sua falência”.
Segundo Vera Helena de Melo Franco49 (2001, p. 22), antes de 1808, “inexistia
um conjunto sistematizado e organizado de leis, particularmente brasileiro, dotado de
princípios gerais definidos”, vigoravam então as Ordenações Filipinas e a conhecida Lei da
Boa Razão50, de 10 de agosto de 1769.
47 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1998. 48 MENDONÇA, José X. C. Tratado de direito comercial. Atualizado por Ricardo Negrão. Campinas: Bookseller, 2000. 49 FRANCO, Vera H. M. Manual do direito comercial. São Paulo: RT, 2001. 50 A Lei da Boa Razão autorizava invocar, subsidiariamente, nas questões mercantis, as regras de outras nações civilizadas e cristãs como a França, Espanha ou mesmo Portugal – pois tal lei permaneceu vigente mesmo após a independência do Brasil graças à determinação da primeira Assembléia Geral Constituinte de 20 de dezembro de 1823 determinando que permanecessem em vigor no país as leis portuguesas vigentes até 25 de abril de 1821.
52
Com o início do período joanino, em que a família real portuguesa se refugia, no
Brasil, das tropas napoleônicas, surge o Direito Comercial no Brasil. É considerado como
patrono e fundador desse ramo do Direito no Brasil José da Silva Lisboa, o Visconde de
Cairu, mas isso não ocorreu graças a suas obras “Princípios de Direito Mercantil” e “Leis da
Marinha”, mas, sim, pela sua influência na abertura dos portos do Brasil com a Carta Régia de
28 de janeiro de 1808 como congregam ao afirmar Fran Martins51 (2003) e Carvalho
Mendonça (2000).
Subseqüentes à Lei de Abertura dos Portos, de 28 de Janeiro de 1808, surgem
mais três alvarás de extrema importância para a economia nacional, a saber: a) o alvará de 1o
de abril de 1808, permitindo o livre estabelecimento de fábricas e manufaturas; b) o Alvará de
23 de agosto de 1808, criando no Rio de Janeiro a Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e
Navegação; e, c) o Alvará de 12 de outubro de 1808, criando o Banco que viria a ser a
primeira sociedade por ações da nova nação, o Banco do Brasil. Como confirma Requião
(2003, p. 16): Sobressai-se, nesses atos da monarquia recém instalada, o alvará de 12 de outubro de 1808, que cria o Banco do Brasil, com programa de emissão de bilhetes pagáveis ao portador, operações de descontos, comissões, depósitos pecuniários, saques de fundos por conta de particulares e do Real Erário, para a promoção da <<indústria nacional pelo giro e combinação de capitais isolados>> [sic.]
Comparato (2005) discute a nacionalidade do Banco do Brasil de 1808 afirmando
que nos primeiros estatutos dessa sociedade dispunha-se que apenas os quarenta maiores
acionistas constituíam a assembléia geral, devendo a todos eles ter nacionalidade portuguesa,
assim, os acionistas brasileiros eram admitidos como meros investidores, mas excluídos da
participação da vida societária.
Este mesmo autor (REQUIÃO, 2003) concorda com a importância do alvará de 12
de outubro de 1808, mas ele também relembra que na, época colonial, havia a ação de
companhias estrangeiras no território brasileiro, tanto por parte das Companhias das Índias
Holandesas quanto por “companhias outorgadas por carta real, como ocorreu na constituição
da<<Companhia Geral do Grão Pará>> fundada por ordem de Marquês de Pombal”.
Comparato (2005) ressalva, entretanto, a presença estatal tanto na instituição
quanto no funcionamento das sociedades coloniais no trecho: A Companhia Geral do Comércio do Brasil, criada por alvvará régio de 1649, era administrada por uma junta composta de nove deputados ou diretores, sendo oito eleitos pelos acionistas de mais de 5.000 cruzados e um designado pela municipalidade de Lisboa, mais oito conselheiros eleitos pelos comerciantes lisboetas. Por sua vez, a Companhia Geral do Grão Pará, criada em 1755, era
51 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 28. ed. Atualizado por Jorge Lobo. Rio de Janeiro: 2003.
53
governada por uma junta de administração composta por um provedor, sete deputados e três conselheiros, eleitos por votos dos acionistas possuidores de títulos de capital no valor de pelo menos 5.000 cruzados, mais um secretário e um artífice da Casa dos Vinte e Quatro. (COMPARATO, 2005, p. 38)
A segunda fase, o período da autorização, se inicia no Brasil com a vigência do
Código Comercial de 1850 como ilustra seu artigo 295 ao enunciar: As companhias ou sociedades anônimas, designadas pelo objeto ou empresa a que se destinam, sem firma social e administradas por mandatários revogáveis, sócios ou não sócios, só podem estabelecer-se por tempo determinado e com autorização do governo, dependente da aprovação do corpo legislativo quando hajam de gozar de algum privilégio; e devem provar-se por escritura pública ou pelos seus estatutos e pelo ato do poder que as houver autorizado.
O sistema da liberdade plena foi instituído no Brasil, como regra geral, pelo
decreto 8.821, de 30 de dezembro de 1882, porém existem casos dos sistemas anteriores em
exceções, como relembra Requião (2003, p. 09): [...] mantiveram-se, porém, os sistemas anteriores, concomitantemente, pois ainda hoje existem sociedades outorgadas ou constituídas pelo poder de império do Estado, algumas até com um sócio apenas que é a União. Outras, como as instituições financeiras, companhias de financiamento e companhias de seguro, por exemplo, dependem da autorização do governo para funcionar.
Conclui-se, nestes termos, que no Brasil a regra é a da livre iniciativa mitigada
pelo sistema do privilégio no caso da sociedade de economia mista (LSA em seus artigos 236
e 237) e do sistema da autorização para as companhias abertas. Ou seja, de certa forma,
resquícios dos três regimes tem marcos significantes e vigentes na legislação pátria.
As sociedades anônimas, dessa forma, assumiram importância crucial na
sociedade moderna e seus problemas, internos ou externos, de estrutura ou funcionamento,
constituem inevitáveis preocupações de economistas e juristas. O sucesso e a pujança do
capitalismo, ou economia de mercado como prefere Galbraith (2004), durante o século XX
acarretando a concentração dos meios de produção e do poder financeiro nas sociedades
anônimas, impõem atenção para estas instituições comparadas por Requião (2003, p. 07) a
verdadeiros “impérios” por “comprometerem muitas vezes a própria estabilidade e autoridade
do Estado”.
Na Ciência Política e na Teoria Geral do Estado esses entes privados detêm e
exercem seu poder – muitas vezes superiores aos do Estado – em um fenômeno
modernamente denominado “soberania supra estatal privada” como prefere Juan Ramón
Capella52 (2002) para compará-lo a soberania, qualidade do poder supremo do Estado, cada
52 CAPELLA, Juan Ramón. Fruto proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo do Direito e do Estado. Tradução Gresiela Nunes Rosa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
54
vez mais relativizada para os entes públicos. Braudel (1992c) pensou as companhias como
“Estados dentro do Estado” – caracterizando-as em sua origem; Capella (2002) as definiu
como Estados acima dos Estados – caracterizando-as em sua atualidade.
Bonavides53 (2003), Comparato e Salomão Filho (2005), ao relembrar Burdeau e
as lições clássicas de Ciência Política – com críticas fundamentais à teoria da soberania que
segundo sua obra remontam Marx – afirmam que a concepção de soberania estatal, no plano
interno, representa grande confusão entre o soberano e o aparelho de poder institucionalizado.
De fato, o aparelho estatal não existe em si e por si, mas só encontra coerência e sentido como
expressão de um poder que o transcende e que dele se utiliza.
É exatamente da mutação do conceito de soberania – estatal ou supra estatal – que
Comparato e Salomão Filho (2005, p. 35) atribuem às mudanças societárias, como no trecho:
“Ora, o modelo legal das sociedades por ações, em suas metamorfoses, francamente tributário
dessas diferentes concepções políticas ligadas ao conceito e soberania”.
Muitas correntes ideológicas optam por criticar e atacar o capitalismo,
praguejando sua derrocada e desejando seu fim, porém não é possível interferir no complexo
sistema econômico de produção – baseado grandemente nas sociedades por ações – sem
interferir diretamente na qualidade de vida dos indivíduos. Isso não significa que o sistema
econômico atual será perpétuo, mas, sim, que a paz social conseqüente de um equilíbrio
necessário de forças não pode ser obtida se não por um jogo de instituições, cada uma
cumprindo com sua função.
De fato, como destaca Perroux54 (1937), um novo espírito só surgirá de
instituições novas, a mudança não deve ser baseada em destruição, mas, ao contrário, para
ultrapssasar um modelo deve-se inovar, aperfeiçoar, e é isso que se faz quando se redefinem
os conceitos de empresa, sociedade, lei e sociedade sob novas exigências sociais superiores
como desenvolvimento sustentável, função social, responsabilidade ambiental ou governança
corporativa, por exemplo.
53 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 54 PERROUX, François. Capitalisme et Communaute de Travail. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1937.
55
2.2.3 Realidade pátria vigente
2.2.3.1 LSA (Lei 6404/76) e precedentes
No Brasil, houve quatro legislações versando sobre as sociedades anônimas. O
marco legal foi a revogada primeira parte do Código Comercial de 1850 em seus artigos 295 a
299; a segunda legislatura foi o Decreto 434, de 04/06/1891; a terceira, o Decreto Lei 2627,
de 26/09/1940; e a quarta, a atual Lei 6404, de 15/12/1976, com suas modificações
posteriores, em especial a Lei 9747, de 05/05/1997, e a Lei 10303, de 31/10/2001. O novo
Código Civil apenas cita a sociedade referenciando a lei especial.
Ainda é necessário citar a Lei 4728, de 14/07/1965, que regula o mercado de
capitais e a Lei 6385, de 07/12/1976, que trata do mercado de valores mobiliários e da
CVM55, que se aplicam, portanto, às sociedades anônimas.
O período pós-guerra propiciou intenso desenvolvimento industrial ao Brasil, a
política econômica governamental buscou reiteradamente atrair capitais estrangeiros para a
instalação de grandes indústrias como a siderúrgica, a petroquímica, a automobilística e todas
as outras que constituíram o parque industrial daquela época. Complementa também Requião
(2003, p.10): “Um novo impulso desenvolvimentista foi imprimido, entretanto, a partir dos
governos revolucionários instalados com o advento a Revolução de 1964, após o acirrado
combate que se fez para jugular descontrolada inflação” [sic.].
No período indicado, mudanças estruturais e normativas no sistema financeiro
nacional e do mercado de capitais eram urgentes necessidades para viabilizar as políticas
governamentais.
A versão inicial da Lei das S/A surgiu em um contexto peculiar da história
brasileira, substituindo uma legislação composta no início da Segunda Guerra Mundial e
ultrapassada desde a Lei 4728, de 1965, ou Lei de Reforma Bancária e pela reforma das
bolsas de valores ocorrida com a Resolução nº 39 do próprio Bacen (criado pela Lei de
Reforma Bancária), ou seja, pelas reformas graduais que viabilizavam a possibilidade de
55 A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é autarquia federal que tem por finalidade fiscalizar, em conjunto com o Banco Central do Brasil (Bacen), o mercado de capitais, observando as diretrizes traçadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Esse controle justifica-se, pois está relacionado com a proteção, em especial, do investidor popular e com o papel que as companhias desempenham na economia em geral.
56
autofinanciamento privado com a melhora da distribuição da renda – com a dispersão das
ações.
Não era apenas a Lei 4728/1965 que demonstrava a obsolescência do Decreto Lei
2627, de 26/09/1940, reformando-o parcialmente. Não só na realidade jurídica, mas também
na financeira, havia a impressão – após o boom de 1971 – de que o anonimato vigente no país
era ultrapassado, que o Banco Central outorgava a condição de sociedade de capital aberto a
empresas sem estrutura ou condições econômicas, em suma, que se impunha uma revisão da
lei das sociedades por ações – inclusive para tutelar os interesses das minorias. Como
relembra Requião (2003, p. 11): O negócio feito entre os grupos de controle importava em atribuir desmesurados ágios às ações por eles retidas, deixando ao léu a massa de acionistas minoritários desprotegidos, cujas ações pouco passavam a valer. A questão das minorias acelerou a decisão governamental de reformar a lei de sociedades por ações.
O desenvolvimento e a aprovação de uma nova regulação para as sociedades
anônimas foi uma prioridade do governo do Presidente Ernesto Geisel expressa desde a
primeira reunião ministerial. De fato, o próprio Ministro da Fazenda desse governo
reconheceu a situação dos minoritários, como ilustram suas palavras transcritas por Requião
(2003, p. 13): Do ponto de vista associativo, deve-se reconhecer que a legislação brasileira de sociedades anônimas se mostra bastante desfavorável aos acionistas minoritários. Estes últimos frequentemente vêem seu patrimônio reduzido a uma montanha de papéis sem negociabilidade, que sempre rende novos papéis, mas raramente algum dividendo. É uma ação discriminatória de mercado, onde cada ação do majoritário vale muito mais do que cada ação do minoritário.
O resultado inevitável à situação descrita foi a aversão ao minoritarismo - com a
fuga dos pequenos investidores – e a predominância da estrutura empresarial familiar. Os
juristas escolhidos para a composição do anteprojeto foram Alfredo Lamy Filho e José
Bulhões Pedreira.
O objetivo e os meios pretendidos para a reforma eram pré-estabelecidos à
composição do anteprojeto por instâncias políticas superiores, como ilustra o pronunciamento
ministerial (REQUIÃO, 2003, p. 13), nesse momento histórico se identificavam como
necessidades: a) a preferência de dividendos mínimos à minorias acionárias; b) a extensão às minorias dos benefícios auferidos pelas maiorias nas vendas de lotes de ações de controle; c) a substituição do atual conselho fiscal por auditoria devidamente credenciada nos órgãos públicos. Os estímulos ao mercado de ações se inserem naturalmente dentro deste quadro de fortalecimento da empresa privada nacional.
57
O problema inicial dos relatores do anteprojeto foi a autonomia da legislação
sobre as sociedades anônimas em face da reforma do Código Civil. A unificação foi
concretizada em diversos temas, mas, quanto à regulação das companhias, a Exposição de
Motivos – aprovada pelo Presidente da República – esclarece a necessidade de regulação
particular deste tipo societário ao citar que: Do ponto de vista econômico, todavia, os estudos técnicos evidenciaram a inconveniência de ficarem sujeitas à inevitável inflexibilidade dos Códigos as normas relativas às sociedades empresariais em geral e, muito especialmente, às sociedades anônimas.
Este mesmo documento oficial, ao tecer considerações doutrinárias que
privilegiavam as soluções econômicas e financeiras aos meramente normativos deslocou a
liderança e a preponderância do Ministério da Fazenda sobre o Ministério da Justiça na
composição dessa legislação – confirmando a solução dos problemas empresariais, mais uma
vez, a casuística e a lógica indutiva.
De fato, a atual LSA teve grande impulso e orientação oficial – devido à
conjuntura política do período – mas sua orientação técnica foi inegável. A visão adotada nos
simpósios sobre a reforma das sociedades por ações é bem sintetizada no trecho seguinte do
relatório de Carlos Emilio Ferri, de 1964, como cita Requião (2003, p. 14): Talvez nenhum outro instrumento penetre tão profundamente suas raízes no húmus da vida econômica quanto a sociedade anônima, e a problemática que dela resulta é, ao mesmo tempo, de ordem normativa e de ordem econômico-financeira, justamente porque os fatos da economia, observados com os meios avançados da pesquisa moderna, derivam seus próprios pressupostos [...] A sociedade anônima, hoje sociedade por ações, não pode por certo cristalizar-se em estrutura imutável.
Nesses termos, a exposição de motivos, como toda a doutrina que o embasava,
adotou a concepção institucionalista, submetendo o anteprojeto a este pressuposto doutrinário.
A idéia de que a sociedade deveria ser encarada como instrumento da grande empresa
moderna é expresso na própria exposição de motivos: A lei da sociedade anônima – lei da grande empresa – depende do funcionamento correlato de várias instituições econômicas de interesse público; é parte de um todo que tem que ser disciplinado harmonicamente. Com efeito, a sociedade anônima só pode alcançar as finalidades de instrumento jurídico de grande empresa – essencial no processo de desenvolvimento econômico brasileiro – se e quando seu funcionamento estiver coordenado com o do Banco Central, o da bolsa de valores e todo o sistema financeiro nacional. [sic.]
Rejeitando a sociedade como contrato – que regula os interesses pessoais de seus
membros – e privilegiando a idéia de instituição – que visaria primariamente o bem comum
através do objeto social – o anteprojeto adotou uma teoria mais avançada, porém manteve
58
uma visão parcial do tema ao desconsiderar uma importante face desta sociedade, como a
exposição de motivos explicita no trecho: Há muito a S.A. deixou de ser um contrato de efeitos limitados para seus poucos participantes: é uma instituição que concerne toda a economia do País, ao crédito público, cujo funcionamento tem que estar sob o controle fiscalizador e o comando econômico das autoridades governamentais.
Considerando todo o contexto apresentado, a atual LSA – mesmo com seus
enganos e suas falhas – apresentou-se em sua época como uma legislação avançada e técnica
como festejou Requião (2003, p. 15) ao qualificá-la de “diploma legal de alta qualidade
técnica, que honra a cultura jurídica de nosso país”.
O processo de atualização da Lei 6.404/76 foi um processo inevitável e
progressivo que se estende aos dias atuais. Indiferente à sua qualidade ou adequação a certo
momento histórico as leis comerciais, pelas próprias características da atividade, são “leis de
vida curta” por regerem fenômenos econômicos, transações e negócios em constante mutação.
O próprio George Ripert (1947, p. 8) congrega desta idéia ao afirmar que: O Direito Comercial não possui, em si mesmo, a virtude da resistência que lhe dê um passado respeitável. Embora se gabe de origem longínqua de algumas de suas instituições, é um direito novo, porque o comercio moderno não se contentou com os processos que se bastavam ao antigo. Ele não conhece a tranqüilidade que o tempo traz à discussão dos princípios, a submissão voluntária a regras que não são discutidas [...] Ele se cria a cada dia na prática cambiante dos negócios. Ele se transforma para seguir uma economia que muda sem cessar.
A pioneira, dentre as modificações pertinentes e significativas à legislação
analisada, foi a Lei 7.799, de 10 de julho de 1989 – que alterou a legislação tributária fiscal –
modificando o cálculo de lucro real como base para o Imposto sobre a Renda. Com intento
fiscal a lei tem conteúdo financeiro.
A Lei 8.021, de 12 de abril de 1990, alterou o artigo 4º da LSA – estabelecendo
que as ações devem ter forma normativa, e fixando prazo para a adaptação por parte das
sociedades. Neste mesmo sentido, a Lei 8.808, de 31 de outubro de 1990, impôs a forma
nominativa a todos os títulos e valores mobiliários.
A Lei 8.200, de 28 de junho de 1991, modificou a regulação das correções
monetárias nas demonstrações financeiras, assim como a Lei 9.249, de 26 de dezembro de
1995, que estabeleceu que “Fica vedada a utilização de qualquer sistema de correção
monetária de demonstrações financeiras, inclusive para fins societários”.
Além dos diplomas citados e da Lei 9.457, de 5 de maio de 1997, que modificou
institutos da LSA em nome da política de privatizações, falta citar os dois diplomas de maior
importância para o objeto do trabalho – e que não versavam sobre questões tributárias nem
59
mesmo sobre formalidades na escrituração de títulos, mas, sim, sobre direitos de acionistas. A
primeira delas, a Lei 7.958, de 20 de dezembro de 1989, conhecida como “Lei Lobão” –
modificou o artigo 137 da LSA; e, a última, a Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001,
objetivou, finalmente, atualizar institutos protegendo acionistas minoritários.
A torrente de diplomas modificadores e atualizadores atestam a importância da
LSA, assim como comprovam a tese da constante necessidade de atualização em uma
sociedade em franco desenvolvimento que vence uma economia tumultuada pela inflação para
alcançar a instabilidade econômica e que supera seu passado intervencionista e autárquico em
busca da integração com a economia mundial.
2.2.3.2 Do Código Comercial ao Código Civil Vigente (Lei 10.406, de 10 de Janeiro de
2002)
O debate entre os que defendiam que o Direito Comercial deveria ter autonomia e
aqueles que acreditavam que deveria haver unidade do Direito Privado em um código único –
pela influencia dos Códigos Civis na seara comercial, promovendo a unificação das normas
das duas matérias em um só código – representou um dos temas fundamentais do Direito
Comercial.
Como indica Requião (2003), a autonomia legislativa do Direito Empresarial
sofreu seu maior ataque na conferência de Cesare Vivante na Universidade de Bolonha, ainda
no século XIX. Nesta exposição foram relacionados argumentos contra a autonomia do
Direito Comercial que sinteticamente seriam: a) o exemplo inglês e o norte-americano
demonstravam a possibilidade de regular com a mesma teoria geral todas as relações privadas;
b) a submissão ao regime comercial de pessoas estranhas ao comércio, apenas por
contratarem com comerciantes, provocaria danos sociais e jurídicos; c) a faculdade dos
magistrados de atribuir caráter mercantil a atos que não figuram no texto legal traria
insegurança a toda a sociedade; d) a autonomia do direito comercial seria prejudicial ao
desenvolvimento científico, pela grande deficiência no estudo das regras gerais pelos
comercialistas.
Após desenvolver a teoria da empresa – que extinguiria a validade dos
argumentos “b)” e “c)” – e de elaborar o Progetto Preliminare (anteprojeto de reforma do
60
Código Comercial Italiano), Vivante (2003) se retrata do seu ataque à autonomia do Direito
Comercial em sua obras após a quinta edição de seu Tratado de Direito Comercial.
Na segunda fase de produção intelectual de Vivante, ele passa a argüir como
motivações necessárias para a autotomia legislativa comercial: a) a diferença capital no
método entre o Direito Civil (dedutivo) e o Direito Comercial (indutivo); b) a índole
cosmopolita do Direito Comercial, propiciando relações que não podem ser resolvidas com
regras civis; e, c) o Direito Comercial se dedica a relações em massa, enquanto o Direito Civil
se ocupa de fatos isolados.
A controvérsia doutrinária sobre a unificação do Direito Privado deixou de ser
meramente acadêmica para tornar-se problema político e legislativo quando foi proposta a
unificação no Brasil.
Segundo Fran Martins (2003), a primeira tentativa de unificação no Brasil ocorreu
em 1867, por Teixeira de Freitas, responsável pela elaboração de um Projeto de Código desde
1859. Inglês de Souza, meio século depois, ao ser incumbido de reformular o código
comercial, em 1912, propôs emendas e aditivos que transformariam seu código em um código
de Direito Privado.
A idéia unificadora teve mais uma chance em 1941 com o Anteprojeto de Código
de Direito das Obrigações elaborado por Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e
Henneman Guimarães.
O projeto de um Código de Obrigações e a reforma que ele promoveria não
objetivavam a unificação do Direito Privado como ocorreu com o Codice Civile italiano de
1942 (com codificação única), mas, sim, a unificação com a instituição de um Código Civil e
um Código das Obrigações – no que se denomina sistema suíço. Esta tentativa foi enviada ao
Congresso Nacional como Projeto 3264/65, mas foi retirado para reformulações.
A tendência de descodificação – como proferia Orlando Gomes56 (1995) – no
sentido de enunciar a incapacidade de um só diploma de unificar as regulações diversas de
uma sociedade mais e mais complexa e dinâmica é clara no trecho: “os tempos presentes,
quando menos, não lhe são propícios (a codificação), se falso o diagnóstico de que a vocação
do século não é para a codificação”, como já defendia o criador a teoria da empresa no início
do século (VIVANTE, 2003, p. 70).
56 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
61
Esta tendência de descodificação não evitou que os projetos de códigos civis
subseqüentes tentassem propor uma teoria geral societária – mesmo já existindo leis especiais
como a LSA ultracitada.
Uma tendência atual em evidência – e na qual Orlando Gomes pode ser
considerado pioneiro – é a constitucionalização dos direitos, no que ele denominava dirigismo
contratual. Pode ser demonstrada a afirmação pela redação do artigo 363 do Anteprojeto do
Código Civil apresentado por ele ao Governo em 31 de março de 1963: “A propriedade,
quando exercida sob forma de empresa, deve conformar-se às exigências do bem comum,
sujeitando-se às disposições legais que limitam seu conteúdo, lhe impõem obrigações e lhe
reprimem abusos”.
A idéia descrita no anteprojeto do Código representava a tradução infra-
constitucional do instituto jurídico da função social da propriedade, já recepcionada na
Constituição vigente àquele instante. É esta noção que serve para justificar, sob a perspectiva
da horizontalização de direitos, as tutelas aos minoritários, como ilustra a doutrina do próprio
Orlando Gomes57 (1986, p. 103): “A propriedade quando exercida sob a forma de empresa
conformar-se-á às exigências do bem comum, sujeitando-se às disposições legais que limitam
seu conteúdo, impõem obrigações e lhe reprimem os abusos”.
O giro conceitual da propriedade-liberdade para a propriedade-empresa, dentre
outras inovações do anteprojeto de Orlando Gomes, indubitavelmente representaram um
avanço na compreensão de que o direito à propriedade deveria concorrer para o bem público,
justificando inclusive restrições na forma de obrigações e encargos ao proprietário, ou no
caso, ao controlador. Ressalva-se, entretanto, que o anteprojeto apresentado em 31 de março
de 1963 nunca chegou a ser lei vigente.
O Código Civil vigente começou a ser elaborado em 1969 por uma comissão
coordenada por Miguel Reale, por iniciativa do governo militar, e iniciou sua tramitação no
Congresso Nacional, em 1975, com o nome de anteprojeto 634-B/1975. O texto final do
diploma foi aprovado em 15 de agosto de 2001, quando começou o período de transição
fixado em lei.
Com a revogação do Código anterior – elaborado em 1899 por Clóvis Bevilacqua
– e vigente desde 1918 a nova legislação impôs diversas mudanças legislativas. Embora tenha
origem no antigo regime autoritário, o novo Código, no decorrer dessa longa tramitação,
57 GOMES, Orlando. Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986.
62
sofreu importantes mudanças, e reflete, em sua essência, o pensamento jurídico da época pós-
redemocratização.
O Código vigente representou um avanço indiscutível em relação à legislação
constituída no século retrasado, exemplificando, a lei legalizou uma gama de soluções
jurisprudenciais e extinguiu institutos em desuso – como o regime de casamento dotal ou
mesmo a enfiteuse privada – na esfera das relações civis. Porém, ao tentar regular as nas
relações comerciais, dispondo sobre uma teoria geral das sociedades e dos títulos de crédito, o
diploma foi considerado desastroso pela doutrina. Inovações sem substrato fático foram
tentadas, como a obrigatoriedade da outorga uxória no aval, contrariando a característica
metodológica secular e latente do Direito Empresarial, a lógica indutiva. Como ilustra
Lautenschleger Júnior (2005, p. 16): [...] a estrutura geral do direito societário brasileiro está tristemente comprometida pela entrada em vigor de um Código Civil que, por falta de uma acurada revisão legislativa, está sendo penalizado em seu valor sistemático e histórico. Fica, assim, também registrado um protesto e apelo ao Poder Legislativo brasileiro para que se atente para sistemática da legislação nacional, que não é um fim em si, mas certamente uma condição elementar para a estruturação de um sistema jurídico sólido e eficaz, e, portanto, capaz, ao menos de forma potencializada, de garantir o real Estado de Direito.
Reconduzindo o discurso ao corte epistemológico, o Código Civil de 2002 cita as
sociedades por ações em um reduzido trecho, buscando defini-la e referenciar sua
normatização, com o seguinte texto: Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir. Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código.
A redação do artigo 1088 foi objeto de emenda na fase final de tramitação do
projeto na Câmara dos Deputados. A emenda foi apresentada com a finalidade de
compatibilizar com a definição contida na legislação vigente, uma vez que o conceito
primitivo apresentava-se inteiramente defasado ao se referir à responsabilidade do acionista
pelo valor nominal das ações de que fosse titular, quando, na moderna sociedade anônima, as
ações da companhia, em sua expressiva maioria, não possuem mais valor nominal. Em
realidade, a redação final da norma descrita corresponde à definição continua no art. 1º da Lei
6404/76.
Quanto ao artigo 1089, não foi apresentada qualquer emenda a essa disposição,
que manteve o mesmo conteúdo do projeto original. Neste caso, o Código limitou-se a
reconhecer e ordenar essa remissão necessária para a legislação de Direito Comercial, qual
63
seja, a Lei 6404/76 – ressalvando sua aplicação de suas regras gerais apenas na omissão da
Lei das Sociedades Anônimas.
Quanto à segunda espécie de sociedades por ações existente no Direito pátrio o
Código Civil descreve que: Art. 1.090. A sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação. Art. 1.091. Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor, responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.
§ 1o Se houver mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis, depois de esgotados os bens sociais.
§ 2o Os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social.
§ 3o O diretor destituído ou exonerado continua, durante dois anos, responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração. Art. 1.092. A assembléia geral não pode, sem o consentimento dos diretores, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou diminuir o capital social, criar debêntures, ou partes beneficiárias.
Ao descrever a sociedade em comandita por ações – classificada como sociedade
menor como forma societária em desuso – o diploma não inova. Não foram apresentadas
emendas aos artigos descritos, sendo a redação final dos artigos a mesma do projeto original.
O artigo 1090 define a espécie ou tipo societário. A sociedade em comandita por
ações é organizada à semelhança da sociedade anônima, com seu capital dividido em ações,
porém os acionistas diretores da sociedade respondem em caráter subsidiário e ilimitado pelas
obrigações sociais. Outra particularidade ocorre em seu nome empresarial que pode ser
formado firma social, que identificará os acionistas administradores, ou por denominação, do
modo como adotado pela sociedade anônima em seu artigo 4º, sempre acompanhado pela
expressão “comandita por ações”, por extenso ou abreviadamente.
Quanto ao artigo 1091, ultra descrito, seu conteúdo reproduz as mesmas regras
constantes no artigo 282 da Lei 6404/76 ao regular a responsabilidade dos administradores da
sociedade em comandita por ações. O cargo de administrador neste tipo societário é privativo
dos sócios, não podendo haver delegação a terceiros estranhos à sociedade. A
responsabilidade do administrador é ilimitada, podendo seus bens particulares ser alcançados
na execução de dívidas da sociedade, mas apenas depois de esgotado todo o patrimônio social
– o que indica responsabilidade subsidiária.
Neste tipo societário, os membros da diretoria são designados pelo Estatuto da
sociedade no momento de sua constituição, para exercício da administração por período
indeterminado, caso a diretoria seja composta por dois ou mais sócios acionistas, existirá
também entre estes a responsabilidade solidária pelas obrigações sociais. A destituição de
64
algum desses sócios-administradores só poderá ocorrer com o beneplácito dos acionistas
titulares de, no mínimo, dois terços do capital social. O afastamento, voluntário ou
involuntário, da diretoria impõe, pelo prazo de dois anos, a responsabilidade pelas obrigações
sociais existentes na data de sua retirada ou destituição.
A redação do artigo 1092 é praticamente a mesma do artigo 283 da LSA, mas há
uma inovação – o diploma posterior faz referência à participação em grupo de sociedades. Em
temos didáticos, ainda que a Assembléia Geral seja a instância máxima de deliberação na
sociedade em questão, os acionistas que integram a administração e que têm responsabilidade
ilimitada pelas obrigações sociais, mesmo participando minoritariamente do capital, dispõem
de poder de veto em determinadas matérias de relevante importância para a sociedade. Nestes
termos, quando se trata de decisão relativa à alteração do objeto essencial da sociedade, da
prorrogação de seu prazo de duração, de aumento ou diminuição do capital e para a emissão
de debêntures ou partes beneficiárias, além da aprovação da Assembléia, a eficácia da
deliberação dependerá da concordância dos acionistas diretores.
Referindo-se ainda ao Código Civil vigente, comprova-se que a tendência de
proteção aos sócios – com o desenvolvimento de uma burocracia societária – não se limita
apenas às sociedades por ações. Quando o referido diploma jurídico revoga o Decreto 3.708,
de 10 de janeiro de 1919, substituindo a antiga sociedade por quotas de responsabilidade
limitada pela sociedade limitada, novos regramentos visando à contenção de abusos são
instaurados. É possível, inclusive, citar exemplos de defesa de interesses pontuais nos mais
diversos tipos societários – como a impenhorabilidade das quotas na sociedade em nome
coletivo, como ilustrado no artigo 1043 do diploma referido, mas a escolha foi
exemplificativa e se justifica pela ocorrência mais numerosa das sociedades limitadas.
De fato, a sociedade limitada não está contida no corte epistemológico do
trabalho, mas a citação das inovações no tipo mais comum e usual de organização e
estruturação de empresa coletiva demonstra que o fenômeno estudado é uma demanda geral
do direito societário – e não apenas dos acionistas.
Conceituando a sociedade limitada, de forma didática e consoante com o artigo
1052 do Código Civil vigente, pode-se afirmar que nesse tipo societário a responsabilidade
dos sócios é limitada e não solidária, ou seja, cada sócio responde pela parcela de capital que
integralizar, tal como ocorre na sociedade anônima – mas, enquanto o capital não for
totalmente integralizado, os sócios assumem responsabilidade solidária entre si pelo montante
que faltar para a complementação, em dinheiro ou bens, do capital subscrito.
65
A grande novidade no regramento da sociedade limitada refere-se ao quorum de
deliberação. No passado, o critério único era a maioria simples; no sistema atual, existem
diversos critérios para definição do quorum de deliberação – a depender da matéria – a saber,
é necessária: - a unanimidade – como nos artigos 1114, 1061 e 1127 – para alterações
essenciais na sociedade; - a maioria de três quartos do capital social – como nos artigos 1071,
1076, 1071 e 1076 – para operações societárias e demais mudanças no Contrato Social; - a
maioria de dois terços é necessária – como indicam os artigos 1061 e 1063 – para destituição
de administrador definido em contrato ou nomeação administrador não sócio; e, por fim, a
maioria absoluta, como citam os artigos 1071 e 1076, é necessária para destituir administrador
não sócio não nomeado por Contrato Social ou para nomear sócio administrador por
documento apartado.
Esses diferenciados critérios de quorum mínimo de deliberação, ao contrario do
sistema de feios e contrapesos não equilibra as possibilidades de proibir e instituir, mas, ao
contrário, facilita a proibição por um número menor do que o necessário para a instituição –
privilegiando, dessa forma, os sócios minoritários.
Outro instituto jurídico que serve de forma reflexa à tutela de minoritários é a
desconsideração da pessoa jurídica. Já existiam legislações anteriores ao Código vigente
instituindo tal possibilidade no Direito pátrio por fraudes – como o artigo 4º da Lei 9605; o
artigo 18 da Lei 8884/1994; o artigo 28 da Lei 8078/1990; o artigo 27 da Lei 9615/1998 –
porém, além de recepcionar esta possibilidade em seu artigo 50, o Código vigente amplia o
instituto aplicando-o nos casos de deliberações societárias contra interesse social, como no
artigo 1010 §3º; na responsabilização do sócio administrador, como nos artigos 1012, 1015 a
1017 e 1158 §3º; e, na responsabilidade dos sócios que aprovam deliberação contra legem ou
contra estipulação do Contrato Social (artigo 1080).
Fora do âmbito do Direito Civil e Comercial, ainda é válido citar que existem
possibilidades legais como a do artigo 12 da Lei 8620/1993 que se refere à desconsideração
por débitos previdenciários, ou mesmo à aplicação jurisprudencial da desconsideração por
créditos trabalhistas.
O caso da desconsideração na esfera trabalhista é a mais polêmica – tanto pela sua
elevada ocorrência quanto pela ausência de previsão legal expressa – esta aplicação é fundada
na idéia de que (TRINDADE, 1982, p. 147)58 “a obra jurisprudencial é, sobretudo,
interpretativa dos textos legais para preenchimento do <<gap>> deixado pelo legislador”.
58 TRINDADE, Washington Luiz da. O superdireito nas relações de trabalho. Salvador: Livros Salvador, 1982.
66
Todos os exemplos citados de desconsideração, mesmo aqueles que se situam fora
das relações comerciais, refletem uma tendência geral desse instituto – e sua intenção
principal – de responsabilizar os reais responsáveis pessoalmente, evitando fraudes e
propiciando a realização de créditos legítimos. Em suma, a evolução legislativa e
jurisprudencial na busca da internalização das externalidades.
Em tempo, ao tentar unificar o Direito Privado, a Lei 10406 falhou ao regular as
matérias empresariais, tanto na parte societária como na cambiária, porém seus avanços –
especialmente quando adota soluções jurisprudenciais cristalizadas ou revoga institutos e
conceito em desuso – é indiscutível, ademais se considerando que o texto anterior era do
século XIX.
2.2.3.3 Desafios e Tendências
Superando explanações positivas e adentrando aos desafios e tendências, uma
nova leitura é exigida, o trecho seguinte contém aspectos jurídicos, tanto de lege ferenda
como de lege lata. As novas práticas que geram os referidos desafios impõem regras que
inicialmente não são cogentes, mas que, usualmente, são consideradas desejáveis pelos
próprios agentes do mercado e que, gradativamente, são adotadas pelo Direito, seja como
costume, como jurisprudência ou como lei.
A importância do que é exposto como prática ou costume tem muito mais
importância no Direito Comercial do que em outros ramos do Direito graças a sua
característica metodológica: a adoção da lógica indutiva. Desde sua origem, o Direito
Mercantil não teve suas regras criadas a partir de preceitos gerais, como ocorre no Direito
Civil, por uma particularidade de sua natureza: a dinamização das ações por ele reguladas.
De fato, a característica metodológica desse ramo do Direito é complementar e
lógicamente conseqüente de outras características (REQUIÃO, 2003) quais sejam: - o
cosmopolitismo, por sua universalidade; - o individualismo, pela vinculação da busca do
lucro; - a onerosidade, conseqüente da impessoalidade e da busca do lucro; - o informalismo,
propiciando a dinamização das relações; - o fragmentarismo, por abarcar disciplinas diversas
como o Direito Bancário, o Autoral e da Propriedade Industrial, o Concorrencial, o
67
Cambiário, o Societário, sem formar sistema jurídico completo; e, - a solidariedade
presumida, como garantia social ao crédito e à segurança.
Existem temas de necessária abordagem em uma dissertação que verse sobre
direito societário e, dentre eles, certamente consta a “governança corporativa” e os seus temas
conseqüentes – que neste ponto compõem os desafios e tendências ao Direito Empresarial.
Ressalvando que as questões dos mercados diferenciados e das influências das novas práticas
aos acionistas minoritários serão abordadas em seções particulares, neste trecho serão
analisados: a) os fundamentos da governança corporativa no ativismo acionário em uma
abordagem interdisciplinar; b) o cenário histórico da governança corporativa; c) os problemas
e questões relacionados aos órgãos de administração; d) a questão da governança como
resposta a demandas sociais específicas; e) a governança no Brasil; e, f) conclusões críticas.
De certo, a governança corporativa é uma matéria estudada por administrador de
como gerir empresas, mas esta expressão é mais ampla e também inclui a regulação – interna
e externa – da sociedade, interessando, dessa maneira, ao Direito.
Fatos como a instituição de uma cartilha emitida pela CVM como órgão oficial de
regulação, bem como a instituição pela Bovespa de diferentes mercados de negociação
segundo diferentes padrões de obediência a critérios de regras específicas de governança
corporativa são exemplos concretos e simples de como o tema interessa ao Direito.
A expressão “Governança Corporativa”, segundo Perin Junior (2004) e
Lautenscheler Júnior (2005), consiste nas práticas e relacionamentos entre
acionistas/quotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Contábil Independente
e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o livre
acesso ao capital. A expressão é designada para abranger os assuntos relacionados ao poder de
controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes formas e âmbitos de seu exercício
e os diversos interesses que, de alguma maneira, estão ligados à vida das sociedades
comerciais.
As práticas da goverança corporativa representam um conjunto de valores, apesar
de, por si só, não criá-los, como um padrão de qualidade ou uma certificação. Os valores só
surgem quando, simultaneamente a uma boa governança, há também uma empresa com
qualidade, lucratividade e boa administração. Nesses casos, a governança permite uma
administração ainda melhor, gerando mais benefícios aos acionistas e a todos aqueles que
lidam com a empresa.
Na teoria econômica tradicional, a governança corporativa surge para procurar
superar o chamado “conflito de agência”, consistente na separação entre a propriedade e a
68
gestão empresarial e denunciado, como “fraude inocente”, por Galbraith (2004). Estes
conflitos surgem da delegação aos profissionais que administram a empresa, muita vezes,
contra os interesses dos mandatários.
A solução para este desequilíbrio é proposto pela “teoria da agência” através de
sistemas de monitoramento e incentivos que garantam que o comportamento dos executivos
esteja dentro dos padrões desejados pelos acionistas. Dessa forma, a gestão corporativa eficaz
propicia aos proprietários (sócios ou quotistas) a gestão estratégica da empresa e a efetiva
monitoração da direção executiva.
As principais ferramentas que asseguram o controle da propriedade contra os
gestores dependem de modelos avançados dos órgãos societários – no caso a direção, o
conselho de administração, o conselho fiscal e a auditoria contábil independente – adotando
como diretrizes a transparência, a prestação de contas (accountability) e a eqüidade.
Para concretizar estas metas não é necessária a democracia acionária com a
participação massiva dos sócios, mas que apenas aqueles presentes no Conselho de
Administração, exerçam seu papel de organização – elegendo uma auditoria contábil
independente, uma Diretoria e estratégias idôneas e sempre fiscalizadas e reavaliadas.
A falta de conselheiros qualificados e bem intencionados é o grande empecilho
para a concretização deste fenômeno – como indica o próprio Galbraith (2004). Essa é a
grande deficiência que propicia significativa parte dos fracassos das empresas, sejam eles
decorrentes de abusos de poder (de controladores contra minoritários, da diretoria contra o
acionista ou dos administradores contra terceiros), de erros estratégicos (decorrentes do
acúmulo de muito poder em uma só pessoa, normalmente o executivo principal ou em atuação
em conflito de interesses) ou por fraudes (como o uso de informação privilegiada em
benefício próprio ou de terceiro).
Os fundamentos da tendência referida constituem matéria de exposição necessária
considerando a temática inóspita para o universo jurídico. O primeiro passo para definir os
fundamentos da governança é o entendimento do contexto atual do mercado.
A crença de que um mercado global como pressuposto de crescimento econômico
para o mundo – difundia em especial após a Segunda Guerra Mundial – propiciou uma série
de mudanças no cenário financeiro e de capitais, bem como na estrutura do comércio
internacional. Exemplifica Lautenscheler Júnior (2005, p. 20) que: As atuais mudanças são marcadas pela ampla relativização das fronteiras entre os países, não só com relação a produção e comercio, mas também em relação a mobilidade de capital, tanto especulativo como de investimento.
69
Como conseqüência das referidas mudanças, as empresas sofreram maior
exposição ao mercado e exigiram como resposta uma elevação gradativa da eficiência - muito
além da mera economia de escala – e para cumprir tal meta a confrontação direita entre
sistemas jurídicos – com o desenvolvimento do Direito Internacional – e destes com a
Administração tornaram-se uma necessidade.
Outra característica contextual da realidade societária, ressaltada por Fábio
Konder Comparato (2005), é a concentração. A aglutinação corporativa foi a tendência do
século XIX com a formação de grandes empresas monopolíticas ou monopsônicas em cada
área, porém essa situação de evidente desequilíbrio foi gradativamente combatida no
desenvolvimento do Direito Econômico e Concorrencial, para instrumentalizar o controle de
abusos ocorrentes. A existência dessa regulação completamente nova impôs a necessidade de
métodos equivalentes de administração.
Dessa forma, desde o início do século XX, as empresas têm de enfrentar a
concorrência global – desde a captação do investimento, passando pela produção e transporte
até a comercialização – sem utilizar os mecanismos do passado. A solução foi a mudança de
paradigmas na administração para satisfação das novas exigências jurídicas do Direito
Econômico, como a privatização, os processos de fusões e associações societárias em âmbito
internacional até as tendências de proteção aos investidores.
Fábio K. Comparato (2005) e Lautenscheler Júnior (2005) concordam, enfim, em
outro processo ocorrido no século XX: a clara percepção da separação entre o poder de
controle e da propriedade das empresas, e das conseqüências e problemas que tal divisão
trazia em si. Este processo, fruto da pulverização dos investimentos e da profissionalização da
administração das empresas, representa a resposta empresarial ao desafio da concorrência
regulada normativamente – problema surgido com o Direito Econômico.
O último elemento na qual se estabeleceu a nova doutrina de gestão e regulação
empresarial é o ativismo acionário, fruto da profissionalização do investidor. Desde que o
processo de pulverização das empresas se iniciou com a profissionalização dos
administradores o mesmo ocorreu com o perfil dos investidores – representados por fundos de
previdência, por exemplo.
Com a elevação da racionalidade no controle e na propriedade das empresas,
chegou-se a proclamar uma tendência denominada “democracia econômica”, ou seja, a
criação gradativa de um ambiente em que o ativismo de certos grupos de investidores
pressionassem as administrações a satisfazer os anseios de parcelas significativas.
70
Dessa realidade de democracia acionária já se referia Ripert (1947, p. 99) como “a
grande ilusão dos acionistas”, por considerar qualquer acionista como dono da empresa,
mesmo que poucos sejam capazes de controlar seu destino.
Enuncia, no mesmo sentido, Galbraith (2004) “o sonho traído da democracia
acionária”, na inércia da maior parte dos investidores e na motivação majoritáriamente
egoística – tanto dos administradores quanto dos investidores profissionais – na intervenção
das partes na relação societária, como ilustra Lautenscheler Júnior (2005, p. 25) ao afirmar
que: A história se repete e a questão do ativismo que resulta diretamente da profissionalização do investidor ressurge como prova da possibilidade de combater a apatia do investidor que, desde o grande desenvolvimento das sociedades por ações no final do século XIX, domina as discussões, com tal profissionalização. [...] é fato inconteste que até agora não reina consenso a respeito da existência de um real novo ativismo – e se tal ativismo efetivamente traz benefícios diretos para as empresas.
A leitura do excerto acima pode dar a impressão de que todos os esforços para
incentivar a ampla participação nas assembléias seriam vazios – vez que não haveria real
beneficio à empresa – mas, de fato, o que realmente determina a necessidade de participação
não é apenas a promoção da “democracia acionária”, mas, sim, a possibilidade de
responsabilização decorrente da intermediação. Assim como hoje é usual responsabilizar-se
administradores das empresas – através da despersonalização – também seria razoável
responsabilizar o investidor profissional que tem por oficio participar da companhia – sob
pena de responder por negligência.
Enfeixando a contextualização do ambiente gerador das novas tendências e
desafios, é vital ressaltar que os processos globais citados têm diferentes impactos em
diversas regiões do mundo a depender da sua estrutura de produção econômica e da
organização de seu mercado de capitais – mas, considerando a tendência geral de governança
corporativa nestes ambientes de tamanha divergência, demonstra-se a convergência sistêmica
tendo como parâmetro a eficiência econômica – o que poderia justificar o direito dos
acionistas segundo os parâmetros da AED.
Considerando o caso particular do Brasil, baseando-se nos dados oficiais da
Bovespa, pode-se afirmar que o mercado brasileiro de capitais nunca exerceu na economia
brasileira a desejada posição de liderança como efetiva alternativa para capitalização das
empresas. De fato, o esforço de reestruturação do modelo legal para o mercado financeiro e de
capitais ocorre desde a década de 1960, em especial com as Leis 4.595/1964, 6.404/1976 e
6.385/1976, mas este processo legislativo não concorreu com as políticas econômicas
71
adotadas à época – preferindo o financiamento através de empréstimos diretos – e propiciando
o altíssimo índice de concentração do mercado brasileiro.59
A origem da discussão e do desenvolvimento da governança corporativa ocorreu
no âmbito da administração de investimentos através da busca pela segurança com a
introdução de eficientes mecanismos de proteção e controle nas empresas como condição para
investimento. Embora seja possível tentar definir um fato como marco deste processo esta
eleição seria precária e frágil, considerando a simultaneidade das conjunturas na Alemanha ou
nos Estados Unidos.
A tendência descrita é um movimento de indagação critica de estruturas e
instituições, com um enfoque interdisciplinar entre a Administração, a Economia e o Direito.
O surgimento e o desenvolvimento da governança não ocorreram em âmbito acadêmico, mas,
sim, nos problemas diários dos empresários e das empresas sobre a estruturação e organização
dos negócios. Os códigos de governança ou as legislações não surgem antes que os
investidores elaborem seus próprios parâmetros de governança como pressupostos de
investimento. Confirmando a idéia, Lautenscheler Júnior (2005, p. 34-35) afirma que:
Esta origem realista e prática explica, assim, a razão pela qual nos países de tradição jurídica romanista, onde a postura do profissional do direito é muito mais passiva, os maiores interessados e letrados nas indagações da governança corporativa são os administradores e não os juristas.
O tema dos dispositivos de controle e proteção das empresas atingiu aos juristas, e
ao público em geral, após o ano de 1992. Neste ano, um relatório investigativo sobre os
sistemas de gestão das principais empresas inglesas produzido por uma comissão liderada por
Adrian Cadbury – e patrocinada pelos principais órgãos do mercado inglês (London Stock
Exchange, Financial Reporting Council, Institutional Shareholders Committee) – como
reação a uma série de escândalos ocorridos à época (Polly Peck, BCCI, Maxwell) foi
publicado e, desde então, é considerado como marco da história da governança tanto por seu
impacto social quanto por trazer como anexo um código de boas práticas (Code of Best
Practice) listando medidas idôneas a solucionar os problemas identificados60. Como ilustra
Lautenscheler Júnior (2005, p. 36): Tal relatório foi genericamente o primeiro de muitos outros códigos que, então, surgiram não somente em outros países como Alemanha (Relatório Baum de 2000), França (Relatório Viénot de 1995), na Itália (Código da Bolsa de Valores Italiana de
59 Os dados descritos podem ser obtidos na fonte referenciada como BOVESPA. Desafios e oportunidades para o mercado de capitais brasileiro. Disponível em: <www.bovespa.com.br>. Acesso em: 10 abr. 2005, p. 13 entre os anos de 1996 e 1998 o Brasil ocupa o destaque de sexto país com maior volume de concentração (76%). 60 Este relatório é internacionalmente conhecido como Cadbury Report e está disponível no INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORTIVA <www. ibgc.org.br>. Acesso em: 11 dez. 2006.
72
1999 ou Relatório Preda), nos Países Baixos (ou Relatório Peters de 1997); na Espanha (o Relatório Olivencia de 1998), nos USA (Relatório Blue Ribbon de 1996), para citar alguns exemplos, como também ocorre em âmbito supranacional [...].
Os principais pontos do Cadbury Report são as seguintes recomendações: a) a
ampliação dos poderes do board of directors; b) a instituição de administradores
independentes; c) a criação de comitês de controle, e; d) a estruturação do board em gestões
temporárias e controladas por auditorias. Em suma, defendem-se na Inglaterra princípios do
modelo dual de governança, separando os poderes de administrar e controlar a administração,
mesmo que de forma diferenciada a sua origem germânica.
Esta enumeração de documentos estrangeiros não significa que o Brasil tenha
ficado fora do debate, como demonstram os Anexos B e C. Desde 1995, o Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa – IBGC divulga o Código de Boas Práticas. Este relatório foi o
documento pioneiro nos debates dos mercados diferenciados da Bovespa como na “Cartilha
de Governança Corporativa” da CVM divulgada em 200261.
2.2.3.3.1 Caso Enron e o Sarbanes-Oxley Act of 2002 (SOA)
Como afirma Lautenscheler Júnior (2005, p. 108): Não se poderia considerar completo um panorama dos principais problemas tratados nos debates de governança corporativa sem antes ser considerado, ao menos em linhas gerais, as principais questões que preocupam na atualidade [...] a questão da governança dos serviços financeiros e o tratamento dado pelo governo americano à crise do mercado de capitais, simbolizada pelo caso Enron.
Segundo o artigo de Jeffrey Gordon62 (2003, p. 01), tanto o caso na Enron, como
o da WorldCom – ressalvadas suas peculiaridades – consistiam em um denominador comum:
o uso indevido de técnicas contábeis, como a não consolidação contábil pelo uso de entidades
de propósito específico (special purpose entities) para aumentar a lucratividade aparente da
companhia e, assim, seu valor de mercado.
O caso da Eron, segundo Lautenscheler Júnior (2005, p. 111), representou uma
real catástrofe para o sistema americano de gestão corporativa, pois suas estruturas básicas
61 O Código do IBGC foi acessado em <www.ibgc.org.br> e a Cartilha da CVM em <www.cvm.gov.br>. 62 GORDON, Jeffrey N. Governance Failures of the Enron Board and the New Information Order of Sarbanes-Oxley. The Center for Law and Economic Studies of Columbia Law School 2003 Review. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=391363>. Acesso em: 10 dez. 2006.
73
como a auditoria, a contabilidade interna, a remuneração dos administradores, a fiscalização
interna da administração e a externa do mercado de capitais apresentaram uma falha
generalizada neste caso. O mais preocupante é que tal empresa aderia as mais avançadas
práticas aconselhadas pela governança corporativa americana à época, como constituir o
board de administradores independentes e externos, mas isso não evitou as fraudes referidas.
Como conseqüência direta desses escândalos, assim como de eventos posteriores
de menor intensidade – como os das dot.com – o governo americano, no início de 2002,
promoveu uma profunda modificação nas regras de auto-regulação dos auditores com o
Sarbanes-Oxley Act of 2002 (SOA) (segundo a designação oficial conforme texto da lei de 23
de janeiro de 2002).
Este diploma legal (SOA), prevê expressamente proteger os investidores
melhorando a precisão e confiabilidade das informações prestadas ao público – não só de
empresas americanas, mas também de todas que pretenderem ser listadas em bolsas daquele
país. Lautenscheler Júnior (2005, p. 111) resume as modificações trazidas pela SOA em duas
diretrizes: a) a criação de um órgão de supervisão das empresas de auditoria, o Public
Company Accounting Oversight Board (CAOB), para garantir a qualidade e a independência
das auditorias; e, b) a obrigatoriedade de novas regras de governança corporativa que impõem
maior responsabilidade aos administradores pelas informações financeiras e contábeis da
companhia.
Segundo o texto legal, as novidades na instituição neste novo órgão de auditoria
são: a) o financiamento indireto de suas atividades, sendo que é subsidiado por taxas pagas
pelas companhias listadas e não remunerados diretamente; b) o registro obrigatório das
auditorias (SOA art. 106) que prestem serviços de forma direta ou indireta às empresas
listadas; c) as vedações quanto à prestação de serviços conjuntivos à auditoria – como
planejamento tributário ou a realização da contabilidade; d) a rotação obrigatória em cinco
anos das (CAOB) e o período de impedimento de um ano para ocupar cargos na área
financeira por ex-empregados da empresa de auditoria.
As novas regras de governança impostas pela lei foram: a) a vedação dos
empréstimos das companhias para os administradores; b) a instituição de um comitê
específico de auditoria para relacionar a auditoria externa (excluindo o Board de tal
relacionamento); e, c) a exigência de novas certificações nas demonstrações financeiras pelo
presidente e pelo diretor financeiro – sob pena de responsabilizações pessoais pelo
descumprimento das certificações ou da forma de divulgação.
74
O objetivo principal das novas regras foi reduzir a discricionariedade da
administração sobre estratégias financeiras que ocultam a situação financeira real da
companhia. O que a SOA vem propor para evitar os abusos – tutelando inclusive os direitos
dos minoritários – é impor a atividade regulatória federal como solução à manipulação dos
entes que se relacionam com os executivos.
Quanto aos efeitos da SOA, Lautenscheler Júnior (2005, p. 113) ressalta a
polêmica sobre as lacunas ainda esquecidas por este modelo: a) o sistema de remuneração dos
administradores (através dos planos de opção que os induzem a ter interesse no valor de
mercado da ação e não no desempenho da empresa); e, b) a liberdade das agencias de
classificação e dos consultores de investimento – que também deveriam ter sua independência
assegurada em relação a interesses de companhias específicas.
De fato, o SOA é um diploma legal de emergência, editado menos de um mês
após os escândalos com soluções imediatistas e casuísticas, mas que propõe certas soluções e
um novo modelo – através da fiscalização estatal cerrada – que pode representar uma solução
na efetivação da tutela dos minoriários.
Superando os desafios e tendências apresentadas em tópicos a ser aprofundados
oportunamente, não se pode aprofundar o entendimento do contexto societário ou do mercado
de capitais sem compreender as diferentes concepções e teorias explicativas da sociedade por
ações.
2.3 TEORIAS DA ORGANIZAÇÃO INTERNA DA SOCIEDADE POR AÇÕES
Seguindo os ensinamentos de Salomão Filho (2006) – quando alega que em uma
ciência valorativa e finalista como o Direito, debater os fundamentos é discutir sua função e
objetivo – deve-se buscar os argumentos explicativos da natureza da função societária nas
teorias contratualista, institucionalista, associativa ou sistêmica para ampliar o seu
entendimento.
As teorias da organização da sociedade são conseqüentes de suas funções sociais
mais preponderantes sob cada perspectiva. Nos primórdios, o debate se concentrava apenas
entre as propostas contratualistas tradicionais versus as institucionalistas – que não satisfazem
a complexa realidade atual.
75
As demandas surgidas após a década de 1990 com o Direito Empresarial Público
– como prefere Calixto Salomão Filho (2006) – exigem dos diferentes ramos do Direito
Comercial, como o Direto Societário, que sejam capazes de intervir positivamente na
realidade econômica. Desse contexto, surgem então o contratualismo moderno, a teoria dos
sistemas aplicada às sociedades e a teoria organizativa, ou do contrato organização.
2.3.1 A Teoria Contratualista
Dentre as diversas expressões, clássicas e modernas, rotuladas como
contratualistas têm seu conteúdo comum e sua justificativa sintetizada na obra de Calixto
Filho (2006, p. 26), a saber: Interessa estudar a concepção doutrinária contrária do interesse geral, ou seja, aquela que sustenta ser ele coincidente com o interesse do grupo de sócios e suas implicações com relação à sociedade unipessoal.
Dessa forma, quando ocorre a negação de que o interesse social seja
hierarquicamente superior ao interesse do sócio, segundo o critério descrito, poder-se-ia
identificar contratualismo por contraposição ao institucionalismo. A grande diferença,
segundo o mesmo critério, entre o contratualismo tradicional e o moderno, é que no primeiro
caso consideram-se preponderantes os interesses dos sócios atuais e que no moderno os
cruciais são os de todos os sócios atuais ou futuros, pela busca de valor das cotas ou ações.
A teoria contratualista prega que a sociedade empresária é um ente que surge em
decorrência de um contrato e com a função de cumpri-lo. Este contrato pode ocorrer por meio
de instrumento público ou privado, como um contrato social ou um estatuto, mas sempre
formando um pacto diferenciado por formar uma nova pessoa jurídica, em regra. Ripert
(1947, p. 101) ilustra afirmando que “A sociedade por ações, dizem êles, não é, apesar de
tudo, se não um contrato” [sic.] e fundamenta a sua ocorrência no princípio da liberdade das
convenções, pelo menos em sua gênese.
Como assevera Perin Júnior (2004), a sociedade, desde o Direito Romano, é
identificada com a obrigação contratual, apesar de a sociedade por ações ser bem diferente da
societas romana, a tese contratualista encontra em cada época novas bases argumentativas
desde o contrato bilateral até a idéia do contrato plurilateral. O caso da sociedade por ações é
76
ainda mais particular considerando que a pessoa jurídica que a implementa é afetada por uma
destinação obrigatoriamente empresarial.
Como teoria de grande influência no Direito Empresarial pátrio, essa doutrina
defende que o Estatuto Social, como contrato constitutivo de sociedade por ações, seria
contrato plurilateral de organização (PERIN JÚNIOR, 2004). Segundo esse entendimento, a
sociedade por ações representaria uma empresa, no sentido de organização social, ocorrendo a
institucionalização de uma pluralidade de interesses diferentes (dos produtores, fornecedores,
investidores, empregados, consumidores...).
Desenvolvendo esta noção (LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, 2005), os defensores
da governança corporativa demonstram como o potere impreditoriale dependeria da
legitimação dos interesses dos grupos na organização. Considerando, na prática, que nem
todos os steackholders poderiam intervir diretamente neste poder de direção, embora
diretamente envolvidos com suas conseqüências, a necessidade de sua tutela com base no
ordenamento jurídico se impõe como necessidade socialmente sentida.
Buscando outro exemplo contratualista dentre os sistemas europeus, ilustra Perin
Júnior (2004, p. 16) o caso da Itália, onde, segundo sua obra, “na medida em que nega que o
interesse social seja hierarquicamente superior ao interesse dos sócios”. De fato este mesmo
autor ressalva que, ao identificar os interesses do sócio como interesse social e tendendo a
considerar na categoria dos sócios não apenas os atuais, mas também os futuros, a perspectiva
italiana do interesse social ganha novamente preponderância reduzindo a diferença entre esta
variação da teoria contratualista e a própria teoria institucionalista.
Há argumentos expostos por Amendolara (2003) que reforçam a posição
contratualista contra a semelhança apontada por Perin Júnior (2004). Para os defensores do
contratualismo seu âmago não seria o valor predominante, mas, sim, a concepção do contrato
de sociedade, nesta lógica o contrato social é de execução continuada e o interesse social é o
interesse do grupo de sócios – e, dessa forma, este “interesse social” poderia ser
constantemente revisto e até desconsiderado por decisão dos sócios.
Considerando os dispositivos legais brasileiros sobre as sociedades, encontram-se
todos os traços da doutrina contratualista tradicional tais como a pluralidade de pessoas
concentradas em torno de um fim (e não de uma criação organizativa) e a mutualidade das
obrigações entre os sócios – que se obrigam mutuamente e não com a sociedade.
Pode-se enumerar, cronologicamente, as definições vigentes de sociedade no
Brasil, primeiramente, o Código Comercial que não trazia a definição expressa de sociedade –
mas sempre a relacionava aos vocábulos “contrato”, como no artigo 300, e “sócios”, como no
77
artigo 302; em segundo, o Código Civil de 1916, no artigo 1363, definia indiretamente a
sociedade ao asseverar que “Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se
obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns”; então, o Código
Civil vigente, Lei 10406/2002, em seu artigo 981, definiu que “Celebram contrato de
sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para
o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, os resultados”. Em todos os casos
recepcionando os elementos da teoria contratualista, pelo menos na definição geral.
No caso específico da sociedade por ações, relembra Requião (2003) e ilustra
Perin Junior (2004, p.19) que o sistema societário brasileiro é considerado dualista pendular
entre o contratualismo e o institucionalismo, “levando a interessante demonstração de
resultados, não totalmente coerentes, de que ambas as teorias podem conviver em um mesmo
sistema positivo”. O fundamento destas alegações é a função institucionalista da LSA, Lei
6404/76, que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro objetivos distintos, segundo a
lição de Salomão Filho (2002a, p. 33-34): O legislador tentou incentivar a grande empresa de suas maneiras distintas: primeiro, o auxílio à concentração empresarial. Faz-se referência, obviamente, ao capítulo sobre os grupos de empresas tanto de fato quanto de direito, que contém uma regulamentação bastante favorável às empresas conglomeradas, em prejuízo, muitas vezes, de uma proteção mais razoável do interesse de terceiros. Muitos foram os questionamentos a respeito da constitucionalidade de tais regras. Sustenta-se que referidas disposições, claramente incentivadoras da formação de grupos, implicam um auxilio indireto à dominação do mercado, sendo conseqüentemente contrárias às regras constitucionais que regulam a liberdade de concorrência.
Segundo o autor supra mencionado, a segunda forma de incentivo seria a
capitalização dessas empresas por meio do mercado acionário – que gerou, como
conseqüência, a necessidade, socialmente sentida, de criar regras que protegessem os
investidores contra arbitrariedades dos sócios controladores, evitando desequilíbrios,
barateando o financiamento e assegurando o investimento. Foram estas regras,
especificamente, como no caso do artigo 116, parágrafo único da LSA – que estabelece
deveres genéricos para o acionista controlador com relação aos demais acionistas da empresa,
aos trabalhadores e à comunidade em que atua, que indicam elementos institucionalistas – ao
declarar diretamente princípios que privilegiam o interesse social.
78
2.3.2 A Teoria Institucionalista
Em sintético resumo, a teoria institucionalista defende, na definição de Perin
Júnior (2004, p.17), que “as sociedades se constituem por um ato de manifestação de vontade
dos sócios; contudo esse ato não é revestido de natureza contratual”.
Na Alemanha, berço do institucionalismo no período entre guerras, adota-se a
concepção de que a sociedade não pode ser reduzida aos interesses dos sócios, é o
institucionalismo publicista, que considera a função econômica das empresas – especialmente
aquelas de grande porte – como sendo de interesse público e não apenas privado.
Como demonstra-se na obra de Lautenschleger Júnior (2005), essa concepção
germânica da função da sociedade gerou uma forma de governança corporativa particular,
valorizando-se a participação da Administração da sociedade por ações e reduzindo a
importância da Assembléia Geral – com a introdução de representações de interesses
coletivos contrapostos no interior dos órgãos societários.
Em suma, no caso alemão, como ilustra Perin Júnior (2004), reconhece-se na
própria empresa uma composição de interesses de várias pessoas que dela participam, não
apenas legitimando sua função, mas também influindo em sua gestão como ocorre com a co-
gestão (Mitbstimmung) iniciada após a segunda guerra e legalmente expressa desde 1965.
Ainda neste caso, os trabalhadores têm participação no conselho de administração de várias
companhias, mesmo sem possuir ações, sem se confundir com sócios – diferenciando-se, na
prática, de forma crucial entre institucionalismo e o contratualismo.
Em seu turno, o institucionalismo integracionista ou organizativo, surge no
período entre 1937 e 1965. Como relembra Calixto Salomão Filho (2006, p. 32), o
institucionalismo publicista já tem seu declínio certo na década de 1950, quando já se
compreendiam as conseqüências deletérias da supremacia da direção sobre a assembléia de
acionistas, da irresponsabilidade que ocorria com a independência de diretores.
No período referido (1937-1965), surgiram leis impondo participação de
representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais das grandes companhias. Primeiramente,
de acordo com a iniciativa nacional socialista e, depois, no pós-guerra, com o intento de
desconcentrar o poder na industria alemã.
Como relata Calixto Salomão Filho (2006, p. 35), a grande diferença entre o
institucionalismo publicístico e o integracionista é que “o novo, sendo mais organizativo que
79
institucional, não se preocupa, como o anterior, em preservar o conceito de personalidade
jurídica” – propiciando inclusive o desenvolvimento da teoria da desconsideração.
2.3.3 As Teorias Modernas
Com a abertura do Direito Societário para a interdisciplinaridade, importam-se
conceitos e valores econômicos e concorrenciais, por exemplo – como indica Salomão Filho
(2006, p. 38), no trecho: A essa discussão tem-de dado o nome de análise econômica do direito. Nascida originalmente do direito antitruste, onde os raciocínios econômico e jurídico são incindíveis, essa Escola ganha concretude teórica nos anos 60 com os trabalhos pioneiros de G. Calabresi e R. Coase respectivamente sobre atos ilícitos e custos sociais. Nas décadas de 70 e 80 essa teoria tem grande expansão para diferentes campos, entre eles o direito societário.
As críticas mais ferozes a esta contribuição não se referem a seu método analítico,
mas, sim, às propostas de aplicação que seus resultados indicam. A analítica da AED é,
muitas vezes, como relembra o próprio Salomão Filho (2006, p. 39), desvinculada da teoria da
eficiência que pretende extinguir os debates da Filosofia do Direito – levando a questão da
justiça para a apreciação científica.
Segundo a teoria da eficiência, o parâmetro das decisões judiciais e das normas
jurídicas deve ser a maximização da riqueza global, mesmo que isso seja feito à custa do
prejuízo a um agente econômico específico. Esta definição não coaduna com a clássica
propugnada por Pareto, para quem a eficiência nas relações ocorreria quando traz vantagens a
todos os participantes sem prejudicar outros.
O argumento básico contra esse tipo de teoria é que o princípio geral de
maximização de riqueza induz necessariamente a transferência de riquezas àqueles que
possuem maior racionalidade (informação) e, consequentemente, maior poder de barganha, ou
seja, àqueles que já possuem riqueza – gerando um processo de concentração e exclusão
progressiva.
Da concepção conseqüente ao alargamento teórico da matéria, Salomão filho
explica que “o interesse da empresa não pode mais ser identificado, como no contratualismo,
ao interesse dos sócios nem tampouco, como na fase institucionalista mais extremada, à
80
autopreservação”. Dessa forma, surgiram as concepções modernas visando a estruturação das
relações jurídicas nas organizações da forma mais eficiente63 possível.
2.3.3.1 A Teoria do Contrato Associativo ou Contrato Organização
Organização, em uma acepção jurídica, significa coordenação da influência
recíproca entre atos. Na teoria do contrato organização, os atos referidos são conseqüentes de
esferas econômicas e sociais, mas esta não é uma teoria econômica, é uma teoria jurídica.
Na teoria descrita não há a redução do interesse social a uma organização
direcionada simplesmente a obter eficiência econômica, mas, sim, há o objetivo de
compreensão da sociedade como organização com o fim de propiciar o melhor ordenamento
dos interesses nela envolvidos com a solução dos conflitos. Dessa forma, essa teoria visa
satisfazer critérios subjetivos (interesses) e não objetivos (como a eficiência numérica).
A teoria do contrato-organização é uma acepção contemporânea dos contratos que
se revela idônea a explicar o fenômeno societário ao diferenciar os contratos comuns, ou de
permuta, caracterizados pela existência de prestações respectivas e atribuição de direitos e
obrigações individuais entre as partes; e, os contratos associativos, caracterizados pela
formação de organizações ao fixar regras para desenvolvimento de atividade comum – como
na formação das sociedades estudadas.
Diferenciando esta teoria das construções teóricas anteriores, Salomão Filho
(2006, p. 43) relembra que: “adotada a teoria do contrato organização, é no valor da
organização e não mais na coincidência de interesses da uma pluralidade de partes ou em um
interesse social a uma organização direcionada simplesmente a obter eficiência econômica”.
Perin Junior (2004, p.24) esclarece que, segundo a visão associativa, “a prestação
de uma parte não satisfaz imediatamente o interesse da outra, servindo para o
desenvolvimento da sociedade” considerando que “a sociedade, em razão de sua característica
própria de atividade, deve ter por molde o contrato associativo, centrado na idéia de
organização”.
Como pode ser observado na citação, esta argumentação aproxima os conceitos de
sociedade e empresa, medida justificada pelo autor pelo fato de “vislumbrar na sociedade uma
63 Esse caso refere-se à eficiência distributiva e não à eficiência alocativa.
81
atividade organizada”. Como a organização (empresa) é considerada a meta do contrato resta
explicado o enunciado dessa teoria que concebe a sociedade como organização e não como
instituição.
A organização não é a confluência de interesses das partes, ou dos sócios, mas,
sim, a representação da atividade. Nesta teoria a sociedade não estaria justificada pelo acordo
de vontades, gerando direitos subjetivos, nem mesmo pelo bem comum, mas sim pelo valor
da atividade ou organização criada.
Na doutrina pátria, considera-se empresa o complexo de atividades, o objeto de
direito, assim como a sociedade é considerada a personificação jurídica da empresa, a pessoa
de direito. Dessa forma, o enfoque associativo valoriza a atividade (empresa) e enfraquece o
conceito formal de sociedade.
Diferenciando essa teoria da institucionalista basta citar a lição de Perin Junior
(2004, p.25) de que “não havendo mais atribuição de direitos subjetivos, o interesse social não
é mais o do ócio, nem o da maioria dos sócios, mas sim o da organização, podendo ser
definido pela vontade das partes ou pela lei”.
Exemplos como o do artigo 116 da Lei 6.404/76 e do artigo 116-A introduzido
pela Lei 10.303/2001 são gradativamente mais comuns entre as manifestações legislativas que
superam o caráter institucionalista, recorrentemente interpretadas sob a teoria organizativa
que Perin Junior (2005, p. 23) explica didaticamente no excerto: Organização, na acepção jurídica, significa a coordenação da influência recíproca entre atos. Portanto, adotada a teoria do contrato organização, é no valor organização e não mais na coincidência de interesses de uma pluralidade de partes ou em um interesse específico à auto-preservação que se passa a identificar o elemento diferencial do contrato social.
No entendimento da sociedade como organização – que busca o melhor
ordenamento dos interesses nela envolvidos e a solução dos conflitos entre eles existentes –
Perin Júnior (2005, p. 23) explica que “o interesse social passa, então, a ser identificado com a
estruturação e organização mais apta a solucionar os conflitos decorrentes desses contratos e
de suas relações jurídicas”.
Salomão Filho (2002a, p. 50-51) também defende a teoria organizativa alegando
que “quando bem aplicada, não é um retorno ao individualismo dos contratualistas, mas, sim,
um passo adiante em relação ao institucionalismo na defesa do interesse público”.
Segundo este autor (SALOMÃO FILHO, 2006, p. 48-49), a teoria organizativa
propicia mais utilidade e sinceridade ao Direito Societário ao mediar corretamente os
conflitos internos – possibilitando a proteção dos interesses por regras organizativas internas,
82
quando possível, ou propiciando a mediação legislativa do conflito. Segundo essa mesma
obra, tanto a sociedade pessoal como a sociedade sem sócios – situações jurídicas de
importância crescente – são estruturas que exprimem o valor organizativo puro, ou seja, passa
a ter como objeto exclusivamente estruturar um conjunto de contratos. Como sintetiza Calixto
Salomão Filho (2006, p. 50): A teoria organizativa, quando bem aplicada, não é um retorno ao individualismo dos contratualistas, mas sim um passo avante em relação ao institucionalismo na defesa do interesse público. Possibilita a proteção dos interesses e a solução interna de conflitos, que podem ser atingidos por regras organizativas internas, e a externalização daqueles que não podem, acompanhada então de uma correta mediação legislativa do conflito.
Essa teoria tem grande valor para o objeto estudado, pois a regra da dissolução do
conflito tende a eliminar lides e a evitar os problemas que poderiam levar a insatisfação e a
retirada de dissidentes da sociedade, por exemplo – e a tutela dos minoritários, por sua vez,
apresenta-se como um dos instrumentos idôneos para evitar certas espécies de conflitos
societários.
2.3.3.2 A Teoria dos Sistemas
Esta teoria foi originada com os trabalhos de Ludwig von Bertalanffy e é
usualmente utilizada na argumentação de filósofos, sociólogos e cientistas políticos, mas
também já foi aplicada por doutrinadores para explicar a estrutura das sociedades por ações a
partir da década de 1970. Em termos sintéticos parte-se do conceito de sistema como
conjunção das partes individualizáveis que têm relações dinâmicas entre si e,
conseqüentemente, com o todo. Perin Junior (2004, p. 26) indica o trabalho de Paul Le Cannu
como pioneiro ao aplicar essa teoria às sociedades por ações ao parafraseá-lo no trecho: La notion de système est em effet une notion assez délicate à manier. Elle a jusqui`ici été utilisée essentiellement dans I`analyse polique ou économique, et l`on a pu parler pour les années récentes d`une ‘mode systémique’ dans ces domaines. Notre désir n`est pas, I`on s`en doute, d`étendre cette ‘mode’ au droit des societés, mais simplement de profiter du ‘renouvellement partiel’ qu`elle permet. L`intérêt essentiel de cette notion est d`apporter une vue dynamique, de ‘mesurer les changements au niveau du fonctionnement global, par la stabilité ou la varation des relations réciproque des éléments variables composants’. Car on peut définir le système comme la réunion de composantes individualisables qui ont des rapport dynamiques entre elles et avec le tout. Il s`agit d`une notion très ouverte, puisque chaque composante peut elle-même être analysée en terme de système.
83
Nesses termos, o autor pioneiro investe em sua argumentação reconhecendo que a
idéia de sistema é mais conveniente a conjuntos políticos e econômicos do que para um
instituto jurídico particular, mas o considera adequada e compatível para caracterizar a
sociedade por ações como sistema micro jurídico.
Conceituando sistema, deve-se ressalvar o fato de que existe uma dogmática geral,
ou filosófica, e outra particular – aplicável ao Direito – para esse vocábulo. Kant (apud
REALE, 1999) já propunha um conceito geral de sistema como “a unidade, sob uma idéia, de
conhecimentos variados” ou “um conjunto de conhecimentos ordenado segundo princípios” –
definições estas aplicáveis à dogmática geral e às disciplinas filosóficas.
No campo jurídico, sistema traduz a idéia do conjunto das regras e preceitos ou
“sistema de justiça”, como prefere Perin Junior (2004), ou, em outros termos, a soma dos
princípios racionais que regem as relações de Direito. Canaris64 (1996, p.82), discípulo de
Karl Larenz, na sua teoria evolutiva dos sistemas, dedica uma obra apenas para desenvolver a
idéia do que seria “o conceito de sistema na ciência do direito”, partindo do argumento de que
“a hipótese fundamental de toda ciência é a de que uma estrutura racional, acessível ao
pensamento, domine o mundo material e espiritual”.
Perin Junior (2004, p.27) desvenda, de forma eficaz, a grande crítica cabível a
essa teoria ao descrever que: “embora a sociedade possa ser considerada um sistema, a última
noção, até prova em contrário, não contribui ao aperfeiçoamento do conceito de sociedade, e
de sua aplicação não resultam efeitos aparentes”, considera-se então que, embora se critiquem
as teorias institucionalistas e contratualistas, tanto a teoria baseada no contrato como a
referenciada na idéia de instituição são meios idôneos de estruturar a sociedade como uma
organização, ambas as teorias são capazes de fundamentar um regramento suficiente para a
manutenção do exercício de sua função primária e vital, a função econômica.
64 CANARIS, Claus-Wilhem. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Tradução A. Menezes Cordeiro. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
84
3 PODER NA SOCIEDADE POR AÇÕES
3.1 ACIONISTA E SUAS RELAÇÕES DE PODER
Independente da teoria adotada para interpretar a sociedade – em seu
funcionamento e seus objetivos – do capítulo primeiro duas lições iniciais devem constar
como pressupostos ao entendimento do capitulo segundo: preliminarmente, são acionistas os
titulares (pessoas físicas ou jurídicas) de ações de uma sociedade por ações (seja a sociedade
anônima ou em comandita por ações); e, em segundo, que as posições políticas dos acionistas
variam de acordo com suas motivações – o que justifica o prolongado debate sobre as
classificações dos acionistas.
Os empreendedores preocupam-se com o desempenho administrativo da empresa,
com a história da sociedade, com as peculiaridades da atividade econômica desenvolvida,
com a concorrência no segmento específico – são aqueles que sofrem com as dificuldades da
empresa e se entusiasmam com os sucessos alcançados. Em seu turno, os investidores estão
preocupados com as informações econômicas – e, se possível, com as informações
privilegiadas de insider tradings 65 – com demonstrações financeiras, como ilustra Fábio
Ulhoa Coelho (2002, p. 274) com: “frio desinteresse pelo cotidiano das sociedades nas quais
investem”.
Essa gradação de vinculação com a sociedade resulta diretamente no interesse de
participar das assembléias e outros órgãos sociais. Nestes termos, os diretores das sociedades
65 Insider é aquela pessoa de determinada companhia que, devido à sua posição em uma função de confiança, tem acesso privilegiado a informações antes que elas sejam de conhecimento público. Uma das inovações da Lei 10303/2001 é a tipificação do insider trading como crime.
85
por ações ou são empreendedores ou foram escolhidos por empreendedores – participantes de
órgãos deliberativos.
A classificação entre empreendedores e investidores, sejam rendeiros ou
especuladores, serve para demonstrar, neste momento, como as relações de poder entre os
acionistas podem ser complexas graças à heterogeneidade de interesses particulares. Como
ilustra Perin Junior (2004, p. 32): “os especuladores criam expectativas quanto à possibilidade
de exercerem o direito de recesso; os rendeiros pressionam pela distribuição dos dividendos;
os empreendedores lutam por fazer prevalecer suas opiniões na condução dos negócios
sociais”.
Como demonstra Coelho (2002), administrar as demandas das diferentes espécies
de sócios é um tema importante da tecnologia jurídica societária, pois sem isso não se pode
continuar contando com os recursos de todos os seus integrantes – fim das sociedades de
capital, buscando benefícios a todos os sócios.
A situação de acionista, ou status socii, confere aos detentores de certos títulos
direitos e obrigações – legais e contratuais. Os direitos de maior visibilidade e projeção são os
direitos de voto – por determinar as condições de administração da sociedade – e de participar
nos lucros – quando o objetivo inicial da relação é consumado.
Dessa forma, da mesma maneira que existe natureza jurídica obrigacional e
patrimonial na ação, também existem direitos dos acionistas que são políticos e direitos que
são patrimoniais. O voto é o mais eminente direito político de poder de influência,
representando a possibilidade de domínio do acionista (ou de certo grupo de acionistas), este
instrumento consagra o princípio da maioria que enuncia que o denominador comum dos
interesses sociais e individuais é expresso nas votações.
Devido à pulverização das participações acionárias no processo denominado no
passado de “democratização do capital” – em que a aquisição de ações torna-se uma opção de
investimento financeiro a micro-investidores – o investidor que adquire ações na bolsa de
valores, na maioria esmagadora das vezes, sequer cogita o exercício de seus direitos
corporativos; sua atenção está voltada para o título de crédito, sua valorização, seu
rendimento, sua liquidez; caso perca a confiança no título, troca de posição no mercado
mobiliário – ou mesmo retira-se de tal mercado – em vez de levar sua insatisfação à
fiscalização ou à Administração da sociedade.
Graças ao processo descrito – de ausência da maioria – o quadro ativo da
sociedade geralmente concentra-se em uma minoria. Dentro deste grupo ativo, pode-se
encontrar um grupo homogêneo ou uma disputa de poder entre facções. Neste caso, formam-
86
se naturalmente dois grupos: o majoritário, que passa a controlar a sociedade; e o minoritário,
que representa a oposição ativa, os dissidentes. Ressalva-se, entretanto, que a minoria e a
maioria são posições em que pode se encontrar o acionista em certo instante e que pode
mudar a depender da aquisição das ações por ele ou por terceiros.
É vital lembrar que participe do grupo ausente ou do grupo ativo, o proprietário de
ações, mesmo sem direito a voto, mantém a condição e os direitos de acionista. Segundo José
Edwaldo Tavares Borba (2004), os direitos dos acionistas poderiam então ser divididos em
direitos essenciais – se inerentes à titularidade acionária, não cabendo ao estatuto ou
assembléia geral excluir qualquer acionista do seu âmbito de incidência; ou, direitos
modificáveis – se, decorrentes de lei ou de estatuto, puderem se estender a todas as ações ou
algumas classes deles puderem ser excluídas, como ocorre com o direito ao voto com as ações
preferenciais.
3.2 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS ACIONISTAS
3.2.1 Direitos Essenciais
A própria Lei 6.404/76, em seu artigo 109, enumera os direitos essenciais como: o
direito de participar dos lucros; o direito de participar do acervo social, no caso de liquidação;
o direito de fiscalização; o direito de preferência para a subscrição de novas ações, bônus de
subscrição ou debênture e partes beneficiárias conversíveis em ações; e, por último, mas não
menos importante, o direito de recesso ou retirada, nos casos previstos em lei.
O direito de participar dos lucros sociais, citado no inciso I do artigo supracitado,
constitui o fim fundamental e característico da sociedade. Embora existam outras formas de
remuneração dos acionistas como a valorização de mercado e a real ou mesmo a participação
de benefícios concedidos pela companhia (como a prioridade na aquisição de títulos
mobiliários), todos eles decorrem do direito de participar dos lucros sociais.
Dessa forma, em uma S/A é nula a cláusula que estipular que a totalidade dos
lucros pertence a um dos sócios, ou mesmo que algum sócio está excluído da distribuição dos
lucros da sociedade – como faz a lei no caso das sociedades em comandita simples (NCC
artigo 1049, parágrafo único).
87
A atual legislação regente das sociedades por ações ampliou o direito essencial do
inciso I ao garantir o “dividendo obrigatório” (LSA, art. 202). De certo a percentagem de 50%
do projeto original é mitigada aos 25%, quando o estatuto assim determinar, ou 50% quando
ele é omisso.
Requião (2003) propõe a idéia de que, se a sociedade não gerar lucros, o acionista
tem o direito de pedir sua dissolução, baseando-se na previsão do artigo 206, II da LSA que
descreve a possibilidade de dissolução judicial da sociedade que não atenda seu fim por um
mínimo de sócios que corresponda a 5% do capital social. Esse autor ainda relembra que a
falta de distribuição de dividendos ainda pode justificar o exercício de outro direito essencial,
o direito de retirada.
Quanto ao segundo direito fundamental do acionista, ou o direito de participar do
acervo social no caso de liquidação da sociedade, poderia facilmente ser demonstrado como
desdobramento de um direito fundamental, o direito à propriedade. Relembrando que não
existem direitos absolutos, pode-se afirmar que o direito referido rege apenas o resíduo
patrimonial líquido, ou seja, o valor a ser rateado entre os credores representa os ativos
liquidados dos passivos da sociedade.
O fato de os sócios participarem após a satisfação de credores na dissolução
societária – com exceção da possibilidade do artigo 215 dos rateios sucessivos antes de
ultimada a liquidação ou mesmo com a amortização de ações como previsto no artigo 44,
parágrafo 2o, da LSA criando as ações de fruição – relembra a forma de distribuição de outra
espécie de acervo de bens, o inventário na sucessão, como compara Borba (2004).
O direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais é a garantia aplicada a todos
os sócios, em qualquer sociedade comercial e a qualquer tipo de sócio, porém esta
fiscalização é limitada nos limites legais, como textualmente insere o artigo em resumo. Este
direito se justifica na renuncia do patrimônio que remunera a aquisição das ações, já que o
acionista pretende e tem direito a fruir de seu investimento seria direito conseqüente a
fiscalização como meio de garantir a fruição e a manutenção do valor de suas ações.
Quanto à fiscalização, podem-se considerar duas formas básicas, a indireta é
exercida pelo conselho fiscal, nos termos do artigo 177, § 3o. Na prática, o acionista tem o
direito de fiscalizar a gestão social subordinado a três possibilidades principais na modalidade
direta (REQUIÃO, 2003, p. 150-151): 1) Analisar o relatório, cópia do balanço, parecer do conselho fiscal, lista dos acionistas que ainda não integralizaram as ações, dentro do prazo de trinta dias antes da assembléia geral ordinária, conforme aviso publicado na imprensa. 2) Analisar e discutir os mesmos documentos durante o transcurso da assembléia geral reunida. 3) Pedir judicialmente a exibição integral dos livros da sociedade, desde que
88
organizada em 5% do capital social, e que sejam apontados atos violadores da lei ou dos estatutos.
O quarto direito, o de preferência na subscrição de ações, ocorre no aumento de
capital social disciplinado pelo artigo 171 da LSA. O princípio geral deste direito é o de que,
na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para a
subscrição do aumento de capital sob as ações idênticas às que possuir, em regra.
O direito de preferência – regulado pelas regras da proporcionalidade do artigo
171 ultracitado – visa garantir ao acionista a manutenção da mesma posição acionária
proporcional que possuía antes do aumento de capital.
Acentua Requião (2003) que este direito de preferência é patrimonial e, dessa
maneira, pode ser alienado e que existem exceções a este direito tanto na Lei 5508/69 – que
abre exceção ao direito de preferência às ações emitidas com base em incentivos fiscais –
quanto na possibilidade de previsão estatutária de aumento de capital autorizado, neste último
caso restam apenas duas possibilidades de venda de títulos: 1) por meio de subscrição pública
em bolsa de valores; ou, 2) por meio de permuta de ações – no caso de oferta pública de
aquisição de controle.
O último direito essencial – que, consequentemente, não pode ser negado por
estatuto ou outra decisão social – é o direito de recesso ou retirada. Este direito representa a
possibilidade de obter o pagamento dos respectivos haveres da companhia por meio do
reembolso, nos casos previstos em lei.
O reembolso – como definido no art. 45 da LSA – da ação deve ser reclamado em
30 dias contados da publicação da ata da assembléia geral que deliberou o ato que se enquadra
nas hipóteses do exercício do direito de retirada. O pedido ocorre contra a companhia, como
sujeito passivo, e o acionista, sujeito ativo do pedido, pode exercer tal direito mesmo se
abstendo de votar ou faltando à assembléia.
A ocorrência de qualquer dos atos elencados em lei, pela sociedade, somado ao
pedido idôneo do sócio não traduz certeza de retirada. Nos dez dias subseqüentes ao prazo de
trinta dias para o exercício do pedido de retirada, pode o controlador convocar nova
assembléia para retificar ou reconsiderar a deliberação, se entenderem que o pagamento do
reembolso porá em risco a estabilidade da sociedade – como descrito no art. 137, IV e V da
LSA.
A LSA em seu artigo 137 reserva a possibilidade de retirada ao sócio discordante
de certas deliberações da assembléia geral extraordinária referenciando uma parte do artigo
136. Os incisos do artigo 136 que justificam a retirada da sociedade são: I – criação de ações
89
preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção
com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo
estatuto; II – alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de
uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida; III –
redução do dividendo obrigatório; IV – fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; V
– participação em grupo de sociedades; VI – mudança do objeto da companhia.
Existiam ainda três hipóteses: a de cessação de estado de liquidação, a de cisão e a
de dissolução da companhia, que constavam no elenco original de possibilidades de retirada,
mas que foram revogados pela lei 9.457/97 – reduzindo a proteção dos minoritários. Na
dissolução, o pedido de retirada é vazio já que todos vão receber seus respectivos haveres; no
caso da cisão, graças à Lei 10303/01, voltou a constar das possibilidades do exercício da
retirada do art.137, III.
Ainda é necessário considerar que há condições no artigo 137 a ser consideradas
para o exercício do direito referido: a) nos casos dos incisos I e II somente terá direito à
retirada quem é titular de ações das classes prejudicadas; b) nos casos de fusão, incorporação
e participação em grupo societário, a faculdade só poderá ser exercida se as ações detidas pelo
dissidente não contar com liquidez e dispersão no mercado de valores mobiliários.
“Dispersão”, na acepção do artigo 137, ocorre quando o acionista controlador, a
sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da
espécie ou da classe das ações detidas pelo dissidente. “Liquidez”, nesse mesmo referencial,
ocorre quando a espécie ou classe de ação integra índice geral representativo de carteira de
valores mobiliários admitido a negociação no mercado de valores no Brasil ou no exterior,
definido pela CVM.
No caso da cisão, o direito de recesso só ocorre quando o ato implica em: a)
mudança do objeto social; b) redução do dividendo obrigatório; c) participação em grupo de
sociedade. No primeiro caso, só há possibilidade de retirada aos sócios cuja sociedade mudará
de objeto social, mas, segundo Requião, essa mudança deve ser total, qualquer nível de
coincidência não justifica a retirada. Dessa forma, a recepção da cisão não significa real
inovação dentre as possibilidades de retirada, vez que todos os efeitos que justificam esse
pedido na fusão já seriam idôneos de forma independente – já justificando o recesso, com ou
sem fusão.
Uma última consideração deve ser tecida em relação ao direito de retirada, um
argumento que demonstrará como e por que é possível uma série de mudanças legislativas
nesse direito que devia ser essencial – desde a Lei Lobão, Lei 7.958/89, retirando
90
possibilidades; passando pela Lei 9.457/97, restaurando-as; pela Lei 9.710/98, reduzindo-as;
e, pela Lei 10.303/01, ampliando-as novamente.
Ocorre que outros direitos listados como essenciais – participar dos lucros,
participar do acervo em caso de liquidação e de fiscalização – realmente não podem ser
modificados ou suprimidos, nem mesmo por lei expressa, porque decorrem da natureza das
sociedades com fins econômicos e empresariais.
No tocante ao direito de retirada, a justificação lógica, ou funcional, não se aplica.
O funcionamento da sociedade não depende desse direito, tanto que ele só ocorre na expressa
e prévia determinação legal.
3.2.2 Direitos Não Essenciais
Por exclusão, os direitos modificáveis, ou não essenciais, seriam todos os que não
estão descritos no artigo 109 da LSA. Borba (2004) explica que os direitos essenciais são
inerentes à titularidade acionária, não cabendo ao estatuto ou à assembléia geral excluir nem
um acionista de seu âmbito de incidência; e que, por outro lado, os direitos modificáveis
podem decorrer de lei, de estatuto ou de outro instrumento contratual, mas que pode se
estender a todas ou a somente algumas classes de acionistas – como costuma acontecer com
os sócios preferencialistas.
Nesses termos, restam demonstrados quais são os direitos essenciais, assim como,
suas diferenças em relação aos direitos modificáveis – tanto no âmbito de aplicação, passando
pela origem até as possibilidades de aplicação.
Existe, inclusive, uma lição doutrinária descrita por Restiffe (2006) que ilustra
bem esse tema. Essa obra diferencia os requisitos de validade societários – como iniciativa,
objeto e meio lícitos e idôneos – dos pressupostos de existência societários, diferenciados em
pressupostos específicos na participação dos lucros e na contribuição de cada sócio na
constituição; e, em pressupostos gerais, na pluralidade de sócios e na affectio societatis, no
sentido de fidúcia, de disposição em manter esforços e investimentos comuns. Já foram
citadas exceções a tais critérios – como as sociedades unipessoais nas empresas públicas e nas
subsidiárias integrais – mas que não invalidam sua aplicação como regras gerais.
Considerando a esquematização como fruto de uma obra produzida por um
professor doutor em Processo e, dentro dos limites da análise de discurso, pode-se considerar
91
que validade para o autor citado refere-se à validade e aos pressupostos à existência. Nesses
termos, pode-se observar que se trata de uma classificação geral demonstrando que a natureza
dos direitos considerados essenciais não são meramente legais, mas também lógicos em
relação ao funcionamento da sociedade.
O direito de voto nas assembléias, como faculdade legal de natureza política e não
patrimonial, representa um importante direito não-essencial ou modificável. Requião (2003, p.
156) ressalta que a importância desse direito está em declínio com a dispersão das ações e a
dissociação do controle e da propriedade.
Com a extinção das ações ao portador – pelas Leis 8.021/1990, 8.088/1990 e
9.547/1990 – o Brasil aderiu, tardiamente, a uma solução já adotada pela Itália em 1922. O
problema das ações ao portador, desprovidas de direito de votar no Brasil após a versão inicial
da LSA de 1976, é que elas promoviam o real anonimato dos sócios e propiciavam menos
transparências nas relações patrimoniais (ao possibilitar a desnacionalização da empresa, por
exemplo), nas relações de poder (ocultando reais controladores) e em questões tributárias.
Como direito modificável, é possível à lei ou ao estatuto reduzir ou extinguir este
direito a certa classe de ações – como no caso do acionista em mora ou dos titulares de ações
preferenciais – exceto, no segundo caso, se não lhes for pago dividendo por até três exercícios
consecutivos, quando eles adquirem direito a voto. Nesse caso, as ações preferenciais com
voto restrito adquiriram a plenitude do direito de voto.
3.2.2.1 Impedimentos
O impedimento do acionista de votar decorre de motivos legais e éticos baseados
em seu dever de lealdade – que o impede de agir contra interesse social. O sócio deve argüir
sua suspeição quando a matéria em pauta, segundo Requião (2003, p. 158): a) laudo de
avaliação de bens que deseja incorporar à sociedade na formação ou aumento do capital
social; e, b) como administrador, está impedido de aprovar as contas de sua própria gestão, ou
quaisquer outras deliberações que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou que tiver
interesse conflitante com o da companhia.
O acionista pode responder, em face da violação do seu impedimento, pelos danos
causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que este não tenha prevalecido.
Ainda mais gravosa é a situação quando há deliberação graças ao voto do impedido, neste
92
caso a decisão tomada é anulável e o acionista ainda responderá pelas perdas e danos
causados, podendo ainda ser condenado a transferir para a companhia as vantagens que tiver
auferido.
De fato, Restiffe (2006, p. 99) relembra que uma das teorias que fundamentam a
aplicação da desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal entity) é a teoria do abuso
de direito, como excessos considerando toda a prática contrária à moral, aos bons costumes e
à ordem pública.
A desconsideração da pessoa jurídica – iniciada com a teoria primitiva da ultra
vires hereditatis – é o meio pelo qual se supera o limite criado pela personificação da
sociedade, que foi constituída pelo registro, permitindo-se o seu afastamento para haver a
responsabilização direta de sócios ou administradores.
Outros temas significativos quanto ao direito ao voto é a possibilidade de voto
múltiplo para permitir a minoria eleger membro do conselho de administração – que será
abordado em ponto específico.
Restiffe (2006, p. 167) enumera as três possibilidades de voto irregular em: a) o
voto abusivo, que é aquele com o qual o acionista tem a intenção de causar dano à sociedade
ou aos demais acionistas (LSA artigo 115, caput); b) o voto que implica diretamente em
benefício particular do sócio (LSA, artigo 115, §1o); e, c) o voto em conflito de interesses, que
é aquele emitido por acionista que tem interesse pessoal incompatível com o interesse da
sociedade (LSA, artigo 115, §1o, in fine). Quanto às conseqüências, no voto abusivo a
assembléia geral não é nula; no voto conflitante e no incidente em beneficio particular,
poderia causar a invalidação da assembléia, caso o resultado seja distinto no caso de
abstenção66.
3.2.2.2 Acordos de Acionistas
Utilizando-se da disposição do Decreto-lei 2.848/1940 (Código Penal), artigo 177,
§2o: “Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim
de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia
geral” sobre os denominados “acordos de acionistas” Requião (2003, p. 129) assevera que: 66 Neste sentido: STF, 3a Turma, R.Esp. 10.836/SP, Relator Min. Cláudio Santos, de 04/02/1992, DJU de 23/03/1992, p.3.482.
93
Considera-se imoral o negócio feito com a disposição do voto, tanto que é capitulado como crime o ato do acionista que, para obter vantagem para si ou para outrem, negociar o voto nas deliberações das assembléias.
De fato, nem todos os acordos de acionistas têm natureza ilícita, existem aqueles
legítimos, nos quais acionistas pactuam votar no mesmo sentido, o que tecnicamente é
chamado “sindicato de ações”, bastando não haver o elemento objetivo do proveito que a lei
penal busca evitar.
No passado, a legislação não previa claramente a possibilidade dessas
associações, mas a doutrina e a jurisprudência as legitimaram, como na seguinte passagem do
Tribunal de Justiça de São Paulo (apud REQUIÃO, 2003, p. 159): Pode, pois ex vi legis, destituir diretores, não estado, de maneira alguma, vinculada ao pactuado por um ou alguns dos acionistas, por meio de contrato, cuja validade, além de tudo, em virtude de fortíssimas e precedentes razões não se reconhece.
Dessa forma, os sindicatos de acionistas eram ignorados pela legislação,
explicados pela doutrina e reconhecidos pela jurisprudência como possíveis entre os
acionistas – sem impor resultados a terceiros nem viciar a deliberação caso o pacto seja
desobedecido até a atual redação LSA (art. 118) que limitava a autorizá-los em três
possibilidades: a) na compra e venda de ações; b) na preferência para adquiri-las; e, c) no
direito ao voto.
Com a Lei 10.303/2001, ao modificar a redação da LSA em seu artigo 118,
determina que o acordo de acionistas deve ser arquivado pela companhia e por ela observado.
Com o novo diploma, os acordos entre acionistas, antes particulares, obrigacionais e atípicos,
passam a ser legais e públicos.
Como antes de 2001, esses acordos não versam apenas sobre o direito ao voto,
mas também sobre a própria propriedade da ação, como no bloqueio de ações, quando se
pactua a obrigação de não transferir suas ações sem a concordância dos demais, ou sem antes
oferece-las preferencialmente. De fato, o novo diploma acrescentou mais um possibilidade
lícita de convenção: quanto ao poder de controle. Esta quarta possibilidade não tem qualquer
valor normativo ou fático uma vez que o poder de controle é derivado do poder de voto já
previsto anteriormente.
Borba (2004, p. 341) relembra que a possibilidade dos sindicatos de acionistas foi
previsto e regulado pelo direito francês como uma garantia dos minoritários, uma forma de
obter representatividade suficiente para exercer certos direitos e que são possíveis acordos
sobre temas não listados na lei, mas nestes casos não haverá tutela legal.
94
Quanto ao término do acordo entre os acionistas deve-se concebê-lo dentro da
teoria geral dos contratos: se por prazo indeterminado, qualquer das partes, unilateralmente e
a qualquer tempo denunciar o acordo – e, se o faz com aviso prévio e boa-fé, não acarreta
qualquer outra obrigação; ou, se por prazo determinado, poderão as partes estipular multa por
descumprimento na hipótese de rescisão como autoriza a Lei 10303/2001 em seu artigo 118,
§6o estabelecendo que o acordo de acionistas “cujo prazo for fixado em função do termo ou
condição resolutiva somente pode ser denunciado segundo suas estipulações”.
Borba (2004, p. 345) conclui sobre estes acordos que “a indeterminação do prazo
torna o acordo bastante frágil, levando as partes a conviver com o risco permanente da
denúncia”. Devendo-se, então, preferir os acordos com prazo determinado para elevar os
níveis de confiabilidade e segurança.
Em comparação à realidade estrangeira, não se pode confundir os sindicatos de
acionistas com os voting trusts norte-americanos. O instituto típico dos EUA serve para
contornar a revogabilidade inerente à procuração do acionista quanto ao voto. No voting trust
o acionista aliena a titularidade das ações ao trustee – que passa a exercer as prerrogativas de
voto do acionista por um prazo determinado como agente fiduciário (REQUIÃO, 2003, p.
160). O que há de comum entre os sindicatos de acionistas e os voting trusts é que as ações
envolvidas ficam fora do mercado mobiliário, não podendo ser negociadas.
3.3 DEVERES E SUSPENSÃO DE DIREITOS
Quanto aos deveres – também descritos na diferenciação de pressupostos e
requisitos – eles podem ser examinados de forma genérica, como deveres dos sócios, ou de
maneira especifica, como dos acionistas. Borba (2004, p.38) ilustra que “o dever básico e
fundamental do sócio em relação à sociedade é o de integralizar suas cotas”, e mesmo neste
caso incide uma particularidade com a sociedade por Ação de Cobrança prevista na LSA (art.
107, I), além das soluções disponíveis no NCC (art. 1004).
O Código Civil vigente permite três alternativas básicas à situação do sócio
remisso (aquele que subscreve e não integraliza fração da sociedade no prazo), a saber: 1) que
se devolva o valor pago excetuado de mora e dos custos decorrentes do descumprimento
excluindo o sócio; 2) que se reduza a participação do remisso ao valor efetivamente pago; ou,
3) pode-se exigir indenização pelo atraso definindo novo prazo. A LSA propõe uma solução
95
particular (art. 103) ao permitir que a sociedade promova a venda das ações do remisso,
disponibilizando ao mesmo o saldo após a dedução dos juros, da multa e dos custos; ou, no
caso da venda não baste para o pagamento do debito do acionista, pode a sociedade proceder à
cobrança judicial em relação ao saldo descoberto.
Restiffe (2006, p. 177) indica então duas soluções aos sócios remissos nas
sociedades por ações, abertas ou fechadas no trecho: “A companhia, diante de um acionista
remisso, tem duas opções: i) cobrança do valor a integralizar; ou ii) alienação das ações do
remisso na bolsa de valores, por meio de leilão especial”.
A responsabilidade dos sócios nas S/A é limitada após a integralização, mas a
própria LSA ressalva, no artigo 108, que, no caso das ações não integralizadas, os alienantes
continuarão responsáveis, solidariamente com os adquirentes, pelo pagamento das prestações
que faltarem para integralizar as ações transferidas – até dois anos após a alienação.
Em relação a outros deveres gerais, Borba (2004, p. 39) arremata que: O Contrato Social poderá estabelecer outros deveres para o sócio, cumprindo lembrar que, independentemente de previsão contratual, há um dever – o dever de lealdade – que, embora difuso, estará tanto mais presente quanto maior for o grau de identificação do sócio com a vida social.
Considerando então as obrigações específicas dos acionistas, ratifica Requião
(2003) a posição de Borba (2004) a repetir que: A principal obrigação dos acionistas é realizar, nas condições determinadas nos estatutos ou no boletim de subscrição, as entradas e prestações de suas ações. Além disso, tem o sócio, como todo membro de uma coletividade constituída e organizada, o dever de lealdade para com a sociedade. (REQUIÃO, 2003, p. 145).
Sobre este segundo dever, baseado no princípio da boa fé – já presente no BGB –
e positivado como princípio fundamental societário no BGHZ há um aprofundamento em
item específico, mas seu enunciado, como ensina Wolfang Schilling (apud REQUIÃO, 2003,
146), é: Nenhum sócio pode exercitar seus direitos para conseguir vantagens particulares estranhas à sociedade ou para causar-lhe danos ou a outros sócios. De outro lado, ele não deve antepor seus interesses àqueles da sociedade (BGHZ, 14,15).
Outra obrigação usualmente adotada por sócios em relação à sociedade é o
compromisso arbitral, de certo esta possibilidade deve ser prevista no estatuto ou em contrato
entre acionistas, mas há respaldo legal para tal relação na Lei 9307/1996 – que dispõe sobre
arbitragem. Prevista clausula compromissória ou compromisso arbitral, os litigantes terão que
se submeter ao arbitramento, visto que o eventual processo judicial que propuserem poderá
ser extinto, segundo o comando do artigo 267, VII, do Código de Processo Civil.
96
A possibilidade da clausula arbitral pelo §3o que a Lei 10303/01 adicionou ao
art.109 da LSA pode parecer um instituto de dinamização das relações ao evitar a morosa
justiça brasileira, mas Borba (2004, p. 327) alerta que: Essa norma afronta o equilíbrio contratual, posto que fere ao controlador, que tem poder de alterar o estatuto a prerrogativa de fixar as regras para a solução, mediante arbitramento, das controvérsias entre ele e os minoritários ou a companhia.
Esse argumento não é falso, mas como resposta pode-se afirmar que é cabível, em
todo caso, a interpretação de todos os dispositivos legais devem ser operados sob a luz dos
princípios e regras que coíbem o abuso de direito, o voto abusivo e as práticas não eqüitativas.
A possibilidade de instituir a cláusula aumenta os poderes do controlador, mas o faz
aumentando as possibilidades de dinamização dos conflitos sociais.
Os temas dos direitos e dos deveres encontram-se associados na previsão do artigo
120 da LSA – que confere competência para a assembléia geral de suspender o exercício dos
direitos de acionista ao sócio que não cumprir seus deveres legais ou institucionais. Mesmos
os direitos ditos essenciais podem ser suspensos como explica Borba (2004, p. 322): A suspensão abrangerá tanto os direitos modificáveis como os essenciais, pois suspender não significa privar, tanto que o acionista, uma vez cumprida a obrigação, recupera com efeitos ex tunc, os direitos que estavam suspensos.
Ressalva-se a esse argumento que certos direitos não podem retroagir, por
contingências lógicas, como o direito de voto em uma assembléia realizada durante o
processo de suspensão, mas que cessa imediatamente a suspensão tão logo é cumprida a
obrigação.
A suspensão do exercício dos direitos dos acionistas constitui sanção aplicada pela
assembléia geral ao acionista que não cumprir suas obrigações. Se o acionista não paga suas
obrigações, evidentemente ele não votará na assembléia. Não atendendo às chamadas de
capital não receberá dividendos, a não ser sobre o que efetivamente investiu. Requião (2003,
p. 162-163) ilustra que “a sanção é regulada pelo artigo 120, extensiva ao exercício de todos
os direitos, e a causa será o não cumprimento de qualquer obrigação imposta pela lei ou pelo
estatuto, que prejudique ou perturbe a vida social”.
Relembra Requião (2003) como ressalvas significativas à matéria dos direitos e
deveres dos acionistas: 1) que a legislação reconhece a isonomia em relação às classes de
ações no Direito Brasileiro – isso significa que ações da mesma classe devem conferir
mesmos direitos e obrigações; e, 2) que os meios processos ou ações que a lei confere ao
acionista para assegurar seus direitos, não podem ser extintos por estatuto ou por decisão da
97
assembléia geral. Também é válido citar que, no capítulo terceiro, há um estudo detalhado a
cada um dos direitos referidos.
3.4 FORMAS DE INFLUÊNCIA E CONTROLE
3.4.1 Poder de Controle Interno - Mecanismos de Poder
Como restou demonstrado – segundo repetidas lições de Comparato e Salomão
Filho (2005), Capella (2002), Bonavides (2003), Braudel (1992c) e Perin Junior (2004) – o
poder de controle de uma sociedade por ações depende e aproxima-se, em diversos aspectos,
da noção de soberania.
Essa soberania não representaria o poder supremo, como nos Estados absolutistas
concebidos por Bodin ou Dante (apud BONAVIDES, 2003), mas transcenderia
constantemente as meras prerrogativas legais da assembléia geral – como no conceito de
Thomas Hobbes, expresso no Leviatã, de que não há comunidade sem unificação nem
unificação sem soberania. Assevera esta mesma referência que o poder – seja de fato ou de
direito – em suas definições clássicas não depende de exercício e sim de sua potência, de sua
possibilidade.
Superando definições teóricas de poder, como a de Weber67 (apud BARBOSA;
OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 1997), pode-se resumir, de forma prática, tal conceito como “a
dominação de um em relação ao outro. Ou seja, sempre que alguém tem um poder é porque
outrem não o detém, ou melhor, é subordinado àquele poder em uma determinada relação,
seja ela qual for”. (PERIN JUNIOR, 2004, p. 60-61).
A noção de soberania a que se referem os autores contemporâneos não é absoluta
e perpétua – pois, até mesmo nos Estados, o conceito de soberania está em declínio devido a
fatores estruturais externos e internos como os grupos de pressão, as renúncias representadas
pelos acordos internacionais e as instituições supra-estatais. O sentido da soberania, aplicada
às grandes corporações econômicas – que detêm mais recursos e poder decisório que muitos
Estados – como “soberano supra-estatal privado” representa a independência, o fato desses
entes em muitos casos não submeterem seus interesses a quaisquer outros.
67 BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de; QUITANEIRO, Tânia. Um toque de clássicos – Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 1997.
98
Devido à especialização de poderes dos órgãos sociais – detalhadas no Apêndice
C – o poder de controle (especialmente o gerencial) não se encontra necessariamente com os
acionistas, mas, sim, nos órgãos societários – nos entes eleitos pelos sócios controladores e
ativos nas assembléias como acentua Galbraith (2004, p.42-44).
Esses órgãos sociais, como a Assembléia Geral, a Diretoria, o Conselho de
Administração, o Conselho Fiscal e os Auditores Independentes, possuem “poderes-funções”
específicos – como prefere Perin Junior (2004) para expressar os casos que servem para
estabelecer mecanismos e técnicas de controle internos das sociedades por ações.
Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (2005, p. 51) relembram que a
definição do “poder de controle”, ou dominação, na sociedade anônima no Direito Brasileiro é
sempre definida no âmbito da Assembléia Geral – pois é esta assembléia o ente que investe
todos os demais. Embora, em caso determinado, devam participar da reunião os
administradores e os auditores independentes (LSA art.134, §1o), nas assembléias só vota o
acionista. Adotando, então, a definição de poder de Comparato (2005, p. 51), apenas os
acionistas teriam poder no sistema pátrio, como no trecho: À primeira vista, o controle interno, isto é, aquele cujo titular atua no interior da própria sociedade, parece fundar-se, unicamente, na propriedade acionária. Sua legitimidade e intensidade dependeriam, em última análise, do numero de ações ou votos de que se é titular, proporcionalmente à totalidade dos sufrágios possíveis.
O controle interno de uma sociedade anônima só pode ser entendido segundo a
clara distinção entre a propriedade acionária e o comando gerencial da companhia decorrente
do principio da responsabilidade limitada de todos os acionistas – fenômeno já preconizado
por Marx, no Livro III de O Capital (apud COMPARATO, 2005, p. 51) – mas que não se
pode afirmar em relação às sociedades em comanditas por ações, nas quais a responsabilidade
limitada se encontra apenas ente os acionistas comanditários68, ou investidores, figurando os
acionistas comanditados como responsáveis pelas obrigações sociais e pela administração da
companhia.
Rubens Requião (2003, p. 198-199) exalta a administração profissional do
moderno administrador gerente, desvinculado da titularidade das ações, como um “triunfo da
classe média” – em possível referencia à obra com este título de autoria de Charles Morazé
(1968) – mas essa separação entre a propriedade e a administração, além de seus efeitos
68 Desde o Decreto Lei 2.627/1940 não se utiliza a denominação de comanditados e comanditários para qualificar as espécies de sócios nas sociedades em comanditas por ações. A Lei 3.150/1882 que utilizava esta terminologia não previa a divisão do capital comanditado em ações.
99
positivos com a profissionalização e a elevação da eficiência, também tem seus efeitos
colaterais.
Os norte-americanos Adolf Berle e Gardiner Means (apud PERIN JUNIOR, 2004,
p. 64 e COMPARATO, 2005, p. 52), com base em dados estatísticos do ano de 1929, foram
os primeiros a provar faticamente a tese marxista da dissociação da gerência e da propriedade.
Os resultados de Adolf Berle e Means69 (1987) são resumidos no último livro de
Gary S. Becker (1997, p. 169) no trecho “the Berle-Means thesis was supported by early
empirical studies that found only a weak relationship between corporate profits and the
income and wealth of top executives” e desacreditados no trecho “But recent theoretical and
empirical evidence makes a strong case that Berle and Means greatly exaggerated the conflict
between management and shareholders and that contemporary writers continue to exaggerate
it ”.
O ganhador do Nobel de Economia de 1992 utiliza casos práticos e pesquisas de
outros economistas como George J. Stingler para demonstrar que a dissociação de interesses
pode existir, mas que a diferença de remuneração não existe em função da dispersão das ações
da empresa e existe em função da eficiência na administração. Esse é um debate matemático e
contábil, e seu aprofundamento é estéril no campo jurídico, o que importa informar é que
mesmo aqueles que criticam a obra “A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade
Privada” reconhecem o valor de suas lições, dadas as devidas proporções.
Na obra citada, os norte-americanos (BERLE; MEANS, 1987) propõem uma
classificação do controle interno em cinco modalidades: a) controle totalitário (one-man
company ou wholly owner subsidiary); b) controle majoritário; c) controle minoritário
(working control); d) controle por artifício legal, expedientes legais ou through a legal device,
como, por exemplo, a participação em cascata utilizando diversas controladas em estrutura
piramidal, a participação por meio de um trustee ou mesmo através de constantes emissões de
ações de classes especiais sem direito a voto; e, e) controle gerencial (management control).
Comparato (2005, p. 64) propõe uma classificação homóloga, mas constituída de
quatro modalidades, a obra referenciada critica o controle por expedientes legais alegando que
essa modalidade sempre seria operada em concomitância com uma das anteriores – não
havendo consequentemente distinção em relação às outras modalidades.
O controle totalitário é aquele exercido quando um acionista detém a titularidade
da totalidade das ações emitidas pela companhia – como em uma sociedade controlada por 69 BERLE JR., Adolf; MEANS, Gardiner C. A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
100
um único grupo como as que são dotadas de propriedade familiar – como na possibilidade da
sociedade subsidiária integral (LSA artigo 251). Neste caso, como o poder de controle é
absoluto, não há conflito de interesses entre os órgãos sociais porque – “encontram-se a
propriedade e o controle em poder da mesma pessoa” (COMPARATO, 2005, p. 86).
O controle interno majoritário, como mais comum no Direito Pátrio (PERIN
JUNIOR, p. 65) se configura pelo princípio da maioria dos votos nas deliberações da
assembléia geral (LSA artigo116) e resulta nos “diversos artigos sobre os direitos dos
acionistas minoritários em função do grande poder de controle detido pelo acionista
majoritário”.
Esses direitos referidos são, dentre outros, o direito de recesso, o de voto múltiplo
(LSA art.141), o de convocar assembléia geral (LSA, art. 123, c) e o de obter a instalação do
conselho fiscal (LSA artigo 161, § 4o, a) como são detalhados no capítulo específico.
O controle interno exercido por acionistas minoritários, como terceira
possibilidade – pacífica nas classificações descritas – é aquele onde o controlador não possui
a maioria do capital votante. Características usuais desta modalidade são: a grande dispersão
acionária; a grande proporção de acionistas investidores, ausentes; e, as aprovações de
deliberações em segundas convocações, quando a lei permite certas decisões por qualquer
proporção70 (LSA art.125).
A regra geral é que a reunião se instala, na primeira convocação, com a presença
de acionistas que representem, no mínimo, um quarto do capital social com direito a voto e,
em segunda convocação, com qualquer número, como ilustra o artigo 125 ultracitado. Mas a
regra diverge deste exemplo inicial como ilustra Carvalhosa71 (1984, p. 125) ao relembrar que
“o controle minoritário pressupõe a existência de uma minoria organizada de acionistas, ao
lado de uma maioria isolada e desinteressada do exercício de seus direitos políticos”.
A última possibilidade dentre as formas de controle – e também mais comum
dentre as grandes companhias americanas segundo Berle e Means (1987) – é certamente a
mais complexa e menos ocorrente no Brasil, o controle gerencial ocorre quando o controle, de
fato, não está com os acionistas, mas, sim, com os administradores da sociedade.
Essa modalidade é a que demonstra mais necessidade de práticas de governança
corporativa, ela ocorre em ambientes de enorme dispersão acionária onde a opção de compras
de ações representa uma possibilidade de investimento à grande parte da população. No
70 Comparato (2005, p. 65) fornece um exemplo extremo desta possibilidade de um só acionista detentor de uma única ação, constituir assembléia, tomar decisões e ser reconhecidas como válidas pelo judiciário. 71 CARVALHOSA, Modesto. Acordo de acionistas, São Paulo: Saraiva, 1984.
101
controle gerencial, os administradores buscam entre um número suficiente de acionistas,
procurações para votar em nome deles nas assembléias gerais.
Comparato (2005, p. 71) relembra que este último tipo de controle “não é fundado
na participação acionária, mas unicamente nas prerrogativas diretoriais” em que “os
administradores assumem o controle empresarial de facto, transformando-se num órgão social
que se auto-perpetua por cooptação”. A obra referenciada ainda relata a esperança de Berle e
Means (1987) de que esta nova forma de controle represente uma tecnocracia que eleve a
racionalidade das decisões visando o bem comum em analogia à profecia de James Burnham
que enunciava o surgimento de uma nova revolução política, com a ascensão dos executivos
como classe dominante.
Quanto a esse processo, no limiar do século XX, Galbraith (2004) denuncia o
processo em que os administradores das grandes companhias, tendo acesso ao controle dos
meios de produção, passam a agir segundo seus interesses pessoais em detrimento aos
interesses sociais e gerais.
Comparato (2005, p. 75) denuncia a contradição dos marxistas que –
acompanhando Galbraith (2004) – denunciam e combatem a teoria e a prática do controle
gerencial, como realidade inevitável e enunciada pelo próprio Marx. A obra referenciada cita
que “admitir que o poder, na empresa ou no Estado, possa exercer-se desvinculado da
propriedade parece aos marxistas (mas não a Marx!) uma tese herética e condenável”.
Contextualizando esse grande debate do século XX enunciado que – mesmo no
século XXI – esta realidade ainda é estranha à realidade brasileira, considerando inclusive que
na realidade pátria “51% das ações das 459 sociedades abertas pesquisadas estão em mãos de
apenas um acionista. Sendo que 65% das ações estão detidas pelos três maiores acionistas”
(COMPARATO, 2005, p. 75). A realidade jurídica, neste caso, supera as demandas práticas
vez que os mecanismos de proxy machinery (mecanismos de representação de acionistas em
assembléia) são adotados com limitações na LSA (artigo 126, §1o).
Uma vez analisadas as principais modalidades e classificações quanto às
modalidades do controle interno, faz-se necessário descrever brevemente cada um dos órgãos
societários descritos na LSA, como forma de proporcionar um foco na realidade nacional.
3.4.2 Órgãos nas Sociedades por Ações
102
O funcionamento das sociedades por ações, como forma adotada pelas grandes
companhias transnacionais, importa em uma organização gradativamente mais complexa – em
uma perspectiva histórica – na busca de evitar os problemas de cada época criando adaptações
na forma de tecnologias societárias.
Nas sociedades de pessoas, excetuando talvez as sociedades limitadas que optam
pelo modelo das S/A como subsidiário, a organização não é complexa, vez que nestas
sociedades um, ou mais de um, sócio desfruta do poder de direção e os demais têm
assegurado o direito de fiscalização. Nas sociedades anônimas, ao contrário, devido a
peculiaridades – como pela possibilidade de abertura de capital – impõe-se um controle
superior dos poderes com a instituição de diversos centros de poder denominados órgãos.
Requião (2003, p. 166) relembra que essa denominação de “órgão” indica que o
direito positivo pátrio, mesmo nas legislações anteriores à LSA, adotou a teoria organicista
para explicar a natureza dessas entidades, que constituem os centros de poderes sociais.
Sem buscar aprofundamento das teorias relativas à natureza jurídica dos poderes
diretivos da sociedade (REQUIÃO, 2003, p. 442), elas podem ser resumidas em: a) teoria do
mandato, de autoria de Vivante (2003, p. 103) que explica o gerente como mandatário da
sociedade e, por esse motivo, não responderia pelas obrigações que assume em nome da
sociedade (desde que permaneça no limite de suas atribuições)72; b) superando as teorias da
representação, ao alemães, em suas legislações de 1937 e 1965, adotaram a teoria da locação
dos serviços, mas esta é ainda mais vulnerável a criticas que a teoria anterior; e, c) a teoria do
órgão, prega que o gerente-diretor ou administrador, existindo perfeita identificação entre as
pessoas física e jurídica. Em suma, a sociedade comercial, como pessoa jurídica, não se faz
representar, mas se faz presente pelo seu órgão, como esclarece Pontes de Miranda73 (1972).
Rubens Requião (2003, p. 166) divide estes órgãos societários em: a) órgão de
deliberação, que expressa a vontade da sociedade, como a assembléia geral; b) o órgão de
execução, que realiza a vontade social, como a direção; e, c) órgão de controle, que fiscaliza a
execução da vontade social, como os auditores independentes e o conselho fiscal.
72 Ascarelli (1945) demonstra as falhas desta teoria ao observar inaplicabilidades das regras do mandato no caso: a) que os administradores podem manifestar sua vontade pessoal; e, b) que, no mandato, o mandatário tem direito de retenção sobre a coisa administrada, o que não ocorre com o gerente. Entretanto, a influência de Vivante é presente até no Código Civil vigente, em seu art. 1.011, §2o que determina que se apliquem, no que couber, à atividade do administrador, as disposições concernentes ao mandato. 73 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Tomos 50, 51 e 52, Rio de Janeiro: Editora Borshoi, 1972.
103
Mas, em todo caso, deve-se lembrar que independente da existência dos órgãos
expressamente previstos em lei, ou fundamentais, a legislação não veda ou exclui a
possibilidade da criação de outros, de natureza técnica ou consultiva. É possível, em diversas
situações sociais, que seja desejável e conveniente a criação de órgãos sociais não previstos na
legislação, por isso a LSA, em seu art.160, estende as normas relativas aos deveres e
responsabilidades dos administradores aos membros de quaisquer outros órgãos sociais – sem
especificá-los.
Em todo caso, a estruturação da companhia conjuga as características
democrática, meritocrática e isonômica em suas diversas instâncias. É isonômico, pois os
direitos são proporcionais às contribuições; é meritocrático segundo a compreensão de que as
remunerações são contraprestações à utilidade; e, é democrático, porque visa o bem comum
(vontade social) e é regido por uma soberania coletiva.
De forma sintética, os acionistas, por quorum simples ou qualificado, definem a
vontade da sociedade por meio das deliberações da assembléia geral definidas por votação. A
administração, eleita pela assembléia geral, tem a competência de decidir sobre as questões
técnicas necessárias para a execução da vontade social.
Requião (2003, p. 167) ressalta que os administradores, sejam diretores ou
conselheiros, “não representam propriamente a sociedade, pois dela são órgãos. A sociedade,
pessoa jurídica, se faz presente através deles” e que a característica democrática da sociedade
anônima está em decadência. Estes são os dois maiores problemas societários para
economistas, sociólogos e juristas contemporâneos: - o enfraquecimento do poder do voto,
com o declínio da idéia da democracia acionária; e, a profissionalização do diretor gerente,
com seu exercício desvinculado do interesse social.
Desde o início do século passado já se enunciava que a democracia acionária era
ilusória. Em realidade, quanto maior a companhia, quanto mais poderosa financeiramente
mais dispersa, desinteressada, comodista e apática é a coletividade de pequenos acionistas
propiciando que o grupo de controle – o conjunto daqueles que realmente dirigem a sociedade
– seja gradativamente menos representativo.
Uma grande inovação implantada pelo nacional socialismo alemão propiciou a
atual configuração das sociedades por ações: a teoria do führerprinzip (o princípio do chefe, o
predomínio da vontade e da responsabilidade do líder, ou decision maker) que defendia a
concentração de maiores poderes nas mãos do gerente – e, gradativamente, foi estendida à
direção social. Requião (2003, p. 167), além de relembrar este princípio, vê sua aplicação na
104
realidade dos EEUU, onde o domínio dos grupos de controle, cada vez mais ocultos,
submetem os gerentes como “seus fieis e solícitos funcionários”.
3.4.2.1 Assembléia Geral
A assembléia geral (LSA artigo 121o) é o órgão soberano, de natureza
deliberativa, composta pela coletividade de acionistas com direito a voto, ao qual incumbem
as decisões mais importantes da companhia, como eleger os representantes dos outros órgãos,
aprovar as contas da administração e deliberar sobre a destinação dos resultados do exercício.
Seria um erro afirmar que a soberania da assembléia é absoluta para tomar
qualquer decisão – nem a soberania estatal o é, seu poder é limitado pelo objeto social, pelo
estatuto e pela legislação. A decisão da assembléia que contrariar os diplomas que a
fundamentam pode ser eivada de nulidade – podendo inclusive ser declarada por ação
proposta por terceiro que se sinta prejudicado.
Em relação às espécies de assembléia geral, enuncia a LSA (art.131) que a
assembléia é ordinária, quando tem por objeto matérias previstas no artigo 132 do mesmo
diploma (tomar contas dos administradores, examinar, discutir, votar demonstrações
financeiras; ou eleger administradores e os membros do conselho fiscal, por exemplo) e é
extraordinária nos demais casos.
Ressalva Requião (2003, p. 170) que existem assembléias que não são gerais,
como a assembléia de constituição ou mesmo as assembléias especiais, como as de
debenturistas (LSA art.71) ou de acionistas preferenciais (art. 136, §1o) que são constituídas
por determinadas espécies de interessados, cuja existência decorre da lei.
É na assembléia que o poder de controle direto é exercido e o indivíduo ou grupo
detentor da titularidade da maioria das ações com direito a voto será, em princípio, o
verdadeiro controlador da sociedade para exercer “poderes para decidir todos os negócios
relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e
desenvolvimento” (LSA art. 121).
No passado, quando a sociedade se libertou da tutela estatal, por imperativo da
ideologia liberal e dos interesses privados, as determinantes da vida societária passaram a ser
objeto das deliberações da assembléia geral. No presente, o enfraquecimento do direito de
voto e o declínio da democracia societária resultam na mitigação da importância fática da
105
assembléia geral e do fortalecimento dos outros órgãos societários, como confirmam, através
de pesquisas, Adolf Berle e Means (1987), afirmando que o voto dia a dia perde sua
importância.
3.4.2.2 Conselho de Administração
O conselho de administração é obrigatório apenas nas companhias abertas,
sociedades de economia mista e sociedades com capital autorizado (LSA artigos 4o e 168o).
Este ente representa instância intermediária entre a Assembléia e a diretoria, seu conceito e
composição estão na LSA artigo 140 e suas atribuições, no artigo 142.
A lei deixou ao arbítrio dos acionistas a formulação do órgão social de
administração da sociedade, cindindo-o em duas partes, o conselho de administração ou a
diretoria. Se a companhia prescinde do Conselho de Administração, a própria assembléia
elege os diretores que terão todas as funções administrativas – como nas sociedades do
passado.
Quanto aos conselheiros, segundo a LSA (art. 146), devem ser necessariamente
acionistas da companhia – para conjugar os interesses de membro do conselho e de acionista –
e que apenas um terço dos membros do conselho de administração poderiam ser diretores
(art.143, §1o) – para não conjugar os interesses de eleitor e eleito, executor e mandatário,
diretor e conselheiro. É possível, mas extremamente desaconselhável do ponto de vista da
governança corporativa, que o presidente do conselho seja o diretor-presidente da sociedade.
Não havia previsão legal desse órgão no Decreto-Lei 2.627/1940, sua primeira
previsão legal ocorreu com a Lei 4.595/1964 que, em seu artigo 34, inciso I, previa a
existência de um conselho de administração nas instituições financeiras, sem estabelecer
regras para seu funcionamento. Somente com a LSA, esse órgão teve uma regulação efetiva,
permanecendo facultativo às companhias em geral.
Esse centro de poder teve duas funções claras em sua criação: em primeiro, a
dinamização das relações econômicas que exigia decisões sociais céleres que não poderiam
depender de assembléias gerais; e, em segundo, a necessidade de uma instância de poder
deliberativa e representativa, mas que também tivesse natureza técnica e fosse capaz de
proteger os acionistas do comando dos diretores.
106
3.4.2.3 Diretoria
A diretoria é o órgão executivo que representa a sociedade e a administra (LSA
artigo 138 e seguintes), composta de, no mínimo, dois membros que não são necessariamente
sócios, tem sua posição de poder em ascendência nas modernas configurações capitalistas –
devido ao desinteresse dos acionistas.
Os diretores são as pessoas físicas competentes para representar a sociedade e
assumir obrigações em seu nome (LSA art.144) se, nem o estatuto respectivo nem o conselho
de administração definirem suas atribuições, competirá a qualquer diretor a representação da
companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular (LSA art. 142, II).
Eleitos pela assembléia geral ou pelo conselho de administração, quando existir,
esses profissionais atuam isoladamente, segundo suas atribuições e poderes – mas não há
impedimento legal para que o estatuto determine que eles atuem de forma colegiada para a
tomada de certas decisões.
Para permitir um maior entrosamento entre os órgãos societários, a lei faculta que
até um terço dos cargos de diretoria sejam ocupados por conselheiros, devidamente eleitos
dentro dos parâmetros definidos pelo estatuto, e destituíveis a qualquer tempo.
Perin Junior (2004, p. 71-72) descortina o debate doutrinário em relação à
natureza “social” da diretoria, alega-se que a diretoria não é um órgão social, pois não é um
corpo de deliberação colegiada, a não ser que nos estatutos estejam previstas ações conjuntas
entre os diretores – o que é raro. Além da defesa da tese de que cada diretor é um órgão
independente – por agir de forma autônoma – a obra referida relembra que para uma boa
governança corporativa “é mister que não sejam os diretores acionistas majoritários na
companhia (podendo ser salutar se forem minoritários)”, desta forma evitando conflitos de
interesses.
3.4.2.4 Conselho Fiscal
No sistema do Decreto-Lei 2.627/1940, o conselho fiscal era apenas o órgão de
fiscalização da companhia, com a mesma composição numérica da atual LSA, permitia-se a
107
eleição de qualquer pessoa – mesmo sem qualquer conhecimento de auditoria e contabilidade.
Requião (2003, p. 223) relembra que: Esse regime de plena liberdade de escolha de conselheiros foi severamente criticado por nossos autores, pois a fiscalização era ilusória. Nomeavam-se, comumente, para compor o órgão, amigos dedicados e por vezes complacentes, os quais assinavam de favor os pareceres periódicos, mediante uma remuneração ridícula e simbólica. Isso levou ao descrédito o conselho fiscal e muitos passaram a exigir sua extinção.
As legislações dos países europeus – e mais recentemente dos EEUU com o
Sarbannes-Oxley-Act de 2002 – determinam a fiscalização das companhias por corporações
de especialistas ou por empresas de auditorias independentes – essa é a forma rigorosa de
fiscalização na maior parte do mundo (REQUIÃO, 2003, p. 224).
Atualmente, o conselho fiscal (LSA, artigo 161 e seguintes) é órgão colegiado,
composto de 3 a 5 membros eleitos pela assembléia geral, que se destina ao controle da
administração – tem existência obrigatória e funcionamento facultativo, excetuando o caso
das sociedades de economia mista, onde são permanentes.
As funções desse conselho, na atual legislação, superam a mera fiscalização
contábil – objeto dos auditores independentes – tendo competência mais ampla, incluindo a
informação da assembléia geral e o acompanhamento dos atos dos administradores, segundo a
exposição de motivos da LSA.
Borba (2004, p. 415) esclarece que “jamais funcionou de eficientemente o
conselho fiscal, tendo-se inclusive cogitado sua extinção, quando das discussões em torno do
projeto da atual lei das sociedades anônimas”. Na verdade a omissão é a regra nos conselhos
fiscais e seus pareceres usualmente são produzidos por auxiliares internos dependentes da
companhia.
Em decorrência da adoção da regra do funcionamento não permanente, dados os
raros pedidos e possibilidades de instalação, as auditorias independentes suplantaram seu
papel – nas companhias abertas, obrigatoriamente; quanto nas sociedades de capital fechado
as auditorias independentes podem ocorrer por injunção de credores, de possíveis
compradores ou investidores ou de grupos que compõem a sociedade ou por decisão do
próprio conselho fiscal.
3.4.2.5 Auditores Independentes
108
Segundo a LSA, artigo 177, a auditoria independente é obrigatória nas
companhias de capital aberto. Em resumo, a função dos auditores independentes é o de
apurar, por meio de levantamentos contábeis, a autenticidade das demonstrações financeiras
preparadas pela diretoria, informando se correspondem, de fato, à realidade da sociedade.
A LSA, ao criar a CVM, em seu artigo 26, estabeleceu que os auditores
independentes de companhias abertas deveriam ser registrados na CVM, para poderem auditar
as demonstrações financeiras e balanços patrimoniais daquelas companhias. Dessa forma, a
LSA incumbiu a CVM, como agencia estatal, para regular e fiscalizar o mercado de valores
mobiliários com competência expressa de regular atividades inerentes a esse mercado como a
de auditoria independente.
Os auditores, dessa forma, agem fiscalizando eventuais abusos e fraudes
praticados pela diretoria – dando suporte a CVM na busca de dotar o mercado do maior grau
de confiança possível com relação às demonstrações financeiras das companhias que
pretendam captar recursos do público em geral.
As auditorias independentes, como relembra Perin Junior (2004, p. 77),
fortalecem o mercado de capital e todo meio empresarial do país, ao fornecer aos que nele
atuam os instrumentos necessários e suficientes para o conhecimento adequado da situação
patrimonial e financeira, dos resultados das operações e da origem e da aplicação dos recursos
das companhias abertas – porque, segundo ele, “indiretamente, levado este processo de
evolução às sociedades limitadas, já que a legislação fiscal também a elas estendeu os
critérios contábeis na atual LSA”.
Segundo a Instrução 216/1994, a CVM regulou o exercício da atividade de
auditoria independente, estabelecendo normas, procedimentos, deveres e responsabilidades. A
Instrução 308/99, do mesmo órgão, voltou a tratar do assunto impondo a rotatividade dos
auditores a cada cinco anos e vedando ao auditor prestar conjuntivamente os serviços de
auditoria – medidas adotadas anos depois pelos norte-americanos.
3.4.3 Controle Externo e os Stakeholders
O controle externo é o poder, de fato, exercido por entes estranhos à composição
acionária votante da sociedade. São exemplos típicos desse fenômeno de influência ou
imposição na condução dos negócios sociais: a) os preferencialistas sem direito a voto que, no
109
entanto, são grandes investidores institucionais da companhia; b) o acionista que, embora não
tenha direito a voto, tem o direito de veto sobre determinadas matérias; c) a empresa que,
embora sequer seja acionista da companhia, é a prestadora de serviços tecnológicos essenciais
e de alta complexidade e custo, de tal forma que, por essa circunstância, acaba por controlar
negócios de seus clientes como em oligopsônios; ou ainda, d) o credor que não compõe
quadro acionário, mas tem o poder de executar bens e inviabilizar as atividades da empresa.
Tullio Ascarelli (apud PERIN JUNIOR, 2004, p. 78) define o controle, externo ou
interno, como “possibilita di uno o più soggeti de imporre la própria decisione all’assemblea
della società”. Para a caracterização do controle externo, é útil lembrar os requisitos listados
pela doutrina (PERIN JUNIOR, 2004) em: a) que a influência seja de ordem econômica; b)
que a influência se estenda a toda a atividade desenvolvida pela empresa controlada; c) que se
trate de um estado de subordinação permanente, ou pelo menos duradouro; e, d) que haja
impossibilidade para a controlada de subtrair-se à influência, sem séria ameaça de sofrer
grave prejuízo econômico.
As obras que tratam de governança corporativa (como LAUTENSCHELEGER
JÚNIOR, 2005) e de questões microeconômicas (como BECKER; BECKER, 1997)
demonstram como, nos países onde há grande concentração acionária e onde não existe
grande número de companhias listadas no mercado aberto, este tipo de influência é mais
efetiva e danosa. Nesses casos, geralmente, há grande influência das instituições bancárias
influenciando as tomadas de decisões pelas sociedades e a ocorrência de propriedade cruzada
entre diferentes companhias.
Pode-se afirmar como regra geral que o controle externo só ocorre se for
conveniente à sociedade controlada, no sentido de que é melhor estar sujeito a ela do que
acabar a relação – seja de financiamento, fornecimento ou consumo, por exemplo. O
problema é que essa afirmação encontra suas exceções nos contextos de desequilíbrio onde
estas relações usualmente atingem seu ápice: em monopólios, monopsônios, cartéis e
mercados mobiliários pouco desenvolvidos, como demonstrado.
Leslie Amendolara (2003, p. 135-138) classifica as formas de controle externo
em: a) externo contratual; b) externo tecnológico; e c) externo financeiro.
O controle externo contratual ocorre em casos como nos contratos de franchising,
em que os franqueadores impõem cláusulas extremamente rígidas para a concessão da
franquia, tornando-os inteiramente dependentes, mesmo que não haja qualquer vínculo
societário. Além de especificações de produtos e serviços ou franqueadores, usualmente
110
limitam a esfera territorial de atuação, o preço de vendas, a forma de contabilidade, a forma
de anúncios publicitários e até mesmo a forma de aquisição de produtos com credores.
O controle externo tecnológico decorre da dependência pela detenção de
determinada tecnologia. Amendolara (2003, p. 136) relembra que essas relações podem estar
reguladas por contratos de transferência de tecnologia ou know-how, mas que o processo de
realização de um produto ou serviço colocado à disposição de um cessionário pode resultar
em grande dependência com relação ao fornecedor. Em casos de oligopólios ou oligopsônios,
o rompimento do vínculo acarretaria a paralisação total das atividades com danos irreparáveis
à produção da empresa receptora ou fornecedora, respectivamente, dessa forma, pode-se
paralisar a vontade dos acionistas ou mesmo impor condições de administração.
O controle externo financeiro decorre da dependência de recursos ou da
possibilidade de execução, usualmente por parte de instituição financeira, submetendo-se
então a sociedade a imposições externas quanto a sua organização empresarial.
O processo de controle externo ocorre, usualmente, graças à dependência dos
recursos financeiros dos bancos e de outras instituições, que se tornam protagonistas das
relações de poder da companhia, sejam clientes, funcionários, credores e até mesmo o Estado.
São estes entes, os interessados no desempenho da companhia, que são definidos na
Administração como Stakeholders.
A dependência econômica é um conceito útil, baseado nas possibilidades listadas,
para identificar situações em que pode haver controle externo. No entanto, ressalvam a esse
critério Comparato e Salomão Filho (2005) ao registrar que as duas hipóteses (dependência
econômica e controle externo) não se identificam. A primeira procura individualizar as
situações negociais relevantes para o Direito Concorrencial, já a segunda é um conceito
eminentemente societário.
O emprego do termo “influência”, em substituição do vocábulo “poder”, já
expressa em termos gramaticais que a situação nesse trecho é qualitativamente diversa da
analisada no ponto anterior. Como ilustra Comparato e Salomão Filho (2005, p. 90): [...] a ciência política moderna procura distinguir a influência determinante do poder, pela ausência de sanção. Não se pode dizer que as hipóteses que a jurisprudência e a lei caracterizam como <<influência dominante>> na sociedade anônima sejam, todas, despidas de sanção. O que há é a ausência de sanção jurídica, tudo se passando, no mais das vezes, no plano puramente fático.
Perin Junior (2004) discorda dessa posição argüindo que havendo sanção
econômica já se pode falar de “poder de controle interno”. De fato, essa é uma questão menor,
o conceito de importância significativa para o entendimento do controle externo é o de
111
“influência dominante” (herrschender Einfluss) – que é pacifico desde as decisões
jurisprudenciais norte-americanas desde Benjamin Cardozo, passando pela Lei das
Sociedades por Ações Alemã de 1937, em seu § 15, e na Lei atual, de 1963, no seu §17; assim
como no Código Italiano, de 1942, em seu artigo 2.359, e na Lei Acionária Sueca de 1944, em
seu artigo 221, como exemplos.
O legislador pátrio definiu o conceito de acionista controlador na LSA, artigo 116,
mas ele não cita expressamente ou define o controle externo nem o controle gerencial. Há
uma possibilidade de ocorrência desse fenômeno no mesmo diploma, no artigo 113, ao
reconhecer que ao “credor pignoratício das ações e ao credor garantido por alienação
fiduciária também as ações e o exercício do direito de voto do acionista devedor”, ou seja, o
credor, nesses casos, estaria exercendo o poder de controle se as ações dadas em garantia
representassem o controle da companhia.
Sobre os casos de controle externo previstos em lei fora da LSA74 existem os
casos de liquidação extrajudicial, intervenção ou administração especial temporária das
instituições financeiras, seguradoras ou entidades abertas de previdência privada. Nesses
casos são nomeadas pelo órgão fiscalizador competente (Bacen ou Superintendência de
Seguros Privados – SUSEP, a depender do caso75) profissionais para fiscalizar ou gerir os
negócios sociais.
A Lei 6.024/74 chega ao ponto de autorizar o Bacen a estender o mesmo regime
de intervenção e liquidação judicial às pessoas jurídicas “que com elas tenham integração de
atividade ou vínculo de interesse”, ou seja, grandes devedores da instituição financeira ou
titulares de mais de 10% de suas ações (artigo 51, parágrafo único).
Nesses termos, o controle externo ocorreria quando a influência dominante não
estivesse contida em entes constituintes de qualquer órgão social, mas, sim, de entes externos.
Essa situação pode ser conseqüente de uma estrutura de mercado com severas restrições –
74 Neste caso, deve-se lembrar da Lei 6.024/74 que versa sobre a intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras; da Lei 9.447/97 que dispõe, dentre outros temas, sobre a responsabilidade solidária de controladores das sociedades e sobre a indisponibilidade dos seus bens; e, o Decreto-Lei 2.321/87 que regula o regime de administração especial temporária. 75 O mercado financeiro brasileiro é regulado de forma extremamente fracionada: a) os serviços e atividades das instituições financeiras, o que inclui a intermediação financeira (Lei 4.595/1965 art.17), encontram-se sob o poder regulatório e de fiscalização do Conselho Monetário Nacional (CMN), na regulação, e do Bacen (na regulação e fiscalização, com poder de polícia); b) os serviços e atividades das instituições do mercado de capitais estão sob a égide de regulação e fiscalização do CMN (regulatório sobre questões da estabilidade monetária) e da CVM (regulação e fiscalização); c) os serviços e atividades das empresas de seguro estão sob a autoridade de outro órgão, a SUSEP; há ainda mais fracionamento: se os fundos são abertos, são controlados pela SUSEP; se fechados, pela Secretaria de Previdência Complementar, órgão executivo atrelado ao Ministério da Previdência e Assistência Social.
112
como a existência de um só comprador ou de um só fornecedor ou de apenas um financiador76
– mas também pode ter origem contratual, se obrigações especificas (convenants) acordadas
provocam sanções econômicas – como o vencimento antecipado da divida – por qualquer
descumprimento.
Um caso de controle externo pertinente é o exercido pelos debenturistas caso a
companhia emissora descumpra obrigações pactuadas na escritura de emissão das debêntures.
Essa influência aumenta ainda mais se esses títulos tiverem garantias reais – pela
possibilidade de execução de bens necessários – ou mesmo se as debêntures forem
conversíveis em ações, pois terão, neste caso, amparo legal da LSA art.57, §2o que dispõe que
dependerá da prévia aprovação dos debenturistas alteração do estatuto visando à mudança no
objeto social ou criação de ações preferenciais ou modificações das vantagens já existentes.
Diferenciando os vocábulos shareholder e stakeholder, pode-se afirmar que a
primeira expressão é mais restrita referindo-se apenas aos acionistas e a segunda é mais ampla
incluindo todos os interessados no negocio, sejam empregados, consumidores, fornecedores
ou até mesmo os próprios acionistas. Considerando a acepção empresarial de stakeholder,
define o dicionário Cambridge (1995, p. 1.408)77: Stakeholder: a stakeholder is a person or group of people who have a share or a personal or financial involvement in a business: Due to the losses the bank made, almost all of its stakeholders will suffer – some staff will lose their jobs, customers will have higher charges and shareholders will see the price of their shares fall.
A influência dos stakeholders – ou partes interessadas sem a titularidade de ações
– supera em muito os casos do controle externo previstos na legislação pátria. Relembra
Coelho (2002) que, em relação aos funcionários, por exemplo, as companhias alemãs que
possuírem mais de 2.000 empregados devem assegurar aos seus funcionários, pelo menos, o
direito de eleger a metade dos assentos para membros do conselho de supervisão
(Aufsichtsrat), órgão que, por sua vez, indica o conselho de diretores (Vorstand). Nas
76 Neste caso, é útil lembrar que certas condutas relativas ao controle externo graças à estrutura do mercado podem ser consideradas infrações à ordem econômica nos termos da Lei 8884/94 artigo 21, a saber: “Art.21. [...] I fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou em prestação de serviços; II – obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concentrada entre concorrentes; III – dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários; [...] V – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor,adquirente ou financiador de bens ou serviços; [...] XIV – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais[...]”. 77 CAMBRIDGE INTERNATIONAL DICTIONARY OF ENGLISH. Cambridge University Press: Cambridge, 1995.
113
companhias com menos de 2.000 empregados (e mais de 500), este numero cairia para um
terço78.
De forma oposta à administração norte-americana, tanto na Alemanha como no
Japão não há decisão empresarial sem levar em consideração os interesses dos funcionários
das respectivas companhias por questões éticas e culturais. Lautenscheleger Júnior (2005, p.
81) demonstra, inclusive, as causas da particularidade do sistema alemão de co-participação
no trecho: O modelo alemão de co-participação dos trabalhadores é um produto das tensões sociais da Alemanha do final do século XIX e do início do século XX, e da necessidade de manter as relações de propriedade de uma Alemanha pós-guerra, que via seu parque industrial confiscado e desmontado pelas forças aliadas.
Ressalva-se que a existência de controle externo não afasta o administrador ou o
controlador de seus deveres e responsabilidades legais – que consideram sempre o critério do
controle formal (AMENDOLARA, 2003, p. 137).
De todas as formas de controle externo debatidas: daquelas resultantes de
desequilíbrios de mercado, daquelas resultantes de cláusulas contratuais, até das resultantes de
previsão legal específica – seja por dependência econômica ou por má gestão – o sistema de
controle externo tende a diminuir em praticamente todas as possibilidades e em todas as
partes do mundo devido a fatores como a crescente participação de credores institucionais –
de seguradoras, de fundos de previdência e de outros fundos de investimento no capital
votante da companhia.
3.5 CONFLITOS DE INTERESSES
Os conflitos de interesses entre os diferentes personagens da sociedade –
acionistas, fornecedores, consumidores, credores, trabalhadores e comunidade – são
fenômenos intrínsecos e inerentes, às relações societárias pela natureza humana. Economistas
(POSSEC apud STRATHERN, 2002; HIELBRONER, 1996) explicam, inclusive, que, nos
parâmetros da teoria das preferências, todos os atos humanos visam a maximização da
satisfação – mesmo que sob certos condicionamentos – o que explicaria, em parte, o conflito
nas interações humanas.
78 Para informação detalhada e específica dos órgãos societários nas legislações citadas, consultar Apêndice C.
114
Diferencia o conflito de interesses em suas diversas expressões – como problema
e regra – Salomão Filho (2006, p. 91) ao afirmar que “o problema do conflito de interesses
nem sempre é resolvido através de uma regra de conflito”. Ilustra excerto desse mesmo autor
que a regra do conflito poderia ser definida como: [...] regra organizadora da sociedade naqueles sistemas de realidade econômica/societária mais concentrada em que é jurídica e politicamente inviável introduzir soluções organizativas ou naqueles sistemas fortemente contratuais que reduzem o interesse da sociedade ao interesse do grupo de sócios.
A regra do conflito, como método subsidiário, envolve menos mudanças
estruturais e maior ênfase na proibição de comportamentos conflitivos pela imputação de
responsabilidades, como no texto legal (LSA, art. 156 ao versar sobre conflito de interesses de
administradores e o art. 116 ao listar deveres genéricos do controlador).
Dessa forma, estas regras visam controlar o comportamento de administradores e
acionistas em duas hipóteses, como prefere Salomão Filho (2006, p. 96-97): a) no conflito
formal ou potencial, quando não há lesão a interesse social e consequentemente aplicável
apenas aos gestores; e, b) conflito atual ou substancial que se reduz a um critério de culpa in
abstrato e pode ser aplicado de maneira uniforme a todos os sócios e administradores (nos
casos previstos na LSA, art. 156 §1o).
A regra de conflito não é a única e nem mesmo a forma preferencial de resolução.
As formas alternativas, como a experiência prática demonstra, são as mais utilizadas e só são
preteridas quando jurídica ou politicamente inviáveis.
Salomão Filho (2006, p. 91) indica, dentre as “formas alternativas”, as soluções
orgânicas ou estruturais, como as mais eficazes. Por solução orgânica ou estrutural, define-se
a tentativa de resolver nos órgãos societários o problema de conflito – seja através da
incorporação de interessados de cada uma das partes nos órgãos ou mesmo pela intervenção
de órgãos independentes – reduzindo a aplicação da regra do conflito.
As soluções organizativas são as mais avançadas ferramentas de solução de
conflitos – reconhecidas como práticas desejáveis de governança corporativa. Estas soluções
têm duas justificativas que permitem entender seu significado e extensão, quais sejam: a) o
fundamento econômico, na teoria da empresa de Coase; e, b) a fundamentação jurídica, na
visão organizativa da sociedade.
3.5.1 Fundamento Econômico
115
No campo econômico, as soluções organizativas podem ser encontradas na
própria concepção de empresa. Na definição dominante de Ronald Coase (1990; 1993; 1995)
a principal função da empresa (firm) é eliminar as incertezas e conflitos que provêm das
relações de mercado.
Nessa definição, o postulado de que o sistema econômico é coordenado pelo
mecanismo de preços revela-se apenas numa descrição parcial – e usualmente insuficiente –
dos fundamentos da organização econômica. O fator a que se refere como fundamental para a
organização do sistema econômico é a empresa.
De fato, ao negar um postulado da econometria e identificar na empresa o
elemento primaz para o entendimento do mercado – e a organização da economia – Coase não
tenta elaborar uma nova teoria econômica da empresa, mas, sim, mudar os paradigmas no
estudo dos fundamentos da organização econômica.
Dentro dessa concepção, a empresa surge como forma de fornecer soluções
organizativas aos conflitos dos agentes econômicos presentes no mercado. Nessa teoria, a
empresa reduziria custos de transação na medida que reduz conflitos, como no teorema da
internalização das externalidades.
Dessa forma, as grandes contribuições deste autor (COASE, 1990; 1993; 1995) no
contexto discussão são: a) o entendimento da empresa como núcleo de resolução de conflitos;
e, b) a sensibilização para que estes conflitos tenham resoluções internas – exigindo novas
concepções jurídicas idôneas a buscar soluções organizativas.
A falha apontada por Salomão Filho (2006, p. 92) ao trabalho de Ronald Coase
(1990; 1993) é exatamente o corte epistemológico do trabalho, pela limitação de buscar as
soluções apenas entre os agentes produtivos (produtores, fornecedores e distribuidores). Mas é
exatamente a integração de interesses (com a resolução de conflitos) e não sua forma (criação
de uma organização) que atribuem à teoria de Coase a importância na visão jurídica de
empresa.
3.5.2 Fundamento Jurídico
116
A teoria societária institucional, discutida anteriormente em seus fundamentos,
também busca na sociedade a resolução de conflitos, embora não seja pelas motivações
contábeis e com as fundamentações neo-clássicas de Coase.
Como discutido no Capítulo I, a moderna teoria da empresa – surgida na
transformação do institucionalismo publicista para o integracionista – este objeto de direito
(representado pela organização dos fatores de produção) deixa de ser uma expressão exclusiva
do poder do controlador para transformar-se em um núcleo de resolução e integração de
conflitos entre fatores que podem cooperar.
Considerando a eliminação ou redução de custos de transação e,
consequentemente, a elevação da competitividade e da eficiência como função básica da
empresa, as relações com consumidores, trabalhadores e acionistas minoritários, por exemplo,
deveriam ter soluções preventivas em âmbito interno – como a participação paritária do caso
germânico.
Sobre a questão dos minoritários e a incapacidade institucional de tutelar seus
interesses, Salomão Filho (2006, p. 93) expressa realismo ao considerar que neste caso uma
intervenção organizativa seria “mais que bem vinda”.
3.6 CONTROLE DIFUSO DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS
Uma das soluções para a defesa de interesses societários que satisfaz parcialmente
a demanda por maiores intervenções institucionais, como as demandadas por Salomão Filho
(2006, p. 93), é o controle difuso dos interesses societários pelo Ministério Público.
Os conflitos sociais internos e os externos descritos anteriormente são
considerados na atualidade como fontes idôneas a gerar, em diversos casos, interesses
metaindividuais ou transindividuais societários, nas palavras de Márcio S. Guimarães (2005,
p. 8) “atingindo interesses, algumas vezes, de pessoas indeterminadas e indetermináveis”.
Sintetizando a evolução histórica do tema, pode-se afirmar que, durante muito
tempo, considerou-se que os interesses que transitavam as relações societárias empresariais
eram de natureza estritamente individual e particular. Tanto assim que, durante muito tempo,
acreditava-se na natureza meramente contratual e privada das sociedades.
Em seguida, após a superação da concepção do exclusivo privatista, passou-se a
entender que as sociedades reuniam interesses das partes integrantes e o interesse da própria
117
sociedade, como na concepção institucionalista publicista com a preocupação com noções
como “interesse público” e “função social”.
Na contemporaneidade, passou-se a admitir que a vida societária das grandes
companhias abrange interesses da própria coletividade onde este ente atua, direta ou
indiretamente, fundamentando a existência de um Direito Empresarial Público (SALOMÃO
FILHO, 2002a, p. 15).
A tutela de interesses transindividuais decorre, em grande medida, das
contribuições do economista Ronald Coase (1990) e do seu teorema da internalização das
externalidades expresso como solução do problema do custo social, The Problem of Social
Cost. O problema do custo social é que as atividades de diversos agentes econômicos geram
conseqüências a terceiros (denominadas externalidades) permitindo uma série de intervenções
mútuas aleatórias, nas quais algumas partes se beneficiam prejudicando outras de forma
impune e fortuita, para otimizar este sistema elevando sua racionalidade e promovendo
equilíbrio. Neste ambiente, Coase propõe um sistema de internalizações contábeis – que cada
parte seja responsabilizada pelos seus efeitos a terceiros dentro de um sistema de livre
negociação.
Modelos econômicos neoclássicos usualmente são criticados por considerarem
modelos ideais e teóricos graças a pressupostos e presunções quanto a fatores como a
racionalidade econômica, no caso do Teorema da Internalização, o problema da negociação
também é construído sobre pressupostos econômicos idôneos a criar problemas a ser
resolvidos pelo Direito na sua transposição para a realidade concreta: primeiro na
quantificação do valor dos efeitos; e, em segundo, na forma de negociação quanto à
legitimidade de representação das gerações futuras, de conjuntos de indivíduos
indeterminados e indetermináveis. A resposta a estas questões é representada pelas doutrinas
que tratam dos direitos transindividuais.
Márcio Souza Guimarães (2005, p. 6) defende que, nas sociedades anônimas, os
interesses sociais muitas vezes assumem a característica de transindividuais societários, os
quais são divididos em difusos societários, coletivos societários e individuais homogêneos
societários79. Somando-se a este fato as destinações básicas do Ministério Público após a
C.F./1988 (art. 129) no exercício do jus puniendi estatal e na tutela dos interesses sociais, 79 Guimarães (2005, p. 132) caracteriza que: a) “interesses individuais homogêneos societários terão como titulares pessoas determináveis, cujo bem jurídico é divisível e ligados por uma origem comum”; b) “os interesses coletivos societários se apresentaram quando forem titulares grupo, categoria ou classe com interesse indivisível dentre seus integrantes e cujo liame que os une seja uma relação jurídica base”; e, c) “será interesse difuso societário aquele cujos titulares sejam pessoas indeterminadas e indetermináveis, indivisível e que os liames interpessoais decorram de situação fática comum”.
118
pode-se concluir que existem diversas hipóteses em que pode ocorrer controle difuso das
sociedades anônimas pelo Ministério Público.
Definindo uma dogmática básica sobre as categorias de direitos em função do
interesse, eles seriam: privados ou sociais80. Sistematizando os últimos em função da
classificação proposta por Antonio Gidi81 (1995, p. 23) seu titular seria: “[...] uma
comunidade, no caso de direitos difusos; uma coletividade, no caso de direito coletivos ou um
conjunto de vítimas indivisivelmente considerado, no caso de direitos individuais
homogêneos”.
Exemplificando na realidade societária, Márcio S. Guimarães (2005, p. 35; p.
50; p. 66) indica que em atividades que traduzem caráter social, o interesse envolvido seria
transindividual e que este seria subdividido em: a) difuso – como na proteção objetiva do
Sistema Financeiro Nacional aos investidores do mercado de capitais e a outros cidadãos
indeterminados e indetermináveis que seriam prejudicados em um colapso financeiro (origem
fática comum) – justificando a ação do MP nas hipóteses de intervenção e liquidação
extrajudicial (Lei 6024/74 e DL 2321/87); b) coletivos societários – como nos casos de
fechamento de capital quando apenas um grupo determinado, os acionistas orgânicos (assim
entendido o número mínimo de 10%), tem legitimidade para oferecer resistência ao preço
ofertado pela companhia pelas suas ações – neste caso a causa é comum, o beneficio
indivisível, a tutela singular não é possível e os titulares identificáveis, o que para o autor
justificaria a legitimação do MP; c) individuais homogêneos societários – como no caso da
suspensão dos direitos políticos de certo grupo de acionistas ordinários por não terem
comparecido à assembléia, considerando que a presença não é obrigatória – o autor justifica a
tutela coletiva de interesses que podem ser protegidos individualmente pelo titular como
forma de facilitar o acesso à justiça em suas palavras: É evidente que cada acionista poderá tutelar seu direito violado (direito individual – divisível). Todavia, face às proporções advindas do ato perpetrado, alcançado estará o conceito da prevalência da dimensão coletiva sobre a individual e, assim, será possível a tutela dos direitos individuais lesados através de uma só demanda. (GUIMARÃES, 2005, p. 66).
80 Como ressalta Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2003, p. 07) Antonio Gidi propõe que o critério científico para identificar se determinado direito é difuso, coletivo, individual homogêneo ou individual puro não é a matéria, o tema ou mesmo o assunto abstratamente considerados, mas o direito subjetivo específico que foi violado. Afirma o autor que o C.D.C. se utiliza de três critérios básicos para definir e distinguir os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: subjetivo (titulariedade do direito material), objetivo (divisibilidade do direito material) e de origem (origem do direito material). Quanto à titulariedade do direito material, têm-se que direito difuso pertence a uma comunidade formada de pessoas indeterminadas ou indetermináveis; o direito coletivo pertence a uma coletividade (grupo, categoria ou classe) formada de pessoas indeterminadas mas determináveis; o direito individual homogêneo pertence a uma comunidade formada de pessoas perfeitamente individualizadas, que também são indeterminadas e determináveis. 81 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em Ações Coletivas. Sâo Paulo: Saraiva, 1995.
119
Em uma posição de maior prudência, J.J. Calmon de Passos82 (2003, p. 106)
considera que a legitimação do MP nos casos de direitos coletivos e individuais e
homogêneos enfraquece a democracia brasileira por frustrar instituições pré-políticas, e
conseqüentemente, acomodar os indivíduos e a sociedade, ademais esta legitimação
desrespeitaria a autonomia do indivíduo que é a base da democracia e a essência das relações
privadas.
Ainda sobre a questão da legitimidade do MP, considera-se indiscutível nos
interesses difusos, uma vez que indisponíveis, como demonstram as ações coletivas com fito
de tutela ambiental – em que as necessidades seriam satisfeitas sem exclusão. O que, enfim,
valorizaria a entidade imputando-lhe apenas a competência de fazer o possível e desejável,
dentro de padrões de legalidade.
Mas Calmon de Passos (2003) não é o único a defender tais alegações, como
escreve Ricardo Negrão83 (2004, p. 258): Portanto, se é até certo ponto mais pacífica a posição do parquet quando este atua nas ações coletivas propostas para a defesa de direitos difusos e coletivos (guardada sua posição de representante adequado), a substituição imposta pela lei no caso da defesa dos interesses individuais não pode ser considerada tão abrangente; só haveria de ser admitida sempre que o princípio dispositivo fosse, de certa forma, minimizado frente a outras questões não menos relevantes (como é a tutela dos direitos subjetivos indisponíveis ou a proteção do interesse social).[sic.].
A posição prevalente nos tribunais superiores é a de que o Ministério Público
apenas pode atuar na defesa dos direitos individuais homogêneos disponíveis quando se
relacionarem a um relevante interesse social a ser avaliado no caso concreto, com a ressalva
de o conceito de relevante interesse social ser discutível e, de certa forma, vago. Ainda na
lição do texto de Ricardo Negrão (2004, p. 267): Não há dúvida de que o posicionamento inicial (principalmente de alguns membros do Ministério Público) de que a atuação seria irrestrita para a defesa judicial dessa categoria de direitos coletivos, constitui risco de banalização do próprio Ministério Público que estaria fazendo uso de sua posição fundamental na sociedade para atender os interesses de algumas pessoas. Essa não é sua função, nem muito menos sua vocação.
Embora não haja abundância de evidências práticas de intervenções do Ministério
Público em interesses societários, Márcio Guimarães (2005, p. 107) enumera algumas
82 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 83 NEGRÃO, Ricardo. Ações coletivas: enfoque sobre a legitimidade ativa. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2004.
120
hipóteses teóricas e ressalta que os instrumentos à disposição do Ministério Público para a
tutela dos interesses individuais seriam: a) o inquérito civil (CF/1988, art. 129, inciso III e Lei
7.347/1985), como procedimento de natureza administrativa, inquisitorial, de utilização
exclusiva do Ministério Público e carecendo, ainda, de regulamentação legal; b) ação civil
pública (Lei 7.347/1985, Lei 7.913/89 e CF/1988, Art. 129, inciso III), “como uma demanda
ao judiciário que decida sobre fato transindividual societário” (GUIMARÃES, 2005, p. 116);
e, c) o termo de ajustamento de conduta (Lei 8.078/1990), “representando acordo firmado que
ostentará a condição de título executivo extrajudicial, se tomado durante inquérito civil, ou
judicial, quando pactuado nos autos de processo referente à ação civil pública”
(GUIMARÃES, 2005, p. 122-123).
Como síntese do trecho em retro, pode-se afirmar que o sistema jurídico brasileiro
se aparelhou com um conjunto de mecanismos ainda inexplorados de combate ao ilícito e à
tutela de interesses, como os transindividuais societários, sejam eles coletivos, difusos ou
individuais homogêneos. Os poderes e possibilidades dos instrumentos postos à disposição do
Ministério Público pela legislação (inquérito civil, ação civil pública e termo de ajustamento
de conduta) satisfazem as demandas em teoria e as superam na prática societária atual.
121
SEGUNDA PARTE – DIREITO DOS MINORITÁRIOS
Após discutir a dogmática conceitual básica e estudar as principais doutrinas e
teorias referentes às sociedades, nos capítulos iniciais, o trabalho aborda a questão dos direitos
dos minoritários nas sociedades por ações que constitui o objeto de estudo em dois capítulos
subseqüentes.
O capítulo III dedica-se ao estudo do objeto em suas modalidades positivas, por
meio da enumeração e explicação das tutelas dos acionistas minoritários existentes. Esta parte
se dedicará inicialmente a uma retrospectiva histórica, passando posteriormente a debater
cada etapa da tutela: desde a violação, passando aos dispositivos de proteção até os
mecanismos reivindicatórios.
A sistemática adotada ao analisar o problema concreto, a previsão legal
correspondente e sua respectiva possibilidade de aplicação, nesta ordem, segue a seqüência
cronológica ordinária utilizada na resolução das questões jurídicas.
No capítulo IV, as diversas possibilidades de fundamentação são discutidas.
Desde as teorias mais complexas da AED e de hermenêutica constitucional até os que
justificam a tutela dos minoritários em opções de políticas públicas, como faz Salomão Filho
(2006, p.56), ao afirmar que a justificação para as tutelas estudadas baseia-se na idéia de que o
incentivo ao minoritário é um incentivo ao investimento e que as normas de proteção seriam
tentativas progressivas de atrair a poupança popular para as bolsas brasileiras, por exemplo.
122
4 PROTEÇÃO DOS MINORITÁRIOS
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO ÀS MINORIAS
Gradativamente, dispositivos legais e regras de mercado buscam a redução do
grau de incerteza e desconfiança em relação às empresas, aos seus gestores e aos dispositivos
intermediários do mercado. Dar proteção efetiva aos investidores, em especial aos
minoritários, é a ação indicada (PERIN JUNIOR, 2004, p. 39) como “a melhor forma de
fortalecer o mercado de capitais” pelos seus efeitos práticos.
Georges Ripert (1947, p.100) localiza o marco inicial sobre a necessidade de
tutela dos direitos dos acionistas minoritários no senado francês, mais especificamente no
discurso de Lesaché em 1934 dirigindo-se ao ministro da justiça Henri Chéron ao enunciar
que: É por milhares que se contam os acionistas com pequeno número de ações cada um. Assim, o haver do que se chama correntemente grandes bancos, grandes companhias, não constitui propriedade de alguns gordos magnatas, mas ao revés de propriedade de milhões de pequenos indivíduos que economizaram, tostão por tostão para comprar uma ação e aquém nós devemos o dever de proteger. [sic.]
No Brasil, Perin Junior (2004) indica o início das preocupações legislativas com
as minorias com a instauração de direitos essenciais no Decreto Lei 2627 de 1940. De fato, a
norma citada, surgida em pleno Estado Novo, regulava direitos essenciais dos acionistas, tanto
das companhias abertas como das fechadas. Desde sua exposição de motivos há a intenção
expressa de proteção dos interesses dos acionistas não controladores – o que revelaria a tutela
estudada – de forma conjugada a certos dispositivos dirigidos propositalmente a acionistas
não controladores, tais como: a) o direito de recesso (art. 107); b) a dissidência, podendo os
titulares de um quinto ou mais de capital social e os titulares de ações preferenciais eleger,
123
separadamente, um dos membros do Conselho Fiscal e respectivo suplente (art. 125); c) o
direito de convocar, em casos comprovados a Assembléia Geral Ordinária, se a diretoria
retardar por mais de um mês a sua convocação (art.127), e a extraordinária, se ocorrerem
motivos graves e urgentes (art.89, a); - o direito de fiscalizar a sociedade (art. 78, c); d) o
direito à exibição judicial dos livros (art. 57 e 58, c); e, e) a regulamentação minuciosa do
inventário e balanço (art. 99, a).
A intenção das faculdades legais referidas, diretamente inspiradas no AktG
(Aktiengesellshat) – Lei Alemã de Sociedades por Ações de 1937, revelava-se na proteção,
preventiva ou sancionadora, contra os abusos dos administradores da sociedade e dos
controladores que nessa época ainda eram identificados nos acionistas majoritários, em regra.
Dessa forma, demonstra-se como a legislação brasileira considera especialmente
os minoritários, concedendo-lhes direitos específicos, mesmo antes da regulação moderna do
mercado de capitais ocorrido apenas com a Lei 4728/65.
Após 1965, com a proliferação de operações societárias como fusões,
incorporações e tomadas de controle – conseqüentes do crescimento do mercado acionário –
novas modalidades e formas de abusos tornaram-se típicas exigindo novas soluções
legislativas. Sobre essa época revela Perin Junior (2004, p.41) que “verificavam-se uma série
de abusos por parte dos majoritários, que nem sempre vieram à baila das discussões
pretorianas” e, para piorar a situação, que, além de inexistir soluções legais, “também existia a
tendência de nossos juízes em não intervir nos negócios jurídicos societários, principalmente
nas sociedades por ações”.
A tendência de apatia e desdém dos magistrados em relação aos problemas
societários brasileiros revelou uma tendência oposta ao que ocorria na Europa e nos Estados
Unidos. No Código Civil Italiano de 1942 e na Lei 66.537/66 da França, por exemplo, grande
parte dos novos dispositivos que consagravam direitos dos minoritários nesses diplomas
derivavam de decisões dos Tribunais desses países.
Ainda sobre a fase entre 1940 e 1976, Bulgarelli (1977, p. 21) explica que: É de convir que se realmente se queria a implementação de um mercado de títulos e valores mobiliários, notadamente o das ações e obrigações emitidas pelas sociedades anônimas, dever-se-ia adotar uma série de medidas coibidoras dos abusos tão flagrantes e impunemente cometidos.
Segundo este entendimento doutrinário, foi elaborada a Lei das Sociedades por
Ações de 1976, a LSA ou Lei 6.404/76, assim como, a Lei 6.385/76 que dispunha sobre o
mercado de valores mobiliários. Estes dois diplomas inovaram no tratamento dos
minoritários, consagrando os tradicionais “direitos essenciais”. A tutela das minorias foi
124
distribuída em diversos capítulos da extensa Lei 6.404/76 com seus 300 artigos, mas desde
sua exposição de motivos fica claro que a proteção é limitada pela liberdade de ação
responsável dos administradores que é indispensável ao funcionamento e existência da
empresa.
São inovações da Lei 6.404/76 que merecem destaque: a) o regime da ampla
informação dos acionistas, estendido ao limite compatível com a preservação da eficiência da
empresa; b) a definição expressa de abuso de direito nas deliberações das assembléias gerais,
e conseqüente responsabilização da maioria; c) a exigência da definição estatutária precisa e
completa do objeto social, para cuja consecução se associam os acionistas, de modo a limitar
a área de discricionariedade dos administradores e da maioria e facilitar a caracterização do
abuso de poder; d) o direito de participar da administração colegiada, mediante adoção do
voto múltiplo, aumentando a influência das minorias e seu acesso à informação; e) a
responsabilização do subscritor de capital em bens por prazo certo; f) a descrição enumerativa
dos deveres e responsabilidades dos administradores e do acionista controlador e a coibição
dos abusos por eles praticados; g) o incremento dos direitos já existentes como o direito de
preferência para subscrição de novas ações, o direito de retirada, a fixação de valor mínimo de
reembolso, na instituição de dividendo mínimo obrigatório e na defesa contra os efeitos da
inflação com a correção monetária dos dividendos e do valor do reembolso fixados em moeda
corrente.
Dessa forma, a consolidação dos direitos pretéritos somados às novas estipulações
adaptando a norma à realidade fática, pela combinação das duas leis ultracitadas, propiciaram:
a) as normas sobre reembolso nos casos de fusão, incorporação e cisão das sociedades (fontes
freqüentes de abusos impunes contra as minorias); b) a disciplina das finanças das
companhias (ao exigir balanços e demonstrações financeiras periódicas); c) as normas sobre
alienação de controle das companhias; as normas para impedir a evasão dos lucros da
sociedade mediante o jogo inter-societário de custos e lucros; e d) a defesa dos minoritários na
formação de grupos de sociedades.
Em suma, a LSA de 1964 reduziu, drasticamente, as possibilidades de regulação
estatutária impondo, por lei, regras sobre o funcionamento das sociedades, esta tendência de
adotar como regras impositivas estipulações estatutárias que são idôneas a baixar o custo do
investimento se confirma até o presente.
A Lei 6.385/74, em seu turno, teve a importância de instituir a CVM. Pode-se
afirmar que a Comissão de Valores Mobiliários instituída no Brasil foi inspirada na Securities
and Exchange Commission (SEC) criada por sua vez pelo Securities Exchange Act de 1934
125
nos Estados Unidos devido à semelhança na sua missão: a atribuição de regulamentar a
comercialização de títulos oferecidos por intermédio de Bolsas, impedir manipulações
desonestas, de controlar as transações, de fiscalizar o cumprimento da legislação federal e de
adotar normas aplicáveis às sociedades de capital aberto.
De forma análoga à SEC, a CVM foi criada como um órgão moralizador do
sistema, por meio da fiscalização e normalização técnica, objetivando, segundo a Lei: a)
assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; b) proteger
os titulares de valores mobiliários contra emissões irregulares e atos ilegais de
administradores e acionistas controladores de companhias ou de administradores de carteira
de valores mobiliários; c) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a
criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados no
mercado; d) assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários
negociados e as companhias que os tenham emitido; e) assegurar a observância de práticas
comerciais eqüitativas no mercado de valores mobiliários; f) estimular a formação de
poupança e sua aplicação em valores mobiliários; e, g) promover a expansão e o
funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e estimular as aplicações permanentes
em ações do capital social das companhias abertas.
Nesse ínterim, a evolução da sociedade por ações revelou novos riscos, ainda não
resolvidos pelas legislações, como o incremento da cisão entre a propriedade e o controle (o
risco e o poder) e as variadas formas de concentração societária, como a concentração em
cadeia, as participações recíprocas e a ação de formas societárias estrangeiras em âmbito
nacional (off shores). Devido, em grande medida, à dinamização das relações com o
surgimento sucessivo de novas formas de praticar abusos, não é surpresa que a lei,
gradualmente, limite o poder contratual e aumente a natureza contratual das sociedades por
ações, como salienta Perin Júnior (2004, p. 45): Não é, portanto, de estranhar que as leis deixem cada vez menos para o âmbito estatutário, preferindo regular minuciosamente toda a estrutura e funcionamento da sociedade por ações, sendo também bastante reveladora a constante intervenção judiciária na vida das sociedades, verificada em outros países.
Após a década de 1990, graças ao ingresso do capital estrangeiro no mercado de
capitais, ao aumento da presença de empresas transacionais, à profissionalização dos
investimentos e do incremento dos fundos de pensão, às fusões e incorporações e, em
especial, às transformações das estatais em concessionárias, houve uma grande abertura da
economia brasileira exigindo novos dispositivos legais.
126
A Lei 8.021/1990 e a Lei 8.088/1990 extinguiram os títulos ao portador e
endossáveis, dando mais transparência ao sistema, estas inovações dificultaram a hegemonia
de controladores ocultos da companhia. Corroborando com tal tendência a supressão das
ações ordinárias sem voto (art. 112 da Lei 6404/76) que fez com que contingentes de
acionistas titulares passassem a integrar o colégio deliberativo das companhias.
Para compensar a perda dos privilégios dos controladores, possuidores das ações
ordinárias com direito a voto, as sociedades aumentaram a emissão de ações preferenciais –
que podiam sofrer limitações quanto ao voto tendo compensações pecuniárias – no período de
adaptação de dois anos (art.15 § 2º).
É possível concluir que as práticas de abuso de poder de controle se diversificam
com o desenvolvimento das relações e, conseqüentemente, que não viável ao legislador
enumerar taxativamente abrangendo todas as modalidades possíveis. Desta forma, deve-se
considerar como exemplificativas as previsões, como a do § 1º do art. 117 da Lei 9457/1997
que adiciona ao art. 170 da LSA uma possibilidade de abuso em “h) - subscrever ações, para
os fins do disposto no artigo 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da
companhia”.
Fatores enumerados pela doutrina84 (WALD, 2002) como percussores de uma
nova legislação societária são: a) as dificuldades em aspectos fiscais, como a incidência do
CPMF; b) a migração de ações para o exterior, na forma de ADRs85 (American Depositary
Receipts); c) a diminuição do número de sociedades abertas (tendência superada após a
publicação citada); d) a grande litigiosidade na matéria, com interesses sendo constantemente
levados às autoridades administrativas e judiciais (fato superado nos novos mercados); e, d)
os abusos da maioria e o desrespeito aos acordos de acionistas, assim como o fechamento
branco – ou de fato, de empresas abertas.
84 WALD, Arnold. A Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: os direitos dos minoritários na nova Lei das S.A.´s. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 85 Segundo Perin Junior (2004), o ADR (American Depositary Receipt) é um certificado negociável de depósito representativo de um certo número de ações de empresa aberta, não sediada nos Estados Unidos, que são colocadas à disposição de instituição bancária norte-americana por seu titular (holder), para que possam ser negociadas, por via indireta, no mercado norte-americano, mediante uma técnica de <<americanização>> dos papéis estrangeiros. Tecnicamente, o depósito importa na criação de um direito denominado ADS (American Depository Shares), que se materializa no certificado – ADR – cuja estrutura tem alguma analogia com o certificado de depósito de ações previsto no art. 43 da Lei n. 6.404/76. Na prática, o ADR constitui um título representativo das próprias ações emitidas no exterior, sendo meramente teórica a distinção entre ADS e ADR. As companhias com sede no Brasil, assim como em qualquer outro país, podem patrocinar a emissão de ADR, com lastro em ações de sua emissão, ou eventualmente despertar a atenção de investidores e bancos norte-americanos. O inverso também pode ocorrer, ou seja, o capital brasileiro também pode ser investido em empresas sediadas no exterior por meio de mecanismo similar. Trata-se do certificado de depósito de valores mobiliários, ou Brazilian Depositary Receipt (BDR)
127
Seguindo a lógica indutiva do Direito Empresarial, observam-se soluções do
mercado aos desafios apontados, exemplificados pelos Anexos B e C, e uma baixa
probabilidade de uma reformulação real dos parâmetros legais de composição e negociação
do mercado de ações – possível apenas por certa motivação política.
Sobre reformas legislativas no mister é vital citar que novas normas muitas vezes
não são idôneas a solucionar problemas, como os citados, quando resultantes de
superestruturas gerais do sistema.
Pode-se afirmar que existem, pelo menos, uma dezena de modalidades comuns de
abusos aos direitos dos minoritários, mesmo após a criação de toda a legislação descrita com
dezoito artigos prevendo a ação de perdas e danos contra os controladores e administradores
que tenham agido com abuso e desvio de poder. Perin Junior (2004, p. 58) enumera, a título
de exemplo, algumas hipóteses usuais de fraude à lei e aos direitos estudados em: a)
utilização, por administradores e controladores, de recursos materiais da empresa (moveis e
imóveis) em beneficio próprio; b) manutenção de contabilidade paralela, ou em termos
ordinários, “caixa dois” lesando a sociedade; c) uso de informações privilegiadas (insider
trading) em proveito próprio ou de terceiros; d) constituição de companhia com denominação
idêntica ou semelhante à já existente; e) a prática do nepotismo, em todos os graus de
parentesco; f) as condutas irregulares com tomadas agressivas do controle acionário das
empresas; g) os abusivos e indiscriminados aportes de capitais para diluir a participação
acionária dos minoritários; h) a não distribuição de lucros sob forma de dividendos e a
desnecessária formação de reservas em detrimento dos minoritários; i) a disseminação de
falsas informações na captação de recursos públicos; j) na sociedade fechada, a não
convocação, por escrito, do minoritário para as assembléias; e k) em um grupo de fato, a
prática de beneficiar a sociedade controladora em prejuízo da controlada e seus sócios e
acionistas.
A ação reparatória de perdas e danos, tão citada na legislação, não pune os
responsáveis ou compensa os lesados de forma satisfatória, restando a conclusão de que são
necessárias medidas para prevenir esses ilícitos e, mais que isso, inibir sua ocorrência com a
punição proporcional, com rigor educativo, contra as fraudes que ameaçam o patrimônio
pessoal dos investidores, a confiança no mercado e a eficiência das empresas.
4.1.1 Realidade Legal Vigente
128
José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 340-342) destaca que as normas de
proteção à minoria destinam-se, em última análise, a tutelar todos aqueles que não
acompanham o grupo de controle, relembrando que a minoria pode ser considerada como um
órgão subsidiário de controle – quando ativa. Borba (2004, p. 340-342) enumera então os
direitos dos minoritários em: a) os direitos essenciais; b) a existência de matérias que exigem
manifestação unânime para aprovação (mudanças de elementos essenciais como a
nacionalidade); c) o processo de voto múltiplo; o direito de pedir instalação do conselho
fiscal; d) o direito de eleger, em separado, um membro e respectivo suplente do conselho
fiscal; e) o poder de convocar, em certas circunstâncias, a assembléia geral; e) a prerrogativa
de exigir exibição integral dos livros da companhia; f) a possibilidade de associações de
acionistas; e g) o dividendo obrigatório.
Primeira ressalva que deve ser feita a esta enumeração é que os acordos e
associações de acionistas (“f”), como demonstrado em retro, podem servir a interesses e
controladores, assim como os direitos essenciais (“a”) não servem apenas aos minoritários,
mas a todos os acionistas.
A segunda ressalva necessária incide sobre o percentual mínimo de capital
necessário para legitimar certos poderes, em certos casos apenas uma ação é o suficiente, em
outros podem ser necessário 5%, 10% ou 0,5% a depender do caso concreto – como será
demonstrado.
Como relembra Salomão Filho (2006, p. 55), os direitos dos minoritários podem
ser agrupados na lei brasileira em dois grandes grupos. De um lado, os direitos de informação;
de outro, aqueles que se podem chamar de direitos patrimoniais de saída. Estes últimos seriam
garantias patrimoniais dadas aos acionistas no momento da saída, assumindo várias formas –
como o direito de recesso amplo, as garantias de valor mínimo no caso do fechamento de
capital ou mesmo a extensão da oferta feita na aquisição de controle.
Dentre os mais importantes dispositivos – previstos na lei acionária brasileira e
considerados na classificação de Salomão Filho (2006, p. 55) – podem-se citar os dispositivos
referentes a:
a) livros sociais: o acesso aos dados constantes nos livros sociais (art. 100, § 1o);
b) acionistas: o acompanhamento da gestão dos negócios sociais, sob a forma de
fiscalização (109, III);
129
c) acionista controlador da companhia aberta, ou grupo de acionistas, que
elegeram membro do conselho de administração ou membro do conselho fiscal, deverão
informar imediatamente as modificações em sua posição acionária na companhia (art..116-A);
d) acordo de acionistas: representante dos acionistas vinculados ao acordo,
sempre que solicitado, deverá prestar informações à companhia, que poderá ainda solicitar
aos membros do acordo esclarecimento sobre suas cláusulas (art. 118,§§ 10 e 11);
e) documentos da administração: acesso aos documentos da administração
referentes ao último exercício social (art. 133);
f) deveres dos administradores: solicitação de informações aos administradores
(art. 157);
g) conselho fiscal: solicitação de informações aos membros do Conselho Fiscal
(art. 164);
h) deveres do liquidante: receber do liquidante, em Assembléia Geral, relatório
dos atos e operações da liquidação da companhia e suas contas finais (art. 210, VIII), bem
como prestação de contas periódicas dos atos e operações praticados, relatório e balanço do
estado da liquidação (art. 213), e ainda prestação final das contas (art. 216);
i) incorporação, fusão e cisão: apresentação, pelo órgão da administração, de
protocolo que esclarece as condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação da
companhia (art. 224), bem como a justificativa da operação (art. 225);
j) sociedades coligadas, controladoras e controladas: informações prestadas no
relatório da administração sobre investimentos em sociedades coligadas e controladas e
modificações ocorridas no exercício (art. 243), e em demonstrações financeiras, notas
explicativas dos investimentos relevantes (art. 247);
l) alienação de controle: convocação da assembléia geral da compradora para
conhecimento de compra, pela companhia, do controle de qualquer companhia mercantil (art.
256), publicação do instrumento de compra na aquisição de controle mediante oferta pública
(art. 257 e 258);
m) apresentação de justificação à assembléia geral da incorporada na
incorporação, pela controladora, de companhia controlada (art. 264).
Os dois vetores principais dos direitos dos acionistas, os patrimoniais e de
informação, de fato, são privilegiados nas reformas societárias brasileiras, desde 1976 até a
Lei 10.303/2001, mas outra espécie de direitos aos minoritários foi identificada fora das
esferas meramente informativas e patrimoniais, como o voto múltiplo e a legitimação
processual para certas ações há também tutelas políticas dirigidas aos minoritários, tais como:
130
a) a imposição de limites entre ações ordinárias e patrimoniais (Lei 10.303/2001
art. 8o);
b) o voto múltiplo e o voto do preferencialista para a composição do conselho de
administração (LSA art.141);
c) na possibilidade de utilização das instâncias arbitrais obrigatórias (ANEXOS A
e B);
d) na legitimação processual contra controlador (LSA art.246) na reparação de
danos pelo descumprimento de deveres e responsabilidades (LSA art. 116 e 117).
Dessa forma, restam demonstradas três categorias de direitos – políticos,
patrimoniais e de informação – em 16 espécies particulares, apenas na exemplificação inicial,
de direitos especificamente dirigidos aos acionistas minoritários. Como foi feito no capítulo
anterior com os direitos e deveres comuns, essenciais e não essenciais, os direitos que
compõem objeto de estudo da dissertação serão estudados nos pontos seguintes.
4.1.2 Contextos Para-legais: Novo Mercado e a Governança Corporativa
O mercado de capitais é o ambiente em que há transações entre valores, sejam eles
em forma de moeda creditícios ou títulos mobiliários, como as ações, que podem ter conteúdo
patrimonial e obrigacional, como já demonstrado. Este mercado é o meio mais eficiente para a
captação de recursos para a implantação ou ampliação de uma planta produtiva, este processo
de expansão do setor produtivo decorre diretamente dos investimentos em ações.
O mercado de capitais é composto pelas Bolsas de Valores, sociedades corretoras
e pelas instituições financeiras autorizadas totalizando um sistema de distribuição de títulos
mobiliários diversos, como debêntures, partes beneficiárias e commercial papers. Em regra,
os títulos negociados representam uma fração do capital das empresas ou empréstimos
tomados a empresas, em condições específicas do mercado. Em todo caso, esses títulos estão
diretamente ligados à atividade produtiva das empresas respectivas, ingressando em uma
sociedade ou mesmo adquirindo derivativos essas transações inevitavelmente custeiam o
desenvolvimento econômico.
Quanto maior o nível de poupança interna de um país, maior é a capacidade de
investimento neste mercado que propicia desenvolvimento econômico e, por conseqüência,
distribuição de renda em um conhecido ciclo virtuoso. Dessa forma, nos parâmetros da
131
economia de mercado, para um país promover crescimento sustentável – em âmbito interno –
é necessário o desenvolvimento do seu mercado de capitais.
No Brasil, o mercado de capitais ainda não cumpre de forma satisfatória sua
missão. Dentre as causas desta deficiência pode-se enunciar, em primeiro lugar, a falta de
segurança ao investidor particular, evidenciada recorrentemente pela alta concentração de
investimentos em poucos agentes econômicos e por crises sazonais – problema que é
diretamente combatido com a tutela dos minoritários.
De fato, como acentua Salomão Filho (2006, p. 52), não basta importar modelos
bem sucedidos em contextos díspares – como o anglo-americano, mas, sim, adequar às regras
societárias à realidade econômica do país. A compreensão dos problemas do mercado de
capitais brasileiro, desta forma, depende do entendimento do seu desenvolvimento particular –
nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) – especialmente no PND II, com a ênfase
expressa na formação de conglomerados nacionais capazes de alcançar a concorrência
internacional, com economia de escala86.
A questão da economia de escala resultou inclusive em uma argumentação,
explicitada por Salomão Filho (2006, p. 52), fundamentando a idéia de que a filosofia
antitruste americana não deveria nem poderia ser aplicada no Brasil, pois, durante a história
do país a tendência sempre foi a de proliferação de empresas incapazes de competir,
especificamente pela insuficiência de escala.
É, segundo esse ideário, exposto no PND II – acreditando que as pequenas e
médias empresas tinham caráter meramente secundário e residual para o desenvolvimento
nacional – que a LSA, em sua versão inicial, foi constituída. Dessa forma, a concentração na
mão dos controladores não foi acompanhada de uma proteção efetiva dos demais sócios e
interessados nas relações societárias.
O investidor, ao ingressar no mercado de capitais, como em qualquer espécie de
empreendimento, visa a otimização de três fatores fundamentais: o retorno, o prazo e a
proteção, projetando conseqüentemente a rentabilidade, a liquidez e o grau de risco. Em suma,
parar tornar-se atrativo a investimentos, o mercado precisa oferecer níveis mínimos de
equilíbrio entre esses fatores, sendo então mais barato o financiamento mais seguro.
Além dos problemas macroeconômicos, Salomão Filho (2006, p. 53) indica,
como problemas estruturais básicos do sistema societário brasileiro – mas que podem ser
aplicados no foco específico das sociedades abertas, dois fatores: a) a falta de compreensão do
86 Redução de custo unitário resultante do aumento da produção em massa.
132
conceito de sociedade centrado na cooperação; e, b) a falta de garantias do minoritário
externo.
Perin Junior (2004), ao analisar as principais causas da estagnação e retrocesso
do mercado de capitais brasileiro, em toda sua história, elege cinco fatores principais: a) o
baixo nível de crescimento e, por conseqüência, o baixo nível de necessidade de
investimentos no setor produtivo, os quais, quando necessários, eram supridos com lucros
retidos; b) em eventuais períodos de maiores investimentos, eram oferecidas às empresas
inúmeras formas de financiamento, que trariam maiores facilidades e vantagens financeiras,
pois advinham de recursos governamentais subsidiados; c) a estrutura do sistema tributário
brasileiro, com taxas elevadas e pouca fiscalização, sempre incentivou a sonegação fiscal e
trazia desvantagens às empresas abertas que possuem, por sua natureza, maior dificuldade de
manter contabilidade paralela; d) o déficit fiscal forçava o governo a emitir grande oferta de
papéis a fim de financiar sua dívida interna, o que gerava concorrência direta entre elas e
debêntures de empresas privadas; e, por fim, e) a questão econômica cultural do conflito de
interesses, que aliada à legislação ineficiente, sempre trouxe inúmeras desvantagens ao
acionista minoritário, o que reprimia a demanda pelo investimento em ações de empresas
privadas.
As altas taxas de concentração do mercado brasileiro contrapostas a um modelo
jurídico que pressupõe regras de informação completa dos acionistas, exigem das instâncias
capazes de impor regras e normas que reduzam as imperfeições deste mercado – como a
concentração ultracitada – através de normas, como as que tutelam os interesses das minorias.
O mercado de capitais brasileiro está sofrendo severas mudanças que podem
atenuar os problemas históricos citados aumentando a oferta e a demanda por papéis
comercializados em Bolsas de Valores. A eliminação da hiperinflação, com o advento do
Plano Real, e a criação de novas empresas, em especial as concessionárias de serviços
públicos privatizados e as relacionadas como novas tecnologias, melhoraram as perspectivas
de investimentos de longo prazo no mercado de capitais – aumentando a oferta de papéis.
No outro fator condicionador do mercado, a demanda, também ocorrem fatores
contribuintes como a redução do déficit público – diminuindo a emissão de títulos do
governo; a melhora, mesmo que gradativa e errática, das avaliações de risco do país no
mercado internacional – elevando a atratividade do capital estrangeiro interessado em
investimentos produtivos em vez daquele visando mera especulação.
Os maiores avanços no mercado de capitais do Brasil, na atualidade, não
dependeram de fatores estruturais como os pontos anteriormente mencionados, mas, sim, de
133
políticas privadas de conduta que resultaram na governança corporativa e no Novo Mercado
como indicado no Apêndice B.
Os novos modelos de bolsas de valores surgiram da necessidade de incrementar os
mercados de capitais, concedendo novos direitos aos acionistas minoritários e adotando
critérios mínimos de transparência como incentivo ao investimento. Este modelo foi
inicialmente denominado de Neumarkt na Alemanha e, no Brasil, é denominado de Novo
Mercado.
Estes novos mercados, inspirados no modelo alemão e no sucesso da Nasdaq
norte-americana, aboliram exigências tradicionais para a abertura de capital das empresas e o
ingresso em listagens das Bolsas, substituindo os requisitos tradicionais pelas exigências de
transparência e maior proteção explícita aos acionistas minoritários. Como ilustra Perin Junior
(2004, p. 89-90): E o que era este mercado? Nada mais que um pregão separado do pregão principal, no qual somente seriam negociadas as ações de empresas que aceitassem certas regras. Essas regras buscavam proteger o acionista minoritário, envolvendo itens como possuir apenas ações ordinárias, atender a certas regras de divulgação de informações mais detalhadas e freqüentes que previstas em lei e, acima de tudo, possuir no estatuto social algumas regras de proteção ao acionista minoritário com relação a sua participação no conselho da empresa e ao seu direito de venda tag along com o controlador, caso esse transferisse o controle a terceiros.
Graças às simples regra da oferta e demanda, a melhora das condições de oferta
das ações do produto aumenta sua demanda. E, segundo esta lição, diversos países
desenvolveram mercados diferenciados com grande sucesso.
Como ilustra Lautenschleger Júnior (2005, p. 162), o mercado acionário alemão –
antes do Neumarkt – tinha grandes semelhanças de caracteres ao que se observa no Brasil:
pequeno em relação à economia nacional, com grande concentração reforçada por
participações cruzadas e empresas sob controle familiar; e conseqüentemente, com pouca
transparência nas decisões, pouca importância dada aos minoritários, baixa capacidade de
atrair novos investimentos e, finalmente, baixa probabilidade de financiar novos
empreendimentos.
Salomão Filho (2006, p. 57-58) indica o novo mercado como um movimento
contrário a uma tendência histórica e natural, já que era uma solução institucional para a
contratual87 que se baseia em três fundamentos principais: a) a informação completa, já que os
requisitos de informação vão muito além dos previstos em lei (ANEXO B - seção VI); b) o
87 Mesmo este argumento é discutível, porque segundo a Resolução CMN n. 2.690/2000, a Bovespa não tem poder para regulamentar as sociedades anônimas, embora ocorra na prática a instituição de um regulamento ao qual se adere através de contrato para ingressar na Bovespa.
134
reforço das garantias patrimoniais dos minoritários no momento da saída da sociedade; e, c)
as proteções estruturais, que modificam a própria conformação interna das sociedades – como
a vedação de emissão de ações preferenciais e na previsão da resolução de todos os conflitos
oriundos do novo mercado por arbitragem. Estes dois elementos não são suficientes para
garantir a aplicação de um princípio cooperativo nas sociedades anônimas brasileiras, mas é
um importante passo nesse sentido ao facilitar a resolução de conflitos.
As ressalvas usualmente apresentadas aos mercados diferenciados, como os
inaugurados no Brasil em 2000 (ANEXOS A e B), são a sua grande volatilidade, devido ao
perfil de menor porte dos participantes; e, o incremento de custo de ingresso neste mercado,
com o maior desconto sobre os investidores. Mas, em sentido inverso, os entusiastas preferem
acreditar na possibilidade de que as regras propostas para mercados diferenciados no presente
sejam comuns a todos os mercados no futuro, ou mesmo que o Novo Mercado suplante o
tradicional (PERIN JUNIOR, 2004).
4.2 AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS
4.2.1 Possibilidades de Abusos e Responsabilidades
4.2.1.1 Controladores
Já tendo exposto a definição e os tipos, ou formas, de controle em diversas
doutrinas e na própria mensagem legal, falta definir as responsabilidades desses
controladores.
Ao recepcionar uma concepção social da grande empresa, a legislação vigente
veda o arbítrio do controlador no trecho (LSA, art.116, § único): O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar seu objetivo e cumprir sua função, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
135
Este artigo se apresenta extremamente avançado para o momento de sua criação,
considerando os stakholders – incluindo a comunidade – mesmo antes da existência do
Código de Defesa do Consumidor.
A LSA, em seu art. 115, conceitua ainda o abuso de direito de voto afirmando que
o acionista deve praticá-lo, no interesse da companhia, considerando-o “abusivo” quando
exercido com o fim de causar-lhe dano ou a outros acionistas, ou obter para si ou para outrem
vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou
para outros acionistas. Regula o §4o do mesmo artigo que a deliberação tomada em
decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com a companhia é anulável –
abrindo aos minoritários ampla possibilidade de contestação de decisões de assembléias.
As alíneas do §1o do artigo em estudo enumeram, inclusive, as possibilidades ou
formas – como prefere Amendolara (2003, p. 139) – de abuso de poder, a saber: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia ou da economia nacional. b) Promover a liquidação de companhia próspera ou a transformação, incorporação, fusão, cisão, com o fim de obter para si ou para outrem vantagem indevida, em prejuízo aos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia c) Promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia.
Quanto à alínea “a”, relembra Amendolara (2003, p. 139) que o objeto social é
uma das grandes motivações para a escolha do investidor. Quando os controladores se
desviam desse objeto enganam os investidores e o público externo, informado pelo estatuto, e
ainda mais se o fazem causando prejuízo à sociedade.
Em relação à alínea “b”, é válido relembrar que, juridicamente, as operações
societárias são legítimas e previstas até mesmo no Código Civil Vigente (com exceção da
cisão) e que, economicamente, estas operações são ciclicamente necessárias ao mercados –
segundo o ciclo de Schumpeter (STRATHERN, 2002; HEILBRONER, 1996) – assim como a
certas empresas para que busquem o equilíbrio econômico-financeiro, seja no downsizing ou,
no caso inverso, buscando a economia de escala. Estas operações visando o equacionamento
ao mercado ou a atividade que não é ilícita, o que é configurado na alínea “b” do §1o é a sua
consumação de forma dolosa, com a finalidade específica de os controladores obterem
vantagens ilícitas, para si ou para outrem.
136
Quanto à alínea “c”, da mesma forma que as operações societárias são lícitas, a
princípio, também as emissões mobiliárias são genericamente lícitas, o problema ocorre
quando a emissão de valores não tem por fim o interesse da companhia, mas, sim, ocorre o
intuito de prejudicar acionistas minoritários. Amendolara (2003, p. 140) exemplifica a
possibilidade prevista na alínea nos casos de aumento de capital destinados a diluir a
participação de certos acionistas no capital votante que podem – a depender do valor de
emissão das ações – ser economicamente danosos a minoritários.
Os conceitos das alíneas “d”, “e” e “g” do §1o do artigo 117 ultramencionado
referem-se às possibilidades de abuso de poder em que os controladores, para exercer seu
domínio, utilizam-se de meios escusos através da manipulação de órgãos societários
acobertando fraudes e irregularidades. Segundo Amendolara (2003, p. 140) estas
possibilidades de eleição de administradores ou fiscais inaptos ou corruptos com fins ilegais,
conjugadas com a aprovação e o acobertamento de irregularidades, são as formas mais lesivas
de violação de interesses dos minoritários.
A Lei 9.457/1997 acrescentou no artigo em estudo uma nova alínea, denominada
“h”, criando uma nova modalidade de exercício abusivo do poder que consiste em:
“subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao
objeto social da companhia”. O artigo 170 da LSA, citado em retro, versa sobre o aumento de
capital mediante subscrição de ações vedando a “diluição injustificada da participação de
antigos acionistas” e definindo critérios legais para o referido aumento.
Segundo Amendolara (2003, p. 141), essa vedação constitui uma medida de
proteção aos acionistas minoritários, que podem responsabilizar os administradores, quando
estes, geralmente com a intenção de diluir-lhes a participação no capital, “propõem subscrição
em bens ou dinheiro, conferindo bens particulares que nada têm a ver com o objeto da
sociedade”.
A responsabilidade do controlador, segundo a legislação, equipara-se seja ele
representado por uma pessoa física ou jurídica (LSA, art. 246). E mesmo no caso das
sociedades de economia mista (LSA, art. 238), o Estado, quando controlador, pode ser
responsabilizado caso pratique abuso de direito ou aja de modo conflitante com o interesse
social, em tese.
Salomão Filho (2006, p. 121) relembra uma relação aritmética já propugnada por
Adolf Berle e Means extremamente pertinente ao tema: quanto menor a participação
percentual do controlador na sociedade controlada, maior será seu lucro em uma operação
entre a sociedade e ele próprio (ou pessoas a ele ligadas) que seja feita em condições
137
desfavoráveis à sociedade e favoráveis a ele. Deste problema surgem duas possíveis soluções:
inibir o controle minoritário, o que contraria a própria natureza da sociedade aberta de
capitais, frustra seus objetivos e inviabiliza a ação das grandes empresas; ou, permitir o
controle minoritário instituindo medidas organizacionais e institucionais de controle.
A dissociação entre a propriedade e o controle foi consagrada no Brasil com
previsões contemplando o controle minoritário: primeiro, com a regra que permitia dois terços
de acionistas preferencialistas sem direito a voto (proporção reduzida para 50% do capital
social pela 10303/2001); em segundo, com a previsão legal das duas formas de golden shares
(confirmado pela Lei 10303/2001), ou ações com poderes especiais de veto, mesmo que de
propriedade exclusiva do ente desestatizante apenas para veto (art.17) ou segundo a
possibilidade do art. 18 para o controle gerencial de direito. Esta é uma das explicações,
segundo Salomão Filho (2006, p. 123), para a LSA não se referir a majoritário e sim a
controlador.
Dessa forma, o Estado busca eternizar o controle de sociedades de economia
mista, independente da sua proporção do capital social, prevendo seu poder de veto e seus
poderes especiais de composição de membros da diretoria e do conselho de administração por
estatuto – tendo simultaneamente poder de veto sobre as modificações estatutárias.
Segundo Amendolara (2003, p. 142), a CVM, considerando que a relação de
modalidades de exercício abusivo do poder inscritas na LSA, art. 117, seriam um tipo aberto,
sem suficiente especificação, criou a Resolução 323/2001 em que são acrescidos mais vinte e
cinco incisos acrescendo novas modalidades específicas – dentro das possibilidades legais tais
como: I – a denegação, sob qualquer forma, do direito de voto [...]; IV – a obtenção de
recursos através de endividamento [...] em condições ou juros desfavoráveis relativamente às
prevalecentes no mercado [...]; V – celebração de contratos de prestação de serviço [...] com
sociedades coligadas ao acionista controlador [...] em condições desvantajosas ou
incompatíveis ao mercado; VI – utilização gratuita, ou em condições privilegiadas de forma
direta ou indireta, pelo acionista controlador ou pessoa por ele autorizada, de quaisquer
recursos, serviços ou bens de propriedade da companhia [...]; ou VIII – a promoção de
diluição injustificada dos acionistas não controladores [...] – apenas como exemplos.
Esta resolução positivou, inclusive, a possibilidade do “fechamento branco”, em
seu inciso XIV, que a CVM já tentava combater desde a Resolução 299. Está prática foi
expressamente vedada pela Lei 10.303/2001 e pela Instrução 361/2002 que obrigam os
controladores a fazer oferta pública quando adquirirem ações que elevem sua posição em
138
níveis que podem acabar com a liquidez das ações – como será aprofundado em ponto
específico.
Salomão Filho (2006, p. 170) ressalta que, na maioria dos sistemas societários, é o
administrador que tem seus deveres qualificados como fiduciários, pois é ele que administra o
patrimônio alheio, assumindo funções semelhantes ao credor fiduciário nos negócios
fiduciários. Na legislação brasileira, porém, considerando que “o controlador é o
administrador por excelência do patrimônio alheio” a ele são conferidos certos deveres
fiduciários, tais como: a) o contido na LSA, art. 116, parágrafo único, como ulteriormente
explicado, pode ser expressamente considerado fiduciário pelas expressões “cujos direitos e
interesses deve lealmente respeitar e atender”; b) o contido na LSA, art. 117, nas hipóteses de
abuso de poder, que interpretadas ao inverso representam deveres; c) na LSA, art. 115, ao
referir-se ao conflito de interesses internos da sociedade.
4.2.1.2 Administradores ou Gestores
Há uma relação lógica entre a responsabilidade dos controladores com a dos
administradores. A matéria é tratada na LSA, nos artigos 153 até 160 no trecho intitulado
“Deveres e Responsabilidades”.
Ressalva-se que, como tendência geral, demonstrou-se a separação da
administração da sociedade e a titularidade das ações – atingindo sua confirmação na
legislação com a previsão do controle minoritário e seu ápice na prática do controle gerencial.
Mesmo que a lei exija a condição de acionista para compor o conselho de
administração e permita que um terço destes conselheiros ocupem a diretoria executiva a
exigência de ser acionista tem natureza formal, ao tempo em que a titularidade de apenas uma
ação já satisfaria o critério legal com um investimento mínimo – sem considerar a prática
contumaz de remuneração dos executivos com ações.
A realidade da profissionalização da gestão nas grandes companhias como
tendência inevitável impôs à legislação a necessidade de responsabilizar esses profissionais-
administradores perante a sociedade e aos acionistas minoritários de modo a impedir que se
estabelecesse o arbítrio.
139
4.2.1.2.1 Deveres
Rubens Requião (2003, p. 207) relembra que o primeiro dever profissional é o
ético-social. Isto poderia se aplicar a qualquer atividade profissional, mas no caso existem
motivações especiais que reforçam tal afirmação: em primeiro, o entendimento doutrinário
das modernas concepções da empresa; e, em segundo, a menção expressa da LSA (art.154)
com as exigências do bem público e da função social da empresa.
Segundo o texto legal, é possível afirmar que os deveres dos administradores são
quatro: dever de diligência (LSA, art. 153), lealdade (LSA, art. 155 e 156), informação (LSA,
art. 157) e de cumprir a lei e os estatutos sociais (art.154 e §§).
O dever de diligência é conceituado na LSA, art. 153, como “aquele que o
administrador deve ter, no exercício de suas funções, como todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração de seus próprios negócios”. Isto significa que ele deve ser
ativo – de forma intensa, contínua e proativa oposta à inércia e à passividade – assim como
probo (honrado, justo, reto) é antônimo de indigno, desonrado, pródigo e de ímprobo.
Assim, nas palavras de Amendolara (2003, p. 154), “o administrador diligente
seria alguém dedicado, em tempo integral, à companhia, praticando seus deveres com justiça
e lealdade” que complementa com seu juízo moral de que “como não existe meia justiça ou
meia honradez, esses atributos deverão ser praticados em sua plenitude”.
Nesta obrigação, tanto no texto legal, quanto na lição da doutrina, resta claro o
subjetivismo do conteúdo descrito, o que acarreta dificuldade na constituição de provas
idôneas a responsabilizar os administradores.
A previsão do desvio de poder, descrito na LSA, art.154, consagra o princípio
moderno, segundo o qual o administrador da sociedade, detendo um poder delegado, deve
praticá-lo dentro dos limites estabelecidos pela lei e pelos estatutos. O § 2o exemplifica, então,
as possibilidades de desvio de poder, a saber: a) praticar ato de liberdade à custa da companhia; b) sem prévia autorização [...] tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou créditos; c) receber de terceiros sem autorização estatutária ou da assembléia geral qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício do cargo.
Quanto à alínea “a”, Leslie Amendolara (2003, p. 155) esclarece que “liberdade”
significa neste caso “a utilização de bens e direitos da companhia de forma indevida para
beneficio de terceiros” – exemplos fáticos seriam perdões de dívidas, cessão gratuita de bens
140
da empresa, empréstimos com remunerações ou condições inferiores a do mercado, por
exemplo.
A alínea “b” contém formulação análoga à anterior, mas adiciona a previsão
expressa da possibilidade de “favorecimento próprio”, em situações que seriam aceitáveis se
fossem devidamente autorizadas.
A última alínea descrita – “c” – visa coibir a gratificação ou participação
pecuniária do administrador para realização de certos atos sem a devida autorização e
divulgação. Amendolara (2003, p. 156) relembra que “qualquer vantagem” pode incluir os
usuais “agrados” ou presentes, sejam eles produtos ou serviços de qualquer espécie.
Requião (2003, p. 209) relembra que um dos problemas mais agudos da
administração é a “peita” ou suborno, em suas palavras “os interesses que as empresas
controlam, sobretudo as de grande dimensão, ao de tal vulto que é comum o amaciamento de
diretores através de presentes ou mesmo de propinas secretas”. Exemplos destas práticas são
abundantes no Brasil e no exterior, como no caso da norte-americana Lockheed. Uma ultima
ressalva a estas importâncias recebidas sem autorização da companhia é que uma vez
reveladas pertencerão à companhia.
O dever de lealdade não representa apenas gratidão ao grupo que o elegeu, mas
sim uma obrigação com os interesses legítimos e superiores da companhia. A falta aos
deveres para com a companhia, mesmo em defesa do interesse daqueles que o elegeram,
representa uma falta ao dever de lealdade.
Rubens Requião (2003, p. 209) relembra que a origem do dever de lealdade tem
conteúdo ético equivalente ao affectio societatis – identificado por Ulpiano nas sociedades de
pessoas – seu ápice no princípio da lealdade representa valor fundamental no sistema
societário alemão e, sua existência pátria na LSA (art.115) no compromisso do acionista de
exercer o direito de voto no interesse da companhia e, no art. 155, no dever do administrador
de manter reserva sobre os negócios a que teve conhecimento.
É um princípio ético basilar o entendimento que não pode o administrador, como
conselheiro ou diretor, valer-se de seu cargo, desfrutando dos segredos dos negócios, a que
tem acesso em função de seu oficio, obter para si ou para outrem vantagens indevidas. Este
comportamento afetaria diretamente a propriedade dos acionistas e a própria existência da
empresa, que muitas vezes depende do segredo.
O descumprimento do dever de lealdade – na modalidade do dever de sigilo –
pode inclusive incorrer em crime de concorrência desleal (Lei 9.279/1996, art.195, XI e §1o)
ou mesmo no tipo penal do insider trading. Este dever compreende, nos termos do da LSA,
141
art. 155, diferentes conceitos ao incluir em seus incisos o dever de guardar sigilo em
diferentes formas: I - usar, em beneficio próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento, em razão do exercício de seu cargo. II – omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando a obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia. III – adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.
Requião (2003, p. 210) relembra, inclusive, que os atos de deslealdade “tão
freqüentes na administração das companhias brasileiras, muito levaram ao descrédito público
a sociedade anônima no país”. No passado, estes atos eram apenas imorais, mas no presente
eles são ilegais e, possivelmente, criminosos – e capazes de ser combatidos por qualquer
acionista, através da CVM.
O dever de informar (disclosure ou full disclosure) é um instituto importado do
Direito Norte-americano – como o dever de sigilo – e é definido por Rubens Requião (2003,
p. 213) como “dever de revelar certas situações e negócios em que a companhia e os
administradores estão empenhados, e que podem influir no mercado, no que se refere aos
valores mobiliários por ela emitidos”.
Em síntese, o dever de informar constitui um conjunto de regras que visam a
proteger a lisura e a respeitabilidade do mercado de capitais. Não se refere este princípio às
matérias sujeitas ao dever de sigilo – como informações inerentes à realização do objeto
social da companhia – mas, ao contrário, versa sobre tudo aquilo que possa influir na cotação
dos valores mobiliários emitidos pela companhia (sejam ações, debêntures, commercial
papers ou outros) e que são objeto de operações no mercado.
A LSA positiva o dever de informar, in verbis: Art. 157 O administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular. § 1º O administrador de companhia aberta é obrigado a revelar à assembléia-geral ordinária, a pedido de acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social: a) o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no exercício anterior; b) as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido no exercício anterior; c) os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que tenha recebido ou esteja recebendo de companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do mesmo grupo; d) as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível;
142
e) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades de companhia. § 2º Os esclarecimentos prestados pelo administrador poderão, a pedido de qualquer acionista, ser reduzidos a escrito, autenticados pela mesa da assembléia, e fornecidos por cópia aos solicitantes. § 3º A revelação dos atos ou fatos de que trata este artigo só poderá ser utilizada no legítimo interesse da companhia ou do acionista, respondendo os solicitantes pelos abusos que praticarem. § 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia. § 5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1º, alínea "e"), ou deixar de divulgá-la (§ 4º), se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso.
Perin Junior (2004, p. 54) identifica duas expressões do dever de informar: em
primeiro, em relação à informação à Bolsa de Valores e quanto à divulgação pela imprensa
das deliberações dos órgãos sociais ou de fato relevante que possa influir, de modo
ponderável, na decisão dos investidores (LSA, art.157, §4º); e, em segundo, o dever em
quanto aos interesses pessoais que o administrador de companhia aberta possua nos negócios
sociais, os quais os acionistas têm o direito de conhecer, nos termos do caput e do §1º do art.
157.
Leslie Amendolara (2003, p. 157-158) relembra que a Instrução 358/02 da
CVM (modificada pela Instrução 369/02) consolida todas as disposições deste órgão sobre os
procedimentos relativos à divulgação e uso de ato ou fato relevante, como é aprofundado em
pontos seguintes.
4.2.1.3 Responsabilidades
Responsabilidade é obrigação secundária por descumprimento de obrigação
primária. De fato, esta característica, vinculada à obrigação de responder por um ato, nem
sempre incide sobre quem deu causa ao mesmo, mas em todo caso, as responsabilidades dos
administradores resultam diretamente do descumprimento de algum dos deveres estudados.
Embora o Código Civil Vigente faça sua própria distinção entre obrigação e responsabilidade
143
em seu artigo 389, a doutrina de Cavalieri Filho88 (2006, p. 23-24) confirma e esclarece a
idéia descrita no excerto: Entende-se, assim, por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social [...] há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico; o da reparação do dano [...] .Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. [...] obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, conseqüente à violação do primeiro.
Os registros históricos, demonstrados em trecho particular, demonstraram que a
tendência desde o surgimento das primeiras sociedades até meados do século passado era a
redução gradativa das responsabilidades dos administradores.
Desde as sociedades primitivas como a sociedade em comum ou a sociedade em
nome coletivo – onde a responsabilização não conhecia limites pessoais ou institucionais;
passando por aquelas sociedades onde os meros investidores eram excluídos da
responsabilidade pessoal na própria composição do contrato, permitindo o investimento de
partes ocultas, impedidas de comerciar ou mesmo aquelas que não desejavam ser identificadas
como mercadores – de forma análoga às sociedades em comandita, já havia o início da
limitação da responsabilidade na Idade Média.
O surgimento, no século XVII, das companhias de colonização representou um
ponto alto do sistema nas primeiras sociedades por ações: os sócios passaram a responder
apenas pelos contribuições resultantes da integralização de suas cotas.
As construções contemporâneas, especialmente nos países avançados – como nas
sociedades unipessoais de responsabilidade limitada – novas possibilidades de limitação são
pretendidas.
Genericamente, assim como os sócios, os administradores das companhias, como
diligentes sociais, não se vinculam solidariamente pelos atos da gestão que praticam. Eles são
considerados órgãos da pessoa jurídica, e é nesta qualidade que agem em nome e no interesse
da sociedade.
Rubens Requião (2003, p. 217) relembra, entretanto, que essa imunidade pessoal
dos administradores decai quando os mesmos ultrapassam seus atos regulares de gestão ou
quando agem, dentro de suas atribuições e poderes, mas com culpa ou dolo. Quando o ato do
88 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
144
administrador constitui infração penal89, é ele, e não a pessoa jurídica que não tem
imputabilidade criminal90, que responde pelos delitos que praticarem em sua gestão. A
responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar por perdas e danos. O administrador
deve se sujeitar a esta responsabilização quando há violação da lei ou de estatuto ou mesmo
quando agir dentro de suas atribuições, quando há culpa ou dolo – pela previsão dos incisos
da LSA, art.158.
Segundo José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 406) a responsabilidade dos
administradores pode ser classificada em três âmbitos: a) administrativo; b) penal; e, c) civil.
A responsabilidade administrativa decorreria da má gestão pura e simples – por
qualquer motivação involuntária como inépcia, incompetência, falta de preparo ou dedicação
– podendo ser exemplificada pelo rebaixamento ou pela destituição. Esta forma de
responsabilização não exige processo formal exatamente porque, independente do
cometimento de qualquer falta, poderá a sociedade rebaixar ou destituir qualquer de seus
administradores.
De forma simplificada, a responsabilidade penal decorre da prática de ato
qualificado como crime na legislação vigente91. Borba (2004, p. 409) enumera algumas das
hipóteses de condutas criminosas típicas de administradores: a) os crimes do art. 177 do
Código Penal (Decreto 2.848/1940); b) os crimes contra a economia popular (Lei 1.521); c) os
crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/1986); d) os crimes contra a ordem
tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137/1990); e e) os tipos
acrescidos à Lei 6.385/76 pela Lei 10.303/01 (manipulação de mercado; uso indevido de
informação privilegiada; exercício irregular do cargo, profissão, atividade ou função).
89 Uma manifestação pátria contrária à responsabilização da penal das pessoas jurídicas é a Lei 8.137/1990 – de crimes de pessoas físicas através de pessoas jurídicas. 90 Existem partidários da possibilidade da imputação criminal a pessoas jurídicas na doutrina pátria, primeiramente baseados na CF/1988 art. 173 §5o e artigo 225 §3o e, principalmente, na Lei 9.605/1998. Mas os defensores da idéia de que somente o ser humano pode ser responsabilizado criminalmente, pois é capaz de agir com autodeterminação e conscientemente, se utilizam dos mesmos textos para fundamentar seu entendimento, em especial, as “penas” imputadas pela Lei 9.605/1998 (de multa, prestação de serviços comunitários, restrição de direitos ou liquidação forçada) que, para eles, teriam natureza cível ou administrativa, mas nunca penal. De fato, as normas constitucionais citadas são abertas o suficiente para abarcar posições variadas. 91 A subjetividade da culpa nos delitos societários é acentuada nos julgados consultados do STF. No Hábeas Corpus nº73.590/SP transcrito por Borba (2005, p,408-409) conclui-se logo na ementa que “A circunstância objetiva de alguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não se revela suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa e , menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a decretação de uma condenação penal”. Em outro caso análogo descrito por Amendolara (2003, p.160-171 apud R.T. Julho de 1989) a ementa revela que “devem os responsáveis responder pelos prejuízos que causaram, estendida tal responsabilidade não só aos administradores mas, também, ao acionista que ativa e conscientemente participou das atividades ilegais.” AP. 376.022 – 4ºC – j. 30/09/1987
145
Surgem assim duas possibilidades de responsabilização civil: a do inciso I,
fundamentada na teoria do ato ilícito consubstanciada no Código Civil (art. 159 do antigo e
186 do vigente), a saber: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito; e, a possibilidade do inciso II, no descumprimento de lei ou estatuto, quando não se
indaga a existência de culpa – elemento presumido segundo Borba (2004, p. 407).
A leitura da LSA, art. 159 expressa que a responsabilização civil depende de
“ação de responsabilidade civil”, de iniciativa da assembléia geral ordinária ou extraordinária
contra o administrador que tenha causado prejuízo, afastando-o imediatamente do cargo. Esta
possibilidade é remota, vez que os órgãos societários são usualmente dominados por
controladores que mantêm estreitas relações com os administradores. Como reconhece
Amendolara (2003, p. 167), mesmo quando um diretor executivo pratica atos fraudulentos e
entra em choque ostensivo com os controladores, a situação é usualmente resolvida “intra-
muros”.
Sendo rara a primeira solução, ainda é possível a substituição processual derivada
se a sociedade, após tomar decisão sobre a ação, permanecer inerte após três meses, pode
qualquer acionista propô-la em nome próprio e interesse da sociedade. Esta hipótese
apresenta-se ainda mais remota, se é raro uma assembléia geral deliberar a propositura de uma
ação, quanto mais não seria que este fato ocorresse conjuntivamente com a inércia posterior.
Em uma terceira possibilidade, também prevista no art. 159, se a assembléia
deliberar não promover a ação de responsabilidade civil, podem os acionistas que representem
5% do capital social, ou mais, ajuizar a ação como substitutos processuais autônomos da
companhia. Esta hipótese do art. 159 § 4º representa uma real e efetiva garantia aos
minoritários, a recusa da assembléia credencia a propositura da ação imediatamente, até
mesmo à preferencialistas.
Existe ainda uma quarta hipótese de solução ainda mais efetiva para a proteção
dos minoritários, refere-se à ação contra a controladora prevista no art. 246. Amendolara
(2003, p. 168) defende a possibilidade de aplicação desta norma para possibilitar a qualquer
acionista impetrar ação contra controlador que provocar prejuízo à sociedade (neste caso
negando a proposição da ação contra controlador) desde que preste caução e suporte as custas
e honorários. Em caso de vitória judicial do acionista, os resultados da ação são atribuídos à
sociedade, mas deve a companhia indeniza-lo de todas as despesas ocorridas.
146
Todas as possibilidades de substituição processual representam institutos
moralizadores das relações societárias, evitando que conluios internos promovam a
impunidade de administradores inescrupulosos.
Além da responsabilidade civil perante a sociedade, é válido lembrar que os
administradores ainda respondem quanto aos prejuízos causados a terceiros ou a algum
acionista individualmente (LSA, art. 159, §7º), quando violarem regra legal ou estatutária,
hipótese em que o prejudicado pode acionar diretamente o administrador culpado.
As responsabilidades administrativas e civis descritas são, a princípio, pessoais,
mas os administradores são solidariamente responsáveis nestes âmbitos quanto à distribuição
irregular de dividendos e pela adoção de providências necessárias ao funcionamento normal
da sociedade.
Outra ressalva ocorre nos casos em que há negligência ou conivência da
assembléia geral em relação às irregularidades que fundamentaram a responsabilização. A
LSA, em seu art.158, §4º in fine, reza que o administrador que “deixa de comunicar o fato à
Assembléia Geral torna-se por ele solidariamente responsável”.
Leslie Amendolara (2003, p. 165-166) dedica-se a enumerar as formas do
administrador eximir-se de responsabilidade por atos culposos ou dolosos em: a) consignar
sua divergência dos atos de outros administradores em ata de reunião ou em outros órgãos da
companhia (preferencialmente na Assembléia Geral); b) nos casos de conflitos de interesse,
apenas contratar a companhia nos termos da LSA, art. 156§1º - em condições razoáveis ou
eqüitativas, idênticas às encontradas no mercado.
As responsabilidades dos administradores definidas na LSA (art. 158) mantém os
princípios jurídicos já consagrados no Direito, afirmando a limitação de responsabilidade dos
administradores, que somente é excetuada no caso de violação de lei ou estatuto. In verbis: Art. 158 O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação de lei ou estatuto. § 1o O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral. § 2o Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
147
§ 3o Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2o ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4o, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres. § 4o O administrador que, tendo conhecimento do não-cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do <<§3o>>
deixar de comunicar o fato à assembléia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável. § 5o Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.
A legislação descrita (LSA), em seu art.134, §3º, também prevê a
responsabilização pessoal ao administrador quanto às demonstrações financeiras aprovadas
nos casos de dolo, fraude, erro ou simulação – com prescrição de três anos (art. 287).
4.2.1.4 Teoria Ultra Vires e desconsideração da pessoa jurídica em face da Teoria da
Aparência e da teoria dos atos próprios
Existem diversos institutos jurídicos idôneos a responsabilizar pessoalmente
administradores ou controladores, contrariando a separação entre os entes societários e seus
componentes. Dentre as construções jurídicas contextualizadas, quatro têm especial relevância
na atualidade brasileira: a) a teoria ultra vires (em sua expressão inglesa) ou teoria da
especialidade (como preferem os franceses); b) a teoria da desconsideração da pessoa jurídica
(disregard doctrine); c) a doutrina dos atos próprios; e, d) a teoria da aparência.
O primeiro caso analisado de potencial responsabilização é decorrente da violação
do objeto social segundo a teoria ultra vires. Esta teoria de origem inglesa se funda na idéia
de que a sociedade é constituída com uma finalidade especifica, definida em seus atos
constitutivos e, desta maneira, haveria limitação à capacidade de direitos das pessoas jurídicas
dentro destas estipulações contratuais.
A violação do objeto social representaria segundo esta concepção contratualista
uma violação do estatuto. O Joint Stock Companies Act – Lei inglesa de 1844 – em seu artigo
12 consagrou a teoria do ultra vires ao dispor que a capacidade da sociedade ficava
circunscrita ao cumprimento do objeto social – os atos fora destes objetos não seriam
considerados atos da sociedade.
Em síntese, na sua versão inicial a teoria ultra vires estipula que a sociedade não
deve responder por atos de seus representantes legais quando praticados com excesso ou
148
discordância ao que foi previsto no contrato social ou estatuto. Consequentemente, os atos
praticados fora do objeto social seriam considerados ineficazes perante a sociedade.
A teoria ultra vires tem um paralelo francês denominado teoria da especialização.
Nesta teoria, que também não foi recepcionada pelo Direito pátrio, enuncia-se que a pessoa
jurídica é formada por um conjunto de pessoas naturais ligadas apenas pelo fim social.
A teoria da especialização, segundo José Lamartine Correia de Oliveira 92 (1979),
poderia ser dividida em legal e estatutária. A primeira consideraria nulos os atos praticados
fora das previsões legais para aquele tipo societário e a segunda considerava nulos os atos que
não estivessem previstos nos documentos constitutivos.
Durante os séculos XIX e XX, como a teoria da especialização a teoria ultra vires
não foi recepcionada no Brasil, mas Rubens Requião (2003, p. 219) aponta que a evolução da
ultima teoria citada decorreu de sua exportação para os EUA e das suas adaptações criadas
pelos tribunais norte-americanos com novas teorias judiciais que atenuaram a aplicação da
desconsideração como a “teoria dos poderes implícitos”.
O fundamento para negar a aplicação da teoria citada usualmente usado pelos
tribunais era a preservação dos direitos dos terceiros de boa fé, como é descrito por Oliveira
(1979, p. 142) no trecho: A adoção do princípio ultra vires significaria uma opção em favor dos interesses dos sócios (beneficiados pela nulidade ou ineficácia de atos praticados fora dos limites legais ou estatutários de objeto) e em detrimento dos eventuais parceiros nos atos e negócios por ela praticados.
No Direito brasileiro, de acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2002, p. 447), a teoria
ultra vires não teria sido adotada, mesmo após o Código Civil. Fundamenta o autor que não
havendo menção expressa dos efeitos da teoria ultra vires na legislação societária, limitando-
se a citar a responsabilização pela violação de lei ou estatuto, a jurisprudência brasileira sobre
a matéria demonstrou que: “a firma social não se obriga perante terceiros pelos compromissos
tomados em negócios estranhos à sociedade”93.
Demonstram como é frágil o posicionamento ultracitado dois dados positivos:
primeiro, o Código Civil em seu art. 47, a saber: “Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos
dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”; e,
92 OLIVEIRA, José Lamartine Correia de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979. 93 Recurso Extraordinário Nº68.104, de 23-9-1969. Disponível em: <www.sft.gov.br>. Acesso em: 12 dez. 2006.
149
em segundo, considerando o texto do enunciado 219 da III Jornada de Direito Civil da Justiça
Federal94, in verbis: 218 – Art.1.015: Está positivada a teoria ultra vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o art. 1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos administradores (art. 158, Lei n. 6.404/76) [sic.].
Em termos objetivos, o comando da Lei 10406/02, em artigo 1.015, descreve que:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Passando a segunda possibilidade de responsabilização citada é importante
diferenciar a teoria ultra vires frente a disregard doctrine como faz Genacéia da Silva
Alberton95 (1993, p. 17) ao afirmar que: [...] nesta (disregard doctrine) se desconsidera a pessoa jurídica para atingir aquele que agiu em fraude à lei ou com abuso de direito; na teoria ultra vires se anula somente o ato praticado que tenha desvirtuado o objeto social para qual foi criada a sociedade.
Originalmente, a teoria da desconsideração baseada na disregard doctrine, ou
Disregard of Legal Entity, já fundamentava a superação da personalidade jurídica em diversos
ramos do Direito positivo pátrio: - nas relações de consumo (Lei 8.078/90, art.28); - na Lei
Antitruste (8.884/1994); e, - nas atividades lesivas ao meio ambiente (Lei 9.605/98).
As três legislações citadas já superavam os conceitos da teoria original que se
limitava a responsabilizar pessoalmente nos casos de abuso de direito e fraude, mesmo antes
do Código Civil vigente recepcionar expressamente esta doutrina em seu artigo 50: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
94 ENUNCIADOS APROVADOS – III JORNADA DE DIREITO CIVIL. Brasília, dez. 2004. Disponível em: <www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2007. 95 ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor – aspectos processuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 7, p. 7-29, jul-set 1993.
150
Também corrobora com a idéia da recepção da teoria da penetração no Código
Civil o enunciado 50 do CEJ (Centro de Estudos Judiciários) do CJF (Conselho da Justiça
Federal), in verbis: Enunciado 50. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica – disregard doctrine – fica positivada no atual Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microsistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.
Como demonstra o texto legal, a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, ou doutrina da penetração, tem por fundamento evitar que a pessoa jurídica seja
usada para finalidade diversa daquela prevista no ordenamento jurídico e na legislação pátria.
Segundo Rubens Requião (2003, p. 378) o marco inicial da teoria da penetração
na jurisprudência é o julgamento dos Salomon versus Salomon & Company, de 1897, quando
Aaron Salomon pretendeu fundar uma company com outros seis parentes – formalmente
sócios, com frações de 1/20.006 de participação no capital social – usando um artifício para
limitar sua responsabilidade. Quando a sociedade se tornou insolvente os credores alegaram
que a atividade da company era estritamente a atividade de Aaron Salomon e, em
conseqüência, ele deveria ser pessoalmente responsabilizado pelas dívidas. A argumentação
dos credores foi aceita na primeira instância e Corte, porém a decisão final da Casa dos
Lordes reformou a sentença, mas não pôde evitar a difusão da teoria.
Requião (2003, p. 378) defende que a origem desta teoria em julgados anglo-
americanos, embora seu florescimento e sistematização tenham ocorrido apenas na doutrina
germânica de Rolf Serick, com a defesa de seu doutorado em 1953, quando o acadêmico
pregavou o poder do magistrado de impedir a realização de ilícitos, desconsiderando o
princípio da separação entre sócio e pessoa jurídica, apresentando como pressuposto de sua
aplicação o abuso de direito ou fraude que prejudique a terceiros.
Fábio Ulhoa Coelho (2002, p. 31) explica a denominação de “teoria da
desconsideração” da seguinte maneira: a consideração da autonomia patrimonial da pessoa
jurídica seria a regra, mas, para possibilitar a correção de fraudes ou abusos, pode o
magistrado competente desconsiderar esse princípio a fim de viabilizar a repressão de certos
ilícitos. Este mesmo autor ainda se refere a duas subdivisões desta teoria: - a teoria maior da
desconsideração e a teoria menor da desconsideração.
Diferenciando as duas teorias, afirma a obra descrita (COELHO, 2002, p. 35) que: Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial.
151
Em síntese, a teoria maior condiciona o afastamento episódico da autonomia
patrimonial das sociedades à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva da pessoa
jurídica. Nesta formulação, a desconsideração se diferencia claramente de outros institutos
que possibilitam a afetação do patrimônio de sócio por obrigação da sociedade, como a
responsabilização por má gestão. A teoria menor propõe a desconsideração em toda e
qualquer ocorrência de execução do patrimônio de sócio ou administrador por obrigação
social.
Restiffe (2006, p. 98-99) enumera outra subdivisão das teorias que buscam
explicar a disregard of legal entity, em: a) teoria da fraude contra credores; b) teoria do abuso
de direito; e, c) teoria do enriquecimento sem causa. Nessa obra, defende-se que a teoria mais
completa é a baseada no abuso de direito, apresentando como pressupostos de sua aplicação
(RESTIFFE, 2006, p. 99): i) a constituição regular da pessoa jurídica, isto é, com registro na junta comercial; ii) a existência de abuso no uso da personalidade jurídica, usando-a para fim diverso, isto é, com desvio de função; iii) deve ocorrer prejuízo, isto é, danos para terceiros; e iv) deve haver a intenção de lesar, é o dolo.
Como ressalva à classificação descrita, deve-se lembrar que a teoria da penetração
também tem sua aplicação expressamente prevista para sociedades sem natureza empresarial e
que, em conseqüência, não são registradas na junta comercial como descreve o enunciado 146
do CEJ do CJF, a saber: “Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de
desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade ou
confusão patrimonial)”.
Conclui-se, objetivamente, que a desconsideração não visa destituir o princípio da
autonomia patrimonial, mas, ao contrário, visa fortalecê-lo coibindo práticas fraudulentas e
abusivas que dele se utilizam. Dessa forma, a teoria da penetração tem progressiva aceitação
na legislação, doutrina e jurisprudência pátrias, mesmo que haja certas imprecisões e exageros
em sua aplicação.
Existem ainda hipóteses em que membros de sociedade podem ser pessoalmente
responsabilizados fora da disregard doctrine, quando a sociedade não é autora em si, mas
apenas instrumento para a realização do ato ilícito. Refere-se, nesse trecho, à teoria dos atos
próprios e à teoria da aparência fundamentadas por Genacéia da Silva Alberton (1993, p. 19)
ao afirmar que, quando um partícipe de pessoa jurídica realiza negócio, para o qual não está
apto, com terceiro de boa-fé, ele é induzido a acreditar que tal posição é verídica, “pela
aparência uma pessoa considerada por todos como titular do direito, embora não seja, leva a
efeito ato jurídico a terceiro de boa fé. Há, assim, prevalência da aparência”.
152
Conclui a Desembargadora que quem dá motivo para a ocorrência da situação
aparente não pode argüir tal fato de maneira a excluir sua responsabilidade individual –
possibilitando a responsabilização pessoal de funcionários, gerentes e até administradores pela
teoria da aparência. Por outro lado, relembra a própria Alberton (1993, p. 19) que o inverso
também pode se aplicar uma vez que o terceiro que, de má fé, contratou em situação aparente
não poderá recorrer à responsabilidade social – possibilitando a responsabilização pessoal
pela teoria dos atos próprios onde quem “mesmo sem propósito deliberado de induzir outrem
a erro, não pode valer o direito sobre aquele que confiou na aparência”.
Como demonstrado, as teorias referidas servem para fundamentar o afastamento
da responsabilidade ou sua aplicação, mesmo que subsidiária. Para José Lamartine Correia de
Oliveira (1979, p. 610), nos casos relacionados com a teoria da aparência e a teoria dos atos
próprios “a responsabilidade subsidiária é a verdadeira técnica despersonalizante”, vez que
não há qualquer declaração judicial de despersonalização, mas sim a responsabilização
subsidiária administrativa, mediante ação de regresso ou como penalidade ao terceiro de má
fé segundo previsão legal expressa.
Segundo Wagner Mota Alves de Souza96 (2006), a teoria dos atos próprios
enuncia que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua conduta
anterior (venire contra factum proprium not valet), quando esta, interpretada objetivamente
segundo a lei, bons costumes e a boa-fé, justifique a conclusão de que este direito não mais
será exercido ou quando seu exercício ulterior se choque com a lei, os bons costumes ou a
boa-fé. Criam-se, assim, condições de oposição à exigência de cumprimento do dever
correlato, como a responsabilização da sociedade. A possibilidade jurídica suscitada pode ser
ainda fundamentada pelo conceito elaborado por Alejandro Borda 97(2000, p. 53) quanto aos
atos próprios: Podemos afirmar, en conclusión, que la teoría de los actos propios constituye una regla de derecho derivada del principio general de la buena fe [...], que sanciona como inadmisible toda pretensión lícita pero objetivamente contradictoria con respecto al propio comportamiento anterior efectuado por el mismo sujeto. Tiene, además, una amplia aplicación pero con decisiva importancia en el trámite de los procesos judiciales.
4.2.2 Crimes Contra o Mercado de Capitais
96 SOUZA, Wagner Mota Alves de. A teoria dos atos próprios. 2006, n/d p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, Salvador. 97 BORDA, Alejandro. La teoría de los actos propios. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2000.
153
Amendolara (2003, p. 181) esclarece que uma lacuna usualmente apontada na
doutrina e na prática societária e, em especial, no contexto dos mercados de capitais é que não
houve, por muito tempo, normas penais tipificadoras dos ilícitos praticados no âmbito do
mercado mobiliário, tornando difícil a incriminação e a condenação dos criminosos.
Com a promulgação da Lei 10.303/2001, esta demanda, pelo menos parcialmente,
foi satisfeita com a tipificação das seguintes condutas: a) manipulação do mercado; b) o uso
indevido de informação privilegiada; e, c) o exercício irregular de cargo profissão, atividade e
função – no âmbito societário.
A lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de capitais e
cria a Comissão de Valores Mobiliários, teve acrescentado um capítulo pela Lei nº 10.303, de
31 de outubro de 2001, contendo quatro artigos: três que prevêem condutas ilícitas e cominam
para elas as respectivas sanções penais; e uma quarta especificando o cálculo da multa para os
artigos 27-C e 27-D.
4.2.2.1 Manipulação de Mercado
Segundo Amendolara (2003, p. 181), a manipulação de mercado consiste na
prática de operações simuladas ou execução de manobras fraudulentas visando criar no
mercado condições artificiais de demanda e preço, com o objetivo de obter vantagem indevida
ou lucro para si ou para terceiros. Segundo o texto da Lei 10303/2001, o tipo consiste em: Art. 27- C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsas de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
O conceito de valores mobiliários por sua vez é encontrado nos incisos do artigo
2º da própria Lei 6.385/76. O que não pode ser considerado como valor mobiliário é definido
pelos incisos do parágrafo único, in verbis: "I – os títulos da dívida pública federal, estadual
ou municipal; II – os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as
debêntures" e o que pode ser considerado está enumerado no caput, a saber: Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: I- as ações, partes beneficiárias e debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição; II- os certificados de depósito dos valores mobiliários; III- outros títulos criados ou
154
emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional; IV - as cédulas de debêntures; V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; VI - as notas comerciais; VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
O sujeito ativo deste crime próprio é o operador no mercado de valores
mobiliários regularmente investido, pois o não autorizado comete o crime previsto no artigo
27-E. O sujeito passivo seriam os titulares de valores mobiliários e os investidores nesse
mercado, em uma perspectiva mais ampla poder-se-ia considerar toda a coletividade que se vê
prejudicada pela insegurança dessa atividade como sujeito ativo.
A conduta típica é “manipulação de mercado”. Manipular significa engendrar,
forjar, maquinar (manipular um plano). As formas previstas para essa manipulação são: a
realização de operações simuladas; ou, o exercício de outras manobras fraudulentas. O tipo
penal da legislação portuguesa98 é expresso no sentido do que sejam práticas fraudulentas:
divulgação de informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas e operações de
natureza fictícia.
Sistematizando os elementos fundamentais do tipo, poder-se-ia resumir que: a) a
conduta incriminada é a de promover operações simuladas ou executar manobras fraudulentas
visando criar no mercado condições artificiais de demanda e preço, com o objetivo de obter
vantagem indevida ou lucro para si ou para terceiros; b) o tipo objetivo é realizar operações
simuladas ou executar outras manobras fraudulentas (dentre as formas de realização ou
execução dessas operações ou manobras, citam-se os exemplos da legislação portuguesa); c) o
tipo subjetivo é o dolo, consistente no fim específico de obter vantagem indevida ou lucro. O
crime se caracteriza ainda que o agente não venha a locupletar-se ilicitamente de suas
manobras ardilosas, bastando que pratique a conduta descrita no tipo (não se admitindo,
consequentemente, a modalidade culposa).
Aprofundando a compreensão do objeto jurídico, ou bem jurídico tutelado, pode-
se afirmar que o objeto jurídico tutelado é típico do Direito Econômico, e não do Direito
Societário, consistindo a norma em forma de proteção do sistema de mercado de capitais e do
normal funcionamento das operações de crédito.
98 PORTUGAL. Decreto-Lei n.º 486/99 de 13 de novembro de 1999. Código dos Valores Mobiliários da República Portuguesa – de acordo com a Directiva comunitária n.º89/592/CEE. Disponível em: <http://www.cmvm.pt/NR/exeres/9EA2211C-146C-40E0-9B58-895AA1E856EC.htm>. Acesso em: 13 mar. 2007.
155
O crime se consuma com a realização da operação simulada ou da manobra
fraudulenta com o fim de lucro, ensejando ação penal pública incondicionada. A tentativa,
nestes termos, é admissível, já que se trata de crime plurissubsistente. Refere-se, neste caso, à
possibilidade do agente não lograr êxito na empreitada criminosa, descobrindo-se a fraude
antes de sua consumação.
4.2.2.2 Uso Indevido de Informação Privilegiada
Essa vedação – respeitando a lógica indutiva do Direito Comercial e a própria
sistemática do Common Law norte-americano – origina-se, segundo Rubens Requião (2003,
p. 211) de decisões judiciais anglo-americanas que enunciavam a intenção de “proteger os que
ignoram as condições do mercado contra os abusos dos que as conhecem”.
Em âmbito positivo, a vedação do uso indevido de informação privilegiada é
tutela originariamente derivada do dever de sigilo surgido no New Deal, política instituída
pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt, ao tentar sanear e moralizar o mercado financeiro
e acionário norte-americano superando a depressão. Nesta política, não apenas instituiu a
SEC, como agência governamental de controle do mercado de capitais, mas também
estabeleceu uma rígida legislação vedando inclusive transações dentro da sociedade, por
diretores bem informados sobre os negócios sociais.
No Direito pátrio, a regra da Lei 4.728/1965 art. 3o – que disciplinou o mercado
de capitais – já apresentava influência norte-americana atribuindo ao Bacen a competência de
“fiscalizar a utilização de informações não divulgadas ao público em benefício próprio ou de
terceiros, por acionistas ou pessoas que, por força de cargos que exerçam, a elas tenham
acesso”.
Insider, no sentido típico do jargão societário, é aquela pessoa de determinada
companhia que, devido a sua posição em uma função de confiança, tem acesso privilegiado a
informações antes que elas sejam de conhecimento público.
Uma das inovações da Lei 10303/2001 que reformulou a LSA é a tipificação do
insider trading como crime. Não é fácil, no entanto, a aplicação dessa norma, a saber: Artigo 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada no mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
156
A primeira questão é definir se uma informação é “privilegiada” dentro do seu
conceito penal. Para tal, é necessário que se trate de informações, dados objetivos, e não
boatos e que tais dados sejam autênticos. Em segundo lugar, é necessário que essas
informações – às quais o agente ativo teve acesso confidencialmente – tenha impacto sobre o
valor das ações.
A Instrução da CVM 358/2002 ainda regula o tema, considerando certas práticas
relacionadas coma divulgação e o uso de informações como infrações graves. Essa instrução
define o conceito de “fato relevante” (art. 2o) e os deveres e responsabilidades na divulgação
de ato ou fato relevante.
Leslie Amendorala (2003, p. 161-164) relembra que o §1o do artigo 13 da
Instrução “estendeu a vedação de negociar com suas ações também a quem quer que tenha
conhecimento de informação referente a ato ou fato relevante acrescentando um novo rol de
insiders”. De fato, essa norma permitiu a concepção do insider como agente estranho às
relações internas da companhia, como consultores, auditores, clientes, fornecedores,
advogados ou outros personagens que mantenham relações de confiança com a companhia.
Requião (2003, p. 213) resume em uma frase a simplicidade do combate a este
ilícito na realidade fática no excerto: “a conduta desleal dos administradores deve ser um dos
pontos cruciais na ação da CVM a quem qualquer acionista prejudicado poderá informar a sua
reclamação e denúncia”. Porém este crime não é exclusivo de administradores, como
demonstrado.
A conduta incriminada é a de usar indevidamente informação privilegiada, à qual
caiba total sigilo, informação esta ainda não introduzida no mercado, e capaz de produzir
vantagem ilícita para quem dela se utiliza. O tipo objetivo é expresso quando o legislador fala
em “utilizar” informação relevante, o que abrange qualquer forma de uso de dado ou elemento
do qual se deva manter sigilo. O tipo subjetivo é o dolo, consistente no fim específico de
utilizar indevidamente uma informação privilegiada, da qual caiba sigilo. Nesse sentido, o
crime se caracteriza no momento em que o agente faz uso, de qualquer forma, das
informações privilegiadas a que tem acesso. Não se admite a modalidade culposa.
O objeto jurídico tutelado é a proteção de informações confidenciais de acionistas,
investidores e titulares de valores mobiliários. Dessa forma, visa a lei resguardar estes dados
de toda sorte de prejuízos em caso de divulgação e utilização.
O crime se consuma com a utilização da informação relevante ainda não
divulgada no mercado, sendo possível a tentativa. Mesmo na concepção mais moderna do tipo
(AMENDOLARA, 2003, p. 161-164), trata-se de crime próprio, o sujeito ativo mesmo que
157
agente estranho às relações internas da companhia deve estar em certa posição em que tenha
acesso a informações privilegiadas – como advogados, auditores ou mesmo fornecedores que
façam uso de uma informação relevante ainda não divulgada no mercado. O sujeito passivo
abrangeria os titulares de valores mobiliários e os investidores nesse mercado, que ficam em
flagrante prejuízo com a utilização e divulgação destas informações. A ação penal é pública
incondicionada.
4.2.2.3 Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função
Nesse tipo, o legislador elegeu a objetividade jurídica no interesse social, não
apenas dos investidores no mercado de capitais, mas para que toda a coletividade não seja
vulnerabilizada por entes que não estejam devidamente autorizados e registrados junto aos
órgãos competentes para atuar no mercado mobiliário. In verbis: Artigo 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função sem estar, para este fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento. Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
A conduta incriminada é a de atuar, sem a devida qualificação, no mercado
financeiro de capitais, ou exercer cargo, profissão, atividade ou função sem o devido registro
ou autorização legal. O tipo objetivo é revelado quando a norma expressa a idéia de “atuar”,
isto é, exercer ou estar em atividade, agir, exercer influência, influir. Esta idéia indica a
prática de atos afeitos com exclusividade a administradores de carteira coletiva ou individual,
agentes autônomos de investimento, auditores independentes, analistas de valores mobiliários,
bem como de agentes fiduciários. A outra conduta incriminada está em exercer qualquer
cargo, profissão, atividade ou função sem a devida autorização ou registro junto à autoridade
administrativa competente.
158
O tipo subjetivo é o dolo, consistente no fim específico de atuar, sem a devida
qualificação, no mercado financeiro de capitais, ou exercer cargo, profissão, atividade ou
função sem o devido registro ou autorização legal.
O objeto jurídico tutelado é a proteção do sistema de mercado de capitais e o
normal funcionamento das operações de crédito, além da proteção dos interesses da
coletividade, requerendo-se, para este fim, a atuação exclusiva de profissionais habilitados e
credenciados para exercer as funções descritas na lei. Também neste caso o bem jurídico
tutelado é instituto do Direito Econômico e não interesse societário.
O crime se consuma com a prática de atos somente permitidos a administradores
de carteira coletiva ou individual, agentes autônomos de investimento, auditores
independentes, analistas de valores mobiliários, bem como de agentes fiduciários, assim como
o exercício de qualquer cargo, profissão, atividade ou função equivalentes. Para este efeito,
não basta um ato isolado para a consumação, exigindo-se, para a consumação do crime, a
reiteração da conduta por parte do agente.
A tentativa não é admissível. O tipo exige que o agente atue numa das funções ou
cargos descritos, exigindo-se, por óbvio, a reiteração da conduta para a configuração do
crime. Se não chegou a exercer a função ou se atuou com esse animus uma vez, não se
configura o crime. Já se houver a reiteração da conduta, tratar-se-á de crime consumado.
Assim, tratando-se de crime habitual, a tentativa não é admissível.
Nesse caso, o sujeito ativo é qualquer pessoa que não esteja autorizada ou
registrada junto à autoridade administrativa competente. Os sujeitos passivos seriam: em
primeiro, a coletividade que tem no desenvolvimento e no bem-estar social direito subjetivo
constitucional; em segundo, os titulares de valores mobiliários; e, em terceiro, os agentes
autorizados e devidamente registrados que têm seu mercado de trabalho defendido. A ação
penal é pública incondicionada.
4.3 TUTELA DOS MINORITÁRIOS NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA ATUAL
4.3.1 As regras de transparência
159
O princípio da transparência, como dever de informação, é expresso na LSA tanto
para atos essenciais da empresa como no uso de informações privilegiadas (insider trading)
em detrimento dos demais acionistas ou do mercado. A Lei 6.404/76, dispondo sobre o dever
de lealdade do administrador, proíbe em seu art.155, § 4º o uso “de informação relevante
ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com finalidade de aferir
vantagem, para si ou outrem, no mercado de valores mobiliários”, esta conduta –
caracterizada como insider trading – é ilícito penal no sistema jurídico pátrio.
O dever de informar também é respaldado no § 6º do art. 157, no art.116-A, e no
art.165-A da Lei 6.404/76, ambos introduzidos pela Lei 10303/01. Especificamente, o § 6º do
art. 157 impõe do dever dos administradores de informar a CVM, as bolsas de valores ou
entidades do balcão organizado, nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia
estejam admitidos à negociação, quaisquer modificações em suas posições acionárias na
companhia; e, o art. 165 - A define a mesma obrigação aos membros do Conselho Fiscal.
Quanto ao meio de divulgação das informações relevantes, expresso no art. 289 da
LSA, até mesmo a divulgação pela rede mundial de computadores é aceita, contanto que os
controladores e os administradores informem a CVM, ao mercado e às bolsas os dados
relevantes. Dessa forma, um sistema de “liberdade com publicidade” é instaurado.
A existência e a obediência às normas supracitadas não são suficientes para
assegurar o bom procedimento dos administradores. É obvia a possibilidade de fraude no
sistema de informação, até mesmo com o uso de terceiros, mas isso não dispensa a validade,
legitimidade e utilidade da norma ao dificultar a ação ilícita.
4.3.2 Mecanismos de Tag Along e Drag Along na hipótese de alienação do controle
Originalmente, o termo “tag along” foi criado nos EUA para designar contratos
que conferiam aos acionistas minoritários o direito de deixar a empresa conjuntamente com os
controladores (tag along agreement). Tais contratos, como ensina Fábio Ulhôa Coelho
(2002), multiplicaram-se a partir dos anos de 1998 e 1999, e referiam-se, especialmente, às
companhias dedicadas a serviços e comércio eletrônico via Internet. Nessas empresas, o
sucesso do negócio dependia mais do aporte de capitais dos investidores, aplicados em
marketing e na montagem e ampliação dos sistemas tecnológicos, que na criatividade dos
160
controladores. Nesses termos, esta particularidade justificava que o prêmio de controle fosse
estendido aos investidores.
O tag along, ou direito de saída conjunta, é uma das inovações da Lei
10.303/2001 e almeja tutelar especificamente o investimento do acionista minoritário em caso
de alienação de controle. A expressão tag pode significar etiqueta, adesivo ou etiquetar, desta
forma a tradução literal, descrita por Perin Junior (2004, p.109), do tag along seria “fim
conjunto”, mas a expressão “direito de adesão à venda do controle” é juridicamente mais
esclarecedora.
O projeto original da Lei de Sociedades Anônimas, encaminhado pelo Ministério
da Fazenda ao Congresso Nacional, sequer previa a figura do que hoje se entende tag along.
A concepção que justificava o projeto era a de que o prêmio de controle deveria pertencer,
exclusivamente, ao acionista controlador, na medida em que este assumia maiores encargos
na condução da companhia (REQUIÃO, 2003).
No tag along, o acionista controlador assume a obrigação de só alienar suas ações
para quem se disponha a adquirir também as ações dos minoritários pelo mesmo preço ou por
um percentual preestabelecido deste preço, normalmente entre 80 e 90%. Esta obrigação pode
superar a exigência legal surgindo no Estatuto Social ou em acordo de acionistas – como
contrato para-social e, em termos financeiros, importa na distribuição do prêmio do controle
entre o controlador e os acionistas beneficiados constituindo uma forma de diminuir
disparidades no valor de ações de mesma natureza. A legislação vigente também é fonte desta
obrigação e define o patamar mínimo de 80%, mas esta garantia não se aplica a todos os
acionistas.
A obrigação do adquirente do controle acionário de companhia aberta denominada
tag along – ou seja, de fazer oferta pública para a compra das ações ordinárias, em circulação
no mercado – não foi uma iniciativa pioneira da Lei 10.303/2001, o art. 254 da Lei 6.404/76
já previa este procedimento, mas este dispositivo foi revogado pela Lei 9.457/1997. A Lei
vigente, Lei 10.303/2001, introduz o seguinte texto na LSA: Artigo 254-A – A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição de ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
Sob a perspectiva jurídica obrigacional, o direito de adesão à venda do controle é
uma promessa unilateral de compra a que se obriga o controlador, na hipótese de alienação do
controle. Dificulta a transferência de controle, muitas vezes vital para o saneamento da
161
empresa, mas representa garantia de valor dos minoritários em relação ao valor da ação do
controlador.
O artigo 17, §1º, III, da LSA, por sua vez, autoriza que o estatuto da companhia
conceda esse direito também aos titulares de ações preferenciais sem direito a voto, a saber: Artigo 17 § 1o Independentemente do direito de receber ou não o valor de reembolso do capital com prêmio ou sem ele, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício deste direito, somente serão admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários se a elas for atribuída pelo menos uma das seguintes preferências ou vantagens: [...] III - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas no art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias.
Nos termos da legislação ultracitada, portanto, os titulares de ações preferenciais
sem direito a voto não têm direito subjetivo ao tag along, isto é, à oferta pública de suas
ações, salvo se o estatuto da companhia dispuser neste sentido.
É importante lembrar que, em tese, a transferência do controle não acarreta
prejuízo à minoria, e que, economicamente, o mercado atribui um valor ao controle da
companhia, ao poder de comandar seus negócios.
Descreve a relação deste mecanismo com a nova lei Arnold Wald (2002, p. 231),
quando sua obra enumera as inovações mais importantes trazidas por este diploma no trecho: a) a necessidade de oferta pública, como condição para a alienação do controle da companhia aberta, para a aquisição das demais ações com direito a voto da companhia, por preço mínimo correspondente a 80% do valor pago por ação do bloco integrante do controle e; b) a possibilidade de oferta, pelo adquirente do controle acionário, de prêmio para que os acionistas minoritários permaneçam na companhia.
Como ressalvas, aponta-se que a lei não prevê dispositivos preventivos da
operação de tomada de controle e que, além do tag along ser um a possibilidade legal, é
importante lembrar que este acordo só garante as ações representativas do controle da
sociedade, como ilustra Perin Junior (2004, p. 116): Outrossim, devemos destacar o fato de que infelizmente o tag along não se aplica a todos os minoritários. Esse direito está disponibilizado, apenas, aos acionistas minoritários detentores de ações ordinárias, os quais nem sempre são muito presentes na estrutura do mercado de capitais brasileiro, e a alguns preferencialistas (aqueles cujas ações detêm restrições de direito de voto nos rumos e na gestão da sociedade, mas que supostamente seriam compensados por “privilégios” patrimoniais) contemplados no art. 17, § 1º, III da Lei 6404/76.
Deve-se lembrar que, em mercados diferenciados, como no Novo Mercado da
Bovespa, todas as ações devem ser ordinárias – e assim garantidas pelo direito – e que o valor
do tag along deve ser igual a 100% do valor pago ao antigo controlador (ANEXOS A e B).
Esta situação esdrúxula dificulta a mudança do controle da sociedade, apenas possível a grupo
financeiramente capaz de adquirir toda a sociedade. Como descrito, esta situação resulta de
162
regras voluntárias de um mercado especial que vão além das garantias legais, obrigatórias, já
discutidas.
O drag along, de forma análoga, não é dispositivo de tutela dos minoritários, mas
sim mecanismo que torna possível a alienação do controle a terceiro que não queira ter
minoritários como sócios. Este instituto consiste no acordo, estatutário ou parassocial, que
possibilita a venda das ações dos minoritários na alienação de controle, ampliando o leque de
potenciais interessados na aquisição da empresa.
A proposta de compra de controle condicionada à venda das ações dos
minoritários, ou tag along, desta forma, consiste na obrigação dos minoritários de venderem
suas ações a proponente pelo preço ofertado ao controlador – ou por um percentual
preestabelecido deste valor. A efetivação desta espécie de acordo em companhias brasileiras
se viu inviabilizado com a exigência da Lei 10.303/2001 da OPA – Oferta Pública de
Aquisição de Ações quando da alienação do controle, como explicado anteriormente.
4.3.3 Direito de recesso ou retirada
Define-se direito de recesso, retirada ou dissidência como a faculdade do sócio
insatisfeito de retirar-se da sociedade. Esta insatisfação geralmente decorre da aprovação, pela
Assembléia Geral ou outro órgão decisório, de matérias que conflitam com os interesses
pessoais do sócio. Neste caso, a sociedade deve efetuar o pagamento do reembolso de suas
ações ou cota-parte.
Muitas vezes esta faculdade decorre do estatuto ou contrato social, mas também
há legislação sobre o tema – mesmo que as previsões normativas sejam erráticas ao longo do
tempo. A origem do instituto no Brasil é o Decreto-Lei 3.708/19 que, versando sobre as
Sociedades por cotas Limitadas, enunciava: Artigo 15. Assiste aos sócios divergentes da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado (grifo nosso).
O Código Civil posterior condicionou o direito expresso no excerto legal
ultracitado asseverando que: Artigo. 1077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no artigo 1031.
163
Em uma evolução cronológica, é vital lembrar que em relação às sociedades por
ações, o Decreto-Lei 2.627/40, vigente até 1976, manteve a disposição anterior e que a Lei
6.404/76, ao tratar do tema em seu artigo 107, assegura aos acionistas o direito de retirada,
nos casos previstos em lei, como “direito essencial”. Em resumo, a consolidação do direito de
retirada, nesta fase, é explicada por Perin Junior (2004) como um mecanismo político
decorrente das diretrizes fixadas ao assegurar a retirada da sociedade se não forem mantidas
as mesmas prerrogativas existentes no momento de seu ingresso.
Depois de 1976, existiram diferentes legislações com intenções diversas – ora
acrescendo ora diminuindo – em relação às possibilidades de retirada inscritas no artigo 137 e
seguintes da LSA de 1976. Dentre elas, a de maior destaque foi a proposta pelo senador
Edison Lobão, a Lei 7.958/89, que extinguiu o direito de retirada previsto nos incisos VI
(incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão) e VII (participação em grupo de
sociedade) do art. 136. O próprio senador registrou que o projeto pretendia “defender a
agilidade das sociedades anônimas e evitar que os pequenos acionistas embaracem a vida
dinâmica das empresas”, ou seja, a lei era justificada pelo casuísmo e consistente na
revogação de direitos contrária às tendências mundiais.
Desta polêmica, restou demonstrado que o recesso não é um direito inderrogável
por lei expressa como os direitos essenciais que não podem ser modificados ou suprimidos –
devido à natureza das sociedades por ações – como o direito de participar nos lucros, de
participar do acervo em caso de liquidação e de fiscalizar a gestão dos negócios.
A Lei 9.457/97 (Lei Kandir) interferiu, como a Lei 7.958/89 (Lei Lobão), no
direito de recesso, modificando a LSA ao criar mais limitações ao direito de recesso –
ampliando a Lei Lobão para facilitar os processos de privatização de empresas estatais. A Lei
9.497/97, ao modificar os art. 136 e 137 da LSA provocou discussões doutrinárias sobre a
eventual eliminação do recesso para hipóteses de incorporação, fusão, cisão e participação em
grupos de sociedades. Amendolara (2003, p.94) explica o retrocesso da Lei Lobão na
necessidade casuística de promover os programas de privatização do governo, especialmente
do Sistema Telebrás.
De fato, como muitos institutos jurídicos no país, o direito de retirada era objeto
de abusos gerando a “industria do recesso” – quando ações eram adquiridas para ser
liquidadas com a retirada – o que, segundo as alegações da época, trazia malefícios às
empresas. De fato, este argumento não é compatível com uma economia de mercado em que
vise dar, além de segurança, liquidez ao investimento. Ademais, vetar a retirada do
164
investimento em certo empreendimento é condicionar negativamente a eficiência de todo o
sistema – forçando a aplicação de recursos em um negócio sem atratividade ao mercado.
A Nova LSA (Lei 10.303/2001) pretende regular a questão de forma equilibrada,
como explica Perin Junior (2004, p. 105): Outrossim, a Lei 10.303/2001. recém-aprovada, restringe bastante a possibilidade de haver exclusão do exercício do direito de retirada – como já dissemos – por acionistas dissidentes de deliberação que aprovar operação de fusão ou incorporação de sociedades, na medida em que passa a exigir que os dois requisitos instituídos pela lei de 1997 – liquidez e dispersão – sejam atingidos de forma cumulativa.
A nova lei, 10.303/2001, outorga a CVM poderes para definir o índice
representativo de liquidez que deve ser considerado para efeito do inciso II do art. 137.
diversos autores, como Arnold Wald (2002), indicam que a nova redação possibilitará na
maioria das companhias – pelo menos a médio prazo, até o mercado atingir níveis superiores
de pulverização – o exercício, pelos acionistas dissidentes, de deliberações que aprovem
reestruturação societária, o direito de retirada.
As possibilidades legais de retirada, na legislação vigente para as sociedades por
ações, encontram-se nos artigos 136 e 137 da LSA e ocorrem: 1) na criação de ações
preferenciais sem guardar proporção com as demais classes sem previsão estatutária; 2) nas
alterações nas preferências, vantagens ou condições de uma ou mais classes de ações
preferenciais; 3) na redução do dividendo obrigatório; 4) fusão, cisão ou incorporação da
companhia; 5) na mudança de objeto social; e, ainda é possível a retirada quando a sociedade
promove sua anexação a grupo de sociedades, como prevê o artigo 265 do mesmo diploma.
Por fim, é válido citar que em outros casos de exclusão do sócio que não
constituem saída voluntária também remanesce o direito de reembolso baseado na relação
entre o patrimônio líquido social e sua participação social, mesmo fora da regulação da LSA,
como nos casos dos artigos 1085 (quando sócio põe em risco sociedade) e 103 (na
incapacidade superveniente) do NCC consagrando esta fórmula como universal.
4.3.4 Tutela dos Acionistas Minoritários na Hipótese de Fechamento do Capital de
Sociedade Aberta
As sociedades por ações abertas têm como peculiaridade emitir títulos negociados
no mercado de capitais, captando financiamentos com custos reduzidos em relação a
165
empréstimos obtidos em instituições financeiras privadas. Como contrapartida, essas
sociedades têm uma série de requisitos especiais em seu funcionamento – desde a
escrituração, passando por publicação de atos e manutenção de órgãos – até mesmo com
pagamento de taxas específicas, como a taxa de fiscalização à CVM.
Nestes termos, uma sociedade aberta apresenta vantagens decorrentes do baixo
custo do seu financiamento e desvantagens, com a elevação da complexidade e dos custos
fixos relativos a seu funcionamento. São estes fatores que limitam a capacidade de emissão de
valores mobiliários das grandes empresas e que provocam – em certos casos – o fechamento
de capital em sociedades que não obtêm beneficio proporcional com a abertura de seu capital.
O fechamento de capital, representado pelo cancelamento do respectivo registro,
pode representar uma estratégia empresarial para reduzir os custos operacionais da sociedade,
mas também é possível que ocorra por imposição legal, quando a sociedade não satisfizer os
critérios mínimos de permanência do mercado que participa.
A Lei 10303/01 impôs certas condições para o uso de tal estratégia, garantindo
prerrogativas aos minoritários, antes inexistentes. Estes dispositivos são legitimados pelo fato
do fechamento ocorrer, em geral, tendo em vista os interesses do grupo de controle –
reduzindo conflitos e despesas e propiciando uma margem de lucro mais segura.
O mecanismo debatido, LSA artigo 4 § 4º, é assim descrito: Artigo 4 º[...] § 4o O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4o-A.
Pela interpretação isolada deste artigo poder-se-ia compreender que ao investidor
minoritário o prejuízo seria inevitável. Com a mera divulgação do fechamento do capital as
ações da referida companhia imediatamente perderiam liquidez (uma das variáveis
determinantes do valor, como já demonstrado), considerando então que este investidor
poderia apenas deter um bem sem liquidez significativa ou vender seu título ao controlador –
em um monopsônio ou oligopsônio – o preço cairia e a previsão de “preço justo” incidiria na
caracterização da “eficácia psicológica”. Mas há um mecanismo complementar a este
procedimento no artigo 4-A, também inserido na LSA pela Lei 10303/01.
166
De fato, existem diversas criticas à expressão “preço justo”, nos termos do que
determina a lei seria o valor equivalente ao valor da avaliação da companhia. Perin Junior
(2004), assim como Carvalhosa e Eizirik99 (2002) confirmam que isso seria “conceito moral e
não jurídico”. Em realidade, o maior problema deste conceito não está na definição da sua
origem, se moral ou jurídica, mas sim em sua indefinição numérica no caso em tela. Pode o
controlador oferecer entre as diversas possibilidades legais a avaliação mais benéfica a seus
interesses – entre quatro fatores que podem ser considerados de forma isolada ou combinada:
- patrimônio líquido contábil; - patrimônio líquido avaliado a preço de mercado; fluxo de
caixa descontado; ou, - qualquer outro critério aceito pela CVM.
Já tendo, como demonstrado, perdas financeiras inexoráveis com a publicidade do
fechamento de capital, uma terceira alternativa legal ao investidor minoritário é expressa na
LSA art. 4-A, na solicitação de novas avaliações – onerando a sociedade que faz parte – como
expressa a lei: Art. 4o – A. Na companhia aberta, os titulares de, no mínimo, 10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado poderão requerer aos administradores da companhia que convoquem assembléia especial dos acionistas titulares de ações em circulação no mercado, para deliberar sobre a realização de nova avaliação pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, referido no § 4o do art. 4o.
Como observável, mesmo a alternativa de buscar a elevação do preço através de
novas avaliações é uma tática pouco efetiva – primeiro, por onerar a sociedade de que faz
parte; e, por fim, por esta alternativa ser limitada aos possuidores de 10% das ações em
circulação.
Em realidade, restam poucas opções aos acionistas minoritários no fechamento de
capital de certa sociedade e, sem dúvida, todas elas indicam prováveis perdas. Na
permanência da sociedade restam as perdas de liquidez; na adesão à oferta publica ocorre o
prejuízo financeiro imediato; ou mesmo, na renitência em prolongar o processo de
fechamento solicitando novas avaliações, onerando a toda a sociedade.
4.3.5 Participação dos Minoritários na Composição do Conselho de Administração
99 CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002.
167
Em grande parte das vezes, nas grandes companhias mercantis contemporâneas a
propriedade é dissociada da gestão. Embora 90% das grandes companhias tenham origem em
organizações familiares (PERIN JUNIOR, 2004), ao atingir certo grau de complexidade e
dispersão, as sociedades por ações usualmente buscam profissionais especializados – sem
relações patrimoniais com a sociedade – para ocuparem funções relativas a sua administração.
Ascarelli (1945) já defendia que quanto maior a difusão das ações entre o público, maior seria
a dissociação entre a propriedade e a gestão.
Foi exatamente o acréscimo da complexidade das atividades produtivas e
gerenciais das sociedades que determinaram a necessidade de um órgão de administração
específico para fiscalizar a gestão dos executivos – e este é o Conselho de Administração,
órgão que controla a diretoria ao representar os interesses dos sócios.
A importância deste órgão é comprovada historicamente pela sua existência em
sociedades como a Companhia Siderúrgica Nacional sob a vigência da legislação anterior (Lei
2.627/1940) em que não era sequer previsto. Na atualidade, a legislação impõe o sistema
bipartido de administração, as sociedades por ações no Brasil, entre a Diretoria – como órgão
executivo – e o Conselho de Administração – como órgão deliberativo intermediário entre a
Assembléia Geral e a Diretoria. Na legislação brasileira o Conselho de Administração é
constituído por acionistas pessoas físicas, em número mínimo de três, e sua escolha cabe à
Assembléia Geral; este órgão é obrigatório nas sociedades anônimas abertas, nas sociedades
anônimas de capital autorizado e nas sociedades de economia mista.
Este modelo de sociedade por ações composta por cinco órgãos sociais, adotado
pelo Brasil, apresenta pequenas variações em sistemas estrangeiros, sendo então sistema
consagrado mundialmente. Mesmo em sistemas nominalmente unitários de administração,
como o norte-americano, existem dois níveis decisórios o board of directors (que não exerce
funções executivas) e os officers, que gerem a sociedade – equivalentes à dualidade pátria.
Na estrutura das sociedades por ações cabe à Assembléia Geral, como órgão
exclusivamente deliberativo, representar a coletividade dos acionistas e tem a competência de
definir os rumos da companhia; o Conselho de Administração é órgão deliberativo composto
por acionistas que representam grupos ou conjuntos de acionistas na sociedade; compete à
Diretoria, composta de administradores – sócios ou não sócios, a representação e a
administração da sociedade; e, por fim, o Conselho Fiscal, como fiscalizador dos negócios
sociais, é órgão colegiado de existência obrigatória e funcionamento facultativo (exceto nas
sociedades de economia mista quando é sempre permanente).
168
A competência do Conselho de Administração é expressa no art. 142 da LSA e
consiste em: a) fixar orientações gerais dos negócios; b) eleger os administradores; e, c)
fiscalizar a gestão da companhia. Dessa forma, este órgão deve ser representativo para ser
legitimo, sem ignorar os interesses financiadores da atividade empresária e sem permitir o
monopólio de controladores.
A própria definição legal de controlador, como descrito na LSA art. 116, decorre
do poder de eleger a maioria dos administradores da companhia, mas este não é um poder
absoluto. Atenuando a relação de poder, a legislação prevê formas capazes de proporcionar
certo nível de participação aos minoritários no Conselho de Administração.
O primeiro avanço neste sentido foi o voto múltiplo, presente na LSA, no art. 141,
e reforçada com a lei 10.303/01 com a inclusão dos parágrafos 4º e 5º. O processo de eleição
dos componentes do Conselho de Administração pelo voto múltiplo consiste na possibilidade
de acionistas representando, no mínimo, um décimo do capital social votante atribuir a cada
ação tantos votos quanto sejam os membros do Conselho, sendo-lhes facultado cumular os
votos num só candidato ou distribuí-los entre quantos desejar.
A faculdade do voto múltiplo pode ser requerida até 48 horas antes da Assembléia
Geral e tem como objetivo proporcionar maior legitimidade na representação por
proporcionar a eleição de membros, mesmo contra a disposição dos controladores, e em até
certos casos, contra a maioria – garantindo a defesa de interesses minoritários.
Exemplificando, para clarear o entendimento, se um conselho é composto de 8
membros, cada ação terá direito de 8 votos. Cada acionista pode dispersar seus votos ou
concentrá-los, possibilitando que um grupo minoritário detenha, dependendo de fatores de
organização e dispersão dos grupos votantes, a maior possibilidade de participação de
minorias.
Ainda sobre o voto múltiplo, pode-se assegurar que, se existem 8 vagas
simultâneas para membros do conselho e um acionista que possui 13% das ações desta
companhia, e se esse minoritário concentrar todos os seus votos em apenas um candidato, já
garante matematicamente sua representação – mesmo se isso for contra a vontade dos outros
sócios representativos de 87% da sociedade.
A instrução da CVM 282/98, que alterou a de nº 165, regulamentou o voto
múltiplo fixando uma escala, em função do capital social, de participação acionária mínima
necessária ao requerimento do procedimento do voto múltiplo para a eleição dos membros do
Conselho de Administração. Segundo esta norma, o percentual mínimo varia entre 10% de
169
participação (para sociedades com capital inferior a R$10.000.000) até 5% de participação –
para sociedades com capital social superior a R$100.000.001.
Amendolara (2003), ao ressaltar que: “independente do voto múltiplo a Lei
10.303/01 estabeleceu a participação de acionistas com direito a voto e preferencialistas no
Conselho de Administração”, se refere aos § 4º e 5º adicionados ao art. 141 da LSA, a saber: Artigo 141 [...]§ 4o Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente: I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; e II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houverem exercido o direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18. § 5o Verificando-se que nem os titulares de ações com direito a voto e nem os titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito perfizeram, respectivamente, o quorum exigido nos incisos I e II do § 4o, ser-lhes-á facultado agregar suas ações para elegerem em conjunto um membro e seu suplente para o conselho de administração, observando-se, nessa hipótese, o quorum exigido pelo inciso II do § 4o.
Deve-se ressalvar este dispositivo pela regra prática: sempre que,
cumulativamente, a eleição do Conselho de Administração se der pelo sistema de voto
múltiplo, com minoritários e preferencialistas elegendo seus conselheiros, os controladores
terão direito de eleger número igual aos eleitos por esses acionistas, mais um, o que significa
que a norma visa a proteção dos interesses dos minoritários, mas não o abuso deste direito
com a tomada de controle através de representações desproporcionais.
4.3.6 Alteração na Proporção entre Ações Ordinárias e Preferenciais
A Lei 10.303/01 reduz – para as novas companhias abertas e as fechadas que
abrirem capital – o limite de ações desprovidas de direito político (ou com restrições no
exercício deste) em até 50%. Em mercados especiais (ANEXOS B e C) inexistem estas
espécies de ações, ou seja, nestes nichos todas elas são ordinárias e asseguram o direito a
voto.
O artigo 8º, § 1º deste mesmo diploma permite que as companhias abertas
existentes podem manter a proporção de até dois terços de ações preferenciais, em relação às
novas emissões de ações, no que se denomina regime de disparidade por permanecerem
indefinidamente as proporções de um terço e dois terços entre as ações ordinárias e
170
preferenciais. A doutrina indica (PERIN JUNIOR, 2004, p. 123), neste caso, um retrocesso
com um “regime de privilégio” em favor das companhias já estabelecidas no mercado com
ações preferenciais.
Explica este desequilíbrio a obra de Carvalhosa e Eizirik (2002) afirmando que o
tratamento discriminatório adotado pela legislação resultava de direito adquirido das
companhias abertas emissoras de ações preferenciais antes da referida lei – mas ressalvando
que o instituto constitucional do “direito adquirido” não poderia suplantar a isonomia, como
descrito no caput do artigo 5 da CF/1988, no caso em tela. Os autores concluem então que
frente às garantias fundamentais e à Constituição Econômica “é inadmissível, sob qualquer
argumento, que a lei dê tratamento desigual a pessoas jurídicas na mesma situação de direito”.
Em síntese, considera-se o limite de 50% do capital social para companhias novas
e para as fechadas que abrirem capital sem ter emitido ações preferenciais antes da lei, devido
a esta proporção define-se usualmente que nestes casos vigora o regime de paridade. Nas
companhias que já emitiam ações preferenciais antes da vigência da lei, rege o princípio da
disparidade, considerando-se o limite de dois terços do capital em ações ordinárias.
4.4 MECANISMOS REIVINDICATÓRIOS
4.4.1 Ombudsman
Existem, no sistema legislativo eleito no corte epistemológico, três mecanismos
de que se podem valer os investidores para resolver questões relativas às operações em suas
relações com as sociedades corretoras. O ombudsman é um profissional cuja função básica é
ouvir queixas, solucionar dúvidas ou controvérsias que envolvam investidores e
intermediários do mercado, como as sociedades corretoras, ou a própria Bolsa de Valores.
171
Este termo, segundo o Dicionário Oxford (2001, p. 993)100 significa “an official appointed to
investigate individuals’ complains against maladministration, especially that of public
authorities. From swed., ‘legal representative’.”
Partindo da definição sintética e restrita de um dicionário para a complexidade da
New Columbia Encyclopedia (HARRIS, 1975, p. 203)101 ombudsman teria dois sentidos
básicos: o da origem, no serviço público; e o da modernidade, este sim de interesse do
mercado de capitais e típico da iniciativa privada. A definição pioneira é demonstrada no
excerto: Ombudsman [Swed.=agent or representative], public official appointed to deal with individual complains against government acts. The office originated in Sweden in 1809 when the Swedish legislature created a risksdagens justitieombudsman, or parliamentary agent of justice, and in the 20th cent. it has been adopted by a number of countries […].
Quanto à atualidade privada, prossegue a mesma obra afirmando que:
[...] As a governament agent serving as an intermediary between citizens and the government bureaucracy, the ombudsman is usually independent, impartial, universally accessible, and empowered only to recommend. In the United States the term ombudsman has been used more widely to describe any machinery adopted by private organizations (e.g. large business corporations and universities). (HARRIS, 1975, p. 203).
Este vocábulo deriva do idioma sueco, no sentido primário de representante dos
cidadãos, mas, no século XX, o termo foi usado tanto no âmbito privado como público – para
designar um elo imparcial entre uma instituição e sua comunidade de usuários – evoluindo no
mercado de valores para representar o profissional contratado por uma instituição qualquer
para receber críticas, sugestões e reclamações e, agindo de forma imparcial, ser capaz de
defender os interesses de toda a comunidade. Uma expressão equivalente no idioma português
seria o termo ouvidor102 (COLLINS, 1989).
Esclarece sobre seu funcionamento na Bovespa Amendolara (2003, p. 177-178),
com autoridade de quem já trabalhou deste ente, que: As reclamações e consultas destinadas ao ombudsman deverão ser encaminhadas por meio do serviço de atendimento ao público da Bovespa. A consulta será por ele examinada que verificará se a demanda constitui matéria de sua competência. Em até 48 horas o investidor, sendo pertinente a demanda, será solicitado a formalizar sua demanda por escrito, em um documento assinado. Com esse documento o ombudsman inicia o processo de atendimento do investidor, buscando solucionar a questão amigavelmente através de acordo.
100 THE CONCISE OXFORD DICTIONARY. New York: Oxford University Press Inc., 2001. 101 HARRIS, Willian H. et alli. The New Columbia Encyclopedia. London: Columbia University Press, 1975. 102 COLLINS, Michael et alli. Michaelis: pequeno dicionário inglés-português, português-inglês. São Paulo: Melhoramentos, 1989.
172
4.4.2 Câmaras de Arbitragem
Instituída como câmara arbitral para atuação em bolsa, nos termos da Lei
9.307/1996, a Câmara de Arbitragem do mercado tem por objetivo atuar na composição de
conflitos que possam surgir nos segmentos especiais de listagem da Bovespa, como o Novo
Mercado (Anexo B) ou nos níveis diferenciados de governança corporativa (Anexo A). O
acesso a estes “segmentos especiais de mercado” dependem do compromisso, voluntário, de
transparência e governança corporativa, dentre os quais se destaca o prévio compromisso e
reconhecimento da autoridade de uma instância arbitral, específica e técnica, para dinamizar a
solução de conflitos relacionados ao mercado de capitais.
Segundo as normas internas da Bovespa, a Câmara de Arbitragem do Mercado
tem a finalidade de atuar na solução de eventuais conflitos que possam surgir em razão, da
aplicação, validade, eficácia, violação, interpretação das disposições contidas na LSA., nos
Estatutos Sociais das companhias, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional,
pelo Banco Central do Brasil e pela CVM, nos regulamentos da BOVESPA inclusive o
Regulamento do Novo Mercado (ANEXO B), o nível 2 de governança corporativa (ANEXO
A) e contratos correlatos, e nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de
capitais em geral.
Por meio de regras próprias, a Câmara de Arbitragem do Mercado proporciona
uma alternativa para solução de controvérsias, com a vantagem de trazer mais agilidade e
economia, menos formalismo, além de árbitros especializados nas matérias a ser decididas. Os
custos e os prazos para a resolução de conflitos em um órgão como este é incomparavelmente
mais vantajoso que a busca de uma solução por meio dos órgãos judiciais.
Dessa forma, com a instauração dessa câmara arbitral, a Bovespa propicia
decisões mais técnicas, baratas e rápidas propiciando mais segurança e menor custo aos
investimentos nos mercados a que esta instância é imposta.
4.4.3 Fundo de Garantia da Bolsa
173
Quanto à definição, o fundo de garantia da Bolsa é uma exigência legal que possui
a finalidade de ressarcir os clientes de seus associados dos prejuízos que lhes sejam
ocasionados por ato doloso ou culposo dos membros da entidade. Há quatro hipóteses de
reclamação que ensejam a garantia expressa por esta reserva, a saber: - na inexecução ou
infiel execução de ordens; - no uso inadequado de numerário entregue às sociedades
corretoras para operação em bolsa; - no uso inadequado referente à entrega de valores
mobiliários para venda ou para custódia; e, - na entrega o comitente de valores mobiliários
ilegítimos ou de circulação proibida.
Na Bovespa, o acesso ao Fundo de Garantia depende de um processo
administrativo com foro na sede da própria Bolsa de Valores em que se encontra localizada a
sede ou dependência da corretora que efetuou a operação, o prazo da ação é de seis meses,
contados da ocorrência do fato, e o órgão competente para deliberação é o Conselho de
Administração da Bolsa.
Há ainda a possibilidade de recurso administrativo em relação à decisão do
Conselho de Administração, este recurso é destinado a CVM, o prazo é de dez dias contados
da deliberação, este recurso conta com efeito suspensivo e é final em âmbito administrativo.
As indenizações são efetuadas em valores da mesma espécie e, quando esgotados
os procedimentos recursais, a Bolsa deverá pagar em três dias, se o valor é definido pecúnia,
ou em quinze dias, se o valor é de natureza mobiliária.
Soluções para-legais como o fundo de garantia em bolsa – além dos direitos e das
outras tutelas descritas – descrevem a dogmática conceitual do objeto estudado. É fato que as
faculdades descritas sejam o cerne do tema, porém sua abordagem só será sistematicamente
integrada depois de estudadas suas possíveis fontes de fundamentação.
174
5 FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO AOS MINORITÁRIOS
5.1 TUTELA DAS MINORIAS SOB A PERSPECTIVA DE PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO
DIRETOS – POR ANALOGIA À LEGISLAÇÃO ALEMÃ
A escolha da legislação germânica como referência de comparação estrangeira é
justificável por uma série de fatores pertinentes, em primeiro, graças à iniciativa pioneira da
AktG (Aktiengesellshat) e sua influência posterior, inclusive na legislação pátria; e, em
segundo, por esse sistema apresentar, de forma expressa, princípios de proteção diretos, quais
sejam as regras dos bons costumes, da isonomia e o dever de lealdade.
Nesse sistema, o acionista minoritário é destinatário de regras tão significativas
que os princípios de proteção servem tanto para evitar os abusos dos majoritários quanto dos
minoritários, evitando o exercício lesivo aos interesses sociais e dos outros acionistas.
Pode-se argüir que o dever de diligência, o dever de lealdade e o dever de
informar seriam os princípios respectivos na legislação brasileira, em uma visão analógica,
porque são citados nos artigos 153, 155 e 157 da Lei 6.404/1976 ao se referir aos deveres e
responsabilidades dos administradores das sociedades por ações.
5.1.1 Princípio dos Bons Costumes
Segundo Perin Junior (2004), originalmente, a tradicional jurisprudência
germânica não admitia a proteção igualitária do violador dos bons costumes; dessa forma, o
princípio dos bons costumes seria o fundamento das exceções à aplicação geral da isonomia
(Gleichbehandlung), como ilustra a passagem:
175
Com certeza há uma inegável vinculação entre ambos, a qual incorre nas sanções previstas nos parágrafos 138 e 826 do BGB (Bürgerliches Gesetzbuch), o Código Civil alemão, ou de outro dispositivo de lei especial. A solução não seria apropriada à isonomia. Sua grave violação também implica violação aos bons costumes, nas exatas condições e efeitos. (PERIN JÚNIOR, 2004, p. 55)
Dessa forma, a boa-fé e os bons costumes traduziriam elemento essencial nas
relações entre os acionistas, os administradores e a sociedade, a ponto de ser presumido o
conhecimento da natureza do ato quando comprovada a existência da violação. Bomfim
Viana103 (2002) insiste que a noção de bons costumes não está bem elaborada em seus
fundamentos jurídicos para o Direito alemão, em sua obra que pretende uma “teoria dos
direitos dos acionistas” comparando os sistemas italiano e alemão.
De modo antagônico, Perin Junior (2004, p. 56) relembra que os fundamentos
desse instituto foram estabelecidos pelo antigo Supremo Tribunal alemão ao afirmar que “o
acionista delega sua competência no contrato de constituição da sociedade e exerce seus
direitos de acordo com os interesses sociais” e arremata aprofundando que: Cumpre finalmente ressaltar que os bons costumes possuem a função de permitir e garantir o amplo campo de atuação da vontade privada, no âmbito das relações coletivas internas das sociedades. A transição dos bons costumes para a boa-fé ocasionou alterações no funcionamento das sociedades por ações alemãs. (PERIN JÚNIOR, 2004, p. 56).
Em um conceito moderno, então, o princípio dos bons costumes é aquele que
censura a prática de abuso contra vontade e interesse de minoria ou contra o interesse social,
dependente da intenção poderia justificar nulidade de ato, mas, em ressalva, teria sua brecha
de aplicação em casos onde a intenção ou a quebra do dever não fosse caracterizada, como na
concordância da minoria em decisão contra seus interesses ou em uma decisão de
conseqüências desfavoráveis, mas com intenção benéfica à sociedade.
5.1.2 Princípio da Isonomia
A isonomia, desde sua formação etiológica, traduz a idéia de igualdade perante a
lei, é pressuposto lógico do Direito, desde a Antiguidade, e remanesce até na ética
contemporânea em diversos sistemas que identificam o isonômico como justo. Dessa forma,
este princípio traduz um conteúdo geral e abrangente nas relações impondo o equilíbrio de
tratamento entre semelhantes e deriva na proporcionalidade.
103 VIANA, Bomfim. Situação jurídica do acionista: direito alemão. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.
176
Nas sociedades por ações não há affectio societatis ou intuitus personae das
sociedades de pessoas, ao contrário, estas sociedades são eminentemente de capital e a
motivação de seus sócios é o intuitus pecuniae (intenção de lucro) seja como especulador ou
empresário. Dessa forma, as pessoas dos acionistas são irrelevantes na sua constituição
econômica e funcionamento, o acionista deve ser considerado como investidor, temporário ou
permanente, que tem como meta o rendimento dos recursos investidos.
Nas sociedades por ações, é possível que existam sócios possuidores de títulos
que confiram benefícios particulares, como as acões preferenciais no sistema brasileiro, sem
ferir o princípio da isonomia – contanto que tenham limitações proporcionais. É possível,
então, concluir que entre os acionistas o tratamento igualitário é o proporcional e compatível à
natureza e à quantidade de sua participação no capital.
No caso alemão, o artigo 53 do BGB, de forma pioneira, elege a isonomia como
princípio que enuncia a igualdade de direitos e obrigações quando há igualdade de condições
materiais nas relações coletivas internas.
Perin Junior (2004, p.57) explica no caso do BGB que “a norma igualitária proíbe
diferenças voluntárias entre os membros da comunidade e fixa o padrão de comportamento
obrigatório dos seus destinatários”.
5.1.3 Princípio da Lealdade
Segundo Viana (2002), o dever de lealdade entre os acionistas, no Direito alemão,
deriva da decisão da Suprema Corte de 1º de dezembro de 1988. A decisão afirmava haver
relações coletivas internas entre os acionistas, nos termos do BGB, então subordinadas ao
dever de lealdade recíproca.
Esta decisão propiciou uma ótica dualista da relação do investidor, em primeiro,
haveria uma relação com a sociedade, regulada por Estatuto ou Contrato Social; e, em
segundo plano, existiriam as relações entre os sócios, reguladas pelo ordenamento jurídico.
Considerando o predomínio da concepção institucionalista no caso estudado, é correto afirmar
que em ambos os planos de relação são regidos pelo princípio do predomínio do interesse
social – dentro dos limites dos objetivos sociais respectivos. Sobre estas relações opina Perin
Junior (2004, p. 58) que:
177
Os fundamentos da existência e funcionamento dos dois sistemas repousam na confiança e na boa fé. A atuação do acionista singular, minoritário ou majoritário, deve levar em consideração a multiplicidade dos interesses existentes na sociedade.
Desta forma, os princípios identificados no sistema germânico apresentam total
aplicabilidade em seu sistema original, mas não é identificado um sistema de princípios infra-
constitucionais ligados ao tema além da analogia do dever de diligência, do dever de lealdade
e do dever de informar como princípios respectivos na legislação brasileira. Em realidade,
essas obrigações não podem constituir princípios apenas porque são citados nos artigos 153,
155 e 157 da Lei 6.404/1976 ao se referir aos deveres e responsabilidades dos administradores
das sociedades por ações.
No atual cenário do pensamento jurídico brasileiro, como esclarece Flávio
Galdino104 (2005, p. 26), “os princípios são normas jurídicas” apresentando inclusive função
normativa como defendem também Robet Alexy105 (1997), Claus-Wilhelm Canaris (1996) e
Ronald Dworkin106 (1978).
Galdino (2005, p. 31) define que: Em termos singelos, princípios são normas jurídicas que estabelecem fins (determinados “estados de coisas”) a serem atingidos pelos respectivos destinatários sem especificarem com precisão os comportamentos (os meios) a serem observados.
Desta forma, ainda segundo Galdino (2005), a identificação de “princípios” é vital
em razão de suas funções reconhecidas na atualidade desde a função interpretativa (ou
hermenêutica), passando pela função integrativa (ou normativa supletiva) até a função
normativa autônoma que se caracteriza por criar situações jurídicas subjetivas. Se a busca
destes princípios é válida em âmbito infra-constitucional, ainda mais importância existe na
busca deles no contexto constitucional.
5.2 PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL PÁTRIA CORRELATA
Gradualmente, desde a segunda metade do século XX, o Direito Constitucional
pátrio reverbera um momento de virtuosa ascensão teórica e institucional. Do ponto de vista
104 GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. 105 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. 106 DWORKIG, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
178
de sua elaboração científica e da prática jurisprudencial, segundo Luis Roberto Barroso107
(2005, p. 306), duas mudanças de paradigma deram-lhe nova dimensão: “a) o compromisso
com a efetividade de suas normas; e, b) o desenvolvimento de uma dogmática de
interpretação constitucional”.
Na doutrina e na jurisprudência, o substrato fático para a evolução descrita são
claros. Em primeiro lugar, passou a ser premissa do estudo da Constituição o reconhecimento
de sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições – superada a
fase em que era tratada como um conjunto de aspirações políticas ou uma mera convocação à
ação dos Poderes Públicos. Em segundo lugar, a preocupação com a interpretação jurídica
balizada para cada disciplina, com o conseqüente reconhecimento da especificidade do
conteúdo das normas constitucionais, com sua abertura e superioridade jurídica, exigiu o
desenvolvimento de novos métodos hermenêuticos e de princípios específicos de
interpretação constitucional.
Essas transformações redefiniram a posição da Carta Magna na ordem jurídica
brasileira, a passagem da Lei fundamental para o centro do sistema. Os processos de
“constitucionalização” dos direitos demonstram não apenas a supremacia formal, mas também
material, do documento que representa o vértice axiológico do sistema jurídico.
Em suma, não se pode compreender com completude qualquer instituto jurídico
contemporâneo sem lidar com a abertura do sistema jurídico e com a normatividade dos
princípios constitucionais. A Constituição, no atual sistema jurídico brasileiro, torna-se mais
que um documento de valor superior, mas, sim, uma forma de se interpretar todas as outras
normas do Direito.
A edificação lógica dos capítulos antecedentes evidencia como a História e a
Economia demonstram a correlação necessária entre o tratamento que o Direito Econômico e
o Direito Constitucional Econômico conferem as companhias e a possibilidade de
concretização de direitos subjetivos públicos presentes desde o preâmbulo da Constituição
Federal de 1988 – CF/1988, tais como o desenvolvimento e o bem estar social.
Duas hipóteses surgem da questão da fundamentação constitucional do Direito
dos acionistas minoritários: a) que existem princípios implícitos de proteção destas minorias
ou b) que pela aplicação direta de princípios e garantias explícitas, como o direito à
propriedade, poder-se-iam defender as tutelas estudadas. 107 BARROSO, Luís Roberto. Disciplina legal dos direitos do acionista minoritário e do preferencialista: Constituição e espaços de atuação legítima do Legislativo e do Judiciário. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
179
Autor pioneiro na relação entre a principiologia constitucional e o tema estudado,
Luís Roberto Barroso (2005), ao compor o terceiro tomo de sua obra sobre temas de Direito
Constitucional insere o trecho Disciplina legal dos direitos do acionista minoritário e do
preferencialista provocando sobre a hipótese discutida de fundamentação constitucional de
direitos dos acionistas, in verbis: Indaga-se, especificamente, se há consistência jurídica na tese que, com fundamento em princípios constitucionais implícitos, procura atribuir aos controladores obrigações adicionais relativamente aos titulares de ações preferenciais da companhia, além daquelas previstas em lei. (BARROSO, 2005, p. 303-304).
O autor (BARROSO, 2005) inicialmente questiona a partir de princípios
constitucionais implícitos – como a boa-fé e a função social do contrato – a possibilidade de
aplicá-los fundamentando a ampliação de direitos de minoritários – como, em exemplo, a
aplicação do tag along a preferencialistas sem direito a voto em um caso que nem o Estatuto
Social contivesse previsão para tal, concluindo que: A resposta à questão descrita, já e pode adiantar, é negativa. A Constituição de 1988 não gera obrigações adicionais aos possíveis novos controladores da empresa, além das previstas na legislação pertinente [...]; e nem é legitimo, em um Estado democrático de direito, ignorar a opção formulada pelo Poder Legislativo, usurpando-lhe competência própria. (BARROSO, 2005, p. 305).
A jurisprudência confirma a conclusão doutrinária descrita, caso semelhante ao
debatido é descrito na decisão da AC. 73.910, relatada pelo Ministro Carlos Madeira, no
extinto Tribunal Federal de Recursos, a saber, como publicado no DJ de 26/11/1981 e descrito
na sua respectiva ementa: SOCIEDADE ANÔNIMA. OFERTA PÚBLICA DE AÇÕES ORDINÁRIAS. MINORIA. AÇÕES PREFERENCIAIS. 1 – O conceito de maioria e minoria, na nova lei das sociedades anônimas, se funda na maior ou menor participação do capital votante, tendo em vista o controle da companhia, não se incluem na maioria as ações preferenciais, que, por suas características, não participam do poder de controle, limitando-se ao interesse de auferir dividendos. 2 – Na aquisição de controle acionário da companhia, a oferta pública tem por objeto ações com direito a voto permanente, que assegure aquele controle. Direito transitório a voto, adquirido por ações preferenciais em virtude de falta de distribuição de dividendos por três anos, no regime do Decreto Lei n. 2.627, de 1940, não as inclui no controle da companhia, tal como previsto atualmente, por isso que não assegura de modo permanente, a maioria de votos nas deliberações da Assembléia Geral, como que a letra “a” do art. 116 da lei 6404, de 1976.
Decisão do STJ, relatada pelo Ministro Geraldo Sobral e publicada no Diário
Oficial de 23/03/1992, relativa ao REsp 2276/RJ corrobora a jurisprudência anterior ao
afirmar em sua ementa que: SOCIEDADE ANÔNIMA – ALIENAÇÃO DE CONTROLE DE COMPANHIA ABERTA – OFERTA PÚBLICA PARA AQUISIÇÃO DE AÇÕES. A autorização para a transferência do controle de companhia aberta, através de oferta pública para a aquisição de suas ações, referendada pelo Banco Central e pela Comissão de
180
Valores Mobiliários, não envolve as ações preferenciais, quando determina que seja assegurado tratamento eqüitativo aos acionistas minoritários mediante simultânea oferta pública. Somente os acionistas minoritários portadores de ações ordinárias estão protegidos pela lei societária.
Concluindo da impossibilidade da criação de direitos segundo princípios
constitucionais implícitos – especialmente frente a relações legalmente reguladas, falta apenas
discutir a possibilidade de aplicação dos princípios expressos.
A partir da teoria germânica de eficácia dos direitos fundamentais nas relações
privadas – processo também denominado de horizontalização – seria possível, analiticamente,
a demonstração da origem dos diretos descritos nas previsões expressas na Constituição
Federal. Define então Sarmento (2004, p. 5) o que seria está horizontalização: Fala-se em eficácia horizontal dos direitos fundamentais, para sublinhar o fato de que tais direitos não regulam apenas relações verticais de poder que se estabelecem entre Estado e cidadão, mas incidem também sobre relações mantidas entre pessoas e entidades não estatais, que se encontram em posição de igualdade formal.
Há enorme complexidade e a pouca difusão de autores sobre aplicação da teoria
descrita no caso brasileiro como reconhece Sarmento (2004, p. 4-5) ao asseverar que: A discussão doutrinária sobre o tema em pauta inicia-se na Alemanha, na década de 20, despertando tanto na comunidade acadêmica como na jurisprudência daquele país uma intensa polêmica. A relevância da discussão logo foi sentida em outros quadrantes, onde a questão também aflorou, tendo a teoria da eficácia entre particulares se tornado um “artigo de exportação jurídica made in Germany” [...] apesar disso o tema não despertou ainda, com honrosas exceções, uma atenção da nossa doutrina constitucional minimamente proporcional a sua relevância prática e teórica.
De fato, deve-se reconhecer que, em qualquer interpretação analítica do sistema
jurídico que se apóie em um modelo piramidal como o de Adolf Hess – tais como os de Alf
Ross108 (2003) ou mesmo o de Kelsen109 (2006), todas as disposições normativas do sistema
derivariam de princípios ou normas superiores até a norma hipotética fundamental –
identificada como o fato ou ideologia da Constituição, ou mesmo por ela própria.
Dessa forma, em uma argumentação dedutiva, com fatos jurídicos e doutrinários
amplamente aceitos, poder-se-ia apontar como uma verdade a derivação de quaisquer normas
da Constituição Federal – quando não em conteúdo pelo menos em seu processo legislativo.
O erro, porém, advém da natureza da lógica do discurso jurídico dedutivo. Em
regra, esta lógica não é capaz de apontar verdades por ser retórica, e não analítica. Esta falha
possibilita que argumentações sejam aceitas com bases pacíficas, mas com conclusões que
podem ser desmentidas pela realidade.
108 ROSS, Alf. Direito e justiça. São Paulo: Edipro, 2000. 109 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
181
Em alguns direitos dos acionistas a direta derivação de conteúdo constitucional é
indiscutível. Exemplificando nos direitos essenciais de participação, como demonstrado, são
considerados pacificamente como irrevogáveis por serem inerentes ao direito à propriedade –
como consagrado na Carta Magna.
No caso estudado, dentro do âmbito normativo do Brasil, os direitos específicos
aos acionistas minoritários a derivação fática demonstrada nos direitos essenciais não
procede. O discurso analítico é desmentido neste caso pela prática legislativa – ao revogar
direitos dos minoritários – como no caso da Lei Lobão, assim como pelos tribunais ao
reconhecer a constitucionalidade destas revogações.
Deve-se considerar que essas conclusões referem-se ao corte epistemológico
definido – o sistema jurídico vigente no Brasil – é possível que em outros âmbitos temporais
futuros, ou em diversos âmbitos territoriais, os direitos estudados sejam reconhecidos como
diretamente derivados de direitos constitucionais.
Reconhecendo a incapacidade de justificação pela ótica dedutiva, na prática
nacional, a primeira hipótese de fundamentação em principiologia legal implícita resta
fragilizada e a segunda possibilidade – de fundamentação na horizontalização – apresenta-se
inviabilizada na realidade concreta.
Como demonstrado – no sistema pátrio – toda interpretação jurídica é também
interpretação constitucional, qualquer pretensão jurídica será operada segundo parâmetros
valorativos da Constituição: de forma direta, quando a pretensão se fundar em norma
constitucional; e, indireta, quando se fundar em norma infraconstitucional. Esta dependência
decorre de premissas de aplicação da norma: - em primeiro, porque antes de aplicar
dispositivo o interprete deve verificar se ele é compatível com a lei fundamental (se não for
não pode ser aplicado); e, em segundo, ao aplicar a norma, deverá orientar seu sentido e seu
alcance para a realização dos fins constitucionais.
A questão da aplicação principiológica pelos tribunais é complexa, uma das metas
do Direito consistente na segurança jurídica baseada na legalidade e esta garantia restaria
ameaçada caso o particular estivesse obrigado a implementar toda e qualquer conduta
imaginável que fosse contribuinte a fins constitucionais. O papel do judiciário, nesses termos,
não poderia ser de criar vinculações positivas, mas sim de atuar no descumprimento de
obrigações preexistentes – do qual o individuo teve ciência através de norma específica.
Barroso (2005, p. 320) corrobora com tal idéia ao afirmar que: A legalidade não é apenas um veículo de afirmação democrática e de garantia da isonomia. A lei também é um instrumento de segurança jurídica dos indivíduos, pela qual é possível assegurar a previsibilidade de condutas. Diante da lei o individuo
182
poderá (e deverá) saber, de forma clara e pública quais são seus deveres e, em especial, quais as obrigações que lhe são exigidas.
Nestes termos, há um limite de razoabilidade na formulação de regras pelo
judiciário, a função de legislar é típica e deve ser respeitada – dentro dos limites do sistema.
Enquanto atos jurídicos não ferirem, de forma gramatical e pacífica, a Lei Fundamental não
estará justificada a interferência – com a imposição de vinculações positivas – por instâncias
jurisdicionais. E, caso decisões judiciais ultrapassarem tal limite, seus atos terão natureza
majoritariamente política – e não técnica-jurídica – e, conseqüentemente, ilegítima por
usurpar competência típica e violar os próprios princípios da separação dos poderes, da
isonomia e da segurança jurídica.
Dois fatos reforçam a conclusão de inexistir relação material entre a Constituição
e os direitos estudados, em primeiro, ao inferir que os direitos dos acionistas minoritários, em
certos casos, resultam de Regulamentos, Códigos de Conduta ou mesmo acordos de acionistas
de natureza contratual, e facultativa, e não de normas impositivas; e, em segundo, ao
demonstrar que legislações pátrias que retiraram direitos de acionistas minoritários não foram
consideradas inconstitucionais, como nos casos descritos da Lei 7.958/89 – popularmente
conhecida como “Lei Lobão” – que visava revogar o direito de recesso nas incorporações,
fusões ou cisões; da Medida Provisória 1.179/95 que retirou o direito de recesso nas
reoganizações de instituições bancárias no infame PROER – Programa de Estimulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional; ou mesmo da Lei
9.457/97 que retirou o direito de recesso na cisão e extinguiu a oferta pública obrigatória na
alienação de controle de companhia aberta – para favorecer casuisticamente a política
governamental de privatizações.
5.3 BENS JURÍDICOS TUTELADOS
O bem jurídico é um valor e, em razão disso, é tutelado; desta forma, as
interpretações puramente formais de bem jurídico devem ser evitadas com análises
diretamente baseadas nos tipos e situações concretas. O trabalho, ao analisar tipos penais
relacionados, buscou verificar o surgimento de novos valores morais fundamentando direitos
de minoritários ou, ao contrário, identificar valores consagrados em dispositivos modernos. –
concluindo do mero desenvolvimento da tecnologia econômica, administrativa e jurídica.
183
Nos crimes contra o mercado de capitais os valores defendidos são
majoritariamente de Direito Econômico e apenas em aspectos residuais de defesa a interesses
societários específicos. Porém, Yuri Carneiro Coelho110 (2003, p. 125-126) ressalta que: É praticamente unânime na doutrina, seja pátria ou estrangeira, uma conduta somente ser considerada criminosa quando lesa ou ameaça lesão de um bem jurídico penal. Quando se trata, no entanto, de determinar o seu conteúdo e conceituá-lo, diverge-se profundamente, não chegando a um consenso sobre os aspectos supracitados.
No crime de manipulação de mercado, o objeto jurídico identificado foi a proteção
do sistema de mercado de capitais e do normal funcionamento das operações de crédito. No
crime de uso indevido de informação privilegiada, a lei resguarda a proteção de informações
confidenciais de acionistas, investidores e titulares de valores mobiliários – protegendo, em
primeiro, interesses econômicos e apenas subsidiariamente societários. No crime de exercício
irregular de cargo, profissão atividade ou função, o objeto jurídico identificado é a proteção
do sistema de mercado de capitais e o normal funcionamento das operações de crédito, além
da proteção dos interesses da coletividade, ou seja, os doutrinadores e legisladores referem-se
até ao etéreo ente da coletividade, mas não se refere aos minoritários.
Nas tutelas específicas dos minoritários – sejam patrimoniais, de informação ou
políticas – como nas normas penais em estudo, não foi possível afirmar a existência de
valores morais novos uma vez que os institutos estudados apresentaram-se como
conseqüências evolutivas de mecanismos inerentes ao funcionamento das funções societárias.
5.4 FUNDAMENTAÇÃO PELA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
A análise econômica do Direito (AED) consiste em um ramo de estudo que
objetiva, através da racionalidade econômica, elevar a eficiência, em termos materiais, do
sistema jurídico. Esta doutrina deriva de trabalhos de diversos autores, tais como Becker,
Calabresi e Coase – como cita Godoy111 (2006), porém sua maior expressão não se encontra
nas obras de economistas de cátedra e prática, mas, sim, de um jurista, Richard Posner
110 COELHO, Yuri Carneiro. Bem jurídico penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. 111 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e economia: introdução ao movimento Ad Hoc. Brasília, 03 jun. de 2006. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_73/artigos/ArnaldoGodoy_rev73.htm>. Acesso em: 01 jul. 2006.
184
(2003a). Esta doutrina já foi recompensada com o prêmio Nobel, contrariando inclusive
aqueles que pregam que o Direito em seu conteúdo não é e não poderia ser ciência.
Os conceitos, lógicas e princípios desenvolvidos por este ramo de estudo são
percussores da maior parte dos avanços doutrinários hodiernos nas mais diversas disciplinas
jurídicas. Tutelas e institutos inovadores nos mais diversos ramos do Direito são baseados em
noções da AED, tais como as tutelas positivas de direitos difusos ou individuais homogêneos
– diretamente conseqüentes da noção de internalização das externalidades – até mesmo na
redefinição doutrinária dos parâmetros de justiça – antes meramente filosóficos e que,
segundo a teoria da justiça que se sustenta na AED, seriam necessariamente quantitativos.
A critica ordinária a esta análise é indicada de forma típica por Ronald Dworkin112
(1978). Alega-se recorrentemente que a AED privilegia o ideal de maximização das relações
custo-benefício em detrimento do caráter de Justiça no Direito, porém existem pelo menos
dois argumentos que neutralizam este ataque.
Em defesa de seus estudos, Posner (2003a) alega usualmente que sua teoria tem a
intenção de descrever o “ser”, cientificamente, e não impor visões do “dever ser”,
filosoficamente. Em seqüência, a própria realidade concreta corrobora a afirmação dos
cientistas, com o desenvolvimento e popularização de formulas básicas de impacto ambiental,
como o IPAT113 (CHERTOW, 2001), que descrevem as possibilidades essenciais do planeta
em termos de população, consumo e eficiência, demonstra-se por meio de premissas concretas
e de lógica matemática que a eficiência é o fator condicionante das possibilidades de
qualidade e expectativa de vida dos indivíduos e da própria humanidade, que em última
análise é o fim de todo o conhecimento.
Para Kelsen (2006, p. 9) a gênese, no processo legislativo, e o fim, no processo
judicial, seriam os limites políticos do Direito que poderia ser científico apenas nas relações
técnicas entre o julgamento e a criação das normas. Em suma, a teoria pura visava estudar seu
objeto em sua forma, mas não e seu conteúdo, como é demonstrado no trecho: A tendência de identificar Direito e justiça é a tendência de justificar uma dada ordem social. É uma tendência política, não científica. Em vista desta tendência, o esforço de lidar com o Direito e a justiça como dois problemas distintos pode cair sob a suspeita de estar repudiando inteiramente a exigência de que o Direito positivo deva ser justo. Essa exigência é evidente por si mesma, mas o que ela realmente significa é outra questão. De qualquer modo, uma teoria pura do Direito, ao se declarar incompleta para responder se uma dada lei é justa ou injusta ou no que consiste o elemento essencial da justiça, não se opõe de modo algum a essa
112 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978. 113 CHERTOW, Marian. The IPAT Equation and Its Variants. v. 4, n. 4, New Haven, CT, US: Massachusetts Institute of Technology (MIT) and Yale University, 2001.
185
exigência. Uma teoria pura do Direito – uma ciência – não pode responder a essas perguntas porque elas não podem, de modo algum, ser respondidas cientificamente. (KELSEN, 2006, p. 9)
Pode-se concluir do alto grau de importância da iniciativa e das conclusões de
Kelsen (2006), mas os limites expressos de sua teoria em não determinar o conteúdo das
regras por critérios jurídicos, mas puramente científicos são falseados na atualidade, graças a
métodos gráficos e algébricos desconhecidos em seu tempo.
Na teoria da justiça como eficiência expressa no livro The economics of justice,
Posner114 (1983, p. 8) define “justiça” segundo o critério de John Rawls, como confirma o
excerto: I use “justice” in approximately sense of John Rawls. For us the primary subject of justice is the basic structure of society, or more exactly, the way in which the major social institutions distribute fundamental rights and duties and determine the division of advantages from social cooperation.
Posner (2003a) opta por conciliar na definição da palavra, mas diverge
severamente em relação ao conteúdo. The economics of justice descreve diversos conceitos de
eficiência no decorrer da evolução do pensamento econômico e filosófico, porém é na obra
Economic analysis of law que uma definição didática e moderna é identificada no trecho: [...] the term “efficiency”, when used as in this book to denote that allocation of resources in which value is maximized, has limitations as an ethical criterion of social decision-making. The concept of utility in the utilitarian sense also has grave limitations, and not only because it is difficult to measure when willingness to pay is jettisoned as a metric. (POSNER, 2003a, p. 11-12)
Nestes termos, criticar a busca pela eficiência é pregar a redução do consumo e da
expectativa de vida das populações, precipitando a extinção da raça humana e estimulando a
miséria, necessária e concretamente. De maneira análoga, mutatis mutandis, dispensar este
tipo de análise na prática judicial e legislativa, assim como, ignorar estes conteúdos no ensino
do Direito são atos altamente prejudiciais que impõem à redução inevitável da racionalidade
no sentido econômico, condenando a sociedade à degeneração pela irracionalidade, reduzindo
as possibilidades materiais das nações.
Tendo demonstrado, a partir de premissas concretas, que dentro da interface entre
Direito e Economia, não há dicotomia real entre justiça e eficiência, é conveniente lembrar
que ainda é possível esta conclusão segundo diferentes parâmetros doutrinários, tais como o
do utilitarismo, desde Stuart Mill ou Jeremiah Benthan, ou mesmo em uma análise do
pragmatismo americano, de Charles Sanders Peirce a Oliver Wendell Holmes Jr.,
extremamente desenvolvido no realismo norte-americano como faz Godoy (2006).
114 POSNER, Richard. The economics of justice. Harvard: Cambridge University Press, 1983.
186
O pragmatismo, como “única corrente genuína de pensamento que se desenvolveu
nos Estados Unidos da América” (GODOY, 2006, p. 2), é indicado como elemento
fundamental para o progresso e domínio global da atual potência hegemônica. De fato,
existem pelo menos quatro eixos do movimento Direito e Economia doutrinariamente
desenvolvidos na América do Norte, todos pregando que a obtenção de bons resultados
deveria orientar o Direito, ou seja adotando o pragmatismo, a saber seriam: o behavioral
claim, especializando na teoria das preferências e fornecendo previsões de comportamentos
conseqüentes de regras jurídicas; o normative claim, focalizado na eficiência como meta do
Direito; o factual claim, que defende que o common law tende a ser o mais eficiente dos
Direitos; e, a genetic claim, que se dedicaria a mostrar como a common law seleciona as
regras eficientes.
Todas estas análises e teorias mormente baseadas em um sistema de common law
não tornam incompatível a AED em sistemas analíticos continentais, bastando-se adotar as
premissas e lógicas teóricas originais aplicando-as em qualquer outra realidade jurídica. Isso é
possível graças à universalidade dos conceitos adotados e das regras lógicas, constantes vez
que deduzidos concretamente segundo postulados científicos.
A economia é a ciência das escolhas racionais, sejam elas pecuniárias ou não
pecuniárias, todas as opções baseadas por informações e orientadas à satisfação115 podem ser
explicadas e maximizadas por esta ciência, desde as preferências pessoais nas relações
microeconômicas até a macroeconomia das nações. Posner (2003a, p. 6-7) exemplifica como
opções não pecuniárias possivelmente orientadas pela economia desde as opções sexuais até a
gradação de penas a certos crimes.
Referenciados pelo problema básico de que os recursos são inferiores às
necessidades; desta forma, cada agente econômico deve tornar-se um maximizador da
utilização racional aumentando as satisfações à medida que altera comportamentos. Segundo
as lições de Posner (2003a, p. 6-8) os custos informam as opções, os custos sociais diminuem
a riqueza da sociedade, os custos privados promovem uma relocação destes recursos. Desta
forma, quem encontra um tesouro não aumenta a riqueza da sociedade.
Os cânones de valor, utilidade e eficiência, orientados por lógicas científicas como
a teoria dos jogos, poderiam orientar decisões de legisladores e magistrados sem se distanciar
da concepção de justiça, apenas adotando noções concretas e repudiando as teóricas e
contemplativas. O movimento Direito e Economia indica lições a, praticamente, todos os
115 Este vocábulo tem duas acepções básicas na análise econômica, mas neste caso é empregado como parâmetro objetivo e genérico de satisfação como felicidade ou utilidade sem relações com o risco.
187
campos do Direito, sempre se orientando na obtenção de bons resultados, permitindo que o
complexo jurídico seja enfocado realmente como um sistema coerente e sempre passível a
melhoras e adaptações.
O valor econômico de algo é usualmente definido na medida em que alguém esta
disposto a pagar por ele, mas este conceito na análise de Posner (2003a, p. 8) tem um sentido
dissociado de preço. Nesta teoria só há custo social quando há privação do uso do bem, por
outro lado haveria custo privado quando ocorre redistribuição de bens.
Diferenciando valor e utilidade, considera o autor (POSNER, 2003a, p. 19) que a
palavra utilidade tem um duplo sentido econômico: a) para analisar o valor de um benefício
ou custo incerto concretamente (considerando as preferências) ou b) em relação a certo risco
algebricamente e ignorando as preferências. Desta forma, a obra sustenta que: The use of words “value” and “utility” to distinguish between (1) an expected cost benefit (i.e. the cost or benefit, in dollars, multiplied by the probability that it will actually materialize) and (2) what that expected cost or benefit is worth to someone who is not risk neutral obscures a more dramatic distinction. This is the distinction between (1) value in a broad economic sense, which includes the idea that risk-averse person “values” $1 more than 10 percent chance of getting $10, and (2) utility in the sense used by philosophers of utilitarianism, meaning (roughly) happiness. (POSNER, 2003a, p. 11).
Nestes termos, considerando a norma como funcional, e não simbólica, com uma
finalidade específica e não representativa de um ideal metafísico, e orientando o método a
resultados práticos, como prega Thomas Kuhn (apud FEIJÓ, 2003), a aplicação da AED na
normatização das relações societárias é aplicável. O corte epistemológico da análise se
concentrará na compilação tópica da obra de Richard Posner “Economics Analysis of Law” e
na posterior comparação com a legislação vigente no Brasil em cada caso – mesmo que
conceitos de outros analistas econômicos como Coase e Becker tenham sido usados em outros
trechos da pesquisa.
Até mesmo na análise conjuntural da governança corporativa surge a eficiência
como meta da regulação das relações, como ilustra Lautenschleger Júnior (2005, p. 31) ao
afirmar que “particularidades históricas e políticas de cada país apontam para a indagação
sobre a possibilidade de convergência sistêmica tendo como único parâmetro a eficiência
econômica” sugerindo a motivação indutiva da AED como motivação dos direitos dos
acionistas minoritários.
Referenciando diretamente da obra de Posner (1996), a lição da AED sobre as
corporações e os mercados financeiros indica o autor natureza convencional da empresa –
explicitando sua origem norte-americana – e indica como primordial problema empresarial a
188
questão do financiamento – diretamente relacionada ao objeto estudado. Confirma então
Posner (1996, p. 372) que: ¿Qué hace el empresario sin dinero, y que tiene una Idea prometedora para una nueva empresa, a fin de reunir el capital necesario? Es probable que ni siquiera pueda pensarse e que pida prestado todo el capital necesario. Si la tasa de interés libre de riesgo es 6%, pero la empresa tiene una probabilidad de 50% de fracasar y quedarse sin activos para pagar el préstamo, el prestamista, si es natural es riesgo, cobrará una tasa de interés de 112%. El elevado cargo de interés, más la amortización, impondrá a la empresa un costo fijo pesado desde el principio. Ello aumentará el peligro del fracaso y por tanto la tasa de interés.
Reafirmando que o meio para maximizar as taxas de lucro e liquidez,
minimizando o risco, e possibilitando as atividades econômicas é o acesso ao mercado de
valores mobiliários – com a valorização e adesão de sócios – prega como solução o mesmo
autor (POSNER, 1996, p. 372) que: En principio, estas dificultades podrían superase mediante una redacción cuidadosa e imaginativa del acuerdo de préstamo, pero los costos de transacción podrían ser muy elevados. Una alternativa es que el empresario admita a un socio en la empresa, el cual tendrá derecho a recibir una porción de las ganancias a cambio de aportar el capital necesario. La compensación del socio se determina automáticamente por la suerte de la empresa. No hay necesidad de calcular una tasa de Interés, aunque eso se halla implícito en la determinación de la fracción de cualquiera ganancias futuras que reciba el socio a cambio de su contribución.
Mesmo contra a lógica predominante em suas obras, Posner (1996, p. 393) indica
a necessidade econômica de evitar os abusos no controle corporativo através de normas –
como as estudadas – ao ressalvar que “Es cierto que el mercado del controle corporativo no
es un mercado ordinario, dado el conflicto de intereses entre administradores e accionistas” .
Em seqüência, caso a caso, a análise econômica desvenda os mecanismos,
fundamentos e conseqüências de cada uma das medidas estudadas – das leis monopolíticas,
passando pelas vedações de alienação de controle até os mecanismos assecuratórios como o
drag along – de maneira indutiva, do particular ao geral, empírica e fundamentada em
pressupostos científicos da economia.
Concluindo da necessidade das tutelas dos minoritários, Posner (2003a, p. 407)
inclui o tema no capítulo sobre mercado de capitais e não nas questões societárias –
deslocando o tema do Direito Societário para o Direito Econômico.
Para consolidar a função da empresa, na redução dos custos de transação, como
descrito na teoria de Coase (1990; 1995), Posner (2003a, p. 415) relembra que uma
necessidade básica para a redução desses custos é o barateamento da captação – viabilizado
pela elevação da segurança de todos os stakeholders, inclusive dos acionistas. Essa obra
considera a má administração menos danosa que o tratamento injusto com os minoritários,
como no trecho: “The danger of mismanagement (negligence) is less serious than the danger
189
that managers will not deal fairly with the shareholders (disloyalty)” (PONER, 2003a, p.
427).
Posner (2003a, p. 428) não considera a separação entre a propriedade e a
administração como um problema – alegando que a maior parte das preocupações relativas a
isso advêm da confusão entre as expressões firm (empresa) e corporation (sociedade). E que
os acionistas não necessitam de uma democracia acionária, mas sim de uma burocracia que
desencoraje a administração dos interesses societários.
Como resultado da ausência da proteção representada por esse aparato
burocrático, a ineficiência é denunciada – em um trecho que relacionada às conseqüências
obtidas com as causas estudadas no presente trabalho – in verbis (POSNER, 2003a, p. 428): In countries that offer investors weaker legal protection than U.S. law does, one observes such market responses as highly concentrates rather than dispersed stock ownership and very high premiums for a controlling stock interest, and such legal responses as mandatory dividends.
Não sendo conveniente enumerar todas as críticas à AED – e limitando-se a
considera que a maioria delas são respondidas na obra The problematics of moral and legal
theory 116– Flávio Galdino (2005, p. 244-245) relembra que a economização do Direito é um
risco e que: No plano histórico-político, desenvolveu-se com autoridade o argumento de que a afirmação primaz do princípio do utilitarismo em detrimento de princípios éticos (acompanhada da correlata separação entre direito e a moral por força do predomínio dos vários positivismos jurídicos) teria a possibilitado a geração dos Estados totalitários do século XX e as violações dos direitos humanos neles vivenciadas.
De fato, a obra Law, pragmatism and democracy de Posner117 (2003b) indica
como a prática e a teoria da AED e o sistema democrático são possíveis e necessários a partir
da teoria democrática de Joseph Schumpeter – que compara eleitores com consumidores e
identifica no mandato político representativo a profissionalização da Administração Pública e
a ampliação das possibilidades de satisfação de interesses privados – e da maximização da
liberdade, inclusive para os magistrados.
As vertentes de fundamentação diretamente abordadas – a) segundo a
principiologia legal alemã; b) pelos princípios constitucionais implícitos ou pela eficácia
direta de princípios explícitos por meio da horizontalização; c) pelo surgimento de novos
valores jurídicos identificáveis pelos bens jurídicos de tipos recentes envolvidos no tema; e, d)
pela fundamentação pela AED – não esgotaram as possibilidades identificadas. Também foi
116 POSNER, Richard. The problematics of moral and legal theory. 3. ed. Cambridge: Harvard, 2002. 117 Law, Pragmatism, and Democracy. Cambrige: Harvard, 2003.
190
possível para certos doutrinadores justificar as normas estudadas como conseqüências de
políticas públicas momentâneas (e), ou mesmo, como conseqüência de desenvolvimentos
técnicos de valores morais existentes há séculos (f), mas desenvolvidos e concretizados em
maior grau em tempos recentes por tendências como a governança corporativa.
As seis explicações possíveis oferecem diferentes respostas: (a) a principiologia
legal alemã aplica-se perfeitamente no sistema que a instituiu, mas não espelha qualquer
principiologia infra-legal identificável no Brasil; (b) ambas as possibilidades de
fundamentação constitucional para o objeto foram rechaçadas pela doutrina e pela
jurisprudência levantadas, ressalvando que o texto legal é aberto e comporta futuras
interpretações divergentes; (c) no caso dos tipos penais analisados, assim como nas tutelas do
capítulo antecedente, os bens jurídicos não representam inovações societárias, mas apenas
desenvolvimentos dos objetos jurídicos conhecidos a muito, o que confirma a tese da
fundamentação em desenvolvimentos tecnológicos como a governança corporativa (f).
A fundamentação técnica pela AED (d) foi integralmente compatível dispensando
a explicação puramente política (e). Mesmo que muitos legisladores e magistrados
desconheçam tal teoria, ela demonstra como um conceito comum é defendido na realidade
concreta, mesmo que intuitivamente, desde o início das evoluções técnicas e cientificas em
todas as áreas do conhecimento: a eficiência, apresentando-se como valor de justiça científico
encerrando o debate da axiologia exclusivamente filosófica sobre o tema.
191
6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Após descrever a evolução histórica e as relações de poder nas companhias, na
primeira parte; assim como, enumerar e testar seis diferentes fundamentações das tutelas dos
acionistas minoritários, na segunda parte; o trabalho apresenta conclusões conseqüentes da
abordagem crítica, da limitação do objeto no corte epistemológico definido, do respeito ao
método escolhido e da literatura selecionada para revisão.
A pesquisa identificou dezesseis espécies de direitos particulares dos acionistas
minoritários na legislação vigente e os classificou em três categorias: políticos, patrimoniais e
de informação. Além destes direitos, tutelas de proteção foram identificadas em diversos
contextos: a) em documentos para-legais como nos Regulamentos de Mercados,
exemplificados nos Anexos A e B; b) nos crimes positivados pela Lei 10303/2001; c) nas
modernas teorias de responsabilização de atores societários como nas novas formas de
desconsideração da pessoa jurídica; d) nas regras legais de funcionamento do mercado
estruturadas como deveres dos administradores ou controladores; e, e) nos mecanismos
reivindicatórios.
Conclusões pertinentes foram obtidas sobre cada tópico discutido, quanto à
evolução das sociedades por ação foi constatado que:
I – Os processos descritos na evolução histórica das sociedades de capital,
promotoras das grandes empresas, são adaptações econômicas visando à matização da
eficiência com a redução dos custos de transação. Este objetivo demonstra como a existência
das pessoas jurídicas justifica-se especificamente nas pessoas naturais que as compõem e na
maximização de suas satisfações.
II – Na concepção da empresa, assim como nas práticas de mercado das quais
derivam as normas empresariais, foi demonstrada a necessidade do uso da multi, inter e
transdisciplinaridade entre o Direito, a Administração e a Economia, apenas exemplificando.
III – Na evolução histórica das grandes companhias após o século XIX, foi
possível observar fenômenos como a separação da propriedade e do controle, a proposição da
democracia acionária e a separação da compreensão da sociedade e da empresa como fatores
que apenas aumentavam a importância das tutelas estudadas graças às novas formas de
controle.
IV – A máquina que assegura o capitalismo e o modo de vida contemporâneo é a
grande empresa representada pela sociedade por ações, e sua atualização, de tempos em
192
tempos, adicionando inovações para coibir excessos, foi e é necessária, coibindo a
concorrência desleal com as legislações antitrustes; evitando abusos de administradores com a
despersonalização da pessoa jurídica; e, defendendo o investimento e baixando o custo das
transações com as tutelas dos minoritários.
V – Uma democracia acionária pode ser uma ilusão, porém não se pode argüir a
extinção de direitos societários pela falta de exercício fático. De fato, a idéia de democracia é
considerada utópica e matematicamente contraditória para sociedades humanas que adotam o
voto singular – e nem por isso é descartada – o que reafirma a necessidade da busca pela
democracia em relação às sociedades por ações, onde o desequilíbrio de poder em uma
votação é ainda maior.
VI – A sociedade por ações, como organização jurídica da macroempresa
internacional, historicamente consiste em instrumento de eficácia insubstituível na
mobilização de poupanças requeridas para os grandes investimentos – impossíveis muitas
vezes a pequenos grupos de investidores ou sob os parâmetros de sociedades pessoais.
Gradativamente, com a evolução de seu regramento, este ente provocou, diretamente,
mudanças cruciais em âmbitos econômicos, sociais e políticos vitais para o modo de vida
ocidental e que, conseqüentemente, não podem ser ignoradas pelo Estado.
Quanto às relações de poder nas companhias contemporâneas foi evidenciado que:
VII – O poder de controle pode ser resumido como a aptidão efetivamente
exercida de determinar as decisões e o funcionamento da empresa, podendo ser dividido em
interno ou externo. O controle é interno se é exercido de dentro da sociedade e se subdivide
em ordinário – quando decorrente da detenção da maioria acionária – e não ordinário –
quando deriva de mecanismos diversos, como acordos de acionistas, contratos ou expedientes
legais. O controle é considerado externo quando há poder de fato sendo exercido sobre a
sociedade por entes estranhos à sua formação, como a empresa que se coloca sob o domínio
fático de credores.
VIII – A noção de controle interno, base da legislação vigente, resta demonstrada
como insuficiente para explicar os movimentos econômicos modernos em sua completude.
Assim, ramos específicos do Direito definem conceitos próprios – como a ‘influência
dominante’ do Direito da Concorrência.
IX – Soluções jurídicas, baseadas na regra do conflito, como o controle difuso dos
interesses transindividuais societários foram demonstradas como legais e viáveis, mas
insuficientes.
193
X – As soluções organizativas de conflitos foram demonstradas como as mais
eficazes – por eliminar as fontes dos problemas em vez de conceber forma de dirimi-los –
além de apresentarem-se como principais propostas na evolução das práticas administrativas
como aquelas expressas pela governança corporativa.
Quanto à questão específica das soluções para-legais, como as advindas da
tendência da governança corporativa, concluiu-se que:
XI – O debate sobre governança corporativa, com base nos argumentos expostos,
deve ser multi e interdisciplinar e pautado em comparações de estruturas e sistemas e
considerado como uma resposta inevitável ao processo histórico e econômico global que
impõe novos e uniformes regramentos a realidades distintas em nome de um valor universal: a
eficiência, meta da análise da AED e da Teoria da justiça como eficiência.
XII – Tanto os avanços na gestão e na regulação – desde o início do Direito
Econômico, passando às normas de proteção dos minoritários até as novas regras de
fiscalização contábil como Sarbanes-Oxley-Act – são avanços jurídicos com conseqüências e
causas concretas que impõem novos desafios à Ciência Jurídica, como a outras ciências, e que
não podem ser desfeitos ou ignorados sem um alto custo.
XIII – Já que é um desejo socialmente sentido viver sob um sistema de mercado,
que há demanda para uma existência baseada no sistema de produção da grande empresa, que
ainda há necessidade socialmente sentida de elevação da eficiência, e conseqüentemente do
consumo, é inevitável vigiar – consertando e aperfeiçoando a máquina que assegura ao
capitalismo seu funcionamento além das fórmulas positivadas.
Quanto à fundamentação dos direitos estudados no Direito Constitucional, foi
evidente:
XIV – O Estado Democrático de Direito é a síntese histórica de dois conceitos: o
constitucionalismo, que significa limitação do poder e proteção de valores e direitos
fundamentais; e, a democracia, que representa a soberania popular, ou nacional, visando o
bem comum. Devem existir, nestes termos, domínios reservados à Constituição e outros
sujeitos à deliberação majoritária dos órgãos eletivos – estes são os principais argumentos na
limitação da aplicação dos comandos constitucionais nas relações já reguladas por legislações
próprias.
XV – Nas matérias em que não haja reserva constitucional, vigora a supremacia
da lei, nos termos em que a disciplina foi aprovada pelo Congresso Nacional. A decisão
política do legislador somente deixará de prevalecer se for contrária à Constituição. Ao
Judiciário, no sistema pátrio, cabe a missão de interpretar o direito posto, inclusive integrando
194
os comandos normativos mediante valorações concretas e escolhas necessariamente
fundamentadas, não podendo, portanto, criar direito diverso do legislado – deliberado
segundo processo democrático (salvo na hipótese já descrita de inconstitucionalidade).
XVI – Não se observam na legislação vigente incompatibilidades reconhecidas
pela doutrina ou pela jurisprudência, da LSA até a Lei 10.303/01, os diplomas societários
restam completamente compatíveis com os princípios constitucionais analisados, quais sejam:
os implícitos, da boa fé, da função social do contrato e da razoabilidade; e, os expressos, da
função social da propriedade e do equilíbrio econômico-financeiro.
XVII – Nas tentativas de aplicação de fundamentações dos direitos dos acionistas
minoritários no Direito Constitucional houve uma dupla negativa: a primeira, na
impossibilidade na identificação e no reconhecimento de princípios implícitos; e, a seguida,
na insuficiência de penetração da teoria da horizontalização dos Direitos Fundamentais, ou em
sua eficácia direta, na prática brasileira. Dos dados obtidos, resulta a idéia de que se pode
defender a relação de emanação constitucional dos dispositivos de proteção estudados em
uma lógica retórica, mas que não restam evidências concretas que indiquem a relação fática
entre os comandos da Constituição e as tutelas estudadas, pelo menos na legislação e prática
jurídicas pátrias.
XVIII – Devido a fatores organizacionais de produção, como a economia de
escala, a grande empresa é a unidade de trabalho primaz do mundo contemporâneo. Gerida
pelos particulares ou pelo Estado, esta modalidade jurídica de organização privada constitui a
forma das instituições fundamentais na evolução econômica do mundo ocidental,
representando a resposta primeira às demandas de produção, consumo, investimento e
desenvolvimento de tecnologias. Desta forma, o ente estudado resta intimamente vinculado ao
interesse público, enquanto exerce função social em larga escala, e importa para a
sobrevivência de consumidores, investidores, empregados e fornecedores, assim como, para a
manutenção de uma sociedade desenvolvida e aberta à iniciativa privada – valores
constitucionalmente positivados – resultando em vetor unitário de viabilização de direitos
subjetivos públicos como o desenvolvimento econômico e o bem estar social.
Quanto à fundamentação do objeto de estudo na AED e na teoria da justiça como
eficiência concluiu-se que:
XIX – Desde seus primórdios, a evolução do Direito Societário, como parte do
Direito Privado, é demonstrada com as práticas, regramentos e costumes de cada época típicos
das tecnologias disponíveis, mas com a busca de um elemento comum: a eficiência. Também
é observado que a evolução da técnica, inclusive jurídica, propicia a elevação da eficiência e
195
da racionalidade neste ramo da atividade humana reduzindo gradativamente o desperdício, o
desequilíbrio, os abusos e todos os outros fatos que possam ensejar insatisfação social.
XX – Ainda observando a evolução do Direito Societário, com a progressiva
elevação da eficiência continuada historicamente com o objeto deste trabalho, conclui-se que
é possível também a justificação das tutelas estudadas pela AED, assim como é possível
observar que sua prática, difusão e desenvolvimento restam como necessidades prementes
para a elevação do padrão de vida em toda a sociedade.
XXI – Evidencia-se o esvaziamento da importância da AED sem a teoria da
justiça como eficiência, e vice-versa, em uma relação de meio e fim.
XXII – Identifica-se na AED e na teoria da justiça uma solução científica para a
busca primaz da axiologia e filosofia jurídicas, substituindo hipóteses por pressupostos e
inaugurando a possibilidade de Direito como ciência em sua forma e conteúdo, como nem
mesmo Kelsen (2006) concebeu como viável.
Quanto à fundamentação com base no surgimento de novos valores morais, pela
análise dos objetivos jurídicos de tipos penais correlatos verificou-se que:
XXIII – Em certos casos, com a dinamização das relações e o surgimento de
novas regras, é possível observar-se o aparecimento de novos valores morais na forma de bens
jurídicos tutelados. Porém, no caso estudado, não resta claro o surgimento de uma nova moral
advinda de revolução técnica ou social, mas, sim, o desenvolvimento contínuo e o
aprimoramento dos valores e das normas que os positivam. A existência e o fácil
reconhecimento de valores como respeito pela propriedade representada pela ação, o repúdio
aos abusos e a defesa de interesses societários – mesmo que transindividuais – surgem com as
primeiras sociedades por ações, entretanto, as inovações debatidas não se situam no campo
axiológico, da definição dos valores, mas, sim, do jurídico, da regulação das práticas.
XXIV – Quanto à hipótese do surgimento de novos bens jurídicos pode-se afirmar
que, dentre as normas estudadas, a possibilidade aventada não pode ser confirmada, por
exemplo: a) nos crimes da Lei 10.303/01 os objetos jurídicos eram quase que totalmente
dirigidos ao Direito Econômico; b) nos dezesseis direitos particulares em três categorias
(políticos, de informação e patrimoniais), ou mesmo nas tutelas dirigidas ou nos direitos
gerais de acionistas, os novos dispositivos apresentavam apenas evoluções de valores
tutelados a muito tempo e inerentes às funções societárias.
Quanto à fundamentação motivada nas opções de políticas públicas concluiu-se
que:
196
XXV – A reforma da Lei das Sociedades por Ações, iniciada em 1997 e
consagrada com a Lei 10.303/2001, teve como forte inspiração as recomendações de práticas
de governança corporativa tutelando especificamente acionistas minoritários. Estas
modificações sucessivas foram motivadas pelo crescimento da participação privada no
mercado brasileiro – bastando lembrar que, antes de 1990, a maioria das grandes empresas
brasileiras eram estatais – e propiciaram o processo de privatização e a abertura do mercado
que hoje tem função vital na economia pátria com a captação de recursos externos.
XXVI – A política governamental de substituir o endividamento público pela
participação acionária, permitindo que o capital estrangeiro entrasse no país na forma de
investimento direto, resultou em grandes mudanças na adaptação da economia brasileira à
globalização e à maior competitividade internacional dela decorrente. Desta forma, as
mudanças normativas estudadas constituíram parte vital na transição da economia brasileira,
do mercado restrito e cativo, decorrente da política de substituição de importações para um
novo modelo, mais aberto e moderno, com um mercado de capitais um pouco mais
fortalecido.
XXVII – As inovações pátrias, legais e normativas, estudadas representam
avanços parciais. O mercado de capitais brasileiro ainda precisa crescer e se democratizar
muito para promover um sistema efetivo de investimentos que seja capaz de propiciar o tal
almejado desenvolvimento – como direito subjetivo presente na CF/1988 e associado ao bem-
estar social – com mais produção, riqueza, emprego e distribuição de renda – mas esta
evolução legislativa envolve, necessariamente, uma opção política – gênese e fim de qualquer
operação jurídica.
Como uma síntese final evidencia-se que:
XXVIII – Quanto ao objeto estudado, concebe-se que todos os acionistas, em
princípio, devem ter tratamento igualitário e compatível à natureza e quantidade de sua
participação no capital. Desta forma, as tutelas específicas de minorias não devem ser
entendidas como prerrogativas especiais apenas justificadas pela quantidade ou natureza das
ações possuídas por certo grupo, mas, sim, como prerrogativas funcionais com o fim
específico de evitar a violação de direitos pela maioria por meio de abusos, mantendo um
equilíbrio mínimo dentro do quadro acionário.
XXIX – Os avanços procedimentais e legislativos descritos não podem arrefecer a
busca por novas alternativas; neste sentido, estudos mais aprofundados em especificidade das
tutelas estudadas são aconselhados, assim como, a busca constante de atualização do tema nos
mais diversos setores: no âmbito jurídico, com o surgimento de futuras legislações ou
197
entendimentos jurisprudenciais; no âmbito econômico, com novas práticas societárias,
contratuais e cambiárias; ou, em âmbito acadêmico, por inovações intelectuais.
198
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APÊNDICE A – FORMULÁRIO DE QUESTÕES DA AMOSTRAGEM
IDENTIFICAÇÃO
Titulação: ______________________________________________
Atividade Profissional relacionada: ________________________________
MARQUE AS ALTERNATIVAS COM AS QUAIS CONCORDAR E JUSTIFIQUE SE JULGAR NECESSÁRIO:
1) Os padrões de governança corporativa propostos pela Bovespa garantem direitos particulares aos acionistas minoritários ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
2) Os padrões de governança corporativa propostos pela Bovespa tendem a ser gradativamente mais avançados garantindo, conseqüentemente, mais direitos aos investidores ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3) Na pratica, após a Lei 10303/01, foi facilitado o acesso de acionistas minoritários ao Conselho de Administração ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
4) O Novo Mercado promovido pela Bovespa é eficaz em tutelar os interesses dos acionistas minoritários e promover mais transparência ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
5) O Novo Mercado promovido pela Bovespa representa tendência mundial de melhorar condições para aquisição de ações aumentando sua demanda – e pode, no futuro, consistir no principal mercado acionário ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
6) Os altos custos, para os novos ingressantes, somados ao aumento da volatilidade poderiam ser fatores que inviabilizariam a participação de muitas companhias no Novo Mercado ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
7) O Novo Mercado e as praticas de governança corporativa são os principais eventos da história recente do mercado de capitais brasileiro e ambos propiciam tutelas de acionistas minoritários, elevando a eficiência e a racionalidade no mercado e aperfeiçoando a concorrência ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
8) Podem se considerar as tutelas específicas dos acionistas minoritários como conseqüentes de novos valores morais ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
9) Pode se considerar os novos direitos dos acionistas minoritários como desdobramentos dos Direitos Fundamentais ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
10) Pode-se considerar os direitos dos acionistas minoritários como instrumentos específicos de políticas legislativas ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
11) Provavelmente, deve haver desenvolvimento e ampliação das tutelas dos acionistas minoritários no Brasil, nos próximos anos ( );
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
APÊNDICE B – COMPILAÇÃO DAS RESPOSTAS OBTIDAS NA AMOSTRAGEM
EXAMINADO A B C D E F G H I
Questão 1 V V V V V V V V V
Questão 2 V V V V V V V V F
Questão 3 V V V V V V V V V
Questão 4 V V V V V V V V V
Questão 5 V V V F F V V F V
Questão 6 V V V V V V V V V
Questão 7 F V F F V V V V V
Questão 8 F F F V V F F F F
Questão 9 F F V F V F F F F
Questão 10 V V V V V V V V V
Questão 11 V V V V F V V V V
Legenda: V = Verdadeiro; F = Falso; As outras letras maiúsculas representam os indivíduos que responderam aos questionários.
APÊNDICE C – QUADRO COMPARATIVO DE ÓRGÃOS SOCIETÁRIOS 1
Órgão País Principais Poderes Representação Composição Mandato Observação Conselho de Administração
Brasil Supervisão do órgão executivo e
pranejamento.
Não. O órgão executivo e
de administração é a Diretoria.
Somente acionistas. Mínimo de 3
membros.
Máximo de 3 anos, reeleição
permitida. Destituíveis ad nutum.
Órgão com participação na administração, porém na parte do planejamento. A participação dos empregados é facultativa e ainda há o conselho fiscal como órgão competente para a fiscalização.
Board of Directors
EUA Órgão executivo por lei, mas com função de supervisão na prática
Sim, mas há autoridade dos officers inerentes ao cargo.
Não são acionistas necessariamente. No passado 3 membros no mínimo, mas não há mais restrição
Previsão de substituição ad nutum estatutária, no passado era restrita a casos de justa causa conforme a tradição do common law.
Não há previsão de participação dos empregados. Modelo para a legislação brasileira, porém com diferenças como as demonstradas.
Aufsichtsrat Alemanha Supervisão do órgão executivo e
participação paritária.
Não. O órgão executivo e
de representação é o Vorstand.
Não necessariamente acionistas. Mínimo de 3 membros e máximo de 21, conforme o capital. Depende do
modelo paritário ou misto de participação dos trabalhadores na
tomada de decisão.
Máximo de 5 anos (contados de forma geral), Não pode ter assento em mais de 10 órgãos
obrigatórios (ressalvada a possibilidade de empresas de
um mesmo grupo, onde 5 assentos valem por um). Destituíveis ad nutum.
Para empresas com até 500 empregados constituídas após agosto de 1994, o modelo paritário não se
aplica. De 500 a 2000 empregados 1/3 do Aufsichsrat é composto por trabalhadores e em
empresas com mais de 2000 empregados a fração é ½ empregados por representantes.
Conseil de Surveillance
França
Supervisão do órgão executivo.
Não. Directoire como órgão executivo e de
representação.
Somente acionistas (como o conseil
d’administration salvo se empregados). Mínimo de 3 e máximo
de 18 membros.
Não pode exceder 6 anos.
Não pode ter acento em mais de 5 órgãos societários e tem
limite de idade conforme estatuto (se ausente 65 anos).
Destituíveis ad nutum.
Não havia clara separação até 1966 entre o conseil d’administration e diction générale (conhecido
como sistema à francesa e ainda vigente na França). Das funções executiva e de supervisão, pois os
Diretores Gerais (PDG) são nomeados pelo conseil. O conseil de surveillance foi criado à semelhança do sistema alemão. Participação dos empregados com
3% do capital obrigatória.
Amministratore unico/ Consiglio di Ammnistrazione
Itália Órgão executivo por lei que pode nomear um comitato direttivo (ou esecutivo) ou um amministratore
delegato para delegar seus poderes executivos – o que ocorre com
freqüência na prática
Sim.
Não necessariamente acionistas.
Prazo máximo de 3 anos.
Destituíveis ad nutum. Ressalvada, porém,
indenização se sem justa causa.
Não há separação de funções e se aproxima muito do modelo americano, pois se trata a função
executiva como uma delegação de poderes e não como um órgão independente.
Consejo de vigilancia
Argentina Supervisão da administração do directorio.
Não. Directorio como órgão executivo e de
representação.
Somente acionistas. De 3 a 15 membros.
Prazo máximo de 3 anos. Destituíveis ad nutum.
Modelo implementado conforme os modelos alemão e francês, cuja estrutura é opcional para as companhias, que podem ter somente directorio.
Diretoria Brasil Órgão executivo por lei. Sim. Não precisa ser acionista. Mínimo de 2 membros, 1/3 dos membros do
Conselho de Administração podem ser diretores.
Máximo de 3 anos, reeleição permitida. Pode ser destituído
ad nutum.
Modelo que atentou para a segregação, ainda que parcialmente
Officer EUA Órgão executivo por delegação do Board
Somente por delegação ou autoridade inerente
Não necessita ser acionista mas em regra são minoritários com procuração de outros minoritários que os permite
manter a estrutura de um Board que os mantenha na direção da companhia.
Podem ser membros do Board.
Depende de previsão estatutária. A lei admite
destituição sem justa causa.
Os officers são em regra somente uma extensão do
board.
Vorstand Alemanha Órgão executivo por lei. Sim Não precisa ser acionista. Não podem ser membros do Aufsichsrat. Não há
mínimo, salvo se o capital é superior € 3 milhões.
Máximo de 5 anos. Destituição somente por justa
causa.
Modelo clássico de administração dual.
1 Os dados contidos nesta tabela foram retirados de Lautenschleger Júnior (2005, p.50-53)
NADIER RODRIGUES, Renato Amoedo. Direito dos Acionistas Minoritários. 311p.
Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de Direito,
Universidade Federal da Bahia, Salvador.
Autorizo a reprodução [parcial ou total] deste trabalho
para fins de comutação bibliográfica.
Salvador, 18 de Março de 2007.
Renato Amoedo Nadier Rodrigues
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