Literatura Brasileira II - UFPB · poesia romântica na vida, nesse caso, levemos nossa vida para a poesia romântica. Dorothea Schlegel Das dificuldades de conceituação do Romantismo
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LITERATURA
BRASILEIRA II
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LITERATURA BRASILEIRA II
O ROMANTISMO
WILMA MARTINS DE MENDONÇA MAURIENE SILVA DE FREITAS
Olá,
Seja bem vindo (a)
Você está ingressando no Curso Virtual de Literatura Brasileira II, que trata, especificamente,
das letras românticas. Escritos inaugurais de nossa literatura nacional, essas elaborações estéticas são
responsáveis, em larga medida, pelas configurações que fazemos de nós mesmos e pelos mais diversos
retratos e perfis de brasilidade que circulam, até hoje, em nosso contexto social e em nosso universo
escritural.
Objetivando a exposição e a discussão das perspectivas teóricas que norteiam a leitura dessa
modalidade literária, essa componente curricular revisitará as tentativas de apreensão do fenômeno
romântico, atentando para a diversidade e a pluralidade que caracterizam as suas manifestações estéti
cas, similares à multiplicidade de visões que buscam a compreensão da sensibilidade romântica. Nesse
intento, estruturamos esse Curso em quatro unidades, assim distribuídas.
A primeira, intitulada O Romantismo: desencantamento e reencantamento do mundo, focali
zará a literatura romântica em suas origens, feições, modos de realização ou gêneros, como também em
seu processo de propagação no mundo ocidental. Assim, nos voltaremos para o Romantismo em sua
própria gênese e formação, ou seja, para essa estética em solo europeu. Duas obras nos guiam neste
estudo: Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda (1984), do poeta e crítico Octavio Paz, único
escritor latino americano agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura (1991), e Revolta e melancolia: o
romantismo na contramão da modernidade, de Michael Löwy e Robert Sayre, publicada em Paris (1992)
e traduzida para o Brasil em 1995.
A segunda unidade se constituirá dos estudos sobre o Romantismo no Brasil. Nela, procurare
mos verificar como se processam a importação, a aclimatação e a definitiva inserção do ideário europeu
na literatura brasileira. Busca se, essencialmente, o modus, ou as estratégias de construção textual, com
as quais os nossos escritores abrasileirizam o espírito romântico europeu, em conflito aberto com a
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Modernidade. Na elaboração desse tópico, contamos, sobretudo, com as elaborações teórico críticas de
Antonio Candido e de Alfredo Bosi, cujas perspectivas são endossadas por este estudo.
A terceira unidade consistirá da leitura e da discussão orientada de textos representativos da
fase romântica, procurando se contemplá la em suas principais tendências e orientações. A quarta e
última unidade se propõe como leitura comparada entre os textos românticos e os escritos posteriores
que os retomam e os atualizam, ao longo de nossa trajetória literária, seja em forma parafrásica, paro
dística, ou mesmo através da simples apropriação ou da estilização, mecanismo de criação mais comple
xo. Para a realização desses exercícios literários, deverão ser considerados tanto os objetivos traçados
quanto as leituras indicadas para esse fim.
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UNIDADE I
O ROMANTISMO: DESENCANTAMENTO E REENCANTAMENTO DO MUNDO
Sim, meu caro, radica se me cada vez mais a idéia de que é pouca coisa, bem pouca coisa a
existência de uma criatura.
Goethe
Como é decididamente contrário à ordem burguesa e absolutamente interdito introduzir a
poesia romântica na vida, nesse caso, levemos nossa vida para a poesia romântica.
Dorothea Schlegel
Das dificuldades de conceituação do Romantismo
Ao afirmar que seria necessário ter perdido todo o espírito de rigor para se aventurar na busca
de definição do Romantismo, o poeta francês Paul Valéry (1871–1945) sintetizava, em poucas palavras,
as dificuldades teórico críticas, em face da conceituação e da definição das manifestações românticas,
modalidade literária que se origina e floresce no Ocidente, espaço geográfico cultural ao qual se restrin
giu.
Na verdade, desde o seu surgimento, o fenômeno romântico se apresenta como um enigma
aparentemente indecifrável e, concretamente, mutável e escorregadio, que confunde e espicaça a curio
sidade dos mais diversos críticos e teóricos da literatura do mundo ocidental, de onde provém e onde
persiste em ressurgir até os dias atuais. Esses ressurgimentos complicam, ainda mais, a apreensão crítica
da estética romântica, dificultando a sua demarcação, conforme realçam Löwy e Sayre:
Depois de ter limitado, durante muito tempo; o fenômeno romântico aos movimentos
que se denominavam ou eram designados como tal na primeira metade do século XIX,
a história literária acabou, por vezes, reconhecendo sua continuação na segunda me
tade desse século; evitou, porém, prolongá la para além desse período (LÖWY; SAYRE,
1995, p. 219).
Redivivas, as marcas românticas persistem em frequentar os mais variados movimentos estéti
cos que lhes sucederam, terminando por alcançar, de forma expressiva, as próprias Vanguardas Euro
péias e o Modernismo no Brasil, nos inícios do século XX. Na compreensão dessa persistente frequenta
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ção romântica nas literaturas ocidentais, que se processa tanto na Europa como na América Latina, ca
minha a reflexão, confessadamente ancorada pela perspectiva hispano americana, de Octavio Paz:
A contradição entre história e poesia pertence a todas as sociedades, porém somente
na idade moderna manifesta se de modo explícito. O sentimento e a consciência da
discórdia entre sociedade e poesia converteram se a partir do romantismo, no tema
central, muitas vezes secreto, de nossa poesia. Neste livro procurei descrever, sob a
perspectiva de um poeta hispano americano, o movimento poético moderno e suas
relações contraditórias com o que denominamos ‘modernidade' (PAZ, 1984, p. 11 –
grifo do autor).
Segundo Michael Löwy e Robert Sayre, estudiosos da arte romântica europeia e, como Octavio
Paz, autores chave desse tópico disciplinar, as dificuldades de apreensão da complexidade do fato ro
mântico se devem à sua diversidade, ao seu caráter fabulosamente contraditório, à sua natureza de
coincidentia oppositorum, conforme expressam em sua obra Revolta e melancolia: o romantismo na
contramão da modernidade, de 1995:
Enigma aparentemente indecifrável, o fato romântico parece desafiar a análise, não só
porque sua diversidade superabundante resiste às tentativas de redução, mas sobre
tudo por seu caráter fabulosamente contraditório, sua natureza de coincidentia
oppositorum: simultânea (ou alternadamente) revolucionário e contra revolucionário,
individualista e comunitário, cosmopolita e nacionalista, realista e fantástico, retrógra
do e utopista, revoltado e melancólico, democrático e aristocrático, ativista e contem
plativo, republicano e monarquista, vermelho e branco, místico e sensual. Tais contra
dições permeiam não só o fato romântico no seu conjunto, mas a vida e a obra de um
único e mesmo autor, e por vezes um único e mesmo texto (LÖWY; SAYRE,
Da abrangência da visão romântica
A partir do século XIX, a visão romântica de mundo migra do terreno específico do estético, in
vadindo os discursos da Filosofia, da Pedagogia, da Teologia, da Historia, da Economia, da Política, etc.
Essa notável abrangência tem irritado, continuadamente, os teóricos literários, notadamente aqueles
pouco afeitos ao ideário romântico. Entre eles, podemos citar o crítico estadunidense Arthur Lovejoy.
Ante a disseminação do espírito romântico em tão diversos campos da vida cultural – e em tão diferen
tes países – Lovejoy propõe que o termo romantismo fosse abolido da crítica literária, em discurso que
revela o próprio temor da não aceitação de sua proposição:
A palavra romântico já significou tão grande número de coisas que, em si, não significa
nada. Deixou de exercer a função de um signo verbal... Receio que o único remédio ra
dical – a saber, que todos nós deixemos de falar do romantismo – não venha ser ado
tado (LOVEJOY, apud LÖWY; SAYRE, 1995, p. 10).
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O receio, ou intuição, de Arthur Lovejoy se concretizava. Os mais conhecidos e importantes crí
ticos literários do Ocidente, especialmente os pesquisadores do Romantismo, se opuseram a sua pro
posta de banimento linguístico, ou nominalismo, como ficou conhecida. Entre esses teóricos, destacam
se Stefanos Rozanis, René Wellek, Abrams, Morse Peckham, conforme nos afiançam Löwy e Sayre:
Ora, como é observado por Stefanos Rozanis em sua crítica a Lovejoy, a multiplicidade
das expressões literárias, do romantismo nos diferentes países não ultrapassa o nível
de um problema filológico limitado – enquanto manifestação de particularidades na
cionais e individuais – que não coloca, de modo algum, em questão a unidade essencial
do fenômeno [...] Quanto a Wellek, ao problematizar contra o nominalismo de Love
joy, afirma que os movimentos românticos formam uma unidade e possuem um con
junto coerente de idéias que implicam reciprocamente: a imaginação, a natureza, o
símbolo e o mito (LÖWY; SAYRE, 1995, p. 10 13)
Em aproximação a Lovejoy, o também estadunidense William Montgomery McGovern investi
ria contra as letras românticas, mais precisamente sobre o seu corolário político. Ao se debruçar sobre a
obra de Thomas Carlyle (1795 1881), romântico escocês e admirador da autora germânica Madame de
Staël, McGovern a consideraria como um prelúdio ao nazismo de Hitler. Desse modo, vê as ideologias
políticas românticas como uma preparação para o nazismo. A ele, responderiam Michael Löwy e Robert
Sayre, desautorizando, concomitantemente, a sua análise e perspectiva crítica adotada, modelo comum
à época da Segunda Guerra:
Não há dúvida de que os ideólogos nazistas inspiraram se em alguns temas românti
cos; mas isso não autoriza a reescrever toda a história do romantismo político como
um simples prefácio histórico do Terceiro Reich [...] De que maneira incluir Rousseau
nesse quadro teórico? Evidentemente, para esse tipo de análise, os românticos ingle
ses e franceses (‘ocidentais’) não podem ser considerados como ‘verdadeiros’ român
ticos. E o que dizer dos românticos alemães jacobinos e revolucionários (Hölderlin, Bü
chner, etc.)? É claro, vai ser preciso situar esses textos em seu contexto histórico (nos
anos 1939 1945), favorável a uma percepção do romantismo em geral, e de sua versão
alemã em particular (LÖWY; SAYRE, 1995, p. 16 17 – grifos dos autores).
Entre os que expressam uma ostensiva má vontade com a sensibilidade romântica, podemos
elencar, ainda, Carl Schmitt, Benedetto Croce e Pierre Lasserre, cujos escritos são amplamente discuti
dos pelos nossos teóricos. Os três, igualmente, investem contra a feminilidade do Romantismo, num
discurso marcado pelos tons pejorativos da discriminação à mulher, conforme se verifica em seus argu
mentos.
Em seus escritos sobre o Romantismo, Carl Schmitt assinala uma pretensa insuficiência moral
do lirismo romântico. Traduzida como passividade ou falta de virilidade, essa insuficiência da poética
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romântica derivaria, segundo ele, da exaltação do feminino posta em circulação pelos artistas do Ro
mantismo, como anotam Löwy e Sayre (1995, p. 12).
Em rota similar, Benedetto Croce observa as contradições que permeiam o objeto artístico
romântico. Numa visível reduplicação dos velhos estereótipos que circundam, historicamente, o univer
so feminino, Croce acredita que tais contradições se devem à natureza da alma romântica: feminina,
impressionável, sentimental, incoerente e volúvel (apud LÖWY; SAYRE, 1995, p. 12).
Com Pierre Lasserre, esse tom não se alteraria. Para esse teórico, a idiossincrasia romântica se
deve à sua essência feminina que espalha, por toda parte, “os instintos e o trabalho da mulher, entregue
a si”, num puro subjetivismo que o Romantismo “sistematiza , glorifica, diviniza”, como pontua Lasserre
(apud Löwy; Sayre, 1995, p. 12). Tais interpretações seriam recusadas pelo poeta e teórico Octavio Paz.
Muito à vontade com a centralidade feminina do Romantismo, Octavio Paz observa a multipli
cidade romântica, a sua ramificação pelos mais variados discursos culturais do Ocidente, perscrutando
lhes o sentido e a significação. Nessa assimetria, demarca lhe a singularidade em relação aos movimen
tos e estilos do passado, enquanto reconhece o impulso à fusão entre a vida e a poesia, como o dínamo
da estética romântica:
Foi a primeira e a mais ousada das revoluções poéticas, a primeira a explorar os domí
nios subterrâneos do sonho, do pensamento inconsciente e do erotismo; a primeira,
também, a fazer da nostalgia do passado uma estética e uma política [..] O romantismo
foi um movimento literário, mas também foi uma moral, uma erótica e uma política.
Se não foi uma religião, foi algo mais que uma estética e uma filosofia: um modo de
pensar, sentir, enamorar se, combater, viajar. Um modo de viver e um modo de mor
rer [...] A poesia romântica não foi só uma mudança de estilo e linguagens: foi uma
mudança de crenças, e é isto o que a distingue dos movimentos e estilos poéticos do
passado. Nem a arte barroca nem o neoclássico foram rupturas do sistema de crenças
do Ocidente (PAZ, 1984, p. 63; 83 88 – grifos nossos).
Em 1978, após quatro anos da edição da obra de Octavio Paz, essa inclinação teórica seria re
tomada pelos estudiosos brasileiros, com a publicação do livro O Romantismo, organizado por Jacob
Guinsburg. Verdadeiro painel da visão crítica do Brasil, essa obra, através de seus múltiplos autores e
textos, tenta descortinar a complexidade do Romantismo, como já indicia Guinsburg em seu texto intro
dutório a essa coletânea crítica:
O que é o Romantismo? Uma escola, uma tendência, uma forma, um fenômeno histó
rico, um estado de espírito? Provavelmente tudo isto junto e cada item em separado
[..] Ele é apenas uma configuração estilística ou, como querem alguns, uma das duas
modalidades polares e antitéticas [..] Mas é também uma escola historicamente defi
nida, que surgiu num dado momento, em condições concretas e com respostas carac
terísticas à situação que se lhe apresentou [..] É um fato histórico que assinala, na his
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tória da consciência humana, a relevância da consciência histórica. É, pois, uma forma
de pensar que pensou e se pensou historicamente (GUINSBURG, 2002, p. 13 14).
Do surgimento do fenômeno romântico
Do campo teórico do qual se indaga o quando e onde surge o fenômeno romântico, já reco
nhecido como tal, reina uma considerável confusão, marcada também pela diversidade opinativa. Ora,
aponta se a Inglaterra como o centro de surgimento da arte romântica; ora a Alemanha, ou, ainda, de
forma concomitante, esses dois países, enquanto se ressalta o ingresso tardio do espírito romântico em
solo francês.
Defendendo a primazia alemã, o francês Paul Van Tieghem (1871 1948) afirma que são nas
manifestações ocorridas entre 1797 e 1810 que se deve situar o início do Romantismo propriamente
dito, ou seja, a partir do surgimento da escola alemã, seguida pelos ingleses, em particular por Walter
Scott e Chateaubriand. Só posteriormente, surgiria na França e nos países escandinavos, na Itália e, mais
tardiamente, na Espanha e na Polônia.
Nessa compreensão, Van Tieghem elabora uma tabela cronológica dos inícios do Romantismo
na Europa: 1795 para a Alemanha; 1798 para a Inglaterra e o início do século XIX para a França e os paí
ses escandinavos; 1816, para a Itália; e um pouco mais tarde para a Espanha; 1822, para a Polônia. Nes
se calendário, Van Tieghem reforça o status de precursora que ele atribui à Alemanha, assinalando tam
bém o atraso da irrupção romântica em França.
Noutro olhar, o teórico Arnold Hauser acredita ser o Romantismo um movimento originalmen
te inglês, situando, assim, o cenário da Inglaterra como ponto de nascimento da estética romântica,
enquanto aponta para as especificidades das manifestações inglesas, segundo ele, muito mais à vontade
com as regras de composição da herança clássica, do que a França e a Alemanha.
Por outro lado, Octavio Paz se inclina pela Inglaterra e pela Alemanha como os epicentros ori
ginais da corrente romântica, de onde se propaga o seu ideário por todo o continente europeu. Para
Paz, a proeminência do Romantismo alemão e inglês se deve menos a sua antecipação cronológica do
que à sua formidável penetração crítica e sua originalidade poética.
Ressaltando a qualidade literária das produções românticas na Alemanha e na Inglaterra, elo
giando os seus escritos programáticos, verdadeiros manifestos revolucionários, Octavio Paz terminaria
por creditar, a essa excelência discursiva, a permanência de uma tradição que se comunicaria à posteri
dade, para a qual, insistentemente, o poeta mexicano chama a atenção de seu leitor, reforçando o cará
ter de atualidade das expressões românticas.
Tais perspectivas, em conjunto, seriam retomadas e redimensionadas pelos estudos de Jac
ques Bousquet e pelas pesquisas de Karl Mannheim, escritores que, à semelhança de Octavio Paz, são
frequentemente chamados ao texto de Michael Löwy e de Robert Sayre.
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Em acordo com o pensamento de Bousquet e de Mannheim, Löwy e Sayre focalizam o início
do Romantismo no espaço temporal da segunda metade do século XVIII, elegendo, igualmente, a Fran
ça, a Alemanha e a Inglaterra como precursoras e fiadoras do desenvolvimento, da divulgação e da dis
seminação da nova arte europeia. Nessa escolha, Löwy e Sayre descartam a visão da França como refra
tária às ideias iniciais do Romantismo, amparando se, explicitamente, nos trabalhos de Bousquet e
Mannheim:
Com efeito, a Alemanha e a Inglaterra já foram propostas como candidatas a esse título: a primeira quase sempre por motivo de uma vocação particular devido a seu caráter e destino social; a segunda em razão de sue avanço socioeconômico. No entanto, se olharmos detalhadamente a história cultural desses três países no século XVIII, parece que essas afirmações são contestáveis e estaremos de acordo com Karl Mannheim para quem o Romantismo apareceu praticamente ao mesmo tempo nes-ses três países europeus [...] Jacques Bousquet refuta de maneira convincente a i-déia de que a França teve um atraso considerável [...] Houve, portanto, na França ao mesmo tempo que na Alemanha e na Inglaterra, um denso tecido cultural ro-mântico e não somente algumas obras-guias. Quanto à questão das pretensas in-fluências anglo-germânicas, Bousquet prova que a dos autores alemães não teve grande importância e a dos ingleses foi muito menor do que se afirmou (LÖWY; SAYRE, 1995, p. 79-80 – grifos dos autores).
Elencando os mais variados argumentos que corroboram as suas próprias opiniões, isto é, de
que o surgimento do espírito romântico se processou de forma sincrônica e assemelhada, porém inde
pendente, em seus três países centros, Löwy e Sayre procedem a um verdadeiro inventário das perspec
tivas teóricas acerca do Romantismo. Nessa catalogação do espólio crítico romântico, especialmente o
elaborado no século XX, nossos autores demonstram que à diversidade e à multiplicidade que caracteri
zam o fato romântico corresponde, igualmente, uma fabulosa e inquietante pluralidade crítica:
Em sua forma mais banal, essa abordagem opõe o romantismo ao ‘classicismo’. Por exemplo, segundo o Larousse du XXe siècle, ‘são chamados de românticos os escritores que, no início do século XIX, se liberaram das regras de composição e do estilo do classicismo. Na França, o romantismo foi uma reação profunda contra a literatura clássica nacional, enquanto vai constituir, na Inglaterra e Alemanha, o fundo primitivo do gênio autóctone [...] Sem ultrapassarem a visão estritamente lite-rária do romantismo, outros críticos consideram inadequada a definição que se limi-ta a levar em consideração as ‘regras de composição não clássicas’ ou a ‘alma na-cional’ e tentam encontrar denominadores comuns mais substanciais. É o caso, em particular, dos três mais conhecidos especialistas norte-americanos da história do romantismo: M.H. Abrams, René Wellek e Morse Peckham. Para Abrams, apesar de sua diversidade, os românticos compartilham certos valores: por exemplo, a vida, o amor, a liberdade, a esperança e a alegria. Têm também em comum uma nova concepção do espírito, que sublinha mais a atividade criadora do que a recepção das impressões exteriores [...] Wellek afirma que os movimentos românticos formam uma unidade e possuem um conjunto coerente de idéias que se implicam recipro-camente: a imaginação, a natureza, o símbolo e o mito [...] Peckham propõe definir
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o romantismo como uma revolução do espírito europeu contra o pensamento está-tico/mecânico e em favor do organicismo dinâmico. Seus valores são: a mudança, o crescimento, a diversidade, a imaginação criadora e o inconsciente [...] Cada au-tor faz sua própria escolha e, por vezes, revisa sua escolha anterior [...] Por exem-plo, em artigo de 1961 que reconsidera sua teoria de 1951, Morse Peckham verifi-ca que o organicismo era antes um produto da Filosofia das Luzes [...] Incapaz de determinar um conteúdo qualquer para essa ‘identidade do ego’, a nova tentativa de Peckham desemboca em um vazio conceitual e nos faz reconduzir ao ponto de partida – a tumultuosa multiplicidade das cores a serviço de um ego criativo, cara a Carl Schmitt (LÖWY; SAYRE, 1995, p. 1-14 – grifos dos autores).
Da gênese romântica
Se o início do Romantismo é, geralmente, delimitado no espaço da última década do século
XVIII, a sua gênese, todavia, remonta aos princípios da segunda metade do Século das Luzes, por volta
de 1760. Em razão disso, tem se falado de um proto romantismo, ou de uma pré história do Romantis
mo, que se manifesta durante a fase do Iluminismo, período marcado por um crescente desenvolvimen
to do capital, do comércio, da indústria e das cidades. Esse bulício, metaforizado como solidão na socie
dade (LÖWY; SAYRE, 1995, p.68), se transformaria em materialidade verbal, através das obras dos mais
variados escritores do período iluminista.
A visível expansão do progresso não agradava a todos. Havia os românticos, ou seja, os des
contentes, como os denominava Karl Mannheim, sociólogo húngaro e estudioso das utopias românticas.
Desse descontentamento surgia uma sensibilidade que se contrapunha à dureza da prosa do negócio,
que reverberava contra o racionalismo do cálculo e a frieza do espírito do capital. Nessa (e contra) at
mosfera, desabrocha o espírito romântico.
Informados por essa perspectiva, Löwy e Sayre situam a obra de Jean Jacques Rousseau (1712
1778) como gênese dessa sensibilidade. Retomando a compreensão de Octavio Paz, consideram os di
versos discursos de Rousseau como textos inaugurais do impulso anticapitalista, precursores da mani
festação da visão de mundo dos românticos, portanto. Assim, consideram os escritos de Rousseau, os de
seus discípulos, como também os de Chateaubriand, como literatura romântica da fase anterior à Revo
lução Francesa.
Rousseau é o autor chave na gênese do romantismo francês porque, ainda em meados
do século XVIII, soube articular toda a visão romântica do mundo [...], além disso, Oc
tavio Paz observa que ‘se a literatura moderna começa com uma crítica da modernida
de é Rousseau a figura que encarna esse paradoxo com uma espécie de exemplarida
de’. Vemos aparecer em Rousseau uma configuração romântica a partir de Discours
(1750, 1755) e de La Nouvelle Héloïse (1761), mas igualmente em obras escritas no fim
de sua vida: Confessions e Rêveries du promeneur solitaire [...] os discípulos de Rousse
au, tais como Bernardin de Saint Pierre e Restif de La Bretonne são plenamente ro
mânticos: o primeiro em seu idílio trágico Paul et Virginie; e o segundo em suas utopi
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as comunistas, patriarcais e campestres. Nesse romantismo anterior à Revolução Fran
cesa, podemos situar também Chateaubriand porque sua obra Tableaux de la Nature
foi redigida entre 1784 e 1790 (LÖWY; SAYRE, 1995, p. 85 86).
Nesse raciocínio, Michael Löwy e Robert Sayre desconstroem uma perspectiva crítica bastante
rotineira nos compêndios de Literatura e, de forma mais acentuada, nos livros didáticos originados, no
mais das vezes, das mais conflitantes interpretações: a do estabelecimento de uma relação direta entre
a Revolução Francesa e as ideias românticas.
Ora, ao identificar, na obra de Rousseau, a gênese do espírito romântico, Löwy e Sayre fazem o
movimento romântico recuar para aquém da Revolução Francesa e, na mesma moeda, o avança para
além da Revolução Industrial. Assim, criticam acidamente as interpretações que insistem em ligar, com
estreitos laços, o advento do Romantismo a determinantes históricos ou econômicos, valendo se da
contribuição de Henri Peyre, pesquisador francês das letras românticas, a quem chamam e concedem
voz, em sua obra:
Escutemos a opinião de um eminente especialista, Henri Peyre: ‘Seria arriscado ligar
demasiado estreitamente as criações do espírito, isto é, a mais livre atividade que se
possa imaginar, aos acontecimentos da história e à vida econômica... De fato, as rela
ções entre literatura e sociedade são praticamente indefiníveis... Ligar como já se ten
tou fazer, o romantismo ao advento da revolução industrial... é ainda mais arriscado...
Se, em seguida, o romantismo exprimiu, melhor do que inúmeros historiadores, os
transtornos causados pelo afluxo das populações em direção à industria e às cidades, a
miséria das classes trabalhadoras julgadas também classes perigosas.... isso aconteceu
porque Balzac, o Hugo dos Miseráveis e até mesmo Eugène Sue, mais tarde Dickens e
Disraeli na Inglaterra, foram observadores argutos da sociedade e homens magnâni
mos’. A explicação pelo coração é um pouco limitada e incapaz de preencher o vazio
analítico que resulta da recusa em examinar a relação entre literatura e sociedade
(LÖWY; SAYRE, 1995, p. 20)
A visão romântica: desencantamento e reencantamento do mundo
A partir da segunda metade do século XVII, a Europa assiste a uma vertiginosa transformação
social, operada pela ordem do capital que se vai consolidando e criando um novo tempo e feição social
que se denominará de Modernidade.
Conceito exclusivamente ocidental, a Modernidade iria se caracterizar pelo acentuado desen
volvimento do comércio, da indústria, da técnica, do raciocínio científico e lógico que o Iluminismo afa
gava. No reverso, também se verifica o desalento ante o raciocínio abstrato e frio do cálculo, a impesso
alidade da burocracia, a miséria pasmosa de grandes contingentes humanos que abandonam o campo
em busca das grandes cidades, o abandono infantil, a humilhação dos trabalhadores, a quebra dos vín
culos sociais e afetivos, o poder do dinheiro, o flagelo da pobreza, a quantificação do mundo e a conse
quente reificação humana.
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Dessa Modernidade – e contra ela – desabrocha a sensibilidade romântica, ou poesia moderna
em sentido lato, com novos temas, novas formas e personagens outras que põem fim à lógica do Classi
cismo, retomada pela Renascimento. Nesse quadro, surge uma multiplicidade de obras que, refratárias
a esse desenvolvimento, denunciam, negam e desmontam o progresso ou projeto “civilizatório” ociden
tal, especialmente em seus três países mais desenvolvidos – França, Alemanha e Inglaterra – de onde se
origina a poesia moderna, claramente engajada em um projeto centrado no humanismo.
Disso resulta uma literatura empenhada, perpassada ora pela perspectiva ética, ora pela políti
ca, ou pela religiosidade, ou simplesmente humanística, ou tudo isso junto, como se vê nos diversos
discursos românticos, a exemplo de Thomas Carlyle que, em seus Sinais dos Tempos (1829), expressa o
horror romântico à mecanização do mundo, com verdadeiro temor de que esta se estendesse ao huma
no. Ou mesmo o romance Oliver Twist (1837), do inglês Charles Dickens, cujo tema se volta para a in
fância abandonada e ultrajada, para a iniquidade dos orfanatos de Londres, seus espaços sujos e sórdi
dos. Ou mesmo Os miseráveis (1862), do francês Victor Hugo, narrativa que se constitui num verdadeiro
panorama da sociedade francesa, na qual seu narrador faz uma contundente defesa da bondade huma
na, seguindo o pensamento do socialismo utópico.
No Brasil, essa literatura que toma posição em face das iniquidades sociais teria uma formidá
vel realização em Castro Alves. Este, como seus pares europeus, reveste de dignidade os mais ultrajados
pela divisão social do mundo da Modernidade. Entre nós, é o escravo, sem sombra de dúvida, sobre
quem recai os ônus mais infames do capitalismo. Contra essa escravidão, reverbera, em prosa e verso,
nosso poeta abolicionista, Castro Alves.
Desencantados, descontentes, revoltados ou nostálgicos em relação a um tempo perdido, i
dentificado em suas obras como a Idade Média, os românticos europeus recorreram às mais diversas
estratégias, em suas buscas de reencantamento do mundo. Entre os variados recursos, temáticos e for
mais, do reencantamento romântico, elencamos os que se seguem, ressaltando que muitos deles se
imbricam num verdadeiro redemoinho para os seus leitores.
Imaginação – para o Romantismo, a percepção do real é obra da imaginação; é um apanágio
da fantasia poética. O tema da “imaginação criadora” é a medula da poética romântica. É tam
bém uma ruptura com a estética clássica, que concebia a arte como mimese, como imitação
objetiva do real.
Fantasia – contra o choque com a realidade hostil, provocadora de desencanto, os românticos
recorrem à fantasia, como estratégia na ruptura dos limites estreitos da realidade e como ca
nal privilegiado de propiciação ao exercício da imaginação.
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Ensimesmamento – a interioridade, o voltar se para si, é o ponto de partida do pensamento
romântico. Para os românticos, expressão da alma é a expressão do Eu. Daí ligarem, em larga
medida, o culto do ego ao senso religioso da totalidade.
Senso de religiosidade – contra o vazio religioso da Modernidade, visto como ausência de sen
tido da vida, os românticos retornam às tradições religiosas e às místicas, que se converteriam
em uma das principais estratégias românticas de reencantamento do mundo, a tal ponto de
muitos críticos considerá las como a principal característica romântica.
Nostalgia – na reação à despoetização e ao prosaísmo da vida burguesa, os românticos se vol
tam para os paraísos perdidos, para um passado pré capitalista ou um passado em que o hor
ror da mecanização do mundo não era visível. Esses paraísos eram identificados no medieva
lismo ou em terras longínquas – e exóticas – com as florestas americanas, o Oriente e a Índia.
Retorno ao passado – objeto da nostalgia e da melancolia romântica, o eterno retorno se
processava tanto de forma coletiva, a exemplo do medievalismo, das tradições da pátria,
usualmente confundida como lar, quanto de forma individual, como expressa a saudade da
infância, do passado particular.
Mito – narrativa mágica, de interseção entre a religião, a história, a poesia, a linguagem, e a fi
losofia, o mito oferece um reservatório inesgotável de símbolos e alegorias: fantasmas, demô
nios e deuses. Desfruta de um lugar à parte no conjunto dos recursos românticos de reencan
tamento. Karl Wilhelm Friedrich von Schlegel, poeta alemão, associa a poesia à mitologia,
transformando o mito em carga utópica e a poesia em poder mágico
Culto da natureza – diferente da imitação clássica, a natureza para os românticos é o afasta
mento do hic et nunc; é refúgio ao bulício da cidade, locus de manifestação da originalidade do
gênio, não contaminado pela sociedade. O paisagismo neoclássico cede lugar ao pitoresco, ao
local. É, também, contraponto à modernidade industrial, que vê na natureza tão somente as
quantidades de matérias primas que dela pode extrair.
Senso de historicidade – orientado pela visão da singularidade da obra, proposição privilegia
da pela corrente alemã, os românticos reivindicam o senso de historicidade para as artes, con
cebendo as em sua relação com o contexto histórico cultural do país em que surgem, ou seja,
o espírito da nação. Na ficção histórica romântica, destaca se o escritor inglês Walter Scott,
com quem Alencar dialoga em seus romances históricos.
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Super abundância de sentimento – motivada pela visão maniqueísta romântica, do bem ver
sus mal, a literatura romântica expressa uma gama variada de emoções que, por vezes, alcan
çam o exagero da pieguice e do dramalhão.
Repúdio às convenções sociais – subvertendo a sociabilidade do artista neoclássico, os român
ticos reabilitam os comportamentos não racionais e/ou não racionalizáveis, valorizando todas
as formas de existência subjetiva, tais como o amor, a emoção pura, as paixões, as intuições,
as premonições, os instintos, o sonho, o delírio, o estado da infância. Essa indisposição às
normas sociais, ou volúpia da transgressão, se expressa no satanismo de Byron. No Brasil, essa
tendência apresenta se, sobretudo, em Álvares de Azevedo.
Fascínio pela noite – espaço de magia, de mistério, dos sortilégios, a noite vem se adequar à
contraposição romântica à luz, signo emblemático do racionalismo clássico.
O feminino romântico – objeto do amor, concebido como essência da vida pelo romantismo, a
mulher é divinizada, retirada do seu cotidiano, de sua humanidade comum e alçada às alturas
de uma pureza arquetípica. Mas há também outras heroínas... Marion Delorme, do romance
homônimo de Victor Hugo (1829); Marguerite Gautier, de A Dama das Camélias, de Alexandre
Dumas Filho (1848); Carolina, da narrativa dramática de José de Alencar, As Asas de um Anjo
(1958); e Lúcia, personagem do romance Lucíola 1862), de autoria também do autor brasileiro.
A pátria romântica – como a alma romântica vive – aqui e agora – longe de seu verdadeiro
lar, de sua verdadeira pátria, esta é representada e vivida como exílio, constituindo se como
carência. Segundo Arnold Hauser, o sentimento de carência de lar e de isolamento tornou se a
experiência fundamental dos românticos do início do século XIX. Para Walter Benjamim, o ape
lo à vida onírica dos românticos indica as dificuldades impostas pela vida real ao regresso da
alma ao lar da terra materna (apud LÖWY; SAYRE, 1995, p.40).
Ironia – através da ironia, os românticos procuram desfazer as aparências do mundo quantifi
cado da Modernidade, revelando a quebra do princípio da identidade, a cisão do idêntico, o
outro lado da razão. Em Senhora (1875), José de Alencar se utilizaria dessa estratégia para a
sua problematização do amor tornado negócio, por meio da exigência de dotes, arranjos muito
comuns no Rio de Janeiro, como critica Alencar através de sua personagem Aurélia:
Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos pretendentes,
dando lhes certo valor monetário. Em linguagem financeira, Aurélia cotava os seus a
doradores pelo preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial.
Uma noite, no Cassino, a Lísia Soares, que fazia se íntima com ela, e desejava arden
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temente vê la casada, dirigiu lhe um gracejo acerca do Alfredo Moreira, rapaz elegante
que chegara recentemente da Europa. – É um moço muito distinto, respondeu Aurélia
sorrindo; vale bem como noivo cem contos de réis; mas eu tenho dinheiro para pagar
um marido de maior preço, Lísia; não me contento com esse (ALENCAR, 1951, p. 97 98,
V. XV).
Romantismo versus classicismo
Recusando a cosmovisão do mundo clássico e a estética neoclássica a ela ligada, o Romantis
mo se projetou como um grande fenômeno histórico, como a primeira e a maior das revoluções poéti
cas do Ocidente, nos termos de Octavio Paz. A substituição da visão racionalista clássica pela cosmovi
são romântica – idealista e metafísica – alteraria, radicalmente, os modelos e os padrões que até então
orientavam a feitura do poético, do artístico.
Nesse caminho de recusa e de substituição, os românticos contrapõem aos princípios discipli
nadores da estética clássica – objetividade, contenção, ponderação, proporção, equilíbrio, ordem, har
monia, serenidade, clareza, caráter apolíneo, transparência, clareza e luminosidade, elementos ligados
ao domínio do diurno – a subjetividade, a liberdade, a abundância, a noite, a imaginação e a fantasia, os
indisciplinamentos da interioridade.
Simetricamente oposta, também seria a maneira com a qual os românticos apreenderiam o ar
tista. Se, no Classicismo, o valor estético dependia exclusivamente da obra, cabendo ao artista evaporar
se por trás dela, no Romantismo o valor da obra passa a se instalar no artista, elevado à condição de
gênio, dotado de poder demiúrgico, visto como porta voz do divino, do infinito. Assim, enquanto o artis
ta clássico é preso às regras e realista aos fatos, o gênio romântico é movido por sua vontade, suas emo
ções e sentimentos, num exercício de inusitada liberdade autoral.
A liberdade romântica impele os seus artistas a investir contra os ditames clássicos da separa
ção das artes. Opõe o diálogo entre a prosa e a poesia à rigidez das fronteiras literárias clássicas, disci
plinarmente separadas e obedientes às suas próprias regras, restritas às suas próprias feições. Além de
uma fabulosa discussão sobre o verso, desse diálogo resultaria a corrosão romântica das velhas formas
clássicas, como sugere Alfredo Bosi:
A mesma liberdade desterra formas líricas ossificadas e faz renascer a balada e a canção, em detrimento do soneto e da ode; ou, abolindo qualquer constrangimento, escolhe o poema sem cortes fixos, que termina onde cessa a inspiração (Byron, Lamartine, Vigny...). A epopéia, expressão heróica já em crise no século XVIII, é substituída pelo poema político e pelo ro-mance histórico, livre das peias de organização interna que marcavam a narrativa em verso. No teatro, espelho fiel dos abalos ideológicos, as mudanças não seriam menos radicais: a-frouxada a distinção de tragédia e comédia, cria-se o drama, fusão de sublime e grotesco,
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que inspira a reproduzir o encontro das paixões individuais contido pelas bienséanceas clás-sicas (BOSI, 1980, p. 105 – grifos do autor).
Da recusa romântica aos códigos estéticos clássicos, seus gêneros, estilos e técnicas, resultaria
o romance. Gênero misto, apreciado como a revolução literária do Terceiro Estado por Debenedetti
(apud BOSI, 1980, p. 106), o romance é considerado o gênero moderno por excelência e o que melhor
expressou a poesia da Modernidade. Daí, afirmar se, continuadamente, que o romance não apenas ofe
receu ao espírito romântico as melhores condições de expressão de seu ideário, como se converteu,
exemplarmente, em gênero privilegiado da sociedade burguesa.
A Música romântica
Por expressar o inexprimível, atenuando, portanto, a lacuna do verbo, a busca da expressivi
dade musical se tornaria numa das maiores preocupações do Romantismo, revelada no interesse pela
canção, em especial a de origem popular. Ao se voltar para as composições eruditas de Beethoven, o
escritor, compositor e pintor alemão Hoffmann sintetizava o que se entendia por música romântica:
“põe em movimento a alavanca do medo, do terror, do arrepio, do sofrimento, e desperta precisamente
esse infinito anelo que é a essência do romantismo” (apud BOSI, 1980, p.103).
Romantismo e Dramaturgia
Em relação ao teatro, caberia ao romancista francês Victor Hugo a responsabilidade pelas for
mulações românticas nesse campo artístico. Criticando o modelo clássico, rigidamente dividido em gê
neros reivindicados em estado de pureza – a comédia e a tragédia – Victor Hugo situa o drama como a
expressão privilegiada da Modernidade, enquanto confronta as bases conceituais clássicas, no tocante
às unidades de tempo e de espaço, igualmente disciplinadas pelo rigor clássico.
Romantismo e Linguística
Como se sabe, o Romantismo não foi tão somente um movimento de renovação no campo li
terário, mas uma renovação na forma de compreensão do mundo, do homem e das artes em geral, em
suas múltiplas linguagens. A profunda discussão acerca de formas, gêneros e linguagens deslocava os
românticos, notadamente os alemães, para o terreno da Linguística. Esse deslocamento se consumaria
com as investigações linguísticas do poeta alemão Frederich Schlegel. Em 1806, Schlegel publica suas
pesquisas Sobre a língua e a ciência dos Hindus, nas quais se debruça sobre a antiga língua da Índia, o
sânscrito. Esmaecia se, assim, a estrela do latim no firmamento linguístico (ELIA, 2005, p. 123), como
ressalta Meillet:
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O Romantismo alemão se interessava por um passado independente da cultura greco
latina, e aproveitava se de tudo o que a história do passado e a exploração do mundo
faziam para alargar as vistas estreitas do Classicismo. Para as línguas como para a lite
ratura, para o Direito, para as instituições, os alemães estudaram outra coisa que a
Grécia e Roma (MEILLET, apud ELIA, 2005, p. 123).
Orientados pelo método histórico comparativo e pelo desejo romântico de resgate às culturas
antigas e às experiências linguísticas populares, os estudos de Schlegel operam um descentramento1,
isto é, desaloja o idioma clássico de seu lugar de centro, focalizando, como referencialidade, o sânscrito.
Com Schlegel, a terminologia gramática comparada seria empregada pela primeira vez, o que lhe dá, a
nosso ver, o lugar de antecipador dessas pesquisas. Nesse verdadeiro exercício de rotação, os românti
cos alemães descartam a visão da gramática tradicional, elaborada pelos filósofos gregos, cuja concep
ção se pautava pela padronização e pelo intento de firmar o ático – antigo dialeto falado na região de
Atenas, de onde deriva a base da língua grega clássica – como modelo ideal, como observa o linguista
brasileiro, Mário Eduardo Martelotta:
O sentimento romântico levou os primeiros comparatistas a tentar reconstruir, atravésdo método comparativo um estado de língua original, considerado idealmente perfeitoem função de concepção da época de que a mudança era uma espécie de degeneraçãode um estado de língua primitivo e, por natureza, íntegro [...] a descoberta do sânscrito, antiga língua da Índia, que se mostrou muito parecida com as línguas da Europa [...]aguçou a curiosidade dos pesquisadores, incentivando os estudos comparativos entreas línguas. Ou seja, foi a comparação com o sânscrito que deu bases sólidas à teoria referente ao parentesco e à unidade e origem das línguas indo européias. Além disso,forneceu uma nova fonte de inspiração ao Romantismo, movimento de idéias que seopunham à tradição greco latina (MARTELOTTA, 2008, p. 49).
Nessa linha, Franz Boop, também alemão, publica o seu livro Sistema de configuração do
Sânscrito em comparação com o do Grego, Latim, Persa e Germânico (Frankfurt, 1816), dedicado ao
estudo dos verbos do sânscrito, em aproximação com o grego, latim, persa e os das línguas germânicas.
Preocupado, principalmente, com os aspectos morfológicos, Boop desenvolveu uma comparação siste
mática entre os principais ramos indo europeus, tornando se, assim, conhecido como o fundador da
gramática comparativa do indo europeu. Afere se, portanto, a importância dos estudos românticos no
processo de criação e de sedimentação da gramática histórico comparativa e da Linguística em geral.
1 Expressão criada por Jacques Derrida, ao tratar da importância da Etnologia para os estudos dos chamados povos primitivos:“a Etnologia só teve condições para nascer como ciência no momento em que a cultura européia [...] foi deslocada, expulsa doseu lugar, deixando então de ser considerada como a cultura de referência” (DERRIDA, apud SANTIAGO, 1978, p. 13).
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Redefinindo o Romantismo
Procedendo a um verdadeiro inventário das diversas visões sobre o Romantismo, Michael
Löwy e Robert Sayre terminariam por se aventurar pelo caminho pedregoso e escorregadio da conceitu
ação romântica. Em situação mais confortável do que a de muitos críticos no passado, haja vista o con
siderável volume e a qualidade da recente fortuna crítica de que podem dispor, Löwy e Sayre ignoram a
advertência do poeta Paul Valéry e se dispõem, sem perder o senso de rigor, a enveredar na aventura da
redefinição do Romantismo, entendido como reação à Modernidade que se inaugura.
Ao se lançar a essa empreitada, Löwy e Sayre estabelecem como ponto de partida uma defini
ção do Romantismo como Weltanschuung ou visão do mundo, isto é, como estrutura mental coletiva.
Desse ponto, procedem às suas apreciações da expressão romântica em toda sua globalidade, exami
nando a em toda a sua extensão e multiplicidade. Essas perspectivas metodológicas os aproximam,
harmoniosamente, de Octavio Paz. Este, como Löwy e Sayre, também busca uma apreensão do Roman
tismo em sua totalidade e diversidade, apreciando o, também, como oposição à lógica da Modernidade:
Antes de mais, indiquemos com duas palavras a essência de nossa concepção: para
nós, o romantismo representa uma crítica da modernidade, isto é, da civilização capita
lista moderna, em nome de valores e ideais do passado (pré capitalista, pré moderno).
Podemos dizer que, desde sua origem, o romantismo é iluminado pela dupla luz da es
trela da revolta e do ‘sol negro da melancolia’ [...] O romantismo surge de uma oposi
ção a essa realidade capitalista/moderna [...] é, queiramos ou não, uma crítica moder
na da modernidade [...] uma consciência aguda da deterioração radical da qualidade
das relações humanas na modernidade e a busca nostálgica da comunidade autêntica
(LÖWY; SAYRE, 1995, p. 34; 68 – grifos dos autores).
Desde sua origem, a poesia moderna tem sido uma reação diante, para e contra a mo
dernidade [...] Desde o seu nascimento, a modernidade é uma paixão crítica [...] A arte
moderna não é apenas filha da idade crítica, mas é também crítica de si mesma [...]
Sua modernidade é ambígua: há um conflito entre poesia e modernidade que começa
com os pré românticos e se prolonga até os nossos dias. A sensibilidade dos pré
românticos não tardará em se transformar em paixão dos românticos [...] A poesia
moderna nasce com os primeiros românticos e seus predecessores imediatos de fins
do século XVIII, atravessa o século XIX, através de sucessivas mutações que são apesar
de tudo repetições, e chega até o século XX. Trata se de um movimento que envolve
todos os países do Ocidente, do mundo eslavo ao hispano americano, mas que em ca
da um de seus momentos se concentra e manifesta em dois ou três pontos de irradia
ção (PAZ, 1984, p. 17 18; 52 54; 152).
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UNIDADE II
O ROMANTISMO NO BRASIL A NARRAÇÃO DA NAÇÃO
Sem dúvida que o poeta brasileiro tem que traduzir em sua língua as idéias [...] nessa tra
dução está a grande dificuldade.
José de Alencar
Criamos assim um pequeno mundo, unicamente nosso.
José de Alencar
O Romantismo na América Latina
No que tange à recepção latino americana ao Romantismo, cumpre notar que esta só se pro
cede, a partir dos anos 30 do século XIX, poucos anos depois da acolhida dos países do Leste Europeu –
Rússia, Polônia, Hungria, povos balcânicos; da Itália e da Espanha.
Na verdade, desde os fins do século XVIII e inícios do XIX, as contradições entre as Colônias da
América Latina e suas Metrópoles haviam se tornado insuportáveis. As Colônias em nuestra América
haviam crescido, se desenvolvido e já contavam com pequenos mas importantes círculos de intelectuais
que começaram, desde o período do Arcadismo, a pensar a Colônia de uma forma mais própria, como
ilustra, entre nós, a participação dos poetas árcades – Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonza
ga, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Bárbara Heliodora2 – na Inconfidência Mineira em 1789.
Nos princípios do século XIX, a América Latina se constituía como cenário de lutas acirradas,
especialmente, nas Colônias espanholas. A essas rebeliões libertárias se devem a emancipação do Para
guai (1811), do Uruguai (1814), da Argentina (1816), do Chile (1818), Venezuela e Nova Granada (1819
1821), Equador (1820), Peru (1824) e Bolívia em 1825. Em 1822, a maioria das Colônias da América Cen
tral unia se ao México, tornando se independentes. Em 1823, essas Colônias se separaram do México e
formaram as Províncias Unidas do Centro da América. As pressões dos Estados Unidos e da Inglaterra, as
discórdias entre as oligarquias locais terminariam, contudo, provocando a fragmentação desse Centro
Americano. A partir de 1830, essas Colônias se tornariam as atuais Repúblicas da Costa Rica, Nicarágua,
El Salvador, Honduras e Guatemala.
2 Bárbara Heliodora Guilhermina Silveira (São João del Rei – 1759; São Gonçalo de Sapucaí (MG) – 1819). Musa e esposa deAlvarenga Peixoto, Bárbara Heliodora foi ela própria poeta. Com o marido, participou da Conjuração Mineira. Após a prisão e odegredo de Alvarenga Peixoto, suportou com rara dignidade o confisco de seus bens, a infâmia sobre os seus filhos e a mortedo marido, um ano após a chegada deste ao degredo africano.
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Em relação ao Haiti, colonizado pelos franceses, a independência se consumaria em 1925, de
pois de uma luta sangrenta que se arrastou do século XVIII ao século XIX. Os haitianos pagariam um
preço altíssimo pela sua liberdade. Os senhores de engenho se recusavam a entregar o país aos negros,
preferindo destruí lo. Queimaram todos os canaviais, dizimaram todo o gado e arruinaram os engenhos
de açúcar.
Por outro lado, a Metrópole francesa envia tropas fortemente armadas que completam o ser
viço dos senhores do açúcar. No Haiti, o exército napoleônico pilhou, destroçou e cometeu um dos mas
sacres mais violentos da história da França. Ao massacre da população e ao destroço do Haiti, se segui
ria o bloqueio comercial imposto pelos franceses, além de uma dívida imensa. Isso explica a pobreza e a
desolação do Haiti, nos dias atuais.
Cuba, localizada no arquipélago caribenho como o Haiti, também teve um caminho duro e lon
go até a sua libertação. Inicialmente, é vendida à Inglaterra pelos espanhóis, depois fica sob a tutela
econômica dos EUA, só se libertando com a Revolução Cubana de 1959, que implantaria um regime de
cunho socialista.
Movidos por um acirrado sentimento de busca de reconhecimento de si, os países latino
americanos acolhem o ideário romântico europeu. Na América Latina, o fervor das rebeliões e dos an
seios de independência daria às primeiras manifestações românticas um expressivo e persistente acento
de nacionalismo, de fundo germânico, explicável em face do contexto libertário e da consequente ne
cessidade de identidade nacional, como bem anota o crítico mexicano, José Luis Martínez, ressaltando a
especificidade do processo brasileiro:
Com efeito, as gerações latino americanas que apareceram por volta dos anos trinta
do século XIX, quando as novas repúblicas começavam a se estabilizar e a dirimir seus
conflitos internos – com exceção do Brasil, que foi reino independente até 1889,
quando passou ao sistema republicano – , adotaram integralmente como programa a
criação de uma nova literatura que expressasse nossa natureza e nossos costumes. Em
todos os países da região, poetas romancistas, dramaturgos e ensaístas entregaram se
laboriosamente à tarefa de cantar o esplendor da natureza americana e a de reprodu
zir e explorar as peculiaridades de nossos costumes (MARTÍNEZ, 1972, p. 63 – grifos
nossos).
Não obstante a flagrante similaridade entre as letras latino americanas, o Brasil se apresenta
ria, contudo, como singularidade histórico literária, no quadro latino americano. Suas experimentações
românticas, especialmente no romance, gênero criado pelo Romantismo, são, comumente, apreciadas
como realizações mais consistentes e elaboradas, enquanto desfruta do estatuto de melhor elaboração
romanesca em nosso continente, como reconhece Octavio Paz e sugere Luis Martínez, teórico também
mexicano:
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O romantismo hispano americano foi ainda mais pobre que o espanhol: reflexo de um
reflexo. No entanto, há uma circunstância histórica que, embora de maneira não ime
diata, afetou a poesia hispano americana e a levou a mudar de rumo. Refiro me à re
volução da Independência [...] Inclusive pode dizer se que houve nessa época três
grandes revoluções com ideologias análogas: a dos franceses, a dos norte americanos
e a dos hispano americanos, o caso do Brasil foi diferente [...] A desolação foi a nossa
história (PAZ, 1974, p. 114 – grifos nossos).
A relativa paz de que o Brasil desfrutou no século XIX – em contraste com as persis
tentes agitações da América hispânica – contribuiu para o florescimento do romance
nesse país, durante a segunda metade do século, o mais importante da América Lati
na neste período em seu conjunto (MARTÍNEZ, 1972, p. 63 – grifos nossos).
Como se verifica, foi num trajeto desigual mas combinado, que a nova poética europeia se
instalou nas letras da América Latina. A nossa receptividade permitiu ao Romantismo alcançar a parte
que lhe faltava para atingir a totalidade do Ocidente. Como bem lembra Octavio Paz a despeito das dife
renças de línguas e culturas nacionais, a poesia moderna é uma, e o termo Ocidente abrange também as
tradições literárias e culturais latino americanas, em suas três línguas: a espanhola, a portuguesa e a
francesa (PAZ, 1884, p.11 12). Isso, evidentemente, nos torna construtores e intérpretes do mosaico
poético literário que caracteriza a cultura do universo ocidental.
A ESTÉTICA ROMÂNTICA CHEGA AO BRASIL
O jeitinho brasileiro
Enquanto os países da América Latina, de língua espanhola e de língua francesa, estatuíam a
ruptura com suas Metrópoles, através de uma série de revoluções, o Brasil, ao contrário, estreita seus
laços com Portugal. Em 1808, a Família Real portuguesa e a sua Corte, seus funcionários e soldados,
chegam e se instalam no Rio de Janeiro, transformando a Colônia em sede da monarquia lusitana, além
de seu refúgio e amparo, ante as investidas francesas.
Pressionado pelas ameaças napoleônicas de invasão de Lisboa, D. João VI, então Príncipe Re
gente de Portugal, sob a proteção da armada inglesa, foge para o Brasil abandonando o povo português
a sua própria sorte. Ironicamente, a transferência da Coroa lusitana concretiza o temor português ex
presso por Ambrósio Fernandes Brandão, em sua obra Diálogos e grandezas do Brasil, de 1618: “Não
permita Deus que padeça a nação portuguesa tantos danos que venha o Brasil a ser o seu refúgio e am
paro” (BRANDÃO, 1997, p. 15).
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A transferência da Coroa portuguesa para o Brasil altera profundamente nossa feição colonial.
A cidade do Rio de Janeiro, acanhada para os padrões europeus, se transfigura: duplica sua população e
começa a exibir as convenções e etiquetas sociais trazidas pela enorme comitiva de D. João e pelos artis
tas, intelectuais, pesquisadores que desembarcam na cidade, atraídos pela curiosidade e pela presença
da Corte lusitana.
No terreno da economia, a abertura dos portos é primeira medida tomada por D. João VI, se
guindo se outras resoluções que revogam os entraves a produção e ao comércio da Colônia, incompatí
veis com a nova condição de sede da monarquia portuguesa. Na cultura, as transformações foram i
gualmente importantes. Permitiu se a importação de livros, a instalação de tipografias, imprimiram se
nossas primeiras obras, criou se uma biblioteca, foram fundados os primeiros cursos e escolas de nível
superior, surgiram, enfim, os nossos primeiros jornais. O Brasil começava a viver um processo de inde
pendência virtual, que garantiria ao nosso país preservar a sua unidade, como assinala Antonio Candido
(2002, p.10).
Em 1816, D. João VI torna se rei de Brasil e Portugal, após a morte de sua mãe, D. Maria I. O
Brasil é alçado à condição de Reino Unido de Portugal. Verifica se, nesse cenário, a criação da Academia
de Belas Artes que oferece variados cursos no terreno da arte visual. Começa também a se desenvolver,
com notória qualidade, a nossa atividade musical.
Em 1821, pressionado por seus súditos europeus, D. João VI retorna a Portugal, recomendando
ao filho que se a independência brasileira se tornasse inevitável, ele mesmo a proclamasse. Foi o que fez
D. Pedro em 1822. Nesse caminho, o Brasil não passava de Colônia a República; como os nossos países
co irmãos, passava de Colônia a Monarquia, sem ter se resolvido o grave problema da escravidão. Só
nos tornaríamos uma República em 1889, um ano após a abolição da escravatura, a mais longa de nosso
continente.
Nesse jeitinho, lento e gradual, marcado pelos pactos e conchavos de nossas elites, se proces
saria a emancipação política do Brasil. Diferenciando se do processo emancipatório latino americano,
nossa independência se constituiria como uma solução conciliatória aos interesses das classes dominan
tes, ciosas em manter suas posições e privilégios, à revelia dos interesses das classes dominadas. Seria,
pois, num contexto caracterizado pela conciliação e por um acentuado condensamento cultural, que a
estética romântica surge no Brasil.
Ao se voltarem para esse contexto, Sousândrade (1995, p. 85) e Murilo Mendes (1995, p. 164)
transformam em matéria poética o jeitinho de nossa transição. Movidos por um impulso crítico irônico,
tanto o poeta romântico quanto o poeta modernista problematizam a atipicidade de nossa autonomia.
O primeiro se reportando ao conselho de D. João VI a D. Pedro; o segundo trazendo a sua poesia o fato
pouco conhecido de que D. Pedro proclamara a nossa independência, acometido de uma forte diarréia,
como sugere a poesia de Murilo Mendes:
LETRAS | 94
Tatuturema (fragmentos)
(D. João VI, escrevendo a seu filho:)
Pedro (credo! que sustos!)
Se há de ao reino empalmar
Algum aventureiro,
O primeiro
Sejas... toca a coroar!
A pescaria
Foi nas margens do Ipiranga,
Em meio a uma pescaria.
Sentindo se mal, D. Pedro
Comera demais cuscuz –
Desaperta a barriguilha
E grita, roxo de raiva:
“Ou me livro d’esta cólica
ou morro logo d’ua vez!”
O príncipe se aliviou,
Sai no caminho cantando:
“Já me sinto independente.
Safa! vi perto a morte!
Vamos cair no fadinho
Pra celebrar o sucesso.”
A Tuna de Coimbra surge
Com as guitarras afiadas,
Mas as mulatas dengosas
Do Club Flor do Abacate,
Entram, firmes, no maxixe,
Abafam o fado com a voz,
Levantam, sorrindo, as pernas...
E a colônia brasileira
Toma a direção da farra.
Não obstante as diferenças apontadas entre as trajetórias de emancipação do Brasil e dos paí
ses da America Latina, de gradação estética entre as suas produções da nova poética, as manifestações
românticas latino americanas expressam, contudo, uma gritante similaridade, conforme observa Anto
nio Candido, em seu texto “Literatura e subdesenvolvimento”, que compõe a obra, América Latina em
sua literatura (1972), coletânea crítica de autores latino americanos:
O nosso céu era mais azul, as nossas flores mais viçosas, a nossa paisagem mais inspi
radora que a de outros lugares, como se lê num poema que sob este aspecto vale
como paradigma, a “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, que poderia ter sido assina
do por qualquer um dos seus contemporâneos latino americanos entre o México e a
Terra do Fogo. A idéia da pátria se vincula estreitamente à de natureza e em parte ex
traía dela a sua justificativa. Ambas conduziam a uma literatura que compensava o a
traso material e a debilidade das instituições por meio da supervalorização dos aspec
tos regionais, fazendo do exotismo razão de otimismo social. No Santos Veja, do ar
gentino Rafael Obligado, já quase no século XX, a exaltação nativista se projeta sobre o
civismo propriamente dito, e o poeta distingue implicitamente pátria (institucional) e
terra (natural), ligando as porém no mesmo movimento de identificação: La convicción
de que es mía / La patria de Echeverría, / La tierra de Santos Vega. Pátria do pensador,
terra do cantador. Um dos pressupostos ostensivos ou latentes da literatura latino
americana foi esta contaminação, geralmente eufórica, entre a terra e a pátria, con
siderando se que a grandeza da segunda seria uma espécie de desdobramento natural
da pujança atribuída à primeira. As nossas literaturas se nutriram das “promessas divi
nas da esperança” – para citar um verso famoso do Romantismo brasileiro (CANDIDO,
1987, p. 141 142 – grifos do autor).
LETRAS |95
O surgimento do Romantismo
Costuma se assinalar, com precisão, o ano de 1836 como a data do surgimento do Romantis
mo no Brasil. Nesse ano, é editada, em Paris, a Niterói, revista brasiliense dirigida por Gonçalves de
Magalhães, Torres Homem e Araújo Pôrto Alegre. Constituindo se, em sua primeira edição, como um
aglomerado de textos de temática variada, essa Revista traz – disputando um apertado espaço entre
artigos de Astronomia, Química, Economia – um estudo de Gonçalves de Magalhães, intitulado de “En
saio sobre a história da literatura do Brasil”. Este texto se tornaria o marco fundador da poesia românti
ca entre nós. De Paris, Magalhães lançava as sementes do Romantismo no Brasil. Em 1837, ao retornar,
Gonçalves de Magalhães é recepcionado como o fundador da literatura brasileira, propriamente dita.
Não obstante as diferenças materiais e ideológicas que separam o Brasil da Europa – lá, a mo
dernidade, a máquina, o operário, a exploração do trabalho; cá, o latifúndio, a escravidão, a ideologia do
favor – o ideário estético do Romantismo encontraria correspondência em nosso contexto de autono
mia política. Éramos um povo em busca de nação e de sua correspondente expressão. Os artistas brasi
leiros aproveitavam se da chancela romântica. A acolhida foi geral. Nossos escritores dialogaram com
todas as correntes românticas e lograram realizar obras de valor notável, comparáveis em elaborações
mentais às europeias, como aprecia em geral a crítica brasileira, como ilustra Bosi:
Assim, apesar das diferenças de situação material, pode se dizer que se formaram em
nossos homens de letras configurações mentais paralelas às respostas que a inteligên
cia européia dava a seus conflitos ideológicos. Os exemplos mais persuasivos vêm dos
melhores escritores. O romance colonial de Alencar e a poesia indianista de Gonçalves
Dias nascem da aspiração de fundar em um passado mítico a nobreza recente do país,
assim como – mutatis mutandis – as ficções de W. Scott e de Chateaubriand rastrea
vam na Idade Média feudal e cavaleiresca os brasões contrastados por uma burguesia
em ascensão. De resto, Alencar, ainda fazendo “romance urbano”, contrapunha a mo
ral do homem antigo à grosseria dos novos ricos; e fazendo romance regionalista, a co
ragem do sertanejo às vilezas do citadino. A correspondência faz se íntima na poesia
dos estudantes boêmios, que se entregam ao spleen de Byron e ao mal du siècle de
Musset, vivendo na província uma existência doentia e artificial, desgarrada de qual
quer projeto histórico e perdida no próprio narcisismo: Álvares de Azevedo, Junqueira
Freire, Fagundes Varela. Como os seus ídolos europeus, os nossos românticos exibem
fundos traços de defesa e evasão, que os leva a posturas regressivas: no plano da rela
ção com o mundo (o retorno à mãe natureza, refúgio no passado, reinvenção do bom
selvagem, exotismo) e no das relações com o próprio eu (abandono à solidão, ao so
nho, ao devaneio, às demasias da imaginação e dos sentidos) [...] Enfim, o paralelo al
cança a última fase do movimento, já na segunda metade do século, quando vão ces
sando as nostalgias aristocráticas, já sem função na dinâmica social, e se adensam em
torno do mito do progresso os ideais das classes médias avançadas. Será o Romantis
mo público e oratório de Hugo, de Carducci, de Michelet, e do nosso Antônio Castro
Alves (BOSI, 1980, p.101 – grifos do autor).
LETRAS | 96
A carência da nação
Na verdade, os anos que se seguem a 1822 se caracterizam por uma notável atmosfera de o
timismo e de entusiasmo, em face de nossa recente autonomia política. Nesse contexto, marcado pela
euforia da dissolução dos laços que nos prendiam a Portugal, surge o Romantismo. Essa nova sensibili
dade poética nos caía, como em toda a América Latina, como uma luva, posto que às voltas com a defi
nição da nossa própria nacionalidade, missão delegada pela Independência, autonomia, esta, que se
desejava estender ao campo da expressão do artístico.
Nessa pretensão, o Romantismo se afigurava como o caminho favorável. Estética particularis
ta, seu amplo mosaico de concepções e de modelos, em contramão ao Classicismo, facultava a liberda
de de expressão aos países recém saídos da tutela da colonização, enquanto propiciava o aparecimento
das escolas nacionais, num processo de democratização da literatura, como anota Antonio Candido, ao
acentuar a enorme importância do Romantismo nas configurações de nossas identidades culturais:
Um elemento importante nos anos de 1820 e 1830 foi o desejo de autonomia literária,
tornado mais vivo depois da Independência. Então, o Romantismo apareceu aos pou
cos como caminho favorável à expressão própria da nação recém fundada, pois forne
cia concepções e modelos que permitiam afirmar o particularismo e, portanto, a iden
tidade, em oposição à Metrópole, identificada com a tradição clássica [...] O desejo de
autonomia encontrou, como vimos, apoio sólido na estética particularista aplicada aos
países do Novo Mundo. Ela foi importante na medida em que propunha o característi
co em lugar do genérico, levando a valorizar o pitoresco, na paisagem e nas popula
ções. Levava também a privilegiar a singularidade do sentimento individual, que deve
ria procurar expressões únicas, e não se acomodar no discurso tópico dos clássicos [...]
Sob este aspecto, as diferentes formas de particularização foram importantes como fa
tor de democratização da literatura, inclusive atenuando um pouco o abismo que an
tes separava a literatura erudita da literatura popular [...] Sendo mais acessível, a lite
ratura do tempo do Romantismo pôde popularizar se mais e dar voz aos que não ti
nham meios de exprimir se em nível erudito. Por isso ela contribuiu para a idéia que o
brasileiro ia formando de si mesmo, ou seja, para os sentimentos de identidade, por
meios de mecanismos que ampliaram e tornaram mais comunicativa a mensagem. Ao
mesmo tempo, implantou a noção ideologicamente importante que a nossa literatura
é própria. (CANDIDO, 2002, p. 20; 88 95)
No Brasil, a visão europeia da pátria/lar, vivida em estado de perda ou de exílio, se tor
naria em experiência fundamental de nossa literatura, frequentando lhes todas as tendências e modali
dades, ao ponto de Mário de Andrade alçá la ao status ficcional de “entidade nacional dos brasileiros”,
segundo observa Leyla Perrone Moisés (2007, p. 17).
Na verdade, essa entidade, criada e propagada pela estética romântica, se espalharia, como
temática de recorrência, por todos os nossos discursos culturais estruturados, no mais das vezes, pelas
mais díspares ideologias. A força literária do nacionalismo seduziria até mesmo os autores arredios a
LETRAS |97
essa temática, como Álvares de Azevedo no poema “Na minha terra”, Sousândrade em seu “Harpas
selvagens”, fornecendo, ainda, matéria poética para a poesia abolicionista de Castro Alves, como se
verifica em sua “Canção do africano”.
Tal literatura, qual língua?
Os séculos iniciais da colonização no Brasil se caracterizaram, linguisticamente, pelo predomí
nio das línguas gerais, ou seja, do tupi misturado ao português, graças ao trabalho de desapropriação do
código linguístico indígena, efetuado pelos jesuítas. Na segunda metade do século XVIII, esse quadro se
modifica. Portugal, sob a tutela do Marquês de Pombal, alteraria a sua política linguística. As línguas
gerais são banidas de nosso território e os seus usos criminalizados.
Não obstante esse golpe fatal, as expressões indígenas e populares – há muito internalizadas
pelo uso – persistem em permanecer mesmo no discurso culto das recém fundadas Academias literárias
de timbre neoclássico. No Arcadismo, tanto a paisagem, quanto a temática e as expressões linguísticas
locais enformam as suas obras. Essas presenças, contudo, se afiguraram como subitens do Neoclassicis
mo, sem nenhuma pretensão reformista, programática ou formulação conscientemente planejada. Em
face dessa cor local, muitos críticos têm avaliado o Arcadismo no Brasil como o nosso proto
romantismo, como exemplifica Sílvio Romero:
Antes de iniciar se francamente a reação romântica que, em geral com pouca justiça, se faz da
tar de 1836 com a publicação dos Suspiros Poéticos, já havia muitos sinais de que a revolução entre nós
começada pelos mineiros, que podemos chamar os proto românticos, já se tinha consumado numa série
de poetas que precederam a Gonçalves de Magalhães, ainda que muitas das produções daqueles só
viessem à luz em livros muito mais tarde. A estes poetas é que devemos assinalar um modesto lugar na
fase de transição para o romantismo (ROMERO, 2001, p. 192 – grifos do autor).
Apesar do timbre brasileiro de nossas produções árcades, é com o Romantismo que a questão
da língua no Brasil cresce em importância e urgência. O acento brasileiro, antes reconhecido pelo uso
oral passa a ser usado, estrategicamente, como a língua literária nacional. Assim, os românticos brasilei
ros, na esteira de nossa tradição linguística, elegem a língua oral – de origem indígena e popular – como
seu sânscrito, por direito e legitimidade. Desse arranjo, a língua oral e popular no Brasil é alçada à con
dição de língua literária. Essa perspectiva, de quebra de purismo lingüístico lusitano em nossa arte escri
ta, alcançaria uma enorme visibilidade com o Modernismo. Do Modernismo aos dias atuais, essa temá
tica continua a espicaçar nossa inteligência, a inspirar nossa literatura, mobilizando linguistas e poetas,
estes últimos aqui representados por José Paulo Paes, autor do “Lisboa: aventuras”, poema diálogo
entre Paulo Paes (1988) e Gonçalves Dias:
LETRAS | 98
LISBOA: AVENTURAS
tomei um expresso
cheguei de foguete
subi num bonde
desci de um elétrico
pedi cafezinho
serviram me uma bica
quis comprar meias
só vendiam peúgas
fui dar à descarga
disparei um autoclisma
Gritei “ó cara!”
responderam me “ó pá!”
positivamente
as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá
A tradução na língua da nação
Em Posfácio à primeira edição de Iracema, José de Alencar, ao criticar duramente a linguagem
épica de Gonçalves de Magalhães, chama a atenção para o grande desafio do gênio brasileiro: traduzir,
para a compreensão nacional, as idéias força e a visão de mundo da inteligência europeia, como se vê
na epígrafe que abre essa unidade: “Sem dúvida que o poeta brasileiro tem de traduzir em sua língua as
idéias [...] mas nesta tradução está a grande dificuldade” (ALENCAR, 1994, p. 98).
Através desse comentário, Alencar aponta para a grande questão que circunda a criação literá
ria, e das artes em geral, na América Latina, e mais particularmente no Brasil: o da dependência cultural
às Metrópoles europeias, herança de nossa fatalidade histórica. Desse desconforto latino americano se
origina a busca incessante de nossa natureza cultural, persistente até os nossos dias, como explicita o
crítico brasileiro, Roberto Schwarz e Rubén Bareiro Saguier, escritor paraguaio:
Brasileiros e latino americanos fazemos constantemente a experiência do caráter pos
tiço, inautêntico, imitado da vida cultural que levamos. Essa experiência tem sido um
dado formador de nossa reflexão crítica desde os tempos da Independência. Ela pode
LETRAS |99
ser e foi interpretada de muitas maneiras, por românticos, naturalistas, modernistas,
esquerda, direita, cosmopolitas, nacionalistas etc., o que faz supor que corresponda a
um problema durável e de fundo. Antes de arriscar uma explicação a mais, digamos
portanto que o mencionado mal estar é um fato (SCHWARZ, 1987, p.21 grifos do au
tor).
Dada a diversidade de componentes, um problema latino americano essencial foi, e
continua sendo, encontrar sua identidade cultural, situação que a literatura reflete, ao
procurar apropriar se de uma linguagem e concretizar um conteúdo, num idioma em
certa medida emprestado, e dentro de um contexto político não unificado. A procura
se intensifica, e o conflito torna se evidente, em certos momentos críticos de tomada
de consciência: a emancipação romântica, o modernismo, o romance social e a litera
tura de nossos dias (BAREIRO SAGUIER, 1979, p.3).
Para essa reflexão, se volta Antonio Candido, em seu estudo sobre a relação entre as nossas
manifestações românticas e as matrizes européias. Em sua análise, o crítico examina com atenção as
estratégias de acomodação das letras européias em nosso corpus romântico, identificando três meca
nismos de fatura textual, aos quais denominará de transposição, de substituição e de invenção. Segundo
Candido, os processos de transposição e substituição definem a nossa relativa diferença, enquanto pro
picia a consciência própria. Neles, conforme ressalta o crítico, reside a nossa originalidade, segundo
lemos abaixo:
A transposição consiste em passar para o contexto brasileiro as expressões, concep
ções, lendas, imagens, situações ficcionais, estilos das literaturas européias, numa a
propriação (perfeitamente legitima) que se integra e dá ao leitor a impressão de algu
ma coisa que é muito nossa, e ao mesmo tempo faz sentir a presença das raízes cultu
rais. No poemeto “Juvenília”, de Fagundes Varela, a atmosfera encantadora de magia é
obtida por meio de um arsenal que exprime outros contextos: “pérola de Ofir”, “fada”,
“sifilo”. Mas como isso é expresso numa totalidade sentimental que nos habituamos a
considerar como própria, os elementos transpostos funcionam a modo de ingredientes
de um universo familiar, o que não surpreende se considerarmos que, apesar das ale
gações rituais do nacionalismo literário mais extremado, a nossa cultura dominante é a
mesma que gerou aquelas imagens e entidades. Por isso, em gerações anteriores, Silva
Alvarenga transpusera esquemas estróficos e rítmicos tomados a Paolo Rolli e Metas
tasio para elaborar os seus melodiosos rondós, que sempre pareceram corresponder
ao que há de mais autentico na sensibilidade brasileira. Mas há casos em que a trans
posição parece inassimilável, como quando Bernardo Guimarães coloca flocos de ne
ves nas árvores de certas paisagens de seus versos, sabendo se que a sua experiência
se refere à natureza tropical. No entanto, eles acabam funcionando, porque evocam a
paisagem dos países de onde nos veios a civilização e que, portanto, a imaginação dos
brasileiros incorpora como parte de um patrimônio que afinal de contas está nas suas
raízes.
LETRAS | 100
A substituição é um processo mais profundo do ponto de vista da linguagem e da in
terpenetração cultural. Nele, o escritor brasileiro põe de lado a terminologia, as enti
dades, as situações da literatura européia e os substitui por outros, claramente locais,
a fim de que desempenhem o mesmo papel. Por exemplo: substituem o cavaleiro pelo
índio, o fidalgo pelo fazendeiro, o torneio pela vaquejada, como se pode ver em O ser
tanejo, de José de Alencar. Assim, na introdução ao poema “Os timbiras” o gosto pelas
ruínas é substituindo pela descrição da aljava rota que pende dos ombros do vencido e
vai deixando cair as flechas inúteis, simbolizando o fim da sua sociedade. No mesmo
sentido, o poeta declara que não quer mais se inspirar na fonte Castália nem subir ao
Parnaso, mas, encostado num tronco de palmeira, tenciona traduzir a melodia selva
gem dos ventos, que são a voz de uma outra realidade. Ao fazer isso, não deseja como
prêmio a coroa clássica de louros, mas outra, feita de flores brasileiras, que já mencio
namos antes neste escrito. Em tal caso, a situação épica e os moldes de composição
permanecem ajustados a prática das literaturas matrizes, mas os temas e as imagens
foram substituídos, de maneira a produzir uma espécie de duplicação, que correspon
de ao novo mundo natural e cultural.
Podemos falar em invenção quando o escritor parte do patrimônio europeu para criar
variantes originais, como ocorrer num poema de Álvares de Azevedo, “Meu sonho”, no
qual ele fecunda o modelo da balada macabra de tipo alemão (como a “Lenora”, de
Bürger), deformando o a fim de obter algo diferente. A baldada se caracteriza, pelas
suas próprias origens populares, por ser uma narrativa de personagens exterior ao po
eta; mas a de Álvares de Azevedo descreve o drama interior, elaborando imagens que
projetam as tensões do ser, de modo a resultar um tipo novo de composição poética.
Essa transformação de um gênero narrativo em gênero intimista pode ser considerado
invenção, que todavia não apaga o laço orgânico em relação às literaturas da Europa,
das quais (nunca é demais repetir quando se fala do Romantismo com a sua forte
componente nativista) a brasileira é um ramo
Foi, portanto, por meio de empréstimos ininterruptos que nos formamos, definimos a
nossa diferença relativa e conquistamos consciência própria. Os mecanismos de adap
tação, as maneiras pelas quais as influências forma definidas e incorporadas é que
constituem a originalidade, que no caso é a maneira de incluir em contexto novo os
elementos que vêm de outro (CANDIDO, 2002, p.96 101 – grifos do autor).
No tocante à visão de originalidade, o texto de Antonio Candido se aproxima das reflexões do
ensaísta Silviano Santiago. Estudioso da questão da dependência cultural, Silviano Santiago considera as
traduções ou desvios dos textos latino americanos, como forma essencial de assinalar a sua presença e
particularidade no acervo literário ocidental e como contribuição da América Latina à cultura do Ociden
te, como exprime a seguir:
A maior contribuição da América Latina para a cultura ocidental vem da destruição sis
temática dos conceitos de unidade e de pureza: estes dois conceitos perdem o contor
no exato do seu significado, perdem seu peso esmagador, seu sinal de superioridade
cultural, à medida que o trabalho de contaminação dos latino americanos se afirma, se
mostra mais e mais eficaz. A América Latina institui seu lugar no mapa da civilização o
cidental graças ao movimento de desvio da norma, ativo e destruidor, que transfigura
LETRAS |101
os elementos feitos e imutáveis que os europeus exportavam para o Novo Mundo [...]
A passividade reduziria seu papel efetivo ao desaparecimento por analogia. Guardando
seu lugar na segunda fila, é no entanto preciso que assinale sua diferença, marque sua
presença, uma presença muitas vezes de vanguarda. O silêncio seria a resposta dese
jada pelo imperialismo cultural (SANTIAGO, 1978, p. 18 19 – grifos do autor).
Longe da passividade, José de Alencar expressa um deliberado propósito de transgressão ao
modelo europeu, acalentando o desejo de uma criação original, nunca sonhada pela velha literatura de
um velho mundo (ALENCAR, 1994, p. 158). Esse projeto de afirmação de nossa particularidade expressi
va, de nosso gênio, porquanto, passa, necessariamente, pelo árduo trabalho de tradução ou rearranjo
dos textos europeus, como sinaliza Alencar, ao descrever o trajeto que precedeu à feitura de As asas de
um anjo (1858), sua primeira obra sobre o mundo da cortesã. Num exercício de leitura, comparação e
remodelação do tema teatral francês, Alencar reescreve o destino da mulher decaída, afastando se,
assim, da mera transposição, desbotada e macilenta (ALENCAR, 1994, p.152), da temática européia.
Desse torcer o molde europeu, para dar lhe outra configuração, deriva a diferença entre Carolina, per
sonagem cortesã de Alencar, e suas predecessoras europeias, como ressalta o próprio autor:
Assistindo à A Dama das Camélias, ou As Mulheres de Mármore, cada um se figura que
Margarida Gautier e Marco são apenas duas moças um tanto loureira [...] assistindo a
As asas de um anjo, o espetáculo encontra a realidade diante de seus olhos [...] Victor
Hugo poetizou a perdição na sua Marion Delorme; Alexandre Dumas Filho enobreceu a
n’A Dama das Camélias; eu moralizei a n’As Asas de um Anjo; o amor que é poesia de
Marion, e a regeneração de Margarida, é o martírio de Carolina; eis a única diferença,
não falando do que diz respeito à arte, que existe entre aqueles três tipos (ALENCAR,
1977, p.257)
Nessas traduções, de cunho temático e formal, os românticos brasileiros fundam a literatura
nacional, instituem nosso lugar no acervo literário ocidental, criando assim um pequeno mundo, unica
mente nosso, em meio aos mundos europeus, como deseja e realiza José de Alencar, (1951, p. 74, v. 3).
Partindo dessa compreensão, procederemos a uma leitura dos textos sugeridos, levando em considera
ção as análises e os comentários críticos, discutidos ao longo deste Curso.
LETRAS | 102
UNIDADE III
AUTORES E OBRAS
GONÇALVES DE MAGALHÃESDomingos José Gonçalves de Magalhães, visconde do Araguaia (1811 – 1882)
Obras: Suspiros poéticos e saudades (1836); Antônio José ou O poeta e a Inquisição (1839);
A Confederação dos Tamoios, poema épico (1857); Os Mistérios (1857); Fatos do Espírito
Humano, tratado filosófico (1858); Urânia, poesias (1862); Cânticos fúnebres, poesias
(1864); A alma e o cérebro, ensaios (1876); Comentários e pensamentos (1880).
Comentário crítico
Domingos José Gonçalves de Magalhães publicou, retomando Ferdinand Denis, o “Ensaio sobre a história da litera
tura brasileira”, no qual traçava o programa renovador, completado pelo do prefácio do livro que publicou no
mesmo ano, Suspiros poéticos e saudades, considerado pelos contemporâneos o ponto de partida da transforma
ção literária e iniciador da literatura propriamente brasileira. Magalhães foi um caso interessante de renovador
sem força renovadora. O seu medíocre livro de estréia, Poesias (1832), é rotineiramente neoclássico, mas tem o
toque nacionalista do tempo: patriotismo aceso e celebração da liberdade política, banhada na embriaguês da
cidadania recente (CANDIDO, 2002, p. 26).
Saudação à pátria à vista do Rio de Janeiro no meu regresso da Europa – Em 14 de maio de 1837
Eis o pétreo gigante majestoso, Sobre as cerúleas ondas ressupino, Guardando a entrada do meu pátrio Rio! Ei-lo c’o pé assinalando a barra Do golfo ingente, que do mundo as naves Todas pode conter no âmbito imenso, Sem par na Natureza!... Ei-lo!... do sol nascente os primos raios Já lhe douram a nobre, altiva fronte; E ele como que acorda do seu sono, O cobertor de névoa sacudindo! Terras da minha pátria, eu vos saúdo, Depois de longa ausência! Eu te saúdo, oh sol da minha infância! Inda brilhar te vejo nestes climas, Da Providência esmero, Onde se apraz a amiga liberdade Tão grata aos corações americanos! Minha terra saudosa, Terra de minha mãe, como és tão bela. Se em ti não venho achar da Europa o fausto, Pelo suor dos séculos regado, Também não acharei suas misérias, Maiores que o seu brilho. Verdes montanhas que cercais meu berço, Como sublime sois, como sois grande! Por vós são estas lágrimas de júbilo Que em êxtase minha alma aos olhos manda, Ao respirar teus ares! Por vós agora o coração palpita Com desusado impulso Do inefável prazer em que me inundo.
Ah nunca, nunca apaixonado amante Com mais transporte viu por entre a selva Brilhar o rosto do querido objeto, Que ele em seus braços apertar deseja. Aqui meu corpo está, ali minha alma!
Ah se eu asas tivesse, Nem mais um’hora no baixel ficara! Disparando os mares Precipitado, Rompendo os ares Qual veloz águia A ti voara Oh pátria cara! E apavonado, Todo garboso Soltando iria Nova harmonia, Que o céu formoso Grato escutara. Mas nesse adejo, Onde o desejo Me transportara? Onde?... Eu não sinto Presságio triste. Meu pai existe, E a mãe querida Também respira; E o mesmo instinto Me conduzira Ao tugúrio de meus pais, A quem envio meus ais.
LETRAS |103
GONÇALVES DIASAntônio Gonçalves Dias (1823 – 1864)
Obras: Meditação (1845 6); Primeiros cantos (1846); Segundos Cantos e Sextilhas de Frei
Antão (1848); Últimos Cantos (1851); O Brasil e Oceania (1852); Cantos (1857); Os timbiras
(1857); Dicionário da Língua Tupi chamada língua geral dos indígenas do Brasil (1858).
Comentário crítico
Gonçalves Dias se destaca no medíocre panorama da primeira fase romântica pelas qualidades superiores de inspi
ração e consciência crítica. Contribui ao lado de José de Alencar para dar à literatura, no Brasil, uma categoria
perdida desde os árcades maiores e, ao modo de Cláudio Manuel, fornece aos sucessores o molde, o padrão a que
se referem como inspiração e exemplo [...] A “Canção do Exílio” (banalizada a ponto de perder a magia que no
entanto a percorre de ponta a ponta) representa bem o seu ideal literário; beleza na simplicidade, fuga ao adjeti
vo, procura da expressão de tal maneira justa que outra seria difícil [...] A maioria dos poetas e mesmos jornalistas
considerava Gonçalves Dias, desde meados do século, o verdadeiro criador da literatura nacional. Em 1849, Álva
res de Azevedo via nele a fonte de inspiração para os novos e, por meio do “livro renovador, Os Primeiros Cantos”,
regenerador da “rica poesia nacional de Basílio da Gama e Durão (CANDIDO, 1993, p. 71).
Canção do Exílio
Kennst du das Land, wo die Citronen blühen, Im dunkeln Laub die Gold-Orangen, glühen?
Kennst du es wohl? – Dahin, dahin! Möcht ich ... zie-
nh. Goethe
Conheces o país onde florescem as laranjeiras? Ardem na escura fronde os frutos de ou-
ro... Conhecê-lo? Para lá, para lá quisera eu
ir! Tradução de Manuel Bandeira
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar – sozinho – à noite – Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem q’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
LETRAS | 104
ÁLVARES DE AZEVEDOManuel Antônio Álvares de Azevedo (1831 – 1852)
Obras: Lira dos Vinte Anos (1853); Noite na Taverna (1855); O Conde Lopo (1866).
Comentário crítico
Álvares de Azevedo foi um dos poetas mais lidos e queridos do Brasil, enquanto estiveram em voga as cadências
melodiosas, o tom sentimental ou satânico e o entrechoque abrupto das paixões, peculiares ao Romantismo. Boa
parte de suas poesias se refere à noite, onde decorrem todas as suas narrativas e ações dramáticas. É também a
hora do sonho e do pesadelo, como em Macário, “Meu sonho” e na visão macabra do Conde Lopo galopando
entre esqueletos, a caminho de um ritual pavoroso (CANDIDO, 2001, p. 9 13).
Meu Sonho EU
Cavaleiro das armas escuras, Onde vais pelas trevas impuras Com a espada sanguenta na mão? Por que brilham teus olhos ardentes E gemidos nos lábios frementes Vertem fogo do teu coração?
Cavaleiro, quem és? — O remorso?
Do corcel te debruças no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?
Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?
Cavaleiro, quem és? que mistério...
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?
O FANTASMA
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...
JUNQUEIRA FREIRELuís José de Junqueira Freire (1832 – 1855)
Obras: Inspirações do Claustro (1855); Poesias Completas (1944 – edições póstumas).
Comentário crítico
Em Junqueira Freire é precisamente esse convívio tenso entre eros e thanatos que sela a personalidade do religioso
artista malogrado. Contrário a si mesmo, cantando por aspirações opostas, aparece nos o homem atrás do poeta,
disse Machado de Assis; e nessas palavras ia um elogio, mas também uma restrição [...] cujas Inspirações do Cla
podemos ler como um documento pungente de um moço enfermiço, dividido entre a sensualidade, os terrores da c
e os ideais religiosos, mas não como uma obra de poesia (BOSI, 1980, p. 124 125 – grifos do autor).
Martírio Beijar-te a fronte linda: Beijar-te o aspecto altivo: Beijar-te a tez morena: Beijar-te o rir lascivo: Beijar o ar que aspiras: Beijar o pó que pisas: Beijar a voz que soltas: Beijar a luz que visas:
Sentir teus modos frios: Sentir tua apatia: Sentir até repúdio: Sentir essa ironia: Sentir que me resguardas: Sentir que me arreceias: Sentir que me repugnas: Sentir que até me odeias:
Eis a descrença e a crença, Eis o absinto e a flor, Eis o amor e o ódio, Eis o prazer e a dor! Eis o estertor de morte, Eis o martírio eterno, Eis o ranger dos dentes, Eis o penar do inferno!
CASSIMIRO DE ABREUCasimiro José Marques de Abreu (1839 – 1860)
Obras: Camões e o Jaú (1856); As Primaveras (1859); Obras Completas (1940); Poesias
Completas (1948).
Comentário crítico
Ainda na linha de compreensão do público médio é que se deve apreciar a popularidade de Casimiro de Abreu,
que operou uma descida de tom em relação à poesia de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Junqueira Freire. Na
verdade pouco deferiria destes se o critério de comparação se esgotasse na escolha dos temas, valorizados em si
mesmos: a saudade da infância, o amor à natureza, os fogachos de adolescente, a religião sentimental, o patrio
tismo difuso. Mas o que singulariza o poeta é o modo de compor, que remonta, em ultima análise, ao seu modo de
conhecer a realidade na linguagem e pela linguagem. Casimiro reduzia a natureza e o próximo a um ângulo visual
menor: o do seu temperamento sensual e menineiro. Compare se a “Canção do exílio” que abre as Primaveras
com a peça homônima dos Primeiros Cantos de Gonçalves Dias: nesta o tom é sóbrio até à ausência absoluta de
adjetivos; naquela, apesar da imitação dos dados naturais (palmeiras, sabiá, céu...), o tom é lânguido e os motivos
da pátria distante se diluem ao embalo das rimas seguidas e dos pleonasmos (BOSI, 1980, p.127 – grifos do autor).
LETRAS | 106
MINHA TERRA
Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá.
G. Dias
Todos cantam sua terra, Também vou cantar a minha; Nas débeis cordas da Lira Hei de fazê-la rainha. – Hei de dar-lhe a realeza Nesse trono de beleza Em que a mão da natureza Esmerou-se em quanto tinha. Correi pr’as bandas do sul; Debaixo dum céu de anil Encontrareis o gigante Santa Cruz, hoje Brasil: – É uma terra de amores Alcatifada de flores Onde a brisa fala amores Nas belas tardes de abril. Tem tantas belezas, tantas, A minha terra natal, Que nem as sonha um poeta E nem as canta um mortal!
– É uma terra encantada – Mimoso jardim de fada – Do mundo todo invejada, Que o mundo não tem igual,
Não, não tem, que Deus fadou-a Dentre todas – a primeira: Deu-lhe esses campos bordados, Deu-lhe os leques da palmeira, E a borboleta que adeja Sobre as flores que ela beija, Quando o vento rumoreja Na folhagem da mangueira. É um país majestoso Essa terra de Tupá, Desd’o Amazonas ao Prata, Do Rio Grande ao Pará! – Tem serranias gigantes E tem bosques verdejantes Que repetem incessantes Os cantos do sabiá. Ao lado da cachoeira, Que se despenha fremente, Dos galhos da sapucaia Nas horas do sol ardente, Sobre um solo d’açucenas, Suspensa a rede de penas Ali nas tardes amenas Se embala o índio indolente. Foi ali que noutro tempo À sombra do cajazeiro Soltava seus doces carmes O Petrarca
brasileiro; E a bela que o escutava Um sorriso deslizava Para o bardo que pulsava Seu alaúde fagueiro.
Quando Dirceu e Marília
Em terníssimos enleios Se beijavam com ternura Em celestes devaneios Da selva o vate inspirado, O sabiá namorado, Na laranjeira pousado Soltava ternos gorjeios. Foi ali, foi no Ipiranga, Que com toda a majestade Rompeu de lábios augustos O brado da liberdade; Aquela voz soberana Voou na plaga indiana Desde o palácio à choupana, Desde a floresta à cidade! Um povo ergueu-se cantando – Mancebos e anciãos – E, filhos da mesma terra, Alegres deram-se as mãos; Foi belo ver esse povo Em suas glórias tão novo, Bradando cheio de fogo: – Portugal! somos irmãos! Quando nasci, esse brado Já não soava na serra, Nem os ecos da montanha Ao longe diziam – guerra! Mas não sei o que sentia Quando, a sós, eu repetia Cheio de nobre ousadia O nome da minha terra!
SOUSÂNDRADEJoaquim de Sousa Andrade (1833 – 1902).
Obras: Harpas Selvagens (1857); O Guesa (1871).
Comentário crítico
A poesia brasileira, em pelo menos três momentos, representa os centros financeiros como o local infernal e a fonte
de seus males, inclusive os da poesia. A mais contundente e direta é o canto X, “Inferno de Wall Estreet”, de
1877/1888, do grande poema “O Guesa”, de Sousândrade, poeta maranhense [...] O que torna o canto mais surpre
endente é a intenção crítico satírico, ou seja, o modo pelo qual julga a cidade de Nova York, um centro próspero
equivalente às mais modernas capitais européias. O poeta, em vez de se embasbacar com as maravilhas da técnica e
da vida moderna, o que seria o mais provável – como acontece com D. Pedro II e sua comitiva, que, na época, visita
a Exposição do Centenário da Independência dos Estados Unidos –, ele faz uma crítica aguda da vida americana e
que vai bem além da moralista. Sousândrade aprecia os movimentos de subida e decida das Bolsas e como, com
eles, as riquezas se formam e se desfazem. Ao mesmo tempo, observa como os valores morais e espirituais acom
panham esses movimentos, mas somente em trajeto de descendimento e corrosão, sem que conheçam uma con
trapartida ascendente, como os duplos e compensatórios da circulação da riqueza material (RONCARI, 2007, p. 271
272).
Do canto décimo 1873-188...
No dia de anos bons a lady nobre,
Recamados drawingrooms deslumbrantes Às recepções, radiosa de brilhantes,
Deusa o colo alvo e cândido descobre A que adornos desmaiam. Suntuosos,
Bufetes e o bouquet. Sorrindo a miss
No adorável serviço de meiguice, Que não dos escanções silenciosos,
Linda oferece na mãozinha branca, Dizem que beberagem para amor –
Porém sorrindo of’rece, ingênua e franca, O ponche de champanha abrasador.
Entanto às hops não sendo, das montanhas, Sem dúvida que é este o mais propício
Risonho dia ao doce compromisso Do coração, que a filtro tal se assanha:
São callers os papás; nem os consente Boa etiqueta em casa; e o soberano
Cetro tem-no a mulher – Quão docemente Alvora o dia que é primeiro do ano!
Gelada a terra, o ar vivo, o sol brilhante, Aos lagos, que ondas foram sonorosas De margens d’ecos, o rapaz e as rosas
Vêm ao baile do gelo: delirante, Envolta em vestes de veludos quentes,
A menina, nos pés, viveza e graça, O aro prendendo dos patins luzentes, Letras sobre o cristal girando traça.
A Bíblia da família à noite é lida; Aos sons do piano os hinos entoados, E a paz e o chefe da nação querida São na prosperidade abençoados.
Mas no outro dia cedo a praça, o stock, Sempre acesas crateras do negócio.
O assassínio, o audaz roubo, o divórcio, Ao smart Yankee astuto, abre New York.
LETRAS | 108
FAGUNDES VARELALuís Nicolau Fagundes Varella (1841 – 1875)
Obras: De Noturnas (1861); De Vozes da América (1864); De Pendão Auriverde (s.d.); De
Cantos e Fantasias (1865); De Cantos Meridionais (1869); De Cantos do Ermo e da Cidade
(1869).
Comentário crítico
Mas o epígono por excelência, o maior dentre os menores poetas saídos das Arcadas paulistas, foi sem dúvida,
Fagundes Varela, o único de relevo na poesia da década de 60 [...] Seria fácil rastrear em sua produção descurada e
prolixa sugestões e mesmo decalques de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu. Explorou todos
os temas românticos, não excetuando o índio [...] Por outro lado, Varela foi, mais que os seus modelos, sensível à
lira patriótica de filiação liberal [...] Um lugar à parte na sua produção, pela constância do fôlego, ocupa o “Cântico
do Calvário”, escrito em memória do filho. Nessa bela elegia em versos brancos Varela redime se da sensação de já
lido com que o marcara a secura do crítico (BOSI, 1980, 129 131 – grifos do autor).
Cântico do Calvário (fragmento)
À Memória de Meu Filho
Morto a l l de Dezembro
de 1863.
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. — Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou te a flecha do destino!
Astro, — engoliu te o temporal do norte!
Teto, caíste! — Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golgonda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
Estrelas do sofrer, — gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu! — Sede benditas!
Oh! filho de minh'alma! Última rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperança amargamente doce!
Quando as garças vierem do ocidente
Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram!
Não mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao pôr do sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do caçador que aos lares se recolhe!
LUÍZ DA GAMALuís Gonzaga Pinto da Gama (1830 – 1862).
Poeta revolucionário que lutou contra a escravidão e tudo o que a ela estava associado,
Luiz Gama é considerado o precursor de Castro Alves. No campo de sua atuação jurídica,
ficou famoso pela frase, “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata
sempre em legítima defesa”. Obras: Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859)
Comentário crítico
A mãe de Gama foi a legendária nagô Luíza Mahin, e seu pai um fidalgo de origem portuguesa cujo nome não se
conhece. Segundo conta, Luiz Gama, em criança, foi vendido pelo próprio pai. Anos mais tarde, conseguiu provar a
ilegalidade de sua situação de escravo, uma vez filho de mãe livre, e obteve a liberdade [...] O texto realmente fa
moso de Luiz Gama chama se “Quem sou eu?”, sendo mais conhecido como “A bodarrada”. Neste poema satírico
de 138 versos, Gama brinca com as diversas acepções populares da palavra “bode”. Na gíria brasileira, “bode” é
mestiço, mulato. É também individuo libidinoso, sátiro. Além disso, o bode “berra”, perturba o sossego – exatamen
te o que o autor pretende fazer com seu poema. Sem alusões a fatos de sua vida pessoal, Gama define se como
homem e como poeta e, a par disso, denuncia ferinamente a hipocrisia e os vícios reinantes. Enquanto indivíduo,
afirma repudiar riquezas, glórias, brasões, só rendendo obediência “à virtude, à inteligência”. Enquanto poeta, re
conhece seus limites: “Faço versos, não sou vate”. Mas ainda: sabe ser imprudente o ofício do poeta [...] Simultane
amente jocoso e cáustico, trazendo à lembrança Gregório de Matos, o final do poema assume um tom lúdico numa
atitude que hoje chamaríamos de “carnavalizadora” (GOMES, 1988, p. 85 91).
Quem sou eu? (Bodarrada) Amo o pobre, deixo o rico, Vivo como o Tico-tico; Não me envolvo em torvelinho, Vivo só no meu cantinho; Da grandeza sempre longe Como vive o pobre monge. Tenho mui poucos amigos, Porém bons, que são antigos, Fujo sempre à hipocrisia, À sandice, à fidalguia; Das manadas de Barões? Anjo Bento, antes trovões. Faço versos, não sou vate, Digo muito disparate, Mas só rendo obediência À virtude, à inteligência: Eis aqui o Getulino Que no pletro anda mofino. Sei que é louco e que é pateta Quem se mete a ser poeta; Que no século das luzes, Os birbantes mais lapuzes, Compram negros e comendas, Têm brasões, não - das Kalendas; E com tretas e com furtos Vão subindo a passos curtos; Fazem grossa pepineira, Só pela arte do Vieira, E com jeito e proteções. Galgam altas posições! Mas eu sempre vigiando Nessa súcia vou malhando De tratante, bem ou mal, Com semblante festival Dou de rijo no pedante De pílulas fabricante Que blasona arte divina Com sulfatos de quinina Trabusanas, xaropadas, E mil outras patacoadas. Que, sem pingo de rubor Diz a todos que é DOUTOR! Não tolero o magistrado, Que do brio descuidado, Vende a lei, trai a justiça
- Faz a todos injustiça – Com rigor deprime o pobre Presta abrigo ao rico, ao nobre, E só acha horrendo crime No mendigo, que deprime. - neste dou com dupla força, Té que a manha perca ou torça. Fujo às léguas do lojista, Do beato e do sacrista – Crocodilos disfarçados, Que se fazem muito honrados Mas que, tendo ocasião, São mais feros que o Leão Fujo ao cego lisonjeiro, Que, qual ramo de salgueiro, Maleável, sem firmeza Vive à lei da natureza Que, conforme sopra o vento, Dá mil voltas, num momento O que sou, e como penso, Aqui vai com todo o senso, Posto que já veja irados Muitos lorpas enfurnados Vomitando maldições, Contra as minhas reflexões. Eu bem sei que sou qual Grilo, De maçante e mau estilo; E que os homens poderosos Desta arenga receosos Hão de chamar-me Tarelo Bode, negro, Mongibelo; Porém eu que não me abalo Vou tangendo o meu badalo Com repique impertinente, Pondo a trote muita gente. Se negro sou, ou sou bode Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda casta Pois que a espécie é muito vasta... Há cinzentos, há rajados, Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus e outros nobres. Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sábios importantes, E também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra, Marram todos, tudo berra; Nobres, Condes e Duquesas, Ricas Damas e Marquesas Deputados, senadores, Gentis-homens, vereadores; Belas damas emproadas De nobreza empantufadas; Repimpados principotes, Orgulhosos fidalgotes, Frades, Bispos, Cardeais, Fanfarrões imperiais, Gentes pobres, nobres gentes Em todos há meus parentes. Entre a brava militança Fulge e brilha alta bodança; Guardas, Cabos, Furriéis Brigadeiros, Coronéis Destemidos Marechais, Rutilantes Generais, Capitães de mar-e-guerra - Tudo marra, tudo berra – Na suprema eternidade, Onde habita a Divindade, Bodes há santificados, Que por nós são adorados. Entre o coro dos Anjinhos Também há muitos bodinhos. O amante de Syringa Tinha pêlo e má catinga; O deus Mendes, pelas costas, Na cabeça tinha pontas; Jove, quando foi menino, Chupitou leite caprino; E segundo o antigo mito Também Fauno foi cabrito. Nos domínios de Plutão, Guarda um bode o Alcorão; Nos lundus e nas modinhas São cantadas as bodinhas: Pois se todos têm rabicho, Para que tanto capricho? Haja paz, haja alegria, Folgue e brinque a bodaria; Cesse pois a matinada, Porque tudo é bodarrada!
LETRAS | 110
CASTRO ALVESAntônio Frederico de Castro Alves (1847 – 1871)
Obras: Espumas Flutuantes (1870); Gonzaga ou a Revolução de Minas (1875); A Cacho
eira de Paulo Afonso (1876); Os Escravos (1883).
Comentário crítico
Castro Alves, em cuja obra a poesia do Romantismo encontrou o fecho brilhante, pois em seguida só se produziu
coisa de segunda e terceira ordem [...] era dotado do que se chamava naquele tempo de ‘inspiração generosa’, isto
é, facilidade torrencial de composição, associada à prodigiosa concatenação verbal dos improvisadores [...] Com ele
rompe se o masoquismo lamuriento que estava na moda até então, e nos seus poemas os sentimentos parecem um
ato de afirmação vital. Tanto mais quanto tinha a capacidade de inventar metáforas expressivas e dinamizar o verso
por meio do contraste e da antítese, empregados ao gosto de Victor Hugo [...] A sua fama foi devida sobretudo à
poesia humanitária e social. Deixando de lado o índio, voltou se para o negro e tornou se o poeta dos escravos,
com uma generosidade e um ânimo libertário que fizeram de sua obra uma força nos movimentos abolicionistas.
Com ele o escravo se tornou assunto nobre da literatura e o seu generoso ânimo poético soube criar para cantá lo
situações e versos de grande eficácia, como se vê em “O navio negreiro”, no qual usa diversos metros e organiza a
narrativa com expressivo senso de movimento (CANDIDO, 2002, p. 73 75 – grifos do autor).
Navio Negreiro (fragmento)
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam, n’um abraço insano Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora Sentir deste painel a majestade!... Embaixo — o mar... em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! O’ rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos! Esperai!... esperai!... deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia... Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
LETRAS |111
TEIXEIRA E SOUSAAntônio Gonçalves Teixeira e Sousa (1812 – 1861)
Obras: O filho do pescador (1843); Tardes de um pintor ou as intrigas de um jesuíta; Gonza
ga ou a conjuração de Tiradentes; A providência; Maria ou a menina roubada; As fatalida
des de dois jovens (1843 1856).
Comentário crítico
Considera se oficialmente como sendo o primeiro romancista propriamente dito Antônio Gonçalves Teixeira e
Sousa, autor também do primeiro poema longo de tema indianista, por sinal muito ruim: “Três dias de um noiva
do” (1844). Um ano antes tinha publicado O filho do pescador, e em seguida publicou mais cinco romances até
1856. Escritor de terceira ordem, apostou na peripécia e na mais desabalada complicação, ao modo dos livros de
aventura e mistério que eram então devorados pelo público, tanto aqui (onde era bem pequeno) quanto na Euro
pa. No entanto, não chegou à popularidade (CANDIDO, 2002, p. 40 41).
Cena do diálogo entre Laura e Augusto
A gentil madrugadora da Copacabana, tendo lentamente passeado a rua do Jardim, foi final
mente sentar se sobre um banco, debaixo dos longos e frondosos ramos de uma veneranda mangueira,
sobre cujo tronco, depois de ter feito vaguear seus olhos pelo amplo dos mares, que ante ela se desen
rolava, trouxe os, ao depois, contemplar as ondas, que em incessante lida vinham com murmurinho
rouco despedaçar seus fragores de encontro à impassível dureza dos sobranceiros rochedos. Ela medi
tava. Há poucos minutos durava esta cena muda, quando alguém de um modo afetuoso murmurou seu
nome. Ela ergue se rapidamente, e voltando a ver quem chama, um mancebo está de joelhos a seus
pés...A moça o encara e fala.
Senhor... Eu te amo mais do que a minha própria vida... A mim....Senhor, a mim? Sim, a ti,
minha bela náufraga... a ti... acredita me, eu te amo... A mim. Tão pobre. Vítima da desgraça. Cercada
da miséria, escapada a um naufrágio que que se tu... E que importa tudo isso? Eu te amo, e é quanto
basta. Sai, pois da desgraça, sim, vem aos meus braços; vem ser minha, minha para sempre, minha es
posa enfim.... Senhor, mas vosso pai... Ele consentirá, oh. Sem dúvida.
LETRAS | 112
JOAQUIM MANOEL DE MACEDO Joaquim Manuel de Macedo (1820 – 1882).
Obras: A moreninha (1844); O moço loiro (1845); Os dois amores (1848); Rosa (1849); Vi
centina (1853); O forasteiro (1855); Os romances da semana (1861Rio do Quarto (1869); A
luneta mágica (1869); As vítimas algozes (1869); As mulheres de mantilha (1870); O cego
(1849); Cobé (1852); O fantasma branco (1856); O primo da Califórnia (1858); Luxo e ver
dade (1860); A torre em concurso (1861); Lusbela (1862); Cincinato Quebra Louças (1873);
A nebulosa (1857).
Comentário crítico
A cronologia manda começar pelo romance de Joaquim Manuel de Macedo. Tendo atravessado todo o Romantis
mo, pois escreveu desde os anos de 40 aos de 70, nem por isso nota lhe progresso na técnica literária ou na com
preensão do que deveria ser um romance. Macedo descobriu logo alguns esquemas de efeito novelesco, senti
mental ou cômico, e aplicou os assiduamente até suas últimas produções no gênero [...] Não admira que, achadas
com facilidade as receitas já em A moreninha, o escritor tenha sido tentado a diluí las em mais dezessete roman
ces (BOSI, 1980, p. 143 144).
Capítulo I Aposta Imprudente (fragmento)
Bravo! exclamou Filipe, entrando e despindo a casaca, que pendurou em um cabide velho.
Bravo!... interessante cena! mas certo que desonrosa fora para casa de um estudante de Medicina e já
no sexto ano, a não valer lhe o adágio antigo: o hábito não faz o monge. Temos discurso!... aten
ção!... ordem!... gritaram a um tempo três vozes. Coisa célebre! acrescentou Leopoldo. Filipe sempre
se torna orador depois do jantar... E dá lhe para fazer epigramas, disse Fabrício. Naturalmente, acu
diu Leopoldo, que, por dono da casa, maior quinhão houvera no cumprimento do recém chegado; natu
ralmente. Bocage, quando tomava carraspana, descompunha os médicos. C’est trop fort! bocejou Au
gusto, espreguiçando se no canapé em que se achava deitado. Como quiserem, continuou Filipe, pon
do se em hábitos menores; mas, por minha vida, que a carraspana de hoje ainda me concede apreciar
devidamente aqui o meu amigo Fabrício, que talvez acaba de chegar de alguma visita diplomática, vesti
do com esmero e alinho, porém, tendo a cabeça encapuzada com a vermelha e velha carapuça do Leo
poldo; este, ali escondido dentro do seu robe de chambre cor de burro quando foge, e sentado em uma
cadeira tão desconjuntada que, para não cair com ela, põe em ação todas as leis de equilíbrio, que estu
dou em Pouillet; acolá, enfim, o meu romântico Augusto, em ceroulas, com as fraldas à mostra, estirado
em um canapé em tão bom uso, que ainda agora mesmo fez com que Leopoldo se lembrasse de Bocage.
Oh! VV. SS. tomam café!... Ali o senhor descansa a xícara azul em um pires de porcelana... aquele tem
uma chávena com belos lavores dourados, mas o pires é cor de rosa... aquele outro nem porcelana,
nem lavores, nem cor azul ou de rosa, nem xícara... nem pires... aquilo é uma tigela num prato... Car
raspana!... carraspana!... O’ moleque! prosseguiu Filipe, voltando se para o corredor, traze me café,
ainda que seja no púcaro em que o coas; pois creio que a não ser a falta de louças, já teu senhor mo
teria oferecido. Carraspana!... carraspana!... Sim, continuou ele, eu vejo que vocês... Carraspana!...
carraspana!... Não sei de nós quem mostra... Carraspana!... carraspana!... Seguiram se alguns mo
mentos de silêncio; ficaram os quatro estudantes assim a modo de moças quando jogam o siso. Filipe
não falava, por conhecer o propósito em que estavam os três de lhe não deixar concluir uma só proposi
ção, e estes, porque esperavam vê lo abrir a boca para gritar lhe: carraspana!... Enfim, foi ainda Filipe o
primeiro que falou, exclamando de repente: Paz! paz!... Ah! já?... disse Leopoldo, que era o mais in
fluído. Filipe é como o galego, disse um outro; perderia tudo para não guardar silêncio uma hora.
LETRAS |113
MANUEL DE ALMEIDAManuel Antônio de Almeida (1831 1861)
Obras: Memórias de um sargento de milícias (1853); Obra dispersa (1991).
Comentário crítico
No outro pólo, as Memórias de um sargento de Milícias estão isentas de qualquer traço idealizante e procuram
despregar se da matéria romanceada graças ao método objetivo de composição, próximo do que seria uma crônica
histórica cujo autor se divertisse em resenhar as andanças e os pecadilhos do uomo qualunque. Em Macedo a vera
cidade dos costumes fluminenses aparece distorcida pela cumplicidade tácita com a leitora, que quer ora rir, ora
chorar, de onde resulta um realismo de segunda mão, não raro rasteiro e lamuriento. Em Manuel Antônio, o com
promisso mais alto e legítimo, porque se faz entre o relato de um momento histórico (o Rio sob D. João VI) e uma
visão desenganada da existência, fonte do humor difuso no seu único romance [...] O seu valor reside principal
mente em ter captado, pelo fluxo narrativo, uma das marcas da vida na pobreza, que é a perpétua sujeição à ne
cessidade, sentida de modo fatalista como o destino de cada um. Esse contínuo esforço de driblar o acaso das
condições adversas e a avidez de gozar os intervalos de boa sorte impelem os figurantes das Memórias, e, em pri
meiro lugar, o anti herói Leonardo, “filho de uma pisadela e de um beliscão” para a roda viva de pequenos engodos
e demandas de emprego, entremeadas com ciganagens e patuscadas que dão motivo ao romancista para fazer
entrar em cena certos tipos do velho Rio (BOSI, 1980, p. 145 147 – grifos do autor).
Capítulo II Primeiros infortúnios (fragmento)
Logo que pôde andar e falar tornou se um flagelo; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha
uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu
alcance, tomava o imediatamente, esganava com ele todos os móveis, punha lhe dentro tudo que encontrava,
esfregava o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa; até que a Maria, exasperada pelo que aquilo lhe
havia de custar aos ouvidos, e talvez às costas, arrancava lhe das mãos a vítima infeliz. Era, além de traquinas,
guloso; quando não traquinava, comia. A Maria não lhe perdoava; trazia lhe bem maltratada uma região do corpo;
porém ele não se emendava, que era também teimoso, e as travessuras recomeçavam mal acabava a dor das pal
madas. Assim chegou aos sete anos. Afinal de contas a Maria sempre era saloia, e o Leonardo começava a arre
pender se seriamente de tudo que tinha feito por ela e com ela. E tinha razão, porque, digamos depressa e sem
mais cerimônias, havia ele desde certo tempo concebido fundadas suspeitas de que era atraiçoado. Havia alguns
meses atrás tinha notado que um certo sargento passava lhe muitas vezes pela porta, e enfiava olhares curiosos
através das rótulas: uma ocasião, recolhendo se, parecera lhe que o vira encostado à janela. Isto porém passou
sem mais novidade. Depois começou a estranhar que um certo colega seu o procurasse em casa, para tratar de
negócios do oficio, sempre em horas desencontradas: porém isto também passou em breve. Finalmente aconte
ceu lhe por três ou quatro vezes esbarrar se junto de casa com o capitão do navio em que tinha vindo de Lisboa, e
isto causou lhe sérios cuidados. Um dia de manhã entrou sem ser esperado pela porta adentro; alguém que estava
na sala abriu precipitadamente a janela, saltou por ela para a rua, e desapareceu. À vista disto nada havia a duvi
dar: o pobre homem perdeu, como se costuma dizer, as estribeiras; ficou cego de ciúme. Largou apressado sobre
um banco uns autos que trazia embaixo do braço, e endireitou para a Maria com os punhos cerrados. — Grandes
síssima!... E a injúria que ia soltar era tão grande que o engasgou... e pôs se a tremer com todo o corpo. A Maria
LETRAS | 114
recuou dois passos e pôs se em guarda, pois também não era das que se receava com qualquer coisa.— Tira te lá,
ó Leonardo! — Não chames mais pelo meu nome, não chames... que tranco te essa boca a socos... — Safe se daí!
Quem lhe mandou pôr se aos namoricos comigo a bordo? Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor au
mentou lhe a dor da traição, e o ciúme e a raiva de que se achava possuído transbordaram em socos sobre a Mari
a, que depois de uma tentativa inútil de resistência desatou a correr, a chorar e a gritar: — Ai... ai... acuda, Sr.
compadre... Sr. compadre!... Porém o compadre ensaboava nesse momento a cara de um freguês, e não podia
largá lo. Portanto a Maria pagou caro e por junto todas as contas. Encolheu se a choramingar em um canto. O
menino assistira a toda essa cena com imperturbável sangue frio: enquanto a Maria apanhava e o Leonardo esbra
vejava, aquele ocupava se tranqüilamente em rasgar as folhas dos autos que este tinha largado ao entrar, e em
fazer delas uma grande coleção de cartuchos. Quando, esmorecida a raiva, o Leonardo pôde ver alguma coisa mais
do que seu ciúme, reparou então na obra meritória em que se ocupava o pequeno. Enfurece se de novo: suspen
deu o menino pelas orelhas, fê lo dar no ar uma meia volta, ergue o pé direito, assenta lhe em cheio sobre os
glúteos atirando o sentado a quatro braças de distância. — És filho de uma pisadela e de um beliscão; mereces
que um pontapé te acabe a casta. O menino suportou tudo com coragem de mártir, apenas abriu ligeiramente a
boca quando foi levantado pelas orelhas: mal caiu, ergueu se, embarafustou pela porta fora, e em três pulos esta
va dentro da loja do padrinho, e atracando se lhe às pernas. O padrinho erguia nesse momento por cima da cabe
ça do freguês a bacia de barbear que lhe tirara dos queixos: com o choque que sofreu a bacia inclinou se, e o fre
guês recebeu um batismo de água de sabão.
LETRAS |115
JOSÉ DE ALENCARJosé Martiniano de Alencar (1829 – 1877)
Obras: Cinco minutos (1856); O Guarani (1857); A viuvinha (1860); Lucíola (1862); Diva
(1864); Iracema (1865); As minas de prata. (1864 1865); O gaúcho (1870); A pata da gazela
(1870); O tronco do ipê (1871); Guerra dos mascates (1873 1974); Til, (1872); Sonhos d'ouro,
(1872); Alfarrábios, (1873); Ubirajara, (1874); O sertanejo, (1875); Senhora (1875); Encarna
ção, (1893); O crédito, (1857); Verso e reverso, (1857); Demônio familiar, (1857); As asas de
um anjo, (1858); Mãe, (1860); A expiação, (1867); O jesuíta, (1875); Ao correr da pena,
(1874); Como e por que sou romancista, (1893); Cartas sobre a confederação dos tamoios,
(1856); Ao imperador: cartas políticas de Erasmo e Novas cartas políticas de Erasmo, (1865);
Ao povo: cartas políticas de Erasmo, (1866); O sistema representativo, (1868).
Comentário crítico
Bem diferente foi a obra de Alencar, ao todo vinte romances publicados entre 1856 a 1877, dando exemplo da im
portância que o gênero havia adquirido na literatura brasileira, ultrapassando o nível modesto dos predecessores e
demonstrando capacidade narrativa bem definida. É uma obra bastante ambiciosa. A partir de certa altura, Alencar
pretendeu abranger com ela, sistematicamente, os diversos aspectos do país no tempo e no espaço, por meios de
narrativas sobre os costumes urbanos, sobre as regiões, sobre o índio [...] Par pôr em prática esse projeto, quis for
jar um estilo novo, adequado aos temas e baseado numa linguagem que, sem perder a correção gramatical, se a
proximasse da maneira brasileira de falar. Ao fazer isso, estava tocando o nó do problema (caro aos românticos) da
independência estética em relação a Portugal. Com efeito, caberia aos escritores não apenas focalizar a realidade
brasileira, privilegiando as diferenças patentes na natureza e na população, mas elaborar a expressão que corres
pondesse à diferenciação linguística que nos ia distinguindo cada vez mais dos portugueses, numa grande aventura
dentro da mesma língua. Como mais tarde Mário de Andrade no Modernismo, José de Alencar atacou a questão da
identidade pelo aspecto fundamental da linguagem [...] A sua obra atraiu a maioria dos leitores pelo que tinha de
romanesco no sentido estrito, tanto sob o aspecto de sentimentalismo quanto do heroísmo rutilante. O guarani
(1857), cuja ação decorre no século XVI e é o mais popular dos seus livros, tem essas duas coisas, além de facilitar
pelo próprio enredo a escrita poética e empolada que marcou o Romantismo. Amor, bravura, perfídia se combinam
nele para dar ao leitor o espetáculo de um Brasil plasticamente belo, enobrecido pelas qualidades ideais do epôni
mo indígena (CANDIDO, 2002, p. 63 66).
Capítulo II – Lealdade (fragmento)
A habitação que descrevemos, pertencia a D. Antônio de Mariz, fidalgo português de cota
d’armas e um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro. Era dos cavalheiros que mais se haviam dis
tinguido nas guerras da conquista, contra a invasão dos franceses e os ataques dos selvagens. Em 1567
acompanhou Mem de Sá ao Rio de Janeiro, e depois da vitória alcançada pelos portugueses, auxiliou o
governador nos trabalhos da fundação da cidade e consolidação do domínio de Portugal nessa capitania.
Fez parte em 1578 da célebre expedição do Dr. Antônio de Salema contra os franceses, que haviam es
tabelecido uma feitoria em Cabo Frio para fazerem o contrabando de pau brasil. Serviu por este mesmo
tempo de provedor da real fazenda, e depois da alfândega do Rio de Janeiro; mostrou sempre nesses
empregos o seu zelo pela república e a sua dedicação ao rei. Homem de valor, experimentado na guerra,
ativo, afeito a combater os índios, prestou grandes serviços nas descobertas e explorações do interior de
LETRAS | 116
Minas e Espírito Santo. Em recompensa do seu merecimento, o governador Mem de Sá lhe havia dado
uma sesmaria de uma légua com fundo sobre o sertão, a qual depois de haver explorado, deixou por
muito tempo devoluta. A derrota de Alcácer Quibir, e o domínio espanhol que se lhe seguiu, vieram
modificar a vida de D. Antônio de Mariz. Português de antiga têmpera, fidalgo leal, entendia que estava
preso ao rei de Portugal pelo juramento da nobreza, e que só a ele devia preito e menagem. Quando
pois, em 1582, foi aclamado no Brasil D. Felipe 11 como o sucessor da monarquia portuguesa, o velho
fidalgo embainhou a espada e retirou se do serviço. Por algum tempo esperou a projetada expedição de
D. Pedro da Cunha, que pretendeu transportar ao Brasil a coroa portuguesa, colocada então sobre a
cabeça do seu legitimo herdeiro, D. Antônio, prior do Crato. Depois, vendo que esta expedição não se
realizava, e que seu braço e sua coragem de nada valiam ao rei de Portugal, jurou que ao menos lhe
guardaria fidelidade até a morte. Tomou os seus penates, o seu brasão, as suas armas, a sua família, e foi
estabelecer se naquela sesmaria que lhe concedera Mem de Sá. Aí, de pé sobre a eminência em que ia
assentar o seu novo solar, D. Antônio de Mariz, erguendo o vulto direito, e lançando um olhar sobrancei
ro pelos vastos horizontes que abriam em torno, exclamou: Aqui sou português! Aqui pode respirar à
vontade um coração leal, que nunca desmentiu a fé do juramento. Nesta terra que me foi dada pelo
meu rei, e conquistada pelo meu braço, nesta terra livre, tu reinarás, Portugal, como viverás n’alma de
teus filhos. Eu o juro! Descobrindo se, curvou o joelho em terra, e estendeu a mão direita sobre o abis
mo, cujos ecos adormecidos repetiram ao longe a última frase do juramento prestado sobre o altar da
natureza, em face do sol que transmontava. Isto se passara em abril de 1593; no dia seguinte, começa
ram os trabalhos da edificação de uma pequena habitação que serviu de residência provisória, até que
os artesãos vindos do reino construíram e decoraram a casa que já conhecemos. D. Antônio tinha ajun
tado fortuna durante os primeiros anos de sua vida aventureira; e não só por capricho de fidalguia, mas
em atenção à sua família, procurava dar a essa habitação construída no meio de um sertão, todo o luxo
e comodidade possíveis. Além das expedições que fazia periodicamente à cidade do Rio de Janeiro, para
comprar fazendas e gêneros de Portugal, que trocava pelos produtos da terra, mandara vir do reino al
guns oficiais mecânicos e hortelãos, que aproveitavam os recursos dessa natureza tão rica, para prove
rem os seus habitantes de todo o necessário. Assim, a casa era um verdadeiro solar de fidalgo portu
guês, menos as ameias e a barbacã, as quais haviam sido substituídas por essa muralha de rochedos
inacessíveis, que ofereciam uma defesa natural e uma resistência inexpugnável.
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BERNARDO GUIMARÃESBernardo Joaquim da Silva Guimarães (1825 – 1884)
Obras: Cantos da Solidão (1852); Inspirações da Tarde (1858); O Ermitão de Muquém
(1858); A Voz do Pajé (1860); Poesias Diversas (1865); Evocações (1865; Lendas e Romances
(1871); O garimpeiro (1872); História e Tradições da Província de Minas Gerais (1872); O
Seminarista (1872); O Índio Afonso (1872); A Escrava Isaura (1875); Novas Poesias (1876);
Maurício ou Os Paulistas em São João del Rei (1877); A Ilha Maldita ou A Filha das Ondas
(1879); O Pão de Ouro (1879); Folhas de Outono (1883); A Enjeitada (1883).
Comentário crítico
O regionalismo de Bernardo Guimarães mistura elementos tomados à narrativa oral, os ‘causos’ e estórias’ de Minas
e Goiás, com uma boa dose de idealização. Esta, embora não tão maciça como em Alencar, é responsável por uma
linguagem adjetivosa e convencional na maioria dos quadros agrestes [...] As obras mais lidas de Bernardo Guima
rães, O Seminarista e A Escrava Isaura, devem a sua popularidade menos a um progresso de fabulação ou no traça
do das personagens do que à garra dos problemas explícitos: o celibato clerical no primeiro, a escravidão no segun
do [...] A Escrava Isaura já foi chamado de A cabana do Pai Tomás nacional. Há evidente exagero na asserção. O
nosso romancista estava mais ocupado em contar as perseguições que a cobiça de um senhor vilão movia à bela
Isaura que em reconstruir as misérias do regime servil. E, apesar de algumas palavras sinceras conta as distinções de
cor (cap. XV), toda a beleza da escrava é posta no seu não parecer negra, mas nívea donzela, como vem descrita
desde o primeiro capítulo (BOSI, 1980, p. 157 159).
Capítulo I (fragmento)
Subamos os degraus, que conduzem ao alpendre, todo engrinaldado de viçosos festões e lindas flores, que ser-ve de vestíbulo ao edifício. Entremos sem cerimônia. Logo à direita do corredor encontramos aberta uma larga porta, que dá entrada à sala de recepção, vasta e luxuosamente mobiliada. Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise. A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. O colo donoso e do mais puro lavor sustenta com graça inefá-vel o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e fortemente ondulados se despenham caracolando pelos ombros em espessos e luzidios rolos, e como franjas negras escondiam quase completamente o dorso da cadeira, a que se achava recostada. Na fronte calma e lisa como mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpa-da de alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da inspiração. Tinha a face voltada para as janelas, e o olhar vago pairava-lhe pelo espaço. Os encantos da gentil cantora eram ainda realçados pela singeleza, e diremos quase pobre-za do modesto trajar. Um vestido de chita ordinária azul-clara desenhava-lhe perfeitamente com encantadora simplicidade o porte esbelto e a cintura delicada, e desdobrando-se-lhe em roda amplas ondulações parecia uma nuvem, do seio da qual se erguia a cantora como Vênus nascendo da espuma do mar, ou como um anjo surgindo dentre brumas vaporosas. Uma pequena cruz de azeviche presa ao pescoço por uma fita preta constituía o seu único ornamento. Apenas terminado o canto, a moça ficou um momento a cismar com os dedos sobre o teclado como escutando os derradeiros ecos da sua canção. Entretanto abre-se sutilmente a cortina de cassa de uma das portas interiores, e uma nova personagem penetra no salão. Era também uma formosa dama ainda no viço da mocidade, bonita, bem feita e elegante. A riqueza e o primoroso esmero do trajar, o porte altivo e senhoril, certo balanceio afetado e langoroso dos movimentos davam-lhe esse ar preten-sioso, que acompanha toda moça bonita e rica, ainda mesmo quando está sozinha. Mas com todo esse luxo e donaire de grande senhora nem por isso sua grande beleza deixava de ficar algum tanto eclipsada em presença das formas puras e corretas, da nobre singeleza, e dos tão naturais e modestos ademanes da cantora. Todavia Malvina era linda, encantadora mesmo, e posto que vaidosa de sua formosura e alta posição, transluzia-lhe nos grandes e meigos olhos azuis toda a nati-va bondade de seu coração.
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VISCONDE TAUNAYAlfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay (1843 – 1899)
Obras: A Campanha da Cordilheira (1869); La Retraite de Laguna (1871); Inocência (1872);
Lágrimas do Coração. Manuscrito de uma Mulher (1873); Ouro sobre Azul (1875); Estudos
críticos, (1881 e 1883); Amélia Smith (1886); No Declínio (1889); O Encilhamento (1894);
Reminiscências (1908 – edições póstumas)
Comentário crítico
Representa o caso bem brasileiro do filho de estrangeiros de tal maneira identificado à nova pátria que se torna
intérprete privilegiado da sua realidade. Militar de carreira, tinha boa formação intelectual e artística, sendo bom
desenhista e compositor, qualidades que soube transpor para a sua prosa, capaz de descrever a natureza com
força pictórica [...] O seu romance mais famoso é Inocência (1872), que alguns consideram o melhor produto do
Regionalismo e é de fato bem realizado, graças à habilidade com que descreve a paisagem e os costumes do sertão
remoto, quadro no qual soube contar com singeleza a tocante paixão que envolve a protagonista (CANDIDO, 2002,
p. 79).
Capítulo I - O sertão e o sertanejo (fragmento)
Todos vós bem sentis a ação secreta Da natureza em seu governo eterno; E de ínfimas camadas subterrâneas Da vida o indício à superfície emerge. Goethe, Fausto, 2ª parte. Então com passo tranqüilo metia-me eu por algum recanto da floresta, algum lugar deserto, onde nada me indicasse a mão do homem, nem me denunciasse a servidão e o domínio; asilo em que pudesse crer ter primeiro entrado, onde nenhum importuno viesse interpor-se entre mim e a natureza J. J. Rousseau, O Encanto da Solidão.
Corta extensa e quase despovoada zona da parte sul-oriental da vastíssima província de Mato Gros-so a estrada que da vila de Sant’Ana do Paranaíba vai ter ao sítio abandonado de Camapoan. Desde aquela
povoação, assente próximo ao vértice do ângulo em que confinam os territórios de São Paulo, Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso até ao Rio Sucuriú, afluente do majestoso Paraná, isto é, no desenvolvimento de muitas
dezenas de léguas, anda-se comodamente, de habitação em habitação, mais ou menos chegadas umas às
outras; depois, porém, rareiam as casas, mais e mais, e caminha-se largas horas, dias inteiros sem se ver mo-
rada nem gente até ao retiro de João Pereira, guarda avançada daquelas solidões, homem chão e hospitalei-
ro, que acolhe com carinho o viajante desses alongados paramos, oferece-lhe momentâneo agasalho e o
provê da matalotagem precisa para alcançar os campos de Miranda e Pequiri, ou da Vacaria e Nioac, no
Baixo Paraguai. Ali começa o sertão chamado bruto. Ao homem do sertão afiguram-se tais momentos incom-
paráveis, acima de tudo quanto possa idear a imaginação no mais vasto círculo de ambições. Satisfeita a sede
que lhe secara os lábios, e comidas umas colheres de farinha de mandioca ou de milho, adoçada com rapa-
dura, estira-se a fio comprido sobre os arreios desdobrados e contempla descuidoso o firmamento azul, as
nuvens que se espacejam nos ares, a folhagem lustrosa e os troncos brancos das pindaíbas, a copa dos ipês e
as palmas dos buritis a ciciar a modo de harpas eólias, músicas sem conta com o perpassar da brisa. Como
são belas aquelas palmeiras! O estípite liso, pardacento, sem manchas mais que pontuadas estrias, sustenta
denso feixe de pecíolos longos e canelados, em que assentam flabelas abertas como um leque, cujas pontas se
acurvam flexíveis e tremulantes. Na base e em torno da coma, pendem, amparados por largas espatas, densos
cachos de cocos tão duros, que a casca luzidia, revestida de escamas romboidais e de um amarelo alaranja-
do, desafia por algum tempo o férreo bico das araras. Também, com que vigor trabalham as barulhentas aves
antes de conseguir a apetecida e saborosa amêndoa! Em grupos juntam-se elas, umas vermelhas como chis-
pas soltas de intensa labareda, outras versicolores, outras, pelo contrário, de todo azuis, de maior viso e que,
por parecerem negras em distância, têm o nome de araraúnas. Ali ficam alcandoradas, balouçando-se grave-
mente e atirando, de espaço a espaço, às imensidades das dilatadas campinas notas estridentes, quando não
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seja um clamor sem fim, ao quererem muitas disputar o mesmo cacho. Quase sempre, porém, estão a namo-rar-se aos pares, pousadas uma bem encostadinha à outra. Vê tudo aquilo o sertanejo com olhar carregado de sono. Caem-lhe pesadas as pálpebras; bem se lembra de que por ali podem rastejar venenosas alimárias, mas é fatalista; confia no destino e, sem mais preocupação, adormece com serenidade. Correm as horas: vem o Sol descambando; refresca a brisa, e sopra rijo o vento. Não ciciam mais os buritis; gemem, e convulsamen-te agitam as flageladas palmas. É a tarde que chega.
FRANKLIN TÁVORAJoão Franklin da Silveira Távora (1842 – 1888)
Obras: Trindade maldita (1861); Os índios do Jaguaribe (1862); A casa de palha (1866); Um
casamento no arrabalde (1869); Um mistério de família (1862); Três lágrimas (1870); Cartas
de Semprônio a Cincinato (1871); O Cabeleira (1876); O matuto (1878); Lourenço (1878);
Lendas e tradições do Norte (1878); O sacrifício (1879).
Comentário crítico
A unidade política, preservada às vezes por circunstâncias quase miraculosas, pode fazer esquecer a diversidade que
presidiu à formação e desenvolvimento da nossa cultura. A colonização se processou em núcleos separados, prati
camente isolados entre si: o desenvolvimento econômico e a evolução social foram, assim, bastante heterogêneos,
consideradas as diferentes regiões. Um historiador contemporâneo, Alfredo Ellis Jr., se recusa a falar em Colônia, ou
Brasil Colônia, acentuando o fato, assinalado desde Handelmann e fecundado por João Ribeiro, de que houve na
América não uma, senão várias Colônias portuguesas. Trazendo a idéia para o terreno literário, Viana Moog procu
rou interpretar a nossa literatura em função das que chamou “ilhas de culturas mais ou menos autônomas e dife
renciadas”, caracterizada cada uma pelo seu genius loci particular. Comprovante desta idéia engenhosa, e em parte
verdadeira, é sem dúvida o caso do Nordeste, que se destaca na geografia, na história e na cultura brasileira com
impressionante autonomia e nitidez [...] Franklin Távora sentiu tudo isto profundamente, ao ponto de tentar uma
espécie de félibrige; só que félibrige pela metade, dentro não apenas do mesmo país, mas da mesma língua. “Norte
e Sul são irmãos, mas são dois. Cada um há de ter uma literatura sua, porque o gênio de um não se confunde com o
de outro. Cada um tem as suas aspirações, seus interesses, e há de ter, se já não tem, sua política”. Desvio evidente
que, levando o a dissociar o que era uno e fazer de características regionais princípio de independência, traía de
certo modo a grande tarefa romântica de definir uma literatura nacional. O seu regionalismo parece fundar se em
três elementos, que ainda hoje constituem, em proporções variáveis, a principal argamassa do regionalismo literário
do Nordeste. Primeiro o senso da terra, da paisagem que condiciona tão estreitamente a vida de toda a região,
marcando o ritmo da sua pela famosa “intercadência” de Euclides da Cunha. Em seguida, o que se poderia chamar
patriotismo regional, orgulhoso das guerras holandesas, do velho patriarcado açucareiro, das rebeliões nativistas.
Finalmente, a disposição polêmica de reivindicar a preeminência do Norte, reputado mais brasileiro, “onde abun
dam os elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é obvia: o Nor
te ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia pelo estrangeiro”. Távora foi o primeiro “romancista
do Nordeste”, no sentido em que ainda hoje entendemos a expressão; e deste modo abriu caminho a uma lingua
gem ilustre, culminada pela geração de 1930, mais de meio século depois das suas tentativas, reforçadas a meio
caminho pelo baiano fluminense d’Os Sertões (CANDIDO, 1993, p. 267 268).
Prefácio de O cabeleira
No Cabeleira ofereço te um tímido ensaio do romance histórico,, segundo eu entendo este gênero da li
teratura. À crítica pernambucana, mais do que a outra qualquer, cabe dizer se o meu desejo não foi iludido; e a
ela, seja qual for a sua sentença, curvarei a cabeça sem replicar. As letras têm, como a política, um certo caráter
geográfico; mais do Norte, porém, do que no Sul abundam os elementos para a formação de uma literatura pro
priamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o Norte ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia
em dia pelo estrangeiro. A feição primitiva, unicamente modificada pela cultura que as raças, as índoles, e os cos
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tumes recebem dos tempos ou do progresso, pode se afirmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua
genuína expressão. Por infelicidade do Norte, porém, dentre os muitos filhos seus que figuram com grande brilho
nas letras pátrias, poucos têm seriamente cuidado de construir o edifício literário dessa parte do império que, por
sua natureza magnificente e primorosa, por sua história tão rica de feitos heróicos, por seus usos, tradições e poe
sia popular há de ter cedo ou tarde uma biblioteca especialmente sua. Esta pouquidade de arquitetos faz se notar
com especialidade no romance, gênero em que o Norte, a meu ver, pode entretanto figurar com brilho e bizarria
inexcedível. Esta verdade dispensa demonstração. Quem não sabe que na história conta ele J. F. Lisboa, Baena,
Abreu e Lima, Vieira da Silva, Henriques Leal, Muniz Tavares, A J. de Melo, Fernandes Gama, e muitos outros que
podem bem competir com Varnhagen, Pereira da Silva e Fernandes Pinheiros; que o primeiro filólogo brasileiro,
Sotero dos Reis, é nortista; que é nortista Gonçalves Dias, a mais poderosa e inspirada musa de nossa terra; e que
Igualmente o são Tenreiro Aranha, Odorico Mendes, Franco de Sã, Almeida Braga, José Coriolano, Cruz Cordeiro,
Ferreira Barreto, Maciel Monteiro, Bandeira de Melo, Torres Bandeira, que valem bem Magalhães, A. de Azevedo,
Varela, Porto Alegre, Casimiro de Abreu, Cardoso de Meneses. Teixeira de Melo? No romance, porém, já não é
assim. O Sul campeia sem êmulo nesta arena, onde têm colhido notáveis louros: Macedo, o observador gracioso
dos costumes da cidade; Bernardo Guimarães, o desenhista fiel dos usos rústicos; Machado de Assis, cultor estudi
oso do gênero que foi vasto campo de glórias para Balzac; Taunay que se particulariza pela fluência, e pelo faceto
da narrativa; Almeidinha, que a todos estes se avantajou na correção dos desenhos, posto houvesse deixado um só
quadro, um só painel, quadro brilhante, painel imenso, em que há vida, graça e colorido nativo. Estes talentos,
além de outros que me não se lembram de momento, não têm, ao menos por agora, competidores no Norte, onde
aliás não há falta de talentos de igual esfera. Não me é lícito esquecer aqui, ainda que se trata do romance do Sul,
um engenho de primeira grandeza, que, com ser do Norte, tem concorrido com suas mais importantes primícias
para a formação da literatura austral. Quero referir me ao Exmo Sr. Conselheiro José Martiniano de Alencar, a
quem lá tive ocasião de fazer justiça nas minhas conhecidas Cartas a Cincinato. Quando, pois, está o Sul em tão
favoráveis condições, que até conta entre os primeiros luminares das suas letras este distinto cearense, têm os
escritores do Norte que verdadeiramente estimam seu torrão, o dever de levantar ainda com luta e esforços os
nobres foros dessa grande região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus costumes, suas lendas, sua
poesia, máscula, nova, vivida e louçã tão ignorada no próprio templo onde se sagram as reputações, assim literá
rias, como políticas, que se enviam às províncias. Não vai nisto, meu amigo, um baixo sentimento de rivalidade que
não aninho em meu coração brasileiro. Proclamo uma verdade irrecusável. Norte e Sul são irmãos, mas são dois.
Cada um há de ter uma literatura sua, porque o gênio de um não se confunde com o do outro. Cada um tem suas
aspirações, seus interesses, e há de ter, se lá não tem, sua política. Enfim não posso dizer tudo, e reservarei o de
senvolvimento, que tais idéias exigem, para a ocasião em que te enviar o segundo livro desta série, o qual talvez
venha ainda este ano, à luz da publicidade. Depois de haveres lido O Cabeleira, melhor me poderás entender a
respeito da criação da literatura setentrional, cujos moldes não podem ser, segundo me parece, os mesmos em
que vai sendo vazada a literatura austral que possuímos.
Teu, FRANKLIN TÁVORA, Rio, 1876
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Autor dos fins do Romantismo, Franklin Távora publica O cabeleira apenas cinco anos antes
das Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis, quando a nossa literatura já se
encaminha pela perspectiva realista e naturalista. Mesmo assim, a prosa de Távora ilustra, explicitamen
te, o diálogo plural, profundo e contínuo entre os nossos autores e os românticos europeus, como se
afere de sua apropriação inventiva da tese das duas literaturas, elaborada pela corrente romântica fran
cesa, mais especificamente, pela escritora Mmede Staël:
Há, parece me, duas literaturas completamente distintas, a que vem do Sul e a que
desce do Norte, aquela de que Homero é a fonte primeira, aquela de que Ossian é a
sua origem. Sem dúvida que os ingleses e alemães imitaram frequentemente os anti
gos. Desse fecundo estudo retiraram úteis lições; mas suas belezas originais trazem a
marca da mitologia do Norte, têm uma espécie de semelhança, uma certa grandeza
poética de que Ossian é o primeiro tipo (STAËL apud ELIA, 2005, p.116).
Revisitada nas últimas décadas do século XX, a prosa regionalista de Franklin Távora também é
um testemunho exemplar da permanência e da atualidade romântica em nosso discurso literário e cul
tural, como ilustra a expansão e o deslocamento, para o campo estritamente do político, de sua asser
ção das duas regiões brasileiras, efetuada pelos poetas populares nordestinos, Ivanildo Vilanova e Bráu
lio Tavares, em 1984:
NORDESTE INDEPENDENTE (Imagine o Brasil)
Já que existe no Sul este conceito que o Nordeste é ruim, seco e ingrato, já que existe a separação de fato é preciso torná-la de direito. Quando um dia qualquer isso for feito todos dois vão lucrar imensamente começando uma vida diferente da que a gente até hoje tem vivido: imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente.
Dividindo a partir de Salvador o Nordeste seria outro país: vigoroso, leal, rico e feliz, sem dever a ninguém no exterior. Jangadeiro seria o senador o cassaco de roça era o suplente cantador de viola o presidente e o vaqueiro era o líder do partido. Imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente.
Em Recife o distrito industrial o idioma ia ser "nordestinense"
a bandeira de renda cearense
"Asa Branca" era o hino nacional
o folheto era o símbolo oficial
a moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o Inconfidente
Lampião o herói inesquecido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.
O Brasil ia ter de importar
do Nordeste algodão, cana, caju,
carnaúba, laranja, babaçu,
abacaxi e o sal de cozinhar.
O arroz e o agave do lugar
a cebola, o petróleo, o aguardente;
o Nordeste é auto-suficiente
nosso lucro seria garantido
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.
Se isso aí se tornar realidade e alguém
do Brasil nos visitar neste nosso país vai
encontrar neste nosso país vai encontrar
confiança, respeito e amizade
tem o pão repartido na metade
tem o prato na mesa, a cama quente:
brasileiro será irmão da gente
venha cá, que será bem recebido...
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.
Eu não quero com isso que vocês
imaginem que eu tento ser grosseiro
pois se lembrem que o povo brasileiro
é amigo do povo português.
Se um dia a separação se fêz
todos dois se respeitam no presente
se isso aí já deu certo antigamente
nesse exemplo concreto e conhecido,
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente
LETRAS | 122
Na verdade, a recorrência ao Romantismo e à temática por ele suscitada, o da cultura e da i
dentidade nacional, se processa em nossos diversos discursos culturais, nos mais variados momentos,
desde o seu surgimento, como demonstram as paráfrases de Casimiro de Abreu e as canções patrióti
cas, em especial o Hino Nacional, até os dias atuais, como se observou no texto de Ivanildo Vilanova e
Bráulio Tavares, o primeiro oriundo de Pernambuco, o segundo nascido no Estado paraibano.
Perpassando todo o período do Naturalismo e do Realismo, determinados traços da visão ro
mântica alcançariam novo e intenso vigor na fase das experiências vanguardistas de 22. Momento de
intensa ebulição e produção de nossa arte, em que se agudiza a necessidade de definição do nacional, o
Modernismo brasileiro exibe as mais variadas marcas da estética romântica, desde o seu período inicial
até sua fase mais tardia, atestando, assim, não apenas a atualidade do Romantismo, mas a sua própria
incorporação ao nosso mosaico literário cultural, seja pela via da reduplicação ou endosso; seja pela
negação e/ou confronto, ou mesmo pelo caminho da estilização.
Como quer que seja, o repertório romântico, como uma espécie de locus de retorno, continua
a inspirar a nossa imaginação criadora, tanto em seus modos eruditos, quanto em suas formas popula
res e em suas maneiras narrativas, dramáticas e poéticas. Nessa perspectiva, nos voltaremos para a
leitura de textos emblemáticos dessa constante operação de retorno aos assuntos e modos do Roman
tismo, no capítulo que se segue.
LETRAS |123
UNIDADE IV
A RETOMADA E ATUALIDADE DAS LETRAS ROMÂNTICAS
Sou romântico? Concedo.
Exibo, sem evasiva.
Manuel Bandeira
A presença romântica nas canções cívicas (fragmentos)
Hino Nacional
Letra: Joaquim Osório Duque Estrada
Música: Francisco Manuel da Silva
Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colos
so,
E o teu futuro espelha essa gran
deza.
.......................................................
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm
mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida",
"Nossa vida" no teu seio "mais
amores".
Hino à Bandeira
Letra: Olavo Bilac
Música: Francisco Braga Salve
Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do
Sul...
Canção do Expedicionário
Letra: Guilherme de Almeida
Música: Spartaco Rossi
Por mais terra que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
LETRAS | 124
O Romantismo no Modernismo
OSWALD DE ANDRADE (1890 – 1954)
Canto de regresso à pátria (1925)
Minha terra tem palmares Ouro terra amor e rosas
Onde gorjeia o mar Eu quero tudo de lá
Os passarinhos daqui Não permita Deus que eu morra
Não cantam como os de lá Sem que volte para lá
Minha terra tem mais rosas Não permita Deus que eu morra
E quase que mais amores Sem que volte pra São Paulo
Minha terra tem mais ouro Sem que veja a Rua 15
Minha terra tem mais terra E o progresso de São Paulo
Meus oito anos (1927)
Oh que saudades que eu tenho Eu tinha doces visões
Da aurora de minha vida Da cocaína da infância
Das horas Nos banhos de astro rei
De minha infância Do quintal de minha ânsia
Que os anos não trazem mais A cidade progredia
Naquele quintal de terra Em roda de minha casa
Da Rua de Santo Antônio Que os anos não trazem mais
Debaixo da bananeira Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais Sem nenhum laranjais
LETRAS |125
Pronominais (1925)
Dê me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
MURILO MENDES (1901 – 1975)
Canção do exílio (1930)
Minha terra tem macieiras da Califórnia nossas frutas mais gostosas
onde cantam gaturamos de Veneza. mas custam cem mil réis a dúzia.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas, Ai quem me dera chupar uma
os filósofos são polacos vendendo a prestações. uma carambola de verdade
A gente não pode dormir e ouvir um sabiá com certidão
com os oradores e os pernilongos. de idade!
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
LETRAS | 126
RIBEIRO COUTO (1898 – 1963)
Modinha do exílio (1939)
Os moinhos têm palmeiras
Onde canta o sabiá.
Não são arte feiticeiras!
Por toda parte onde eu vá,
Mar e terras estrangeiras,
Posso ouvir o sabiá,
Posso ver mesmo as palmeiras
Em que ele cantando está.
Meu sabiá das palmeiras
Canta aqui melhor que lá.
Mas, em terras estrangeiras,
E por tristezas de cá,
Só à noite e às sextas feiras.
Nada mais simples não há!
Canta modas brasileiras.
Canta— e que pena me dá!
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902 – 1987)
Nova canção do exílio (1945)
UM sabiá Onde é tudo belo
na palmeira, longe. e fantástico,
Estas aves cantam só, na noite,
um outro canto. seria feliz.
(Um sabiá,
O céu cintila na palmeira, longe.)
Sobre flores úmidas.
Vozes na mata, Ainda um grito de vida e
e o maior amor. voltar
para onde é tudo belo
Só, na noite, e fantástico:
Seria feliz: a palmeira, o sabiá,
Um sabiá, o longe.
na palmeira, longe.
LETRAS |127
Europa, França e Bahia (1930)
MEUS olhos brasileiros sonhando exotismos. Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caran-guejo.
Os cais bolorentos de livros judeus e a água suja do Sena escorrendo sabedoria. O pulo da Mancha num segundo. Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas. Tarifas bancos fábricas trustes craques. Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas formam um [tapete para Sua Graciosa Majestade [Britânica pisar. E a lua de Londres como um remorso. Submarinos inúteis retalham mares vencidos. O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruina-dos. Hamburgo, embigo do mundo. Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos outros [dentro de alguns anos.
A Itália explora conscienciosamente vulcões apagados, vulcões que nunca estiveram acesos a não ser na cabeça de Mussolini. E a Suíça cândida se oferece numa coleção de postais de altitudes altíssimas. Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa. Não há mais Turquia. O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a declanchar. Mas a Rússia tem as cores da vida. A Rússia é vermelha e branca. Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme bolchevista [e no túmulo de Lênin em Moscou [parece que um coração enorme está [batendo, batendo mas não bate igual ao da gente ... Chega! Meus olhos brasileiros se fecham saudosos. Minha boca procura a “Canção do Exílio”.
Como era mesmo a “Canção do Exílio”?
Eu tão esquecido de minha terra ...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!
LETRAS | 128
Subdesenvolvido (1962)
FRANCISCO DE ASSIS (1933) / CARLOS LYRA (1939) – CPC
O Brasil é uma terra de amores Alcatifada de flores Onde a brisa fala amores Em lindas tardes de abril Correi pras bandas do sul Debaixo de um céu de anil Encontrareis um gigante deitado Santa Cruz, hoje o Brasil Mas um dia o gigante despertou Deixou de ser gigante adormecido E dele um anão se levantou Era um país subdesenvolvido Subdesenvolvido, subdesenvolvido, etc. (refrão) E passado o período colonial O país se transformou num bom quintal E depois de dadas as contas a Portugal Instaurou-se o latifúndio nacional, ai! Subdesenvolvido, subdesenvolvido (refrão) Então o bravo povo brasileiro Em perigos e guerras esforçado Mais que prometia a força humana Plantou couve, colheu banana.. Bravo esforço do povo brasileiro Que importou capital lá do estrangeiro Subdesenvolvido, subdesenvolvido... etc. (refrão) As nações do mundo para cá mandaram Os seus capitais desinteressados As nações, coitadas, queriam ajudar E aquela ilha velha ajudou também País de pouca terra, só nos fez um bem
Um grande bem, um 'big' bem, bom, bem, bom Nos deu luz, ah! Tirou ouro, oh! Nos deu trem, ahhh! Mas levou o nosso tesouro ooooh! Subdesenvolvido, subdesenvolvi-do... etc. (refrão) Houve um tempo em que se acabaram Os tempos duros e sofridos Pois um dia aqui chegaram os capitais dos.. Estados Unidos País amigo desenvolvido País amigo, país amigo Amigo do subdesenvolvido País amigo, país amigo E nossos amigos americanos Com muita fé, com muita fé Nos deram dinheiro e nós plantamos Nada mais que café E uma terra em que plantando tudo dá Mas eles resolveram que a gente ia plantar Nada mais que café Bento que bento é o frade - frade! Na boca do forno - forno! Tirai um bolo - bolo! Fareis tudo que seu mestre mandar? Faremos todos, faremos todos... E começaram a nos vender e a nos comprar Comprar borracha - vender pneu Comprar madeira - vender navio Pra nossa vela - vender pavio Só mandaram o que sobrou de lá Matéria plástica,
Que entusiástica Que coisa elástica, Que coisa drástica Rock-balada, filme de mocinho Ar refrigerado e chiclet de bola E coca-cola! Oh... Subdesenvolvido, subdesenvolvido... etc. (refrão) O povo brasileiro tem personalidade Não se impressiona com facilidade Embora pense como desenvolvido Embora dance como desenvolvido Embora cante como desenvolvido Lá, lá, la, la, la, la Êh, êh, meu boi Êh, roçado bão O meior do meu sertão Comeram o boi... Subdesenvolvido, subdesenvolvido, etc. (refrão) Tem personalidade! Não se impressiona com facilidade Embora pense, dance e cante como desenvolvido O povo brasileiro Não come como desenvolvido Não bebe como desenvolvido Vive menos, sofre mais Isso é muito importante Muito mais do que importante Pois difere os brasileiros dos demais Pela... personalidade, personalidade Personalidade sem igual Porém... subdesenvolvida, subdesenvol-vida E essa é que é a vida nacional!
LETRAS |129
CHICO BUARQUE DE HOLANDA (1944)
Sabiá (1978)
Vou voltar Vou voltar Sei que ainda vou voltar Sei que ainda vou voltar Para o meu lugar Vou deitar Foi lá à sombra de uma palmeira E é ainda lá Que já não há Que eu hei de ouvir Colher a flor Cantar Que já não dá Uma sabiá E algum amor Cantar Talvez possa espantar Uma sabiá As noites que eu não queria E anunciar O dia ...
Doze anos (1978)
Ai, que saudades que eu tenho Ai, que saudades que eu tenho Dos meus doze anos Duma travessura Que saudade ingrata O futebol de rua Dar banda por aí Sair pulando muro Fazendo grandes planos Olhando fechadura E chutando lata E vendo mulher nua Trocando figurinha Comendo fruta no pé Matando passarinho Chupando picolé Jogando muito botão Pé-de-moleque, paçoca Colecionando minhoca E disputando troféu Rodopiando pião Guerra de pipa no céu Fazendo troca-troca Concurso de piroca
Iracema voou (1998)
Iracema voou Canto lírico Para a América Não dá mole pra polícia Leva roupa de lã Lava chão numa casa de chá E anda lépida Se puder, vai ficando por lá Vê um filme de quando em vez Tem saudades do Ceará Não domina o idioma inglês Mas não muita Uns dias, afoita Tem saído ao luar Me liga a cobrar Com um mímico – É Iracema da América Ambiciona estudar
LETRAS | 130
JOSÉ PAULO PAES (1926 – 1998)
Canção do exílio facilitada (1973)
lá? ah! sabiá... papá... maná... sofá... sinhá... cá? bah!
CACASO - ANTÓNIO CARLOS DE BRITO (1944 - 1987)
Jogos florais (1975)
I II Minha terra tem palmeiras Minha terra tem Palmares onde canta o tico-tico. memória cala-te já. Enquanto isso o sabiá Peço licença poética vive comendo o meu fubá. Belém capital Pará. Ficou moderno o Brasil Bem, meus prezados senhores ficou moderno o milagre: dado o avançado da hora a água já não vira vinho, errata e efeitos do vinho vira direto vinagre. o poeta sai de fininho. (será mesmo com dois esses que se escreve paçarinho?)
LETRAS |131
E com vocês a modernidade (1975) Há uma gota de sangue no cartão postal (1975)
Meu verso é profundamente romântico eu sou manhoso eu sou brasileiro Choram cavaquinhos luares se derramam e vai finjo que vou mas não vou minha janela é por aí a longa sombra de rumores e ciganos. a moldura do luar do sertão a verde mata nos olhos verdes da mulata Ai que saudade que tenho de meus negros verdes anos! sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando na beira de um rio na imensa solidão de latidos e araras
lívido de medo e de amor
EDUARDO ALVES DA COSTA (1936)
Outra canção do exílio (1985)
Minha terra tem Palmeiras,
Corinthians e outros times
de copas exuberantes
que ocultam muitos crimes.
As aves que aqui revoam
são corvos do nunca mais,
a povoar nossa noite
com duros olhos de açoite
que os anos esquecem jamais.
Em cismar sozinho, ao relento,
sob um céu poluído, sem estrelas,
nenhum prazer tenho eu cá;
porque me lembro do tempo
em que livre na campina
pulsava meu coração, voava,
como livre sabiá; ciscando
nas capoeiras, cantando
nos matagais, onde hoje a morte
tem mais flores, nossa vida
mais terrores, noturnos,
de mil suores fatais.
Minha terra tem primores,
requintes de boçalidade,
que fazem da mocidade
um delírio amordaçado:
acrobacia impossível
de saltimbanco esquizóide,
equilibrado no risível sonho
de grandeza que se esgarça e rompe,
roído pelo matreiro cupim da safadeza.
Minha terra tem encantos
de recantos naturais,
praias de areias monazíticas,
subsolos minerais
que se vão e não voltam mais.
A chorar sozinho, aflito,
penso, medito e reflito,
sem encontrar solução;
a não ser voar para dentro,
voltar as costas à miséria,
à doença e ao sofrimento,
que transcendem o quanto possam
o pensamento conceber
e a consciência suportar.
Minha terra tem palmeiras
a baloiçar, indiferentes
aos poetas dementes
que sonham de olhos abertos
a rilhar os dentes.
Não permita Deus que eu morra
pelo crime de estar atento;
e possa chegar a velhice
com os cabelos ao vento
de melhor momento.
Que eu desfrute os primores
do canto do sabiá,
onde gorjeia a liberdade
que não encontro por cá.
LETRAS | 132
MORAES MOREIRA (1947) / BÉU MACHADO (1950 – 1992)
Ave Nossa (1984)
Minha terra tem pauleira Desencanta e faz chorar Mas tem um fio de esperança Quando canta e quando dança No assobio do sabiá O sábio sabiá Sabia assobiar Sabia assobiar E ouvia
Será que o sábio sabia Que só aqui assobia O sabiá As aves que aqui rodeiam Também rodeiam por lá Na floresta, na avenida N’alguma fresta da vida
A ave tenta escapar
Por mais terra que eu percorra
Só permita deus que eu corra
Pra que eu veja esse voar
Minha terra tem pauleira
Desencanta e faz chorar
Mas tem um fio de esperança
Quando e canta e quando
dança
No assobio do sabiá
MÁRIO DE ANDRADE (1893 – 1945)
Capítulo I Macunaíma (fragmento)
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho
do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo de
Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram Macunaí-
ma. Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o
incitavam a falar exclamava: – Ai! Que preguiça!... e não dizia mais nada. Ficava no canto da malo-
ca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que
tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de
saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E
também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do
banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamuns diz-que
habitando a água-doce por lá. No mucambo se alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festi-
nha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara.
Porém respeitava os velhos e freqüentava com aplicação a mura a poracê o torê o bacorocô a cucui-
cogue, todas essas danças religiosas da tribo. Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho
sempre se esquecendo de mijar.
LETRAS | 133
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