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TAMBÉM NESTA EDIÇÃO
Os protestos na Turquia
Sino / Myanmar Relations Amidst Political
Changes in Myanmar
EDIÇÃO Nº8 // DEZEMBRO 2013
GLOBALIZAÇÃO ENTREVISTA COM NELSON AMBROGIO,
CEO DA BAYER PORTUGAL
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FICHA
TÉCNICA
Coordenadora do Pelouro de Investigação do NERI
Anna Momotova
Coordenação da PACTA
Inês Eusébio
João Terrenas
Joana Ribeiro
Redes Sociais
Filipa Bastos
Luís Rodrigues
Sofia Ramos
Design
Inês Eusébio
Revisão
Anna Momotova
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Está iniciado mais um ano lectivo, um ano lectivo que se
espera de muito esforço, trabalho e de muito sucesso, como tal
impõe-se uma série de apresentações e felicitações. O Núcleo de
Estudantes de Relações Internacionais, que tenho a honra e o
privilégio de presidir, apresenta a sua revista, a PACTA.
Depois de um ano de onde a PACTA surgiu em formato
revista, a actual equipa, que engloba elementos que faziam parte
da antiga equipa e novos colaboradores, apresenta-se tendo em
vista a continuar e a melhorar o trabalho já efectuado e que é
certo, deixou as expectativas elevadas. Expectativas essas que
certamente estarão à altura do trabalho que o nosso Núcleo vem
apresentando nos passados mandatos. A mesma qualidade na
informação, no conteúdo das análises e na elaboração das
edições são a imagem de marca desta equipa e desta revista.
Uma segunda nota, não menos importante, também é
necessária. Uma palavra de felicitação e desejo de todo o
sucesso aos novos alunos da licenciatura em Relações
Internacionais. Que o ISCSP e este curso sejam para vocês casa,
fonte de aprendizagem académica e na relação com os outros.
Por último, agradeço a todos os alunos que confiaram
nesta equipa que elegeram para os representar enquanto alunos
de Relações Internacionais, a todos vós o meu muito obrigado.
Agradeço ainda a todos os alunos desta grande equipa que
diariamente se esforçam para que o nosso Núcleo funcione, em
que a PACTA, assim como a simulação do G20 dos dias 6 e 7 do
mês passado, são apenas alguns dos projectos que
desenvolvemos para alargar as competências e o conhecimento
dos alunos do nosso curso e de toda a comunidade académica.
Saudações de um ano pleno de sucessos,
O Presidente do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais,
Miguel Brito
EDITORIAL
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5 Os protestos na Turquia
Dra. Isabel David
8 O concurso de acesso à carreira diplomática: algumas
notas
Dr. Nuno Canas Mendes
16 Globalização
Entrevista com Nelson Ambrogio, Ceo da Bayer Portugal
24 Sino Myanmar Relations amidst Political Changes in Myanmar PhD Bill Chou
31 Ex Lege: “A importância da escrita na expansão do Direito”
Dr. António Pinto Pereira
34 Cadernos do Tiaguistão: “Não se atacam aliados”
Dr. Tiago Ferreira Lopes
37 Recensão crítica: ‘Risk’, Deborah Lupton
Dra. Maria Ferreira
39 Experiência: voluntariado no Cambodja
Isabel Alves
sUMÁRIO
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OS PROTESTOS NA TURQUIA
DRA. ISABEL DAVID isabel.david@iscsp.ulisboa.pt
PROFESSORA AUXILIAR NO ISCSP
Os protestos que começaram
em Istambul no final de Maio a
propósito da destruição de um dos
últimos espaços verdes em Istambul,
o parque Gezi, e que continuam
ainda, tomando formas
diversificadas por todo o país,
constituíram uma surpresa no
panorama político e social turco
pela sua dimensão. De facto, o país
tem registado, nos últimos anos, um
crescimento económico
impressionante, apenas suplantado
pelo chinês, com uma melhoria
acentuada dos níveis de vida na
última década, marcada pelo
predomínio político do Partido da
Justiça e do Desenvolvimento (AKP).
Inicialmente destinados a
preservar o parque, os protestos
rapidamente se transformaram numa
contestação mais alargada ao
referido domínio do AKP, unindo
grupos improváveis:
secularistas,grupos LGBT,
muçulmanos anticapitalistas,
muçulmanos revolucionários,
Alevitas, Curdos, Kemalistas,
feministas. Ora, as manifestações na
Turquia não são um fenómeno de
hoje, tendo lugar frequentemente. A
amplitude dos protestos desde Gezi,
contudo, adquiriu uma repercussão
inusitada, para a qual muito
contribuiu a violenta reacção do
governo, que ordenou a sua
repressão imediata, traduzida na
violência policial. De facto, a
actuação policial mereceu várias
críticas vindas da União Europeia e
dos Estados Unidos, que
consideraram desproporcional o uso
da força e, também, o uso de
componentes químicos perigosos
para a saúde nos canhões de água
apontados aos manifestantes. O
Primeiro Ministro turco, Recep
Tayyip Erdogan, deu o tom,
qualificando os manifestantes de
çapulcu – vândalos.
Na verdade, os protestos têm
uma ampla fonte. Alguns sectores
protestam contra aquilo que
entendem ser a crescente
corrupção do partido no poder,
intimamente ligado à construção
civil, que tem movido muito do
crescimento do país, por entre
acusações a favorecimentos de
cariz pessoal (caso, por exemplo,
da entrega de várias empreitadas
ao genro do Primeiro Ministro). Um
outro grupo contesta aquilo que
considera como um ataque ao cariz
laico do Estado, instituído pelo “Pai
dos Turcos”, Atatürk, atributo que
surge na Constituição como
“irrevogável”. Outros grupos, como
os Alevitas (que têm sido
massacrados ao longo da história
turca), reclamam maior tolerância
para com a sua religião,
considerando o laicismo como um
dado “inegociável”. Os muçulmanos
6
anticapitalistas, liderados
por Recep Eliaçik,
opõem-se ao que
consideram ser o “falso
Islão” do AKP, ligado ao
mercado e ao
capitalismo, advogando
um Islão tolerante. Os
Curdos reivindicam a
continuação do processo
de paz, assim como o
reconhecimento da sua
especificidade e dos seus direitos
no país.
Os protestos adquiriram
diversas e inovadoras formas, casos
do “standing man”, um artista turco
distinguido com um prémio de
liberdade de expressão e direitos
humanos na Alemanha, ou da
pintura de escadarias de rua com
as cores do arco-íris. O parque
Gezi foi transformado, durante
algumas semanas, num centro
cultural, que incluía uma biblioteca.
A própria palavra “çapulcu” foi
apropriada pelos manifestantes para
se transformar no verbo “çapulling”,
um neologismo saído das ruas.
A importância e as
implicações dos protestos são de
grande alcance. Com efeito, os
acontecimentos deitaram por terra
a ideia de que o AKP é o feitor da
democracia no país, ideia com que
havia chegado ao poder em 2002.
Nesta altura, o partido apresentava-
se aos eleitores com um programa
centrista, tolerante e democrático,
prometendo pôr termo ao
autoritarismo kemalista que ditava o
rumo do país desde 1923. Para tal,
ancorou o processo de
democratização à adesão à União
Europeia e aos respectivos critérios
de Copenhaga. Desde 2007, os
progressos neste caminho são
lentos, tendo o último capítulo sido
aberto em 2010. Em consequência
dos protestos, a União remeteu
para Outubro novas conversações.
Ao mesmo tempo, Erdogan
condenou violentamente as críticas
internacionais aos protestos,
chegando a afirmar que a Alemanha
estava por detrás dos
acontecimentos, por invejar o nível
de desenvolvimento da Turquia. O
Primeiro Ministro insinuou também
que os judeus estariam na origem
dos protestos e, mais recentemente,
acusou o principal partido da
oposição, o Partido Republicano do
Povo (CHP), fundado por Atatürk.
Dentro do AKP houve
também cisões importantes: a que
opõe o Primeiro Ministro ao
Presidente da República, Abdullah
Gül, que condenou o excessivo uso
da força para reprimir os protestos.
Por detrás da ruptura estão
também as eleições presidenciais
que terão lugar em 2014: o
7
Presidente pretende recandidatar-se,
enquanto Erdogan há muito
ambiciona o cargo. Nos media
turcos, fala-se na criação de um
novo partido em torno de Gül, a
formar-se entre dissidentes do AKP.
Se antes dos protestos Gül era
mais popular junto da população
turca, essa simpatia reforçou-se
agora, debilitando-se provavelmente
de forma irremediável a possível
candidatura de Erdogan. Ainda para
mais, está em processo de
aprovação uma nova Constituição,
na qual Erdogan pretende ver
consagrado um regime
presidencialista.
Um outro desenvolvimento
muito relevante prende-se com a
perda de uma base de apoio
importante para o AKP: o
movimento Gülen. Fethullah Gülen é
um líder religioso turco exilado nos
EUA com peso decisivo na política
e na economia turcas. O movimento
congrega cerca de 10% a 15% da
população turca, movimentando-se
activamente nas esferas da
sociedade civil e na economia. Nos
últimos dez anos, os membros
haviam sistematicamente apoiado o
partido, mas, na sequência dos
protestos desencadeados a
propósito do parque Gezi, aquele
líder religioso condenou a reacção
do governo, optando pela cisão
com o AKP.
Também em 2014 terão lugar
eleições locais. De acordo com as
últimas sondagens, o AKP desceu
nas intenções de voto, pese embora
o facto de manter uma liderança
muito confortável de quase 20
pontos percentuais. Na verdade, a
debilidade dos principais partidos
da oposição, o CHP (que é
prejudicado pelo facto de ter
implantado no país um processo de
secularização radical, no passado, e
de, ainda hoje, não articular um
programa coerente, pese embora a
sua recente viragem para a social-
democracia) e o MHP (Partido de
Acção Nacionalista, virulentamente
nacionalista, opondo-se à
concessão de quaisquer direitos às
minorias do país) apenas reforça o
poder do AKP.
8
O concurso de acesso à carreira diplomática: algumas notas
Este texto tem por base um artigo em co-autoria com Armando Marques
Guedes, “‘O tempo e as réplicas’. Formas de recrutamento de diplomatas: os
concursos de acesso à carreira”, in Cultura, Revista de História e Teoria das
Ideias, n.º 23 (2006).
DR. NUNO CANAS MENDES ncm@iscsp.ulisboa.pt
PROFESSOR AUXILIAR NO ISCSP
A carreira diplomática tem
constituído uma das saídas
profissionais mais procuradas pelos
detentores de um grau académico
em Relações Internacionais, em
Portugal. Tal tem sucedido com
êxito, como mostram as estatísticas,
dado que o número de diplomatas
oriundos nesta área tem vindo a
aumentar desde que ela ganhou se
firmou na Universidade portuguesa
nos alvores dos anos 80. O
Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas em particular deu
um contributo importante para o
acentuar desta tendência, tendo
inclusivamente vários dos seus
licenciados ficado muito bem
classificados nos concursos, nalguns
casos mesmo em 1.º lugar. O
objectivo deste artigo é apresentar
algumas reflexões acerca da
natureza do concurso de acesso à
‘carreira’ no que toca ao perfil
sociológico dos candidatos, aos
critérios apriorísticos de admissão,
não-académicos e académicos e
por último à formação académica
dos admitidos. Tentar-se-á uma
brevíssima abordagem histórica. Os
resultados são bastante curiosos.
Comecemos por fazer uma
breve contextualização dos reflexos
das muitas mudanças sócio-políticas
ocorridas em Portugal nos últimos
quarenta anos, e que não puderam
deixar de ter consequências no que
ao corpo diplomático diz respeito.
Basta começar por uma
constatação quantitativa: com efeito,
“a carreira” cresceu, passou a
incluir um número muito maior de
diplomatas e, consequentemente, o
acesso sofreu por essa via
transformações sérias, muitas delas
com um inevitável alcance
qualitativo. A imagem que ainda
durante a década de 20 do século
passado vigorava de “um mundo
fechado, de díficil acesso e,
sobretudo, numericamente muito
diminuto”1, ia de maneira inexorável
ficando mais distante.
Já no decénio de 60 do
século XX – durante a obstinada
luta pela defesa do Império e as
pressões que isto determinava ao
nível dos serviços do Estado –
1Org. António José Telo (2001), António de
Faria, Cosmos, Lisboa: p. 26.
9
começara a notar-se a necessidade
de um alargamento. As
consequências? Se é possível
reconhecer, através de uma leitura
ainda que superficial do Anuário
Diplomático, a persistência de
algumas dinastias de diplomatas,
também não deixa de ser notório
pela via dessa mesma leitura que a
base social do recrutamento passou
desde então a ser muitíssimo mais
ampla – se quisermos mais
democrática – e torna-se patente
que houve, no que às origens
sociais diz respeito, uma deslocação
do centro de gravidade no sentido
“descendente”, predominando, no
lugar até aí ocupado pela classe
alta e média-alta, um determinado
segmento sócio-profissional: o da
classe média do sector terciário. Os
anos 70 e os seguintes, embora
com especificidades próprias, em
linhas gerais apenas vieram
confirmar uma tendência que vinha
de trás.
Esta mudança é, já o
mencionámos, um sinal das
significativas alterações que a
estrutura da sociedade portuguesa
sofreu desde os anos 60,
acompanhando o desenvolvimento
económico desde então registado, e
que teve como marco político 1974.
Muito há que o prenunciava. O
aumento da escolaridade e,
consequentemente, do número de
licenciados tem aqui um reflexo
deste processo paretiano de
substituição das elites. Antes de
1974, a percentagem da população
portuguesa habilitada com um curso
superior era ínfima e as suas
origens sociais “monótonas”; a
partir desta data o número de
candidatos passou a ser muito
superior, tal como os seus lugares
sociais de “extração”. Acresce que
as transformações sofridas na
política externa portuguesa e em
particular a integração europeia
exigiam mais recursos humanos e,
consequentemente, mais vagas na
carreira diplomática, e havia que
procurar novas fontes aonde ir
buscá-los.
Neste sentido, a conotação
aristocrática do privilégio, se bem
que ainda de alguma maneira
presente, foi-se esbatendo. As
bases, como se viu, foram
alargadas e, deste modo, a
meritocracia tinha uma maior
probabilidade de se impor. Como
tivemos a oportunidade de
confirmar nalgum detalhe no que
diz respeito à mecânica inicial do
processo, sucede, porém, que “a
carreira” conservou, internamente,
numerosos traços de imobilismo e
sobretudo não abriu
verdadeiramente mão da faculdade
de dosear, a seu bel-talante,
privilégio e meritocracia. Entre
muitas outros exemplos, também
nesse plano se estabeleceram
rotinas no Ministério. E, apesar da
crescente e indesmentível abertura
democrática genérica, “a carreira”
tem sempre de maneira admirável
conseguido desequilibrar a balança
de forma a assegurar a sua própria
perenidade enquanto corpo2.
2 Uma rápida nota sociológica, desta feita
apontada para uma problematização maior do
10
Os concursos preenchem
nisso um papel essencial, em todos
os sentidos do termo, um papel
primordial, aliás, no dispositivo
complexo que garante tal
capacidade efectiva de reprodução
sem turbulências. O órgão-chave
nessa intrusão dinâmica, chame-se-
lhe assim, é contudo a entidade
corporativa para tal deliberadamente
desenhada, o Conselho Diplomático
do Ministério, uma criação bem no
espírito do Estado Novo3. Uma
entidade que perdurou – e em
muitos sentidos se viu reforçada –
depois da revolução democrática de
1974. E uma entidade cujo papel
generalizado na consolidação
interna relativamente ao exterior e
termo “cunha” que tão genérica e acriticamente
tem sido usado, com todo o empobrecimento
analítico que tal significa. Como seria decerto
de esperar, o “privilégio” a que temos vindo a
aludir foi desde sempre alterando a sua
definição e o seu ponto de aplicação:
designadamente, se de início fazia referência às
elites tradicionais portuguesas, depressa
começou, com o Estado Novo, a mesclar esse
critério com outros, mais político-ideológicos
(nomeadamente, senão a pertença à União
Nacional, em todo o caso uma adesão tácita ao
seu programa político geral). A natureza
“endogâmica” tão característica de regimes
corporativos rapidamente veio acrescentar uma
demão, ao introduzir o ingrediente
“hereditariedade” (doravante num sentido mais
atido à família nuclear e suas extensões
imediatas) ao rol de critérios usados: os célebres
“filhos dos diplomatas”, que lhes começaram a
“suceder” (tal como, aliás, noutros corpos sócio-
profissionais), em processos quasi-dinásticos de
“substituição passiva” de lideranças. Mais
recentemente, o que não constituirá surpresa,
teve luagr outra alteração: lobbies como os
partidos políticos democráticos e associações
mais ou menos confessionais (ora em sentido
religioso, ora no laico) vieram-se acrescentar à
mélange. 3 As respectivas competências, composição e
funcionamento estão regulamentadas nos art.os
8 e 9, capítulo II, secção I, do decreto-lei n.º
40-A/98, de 27 de Fevereiro.
cuja operação no que apelidámos a
reprodução simples do Ministério
nos parece evidente.
Mesmo sem entrar em
grandes pormenores, vale a pena
aprofundar um pouco este ponto. O
Conselho Diplomático tem sido
essencial para a coesão interna do
Ministério; o papel que tem tido ao
esbater tensões intestinas pela via
de uma criação de
interdependências orgânicas não
pode ser subestimado. Vislumbrar o
seu funcionamento em mais termos
amplos é contudo decerto instrutivo.
A sua intervenção, ainda que se
prolongue por todo o percurso da
vida do diplomata, tem-se revelado
como decisiva logo na fase inicial
de inevitáveis pressões para uma
abertura do Ministério ao exterior. É
certo que, por norma, o Conselho
não se intromete directamente na
admissão de canditatos ao
Ministério. Mas age com enorme
eficácia na fase imediatamente
posterior. Toda a progressão na
hierarquia diplomático-profissional
está vinculada às suas decisões, e
se a regra geral de promoção é,
formalmente, a do “mérito”4, as
suas regras de funcionamento são
contudo definidas por regulamento
interno, pelo que é sempre a
“Casa” ela mesma que define os
critérios que na prática presidem às
referidas decisões – em resultado
institucionalizando-se no processo.
4 Decreto-lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro,
art.º 17.
11
Os critérios apriorísticos de
ingresso: género e formação
académica:
Um dos aspectos essenciais
dos concursos de acesso à carreira
diplomática que deve ab initio ser
focado prende-se com o perfil
exigido aos candidatos para a
respectiva admissão no Ministério
dos Negócios Estrangeiros. Tais
perfis variaram bastante ao longo
do tempo, mas não de maneira
uniforme. Vale a pena apurar estas
variações nalgum pormenor.
Para simplificar, optemos por
classificar os critérios utilizados
para permitir os ingressos como
não-académicos e académicos, o
que, como iremos ter a
oportunidade de verificar, dá em
todo o caso corpo a um contraste
pertinente. Relativamente aos
primeiros, os não-académicos, o
ponto mais óbvio é o de que
alguns dos pré-requisitos de início
exigidos sofreram ao longo do
tempo uma evolução significativa,
mas sempre num sentido de alguma
forma comum: durante a I República
e o Estado Novo, só podiam
candidatar-se à carreira diplomática
indivíduos do sexo masculino, de
nacionalidade portuguesa, com
idade compreendida entre os 21 e
os 35 anos de idade, dotados de
“robustez física” – para poderem,
por exemplo, “afrontar qualquer
clima”, especificava a lei-orgânica
de 1929 –, e aptos a cumprir as
condições requeridas para qualquer
emprego no Estado, o que incluía
uma declaração de anti-comunismo,
uma garantia escrita de fidelidade à
ordem constitucional e um
compromisso de honra de que não
pertenciam a “associações secretas”
(leia-se Maçonaria).
Note-se que estas últimas
condições definidas no diploma de
1939 se foram esbatendo com o
tempo, desaparecendo a última em
1968 e mantendo-se as duas
primeiras em versões mitigadas.
Durante a vigência do marcelismo,
no regulamento de 1972, já não se
encontram referências deste tipo,
ou pelo menos sobrava pouco mais
do que o seu rasto residual.
Basta aprofundar um pouco
para constatar que a direcção
genérica das mudanças tem sido
assaz uniforme e regular: tratou-se,
antes do mais, de um processo,
levado a cabo com uns poucos de
avanços e recuos, de uma certa
homogeneização democrática,
chame-se-lhe assim. O modus
faciendi do processo tem sido
interessante. O que foi sendo
conseguido, foi-o, curiosamente, por
meio de uma simplificação, por
exclusão de partes: por uma
eliminação sucessiva das excepções
e dos critérios-limite avulsos em
que, neste como noutros âmbitos, o
regime autoritário se tornara exímio.
Num plano macro, o andar da
carruagem é com efeito tão nítido
que salta de imediato à vista. O
profiling inicial, que tinha como
óbvio intuito garantir a execução
das preferências do regime sob as
vestes formais de um processo
enxuto de selecção, viu-se assim,
12
como que por defeito, pouco a
pouco substituído por um
mecanismo cada vez mais aberto e
“equitativo”.
Outra inflexão essencial, que
vai claramente no mesmo sentido e
cujo impacto não pode ser
subestimado, diz respeito ao facto
de se terem apresentado, pela
primeira vez, candidaturas de
mulheres no concurso aberto em
Novembro de 1974. As leis
orgânicas de 1939 e 1966,
especificavam que só poderiam
concorrer indivíduos do sexo
masculino, respectivamente nos
artigos 83 e 25. Em 1966, numa
orgânica elaborada sob a batuta do
então Secretário-Geral José Luís
Archer, o Ministério tentou (com a
cumplicidade de Franco Nogueira)
abrir o acesso ao sexo feminino.
Depois de insistir em ver o projecto
o Presidente do Conselho, Salazar,
devolveu-o, com uma interpolação
manuscrita: “do sexo masculino”5.
Seriam precisos mais sete
anos e a sua ausência para que
isso mudasse. Com efeito, na lei
orgânica publicada em 1974, na
nova redacção do revisto artigo 25,
foram omitidas as referências não
só às licenciaturas de acesso como
ao género. A mudança começou –
ainda que lentamente – a produzir
efeitos. Vistas as coisas em
contexto, não foi, apenas, um abrir
de portas, até então trancadas, a
mais de metade da população; em
5Agradece-se ao Embaixador Pedro Ribeiro de
Menezes esta magnífica e muitíssimo reveladora
petite histoire.
paralelo com o que teve lugar em
muitos outros domínios, tratou-se
de uma inovação que ia no sentido
genérico da assunção de um papel
crescente das mulheres no Estado e
na vida pública geral. E foi uma
mudança eficaz, já que nesta como
noutras áreas, o crescimento foi em
resultado explosivo. Se em 1979 o
número de mulheres admitidas –
doze – representava só 4,1% do
quadro de 290 diplomatas, volvidas
duas décadas, em 2000, este
número decuplicou, representando
então 22,5% dos funcionários,
numa tendência que continua a
acentuar-se. A título de exemplo,
refira-se que no concurso de 2005,
nas 30 vagas disponíveis, o número
de mulheres admitidas à categoria
de adido de embaixada foi
claramente superior ao de homens.
Com efeito (e de novo numa réplica
tardia daquilo que desde há muitos
anos se verifica nas Universidades
portuguesas), ingressaram como
adidos de embaixada mais mulheres
do que homens: doze do género
masculino e dezoito do feminino.
Em 2013, das 20 vagas preenchidas
só uma coube ao sexo feminino, o
que parece ser um dado contra-
13
corrente e decerto não indicia
nenhuma tendência.
Pormenorizar mais os nossos
pontos de aplicação permite-nos
resolver melhor imagens, ainda em
planos macro. Efectivamente, outras
inflexões houve que importa
sublinhar, dado o impacto que
tiveram. O perfil exigido aos
candidatos a diplomatas foi sendo
alterado também noutras direcções,
as quais, se não significaram
necessariamente uma
democratização, em todo o caso
soletraram uma maior abertura
geral do acervo de pré-requisitos.
No que diz respeito à formação
académica que habilitava os
candidatos, os regimes pós-28 de
Maio introduziram uma mudança
qualitativa importante face ao que
era praticado até então, e que
consistiu na menção aos cursos
obrigatórios que habilitavam os
candidatos ao concurso.
A lei-orgânica de 1929, por
exemplo, indicava qualquer dos
cursos de Direito das Faculdades
de Lisboa e de Coimbra, bem como
o curso diplomático e consular dos
Institutos Superiores de Comércio
de Lisboa e do Porto. A preferência
pelo Direito foi dando lugar a um
alargamento, ainda que estreito, do
leque de licenciaturas admitidas.
Assim, no regulamento de 1939,
davam acesso à carreira
diplomática as licenciaturas em
Direito, Ciências Histórico-Filosóficas
ou Ciências Económico-Financeiras.
No regulamento de 1968, verificou-
se um alargamento do número de
licenciaturas, de três para seis:
Direito, Filosofia, Economia, História,
Finanças, Altos Estudos
Ultramarinos. A grande viragem
surgiu no regulamento de 1972, em
cujos termos foram pela primeira
vez admitidos a concurso quaisquer
licenciados, indiscriminadamente,
fosse qual fosse o curso que
tivessem frequentado e concluído
com êxito6.
Sem qualquer organicismo,
note-se que esses processos gerais
de flexibilização constituiram um
acquis que se foi sedimentando
sem grandes recuos. Esta maior
abertura em várias frentes, tal como
as alterações mais propriamente
“democráticas” a que antes fizemos
alusão, vieram para ficar; desde
1972, todos os regulamentos
exarados têm reproduzido esta
última inovação “ecuménica”
introduzida no fim do período
marcelista7, tal como têm mantido
6 Registe-se, porém, que o decreto-lei n.º 40994,
de 9.2.1957, no seu artigo único, já admitia a
concurso os licenciados com qualquer curso
superior professado numa universidade
portuguesa. Tal medida veio a ser alterada pela
decreto-lei n.º 47331, de 23.11.1966, que no seu
art.º 25 limita novamente as licenciaturas de
acesso a Direito, História, Filosofia, Economia,
Finanças e as conferidas pelo Instituto Superior
de Ciências Sociais e Política Ultramarina
(ISCSPU). Finalmente, o decreto-lei 136/72, de
8.4, repõe, no seu art.º 1, o disposto no citado
decreto-lei de 1957. 7 Seria interessante apurar, por meio de um
estudo sociológico minimamente aprofundado,
se esse alargamento de âmbito da aceitabilidade
de formação não terá correspondido, ainda que
tão-só de maneira parcial, às dinâmicas de
mudança que, em paralelo, foram ocorrendo
entre os membros das elites sociais e políticas
nacionais no que toca às selecções e
preferências de cursos universitários a
frequentar.
14
as outras que pusémos em
evidência.
Perfil académico dos admitidos
Existem dois estudos – da
autoria de Pedro Aires de Oliveira8
e de Ana Leal de Faria9- que
ensaiaram levantamentos de dados
que permitem retirar ilacções sobre
as propensões e as mudanças, quer
no perfil de admissão quer no perfil
dos admitidos. Vejamo-los um a um.
Pedro Aires de Oliveira considerou
o intervalo de anos 1926-1973 e
apoiou-se nas informações
constantes dos anuários
diplomáticos para este período.
Apurou que, durante este quase
meio século, o Direito aparecia na
dianteira, com larga vantagem
(63%), seguido dos cursos da área
das Humanidades (com prevalência
para Histórico-Filosóficas, presume-
se), com 16% e as Ciências
Económicas, com 14%10. Os
restantes cursos apresentavam um
valor puramente residual. Mais
ainda: concluíu que, em termos
geográficos, a maioria dos
admitidos provinha de
8 Pedro Aires de Oliveira – O Corpo
Diplomático e o Regime Autoritário,
Análise Social, vol. XLI, n.º 178, 2006.
9 Ana Leal de Faria, “Sociologia dos
‘negociadores’, Perfil intelectual e social dos
diplomatas portugueses (1640-1750)”, Negócios
Estrangeiros 10. 10 Como explica Pedro Aires de Oliveira,
art.cit., pp. 156-157, “os indivíduos formados no
ISCEF ingressaram no MNE sobretudo nas
décadas de 30 e 40: a partir de finais da década
de 50, os salários do sector privado tornaram-se
mais atraentes para os economistas que, de
resto, também passaram a ser mais solicitados
por outros departamentos ministeriais e
organismos públicos”.
estabelecimentos de ensino superior
em Lisboa.
Estes são dados que uma
perspectiva de mais longa duração
parece confirmar. Ana Leal de Faria,
baseada no Anuário Diplomático de
2000, verificou que uma
percentagem superior a 50% (52,4%
para ser mais exacto) dos
funcionários diplomáticos era
formado em Direito; 18% tinha
formação em Relações
Internacionais e Ciência Política (e
destes 76% eram oriundos do
ISCSP); seguiam-se, com 17,1%, os
licenciados em Letras e Ciências
Sociais e Humanas, sobretudo em
História e Filosofia; em quarto lugar,
e a uma distância considerável,
surgia, compreendendo apenas 5,8%
dos adidos de embaixada, a
licenciatura em Economia. Outras
formações ou graus académicos
superiores tinham também um valor
meramente residual. A grande
maioria (79,8%) dos admitidos, no
seguimento, aliás, do que fora o
caso nas duas gerações intermédias
do século XX sobre as quais Aires
Oliveira se debruçou, concluiu os
seus estudos em Lisboa.
A inclusão de dados mais
recentes do que aqueles
contabilizados por estes dois
autores permite-nos dar um passo
em frente. O contingente de jovens
adidos que tomou posse em 2005
não terá contribuído para alterar
significativamente este panorama
genérico. Verificou-se, no entanto,
que de entre os trinta aprovados, o
contingente maior foi o de
15
licenciados em Relações
Internacionais, com onze
representantes, seguindo-se-lhe o
dos formados em Direito, com nove,
e o ainda menor agrupamento dos
licenciados, seis no total, em
Ciência Política; apenas três dos
adidos aprovados tinham formação
em áreas de Economia e Gestão; o
lugar remanescente foi atribuído a
um licenciado em Línguas e
Literaturas Modernas. Uma análise
de relance para os concursos de
2006, 2008 e 2012 permitirá
aperceber alterações pouco
significativas. A título meramente
ilustrativo, refira-se que o 1.º
classificado deste último concurso é
um licenciado em Relações
Internacionais pelo ISCSP.
Num rápido comentário
marginal, parece pois verificar-se um
decréscimo nas licenciaturas
“clássicas” de acesso. Tal poderá
prenunciar que, a médio prazo, a
distribuição típica nas formações de
base dos diplomatas do Ministério,
e designadamente a primazia do
Direito poderá vir a dar lugar à
afirmação de uma formação
académica hegemónica – uma
formação sobretudo em Relações
Internacionais criada no início da
década de 80 do século XX, com a
finalidade, entre outras, de fornecer
candidatos à carreira diplomática.
Não temos, porém, para já, maneira
de o confirmar ou infirmar: o futuro
o dirá.
16
GLOBALIZAÇÃO: ENTREVISTA A NELSON AMBROGIO
Num mundo cada vez mais
globalizado, onde um evento
ocorrido em determinado sitio pode
afectar cada vez mais pessoas e
sociedades distantes e no qual a
mobilidade é cada vez maior,
optamos por falar com o Dr. Nelson
Ambrogio, que nos mostrou o lado
vivenciado por quem integra uma
organização global.
1. Tendo em conta que o tema
principal desta entrevista é a
globalização, como é ser um
uruguaio em Portugal a trabalhar
numa empresa alemã?
Pensei em começar com o
exemplo da minha casa. Como bem
comentou, eu sou uruguaio mas
também tenho nacionalidade italiana
porque os meus avós emigraram no
começo do século passado, a
minha mulher é mexicana, a nossa
primeira filha nasceu no México, a
segunda nasceu na Alemanha, a
terceira nasceu no Brasil e dentro
de algumas semanas teremos um
filho português. Temos amigos que
dizem que nos parecemos com as
Nações Unidas. Voltando à
pergunta, eu diria que é cada vez
mais habitual, cada vez há mais
mobilidade das pessoas, cada vez
há mais oportunidades de
desenvolvimento que as empresas
oferecem para fazer carreiras
internacionais. Neste sentido, o
grupo Bayer, que tem
aproximadamente cento e dez mil
colaboradores em todo o mundo,
oferece também possibilidades de
desenvolvimento internacionais, o
que é algo bom para os
colaboradores que acham
interessante esse tipo de
oportunidades, e é muito bom para
a companhia também porque
oferece uma diversidade muito
interessante, ajudando-a a adaptar-
se melhor às necessidades de cada
mercado.
2. Tendo ocupado o cargo de
diretor na unidade de General
Medicine na Bayer HealthCare Brasil,
como encarou a mudança de um
país em desenvolvimento
pertencente aos BRIC para um país
desenvolvido que se encontra numa
grave crise económica e financeira?
Nesse sentido, acho que a principal
palavra é flexibilidade. Quando
estive no Brasil, (os últimos três
anos antes de se mudar para
Portugal) o país estava a crescer
muito, muito mais do que cresce
neste momento. Por outro lado,
para mim a palavra crise não é
uma palavra nova porque tendo
vivido e trabalhado na América
Latina já estava de certa forma
habituado a lidar com a mesma.
Quando há uma mudança (neste
caso para Portugal) penso que o
mais importante é perceber qual é
a realidade do país para poder
aproveitar algumas das
aprendizagens dos outros países no
Por Joana Ribeiro e Filipa Bastos
17
novo porque muitas vezes há muito
mais semelhanças entre eles do
que nós poderíamos imaginar,
independentemente das regiões ou
da fase de crescimento ou de não
crescimento. Sobre a crise em
Portugal, estamos a ver nos últimos
meses, ou pelo menos
recentemente, alguns sinais
macroeconómicos positivos, o que é
bastante bom. Do ponto de vista da
Bayer temos uma equipa que está
completamente comprometida, muito
profissional, e temos muito bons
produtos que oferecem soluções
para necessidades não atendidas.
Neste momento acho que a
prioridade é tentar navegar da
melhor forma possível nestes
tempos mais turbulentos para
tentarmos sair reforçados da crise.
3. Os valores do grupo Bayer
reúnem-se na palavra LIFE, que em
português significa vida, e cujo
acrónimo significa liderança,
integridade, flexibilidade e eficácia.
Como é que a Bayer consegue
utilizar os seus recursos da melhor
forma possível, não descurando a
filosofia LIFE neste contexto de
crise económica?
Eu diria que o momento em que os
valores mais se aplicam são em
tempos de crise ou de adversidade,
então agora, mais do que nunca,
aplicamos os nossos valores. O que
significam concretamente nesta
situação as palavras LIFE (liderança,
integridade, flexibilidade e
eficiência). Liderança significa
ficarmos focados nas nossas
prioridades estratégicas e ficarmos
também optimistas, não entrarmos
numa espiral negativa e de
frustração porque neste momento
temos que tentar aproveitar as
oportunidades que possam existir.
Integridade significa zelar pelos
nossos colaboradores, obviamente
numa fase em que não é só
complicado para a companhia mas
também para as famílias, e procurar
equilibrar as necessidades ou
resultados de curto prazo com os
resultados esperados a longo prazo.
Sobre a flexibilidade, talvez seja a
palavra que temos que exercitar
mais nesta fase já que basicamente
estamos a ver um Portugal hoje
muito diferente do Portugal que
tínhamos antes. Então flexibilidade
significa entender como está a
mudar o país e como temos que
nos adaptar para continuarmos a
ter sucesso neste mercado. A última
palavra é eficiência. É fundamental
gerir os nossos recursos com
inteligência, tentar otimizar o que
possa ser otimizado e focarmo-nos
nas atividades que realmente
aportam valor. Os valores LIFE
aplicam-se nesta fase e são a
18
nossa guia para aplicar em
qualquer tipo de mercado, de
situação, e que todos os
colaboradores devem ter como base
para o seu dia-a-dia.
4. Qual é a influência da
sustentabilidade e da
responsabilidade social na
competitividade da empresa a nível
internacional?
A sustentabilidade faz parte da
nossa estratégia corporativa e
basicamente o foco da mesma para
a Bayer significa, primeiramente,
práticas de negócio responsáveis,
guiadas pelo nosso código de
compliance, e também ao mesmo
tempo a inovação, porque é através
da inovação que vamos conseguir
garantir um equilíbrio entre o
benefício económico, o benefício
ecológico e o benefício social. No
que respeita à responsabilidade
social, assumimos a nossa
responsabilidade obviamente e
temos uma serie de iniciativas a
nível global mas também muitas
delas em Portugal. Podemos ilustrar
as últimas com exemplos como uma
parceria que temos com a UNESCO
chamada “Química entre nós” e que
tem como objectivo despertar o
interesse das crianças, dos mais
novos, pelas ciências. É uma
parceria que já tem tradição e que
continuámos este ano. Outro
exemplo seria uma iniciativa que
surgiu proactivamente de dois
colaboradores da Bayer que se
juntaram e formaram um grupo
chamado Núcleo de Ação Social. É
um grupo de colaboradores que se
envolve em atividades para
melhorar a qualidade de vida e a
situação de pessoas que
atravessam um momento mais
complicado. Recentemente este
grupo recebeu um prémio da nossa
casa mãe, um reconhecimento pelo
seu trabalho, pelas suas ideias, e
graças a esse apoio conseguimos
apoiar recentemente a Casa Lilás
da organização Novo Futuro. Fomos
lá, eu e vários colaboradores da
Bayer, pintámos a casa e fizemos
algumas reformas. Penso que isso
mostra que a responsabilidade
social não é algo que somente
temos em brochuras mas que
realmente estamos a tentar
procurar viver no dia-a-dia.
5. Como consegue a Bayer triunfar
e permanecer relevante num
mercado globalizado e cada vez
mais competitivo, sem descurar os
princípios éticos que são
indissociáveis a uma empresa que
atua na área da saúde e onde a
concorrência poderá interferir com
estes mesmos princípios,
nomeadamente no que toca aos
ensaios clínicos?
Aqui voltaria ao tema da
sustentabilidade e das práticas
responsáveis de negócio. Nós,
Bayer, temos um código de
compliance que faz parte da nossa
política de sustentabilidade que se
aplica a todos os colaboradores
mundialmente e também a todas as
áreas, envolvendo também os
ensaios clínicos mencionados na
19
pergunta. A Bayer tem globalmente
uma história de mais 150 anos
(neste ano estamos a comemorar
os 150 anos da sua existência) e
isso só é possível se tivermos uma
estratégia de sustentabilidade por
trás, o que só é possível através da
compliance.
6. Ao juntarmos as palavras saúde
e globalização pensamos
inevitavelmente na significante
melhoria que a globalização veio
permitir ao nível de vida global.
Contudo, África, grande parte da
Ásia e da América Latina ainda têm
um considerável caminho a
percorrer face aos cuidados de
saúde e ao Índice de
Desenvolvimento Humano quando
comparados com a Europa ou a
América do Norte. Quais são para
si os principais obstáculos a uma
verdadeira “globalização da saúde”?
Primeiramente, eu diria que temos
que ter bastante cuidado com as
generalizações. Será que dá para
falarmos de uma América Latina ou
de um Brasil? Dentro de um país
podem existir realidades muito
diferentes, entre as grandes capitais
e as regiões um pouco mais
remotas. Isso para mim ficou
claríssimo no Brasil. Também
quando falamos da América do
Norte e da Europa, remetemo-nos
para situações bastante diferentes.
Ou até mesmo dentro da própria
Europa temos situações divergentes.
Muitas vezes ouvimos falar sobre os
países da Europa do Norte e da
Europa do Sul. Portanto as
generalizações são complicadas e
temos que ter cuidado. Se olharmos
por exemplo para a situação de
Portugal, temos claramente uma
situação de acesso aos
medicamentos que é diferente da
situação de acesso de outros
países da União Europeia. Sabemos
que temos demoras bastante
prolongadas para as
comparticipações e isso implica que
a população portuguesa não tenha
o mesmo acesso a medicamentos
que outros países da Europa.
Mesmo assim, é verdade que
existem mais de dois mil milhões
de pessoas que estão numa
situação de atendimento de saúde
inferior ao que deveriam receber.
Mais de dois mil milhões de
pessoas sem um atendimento de
saúde adequado é um problema
que dificilmente possa ser resolvido
somente por um único ator, tem
que ser um esforço conjunto entre
diferentes organizações, e
obviamente a Bayer está a
colaborar com as mesmas para
tentar aportar o que importa nesse
sentido.
7. Revelando um grande
crescimento, qual é a importância
da região económica da
Ásia/Pacífico para o futuro desta
multinacional alemã nos mercados
internacionais?
A região da Ásia/Pacífico neste
momento representa para a Bayer
22% do negócio global. Ou seja,
22% das vendas globais (dados de
2012 que estão publicados) foram
nesta região. O crescimento foi de
20
dois dígitos, sendo uma região que
está, claramente, a crescer. É a
terceira região em vendas da Bayer;
a primeira é a Europa, a segunda é
a América do Norte. Se o
crescimento continuar desta forma,
mais tarde ou mais cedo a
Ásia/Pacífico será a segunda região
porque já está bastante perto das
vendas da América do Norte. Para
o futuro a importância continuará
evidentemente a ser bastante alta e
esperamos e acreditamos que os
mercados nos quais participamos,
principalmente na saúde humana,
na saúde animal e também na
proteção das plantas continuarão a
crescer. Portanto, a nossa presença
continuará a expandir-se.
8. Tendo em conta a delicada
situação do continente africano, em
especial na área subsariana, quais
são as políticas mais relevantes da
Bayer em relação à saúde?
Este ano comemoramos 150 anos
globalmente sendo que em Portugal
já temos mais de 100 anos e em
África já temos quase 100 anos.
Portanto, temos uma presença há
bastante tempo com companhias
com presença desde Casablanca
até à Cidade do Cabo. Estamos
assim presentes em todo o
continente africano. Além de termos
a presença das nossas subsidiárias
também estamos envolvidos noutros
programas com organizações
justamente para tentar apoiar o
acesso à saúde da população
africana. Um exemplo disto seria, na
minha opinião, a iniciativa de
planeamento familiar. A Bayer é
líder mundial na anticoncepção e
há mais de 50 anos que está a
trabalhar junto com outras
organizações em temas de
planeamento familiar para África
que não têm somente a ver com
facilitar o acesso ao medicamento
mas também com trabalhar na
educação das pessoas e na
consciencialização do que significa
a saúde sexual e reprodutiva.
Somente com o medicamento e
com a educação é que as
iniciativas podem ser sustentáveis.
9. De que forma é que uma
multinacional como a Bayer pode e
pretende influenciar o mercado
português?
O nosso lema ou a nossa missão é
Bayer, Science for a Better Life, ou
Bayer, Ciência para uma Vida
Melhor. Então como pretendemos
influenciar o mercado português? Eu
diria que guiados pelo nosso lema.
Através da ciência, através da
inovação e trazendo soluções para
os portugueses. Basicamente
21
fazendo o que esta no nosso ADN,
ou seja, inovando. Se inovarmos
estaremos a traçar novos produtos
em áreas terapêuticas, como
estamos a traçar neste momento
com a cardiologia, a oftalmologia, a
oncologia e a saúde da mulher.
Esta é a melhor forma que temos,
na minha opinião, para influenciar
positivamente o mercado português
e traçar soluções para os
portugueses e portuguesas.
10. Considerando uma situação
hipotética em que era desenvolvido
um fármaco que deixava o ser
humano imune a todas as doenças,
existira, na sua opinião, alguma
farmacêutica que aceitasse vender
este produto a um preço acessível
a uma escala global?
As empresas finalmente são
pessoas e estão feitas por pessoas
e todos nós temos a nossa família
e os nossos entes queridos. Logo,
como é óbvio, todos nós
gostaríamos de ter um produto
desse tipo porque estaríamos a
ajudar ao mesmo tempo todos os
nossos entes queridos, todas as
nossas famílias. Sim, claro, seria
algo muito bom para todos termos
um produto desse tipo. Voltando ao
que comentava na pergunta
anterior, poderíamos falar de
missão cumprida ao possuirmos
esse produto uma vez que teria
sido o resultado da ciência para
uma vida melhor, logo o nosso
lema seria aplicado. Até lá, teremos
de continuar como até agora,
pesquisando bastante,
desenvolvendo novos produtos e
tentando ajudar a população com
novas soluções.
11. Teria logo de início um preço
acessível ou seria uma coisa a
longo prazo, que de início estaria
apenas disponível para uma elite?
Quando é aprovado um produto
farmacêutico do ponto de vista da
segurança e eficácia, também é
aprovado pelas autoridades
competentes o preço desse produto.
Para o definir entram em avaliação
vários elementos, como por
exemplo, quais são as opções
disponíveis, a fármaco-economia,
temas de acesso, então seria muito
difícil neste momento afirmar qual
poderia ser o preço de um produto
com esta característica. Seria
especular já demais.
CURRÍCULO (também disponível em http://linkd.in/1etWdVJ)
Nelson Ambrogio
Managing Director at Bayer Portugal S.A.
nelson.ambrogio@bayer.com
22
Experiência Profissional
Managing Director at Bayer
August 2012 - Present
Managing Director at Bayer Portugal S.A., Bayer HealthCare
Representative and Country Division Head Bayer HealthCare
Pharmaceuticals
Head of Business Unit General Medicine Brazil at Bayer HealthCare
May 2010 - August 2012
Therapeutic areas: Cardiovascular, Men's Health, Anti-Infectives. Based in
Sao Paulo, Brazil.
Executive Board Support Strategy & Human Resources at Bayer AG
August 2007 - May 2010
Assistant to Group Board of Manager Member in charge of Strategy &
Human Resources and responsible for the Regions Americas, Africa and
Middle East. Based in Leverkusen, Germany.
Marketing & Sales Operations Region Latin America/ Canada at Bayer Schering
Pharma
2006-2007
Business Development & Licensing, Market Research, Sales Force
Effectiveness, Pricing, Promotional Materials. Based in Mexico City,
Mexico.
Head of Strategy, Business Development and Marketing Services Region Latin
America/ Canada at Schering
2002-2006
Based in Mexico City, Mexico.
Product Manager Dermatology at Schering Uruguaya S.A.
January 2000 - December 2001
Based in Montevideo, Uruguay.
Sales Representative at Schering Uruguaya S.A.
August 1998 - December 199
23
Formação Académica
Business School Sao Paulo
MBA, Executive MBA, 2011-2012
Executive MBA at Business School Sao Paulo, part of Laureate
International Universities, International Module at Sawyer Business
School - Suffolk University, Boston - USA.
Zeit- Stiftung
Global Governance, 2009
Bucerius Summer School on Global Governance, organized by the Zeit-
Stiftung Ebelin und Gerd Bucerius in cooperation with the Heinz Nixdorf
Stiftung. Hamburg, Berlin, Paderborn.
INSEAD
Competitive Strategy, 2008
Competitive Strategy Programme held at INSEAD, Fontainebleu, France in
2008.
Universidad del Valle de México
BA, Business Administration, 2003-2006
German-Uruguayan Chamber of Commerce
Diploma, International Sales & Marketing, 1996-1998
24
PhD BILL CHOU
ASSOCIATE PROFESSOR | DEPARTMENT OF GOVERNMENT AND PUBLIC ADMINISTRATION
UNIVERSITY OF MACAU | CHINA
Introduction
China’s huge population, large
territory, and tremendous economic
and military prowess have produced
immense impact on the international
community and are of many
countries’ concern. This isparticularly
true to China’s neighbouring
countries. The paper is to study the
relations between China and
Myanmar. Amidst political
democratization in Myanmar, the
populace has become increasingly
assertive. Foreign capital and
influence are increasingly present in
the country. The political leadership
of Myanmar is skillful at making use
of these changes to counterbalance
the impact of China and maintain
its sovereignty and regime stability.
Strategic Values of China to
Myanmar
China is essential for Myanmar
to cushion the damages of Western
economic sanctions. China is
Myanmar’s largest trading partner. In
2010, the bilateral trade was worth
US$ 4.44 billion, 68.6% higher than
that in 2008. China is also
Myanmar’s major sources of foreign
direct investment, official
development aids, and military
assistance. China invested more
than US$ 14 billion in Myanmar’s
fiscal year of 2010/11 (April-March),
or 70% of the total foreign direct
investment. This was a substantial
rise from US$ 300 million a year
before (“Insight: As Myanmar
opens”2012). In the industry of
resource extraction, Chinese capital
accounted for over 90% of the
foreign capital. Between 1991 and
2005, Bank of China and The
Export-Import Bank of China
provided Myanmar with credits worth
US$ 1 billion (Sun 2012a; Zhao
2011, 256-259). Owing to the
significance of Chinese capital to
Myanmar, Myanmar set up “The
Leading Committee for
PromotingEconomic Cooperation
between the Union of Myanmar and
the People'sRepublic of China” in
1996. The Committee was chaired
by the Junta Secretary General Khin
Nyunt (Tin 2003, 203).
SINO MYANMAR RELATIONS AMIDST POLITICAL CHANGES IN MYANMAR
25
Meanwhile, China is instrumental
for Myanmar to fend off Western
censure. In 2007, US sponsored a
resolution to UN Security Council in
an attempt of condemning Myanmar
on its human right record. Joined
by Russia, China cast a vote to
veto the resolution (Department of
Public Information, United Nations
Security Council, 2007). This echoes
China’s conventional, non-
interference approach to the
domestic affairs of foreign countries,
but conflicts with Western advocacy
of right to intervene with any
countries which fail to protect their
own citizens.
Strategic Values of Myanmar to
China
Myanmar is a gateway for China
to revive its southwest silk road
from Yunnan to Bangladesh, India
and the West, as well as a bulwark
against U.S. encroachment from
Southeast Asia. It has abundant
natural resources and exports
substantial oil, natural gas, and
timber to resource-hungry Chinese
economy. China is able to import oil
from Middle East and bypass the
pirate-ridden Malacca Strait
controlled by the US and its allies
(Shee 2002).
26
Besides that, the state security
in southwest China is contingent on
Myanmar’s political, economic and
social stability. Yunnan province has
long been plagued by the armed
conflicts between Myanmar
government and its ethnic minorities.
The conflicts sometimes cause
exodus of Myanmar refugees who
seek haven from China. The
economic hardship on the side of
Myanmar forced the Myanmar
peasants to rely on opium poppy
growing and accentuated China’s
drug problem. The weak governance
in Myanmar’s borderlands resulted
in cross-border problems of illegal
timbering, casinos, prostitutions, and
spread of AIDS. Out of security
consideration, China has a vested
interest on Myanmar political
stability and economic prosperity
(Zhao 2011).
Myanmar’s potential to ease the
threat to China’s energy security
attracted China to invest
substantially on the infrastructure
related to transportation and
energy. China participated in such
construction projects as the port of
Sittwe on Myanmar’s west coast, a
road link between Yunnan and Bay
of Bengal, an oil pipeline from
Rakhine State of Myanmar to
Yunnan, and several dams for
hydroelectric power along Irrawaddy
River.
Political Changes in Myanmar and
the Implications to Sino-Myanmar
Relations
Myanmar has been plagued by
disastrous economic policies and
Western economic sanctions. In
2007, many people protested
against a substantial rise in patrol
price and inflation. The government
was worried that keeping the
oppressive rule would lead to even
more protests. After the civilian
government led by President Thein
Sein took office in 2010, the
government gradually lifted the
restrictions on political and civic
freedoms: Nobel Peace Prize
Laureate Aung San Suu Kyi and
most other political dissidents were
released from house arrest or jails.
Press censorship was lessened.
Country-wide human right
commission was set up. Privatization
of state-owned enterprises was sped
up. Legislation on foreign direct
investment was drafted to step up
the economic reform and liberalize
the economy. Cabinet was reshuffled
to replace reform-minded ministers
and deputy ministers for the
hardliners who opposed further
political and economic reforms.
Ceasefire agreements were signed
with armed ethnic groups to
enhance national security and
improve the business environment.
The central bank abolished the fixed
currency system. Multiple exchange
rates for the currency kyat were
unified to encourage trade and
27
foreign direct investment. A
generally fair and unrigged by-
election was held in 2012. With
greater civic liberty, the opposition
party National League for
Democracy led by Aung San Suu
Kyi swept 43 out of the 44 seats
contested in the by-election (“India
Plays Catch-Up” 2012).
The political changes posed new
challenges to China’s status in
Myanmar. In the past, China
benefited from Western economic
sanctions on Myanmar. Without the
competition of Western capital,
Chinese enterprises and workers
were able to fill the gap. The strong
presence of Chinese capital and
people fuelled anti-Chinese
sentiments. Both Myanmar
government and people were
suspicious of China’s intention of
sending armed patrols outside its
borders down the Mekong Rivers
after 13 Chinese sailors were killed
in Thailand in 2011. Lots of
Myanmar people complained that
Chinese businessmen made fortunes
by marking up their exports to
Myanmar and paying bribery to
collaborate with Myanmar officials
on various ventures. In large
construction, Chinese contractors
may hire Chinese, not local workers,
and use made-in-China but not
local raw materials. The average
Myanmar people benefited little from
the Chinese business activities. Anti-
Chinese sentiments could have been
easily suppressed if Myanmar had
remained military dictatorship. The
recent democratization has allowed
greater freedom of association and
led to the formation of NGOs. Some
Myanmar NGOs were aggrieved with
Chinese enterprises’ construction of
irrigation and hydroelectric projects,
oil and natural gaspipelines, and
roads which have displaced
residents, affected their ways of
lives, and destroyed the
environment with little or no
compensation in return. They
organized residents to protest
against these projects. The Chinese
side usually claimed that
compensation had been paid to the
affected residents. Nevertheless,
much of the money was believed to
be embezzled by corrupt officials
(Sun 2012b).
Worst of all, when China dealt
with Myanmar (and other countries),
it only made deals at government
level. It seldom engaged the NGOs
in other countries. Therefore it often
failed to consider public opinions in
other countries on the policies of
Chinese governments and activities
of Chinese firms and people. The
political change in Myanmar
pressured the government to be
more sensitive to public opinions.
The ignorance of Myanmar’s public
opinions eventually backfired: In
face of public resentment against
the Chinese-funded Myitsone dam
project with a price tag of US$3.6
billion, Myanmar government halted
the project altogether in 2011
28
(“Relations with Myanmar, 2012;
Fuller, 2011). In the city of
Mandalay – the cultural and
religious centre of Mandalay –
Chinese businesses and people were
prominent. The strong presence of
Chinese billboards, characters, and
other cultural symbols raised the
eyebrows of local people. Some
Chinese shops were forced by
Myanmar officials to remove their
Chinese signs (“Insight: As Myanmar
opens”2012; Spegele 2011).
The political changes in
Myanmar may also weaken China’s
leverage on Myanmar through the
return of Western political and
economic influences. Myanmar was
the only Southeast Asian country
that is closed to US. The US
tightened long-standing economic
sanctions after 2003 Depayin
Incident in which opposition leader
Aung San Suu Kyi and their
supporters were attacked by thugs
suspected to be sponsored by the
military junta. The US stepped up
its economic sanctions after the
violent crackdown on anti-
government protest in Yangon in
September 2007. These sanctions
produced little progress in
undermining the military junta or
improving the people’s livelihood. US
policy community on Myanmar
affairs has been called upon to
rethink its policy (Holliday 2005).
Democratization in Myanmar
and its improved human right
conditions opened up a window for
the US to start dialogue with the
government. In 2011, US Secretary
of State Hillary Clinton paid a visit
to Myanmar, being the highest
ranking US officials visiting the
country in more than 50 years.
Later on, US resumed sending its
ambassador to Myanmar and
allowed US enterprises to invest in
Myanmar (Blanchard 2012). The ice-
breaking visit of Hillary Clinton was
followed by other Western leaders.
British Prime Minister David Cameron
visited Myanmar. Soon afterwards,
European Council suspended
economic sanctions on Myanmar
while the sanctions on arm trade
remained. Agricultural assistance
worth 150 million Euro was offered
(Wang 2012; Zhang 2012). The
renewed contacts of Western
countries with Myanmar may affect
the belief of the Chinese leaders
that Myanmar is China’s bulwark
against Western encirclement from
its south west.
China’s interests in Myanmar are
also challenged by India. India has
close historical relations with
Myanmar. British India oversaw
Burma before the two countries’
independence. Indian entrepreneurs,
professionals, and public
administrators once played
significant roles in Burmese
economy, professions, and public
administration. However, Indian’s
historical dominance did not sit
comfortably with Myanmar’s
nationalistic sentiments. Their
29
relations were strained by
Myanmar’s dismal human right
record. In addition, India was
annoyed by Myanmar indifference to
the rebel guerillas from Manipur
state in the northeast India. These
rebels took refuge in the forests of
northern Myanmar to flee Indian
army’s attack. In order to pressure
Myanmar for hardening its policies
towards these rebels, India once
provided assistance to the armed
ethnic groups in Myanmar and
followed the Western countries to
impose economic sanctions
(Egreteau 2008).
In 1991, India started to turn its
attention to Southeast Asia under
its “Look East Policy” in a bid to
jump on the bandwagon of the
growing Southeast Asian economies.
Myanmar was India’s gateway to this
region. Out of the economic motive,
India invested in the construction of
railway, port facilities to improve the
land transportation between the two
countries. Besides, India participated
in hydropower projects and
exploration of oil, gas,
timber, and precious
stones (Egreteau
2008). In May 2012,
Indian Prime Minister
Manmohan Singh
visited Myanmar to
sign 12 agreements on
agriculture, cultural
exchange, information
technology, and civil
aviation. Meanwhile,
India would provide Myanmar with
credits of US$ 500 million (Prime
Minister’s Office 2012).
In order not to depend too
much on China for weapon supply,
Myanmar diversifies its sources of
weapon procurement to Russia,
Israel, and Singapore. Myanmar
brought in other countries and
regional organizations to
counterbalance China. Energy
projects were signed with India,
Thailand, and South Korea. In June
1997, Bangladesh, India, Sri Lanka,
and Thailand formed a regional
organization called Bangladesh,
India, Sri Lanka, and Thailand
Economic Cooperation (BIST-EC).
Myanmar attended their first plenary
meeting as an observer. In
December 1997, Myanmar joined
BIST-EC which was then renamed
BIMST-EC (Bangladesh, India,
Myanmar, Sri Lanka, and Thailand
Economic Cooperation). With the
admission Bhutan and Nepal as new
member countries, BIMST-EC was
renamed Bay of Bengal Initiative for
30
MultiSectoral Technical and
Economic Cooperation (BIMSTEC) in
2004. BIMSTEC agreed to establish
a free trade area among the
member countries to stimulate
trade, commerce, and investment.
Moreover, it identified 13 areas of
cooperation, namely trade and
investment, transport and
communication, energy, tourism,
technology, fisheries, agriculture,
public health, poverty alleviation,
counter-terrorism and transnational
crime, environment and natural
disaster management, culture, and
people to people contact. Myanmar
took the lead in energy and
agriculture cooperation (The Halal
Science Center, Chulalongkorn
University 2008).
Concluding Remarks
China and Myanmar are tied with
each other by strategic
considerations. China looks at
Myanmar’s natural resources and
geographical positions and Myanmar
is reliant on China’s support for
fighting Western isolation, supplying
weapons, and developing the
economy. The political changes in
Myanmar and the increasing civic
liberty allow Myanmar leadership to
reach out the leaders of Western
countries (such as US and UK) and
other democracies (such as India
and Japan).
In comparison to US and
China, Myanmar is a small nation.
Instead of hopelessly taking side
between the Western World and
China, Myanmar’s political leadership
is successful in balancing the two
camps. Furthermore, Myanmar is
proactive in engaging other
Southeast and South Asian
countries. By providing competing
forces with interests at stake in
Myanmar, Myanmar’s political
leadership is able to maintain their
sovereignty and independence.
31
DR.ANTÓNIO PINTO PEREIRA
PROFESSOR AUXILIAR NO ISCSP
INVESTIGADOR E MEMBRO INTEGRADO DO INSTITUTO DO ORIENTE
Meus queridos amigos, “Ex Lege”é a coluna, com contornos jurídicos, que me
disponibilizei apresentar com caráter regular na Revista Pacta, já prestigiada e em sólido
plano de crescimento, num notável esforço do Núcleo de Estudantes de Relações
Internacionais do ISCSP, a quem por isso presto a minha sincera homenagem.
Neste primeiro artigo vamos fazer uma incursão à antiguidade clássica, porta de
entrada de tantos ensinamentos para o Homem, tendo-me lembrado de escrever o
presente artigo sobre:
“A importância da escrita na expansão do Direito”
1. Imaginemo-nos num tempo
remotamente distante em que eram
variadas e muito dispersas as
civilizações (normalmente conflituantes
entre si) e, por essa razão, exerciam
diminuta importância, estritamente
localizada à escala da igualmente
esparsa dimensão de cada povo. Em
consequência, era pequena a influência
dos exemplos jurídicos mais antigos nas
civilizações posteriores.
Foi o advento da nova escrita,
desenvolvida a partir dos fenícios, que
permite uma expansão homogénea do
Direito num mundo então cada vez mais
interligado. Até essa altura os dois
sistemas dominantes eram (1) a escrita
cuneiforme suméria e (2) os hieróglifos
egípcios:
— O sumério foi a primeira
língua escrita conhecida. O seu sistema
de escrita chamava-se cuneiformepor
utilizar certos tipos de escrita feitos com
auxílio de objetos em forma de “cunha”.
Inicialmente a escrita representava
formas do mundo (pictogramas),que
eram gravadas em tabuletas de argila,
primeiro em sequências verticais e
depois horizontais e da esquerda para a
direita.A escrita cuneiforme foi adotada
subsequentemente pelos acadianos,
babilónicos, elamitas, hititas e assírios e
adaptada para escreveremnos seus
próprios idiomas; foi extensamente
usada na Mesopotâmia durante
aproximadamente 3 mil anos, apesar da
natureza silábica do manuscrito (como
foi estabelecido pelos sumérios) não ser
intuitiva aos que falavam os idiomas
semíticos.
— O sistema hieroglífico
assentava em hieróglifos, termo
originário de duas palavras gregas:
ἱερός (hierós) "sagrado", e γλύφειν
(glýphein) "escrita", e era cada um dos
sinais da escrita de antigas civilizações
EX LEGE: “A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA NA EXPANSÃO DO DIREITO”
32
usada pelos egípcios, pelos hititas e
pelos maias.Além disso, era uma
linguagem hermética e enigmática,
apenas conhecida pelos sacerdotes, os
membros da realeza, os altos cargos e os
escribas, que sabiam a arte oculta de ler
e de escrever esses sinais "sagrados".A
escrita hieroglífica constitui
provavelmente o mais antigo sistema
organizado de escrita no mundo, e era
vocacionada principalmente para
inscrições formais nas paredes dos
templos e nos túmulos.Os hieróglifos
foram usados durante um período de
3.500 anos para escrever a antiga língua
do povo egípcio.
2. É neste contexto evolutivo
que surge a Fenícia (em fenício:
, Knaˁn; em hebraico: כנען, Kna'an;
em grego antigo: Φοινίκη, Phoiníkē;
em latim: Phœnicia; em árabe:
يا ق ي ن ي uma antigacivilização cujo ,(ف
epicentro se localizava no norte da
antiga Canaã, ao longo das regiões
litorais dos atuais Líbano, Síria e norte
de Israel. A civilização fenícia foi uma
cultura comercial marítima
empreendedora que se espalhou por
todo o mar mediterrâneo durante o
período situado entre 1500 a.C. e 300
a.C.
Os fenícios foram a primeira
sociedade a fazer uso extenso, ao nível
estadual, do alfabeto. Mas a sua
principal conquista deve-se a uma razão
puramente pragmática: os fenícios
precisavam de um veículo de
comunicação que facilitasse as relações
de comércio entre os povos. Na
realidade, o sistema cuneiforme sumério
e os hieróglifos egípcios na altura em
uso eram muito pouco práticos, já que
dispunham de milhares de ícones e de
símbolos muito variados. Tornava-se
uma enorme perda de tempo para esse
povo, conhecido pela sua vastíssima
atividade de comércio marítimo,
desenvolver os seus negócios do dia-a-
dia, por implicarem enorme volume de
registo de cargas e de destinos, de
embarcações e de mantimentos, de
marinheiros e de armamento, em várias
línguas diferentes. Daí que os fenícios
tenham desenvolvido um novo sistema
de anotação, usando um simples
alfabeto (o alfabeto fenício), com vinte
e duas letras. Assim como o alfabeto
árabe e o hebraico, o alfabeto fenício
contrasta com os sistemas anteriores por
não ter símbolos e por representar sons
de vogais; cada símbolo representa uma
consoante, ao passo que as vogais
precisavam de ser deduzidas no
contexto de cada palavra.
3. O idioma fenício, que
pertence ao grupo canaanita da família
linguística semita, cedo se tornou a base
de toda a língua moderna ocidental e
oriental, adotada inicialmente pelos
vizinhos dos fenícios e depois alargada
a todos os países com quem
negociavam, entre os quais os hebreus
(razão pela qual a escrita hebraica é
virtualmente semelhante à fenícia),
tendo influenciado os alfabetos
aramaico, hebraico e arábico, bem como
diversos outros, desde o Norte de África
e Europa, onde foi adotado pelos
antigos gregos, que o passaram aos
etruscos, que por sua vez o repassaram
aos romanos.
É essa expansão devida a um
sistema de escrita mais ou menos
uniforme e acessível aos diferentes
povos, transformado num veículo
comum de disseminação do
conhecimento, que os romanos utilizam
ao longo do vasto território que integra
o seu império. E é também assim que a
escrita fenícia permite a expansão dos
sólidos institutos jurídicos a partir do
período áureo do Imperium Romanum.
33
DR.TIAGO FERREIRA LOPES
INVESTIGADOR DO INSTITUTO DO ORIENTE
No século XVI os Kumyks, terceiro
grupo étnico com maior densidade
populacional no Daguestão
(República da Federação da Rússia
localizada no Distrito Federal do
Cáucaso Norte), constituíram a sua
primeira estrutura de poder: o
Shamkhalato de Tarki. O
Shamkhalato de Tarki provou, desde
logo, ser um adversário de peso
contra os intentos do Império Persa
e do Império Russo apesar de ter
uma população inferior a 300.000
habitantes.
Tarki, que contava somente
com a ferocidade dos seus
soldados e com as várias
peculiaridades morfológicas do
território, conseguiu vencer batalhas
contra os Impérios (Russo e Persa),
contra os khanatos, khaganatos,
principados e reinos circundantes. A
sua rede de contactos era vasta
mas o Shamkhal, líder do
Shamkhalato, sabia que contactos e
aliados são coisas distintas e, por
isso, votou-se ao isolamento no seu
palácio.
A resiliência de Tarki levou a
que o cristianizado Reino da Ibéria
(Geórgia Oriental) pedisse auxílio ao
Czar do Norte. A delegação que
procurou a ajuda do Império Russo
em 1586 não podia saber que dois
séculos depois o “Tratado de
Georgievski” (1783) assinalaria o
princípio do fim da independência. E
o amigo do Norte, o protector de
longa data, tornar-se-ia suserano no
século seguinte. A Ibéria ficou
serena. Não se atacam aliados!
A chegada dos Russos
empurrou Tarki para uma aliança
com a Pérsia Safávida. A derrota da
Pérsia frente aos Russos levaria o
Shamkhal a jurar lealdade a
Petersburgo em 1803. Anos depois
o Shamkhalato seria dissolvido e
transformado em província. Os
Circasses, a Ocidente, também
começaram por se aliar (via
matrimónio) ao Império do Norte e
acabaram por ser conquistados pelo
aliado.
É curioso, de resto, como
não raras vezes o Aliado se torna
no problema. Em política não é
novo que o Aliado apenas o é
enquanto servir os seus interesses.
Portugal e a Inglaterra viveram essa
tensão ao longo da sua História
Diplomática. Não foram poucos os
momentos em que Sua Majestade
da Ilha atacou descaradamente os
interesses da Lusitânia e os
Lusitanos, muitas das vezes, apenas
CADERNOS DO TIAGUISTÃO: “NÃO SE ATACAM ALIADOS”
34
puderam sorrir… Afinal, Não se
atacam aliados!
Na Pérsia, quando o Trono
do Pavão mostrava sinais de
fraqueza, os Estados Unidos da
América decidiram apoiar a
sublevação contra um Primeiro-
Ministro eleito abrindo caminho a
uma Revolução que instaurou uma
República Teocrática. O aliado dos
EUA passou a inimigo mortal. Os
EUA ficaram sem saber o que fazer,
porque se é verdade que Não se
atacam aliados o que fazer a ex-
aliados?
No Afeganistão os mesmos
EUA, cuja noção de lealdade é tão
consistente como gelo no deserto,
apoiaram um Osama para combater
os “Vermelhos”. Deram-lhe armas,
dinheiro, treino, condições e depois,
muitos anos depois, lançaram-se
numa luta contra esse mesmo
Osama porque esse Osama os
atacara! Isto sabendo Osama que
não se atacam aliados, porque
aliado ferido é pior do que
“socialite” que não faz capa de
revista…
Os EUA têm, de resto, um
claro problema com os seus
aliados, como acontecera com o
Império Russo. O aliado passa a
inimigo, com a mesma velocidade
com que viaja o som. Ao perder o
aliado iraniano, os EUA voltaram-se
para o Iraque e apertaram a mão a
um tal de Hussein. O mesmo
Hussein seria feito cidadão
honorário de Detroit que, ironia dos
tempos, declarou bancarrota
recentemente. Falta agora dinheiro
em Detroit, mas há muito que já
faltava moralidade nos EUA…
O aliado Hussein, o tal que
controlava o Iraque contra o Irão (o
mesmo que passou de aliado a ex-
aliado com uma mãozinha dos
EUA), passou a inimigo terrível e em
2003 teve mesmo que se despoletar
uma guerra. Não se atacam aliados,
a não ser que se demonizem os
mesmos; que se inventem
narrativas; que se criem argumentos
para autoconsumo e para
satisfação de uns contra o bem-
estar (e a vida!) de muitos.
Voltemos ao Afeganistão.
Portanto, os EUA apoiaram o
Osama contra a “Ameaça
Vermelha”. O Osama atacou os
EUA. Os EUA transformaram um
aliado, mais um, em inimigo mortal!
Os EUA tentaram caçar o Osama. E
quando outro Hussein, de primeiro
nome Barack, chegou à liderança
dos EUA, Osama foi capturado e
morto. Mas claro que Não se
atacam aliados, a não ser quando
é mesmo preciso!
No Leste Europeu a Moldova,
a Ucrânia e a Bielorrússia
descobrem agora que por vezes o
aliado não tem que materializar o
ataque, para atacar na mesma. A
tentativa de olhar para Bruxelas
deixou Moscovo nervosa. Os avisos
têm sido muitos. Moscovo sabe,
claro que sabe, que não se atacam
aliados. Mas também sabe que
aliado mais fraco não é aliado
(ideia que subentende uma paridade
de forças) e por isso nada do que
está a ser feito é um ataque…
35
É talvez por não se atacarem
aliados que a China e a Rússia
dançam juntas no Conselho de
Segurança da ONU. As mesmas
aliadas com assuntos por resolver
na Sibéria e na fronteira com a
Mongólia. As mesmas aliadas que
se enfrentam diplomática e
financeiramente na Ásia Central
para reconstruir e projectar poder.
Mas até ao momento mantém-se
tudo sereno, já que Não se atacam
aliados!
No espaço de Bruxelas, na
Casa dos 28 (ou dos 27+1 como
prefere o Reino Unido), não se
atacam aliados. Antes
regulamentam-se relações,
modificam-se condições, aumentam-
se pressões, vendem-se ilusões,
criam-se situações mas não se
atacam aliados. Nenhum dos 27+1
vale mais do que os outros, mas
uns são mais iguais do que outros.
E assim não se atacam aliados,
porque não existem aliados para
atacar!
No cantinho da Ibéria
Peninsular não se atacam aliados,
mas atacam-se as pretensões dos
aliados. E assim ventos de Castela
dizem ao mundo que os intentos
marítimos de Lisboa não são sérios
e muito menos são legítimos. As
mesmas vozes que falam de
irmandade e de união fraterna luso-
espanhola, clamam pelo fracasso
dos planos de Lisboa. Mas, como
todos sabemos, não se atacam
aliados. Já parentes e enteados…
Não se atacam aliados,
porque não há aliados. Há sorrisos,
apertos de mão, flashes, canetas
MontBlanc, assinaturas de “coisas”,
garrafas de champanhe, mais
sorrisos, promessas com a
consistência de sorvete derretido
mas não há aliados. Há o aliar de
planos, de objectivos comuns. Há o
circunstancialismo da amizade
formalizada pela diplomacia, mas
não há aliados. Há juras de
fidelidade, quase como um
Cavaleiro medieval a uma donzela,
mas não há aliados. E é este não
haver aliados, com a seriedade e
dignidade que o vocábulo impõe,
que nos explica a
contemporaneidade.
36
DRA. MARIA FERREIRA
PROFESSORA AUXILIAR NO ISCSP
O conceito de risco tem
vindo a assumir uma
importância fundamental
no contexto politológico
doméstico e global. Neste
sentido, a obra ‘Risk’ de
Deborah Lupton constitui
uma preciosa
contribuição para a
teorização sobre o
referido conceito. Lupton
considera o conceito de
risco como um produto
da modernidade. Com
efeito, a necessidade e vontade humanas
de controlar as condições da sua existência
derivam da percepção de que o risco não
deve ser naturalizado e articulado com o
destino ou a vontade divinas. A
necessidade de dominar a contingência da
condição humana e de dotar de ordem a
realidade social conduziu as sociedades
modernas ao desenvolvimento de
estratégias de controlo do risco.
A tentativa de reduzir a
contingência inerente à existência humana
está directamente articulada com a
secularização das sociedades e com a
progressiva racionalização das tecnologias
de governação dos estados modernos. A
modernidade marca a industrialização das
sociedades e a afirmação do liberalismo
económico e do liberalismo político. A
generalização da ideia de que a
legitimidade dos aparelhos políticos advém
do contrato social e o desenvolvimento de
técnicas de controlo quantitativo e
qualitativo dos fluxos populacionais conduz
à personificação e socialização do risco.
Instrumentos como a estatística, o cálculo
de probabilidades, a epidemiologia ou os
estudos demográficos populacionais foram
criados e pensados com o objectivo de
controlar as características da população e
isolar potenciais factores de risco. Neste
contexto, a articulação entre o controlo do
risco e a governamentalização das
sociedades torna-se essencial. O risco
passa a ser perspectivado como um factor
passível de ser antecipado, evitado ou os
seus efeitos minimizados. As expectativas
geradas no seio das sociedades modernas,
bem como a progressiva racionalização dos
aparelhos governativos e a sofisticação das
políticas públicas vieram exigir o controlo
dos factores de risco e de incerteza. Se a
pré-modernidade assumia o risco como
uma condição natural da vida humana e
social, a modernidade passou a considerar
tanto o risco como a incerteza como
entidades objetivas e ontologicamente
invariáveis. A essencialização do risco e a
reificação do mesmo como um dado
objetivo passível de medição e de controlo
caracteriza a perspetiva racionalista e
científico-cognitiva sobre o risco e a
incerteza nas sociedades contemporâneas.
Todavia, a pós-modernidade, e
como Lupton discute exaustivamente, traz
a desconstrução das perspetivas
racionalistas sobre o risco. As abordagens
construtivistas e pós-estruturalistas,
características da pós-modernidade, não
tratam o risco como um dado objetivo, mas
sim como uma construção social ou uma
tecnologia de governo. Estas abordagens
recusam o racionalismo e positivismo
inerentes à cristalização do risco como um
fato objetivo e salientam de que forma o
risco depende de considerações culturais
RECENSÃO CRÍTICA: ‘RISK’, DEBORAH LUPTON
37
coletivas e de vontades de poder.
Considerar o risco de uma perspetiva
cultural ou pós-estruturalista permite-nos
desconstruir tanto as premissas
subjacentes às políticas públicas internas
como as premissas que se encontram
subjacentes à política externa dos estados
e, de uma forma mais geral, à política
internacional. Por que razão as ameaças à
segurança dos estados são representadas
como excecionalmente graves e passíveis
de legitimar a securitização do ambiente
internacional e as ameaças à segurança
humana dos indivíduos são negligenciadas
e tratadas como hierarquicamente
inferiores? Qual o interesse dos estados na
promoção de comportamentos e hábitos
sociais de prevenção absoluta do risco? De
que forma o risco se tornou uma
tecnologia de poder e de governo capaz de
disciplinar e determinar as políticas
migratórias dos estados através da
definição de grupos biopolíticos de risco. A
resposta a estas questões exige uma leitura
atenta da literatura disponível sobre o
conceito de risco, bem como uma
discussão politológica profunda sobre o
mesmo conceito.
Segue-nos no
facebook:
www.facebook.com/PACTARI
38
POR ISABEL ALVES
Esta história – a
minha história – começou
com o blogue pessoal DA
pessoa que me inspirou com a
sua experiência e que me
levou a conhecer o mundo
que é a AIESEC.
Mas o que é a AIESEC? “A
AIESEC é uma organização
sem fins lucrativos, global,
não política, independente
gerida por estudantes e
recém-licenciados do ensino
superior.”
Comecemos então. A AIESEC proporciona
estágios internacionais de voluntariado e
profissional, como também os programas
team member e team leader. Eu optei pelo
estágio de voluntariado, que foi sempre o
que quis fazer, mas nunca soube
como.Candidatei-me em Fevereiro de 2012
para viajar em Julho. A experiência na
AIESEC começa na sessão de
esclarecimento, seguindo-se do processo
de selecção que consiste na dinâmica de
grupo, no teste de inglês, na review board
(entrevista) e na OPS (fim-de-semana com a
AIESEC). Se passares a todos estes passos,
podes começar logo a procurar o teu
estágio, que o encontrarás na base de
dados. Como já nada é de graça, a AIESEC
tem um custo e a viagem fica por tua conta,
sem nenhuns apoios ou bolsas (mas vale a
pena!).
Podes-te inscrever num dos vários
recrutamentos que acontecem ao longo do
ano no websitewww.aiesec.pt
Falando da minha experiência,
bem, foi fantástica e foram talvez as
melhores seis semanas da minha vida! Eu
fui para Siem Reap, no Camboja, dar aulas
de inglês a crianças órfãs e pobres numa
ONG. Na AIESEC, preparam-nos para o
choque cultural, mas nunca sempre é
suficiente, porque entramos numa cultura
completamente oposta da nossa, à qual
não estamos habituados. Lembro-me de
esperar uma hora no aeroporto, e chegar a
pessoa responsável para me levar à casa
onde iria ficar de scooter, e eu tinha uma
mala de porão cheia de donativos, uma
mala pesadíssima às costas e ainda uma
mala de mão! Foi um começo em cheio!
Chorei tanto nos primeiros dias porque não
estava habituada à comida e tinha imensa
fome, estava longe de casa, o meu cartão
de crédito não funcionava, nem a internet e
nem o telemóvel, e tinha de atravessar
estradas de trânsito caóticas de bicicleta.
Após uma semana, já estava instalada e
tudo a funcionar (quase) bem. Acordava
EXPERIÊNCIA: VOLUNTARIADO NO CAMBOJA
39
sempre cedo para dar aulas, tinha de as
preparar pois não tinha nenhum programa
para seguir, brincava com as crianças e
trabalhava no meu projecto de recolha de
fundos para a escola. Na casa onde fiquei,
partilhava quarto e vivia com pessoas da
China, da Bélgica, da Suíça, dos EUA, de
Singapura, etc., e é uma experiência
maravilhosa conhecer tantas pessoas com
culturas diferentes, para além das amizades
que se fazem e das pessoas que se
conhecem ao viajar pelo país! Eu tentava
viajar sempre ao fim-de-semana, ao estilo
dos backpackers, e lembro-me de ficar em
hostels por dois dólares à noite. Houve uma
vez que fiquei num bungalow, em Ratanikiri
no Nordeste do Camboja, e de ter visto
uma aranha do tamanho da minha mão,
que julgo ter sido uma tarântula, bem junto
à minha mala!
As crianças às quais dava aulas
viviam com quase nada, mas eram tão
alegres, e foi essencialmente o que aprendi,
que podemos ser felizes com pouco, o
importante é estarmos rodeados de
pessoas que nos fazem feliz. Como não
tinham nada, decidi colocar um pouco de
empreendedorismo social jovem e criar um
projecto de recolha de fundos e com esse
dinheiro, que foi mais do que sequer
esperava, comprei armários, material
escolar e imensos livros, coisas que não
tinham na escola pela falta de fundos. Era
uma escola para brincar quase. Lancei a
campanha via facebook e enviei e-mails
para várias pessoas, de forma a que
chegasse a todos.
Hoje, lembro-me de negociar com
os tuc-tucs drivers; de chorar com a comida
picante; de sofrer com os mosquitos; de
dançar na areia da ilha de Koh Rong; de
sentir o mundo nas minhas mãos quando
abraçava as crianças; da menina que queria
vender-me uma pulseira e disse para
jogarmos à pedra, papel, tesoura, para lhe
poder comprar uma pulseira; de fazer
viagens de 10h de autocarro; de comer o
melhor gelado da minha vida; do amok; do
cheiro dos mercados; dos sons “Hellô
Laidiiiiiiiiiiiii, you want scarve? Good price
for youuu!”; dos fruit shakes de maracujá;
do mangustão; da festa de aniversário que
preparámos para as crianças; do dia de
praia com elas; e de conhecer pessoas tão
inspiradoras. Podem considerar alguns
destes momentos não tão agradáveis, mas
vejo que foram momentos inesquecíveis e
que cresci imenso como pessoa. Não foram
só eles que aprenderam com as minhas
aulas, como também aprendi o que é viver
de modo simples, adaptarmo-nos para
superar as dificuldades, sempre com um
sorriso na cara.
Aconselho vivamente esta
experiência, e como a revista não é só para
este artigo, se estiverem interessados no
meu relato de voluntariado mais detalhado,
visitem o meu blogue
www.dovestamiavaligia.wordpress.com,
aqui e no facebook!
Com a AIESEC, podes fazer voluntariado em
mais de 110 países!
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