Huberto Rohden - Novos Rumos para a Educação
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HUBERTO ROHDEN
NOVOS RUMOS PARA A
EDUCAÇÃO
UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA
A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar
é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.
Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a
transição de uma existência para outra existência.
O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.
Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer
convenções acadêmicas.
PREFÁCIO DO EDITOR PARA
A QUARTA EDIÇÃO
No início do primeiro capítulo deste livro, o autor faz esta corajosa afirmação:
“O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da
juventude – e também de adultos”.
Embora esse dramático brado de alerta tenha sido proferido há quase quatro
décadas, o problema ainda não foi solucionado. Embora tenha havido
significativos avanços, o problema da educação, em todos os seus níveis,
continua aguardando solução.
Este é um dos motivos que nos levaram a relançar Novos Rumos para a
Educação – O caso de uma ideologia decrépita – Alvorada de uma filosofia
dinâmica –, de autoria do filósofo e educador, professor Huberto Rohden. Há
vários anos esgotada, a editora tem recebido cobrança editorial, por muitos
daqueles que tiveram, de uma ou de outra maneira, contato com esta poderosa
mensagem educacional.
Atendendo a pedido de educadores, pedagogos, professores de todos os
graus, críticos e leitores, estamos relançando, em 4- edição, esta pequena
obra-prima da literatura pedagógica.
A origem da obra é uma série de conferências que o autor deu em 1958, no
auditório do Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre Educação e
Cosmocracia Mundial.
Rohden não apresenta um programa de educação construído nos modelos
tradicionais. Seu enfoque é mais dirigido à educação individual do ser humano.
Sua abordagem está centrada no conceito de autoconhecimento e auto-
realização. Ele faz esta advertência: “Este livro trata de assuntos um tanto
remotos e ignotos – focaliza um novo tipo de educação e um novo regime
social. É, pois, óbvio que não se trata de um livro de leitura fácil e rápida, mas
sim de um estudo que exige compreensão e penetração”.
Novos Rumos para a Educação é obra gêmea de outro livro de Rohden –
Educação do Homem Integral, escrito em 1972, e publicado, em várias
edições, por esta editora.
Huberto Rohden, como filósofo e educador, com larga experiência educacional
em universidades internacionais e brasileiras, conhecia profundamente o
problema da educação mundial. Aliás, toda a sua obra como escritor e mestre
espiritual está voltada para a educação do ser humano.
No final deste livro, como texto complementar, publicamos a última entrevista
pública que o professor Huberto Rohden concedeu ao jornalista José Ítalo
Stelle, e posteriormente impressa na revista Visão de 9 de fevereiro de 1981,
cujo assunto e título – Educação da Consciência – são altamente convergentes
com a mensagem deste livro.
O Editor.
PERSPECTIVAS
Durante o ano de 1958 realizei uma série de conferências, no auditório do
Ministério da Educação, do Rio de Janeiro, sobre o tema “Novos Rumos para a
Educação”. No ano subsequente discorri largamente, no mesmo local, sobre o
problema “Cosmocracia Mundial”. Fiz ver, nessas duas séries de elucidações
ético-filosóficas, que o Brasil, como o mundo em geral, se acha na linha
divisória entre duas eras evolutivas de grandes consequências, e que os
mentores das futuras gerações devem preparar-se devidamente para a missão
de orientarem com segurança os homens de amanhã.
Essa nova forma de democracia – que costumo denominar “cosmocracia” –
não será o produto de uma revolução externa, mas sim de uma evolução
interna; não serão as armas, mas as almas que decidirão sobre os novos
rumos que o Brasil e a humanidade vão tomar. Necessitamos não de uma nova
ciência social, mas sim de uma nova consciência individual, que projete os
seus efeitos sobre o plano da sociedade.
É matematicamente impossível que a sociedade seja melhor do que a soma
total dos indivíduos que a compõem, porque aquela não é senão o composto
destes componentes. É uma utopia pueril querer reformar a sociedade sem
regenerar os indivíduos.
A nova forma de democracia que está para vir, a cosmocracia, é impossível
sem um novo conceito de educação.
Mas é precisamente aqui que surge o grande problema...
Como realizar essa nova educação? Será suficiente elaborar e promulgar um
novo programa educacional – feito, possivelmente, por uma comissão de
técnicos nomeada ad hoc? Programa com tantos artigos e tantos parágrafos?
Será suficiente dotar a sociedade de novo estatuto jurídico, social, moral?
Muitos dentre nós julgam, de fato, que o mal esteja na deficiência de estatutos
e programas, e que, se estes fossem melhorados, teríamos um Brasil melhor,
um mundo mais feliz.
Longe de querermos negar a necessidade de melhores programas e técnicas
educacionais, confessamos explicitamente que disto temos urgente
necessidade... Negamos, todavia, e com toda a veemência, que isto resolva o
problema central. O melhor dos programas não funciona quando entregue a um
homem, ou a um grupo de homens, que não sejam internamente bons,
profundamente verdadeiros, realmente “desegoficados” e genuinamente
crísticos. A sociedade será tão boa ou tão má como os melhores ou piores
indivíduos que a constituírem.
Ser bom não que dizer possuir um verniz de honestidade legal ou uma
reputação cívica imaculada. É possível que um homem seja um cidadão 100%
honesto, perante a lei, e, apesar disto, 0% bom, perante Deus e a consciência.
Ser internamente mau e externamente bom são coisas perfeitamente
compatíveis em face da nossa decantada “civilização cristã ocidental”.
De intimis non curat praetor, diziam os antigos romanos – com as coisas
internas não se preocupa o magistrado. Quando um funcionário público cumpre
as obrigações do seu ofício, é ele considerado honesto, quer dizer, legal e
juridicamente inatacável – mas é possível que seja humanamente mau. O foro
externo não coincide, necessariamente, com o foro interno. A lei cogita
daquele – mas a educação tem que ver com este.
E é aqui que se bifurcam os caminhos entre simples instrução e verdadeira
educação.
O que, hoje em dia, se chama educação é, quase sempre, mera instrução.
A instrução se refere aos objetos.
A educação visa o sujeito.
É, certamente, necessário que o homem seja instruído – mas não é suficiente.
Para ser instruído, basta colher certa soma de conhecimentos exatos sobre
diversos objetos que o homem possui ou procura possuir – mas, para ser
educado, é necessário que, dentro de seu próprio sujeito, realize as qualidades
que perfazem o seu verdadeiro Eu.
A ciência – escreve Einstein, no seu livro Aus meinen spaeten Jahren –
descobre os fatos objetivos da natureza (das was ist, aquilo que é) – mas a
filosofia realiza valores dentro do próprio homem (das was sein soll, aquilo que
deve ser). O descobrimento de fatos externos torna o homem erudito – mas a
realização de valores internos torna o homem bom, e o homem realmente bom
é um homem feliz.
Descobrir fatos fora de nós é instrução – realizar valores dentro de nós é
educação.
É chegado o tempo para darmos à educação um caráter genuinamente
humano, realizando valores ou qualidades dentro do próprio homem.
Não basta conhecermos objetos, por mais necessário que isto seja – é
necessário que realizemos valores internos, despertando potências dormentes
nas profundezas da natureza humana.
***
Embora, à primeira vista, essa distinção entre objetos e sujeito pareça simples
jogo de palavras, ela marca, na realidade, a linha divisória entre dois mundos,
entre o mundo horizontal do ter e o mundo vertical do ser; entre aquilo que o
homem tem ou pode ter, fora de si – e aquilo que o homem é ou deve ser,
dentro de si. Todos os meus cursos de Filosofia Universal e Filosofia do
Evangelho, aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro, e alhures, bem como quase
todos os meus livros giram, direta ou indiretamente, em torno desse
momentoso problema do “ser” e do “ter”, daquilo que o homem é ou deve ser, e
daquilo que o homem apenas tem ou deseja ter. O homem comum só se
interessa pelo “ter”, pelas quantidades – ao passo que o homem mais
avançado se entusiasma pelo “ser”, pelas qualidades. Pode-se mesmo afirmar
que tanto mais educado e culto é um homem quanto mais faz prevalecer, em
sua vida, o mundo qualitativo do “ser” sobre o mundo quantitativo do “ter”.
O verdadeiro educador deve ser um homem altamente “realizado”; deve ter
realizado em si os seus mais profundos valores humanos; só assim poderá
servir de guia e mentor a outros, não tanto pelo que diz ou faz, mas sobretudo
pelo que é. Deve ser plenamente educado, para que possa educar.
Ser educado não que dizer apenas ter bons modos sociais; quer dizer (como
insinua a própria etimologia da palavra) que o bom educador deve ter
despertado em si os verdadeiros valores da natureza humana. “Educar” vem do
verbo latino educare, derivado de educere, que quer dizer “eduzir”, conduzir
para fora, ou seja, despertar no homem aqueles elementos positivos que nele
se achavam dormentes, como sejam, verdade, justiça, amor benevolência,
solidariedade, etc. O educador é um “edutor”, alguém que “eduz” do seu
educando o que nele dormita de melhor e mais puro. Educar não é injetar,
impingir, mas sim eduzir e desenvolver o que já existe na alma do educando,
assim como a luz solar desperta e desenvolve na semente a planta que nela
existe potencialmente.
Mas, como poderia alguém despertar em outrem os bons elementos, se no
despertador não estivessem esses elementos, plenamente despertados?
Para que alguém possa “eduzir” o que há de bom em seu educando, deve ele
mesmo achar-se firmemente consolidado nesse plano do bem, ao qual quer
elevar seu pupilo. Quem tenta “empurrar” em vez de “atrair” não é educador,
não “eduz”, porque ele mesmo não está “eduzido”, fora do abismo. Só um
“eduzido” pode “eduzir” os outros. Por isto, o educador deve ir na vanguarda do
ser bom, e não ficar na retaguarda do ser mau, tentando empurrar o seu
educando para a vanguarda das alturas, onde ele mesmo não está.
Em última análise, todo esse problema educacional se resume numa questão
de verdade integral e de absoluta sinceridade que o educador deve ter para
consigo mesmo; quem não é 100% aquilo que ele diz aos outros não pode ser
educador; não pode “eduzir”, conduzir para fora da zona negativa do mal,
porque ele mesmo não se acha fora dessa zona.
Ser educador equivale a um tremendo desafio para ser integralmente
verdadeiro e honesto consigo mesmo. Quem não está disposto a aceitar esse
desafio para uma veracidade integral e absoluta, não se exponha a essa
perigosa e gloriosa aventura de querer educar os outros.
De maneira que o problema da educação culmina, logicamente, no problema
central da auto-realização do homem. Para que alguém seja um verdadeiro
educador não basta estudar essa psicologia periférica e superficial que vem
exposta na maior parte dos nossos compêndios – é necessário que desça à
psicologia abismal de seu próprio Eu, aos mais profundos abismos da sua
centralidade, entrando em contato direto com o alicerce cósmico da sua
natureza humana, daquilo que ele “é”, e não apenas daquilo que ele “tem”.
A educação total exige a realização do homem integral.
Mas quem nos dará esses homens integrais?
Não há governo no mundo que possa criar ou decretar – é necessário que o
indivíduo desenvolva dentro de si mesmo esse homem integral.
E isto é possível, felizmente, porque dentro de cada um de nós existe algo
maior e melhor do que aquilo que existe fora de nós. O homem é muito mais
aquilo que pode vir a ser e deseja ser do que aquilo que é no plano histórico da
sua vida. O homem é a sua permanente e silenciosa atitude interna, e não os
seus ruidosos atos externos e transitórios. O homem é a sua eterna
potencialidade, e não apenas a sua atualidade temporal.
Homem, procura ser no teu externo existir aquilo que és no seu interno ser!
Homem, existencializa humanamente a tua divina essência – e serás ótimo
educador, por seres plenamente educado!
ADVERTÊNCIA E ORIENTAÇÃO
Este livro trata de assuntos um tanto remotos e ignotos – focaliza um novo tipo
de educação e um novo regime social. É, pois, óbvio que não se trata de um
livro de leitura fácil e rápida, mas sim de um estudo que exige compreensão e
penetração.
Por isto, nos vimos obrigados a repetir, de modos vários, certos problemas
centrais da vida, para que lentamente calem e se infiltrem na alma do leitor. O
homem de paladar doentio exige cada dia iguarias novas e esquisitas – ao
passo que ao homem de saúde normal apetecem-lhe, durante anos e
decênios, os mesmos manjares cotidianos, com pouca variação, porque ele
come para viver, e não vive para comer.
Esperamos que os nossos leitores possuam saúde normal e não se aborreçam
com o fato de encontrarem repetidos, em diversos capítulos deste livro,
pensamentos similares, cuja assimilação eficiente só é possível deste modo.
Escusado é dizermos que não consideramos o conteúdo destas páginas como
a última palavra sobre o assunto nem é intenção nossa dizer algo de inédito e
definitivo. Apontamos tão-somente a direção certa, à guisa daquelas setas nas
encruzilhadas dos caminhos, para que o viandante saiba em que direção deve
ir; se parasse diante da seta falharia o sentido da mesma.
Julgamos certa a direção geral indicada, e deixamos a outros a elaboração de
programas técnicos pormenorizados sobre o magno problema de uma nova
educação individual e de um novo regime social. Em última análise, tanto este
como aquela dependem da evolução interna do homem – e essa evolução é
algo tão misterioso e imponderável que não pode ser, propriamente, objeto de
um livro, mas sim o fruto de uma experiência interna, silenciosa e anônima.
Se algum leitor achar certos capítulos deste livro traumatizantes e demolidores,
convença-se de que só destruímos para construir algo melhor. Em vez de se
insurgir contra o autor, pondere, calma e serenamente, os prós e os contras, a
fim de conhecer a verdade – “a verdade libertadora”.
PRIMEIRA PARTE
EDUCAÇÃO INDIVIDUAL
EDUCAÇÃO – PROBLEMA VITAL
DA ATUALIDADE
O problema máximo da época é, sem dúvida, o da educação da infância, da
juventude – e também dos adultos.
É alarmante o vertiginoso aumento da criminalidade, sobretudo entre jovens de
14 a 18 anos. As autoridades estão desorientadas. O povo vive num ambiente
de terrorismo permanente. Cogita-se introduzir na legislação brasileira a pena
de morte, a fim de coibir ou diminuir essa onda de delinquência. Acreditam
muitos que punir o criminoso seja medida eficaz para opor um dique à
perversidade dos delinquentes potenciais.
Por mais necessárias que sejam certas medidas punitivas e repressivas, de
ordem legal e policial, é erro gravíssimo supor que essas medidas possam
produzir mudança ponderável no plano da criminalidade. Em última análise,
esses expedientes legais e policiais, embora necessários, são uma repressão
de sintomas externos do mal, e não uma cura da raiz interna do mesmo;
atingem os efeitos, mas não a causa da criminalidade. Quem reprime apenas
sintomas, e não cura a raiz do mal, é charlatão, e não médico.
É de candente necessidade que tratemos seriamente da cura da raiz do mal –
e, nesse setor, quase nada se está fazendo.
Os supostos remédios de que lançamos mão primam por sua ineficiência e seu
obsoletismo. Possivelmente, esses remédios tenham sido eficazes em séculos
idos, na Idade Média, no seio de uma humanidade diferente da nossa; mas, em
nossos dias, são quase totalmente ineficientes, porque a nossa humanidade
não está vivendo no século XIII. Os últimos séculos modificaram
profundamente a estrutura mental e moral do homem. A humanidade saiu da
sua infância, e, em grande parte, também começa a ultrapassar sua
adolescência, para entrar na idade madura. O que era bom e ótimo para
séculos passados, prova-se nulo ou fraco para o século XX. É justo que uma
criança cumpra cegamente a ordem de seus pais, sem compreender o porquê
dessas ordens; tem de fechar os olhos e obedecer, na certeza de que seus
pais sabem o que seja melhor para o verdadeiro bem do filho.
De fato, a humanidade Ocidental viveu, longos séculos nesse clima de infância
mental e moral, tanto no plano civil como religioso; de olhos fechados, aceitava
e acatava qualquer ordem de cima, fosse da autoridade civil, fosse da
hierarquia religiosa. Não culpamos esses tempos. A infância é um período
natural e necessário para a vida de cada homem, como também da
humanidade.
Mas infância não significa infantalismo. Aquela é um estado natural e sadio;
este seria um fenômeno desnatural e mórbido.
Com o ocaso da Idade Média e a alvorada da Renascença, a humanidade
cristã do Ocidente, ou pelo menos a sua parte pensante, deixou a infância e
entrou na adolescência. E não pode voltar atrás. Por outro lado, também não
pode parar nesse plano de intelectualismo, próprio da adolescência. Ninguém
pode devolver às suas nascentes o Amazonas, nem ninguém pode opor-lhe um
dique no seu vasto estuário. As suas massas líquidas têm de desaguar no
oceano.
As leis da evolução são inexoráveis. Não dependem de nós. A humanidade de
ontem foi boa por ignorância, a humanidade de hoje é má por inteligência – a
humanidade de amanhã tem de ser boa por sapiência.
Da ignorância à sapiência vai um caminho longuíssimo, margeado de
precipícios, eriçado de empecilhos – e nós estamos trilhando este caminho.
Muitos suspiram, saudosos, pelos “bons tempos” da fé medieval e acham que a
solução está no regresso a essa infância da humanidade. Outros apregoam a
intensificação da ciência e da técnica, por meio do intelecto, e esperam
melhores dias das nossas conquistas científicas, rumo aos átomos ou rumo
aos astros.
Entretanto, a solução definitiva dos nossos mais dolorosos problemas não está
neste nem naquele plano. Temos de ultrapassar tanto a ignorância infantil de
ontem como a inteligência juvenil de hoje e entrar na zona da sapiência do
homem maduro de amanhã.
Mas esse “amanhã” pode ser iniciado hoje mesmo.
O infante de ontem e o adolescente de hoje são o homem maduro de amanhã.
Por isto, necessitamos de novos rumos para a nossa educação, que está
marcando passo em terrenos que não correspondem às necessidades do
homem de hoje e de amanhã.
A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO LEIGA
E DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA
Temos no Brasil dois tipos de educação: leiga e religiosa. Ambos falharam ou
estão falhando. A primeira é superficial; a segunda tem caráter póstumo.
No setor da educação leiga, ou cívica, ministrada nos estabelecimentos
públicos, inculca-se ao educando a necessidade de ser honesto, de não mentir,
não matar, não roubar, não defraudar, etc., porque há uma lei que proíbe tais
coisas; o transgressor será punido com cadeia ou multa. Espera-se que o
educando seja honesto e bom para não transgredir a lei civil e sofrer suas
sanções.
Ora, quem não vê que semelhante sanção é totalmente ineficiente? Eficiente,
talvez, para alguns atrasados e menos inteligentes, porém ineficiente para os
mais adiantados e perspicazes. Quem comete um crime imperfeito sofrerá as
consequências legais e policiais da sua transgressão – mas quem for assaz
inteligente para cometer um crime perfeito, esse não corre perigo de ser preso
ou multado. Temos vasta literatura e numerosas películas cinematográficas
que ensinam aos jovens, e aos adultos também, a arte de cometerem crimes
perfeitos. Nas exibições públicas, é verdade, há censura prévia, em virtude da
qual o transgressor da lei tem de acabar punido para que a lei saia triunfante e
soberana. Mas os candidatos à delinquência sentem maiores simpatias pelo
criminoso punido do que pelas autoridades que punem, e lamentam
secretamente que o herói não tenha sido assaz inteligente e jeitoso para burlar
a lei, e resolvem ser mais astutos do que os seus heróis cinematográficos,
cometendo crime perfeito.
Não há lei humana, por mais bem elaborada, que possa manter dentro das
suas malhas um criminoso inteligente. Pode um homem ser um cidadão
legalmente honesto, honestíssimo – e ser ao mesmo tempo uma ruína moral.
Pode ser uma negação total no plano ético e , não obstante, ocupar altos
postos públicos, com imaculada decência legal. Na realidade, a perfeita lisura
legal é compatível com a absoluta ausência de ética. Pode um homem ser
100% “civilizado” e 0 % “educado”, porque a civilização se refere a seu
comportamento legal, externo, e a educação a seu caráter moral interno.
***
De resto, que é que pretende a chamada educação leiga ou cívica?
Pretende, antes de tudo, colocar nas mãos do educando a ferramenta
necessária para vencer na vida, para conquistar posição social e econômica,
para acumular a maior quantidade possível de “matéria morta”, mesmo
explorando seus semelhantes, contanto que essa exploração seja praticada
dentro do âmbito da lei – e isto é possível em vasta escala. Um cidadão
perfeitamente legalizado pode ser um homem nada moralizado; como, porém,
a moralização é a verdadeira educação, pode um cidadão 100% legal ser um
homem 100% amoral. A amoralidade, porém, é o prelúdio para a imoralidade,
isto é, para a criminalidade.
Quer dizer que a chamada educação leiga ou cívica não é educação alguma; é
apenas um processo de instrução horizontal, um sistema de aparelhamento
que visa o mundo dos objetos fora do educando, e nada tem que ver com o
mundo do sujeito dentro dele. A verdadeira educação, porém, tem por fim
plasmar o caráter do educando, torná-lo melhor como ser humano, e não
apenas mais hábil como conquistador de objetos impessoais em torno dele.
Pode a instrução adestrar o homem na velha política e diplomacia de acumular
“matéria morta” ao redor de si – mas a educação ensina ao homem a nobre
filosofia de criar valores vivos dentro dele mesmo.
No seu livro Aus meinem spaeten Jahren, como já mencionamos, diz o grande
matemático Albert Einstein que a ciência ensina ao homem a descobrir os fatos
reais da natureza objetiva (das was ist, aquilo que é), mas que a filosofia lhe
ensina a criar valores subjetivos dentro de si mesmo (das was seira soll, aquilo
que deve ser). A ciência, descobrindo fatos, torna o homem erudito, mas a
filosofia, realizando valores, torna o homem bom e feliz.
A instrução é científica e desenvolve a inteligência do homem – a educação é
sapiente e molda a alma do homem. Nenhum homem deixa de ser mau por ser
inteligente, mas todo homem diminui a sua maldade na razão direta que
aumenta a sua sapiência, porque sapiência é bondade e espiritualidade.
O velho slogan de que “abrir uma escola é fechar uma cadeia” é peça de
museu. Está desmentido pelos fatos. Quase todos os grandes criminosos da
história da humanidade eram homens inteligentes, alguns deles de grande
erudição – o que não os impediu de serem grandes malfeitores. Se “escola”
fosse sinônimo de “educação”, nada teríamos que objetar; mas, por via de
regra, não é o que acontece. Ensinar a alguém o ABC e a tabuada não é o
mesmo que educá-lo. A verdadeira educação opera numa dimensão totalmente
diferente do plano da simples instrução.
***
Até aqui devem os educadores leigos estar insatisfeitos comigo, e satisfeitos os
educadores religiosos. Infelizmente, não estou em condições de manter nesses
últimos a satisfação que até aqui experimentavam. Nos institutos educacionais
particulares existe a educação religiosa, orientada por esta ou aquela igreja ou
grupo espiritual. Seria de esperar que pelo menos esse tipo de educação fosse
mais eficiente e desse a seus adeptos base mais sólida de ética individual e
social. Entretanto, as estatísticas oficiais dos países não acusam a menor
diferença, quanto à criminalidade, entre os delinquentes leigos e os
delinquentes religiosos. Prova isto que a educação religiosa, ou melhor
eclesiástica, não afeta a vida ética do homem, é algo justaposto à vida, como
elemento estranho e heterogêneo, e não organicamente entrelaçado com a
vida, como algo homogêneo à mesma. Há, naturalmente, exceções individuais,
sobretudo naquelas pessoas que ultrapassaram a simples crença dogmática e
entraram na zona da experiência íntima de Deus e da sua própria alma. Mas os
grupos religiosos como tais não provam que a educação religiosa, como ela
está sendo ministrada oficialmente, tenha exercido impacto ponderável sobre a
vida ética dos que pertencem a esses grupos.
Salvo honrosas exceções, a religião organizada, em seu setor oficial, não visa
à vida presente do homem, aqui na terra, mas tem que ver com uma vida
futura, em outras regiões do universo. Ela é, por assim dizer, além-nista e
futurista. Ela é, visceralmente, póstuma.
Os seus argumentos giram em torno do céu e inferno, palavras clássicas com
que as teologias entendem determinados lugares, futuros e distantes, que o
homem só descobrirá depois da morte. Os que na terra forem bons serão
premiados no céu, e os que forem maus serão punidos no inferno.
Aparentemente, deveriam esses argumentos moralizar o homem, aqui na terra,
afastá-lo do mal e aproximá-lo do bem – e, de fato, assim acontecia em tempos
antigos. Se o homem do século XX ainda tivesse em si aquela fé ingênua dos
seus antepassados do século XIII, exerceriam esses argumentos de céu e
inferno plena influência sobre a vida ética do homem, porque ninguém gosta de
sofrer, e todos querem gozar.
Mas em nossos tempos, esses argumentos, um dia eficientes, são ineficientes,
pelo menos para a elite pensante da humanidade. Segundo os teólogos, céu e
inferno são lugares que não existem na vida e no mundo presente, mas sim em
outras partes do universo e serão descobertos após a morte. Quer dizer que,
na vida presente, aqui na terra, tem o homem de ser bom por causa de algo
que lhe vai acontecer, daqui a 20, 40, 60, anos, em regiões ignotas e distantes,
de cuja localização ninguém pode ter certeza.
O apelo dos teólogos para essa sanção póstuma não exerce influência decisiva
sobre o homem moderno em geral. Somente os mais atrasados ou os que têm
proibição de pensar livremente, ainda se impressionam com esses argumentos;
os mais adiantados e emancipados não são por eles atingidos.
E isto por razões muito óbvias; uns não creem na existência real de céu e
inferno, como lugares geográficos ou astronômicos, uma vez que a ciência
provou, e vai provar cada vez mais, que não existe, em recanto algum do
cosmos, um lugar onde Deus esteja sentado em seu trono, rodeado de seus
anjos e santos – nem existe, debaixo ou dentro da terra, uma fogueira onde o
diabo com seus demônios e condenados estejam residindo.
Outros, que talvez creiam ainda em céu e inferno, acham que é muito cedo
para se preocuparem com isto. Um jovem pecador de 20 anos espera viver
pelo menos mais 40 anos, e depois disto, em idade avançada, começará a
pensar em como evitar o inferno e entrar no céu. E isto não lhe será difícil; as
teologias e igrejas lhe garantem que um ato de conversão – seja pela confissão
ou extrema-unção, seja pela fé no sangue do Cristo Redentor – cancelará
todas as suas maldades pretéritas. E assim, calcula o pecador, entrará ele no
céu de Deus, depois de ter gozado aqui todos os céus dos homens; espera
lograr a Deus do mesmo modo que sempre logrou os homens...
As igrejas organizadas envidam ingentes esforços para manter os seus filhos
dentro do seu sistema teológico medieval, proibindo-lhes qualquer liberdade de
pensamento, que os emanciparia da igreja. Umas exigem aceitação
incondicional de uma autoridade eclesiástica infalível, lugar-tenente de Deus;
outros impõe a seus filhos a crença em um livro infalível, mensagem direta de
Deus à humanidade. Os que, graças ao sacrifício da lógica, conseguem uma
sujeição incondicional a uma autoridade externa, viva ou morta, humana ou
papirácea, têm a vantagem de possuir pelo menos uma norma certa para a
vida ética, para si e seus rebanhos.
Mas esses crentes de olhos fechados vão rareando cada vez mais, ao passo
que os crentes de olhos abertos (que são os sapientes) se tornam cada vez
mais numerosos, graças a Deus. Infelizmente, muitos daqueles crentes de
olhos fechados que não conseguem tornar-se crentes de olhos abertos,
acabam por engrossar a turbamulta dos descrentes, também de olhos
fechados.
Não podemos construir o edifício da educação das futuras gerações sobre a
areia movediça de uma teologia medieval, cujo corpo persiste, mas cuja alma
morreu. Temos de dar-lhes uma educação construída sobre a rocha viva de
uma filosofia racional, perfeitamente lógica, e de acordo com o estado atual da
evolução humana.
Céu e inferno existem, mas não como lugares, fora de nós, como veremos
mais tarde. Não é necessário que rejeitemos essa fé quase duas vezes
milenar; trata-se de compreender melhor o conteúdo dessa mesma fé do que o
compreenderam os nossos antepassados.
O autor destas linhas crê mais firmemente na realidade do céu e inferno do que
talvez a maior parte de seus leitores. Crê, não apenas dogmática e
teologicamente, mas sabe experiencialmente que há céu e há inferno, não
como lugares astronômicos, mas como estados da alma e atitudes da
consciência.
E sobre esta profunda experiência podemos erguer o edifício sólido de uma
nova educação.
A DELINQUÊNCIA JUVENIL,
FRUTO DE UMA FALSA EDUCAÇÃO
Consta, pela estatística oficial, que, nos Estados Unidos, são cometidos
anualmente (1958), 2.500.000 crimes que chegam ao conhecimento das
autoridades. Cada 12 segundos se comete, nesse país, um crime. Desde que o
leitor iniciou a leitura deste capítulo já foram perpetrados diversos crimes, e,
quando o terminar, o número atingirá a diversas centenas.
Entre nós, no Brasil, também é alarmante a crescente onda de criminalidade,
sobretudo entre jovens de 14 a 18 anos. O mesmo acontece em diverso outros
países, sobretudo aquém do Atlântico.
A Suíça celebrou, há pouco, o 25- aniversário do último homicídio cometido,
nesse país, por um de seus cidadãos. Entre nós nem podemos celebrar o
“diário”, muito menos o “aniversário” do último crime de morte. Cada dia os
jornais estão repletos de notícias de crimes de toda espécie – e o que a
imprensa registra não corresponde sequer a 10% do que realmente aconteceu
nessas 24 horas.
Também não consta que haja qualquer diferença, no tocante à delinquência,
entre pessoas pertencentes a um grupo religioso e outras sem religião
determinada. Da mesma forma, não se pode responsabilizar esta ou aquela
forma de governo, nem esta ou aquela raça pela maior ou menor criminalidade;
nem procede a recente alegação de que o fato de existir pena de morte num
país diminua os crimes. Na Inglaterra e nos Estados Unidos há pena de morte,
são povos da mesma raça – e o fato é que o coeficiente da criminalidade é
notavelmente menor entre os ingleses do que entre os americanos. Forma de
governo, forma de religião, raça – nada disto é decisivo.
Decisivo é um determinado espírito de educação que dê ao homem elevada
ideia do valor da vida humana, e, em geral, dos deveres do indivíduo em face
da coletividade.
***
Tenho diante de mim o livro Daemon-Stadt (Cidade-Demônio) do Dr. Kurt
Gauger, médico, psiquiatra e filósofo germânico, obra em que o autor, à luz de
abundantes fatos recentes, estuda o alarmante problema da criminalidade
juvenil, e até infantil, na Alemanha e em outros países, no período que seguiu
às duas guerras mundiais. Chega à conclusão de que a presente geração,
produto de gerações anteriores e herdeira de ideologias funestas, perdeu a
noção da responsabilidade ética, porque perdeu a noção de ser parte
integrante do grande TODO, seja o TODO imediato da humanidade, seja o
TODO longínquo do Universo como tal. Uma criança de 12 anos mata seu pai
com um tiro de revólver; interrogada pelo motivo do crime, responde
cinicamente: “Matei porque quis”. Não tem o menor remorso do seu ato, diz,
porque toda pessoa tem o direito de fazer aquilo que acha interessante.
Em última análise, quem perde a visão de um TODO maior de quem ele faz
parte e que tem de respeitar, perde necessariamente a noção da ética, da
obrigação, do dever moral, porque a noção da ética se baseia na consciência
de que eu sou parte de um TODO, e que esta parte tem certas obrigações
naturais e indeclináveis para com o TODO, que tem direitos reais sobre mim.
Como se vê, o problema da criminalidade afeta o problema da ética, e este
radica no problema da metafísica, a questão da íntima natureza humana. “Que
é o homem? de onde vem? para onde vai? por que está aqui na terra?” – não é
possível dar base sólida à ética sem responder, satisfatoriamente, a essas
perguntas fundamentais da vida.
Necessitamos, não só de professores eruditos para instruir os seus alunos –
necessitamos, sobretudo, de mestres de caráter que, com a sua própria vida e
vivência, deem a seus discípulos o exemplo da dignidade do homem.
No citado livro Daemon-Stadt, págs. 122-124, reproduz o Dr. Kurt Gauger a
impressionante carta de um jovem delinquente que, à sombra da penitenciária,
escreve uma espécie de exame de consciência para os “homens honestos” do
mundo. Diz o jovem delinquente:
“Por que vós sois fracos no bem, por isto nos destes o nome de fortes no mal –
e com isto condenais uma geração contra a qual pecastes – porque sois fracos.
Nós vos concedemos dois decênios para nos fazerdes fortes – fortes no amor,
fortes na boa vontade – vós, porém, nos fizestes fortes no mal, porque sois
fracos no bem.
Não nos indicastes caminho algum que tivesse sentido, porque vós mesmos
ignorais esse caminho e vos descuidastes de procurá-lo – porque sois fracos.
Vosso vacilante „não‟ assumia atitude incerta diante das coisas proibidas; nós
demos uns gritos – e vós retirastes o vosso „não‟ e dissestes „sim‟, a fim de
poupardes os vossos nervos fracos. E a isto chamastes „amor‟.
Porque sois fracos, por isto comprastes de nós o vosso sossego. – Quando nós
éramos pequenos, nos dáveis dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos
sorvete; com isto prestastes um serviço não a nós, mas sim à vossa
comodidade – porque sois fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos
na esperança, fracos na fé.
Nós somos fortes no mau – mas as nossas almas têm apenas metade da
nossa idade.
Nós fazemos barulho para que não tenhamos de chorar por todas aquelas
coisas que deixastes de nos ensinar. Sabemos ler e contar; sabemos quantos
estamos há nesta ou naquela flor, sabemos como vivem as raposas e
conhecemos as estrutura de um pé de capim – aprendemos a ficar quietos nos
bancos de escola e apontar o dedo, a fim de contarmos coisas sobre raposas e
rosas silvestres – mas não nos ensinastes como enfrentarmos a vida.
Estaríamos até dispostos a crer em Deus, num Deus infinitamente forte que
tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons – mas não nos
mostrastes um só homem que fosse bom pelo fato de crer em Deus.
Ganhastes muito dinheiro com serviços religiosos e murmurastes orações
segundo a velha rotina.
Sr. Policial põe de parte o teu cassetete e tua pistola! Dize-nos antes o que nos
interessa saber: é verdade que amas a ordem pública a que serves? ou não
será que amas o direito que tens ao teu ordenado e à tua aposentadoria?
Sr. Ministro! Mostra-nos se é forte como homem! quantas obras boas praticas
tu, como cristão, às ocultas?
Será que nós não somos as caricaturas da vossa existência toda feita de
mentiras?
Nós somos desordeiros públicos e fazemos muito barulho – vós, porém, lutais
às ocultas, um contra o outro; estrangulai-vos comercialmente e armais intrigas
para conquistardes posições mais rendosas.
Em vez de nos ameaçardes com bastões de borracha, colocai-nos face a face
com homens de verdade, que nos mostrem qual é o caminho certo, não com
palavras, mas com a sua vida.
Mas ai! que vós sois fracos no bem! os que são fortes no bem vão para a mata
virgem e curam os negros da África – porque eles vos desprezam, assim como
nós vos desprezamos. Porque vós sois fracos no bem – e nós somos fracos no
mal.
Mamãe, vamos rezar! porque esses homens fracos estão armados de pistolas!
Como invalidar esse tremendo exame de consciência que um criminoso institui
com os „homens honestos‟ da sociedade, os que são „fracos no bem‟?
Certamente não com velhas teorias papiráceas, mas com uma nova realidade
vital...”
O FLAGELO DO PARASITISMO
E SUA CURA
É de conhecimento público, universalmente admitido e provado com inúmeros
fatos que, sobretudo nos últimos cinquenta anos, o Brasil degenerou no país
clássico do funcionamento parasitário. Centenas de milhares de pessoas vivem
à custa dos impostos do povo, sem prestarem ao país os serviços
correspondentes aos seus vencimentos. É uma clamorosa injustiça, uma
roubalheira impune e, não raro, favorecida pelas autoridades públicas.
Conheço pessoas que têm cinco empregos públicos bem remunerados, mas
não comparecem a nenhum deles; outros se dão ao “trabalho” de “assinar o
ponto”, depois vão passear ou trabalhar em outra parte, e retiram, no fim do
mês, as importâncias correspondentes a serviços não prestados, explorando a
boa-fé do povo que lhes paga com seus impostos.
É só aparecer numa cidade um funcionário público de alto coturno e logo
enxameiam os parasitos, parentes, amigos, afilhados, os partidários políticos,
as amantes, e cada um deles é nomeado para um cargo, muitas vezes
inexistente; o principal é que conste no papel, uma vez que estamos na época
da papirocracia onipotente.
Esse cancro do parasitismo explorador é, hoje em dia, considerado, quase
universalmente, como situação normal e inevitável.
Conforme o Diário de São Paulo de 22-8-1958, o presidente Juscelino
Kubitschek declarou à imprensa: “Não é possível governar de uma cidade (Rio
de Janeiro) onde residem 220 mil dos 300 mil servidores federais do Brasil
todo. Três quartas partes desses funcionários vegetam na capital atual,
atrapalhando, e nada mais, a administração central. Quem nada faz estorva.
Além do mais, contou o chefe da Nação que os presidentes dos Institutos de
Previdência podem mais do que o da República. Criam cargos, nomeiam quem
entendem, e nem são obrigados a publicar as nomeações no Diário Oficial.
Penso com os meus botões em mais de uma barbaridade do estapafúrdio
calamitoso regime, que desgraçou a nação durante quinze anos e mais cinco”.
Se três quartas partes dos 300 mil funcionários federais apenas vegetam, sem
fazer nada, estorvando ainda a administração, então temos, só no
funcionalismo federal, 23,5 mil parasitos ou ladrões que são mensalmente
pagos com os impostos do povo, cometendo assim clamorosa injustiça,
durante anos e decênios.
E que dizer de outras categorias de funcionários que não funcionam?
A ideia calamitosa de que os impostos do povo têm por finalidade precípua a
manutenção de um exército de funcionários que apenas “vegetam e nada
fazem”, passou a fazer parte integrante da nossa política e diplomacia pseudo
democrática. Se o povo soubesse o que se passa por detrás dos bastidores e
como são malbaratados os dinheiros tão arduamente ganhos por ele, e se
tivesse meios para prevalecer contra os responsáveis por esses crimes,
ensanguentaria o país com uma guerra civil...
Excusado é dizer que não incluímos nessa censura os funcionários honestos e
corretos, que, felizmente, ainda existem no Brasil, embora em minoria – 25%
entre os funcionários federais, segundo a declaração do Sr. Juscelino
Kubitschek. Mas não é calamitoso que 75% sejam ladrões e exploradores das
economias do povo?...
***
Essa praga do parasitismo não pode ser erradicada eficientemente por
nenhuma medida legislativa ou coercitiva, embora essas medidas sejam
necessárias para evitar maiores males. O grande mal está na falência das
consciências. A desenfreada adoração do “deus-dinheiro” derrotou todas as
considerações de ordem moral. Bom é aquilo que dá dinheiro; ótimo é aquilo
que dá rios de dinheiro sem trabalho algum – é esta infeliz mentalidade que
tomou conta do país.
Enquanto o homem não passar por uma profunda reforma interior, as reformas
externas, embora necessárias, são precárias e ineficientes.
A reforma interior, porém, supõe algo que não está em nossos códigos nem se
leciona nas Faculdades de Direito. Supõe um conhecimento de si mesmo e
uma inexorável fidelidade a esse Eu superior e divino do homem, porque esse
EU divino no homem, o seu Cristo interno, exige imperiosamente equivalência
entre a remuneração pecuniária e o serviço prestado. Quem recebe um
ordenado mensal e não presta ao povo e ao país o serviço correspondente a
essa importância, é ladrão, é explorador, é réu de uma injustiça, seja qual for o
seu posto – presidente, governador, prefeito, juiz, senador, deputado, vereador,
professor, ou simples funcionário de uma autarquia ou varredor de ruas.
Mesmo no caso que o direito humano absolva esse réu, perante a justiça do
universo continua ele culpado.
Ora, cada injustiça cometida é uma degradação do individuo que a comete,
quer a lei humana a aprove, quer desaprove. O indivíduo que comete injustiça
vai perdendo parcela do seu valor, acabando, dentro de alguns anos ou
decênios, em completa falência moral, embora se tenha talvez enriquecido,
materialmente, com o produto dos seus roubos. Naturalmente, se esse ladrão é
analfabeto em matéria de conhecimento próprio e auto-realização, será
impossível fazer-lhe compreender o seu triste estado; se tornou milionário à
custa do suor do povo, quem lhe provará que é um desgraçado?
Entretanto, essa impossibilidade de provar-lhe esse fato e colocar-lhe diante
dos olhos o autêntico retrato da sua fealdade não invalida o fato dessa sua
fealdade.
Esse homem vai acumulando dentro de si um karma cada vez maior, um débito
moral que tem de ser neutralizado, consoante a inexorável justiça da
Constituição Cósmica. Mas a neutralização desse débito acumulado em 10, 20,
50 anos de abusos acarretará sofrimentos inevitáveis, seja no mundo presente,
seja em existências futuras. Ninguém sairá do cárcere enquanto não houver
pago o último vintém, segundo as palavras do maior dos mestres da
humanidade. A Constituição Cósmica é um fato, e não uma fantasia. Ninguém
pode derrubar o Himalaia com a cabeça! ninguém pode prevaricar
impunemente contra as leis eternas da verdade e da justiça!...
O funcionário parasito e explorador só tem um caminho para se redimir: ser
consciencioso e prestar ao povo os serviços pelos quais é pago, e restituir-lhe
o produto dos roubos anteriores, conforme o exemplo de um grande explorador
de que nos fala o Evangelho, Zaqueu de Jericó, que, reconhecendo o seu triste
estado, declarou ao Nazareno: “Se defraudei alguém, restituo quatro vezes
mais, e, ainda por cima, dou aos pobres metade da minha fortuna”. E disse o
divino Mestre a esse ex-explorador: “Hoje entrou a salvação nesta casa!”
***
Os livros sacros de todos os povos apelidam de “insensato” ou “tolo” o homem
injusto e pecador – e não têm eles razão? Não é tolice e insensatez entrar em
conflito com as leis eternas? onerar-se de enormes desvantagens remotas por
causa de umas pequenas vantagens imediatas? A mentira, a fraude, a
injustiça, qualquer pecado ou crime, proporcionam, quase sempre, determinada
vantagem imediata, e é precisamente por causa dessa vantagem que o
delinquente pratica o mal. Se o pecador, burlando a lei eterna e auferindo daí
certa vantagem imediata, pudesse passar impune para sempre,
definitivamente; se, depois de embolsar o fruto do seu roubo, nenhum mal lhe
acontecesse, nenhum sofrimento o aguardasse, por parte de um Supremo
Tribunal extra-humano – então – seria ótimo negócio ser mau, injusto,
desonesto, explorador, ganhar muito sem trabalhar nada. Mas, queiramos ou
não queiramos, o universo é um “cosmos”, um sistema de ordem e harmonia, e
não um “caos” de desordem e confusão. A Constituição Cósmica do Universo
exige imperiosamente a prática da Verdade, da Justiça, do Amor, da
Solidariedade, da Honestidade. Pode, certamente, a criatura livre violar essa
lei, mas as consequências dessa infração se voltam infalivelmente contra o
infrator, em forma de sofrimento de qualquer espécie. O sofrimento é o eco
automático a qualquer violação da lei cósmica. E ninguém sabe quantos anos,
decênios ou séculos correspondem a cada violação. O certo é que essa
dolorosa sanção existe – tão certo como é certo que o Universo é um Cosmos.
Ora, é evidente estupidez provocar enormes sofrimentos, embora talvez
remotos, para gozar de uma pequena vantagem imediata. E, por outro lado, é
real sabedoria renunciar a uma vantagem de momento e, assim, não provocar
sofrimento futuros.
Ninguém pode fugir à lei férrea de causa e efeito; uma vez posta a causa,
segue-se o efeito com inelutável necessidade. O universo se reequilibra
automaticamente – mas esse reequilíbrio é doloroso para o delinquente. Não
seria melhor não tentar desequilibrar o equilíbrio da justiça cósmica?
O educador deve fazer ver a seu educando esse fato, o qual, admitindo ou não,
continua a vigorar.
Ser bom, justo, honesto, verdadeiro, é, não raro, doloroso, na vida presente,
por causa do falso ambiente geral da vida humana, criado por nossa
pseudocivilização. Mas, em qualquer hipótese, ser bom, justo, honesto,
verdadeiro, é, em última análise, ser feliz, embora essa felicidade íntima seja,
por ora, circundada de sofrimentos. Fundamentalmente, ser bom é ser feliz, e
ser mau é ser infeliz. Podemos enganar os homens – mas ninguém pode
enganar a lei eterna e sua própria consciência.
Só quem aplaina a seu educando os caminhos para essa compreensão da
verdade suprema é que o glorioso nome de educador.
BASES PARA UMA NOVA
EDUCAÇÃO
Verificamos que tanto a educação leiga como religiosa se revelaram
ineficientes para dar ao homem do presente século uma base sólida da vida
ética. Ambos esses tipos educacionais apelam para motivos externos, situados
fora do homem, para darem ao seu sistema ético uma sanção eficaz. Em
tempos idos, exerciam esses motivos externos – lei, polícia, céu, inferno –
impacto suficiente sobre o caráter humano, e ainda em nossos dias têm eles
certa eficácia sobre pessoas de pouca anatomia intelectual e espiritual. Mas,
para a elite da humanidade, deixaram esses argumentos de oferecer base
suficiente à vida ética. A verdade em si é absoluta, não há dúvida, mas o modo
como o homem a apreende é relativo – e é precisamente esse relativismo em
face da verdade absoluta que decide sobre a sua maior ou menor eficácia na
vida, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo o modo do
cognoscente”.
E, com isto, enfrentamos um problema aparentemente insolúvel; vemo-nos
como que à beira de um abismo fatal.
Que outro motivo poderia o homem ter para ser bom e deixar de ser mau? Se
não tem que temer os castigos dos homens nem de Deus, por que não praticar
o mal, quando o mal dá, quase sempre, uma vantagem imediata, ao passo que
a prática do bem acarreta, não raro, desvantagens imediatas?
Confessamos que a nossa situação é difícil, não por causa de si mesma, mas
por causa do ambiente em que a humanidade, sobretudo a humanidade cristã
do Ocidente, vive e foi educada, há quase dois milênios. Neutralizar uma
ideologia multissecular – quem o ousaria tentar?... Com que substituiríamos os
motivos tradicionais, externos, que davam ao homem de ontem certa
segurança e estabilidade? Se o homem deixa de sentir o impacto dos velhos
argumentos, que novo argumento lhe podemos oferecer?
O ponto de referência, a norma central para a nova educação deve ser algo
interno, algo dentro do próprio homem. Temos de passar da transcendência
para a imanência educacional – e é precisamente aqui que começa a grande
escuridão...
Que ponto de referência, que novo centro de gravitação é esse?
É a dignidade, o valor intrínseco do próprio homem; o homem deve, livre e
espontaneamente, evitar o mal e praticar o bem, não por causa de um punidor
fora dele – humano ou divino –, mas para não ofender a sua própria pureza e
santidade, para não profanar a sua nobreza e sacralidade, para não
desvalorizar o seu grande e imenso valor humano. O homem deve ter de si
mesmo uma reverência e um respeito tão grande que prefira sofrer qualquer
injustiça da parte de outros a cometer uma injustiça ele mesmo – e por isto não
por motivos de ética dualista e tradicional, mas por causa dessa misteriosa
metafísica e mística centralizadas no mais profundo reduto da sua própria
natureza humana.
Mas, para que o homem possa ter de si tão grande ideia, deve ele ter noção
exata e nítida da sua verdadeira natureza – e é precisamente aqui que começa
a grande dificuldade! A noção que quase todos nós temos de nós mesmos, e
que nos foi incutida desde a infância, é tão infeliz que, logo de início, parece
frustrar qualquer tentativa de modificação radical.
Foi-nos dito, e redito, pelas mais poderosas organizações que navegam sob a
bandeira do cristianismo, que somos essencialmente maus, pecadores desde o
nascimento, mesmo desde o momento da nossa concepção.
Tão profundamente arraigada na consciência cristã do Ocidente se acha essa
idéia de que em pecado fomos concebidos, em pecado nascemos e pecadores
somos por nossa íntima natureza humana – que o fato de ter aparecido sobre a
face da terra uma pessoa de “imaculada concepção” mereceu as honras de um
dogma religioso de vasta repercussão. Dizer a um cristão ocidental que
também ele foi concebido sem pecado, que todos os seres humanos entraram
na existência puros como a luz – isto é considerado como abominável heresia
e blasfêmia, porque as teologias de quase vinte séculos são contrárias a essa
verdade.
Outros, menos dogmáticos, estariam dispostos a aceitar essa verdade da
imaculada conceição de todos os homens se, no parecer deles, semelhante
ideologia não alimentasse e hipertrofiasse perigosamente o egoísmo e a
presunção do homem, como eles dizem.
Felizmente, temos a nosso favor o maior mestre espiritual da humanidade, que
proclama explicitamente a pureza natural de todo homem, que não conhece
nenhum pecado herdado, mas tão-somente pecados cometidos pelo próprio
homem adulto.
Quanto ao receio de que essa ideologia favoreça o orgulho do homem,
veremos mais tarde de que essa ideia é filha da ilusão e de uma deplorável
falta de conhecimento da verdadeira natureza do homem.
Uma coisa é certa: que nenhuma educação eficiente é possível enquanto o
homem viver na convicção de que ele é um ser essencialmente mau e que só
pode ser feito bom por obra e mercê de terceiros.
Pedimos ao leitor que preste atenção, muita atenção, ao tremendo ilogismo
que vai neste conceito: eu sou essencialmente mau e pecador, em virtude da
minha íntima natureza humana; sendo isso verdade, como poderei deixar de
ser mau? Só deixando de ser o que sou e tornando-me o que não sou. Devo
deixar de ser verdadeiro homem – que é intrinsecamente mau – e tornar-me
um ser totalmente diferente do que sou por natureza; isto é, tenho de me
desnaturar a fim de poder ser bom. De maneira que o meu subsequente
homem bom, que serei, não é idêntico ao primitivo homem mau, que sou; esse
homem bom não é o mesmo que foi concebido e nasceu como sendo eu; pois
esse primitivo eu, essencialmente mau, deixou de existir, cedendo o lugar a um
outro eu, que é bom. Quer dizer que me tornei bom à custa de uma radical
abolição, ou total apostasia, do meu verdadeiro eu. Tive de me falsificar 100%
a fim de poder ser bom, pois o meu primitivo eu era 100% mau, e 100% de
maldade nunca poderá converter-se em 100% de bondade. Quer dizer que
esse subsequente eu bom é um pseudo-eu, e somente graças a esse “pseudo”
(palavra grega para “mentira”) é que eu sou bom; a mentira a mim mesmo me
fez bom; a infidelidade à minha própria natureza humana fez com que eu me
tornasse um homem bom. Se eu ficasse fiel a mim mesmo, seria mau; mas,
como cometi infidelidade contra mim mesmo, consegui tornar-me bom.
Que admira que, em face de tão monstruosa falta de lógica e de bom senso, o
homem espiritual seja considerado por muitos como um pseudo-homem, um
homem desnatural, um homem falsificado? E que admira que muitos prefiram
ser “naturalmente maus” a serem “desnaturalmente bons”?
Felizmente, esse ilogismo é apenas da teologia de certos cristãos, e não do
Evangelho do Cristo; à luz do Evangelho pode o homem ser “naturalmente
bom”, e, se não o for, é “desnaturalmente mau”. O maior mestre da
humanidade não conhece espiritualidade anti-humana nem humanidade anti-
espiritual; para ele, o homem plenamente humano é plenamente espiritual,
bom, divino; e, se o homem não é espiritual, bom, divino, é porque não é
suficientemente humano e natural. O “filho do homem” é o “filho de Deus”.
Sobre a base estritamente unitária do Evangelho do Cristo, é possível erigir o
edifício da nova educação – mas sobre a base dualista das nossa teologias
eclesiásticas não é possível construir algo de sólido. Fora da lógica não há
salvação, porque a lógica é o próprio Deus, ele, o divino “Lógos”, como diz o
quarto Evangelho.
Felizmente, não é verdade que o homem seja essencialmente mau. A sua
maldade é periférica, a sua bondade é central. E, precisamente por ser
periférica, a maldade do homem é amplamente conhecida, ao passo que a sua
bondade, por ser central, é ainda profundamente desconhecida. O elemento
bom no homem é como a energia nuclear recatada no âmago do átomo e que
exige grande esforço para ser extraída e manifestada.
Aliás, todos os grandes mestres espirituais da humanidade reconhecem a
intrínseca bondade do homem.
***
Aqui é que enfrentamos uma das mais importantes distinções da verdadeira
filosofia perene, o conceito do potencial e do atual. O homem é potencialmente
bom, embora possa ser atualmente mau. A potencialidade do seu ser é a sua
íntima natureza. Todo homem é muito mais aquilo que é potencialmente do que
aquilo que é atualmente. Todo homem é antes a sua atitude permanente do
que os seus atos intermitentes. Uma semente é potencialmente a planta que
dela vai brotar, embora não seja ainda atualmente essa planta. A verdadeira
natureza de uma semente de palmeira é a palmeira que dela nascerá. A
“natura” é a coisa “na(sci)tura”, isto é, aquela coisa que vai nascer.
A potencialidade é, pois, a íntima natureza de um ser, a sua verdadeira natura
ou natureza.
A íntima natureza do homem não é o seu corpo, revelado pelos sentidos, nem
é o intelecto, manifestado pelos pensamentos; a íntima natureza do homem é a
sua razão (alma), que se revela pela intuição espiritual, porque essa razão é a
suprema potencialidade do homem, aquilo que ele é intrinsecamente, embora
não o tenha revelado ainda extrinsecamente.
Sendo, pois, que a razão intuitiva, ou alma, é a própria essência do homem, e
essa essência é boa, pura, divina, segue-se que a íntima natureza do homem é
boa, que o homem é essencialmente bom, porque a alma humana é Deus no
homem, “o reino de Deus no homem” (Jesus), “o espírito de Deus que habita
no homem” (São Paulo), “participação da natureza divina” (São Pedro), “a luz
verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo” (São João
Evangelista), “a alma humana é crística por sua própria natureza” (Tertuliano),
“a voz silenciosa” (Gandhi), “a luz interna” (os místicos).
Razão, alma, consciência, espírito, voz, luz de dentro – todas essas palavras
significam a mesma realidade, o último e mais profundo centro do homem, em
torno do qual giram todas as periferias da sua vida externa.
Essa essência central do homem é idêntica à essência do próprio Universo. A
alma humana (razão, consciência) é o ponto de contato em que o microcosmo
individual se encontra com o macrocosmo universal; e a lei que rege este rege
também aquele – lei de absoluta e incondicional solidariedade.
Quando o homem individual permite que a mesma lei que rege o Universo fora
dele seja vitoriosa também no Universo dentro dele, então o homem é bom.
Ser bom é sintonizar o grande Além-de-dentro pela harmonia do grande Além-
de-fora. O homem bom é essencialmente um homem cósmico.
O homem é bom quando estabelece e mantém perfeita sintonia entre o seu
modo de ser e agir e o espírito da Constituição Cósmica, entre a sua
consciência individual e a Consciência Universal, entre a sua alma humana e a
alma do Cosmos.
A verdadeira ética (agir) é o reflexo fiel da mística (ser). O homem bom age de
conformidade com o que ele é; é fiel a si mesmo. O homem mau age de um
modo diferente daquilo que ele é, é infiel a si mesmo, porque nunca descobriu
a sua natureza divina.
O homem bom essencializa a sua existência. A sua essência é divina, a sua
existência é humana. Esse homem diviniza a sua humanidade. Faz a sua
existência humana à imagem e semelhança da sua essência divina.
Poderá um homem desses ser egoísta? vaidoso? orgulhoso? Se o que nele há
de bom e puro é da essência divina, e não da existência humana, como
poderia o homem orgulhar-se de algo que é de Deus?
Orgulhar-se de elementos da existência humana é pecado.
Orgulhar-se do espírito da essência divina é redenção.
O pecado vem da ignorância – a redenção vem da sapiência.
“Homem! conhece-te a ti mesmo – e serás bom!”
“Sede perfeitos – assim como perfeito é vosso Pai que está nos céus.”
ENTRE LÚCIFER E LÓGOS
Vimos que, para iniciar novos rumos para a educação, é indispensável que o
educador tenha noção exata da natureza humana, saiba distinguir as periferias
existenciais do educando, do centro essencial do mesmo; e, acima de tudo,
requer-se que o educador, além de versado na teoria, também viva
praticamente essa verdade.
Não é possível realizar uma educação eficiente sem ter uma visão unitária do
homem. O ser humano é uma unidade harmoniosa, mas que, na sua
superfície, aparece, quase sempre, desarmonizada.
Quem é que estabelece divergência e infidelidade entre o interno ser e o
externo agir do homem, frustrando assim a grande obra da educação?
Esta pergunta nos põe no início da grande encruzilhada, onde se bifurcam os
caminhos da velha teologia eclesiástica e da nova filosofia cósmica. Nova?
Não, essa filosofia cósmica é a filosofia perene de todos os séculos e milênios,
tão antiga como a própria humanidade; mas essa filosofia é privilégio de uns
poucos iniciados, ao passo que a turbamulta dos profanos segue os dogmas de
uma teologia dualista e dispersiva, que não permite uma educação eficiente e
racional. O que a velha teologia consegue é impor-se ao homem, assim como o
ditador se impõe a seus súditos. A verdadeira educação, porém, não é nem
pode ser um regime ditatorial; e cada vez menos é possível considerar o
educando um autômato cujo único dever seja cumprir ordens emanadas de
uma autoridade suprema, externa. O homem de hoje não quer apenas cumprir
ordens, quer saber das últimas razões por que deve fazer isto e deixar de fazer
aquilo. Não quer agir em virtude de uma compulsão externa, mas sim em
virtude de uma compreensão interna.
A divisão usual do homem é entre corpo e alma. A palavra corpo é tomada
como idêntica à matéria, e sobre o vocábulo alma existem tantas sentenças
quantas cabeças.
É doutrina quase geral que é a alma que peca (uns chegam ao absurdo de
atribuir pecabilidade até ao corpo); acham que é a alma que se torna má e
antidivina, e que, se não se converter, vai ser eternamente condenada ao
sofrimento. E o ilogismo culmina no absurdo de que, um dia, o próprio corpo,
esse corpo-matéria, ressuscitará e participará do eterno sofrimento da alma, e
que Deus, esse Deus-Amor, se deliciará eternamente com os sofrimentos de
milhões e milhões de filhos seus.
Há, nessa concepção, tantos erros quantas palavras. Excusado é dizer que
sobre alicerce tão incerto não se pode erigir uma educação sólida que resista
ao impacto de um pensamento racional e espiritual.
A verdade é que nem o corpo nem a alma pecam. Quem peca no homem é o
seu intelecto, o seu lúcifer, a sua serpente, e não a sua alma, que é o “espírito
de Deus que habita no homem”.
O intelecto, ou inteligência, revela-se pelo ego, ou pessoa (persona) do
homem. Esse ego-persona é o homem físico-mental-emocional.
A razão ou alma manifesta-se pelo EU, que é o indivíduo ou a individualidade
humana.
As palavras latinas “persona” e “indivíduo” dizem admiravelmente o que
significam. “Persona”, em latim, quer dizer “máscara”. A “persona” (de per e
sonare, soar ou falar através) era a máscara que, no tempo do império romano,
usavam os atores no palco e através de cuja boca aberta falavam. Por detrás
dessa “persona” estava o “indivíduo”, ou seja, o homem que desempenhava o
papel representado pela máscara.
“Indivíduo” quer dizer “indiviso”, não-dividido, não-separado. A individualidade
do homem é aquilo que o faz um ser indivisível em si mesmo (em grego,
átomos) e também indivisível ou inseparável do grande Todo, da Alma do
Universo. Por ser indivíduo, o homem é um ser estritamente uno e unitário, e
por isto mesmo parte integrante do Universo.
O homem não está separado do grande Todo, nem é idêntico a esse TODO,
mas é dele distinto. O dualista separa o homem do grande Todo; o panteísta o
identifica com ele; mas o verdadeiro universalista (que modernamente,
segundo o filosofo germânico Krause, se chama pan-en-teíta) sabe que o
homem não pode jamais estar separado do grande TODO, nem pode ser
idêntico a ele. A separação equivaleria a um suicídio violento, uma vez que
nenhum efeito pode subsistir sem a causa-prima; a identificação seria uma
espécie de suave eutanásia, em que o finito se diluiria totalmente no Infinito,
nirvanizando o seu existir individual no Ser Universal. Tanto nesta como
naquela hipótese, o indivíduo humano deixaria de existir como indivíduo,
aniquilando-se, ou no Nada ou no TODO.
O que une o homem ao TODO é a sua essência, que é a própria essência do
TODO; o que distingue o homem do TODO é a sua existência. Se o homem
fosse apenas essência universal (divina) seria ele o próprio Deus, o Universal;
se fosse apenas existência individual (humana), sem nenhum fundo de
essência universal, seria um puríssimo Nada, o Irreal, o Vácuo, porque
nenhuma existência individual tem realidade em si mesma, se não estiver unida
à essência universal. Assim, por analogia, um indivíduo vivo não seria vivo se
não estivesse unido à Vida Universal. A única razão por que uma existência é
viva é porque participa da essência da Vida Universal.
A essência universal é o Real; as existências individuais são os realizados. O
profano e insipiente considera os objetos existentes como sendo reais, auto-
reais, reais em si mesmos; mas a realidade do mundo objetivo não tem caráter
autônomo, senão apenas heterônomo; os objetos não possuem realidade
absoluta, original, senão apenas realidade relativa, derivada, assim como a
nossa terra possui luz emprestada pelo sol, ou assim como uma figura refletida
no espelho possui realidade derivada do objeto, em sentido oposto, e se reflete
no espelho. Nenhum objeto existencial é auto-real, todos são alo-reais, ou
realizados.
Afirmar que os objetos sejam irreais, puros nadas e simples ilusões, como
afirmam certos sistemas metafísicos, antigos e modernos, é falta de lógica; os
objetos não são reais nem irreais – são realizados, isto é, possuem uma
realidade derivada, heterônoma, assim como reflexos num espelho, que
desaparecem no mesmo instante em que a coisa refletente deixa de se refletir.
Donde se segue que nenhum indivíduo pode existir por um instante sequer, se
não estiver unido ao Universal da essência.
A inteligência humana, porém, em virtude da sua relativa imperfeição, cria a
ilusão de poder existir independentemente do Ser Absoluto; pode mesmo
desejar essa existência autônoma, ou pseudo-autônoma, porque a inteligência
é uma faculdade visceralmente separatista ou egocêntrica; julga possível
estabelecer um reino à parte e ser soberana autônoma nesse reino. A
inteligência é, por sua natureza, centrífuga, rebelde, dispersiva, vivendo na
ilusão de poder existir e agir separada da Essência Cósmica – como se uma
onda do mar pudesse existir sem o mar, como se a luz colorida pudesse existir
sem a luz incolor que lhe deu origem e dá continuação.
A inteligência é profundamente “narcisista”, auto-adorante – e é precisamente
nessa tendência “narcisista” que se baseia a ideia do pecado. Quem peca no
homem é a inteligência, revelada pelo ego, ou persona. Pecado não é possível
sem ilusão, e a ilusão nasce da ignorância. Sendo que a inteligência é semi-
ignorante e semiciente, espécie de penumbra ou sem luz, é-lhe possível criar e
manter essa atitude separatista, embora a separação real seja impossível sem
o aniquilamento. Objetivamente, todo o indivíduo está unido ao Universal; mas
subjetivamente pode o indivíduo sentir-se separado do Universal, que é o
grande TODO, ou Deus.
Essa tendência separatista da inteligência relativamente ao TODO Universal
revela-se, cotidianamente, no pendor separatista do ego intelectual com
relação aos outros egos, seus semelhantes. Uma vez que o ego julga poder
separar-se de Deus, e até opor-se a ele, julga-se também autorizado a separar-
se dos homens, ou opor-se aos mesmos. Separatismo na vertical gera
separatismo na horizontal. Falta de senso místico cria falta de senso ético.
Quem não se sente harmonizado com o grande TODO, não sente harmonia
entre si e as outras partes desse TODO. Perdido o senso de união com as
partes relativas, que são os outros seres humanos, e até os seres infra-
humanos da natureza. A apostasia da mística vertical produz, cedo ou tarde, a
apostasia da ética horizontal. Ou, na linguagem do mestre de Nazaré, quem
não ama a Deus com toda a alma, com todo o coração, com toda a mente e
com todas as forças, também não pode amar o próximo como a si mesmo,
porque ninguém pode fazer o “segundo” sem fazer o “primeiro”.
Por isto, é profundamente ilusório todo e qualquer sistema de educação que
tente ser puramente social ou ético, prescindindo do elemento místico.
A princípio, todo educador tem a impressão de que educação nada tenha que
ver com metafísica e mística, que parecem ser ocupação abstrata e longínqua,
sem nexo real com a vida humana de cada dia. Enquanto o educador alimentar
essa ilusão, não tem base real e sólida para uma educação eficiente.
O educador de hoje tem de ser um filósofo, um metafísico, um místico...
Para que o educador possa dizer, com segurança, 10% aos outros, deve ele
possuir em si mesmo 100% de sabedoria experiencial. Tem de saber muito
para poder dizer pouco. Tem de ter em si um grande capital de reserva
experiencial (90%) para que possa pôr em circulação uma pequena parcela do
mesmo (10%). Só quem sabe muito, por experiência íntima, é que pode falar
com poder e autoridade, e dizer devidamente o pouco que a prudência lhe
permita dizer.
O que o educador diz deve ser como que um transbordamento espontâneo
daquilo que ele é. O “ser” é a fonte e base do “dizer”.
ESSENCIALIZANDO A EXISTÊNCIA
Quase todo o Ocidente vive na ideia de que filosofia tenha que ver com o
mundo em derredor. Há pouco, quis assistir a um congresso de filosofia
reunido numa das nossas grandes capitais; mas não fui, porque verifiquei pelo
programa publicado que, nesse congresso de filosofia, se trataria de tudo –
menos de filosofia.
A filosofia tem por objeto o homem, e não o mundo.
Também a religião focaliza o homem, mas fá-lo de outro modo que a filosofia,
porque manda que o homem creia numa realidade invisível, a fim de ter a
experiência da mesma após-morte; lida, pois, com argumentos póstumos.
A verdadeira filosofia, porém, trata do homem total, no espaço, do homem-
razão, do homem-intelecto e do homem-corpo, do homem aqui na terra e em
qualquer outro ambiente do universo. O céu ou o inferno do homem podem ser
criados agora e aqui mesmo, e são produtos do próprio homem, e não
creações de Deus.
Todo homem bom cria o seu céu agora e aqui, como também para sempre e
por toda parte.
Todo homem, como já dissemos, é bom em virtude de sua essência divina (o
EU), que também se chama alma, consciência ou razão intuitiva. Mas essa
essência divina da alma, essa “luz do mundo” pode ser ofuscada pela
existência humana (o ego). Quer dizer que o homem essencialmente bom pode
ser existencialmente mau – como também pode ser existencialmente bom. O
grande erro de muitos teólogos está em confundirem o homem
existencialmente mau com o homem essencialmente mau, aduzindo até
palavras de Jesus para comprovar o seu erro: “Vós, que sois maus...” O divino
Mestre fala, nessa ocasião, de homens adultos que, pelo abuso da sua
liberdade, se haviam feito existencialmente maus, e não de homens
essencialmente maus, que ele ignora totalmente.
Toda a verdadeira educação consiste em que o homem faça a sua existência à
imagem e semelhança da sua essência; que essencialize a sua existência; que
verticalize as suas horizontalidades; que divinize a sua humanidade; que faça o
seu externo agir tão bom e puro como é o seu interno ser. Deve o homem fazer
a sua vivência ética tão boa como é a sua experiência mística.
O principal é que o homem creia em si mesmo, que seja fiel a si mesmo. É
necessário, antes de tudo, que o homem tenha a firme convicção de que há
nele um elemento bom, puro, divino, sobre o qual ele possa – e pode –
assentar os alicerces do seu edifício ético. Nenhum arquiteto sensato constrói
um edifício sobre pântano ou areia movediça.
Infelizmente, repetimos, a nossa teologia ocidental nega ao educando, e
também ao educador, esse fundamento firme, porque ensina, há séculos, que
o homem é essencialmente mau, pecador, negativo, antes mesmo de nascer.
Confunde o ego periférico do homem com o seu EU central, cometendo o
mesmo erro que Tomas Hobbes e outros filósofos empíricos costumam
cometer, afirmando que o homem é egoísta por natureza, e egoísta sempre
será; que ninguém o pode “desegoficar”; que todo o chamado “altruísta” não
passa de um egoísta disfarçado, de um detestável hipócrita, e que os governos
têm a única função de manter o inextirpável egoísmo dos indivíduos dentro de
certos limites toleráveis, para que possa haver uma relativa paz social. Quem,
como esses filósofos, identifica a íntima natureza humana com o seu ego
periférico – físico-mental-emocional – não pode, naturalmente, admitir que haja
no homem algo realmente bom, puro e divino.
Nós, porém, sabemos, de acordo com todos os grandes mestres da
humanidade, que o homem, na sua íntima essência é bom, uma vez que a
íntima essência dele é “ a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a
este mundo”, e brilha em todo ser que sai das mãos do Criador. “A luz brilha
nas trevas, mas as trevas não a prenderam” – a luz da essência divina brilha
em todas as trevas das existências humanas, e também infra-humanas; mas
nenhuma dessa trevas das existências criadas consegue “prender”, ofuscar,
extinguir a luz da essência divina que nelas está.
Se o homem fosse essencialmente mau, não haveria nenhuma possibilidade
de o tornar realmente bom – nem mesmo o mais divino e poderoso dos
redentores o poderia redimir da sua intrínseca maldade e conferir-lhe bondade
real, porque essa “redenção” ou “conversão” equivaleria a uma verdadeira e
total destruição do próprio ser humano, substituindo a sua “essência má” por
uma “essência boa”.
Ora, à luz da psicologia do Ocidente, da filosofia do Oriente, e à luz do próprio
Evangelho de Jesus Cristo, não há nenhuma substituição do homem mau pelo
homem bom; há uma conversão do homem existencialmente mau no homem
existencialmente bom, e este processo de conversão é possível unicamente
sobre a base do homem essencialmente bom; porquanto, ninguém se pode
tornar explicitamente o que não é implicitamente, nenhuma semente se pode
tornar atualmente uma palmeira se potencialmente ela não é palmeira;
nenhuma semente se pode tornar atualmente viva se ela não é potencialmente
viva. A transição do estado potencial (implícito) para o estado atual (explícito)
não é uma transição do não-ser para o ser, mas é a transição de um estado de
ser imanifesto para um estado de ser manifesto; não é uma criação ex nihilo,
mas uma revelação de algo, de algo que já existia encoberto, e agora passou a
ser descoberto. Se o homem pode tornar-se manifestamente bom é prova de
que ele, antes dessa manifestação, já era ocultamente bom. Ninguém se torna
o que não é!
O homem existencialmente bom realiza o feito máximo da sua vida, permeando
a sua vivência humana com a sua essência divina, assim como uma luz interna
permeia totalmente de si um límpido cristal colocado diante dela. Se
colocarmos uma luz por detrás duma parede opaca, haverá sombra do lado
oposto – é o símbolo do homem existencialmente mau que não deixou
penetrar-se pela luz da essência divina que nele está; a sua opacidade é o seu
grande pecado, porque ele podia fazer com que essa opacidade profana fosse
transparência sagrada. “A luz verdadeira ilumina a todo homem que vem a este
mundo – e os que recebem essa luz se tornam filhos de Deus”. A luz divina
está em todo homem, mas nem todos a “recebem”, nem todos se tornam
receptivos, nem todos fazem-na permear-na e penetrar a sua vida, e por isto
ficam na sombra da sua culpável maldade.
Os nossos teólogos eclesiásticos negam a realidade da luz divina no homem –
e isto a despeito das declarações reiteradas e explícitas do divino Mestre e dos
seus grandes discípulos. “Vós sois a luz do mundo”, declara Jesus, depois de
haver afirmado “Eu sou a luz do mundo”. Declara que seus discípulos são, na
sua essência, a mesma luz divina que ele é. E João Evangelista declara que
essa “luz verdadeira”, do divino Lógos (o Verbo) ilumina a todo e qualquer
homem que vem a este mundo.
Se não reside no homem nenhum elemento bom, não pode haver verdadeira
educação, porque “educação”, repetimos, quer dizer “edução”. Educar é eduzir,
isto é, conduzir para fora. Só se pode eduzir o que está dentro. Na opinião dos
teólogos ocidentais, há indução em vez de edução; o elemento bom deve ser
induzido, introduzido, injetado ou impingido ao homem, de fora para dentro,
como algo externo e alheio à sua natureza, como um aditamento posterior ou
uma substituição. Neste caso, o homem educado se torna bom graças a uma
infidelidade a si mesmo; despoja-se do que é dele e recebe o que não é dele,
porque, nessa suposição, o elemento bom não existe nele, mas vem-lhe de
fora, de uma fonte alheia e heterogênea. Assim, como já foi dito, a educação
(ou antes, inducação) seria uma adulteração do educando; o homem falsificado
é que seria o homem bom.
***
Acham os defensores do homem essencialmente mau que, se admitirmos o
homem essencialmente bom, criamos nele um complexo de orgulho ou
autocomplacência, fazendo dele um enfatuado egocentrista, um pelagiano ou
um homem que espera redenção de si mesmo, auto-redenção, em vez de teo-
redenção ou cristo-redenção.
Cuidado com essa confusão de idéias!
Cuidado com essa falsa lógica!
Que é auto-redenção?
Pode ser uma de duas coisas: ou redenção pelo EGO HUMANO, isto é, pela
persona do ego físico-mental-emocional – ou pode ser redenção do homem
pelo EU DIVINO nele, por seu Cristo interno, pelo espírito de Deus que nele
habita, redenção por sua alma crística. Neste último caso, auto-redenção é teo-
redenção, cristo-redenção. E é precisamente nesse sentido que entendemos
auto-redenção, a redenção do homem pelo elemento divino nele existente,
embora em estado dormente e embrionário. Despertar no homem esse
elemento divino é redimi-lo e é educá-lo. É este o único caminho certo para
uma verdadeira educação: despertar, desenvolver e eduzir do homem essa luz
e essa força divina até que ela penetre todas as trevas do ego humano.
É visceralmente falsa e funesta a psicologia e pedagogia que procuram dar ao
educando uma ideia baixa de si mesmo, um auto desprezo, na intenção de o
levar à humildade e ao desejo de ser remido por Deus. Humildade não é
desprezo de si mesmo. Humildade é a verdade sobre si mesmo. Redenção de
fora é impossível quando por dentro não existe um elemento redimível. Com o
melhor adubo do mundo o calor solar mais propício não se pode fazer brotar
uma semente se dentro dela não existe um princípio vital. Só se pode
vitalizar o que é vivo. Ninguém pode criar vida, só podemos despertar a vida já
existente em estado de dormência.
Quem não supõe bondade dormente no educando não o pode tornar bom,
porque ninguém se torna explicitamente o que não é implicitamente. “Se o olho
não fosse solar”, diz Goethe, “jamais poderia contemplar o sol”. Da mesma
forma, se a alma humana não fosse crística por sua natureza, ninguém o
poderia cristificar; se ela não fosse divina por natureza, jamais poderia ser
divinizada; se ela não fosse espiritualmente viva, ninguém a poderia vitalizar
em espírito; se a alma não tivesse dentro de si um princípio de santidade,
ninguém a poderia santificar.
Educar é, pois, eduzir de dentro do educando e desenvolver uma bondade, um
ser-bom, que nele existe, embora ainda em estado latente e embrionário.
Dizer que esse despertamento da bondade dormente no ser humano favorece
o orgulho dele é não saber distinguir o ego periférico (persona, intelecto) e o
EU central (indivíduo, razão) do homem. A alma não pode ser orgulhosa,
egoísta, porque ela é Deus no homem; só o lúcifer do intelecto é que é
susceptível de orgulho, egoísmo e qualquer outro pecado. Quem ultrapassa o
seu ego personal ultrapassa a sua pecabilidade e entra na zona da
impecabilidade.
“As obras que eu faço não sou eu (meu ego humano) que as faço, mas é o Pai
(meu EU divino) que as faz em mim” (jesus).
Quando Pedro curou aquele paralítico à porta do templo de Jerusalém, como
referem os Atos dos Apóstolos, o povo o encarava, estupefato; o apóstolo,
porém, longe de atribuir a seu ego humano esse prodígio, fez ver ao povo que
o autor dessa cura era o espírito do Cristo que dele se servira como simples
veículo.
Quem sente orgulho ou vanglória em face de algum ato bom prova que ainda
vive na ignorância de si mesmo, que ainda não é bom, mas apenas faz o bem.
O maior dos ateus pode fazer o bem, apesar de não ser bom; pode fazer um
bem material com o que tem, mas não um bem espiritual com o que é.
É, pois, necessário que o educador conheça, antes de tudo, a si mesmo, a fim
de poder contribuir para dar a seu educando a verdadeira noção do mesmo.
Para ser bom educador, é necessário que o homem seja “educado”, isto é, que
tenha “eduzido” de si mesmo o elemento bom que em todos existe.
A SABEDORIA DOS
GRANDES EDUCADORES
Escreve o insigne Albert Schweitzer que nossa teologia cristã criou uma
espécie de soro que, uma vez injetado ao homem, o imuniza contra o espírito
do Cristo; de tão saturado de cristianismo (do “nosso” cristianismo), julga
supérfluo o Cristo.
Mahatma Gandhi fez idênticas experiências com os missionários cristãos que
tentavam convertê-lo ao nosso cristianismo; a todos eles respondia o grande
líder político e espiritual da Índia: “Aceito integralmente o Cristo e seu
Evangelho, mas não aceito vosso cristianismo”.
Sobretudo no setor educacional se verifica essa substituição do Cristo pelo
cristianismo, do Evangelho pela teologia.
O Evangelho do Cristo, vivido em sua verdade e pureza, oferece a melhor base
para a educação. Antes de tudo, revela Jesus uma profunda reverência pela
natureza humana. Para ele, não existe criança concebida em pecado; todo
homem é essencialmente bom e puro, a princípio; só mais tarde se torna mau
pelo abuso da sua liberdade. Não encontramos nas páginas do Evangelho uma
única palavra de Jesus que justifique a ideia teológica do “pecado original”.
Essa ideologia nasceu fora do Evangelho e foi, mais tarde, introduzida nele
pelos teólogos cristãos. Já aparece nos últimos quatro séculos do Antigo
Testamento, no seio da sinagoga de Israel decadente. Pelo ano 400 antes da
era cristã, faleceu Malaquias, o último dos profetas de Israel, e nos quatro
séculos subsequentes os sacerdotes hebreus tomaram a direção espiritual do
povo. Mas a orientação sacerdotal era visceralmente legalista; segundo eles, a
salvação vinha da aceitação e aplicação de certas fórmulas rituais; era a letra
da lei que salvava o homem, e não o seu espírito.
Durante esse período de decadência surgiu na sinagoga a doutrina de que o
homem é mau e pecador por natureza e que só a lei o pode libertar do pecado.
Foi divinizada a Lei, e, para que a Lei tivesse o máximo de prestígio e poder, foi
o homem reduzido ao mínimo, declarado pecador em virtude de sua própria
natureza; e assim o nadir da natureza humana elevava ao zênite a força da Lei.
Mais tarde, no início da era cristã, foi a Lei substituída pelo Cristo, mas o
paralelismo continuou: para que o Cristo tivesse o máximo de valor, foi o
homem reduzido ao mínimo do desvalor – surgiu a paradoxal ideologia
teológica do “homem pecador”, a teoria do “pecado original”.
Jesus não aceita essa doutrina. Para ele, o reino de Deus está dentro do
homem, e só dentro é que ele pode vir e manifestar-se na vida humana. “O
reino de Deus não vem com observâncias (externas, rituais), nem se pode
dizer: ei-lo aqui! ei-lo acolá! – o reino de Deus está dentro de vós”. Com estas
palavras categóricas reafirma o Nazareno a verdade antiquíssima, mas no seu
templo obliterada, de que o homem é remido pelo elemento divino que nele
existe em virtude da sua própria natureza.
Bem cedo, porém, já no primeiro século, penetrou no corpo do cristianismo
primitivo o elemento judaico sobre a essencial pecaminosidade do homem, fato
que se explica pela circunstância de terem os primeiros líderes da igreja cristã
vindo do judaísmo, introduzindo inconscientemente no cristianismo nascente
certas ideologias da sinagoga. A ideia da essencial maldade do homem deu ao
cristianismo primevo, e posterior, um colorido dualista e pessimista, influindo
profundamente no conceito do processo da redenção.
Jesus, porém, não sucumbiu a essa ideologia, razão porque se
incompatibilizou com os chefes da sinagoga ao ponto de o levarem à cruz.
Um dia, refere o Evangelho, estavam os discípulos do Nazareno discutindo
sobre quem deles era o maior no reino de Deus; e cada um deles fazia valer os
seus pretensos títulos e direitos a essa primazia. Ao que o Mestre chamou uma
criança, colocou-a no meio dos litigantes ambiciosos e disse-lhes: “Se não vos
converterdes e tornardes como esta criança, não entrareis no reino dos céus”.
É evidente que Jesus considera essa criança como habitante do reino de Deus;
pois seria absurdo supor que ele propusesse um modelo impuro aos impuros.
Essa criança, porém, não fora “purificada” por nenhum rito legal ou
sacramental, que não existia; era pura assim como nascera e fora concebida;
nunca tivera impureza alguma. Exige Jesus que seus discípulos, feitos impuros
por culpa própria, se tornem puros por esforço próprio, assim como aquela
criança era pura por sua própria natureza.
Em outra ocasião ameaça Jesus com terrível castigo àqueles que levarem a
pecado um daqueles pequeninos que creem nele, porque os seus anjos
contemplam sem cessar a face do Pai dos céus. Ora, nenhuma dessas
crianças hebréias “cria” em Jesus mediante ato consciente de fé; ninguém o
conhecia; o Nazareno era para elas apenas um bom rabi judeu, e nada mais. O
“crer” dessas crianças não era um ato, mas uma atitude interna, um modo de
ser em harmonia com Deus – o que prova que essas almas eram boas e puras,
e não pecadoras e inimigas de Deus. Também seria absurdo supor que os
anjos de Deus tanto se desvanecessem pela proteção de um bando de
pequenos pecadores. E como podiam os pecadores adultos levar ao pecado
essa crianças se elas já estivessem em pecado?..
Por esta mesma razão também não mandou Jesus batizar crianças, e o próprio
João só batizava adultos. O batismo de João, a que Jesus alude, só visava
pecados pessoais, e não algum pecado original que os batizandos tivessem
herdado de seus antepassados, como a teologia de hoje ensina.
Sobre esta base positiva do Evangelho de jesus Cristo é possível erguer o
edifício de uma educação sólida – ao passo que a teologia eclesiástica
corrente, quer desta, quer daquela igreja, é totalmente inapta para oferecer
base conveniente.
O descalabro da nossa educação tem suas raízes em séculos anteriores. Aqui
no Brasil começou em 1500, mas em outras partes começou muito mais cedo,
talvez em 313, quando, pelo edito de Milão, o imperador pseudo cristão,
Constantino Magno, deu início à substituição do Evangelho do Cristo pela
teologia dos cristãos.
Se não voltarmos decididamente ao espírito crístico do Evangelho, não
teremos base eficiente para uma nova educação. Teremos a coragem de
realizar tão arrojada aventura? E teremos do nosso lado as autoridades
públicas, que em geral, não se interessam pela qualidade do cristianismo, mas
sim pela quantidade dos eleitores que lhes garantam poder e prestígio social e
político?
Necessitamos de um pugilo de heróis para realizar o grande ideal de uma nova
educação.
OS MALES DA
EDUCAÇÃO ESCATOLÓGICA
Uma das principais razões por que a nossa educação chamada religiosa se
tornou eticamente ineficiente é o seu caráter escatológico, quer dizer, a falsa
concepção do homem após-morte. É sobretudo neste ponto que estamos
navegando em águas tipicamente medievais, quando bem poderíamos ter da
vida futura concepção menos infantil e inadequada.
Um dos setores da teologia eclesiástica do Ocidente, o mais conhecido entre
nós, ensina que, após a morte física do homem, vai sua alma (não ele!) para
um de dois lugares definitivos que existem no “outro mundo”: céu ou inferno; ou
então para o purgatório, lugar provisório onde a alma deve expiar os pecados
veniais, como também as penas temporais dos pecados mortais, cuja culpa e
pena eterna já foram canceladas antes da morte.
O outro setor da teologia eclesiástica ensina o mesmo quanto a céu e inferno,
negando apenas a existência de um lugar provisório de purificação.
Tomando por fundo qualquer uma dessas concepções teológicas, torna-se
assás difícil a tarefa da educação. O único elemento razoável que existe
nessas ideologias é o do purgatório – mas, por infelicidade, é precisamente
esse fator que foi abolido pelo protestantismo, e é relegado a segundo plano
pela teologia romana. Nenhuma dessas teologias se guia por um espírito de
verdadeira e genuína “catolicidade”, palavra grega para “universalidade”.
Neste particular, o espiritismo cristão deu um grande passo para frente, não
ensinando pecado herdado de terceiros, mas pecado herdado do próprio
pecador e cometido em existência anterior. Embora não consideremos o
espiritismo como sendo simplesmente como idêntico ao cristianismo do Cristo
(o qual, aliás, é inorganizável, porque toda organização é filha do egoísmo!),
admitimos, contudo, que ele contribuiu e com preciosos elementos para a
evolução espiritual do Evangelho do Cristo. A sua doutrina escatológica é bem
mais aceitável e fornece melhor base educacional do que os dois tipos de
cristianismo acima mencionados. Deixando de parte a tendência sectária e
dogmatizante que invadiu vastas camadas do espiritismo brasileiro, achamos
que esse movimento, no seu plano superior, asectário, poderá prestar notáveis
serviços à cristificação do nosso tradicional cristianismo.
Nem a razão humana nem a revelação divina admitem a idéia de que o
homem, com a perda de seu corpo material, entre num estado definitivo. Tanto
os fatos históricos milenares como também a psicologia abismal dos nossos
dias provam o contrário. A evolução do homem não termina com 50, 80 ou 100
anos de vida terrestre. Mesmo não admitindo a teoria da reencarnação
material, somos obrigados a aceitar que “há muitas moradas na casa do Pai
celeste”, isto é, muitos estados nos quais o ser humano possa fixar morada ou
permanência temporária, na sua longa jornada rumo a Deus. E como “cada um
colherá o que semeou”, é evidente que o homem colherá cada vez, na
existência subsequente, o que semeou na existência antecedente. A lei básica
de “causa e efeito” (karma) abrange todos os setores do universo individual. A
Constituição Cósmica não permite que o homem, após-morte, perca a sua linha
de continuidade com a vida presente, que deixe de haver homogeneidade entre
essa fases várias de existência única. Não há “outra vida”, há uma vida única
em diversas fases de evolução – assim como acontece em outros setores da
natureza; a vida da borboleta é essencialmente a mesma que a vida da
crisálida, da lagarta e do ovo; apenas os graus de vitalidade e as formas de
manifestação dessa única vida são vários. Também a vida da planta é
essencialmente idêntica à vida da semente que lhe deu origem, ou ainda da
semente produzida por essa planta.
Essa lei da continuidade da vida em diversas fases é de suma importância para
o problema da educação.
Segundo as teologias eclesiásticas, pode um homem levar 50 anos de vida em
pecados e crimes, aqui na terra, e logo após a morte física estar isento de
todos os efeitos dos seus atos – seja em virtude de uma absolvição
sacramental, seja em consequência de um momentâneo ato de fé no sangue
redentor de Jesus.
Ora, é evidente que, neste caso, não existe proporção alguma entre causa e
efeito, entre a gravidade da culpa, por um lado, e a função da absolvição
sacramental ou da fé fiducial, por outro. E essa flagrante desproporção entre o
débito e o seu cancelamento gera nos que adotam essas teologias um estado
de indiferença ou leviandade relativamente ao verdadeiro caráter do pecado ou
delito; pois, se tão fácil é a libertação do débito moral contraído, por que deixar
de o contrair, quando, em geral, a criação desse débito da culpa se acha ligada
a um gozo de maior ou menor intensidade? Se posso roubar, matar, mentir,
defraudar, e gozar das vantagens imediatas desses pecados, porque não
praticar esses atos e gozar das suas vantagens, se, na fração de um minuto,
poderei libertar-me, mais tarde, dos efeitos ingratos que decorrem dessas
causas? Se tão fácil é o rompimento dos elos da cadeia kármica dos meus atos
negativos, porque ainda envidar ingentes esforços por evitar a criação dessa
cadeia, resistindo à tentação de roubar, matar, mentir, defraudar, etc. ? Não me
aconselha a “lei do menor esforço” escolher o mais fácil, que, neste caso, é
cometer o pecado e libertar-me das suas consequências por meio de um
momentâneo ato de arrependimento posterior – tanto mais que a resistência ao
mal é, não raro, tão tremendamente difícil e doloroso? Porque não corrigir o
mal por um ato fácil de arrependimento, em vez de o prevenir por uma atitude
difícil de não-cometimento?
No plano biológico, quase todas as pessoas, sobretudo aqui no Brasil, adotam
essa política de corrigir os males físicos, em vez de se guiarem pela filosofia de
os evitar. Todos os meios de publicidade – imprensa, rádio, televisão –
apregoam sem cessar esse charlatanismo barato do corrigir em vez de
prevenir. Você está com dor de cabeça? Tome um comprimido “A”. Está com
azia de estômago ou má digestão? Ingira a droga “B”! Sofre de inapetência? Vá
a drogaria da esquina e compre o aperitivo “C”! É vítima de astenia sexual?
Tome a injeção “D”!
Não é esta a política doentia de suprimir sintomas que quase todo o mundo
pratica, em vez de seguir a filosofia sadia de prevenir as causas dos males?
Infelizmente, as nossas organizações religiosas cometem o mesmo
charlatanismo moral ou imoral, ensinando a seus adeptos o modo de se
libertarem dos efeitos dos seus pecados, em vez de lhes mostrar como
evitarem as causas desses efeitos, o que seria cura do mal, e não apenas cura
de sintomas do mal.
Esse caráter deletério e antimoral adere, sobretudo, à prática rotineira da
confissão sacramental. Suponhamos um jovem de 20 anos, tentado de cometer
pecado de homossexualismo, ou pessoa casada tentada de adultério; pode ser
dificílima a resistência ao pecado. Mas, se a pessoa sabe que, depois de
cometido o pecado, pode libertar-se dele confessando-se rapidamente, e
depois continuar a viver como se nada tivesse acontecido – quem não
escolheria esse caminho mais fácil, em vez de criar dentro de si uma alta
voltagem de resistência moral?
Esse infeliz costume de dizermos aos pecadores que, depois de perdoado o
pecado – seja pela confissão, seja por um ato de fé –, eles se tornaram tão
puros como antes, esse costume, além de envolver grande mentira, é um
desastre psicológico e educacional. Não é verdade que, depois de um simples
ato de arrependimento, o pecado seja totalmente cancelado, como se não fora
cometido. De cada ato mau permanecem resíduos venenosos nas profundezas
da alma, facilitando novas quedas e colocando o pecador habitual num
perigoso plano inclinado, onde futuras recaídas se tornam cada vez mais
fáceis, e futuras resistências se tornam cada vez mais difíceis. A palavra “vício”
vem de “vez” (vezo!); “vício” é uma atitude negativa, permanente, que resultou
de muitas “vezes” de atos repetidos. Um jovem que cedeu 100 vezes ao
pecado de luxúria, e 100 vezes se confessou e arrependeu desse pecado, não
está puro como no princípio; está gravemente contaminado, pelo menos nas
subconscientes profundezas de seu ser; é um viciado, uma vítima passiva e
quase indefesa. A verdadeira educação não está em lhe mostrar apenas como
se arrepender do pecado, mas sim em lhe ministrar motivos eficientes para não
recair no pecado.
E que motivos seriam esses? Em última análise, já o dissemos, não podem ser
motivos externos, como o medo do inferno, uma vez que esse inferno já está
evitado pelo arrependimento ou confissão; o motivo real e eficiente só pode ser
o respeito à sua própria dignidade, ao santuário da sua natureza humana, ao
seu EU divino que, de forma alguma, deve ser profanado, porque no respeito à
sacralidade desse divino EU é que reside todo o valor, toda a alegria e toda a
felicidade da vida humana.
Assim como, no plano biológico, a ingestão habitual de remédios diminui
gradualmente a resistência interna do organismo, tornando-o cada vez mais
alérgico a novos ataques mórbidos – da mesma forma é o pecador debilitado
moralmente pela aplicação de paliativos externos sem uma sólida resistência
interna. Se um corpo humano possuía, digamos, 10 graus de resistência ao ser
atacado por algum mal, se não recebe auxílio de fora em forma de alguma
droga ou injeção, vê-se obrigado a apelar para as latentes reservas internas e
aumentar a sua resistência biológica de 10 a 11, a 12, a 15, a 20, a fim de fazer
frente ao inimigo; mas, se recebe reforços de fora, em forma de remédio fácil,
deixa de intensificar a sua resistência interna, sabedor de que vai receber
auxílio de fora, assim, em vez de aumentar sua natural resistência e criar
imunidade contra a crença, diminui a sua energia vital, baixando de 10 a 9, a 8,
etc., consoante a frequência e rapidez com que recebe os auxílios artificiais de
fora; habitua-se o corpo a obedecer à “lei do menor esforço”, esperando
receber de fora o que poderia criar de dentro – e está estabelecido o perigoso e
vicioso estado de alergia permanente.
É exatamente este o caso, no terreno da ética e da educação, quando o
homem confia em auxílios automáticos de fora, em vez de criar resistência vital
de dento. E o mal da nossa educação escatológica, que induz o homem a
remediar, de preferência, os efeitos de seus atos, em vez de prevenir as
causas dos mesmos. Esse charlatanismo moral, ou imoral domina vastos
setores do nosso sistema educacional, tanto civil como religioso. Necessitamos
de médicos que nos mostrem como prevenir os males em sua própria causa
profunda, e não de curandeiros que nos ensinem como corrigir ou camuflar os
sintomas superficiais do mal.
Quer dizer que não devemos apelar para motivos religiosos, no terreno da
educação?
Devemos, sim, e muito mais energicamente do que temos feito até hoje. O
grande psicólogo e psiquiatra da atualidade, Carl Gustav Jung, afirma em
quase todos os seus livros que no fundo de todas as curas verdadeiras está o
fator religioso, ou seja, a experiência do Infinito, do grande TODO, de algo que
transcende as estreitas barreiras do pequeno ego. A estreiteza causa a
doença, a largueza produz a saúde.
Entretanto, não vamos confundir Religião (no singular e com inicial maiúscula)
com religiões, ou formas específicas de religião, credos, dogmas, seitas,
igrejas. Não raro, as religiões são as piores inimigas da Religião. Jesus era um
homem profundamente religioso – mas não professava determinada forma de
religião. Dois dos grandes homens do nosso século, Albert Schweitzer e
Mahatma Gandhi, são, certamente, homens profundamente religiosos, mas
nenhum deles é adepto de uma certa igreja ou seita. Eles têm Religião, mas
não professam religiões ou credos.
Se o educador consegue despertar no seu educando a corda profunda da
Religião – idêntica ao que nós chamamos Filosofia Univérsica, ou Filosofia
Cósmica – tem nas mãos a mais poderosa alavanca educacional, porque
atingiu o último centro da natureza humana.
***
Em face do exposto, há quem apele para o exemplo do “bom ladrão” na cruz,
cujos pecados – culpa e pena – foram cancelados num instante – “ainda hoje
estarás comigo no paraíso”; logo, há uma extinção momentânea do pecado e
suas consequências.
Mas convém notar que aqui se trata de uma verdadeira e radical “conversão”
ou, como diz tão maravilhosamente, o texto grego, em casos análogos, uma
“metanoia”, vocábulo que significa literalmente uma “transmentalização”
(metánous). Quem consegue transpor a sua antiga mentalidade “ego” e entra
na nova zona do “EU”, converte-se, faz do seu “homem velho” um “homem
novo”, uma “nova criatura em Cristo”, um “homem cósmico”. Não se trata aqui
de um simples arrependimento, mas de uma verdadeira conversão; Judas
também se arrependeu, mas não se converteu. O arrependimento é algo
negativo, uma detestação do mal cometido; a conversão é algo positivo, a
prática sincera do bem.
O ladrão na cruz, além de se arrepender, também se converteu, professando
firme convicção na existência de um grandioso mundo divino: “Jesus, lembra-te
de mim quando entrares no teu reino”.
A nossa educação tradicional tem de abandonar as superfícies periféricas do
homem e descer aos abismos do seu verdadeiro centro, onde brotam as fontes
eternas da vida, saúde e felicidade.
ADORAÇÃO, SERVIÇO E SOFRIMENTO
O homem espiritualmente adulto é o único homem capaz de ser um verdadeiro
educador, porque só ele é plenamente educado.
Como conseguir essa adultez espiritual?
Três coisas são necessárias e suficientes – adoração, serviço e sofrimento.
Da parte do educador, vêm os dois primeiros elementos, que são completados
pelo terceiro, que vem dos outros ou do ambiente.
A adoração se dirige a Deus, o serviço visa os homens.
Adoração é a mais alta forma de amor místico, que o homem alcança mediante
uma intensa e diuturna meditação ou contemplação do seu centro divino, e
subsequente sintonização da sua vida com essa experiência.
Não raro, depois de entrar em contato com o seu centro divino, sente o homem
a vontade de se isolar da sociedade humana e retirar-se a algum recanto
silencioso, a sós com sua alma e com Deus. E convém mesmo que se isole,
temporariamente, do mundo, a fim de intensificar a sua união com Deus. Mais
tarde, porém, quando devidamente consolidado nessa mística adoração de
Deus, ponha a sua experiência divina a serviço dos homens. O homem que, de
fato, entrou na zona da divindade, deixa de ser água contaminável e torna-se
“luz do mundo”, incontaminável; pode voltar ao meio dos profanos sem se
tornar profano, conviver com os impuros sem se tornar impuro.
Daí por diante, sirva, espontânea e jubilosamente, aos homens, porque esse
serviço desinteressado é a melhor medicina profilática para se preservar dos
perigos da mística solitária. Só pode ser solidário com os homens quem souber
ser solitário com Deus. A mística solitária, quando prolongada e procurada
como fim em si mesma, tem algo de inebriante e sedutor; é uma fascinante
torre de marfim onde o homem antecipa o reino dos céus, como Simão Pedro
no Tabor, e sente vontade de “armar aqui a sua tenda”; mas essa mesma
delícia pode levar a uma perigosa infecção de luxúria espiritual.
A fim de se premunir contra essa infecção e adquirir definitiva imunidade, deve
o místico pôr a sua suave experiência com Deus a serviço da amarga
convivência com os homens; se conseguir realizar na vida prática 10% dos 100
da sua visão mística, está de parabéns! E esses 10% de mística dinâmica que
passaram o teste da vida prática valem mais que os 100 de mística puramente
estática que não passaram por essa prova de fogo.
Disse-me um jovem entusiasta que iria procurar toda a espécie de sofrimentos
a fim de se realizar em Cristo; respondi-lhe que era desnecessário ir em busca
de sofrimentos, porque os outros homens se encarregariam disto com muito
prazer. Ninguém serve impunemente! Basta que alguém sirva
desinteressadamente a seus semelhantes para que estes façam cair sobre ele
um dilúvio de sofrimentos, sobretudo os que forem mais beneficiados pelos
serviços dele.
Esse serviço voluntário e desinteressado da parte do educador, completado
pelos sofrimentos por parte dos outros homens, é como o sol e a chuva de
verão, que fazem brotar, florir e frutificar as plantas.
Educador que não pratique a mística de uma intensa adoração de Deus e a
ética de um vasto e jubiloso serviço à humanidade não cria ambiente para um
sofrimento fecundo e redentor – e sem esse sofrimento à luz da adoração e do
serviço não há possibilidade para uma educação eficiente, porque faltam ao
educador as auras imponderáveis das quais depende, em última análise, todo
o efeito da educação. Não interessa ao educando o que o educador sabe, diz
ou faz – interessa unicamente o que ele é, embora o educando não tenha
consciência nítida desse elemento decisivo em seu educador. O que, em última
análise, prepara o ambiente na alma do educando é o “ser imponderável” da
realidade central do educador, e não o “dizer ponderável” das suas aparências
periféricas. Por isto, nenhum governo do mundo pode criar educadores – essa
tarefa sublime está reservada à própria alma do educador. Só ele pode fazer
da sua alma uma corda sonora, cujas vibrações despertem em outra alma as
mesmas notas de experiência dormentes.
“Ser bom” é a única possibilidade de contribuir para que outros sejam bons.
Adoração!...
Serviço!...
Sofrimento!...
PARA EDUCAR – SER EDUCADO
O principal requisito para poder educar é ser educado. Ser educado significa,
na linguagem comum, ter bons modos, boas maneiras sociais. Mas não é este
o sentido real e último de ser educado; a própria filosofia o desmente. “Educar”,
como já lembramos, quer dizer “eduzir”, isto é, “conduzir para fora” (exducere,
educere).
Eduzir o quê?
Eduzir das profundezas da natureza humana algo que nela esteja contido e se
ache ainda em estado latente ou dormente; despertar na alma do educando
elementos positivos e bons e entregar a esses elementos o governo da vida.
Pois deve o educador saber que todo ser humano é um “universo”, isto é, uma
unidade (uni-) que se desdobra em diversidade (-verso). Existem na natureza
humana numerosas camadas ou potencialidades, desde as mais baixas até as
mais altas. Todo homem é um “microcosmo”, um pequeno cosmos, um
universo em miniatura. Todo ser humano, desde o momento da sua
concepção, é uma síntese condensada de toda essa epopéia multimilenar da
história da humanidade que a precedeu. Dentro de cada homem ecoam as
vozes de milhares e milhares de gerações humanas, e também infra-humanas,
que precederam o estado atual e da sua evolução.
Entretanto, seria erro gravíssimo supor que essas vozes sejam apenas brados
do subconsciente animal, vegetal e mineral do seu ego físico; também os ecos
do mundo superconsciente, fonte primária do subconsciente pré-histórico e do
consciente histórico, repercutem débeis ou fortes, através da natureza humana.
Todo homem é uma imensa mescla de luz e trevas, de elementos positivos e
negativos; nele cantam os anjos das alturas e gemem os demônios das
profundezas. Compete o educador eduzir e reforçar os elementos positivos e
reduzir e reprimir os elementos negativos.
O homem, filho da luz divina, é como o nosso planeta Terra, filho da luz solar.
A superfície da nossa terra é escura e fria; mas, com cada 30 metros de
profundidade, o calor aumenta por 1 grau. Na profundidade de 50 quilômetros,
a terra é incandescente; a 200 quilômetros, ela é luz solar radiante, sem
nenhuma consistência sólida.
Por fora, o homem é corpo material, sem nenhuma consciência divina.
Mas para dentro, na zona mental-emocional, há certo calor e um pouco de luz.
No centro espiritual, na alma, o homem é luz da Luz, luz divina em forma
humana. Se ele consegue lucificar, pela força da luz central, a semiluz ou
escuridão periféricas, terá realizado o seu grande destino, e será intensamente
feliz.
Na camada externa da sua natureza, todo homem é egoísta, dominado pelo
instinto do egocentrismo biológico, como qualquer planta e animal (para não
falar do mineral, que também é egoísta a seu modo). É a lei fundamental de
todos os indivíduos, o grito da “conservação do indivíduo”, em virtude do qual
toda criatura procura afirmar a sua vida individual, mesmo à custa de todas as
outras vidas, se necessário for. É o egoísmo inconsciente de toda natureza
infra-humana.
No plano menos externo, o da inteligência, aparece esse egoísmo na forma
mais nítida e violenta de um egocentrismo consciente, dominado pelo intelecto.
Nessa zona calcula o homem os meios mais eficientes para afirmar a sua
existência individual e dar-lhe a maior expansão e garantia possível (der Wille
zur Macht, de Nietzche, a vontade do poder), que é uma potencialização da
“vontade de viver” (der Wille zum Leben) de Schopenhauer. A humanidade de
hoje se acha em grau avançado nesse plano do egoísmo intelectual.
De vez em quando surge, do seio dessa imensa massa de egoístas mentais
algum homem que se diz altruísta, e uns pouquíssimos dos que assim se
apelidam são realmente altruístas, enquanto a turbamulta dos outros se
contenta com hastear na fachada do edifício da sua vida a bandeira do
altruísmo, e à sombra da mesma continua a cultivar o seu velho egoísmo; são
os egoístas disfarçados, piores que os egoístas manifestos. Palavras como
“caridade” e “filantropia” são, hoje em dia, bandeiras clássicas para camuflar
vastas zonas de egoísmo. O altruísta pratica “ética”, em que ele vê o ápice da
perfeição humana, ao ponto de incluir o próprio Deus no rol dos seres éticos,
amigo dos seus amigos e inimigo dos seus inimigos.
Para além do altruísmo ético se alarga o campo quase ignoto do misticismo
espiritual. Os habitantes dessa zona ultrapassaram a concepção ética e
entraram no setor propriamente espiritual. Transcenderam o plano horizontal
da mente e invadiram afoitamente o universo vertical do espírito. O
espiritualista místico é essencialmente transcendente e dualista; traça nítida
linha divisória entre espírito e matéria, entre Deus e o homem; vê Deus como
algo totaliter aliter (totalmente diferente) de tudo que há no mundo; para ele,
Deus deixou de ser um super-homem, como ainda é para o ético
antropomorfista. É esta a zona clássica da fé (fé em sentido teológico). Os
hebreus da antiguidade, sob a chefia de Moisés, e os muçulmanos da
atualidade, sob o signo do islam (que quer dizer submissão), são formas típicas
desse espírito transcendente da fé num Deus distante, supremo ditador do
homem e do mundo. Também as teologias eclesiásticas do Ocidente, romana e
protestante, professam o mesmo credo.
Pode o homem ultrapassar essa zona do misticismo espiritual?
A maior parte dos nossos místicos e espiritualistas não consegue transpor a
invisível fronteira; a sua espiritualidade é algo fora do mundo; para eles, o Deus
do mundo é eternamente incompatível com o mundo de Deus. De vez em
quando, porém, aparece um homem, raríssimo embora, que ultrapassa a
fronteira da espiritualidade mística e entra no campo da consciência cósmica,
onde a longínqua transcendência do Deus ausente se funde com a propínqua
imanência do Deus presente. Para esse pioneiro do Infinito no finito, do finito
no Infinito, Deus é a Lei, Luz, Vida, Inteligência, Razão, Espírito, Amor, a
Grande Presença; Deus é a alma de todo o Universo e de cada uma das suas
unidades individuais, porque tudo penetra e permeia como a íntima e única
essência de todas as coisas, sem se identificar com nenhuma delas.
O homem, nessas alturas da evolução, se sente como uma onda do grande
Oceano, como um raio do grande Sol, como uma vibração da grande Vida,
como um pensamento do grande Pensador, como um eco da grande Voz, que
é Deus, o Deus transcendente a tudo e imanente em tudo. Não se sente
separado do grande TODO, nem idêntico ao grande TODO; sente-se
intimamente unido, porém perfeitamente distinto desse TODO Universal. Vive
em si mesmo as pulsações da Vida Cósmica, e a Alma do Universo vibra em
cada átomo do seu ego individual.
***
Quando o homem atinge as alturas dessa experiência cósmica, é ele realmente
“educado”, porque “eduziu” das eternas profundezas da sua natureza humana
o que nela havia de mais real e dinâmico. Esse homem é um “auto-realizado”,
um “homem cósmico”, ou, no dizer de Paulo de Tarso, uma “nova criatura em
Cristo”.
E só daqui por diante é que ele pode funcionar como verdadeiro “educador” ou
“edutor”.
De que modo poderá ele comunicar a seus educandos a sua própria
experiência cósmica?
De forma alguma! Se o pudesse e fizesse, cometeria o maior contrabando do
universo, um pecado anticósmico, impingindo o reino dos céus àqueles que
não estão maduros para o receberem; seria o mesmo que introduzir para o
interior da “sala nupcial” uma daquelas cinco virgens tolas do Evangelho que
não estavam com suas lâmpadas acesas, por falta de óleo. Felizmente, não é
possível semelhante transferência. O professor transfere suas ideias a seus
alunos, mas nenhum mestre espiritual pode transferir a sua experiência a seus
discípulos.
Para que serve, então, essa experiência cósmica do mestre?
Serve para preparar um ambiente propício dentro do qual o educando possa ter
a sua experiência individual. A experiência vem de dentro de cada um, assim
como a planta brota da semente viva; mas essa experiência não desperta se
não houver ambiente propício, assim com a semente viva não chega a brotar
em planta se não houver umidade terrestre e calor solar.
A tarefa do educador é, pois, a que seu nome indica, um “edutor”, um criador
de ambiente favorável para seus educandos. É, porém, da íntima natureza
dessa tarefa que ela só possa ser cumprida por alguém que possua dento de si
o ambiente que deseja criar em seus educandos. “Da abundância do coração é
que os lábios falam”. Não são as palavras do educador em si, mesmo
perfeitíssimas, que preparam o ambiente na alma do educando; mas são as
auras imponderáveis, os invisíveis fluidos cósmicos que acompanham as
palavras – são eles os criadores do ambiente favorável na alma dos outros.
Mas essas auras e esses fluidos não existem na alma do homem que não
tenha experiência própria da alma do Universo.
Diz o provérbio oriental “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”;
também se pode inverter o ditado e afirmar que, quando o mestre está pronto,
o discípulo aparece. Onde quer que haja um verdadeiro mestre aí aparecem
discípulos, porque a experiência cósmica cria em torno do mestre um “campo
magnético” que não conhece fronteiras, e todas as agulhas libertas de
impedimentos começam a oscilar rumo ao polo magnético que algures
apareça. Basta que haja alguém com suficiente experiência espiritual, e os
discípulos aparecerão, mesmo que o mestre nunca os chegue a conhecer
fisicamente, nem funde igreja, escola ou sociedade iniciática – o heliotropismo
das almas sensíveis não está condicionado a esses primitivos veículos.
Numa palavra: para que alguém possa ser um educador verdadeiro e eficiente
tem de ser, ele mesmo, plenamente educado, ecoando a Voz do Infinito,
refletindo a Luz do Universo em sua própria pessoa.
Só um homem plenamente auto-realizado é que pode ser um verdadeiro
educador.
PASSANDO DA CONSCIÊNCIA EXTERNA
PARA A CONSCIÊNCIA INTERNA
As raízes do mal que o Brasil está sofrendo remontam ao ano 1500, entre nós,
e aos inícios do século IV, na Europa. O mal está no fato de quererem os
educadores do povo manter, em plena Era Atômica, um sistema ético e
pedagógico flagrantemente inadequado para os tempos atuais. Querem
manter, como ponto de referência, uma espécie de “consciência externa”,
heterônoma, baseada numa instituição hierárquica ou num livro. Obedecer a
essa instituição ou a esse livro é considerado bom, desobedecer é tachado de
mau.
Essa consciência exocrática, representada por uma hierarquia ou por um livro,
tinha a sua eficiência em tempos idos, quando a humanidade cristã via nessa
instituição ou nas páginas desse livro o eco da vontade de Deus, isto é,
verdade absoluta, sagrada, infalível. Deus falara à humanidade através de um
locutor plenipotenciário ou através de um livro infalível, em cujas páginas
falavam dezenas de embaixadores plenipotenciários da Divindade – e tudo
quanto esses ministros de Deus ordenavam ou proibiam era o próprio Deus
que o ordenava ou proibia.
Como era fácil, nesses tempos remotos, ser bom e encontrar o caminho da
salvação! Era só fechar os olhos e eclipsar a razão – e executar ordens...
Durante vários séculos funcionou sofrivelmente esse sistema de locutores de
Deus, em forma de um magistério infalível ou de um livro infalível. Funcionava,
porque a humanidade era espiritualmente infantil, não comera ainda do “fruto
da árvore do conhecimento”. O homem era incapaz de julgar por si mesmo, e
por isto aceitava, sem protesto nem dificuldade, essas mensagens de Deus à
humanidade, em que se sentia perfeitamente seguro.
Não é intenção nossa rejeitarmos esse estado de coisas como errado em si
mesmo – assim como não acusamos de errada a infância onde esse regime
prevalece e é normal. A criança não pode julgar por si mesma; deve confiar no
critério dos pais. Necessita, sobretudo, de segurança, e esta lhe vem de uma
obediência incondicional à autoridade paterna. Uma criança normal não sente
pruridos de liberdade e emancipação; a única coisa de que necessita para a
sua vida frágil é proteção e segurança.
O que rejeitamos é o fato de serem esses processos antigos aplicados
mecanicamente a uma humanidade que, internamente, ultrapassou aquela
ideologia, e tem o mesmo direito de se guiar por normas novas que a Idade
Média tinha de obedecer a métodos antigos. Querer que um homem pensante
do século 20 aceite, de olhos fechados e razão eclipsada, tudo quanto um
hierarca eclesiástico ou um livro papiráceo diga aos homens como sendo a
puríssima revelação de Deus, é tão absurdo como querer obrigar a um homem
adulto a nunca sair da casa paterna e nunca pensar e agir por conta própria,
mas tão-somente cumprir ordens de pai e mãe. A independência do homem
adulto é tão natural e necessária como natural e necessária foi a dependência
da criança.
Essa falsa ideologia nasce de uma falsa concepção da natureza humana.
Como se apenas uns poucos homens – o hierarca eclesiástico e os autores de
um livro – tivessem a possibilidade de entrarem em contato direto com Deus e
saberem, sem autoridade externa, a suprema verdade divina! Nós sabemos
que essa mesma faculdade é inalienável patrimônio de toda e qualquer criatura
humana.
Neste sentido escreve Mahatma Gandhi, nas páginas da sua auto-biografia
Minhas Experiências com a Verdade: “O único tirano que eu admito é a
silenciosa voz do meu interior” (still small voice), isto é, a consciência, que é o
eco da voz de Deus dentro do homem.
Nenhuma mensagem de Deus é recebida por um simples ser humano sem que
ela sofra diminuição em sua verdade e pureza, porquanto “o recebido está no
recipiente segundo o modo do recipiente”. O recipiente humano, porém é, por
via de regra, imperfeito, e por isto a revelação de Deus, por mais perfeita e
pura em si mesma, é recebida imperfeitamente e mesclada de impurezas.
Nenhum profeta, nenhum vidente que não seja 100% perfeito e puro pode
receber com 100% de pureza e perfeição a puríssima revelação de Deus; o
humano contenedor impuro contamina a pureza do conteúdo divino.
Acrescem outros fatores de contaminação. Sendo a inspiração divina um
fenômeno que se realiza no plano estritamente espiritual, é inevitável que a sua
manifestação verbal e mesmo a sua concepção mental sejam degradadas.
Toda e qualquer inspiração divina, antes de chegar ao conhecimento da
humanidade, já sofreu pelo menos duas deturpações: a deturpação mental e a
deturpação verbal dos seus veículos humanos. Analisar mentalmente e
exprimir verbalmente – oralmente ou por escrito – é deturpar inevitavelmente a
verdade e pureza da revelação divina – e isto sem a menor má-fé da parte do
recipiente humano, mas devido simplesmente à sua incapacidade físico-
mental.
E mesmo no caso que o recipiente da revelação divina seja de extraordinária
pureza e perfeição, como no caso de Jesus Cristo, quem garante a seus
discípulos a capacidade de atingirem a verdade e pureza total das palavras do
Mestre? E através de quantos outros canais chegaram até nós essas palavras
dos grandes avatares?
***
Quer dizer que não temos nenhuma possibilidade e certeza de recebermos a
verdade em estado puro e genuíno?
Temos, sim, ou, pelo menos, podemos diminuir grandemente as probabilidades
da deturpação.
Existe dentro de cada um de nós uma “centelha divina” (por menos exata que
seja essa metáfora poética), uma faculdade ou corda viva que responde à voz
divina e lhe faz eco fiel – eco direto, silencioso, sem análise mental nem
expressão verbal. Esse eco de Deus no homem é a sua “consciência”. Não é o
homem-ego, o homem-persona, mas é Deus no homem. A consciência é
precisamente o que seu nome diz, uma “ciência com”, um saber-em-
companhia, uma noção em conjunto entre o finito do homem e o Infinito de
Deus. Das coisas humanas o homem tem apenas “ciência”, conhecimento
unilateral; das coisas divinas tem o homem “consciência”, conhecimento
bilateral. Quando a voz de Deus fala ao homem, e o homem faz eco a essa
voz, então surge a “consciência”, que é “a voz mais eco”, “chamamento e
resposta”, “raio solar e reflexo”.
Se a consciência fosse apenas a voz do ego humano, da persona, nunca seria
contrária aos nossos interesses humanos. Entretanto, é experiência geral que a
consciência pode opor-se diametralmente aos mais queridos ídolos e fetiches
do homem-ego; pode até exigir o que o homem tem de mais caro, a sua vida
física. O mártir sacrificando a vida para obedecer à consciência prova que a
consciência não é a voz da personalidade humana.
***
A voz da consciência é o supremo tribunal na vida humana; é o último ponto de
referência e centro de gravitação do pensar, falar e agir do homem. Para além
dessa fronteira não há outra. E o Absoluto, a zero-dimensão – é Deus no
homem.
É chegado o tempo para ultrapassarmos todas as normas de conduta fora de
nós e guiarmo-nos pela suprema e última norma de dentro.
Persiste sempre, nos inexperientes, a dúvida se essa voz da consciência é
menos falível que as normas externas, a hierarquia eclesiástica e os livros
inspirados; pois, não são cometidos tantos crimes “em nome da
consciência”?...
A consciência é ponto último e seguro de referência só no caso em que o
homem não vise nenhum interesse pessoal, utilitário, nem para si nem para
seu grupo, em atender aos ditames da consciência.
Aqui se faz mister uma sinceridade conosco mesmos, sinceridade muito difícil,
porém possível.
Deve o homem robustecer cada vez mais, em si mesmo, essa voz silenciosa,
escutando-a diariamente, em profundo silêncio físico-mental, e acatar
carinhosamente a sua orientação. Quem não pratica regularmente essa
carinhosa e silenciosa auscultação da voz de Deus na alma não a perceberá,
no meio dos ruídos da vida, e não terá norma segura e suprema para os seus
atos.
Com a frequente e intensa auscultação da voz divina da consciência adquire o
homem crescente facilidade, e até amoroso entusiasmo, em ouvir e seguir essa
amiga invisível, evita o que reconhece como mau e pratica o que sabe ser bom
– e isto não com medo de algum castigo ou esperança de um prêmio, da parte
dos homens ou de Deus, mas unicamente porque sabe e sente que essa
obediência à voz de Deus nele é a suprema realização do seu próprio EU
eterno. A consciência não é outra coisa senão a própria Constituição Cósmica
do Universo, enquanto refletida ou ecoada na alma humana. Assim, o homem
sintonizando a sua vida individual com as vibrações da consciência, sintoniza-
se com a vida do Universo inteiro – e isto é ser bom e ser feliz.
Uma vez descoberta e saboreada essa fonte de suprema felicidade em um ser
bom, o homem nunca mais pode ser mau, porque ser mau equivaleria a perder
essa grande felicidade.
Destarte, cria o homem um centro de gravitação interno, que resiste vitorioso a
todos os embates de fora.
***
Objeta-se que essa sintonização do indivíduo com o Universo é dolorosa e
exige enormes sacrifícios, antes de se realizar. É verdade. Mas é precisamente
esse sacrifício e esse sofrimento preliminar que confere à felicidade a sua
suprema sagração e final beatitude. A felicidade atinge o seu zênite de gozo
depois de passar pelo nadir do sofrimento.
É neste sentido que o educador deve educar a si mesmo para que possa
apontar a seus educandos esse mesmo caminho – passando da consciência
externa do profano para a consciência interna do iniciado.
DO CONSCIENTE FINITO PARA
O INCONSCIENTE INFINITO
A zona conhecida da nossa vida é o plano do consciente; mas, por detrás dele
se alargam, incomensuráveis, as profundezas do inconsciente, que melhor
chamaríamos o Incógnito. O consciente, ou Cógnito, assemelha-se à superfície
iluminada do mar, ao passo que o inconsciente ou incógnito é como o próprio
oceano nas suas misteriosas profundezas. O consciente é o pequeno “finito”,
menos de 1% do TODO – o inconsciente é o grande “Infinito”, mais de 99% da
nossa realidade.
Nos ignotos abismos do Inconsciente estamos em contato permanente com o
grande TODO do Universo; é a nossa vastíssima “zona cósmica”. E desses
abismos misteriosos emergem, sem cessar, as grandes forças da nossa vida,
forças tanto negativas como positivas.
É opinião geral dos inexperientes que o consciente seja o perfeito, o positivo, o
luminoso em nós, ao passo que o inconsciente seja o imperfeito, o negativo, o
tenebroso. Há também quem identifique o inconsciente com o mundo inferior
dos instintos cegos, ou então com os resíduos de um consciente que passou a
ser ex-consciente; acham que o inconsciente seja aquilo que, um dia, foi
consciente e depois desceu dessa superfície iluminada do ego para as
tenebrosas profundezas do sub-ego. Freud é, em grande parte, responsável
por esse erro, que, desde os primórdios do século passado, alastrou pela
humanidade.
Na realidade, porém, o chamado inconsciente, ou incógnito, é muito mais do
que a zona do instinto ou a “lata de lixo” do ex-consciente. É o grande TODO, o
imenso Oceano da Realidade que não foi atingido pela luz do nosso
consciente.
Quer dizer que o Inconsciente é treva, enquanto o Consciente é luz?
Se treva e luz fossem algo absoluto, seria fácil responder a essa pergunta; mas
treva e luz são conceitos relativos, e o ponto de referência é o homem. O que
para nós é luz, para outros pode ser treva, e vice-versa. O que a nossa retina
visual abrange normalmente é o pequenino segmento de vibrações que vão do
vermelho ao violeta. Para além do vermelho há o infravermelho, e para além do
violeta há o ultravioleta – e esses dois tipos de vibrações são, para nós, treva,
porque não afetam a nossa retina, e por isto não temos consciência da sua
realidade e dos mundos existentes nessas dimensões. Real é, para nós,
somente aquilo que exerce impacto sobre os nossos nervos e, deste modo,
afeta o nosso consciente; o que não atinge o nosso consciente é, para nós
inexistente, embora para outros seres, de constituição diferente, seja existente,
real, enquanto o nosso “real” é para eles “irreal”. O “real” que nós conhecemos
não é o “real absoluto”, mas é “real relativo”.
A ciência provou, por exemplo, que, para além do violeta, que é a extrema
fronteira de nossa perceptibilidade, existem ainda mais de 20 trilhões de outras
vibrações que a nossa retina não percebe, por serem demasiadamente
intensas. São treva – por excesso de luz! Quer dizer que pode haver treva por
duas razões: ou por falta ou por excesso de vibrações. Uma luz negativa é,
para nossa retina, treva; luz semipositiva é luz perceptível, e luz plenipositiva
também é treva. Quem fitasse em cheio o globo solar não veria luz alguma,
mas teria a impressão de estar diante de uma grande escuridão; mas quando o
homem contempla luz solar menos forte, dispersa e difusa, tem a impressão de
luz, porque sua retina não sucumbe à intensidade das vibrações. Uma ave
noturna, voando em pleno meio-dia, não enxerga nada, mas de noite enxerga
perfeitamente.
O chamado Inconsciente pode tanto corresponder ao infra-vermelho (baixa
vibração) como também ao ultravioleta (alta-vibração). O inconsciente é, de
fato, o infinito abaixo e o infinito acima de nós; aquilo que representa um menos
e aquilo que representa um mais, considerado do ponto de vista da nossa
atitude humana; pode ser um subconsciente e pode ser também um
superconsciente.
***
Ora, na zona do nosso pequeno Consciente vigoram os motivos de agir por nós
conhecidos e acima especificados: somos bons e deixamos de ser maus, com
medo de certas sanções – lei, polícia, cadeia, multa; céu, inferno – mas, se
penetrássemos no grande inconsciente do Universo, que está tanto dentro
como fora de nós, descobriríamos uma Constituição Cósmica cujos imperativos
têm caráter absoluto, eterno, universal. Nessa zona, não somos bons pela
esperança de algum prêmio fora de nós, nem deixamos de ser maus com
medo de algum castigo vindo de fora de nós. Nessa zona começa o homem a
ser bom pelo fato de ser esta a sua verdadeira natureza, e a natureza do
próprio Universo; aqui, o homem é bom por ser esta a voz da Harmonia
Universal. Encontra a razão última de ser bom dentro si mesmo. Ele é bom por
ser esta a voz da sua natureza ou consciência, e, ainda que não houvesse lei
nem polícia, nem céu nem inferno, esse homem continuaria a ser bom da
mesma forma, uma vez que o motivo de ele ser bom não é algo fora dele, algo
heterônomo e heterogêneo à sua íntima natureza – é ele mesmo, o seu divino
EU SOU.
O homem que atinge essas alturas da bondade imanente entra no regime da
“cosmocracia”, isto é, ele é governado pelas mesmas leis eternas que regem o
cosmos de fora. O seu cosmos de dentro se chama “consciência”, que é o eco
fiel do cosmos de fora chamado “Universo”.
O homem cosmocrático não aboliu a autoridade – transferiu a autoridade de
fora para dentro; passou da exocracia (governo de fora) para a endocracia
(governo de dentro), e por isto pode dispensar qualquer governo de fora.
O homem cosmocrático é um homem “anárquico”, não no sentido comum do
termo, de não aceitar governo algum, mas no sentido de não necessitar de um
governo externo, por ter criado um governo interno mil vezes melhor do que
todos os governos externos. Seria um “anarquista cósmico”, e não um
“anarquista caótico”. Mas... tão grande verdade só serve aos esotéricos.
O educador que se educou a si mesmo para essa cosmocracia é o único
homem capaz de ser educador para outros. O homem cosmocrático cuja
consciência entrou em perfeita sintonia com o supremo imperativo do Universo
é um homem remido, um homem integral, um homem cósmico – e pode
apontar o caminho certo a seus semelhantes.
FAZER GRANDEMENTE AS
COISAS PEQUENAS
Quem teve a paciência e intrepidez de nos seguir até aqui deve ter percebido
que o educador genuíno deve ser um verdadeiro iniciado. Só um verdadeiro
iniciado é que pode ser um educador genuíno.
Vivemos numa época em que, graças à invasão da filosofia Oriental em vastas
zonas do Ocidente, milhares de pessoas desejam ser iniciadas, e milhares se
têm em conta de iniciadas – quando, na realidade, são pouquíssimos os
verdadeiros iniciados.
Quase todos entendem que a iniciação consista num determinado rito
esotérico, cuja aplicação transfira o profano, automaticamente, para dentro de
um novo mundo, fazendo dele um iniciado, da noite para o dia. Confundem
certas técnicas externas com a realidade interna.
***
Certo dia, foram ter com Mahatma Gandhi dois homens e lhe pediram que os
iniciasse. O grande mestre da Índia aceitou-os no seu asham, e logo os
encarregou de varrerem o pátio coberto de folhas secas. Depois disto mandou
a um dos dois candidatos à iniciação descascar batatas para o almoço,
enquanto o outro teve ordem de rachar lenha para acender o fogo. Depois do
meio-dia enviou os dois para uma aldeia vizinha fazer limpeza nas instalações
sanitárias.
E assim por diversos dias.
Os dois iniciados esperavam a cada momento que Gandhi os convidasse,
finalmente, para a suspirada cerimônia de iniciação espiritual; esperavam,
talvez, que se fechasse com eles numa salinha misteriosamente iluminada,
com o ambiente impregnado de perfume de incenso e, ao som de melodias
sacras e fórmulas mágicas, lhes conferisse poderes extraordinários. Nada
disto, porém, aconteceu.
Finalmente, os dois iniciados perderam a paciência e perguntaram ao Mahatma
Gandhi quando começaria o rito sagrado da iniciação.
– Já começou – respondeu Gandhi –, falta apenas uma coisa.
– Que é que falta? – perguntou um dos dois, cheios de esperança de ver
chegado o momento solene. O Mahatma, porém, lhes respondeu calmamente:
– Falta apenas que os senhores façam com espontânea alegria e entusiasmo o
que até agora fizeram a contragosto e compulsoriamente. Nada mais falta...
No mesmo dia, os dois abandonaram o ashram, decepcionados, e,
provavelmente, foram contar aos amigos, lá fora, que Gandhi nada entendia de
iniciação espiritual, tanto assim que os mandou varrer lixo, descascar batatas,
rachar lenha, limpar privadas, etc.
***
Educar é eduzir, conduzir para fora da alma do educando, despertar e
desenvolver o que nele existe de positivo e de bom, e não eduzir nem
despertar o que nele há de negativo e mau.
O educador, repetimos, é um “edutor”. Realizar essa “edução” dos elementos
positivos e bons é a mais difícil e sublime de todas as ciências e artes. A
natureza humana é um misto de luz e trevas, de grandeza e miséria; todo
homem é um anjo e um diabo em potência. É arte delicadíssima saber exprimir
o que no educando há de bom, e reprimir o que nele há de mau.
E, como toda arte consiste numa síntese de técnicas e de inspiração, assim
também a arte suprema da educação. O grande escultor francês Auguste
Rodin disse, um dia, a seus alunos, num atelier de Paris: “Apoderai-vos das
técnicas da vossa arte; e depois esquecei-as todas e cedei à inspiração!” As
técnicas são o corpo, a inspiração é a alma da arte; esta se exprime através
daquele.
Não basta que o educado reconheça as técnicas educacionais, porque essas
técnicas são apenas o corpo – e um corpo sem alma é um cadáver. É
necessário que ele também tenha inspiração, que nele haja o espírito (inspirar
quer dizer: estar no espírito), a alma da educação. Essa alma, porém, é a alma
do próprio educador, que deve animar as técnicas, assim como a alma humana
anima o corpo e lhe dá vida e vigor.
As técnicas se referem ao que o educador tem – a inspiração reflete aquilo que
ele mesmo é.
Todo educador deseja fazer coisa grande. Mas o fato é que todas as coisas
grandes consistem em coisas pequenas, por vezes pequeninas e
pequeníssimas. Quem espera realizar coisas grandes em sua vida, talvez
espera a vida inteira sem nada descobrir de grande para realizar, e assim, de
tanto esperar pelas coisas grandes e extraordinárias, deixa de realizar as
coisas pequenas e ordinárias – e sua vida é uma falência...
Na realidade, nada de grande existe no mundo objetivo, das quantidades.
Coisa grande só existe no mundo subjetivo, da qualidade. Fazer grandemente
as coisas pequenas de cada dia, é a única possibilidade de realizar coisa
grande, porque o objeto reveste o colorido do sujeito que o realiza. Todo objeto
em si é neutro, incolor, amorfo; não é bom nem mau, eticamente; não é
pequeno nem grande, porque essa designação é bitolada do ponto de vista do
homem.
Toda grandeza ou pequenez é um produto do sujeito que pratica os respectivos
atos. A grandeza ou pequenez está na atitude, na intenção, na qualidade
interna de quem pratica o ato. Varrer as ruas ou rachar lenha não é, de per si,
coisa menor do que governar um país ou cristianizar um povo.
Quem faz com grandeza de alma uma coisa qualquer é grande; quem faz com
pequenez de alma essa mesma coisa é pequeno.
Quando os dois iniciados da Índia fizeram a contragosto as coisas corriqueiras
de que Gandhi os incumbiu, fizeram coisa pequena; se tivessem feito com
amor e entusiasmo essas mesmas coisas, teriam feito coisa grande.
Se o educador é grande na sua atitude interna, grande será a sua obra
educacional; do contrário será pequena.
Educar-se a si mesmo para a verdadeira grandeza, que é amor e benevolência,
é o requisito número um para o verdadeiro educador.
Ser ele mesmo, plenamente, assim como ele desejaria ver o seu educando –
isto vale mais que todas as técnicas e valoriza essas próprias técnicas.
DA PEDAGOGIA À FILOSOFIA
Já deve o leitor ter percebido que, neste estudo sobre novos rumos para a
educação, estamos ultrapassando a moldura habitual de um tratado de
pedagogia educacional e invadindo afoitamente os domínios da filosofia e da
mais remontada metafísica. E nenhuma educação real é possível sem que
atinjamos as últimas raízes da natureza humana.
Podemos, sim, persuadir o educando a que faça isto ou deixe de fazer aquilo –
mas persuasão não é convicção, e sem verdadeira convicção não há
verdadeira educação.
Verdade é que o educador não pode nem deve transmitir ao educando todas
as grandes verdades sobre a natureza humana – mas o certo é que ele mesmo
deve possuir pleno conhecimento e profunda experiência das bases
metafísicas e místicas da pedagogia educacional. Para que o mestre possa
transmitir eficazmente 10% ao discípulo, deve ele mesmo possuir 100% de
conhecimentos e, sobretudo, de experiência própria; os restantes 90% não
transmissíveis atuam como “capital de reserva” para garantir os 10% postos em
circulação. Quem possui apenas os 10% que tem de transmitir, corre risco
iminente de “falência”, porque dentro em breve se sentirá esgotado. “Quem é
mestre no reino de Deus”, disse Jesus, “tira do tesouro do seu coração coisas
novas e coisas velhas”.
Quando o Nazareno falava, dizia o povo, assombrado: “Esse homem fala como
nunca ninguém falou; fala com poder e autoridade, e não como nossos
escribas e sacerdotes”. Que é que o povo quer dizer com essa expressão
“poder e autoridade”? Humanamente falando, Jesus não tinha “poder” algum,
nem militar, nem político, nem financeiro; qual, pois, o alicerce da sua
“autoridade”?
A impressão de “poder e autoridade” que os ouvintes sentiam irresistivelmente
provinha da profunda e vasta experiência do divino Mestre. Ele sabia e
saboreava, por experiência íntima e vivência integral, o que dizia ao povo. As
palavras não lhe vinham da flor dos lábios nem de simples especulações
cerebrais. O pouco que o Nazareno dizia ao povo, por dizível, era como que
um eco longínquo do muito que não lhe podia dizer, por indizível; era como
umas gotas lançadas à praia do oceano imenso da sua sabedoria experiencial.
O mar profundo e vasto do seu “ser” era a garantia dessas pequenas gotas do
seu “dizer”. O povo ouvia o pouco que ele externava em palavras, e adivinhava
o muito que recatava nas profundezas de sua alma. E era precisamente esse
“muito”, esse “indizível” que cingia o “pouco”, o “dizível”, como de um halo de
mistério, de “poder e autoridade”.
Porquanto, a verdade é esta: não impressionamos os homens pelo que
dizemos ou fazemos, mas sim pelo que somos. Esse “somos” se refere ao
nosso contato vital com o Infinito, o Eterno, o grande TODO, Deus. Esse “ser
alguém” satura de poder e autoridade o nosso “fazer algo”. Não basta fazer
algo, por muito que seja esse “algo”, quando não somos “alguém”. Mas homem
algum é “alguém” sem uma profunda experiência mística revelada em vasta
vivência ética. Essa profunda vertical da experiência mística revelada na vasta
horizontal da vivência ética perfaz o “homem cósmico”, ou o “homem crístico”
em toda a sua plenitude.
E só um homem cósmico ou crístico é que pode ser um educador genuíno e
autêntico, porque só ele pode falar das profundezas do seu ser; e essa
plenitude do seu grande “ser” é que acorda poderosos ecos nas profundezas
das alma que o ouvem e o veem. O homem que é alguém, graças a seu
contato com o Infinito, não necessita de falar muito nem de fazer muito; o seu
próprio “ser”, embora totalmente silencioso e anônimo, é que produz grandes
efeitos, porque põe em vibração as cordas íntimas do “ser” que existem nas
profundezas das outras almas.
De maneira que o educador, para dar peso e impacto certeiro às suas palavras,
tem de criar e manter por detrás desses símbolos verbais o grande simbolizado
real, que consiste no seu contato com a Vida Universal do Cosmos, a Alma do
Universo, o Espírito invisível que permeia todas as coisas visíveis.
Sem essa experiência cósmica, ultramística, não pode haver educador
eficiente; porque, em última análise, não interessa a nenhum dos meus
educandos o que eu sei, mas tão-somente o que eu sou. (O verdadeiro saber é
idêntico ao ser, mas, na linguagem comum, saber é apenas um conhecer
intelectual, e é neste sentido que negamos a eficácia do saber, do saber
puramente intelectual, analítico, horizontal).
Nenhum educador, nenhum homem que não se tenha identificado vitalmente
com a vida do Universo pode falar com poder e autoridade, porque só esse
contato é que dá às suas palavras o peso e o impacto decisivos. O resto é
ruído vazio, deslumbrante vacuidade, fogo de artifício, teatro de fantoches.
Com efeito, o educador comum, sem essa experiência, é um fantoche, um
boneco de engonços a agitar-se no palco, manipulado por cordéis alheios a
seu próprio ser. Pode ser divertido contemplar esse teatro de fantoches, mas
ninguém está disposto a fazer sacrifícios e abrir mão de certos ídolos e fetiches
queridos por amor a esses bonecos.
PRECISA-SE DE UM
EDUCADOR!
O problema máximo e mais doloroso, no setor educacional, não é o educando,
mas sim o educador. Não temos educadores educados no espírito da verdade
libertadora. E os poucos educadores verdadeiros que existem não têm
projeção pública, porque as suas idéias, por demais avançadas, seriam
consideradas obsoletas e retrógradas. É que a evolução caminha com passos
mínimos em espaços máximos.
Antes de tudo, o educador comum considera o seu trabalho como uma
profissão, como outra qualquer, quando devia ser um puro ideal, um sagrado
apostolado.
Entretanto, o maior dos males é este: não temos educadores que possuam
suficiente experiência própria para poderem servir de diretores aos outros. Não
basta ter lido ou ouvido a verdade; não basta professar teorias certas sobre a
verdade. Quem não viveu e sofreu e saboreou a Verdade, em toda a sua
plenitude, amplitude e profundidade, esse não pode ser educador eficiente,
porque não é suficientemente educado.
Só pode conduzir os homens quem é conduzido por Deus.
Quem não é conduzido por Deus é condutor cego conduzindo outros cegos.
Pouco ou nada interessa ao educando quanto o educador leu, ouviu, estudou
ou decorou. Nada disto exerce impacto real sobre ele. O educando só é
atingido e movido interiormente por algo imponderável, porém intensamente
real e dinâmico, algo que o educador tenha experimentado, dolorosa e
jubilosamente, dentro de si mesmo, algo pelo qual ele possa viver
gloriosamente e morrer tranquilamente.
Quem nunca esteve sofrido de Deus e sofrido de si mesmo não é educador
idôneo. A educação tem que ver muito mais com o que o educador é do que
com aquilo que ele faz ou diz.
O educador não é um simples professor que transmita ideias a seus alunos – é
um verdadeiro mestre que vive tão intensamente a verdade que seus
discípulos se sintam irresistivelmente contagiados por essas poderosas auras.
Pode o professor fazer algo para seus alunos – mas só o mestre é que é muito
para seus discípulos.
O íntimo ser é incomparavelmente mais poderoso do que todo o externo fazer.
Quem é realmente bom, pelo contato direto com o Infinito, nunca deixará de
fazer muito pelos outros, embora não diga muito daquilo que viveu e sofreu
nesse caminho de ser bom.
***
E com isto chegamos à conclusão de que o verdadeiro educador deve ser um
mestre na experiencial verdade sobre si mesmo e na vivência integral dessa
verdade.
A experiência mística da verdade revelada em vivência ética é, em última
análise, o programa total do educador. Ser bom é o único meio eficaz para
fazer bem.
Por onde se vê que que o problema educacional não é, a bem dizer, um
problema do governo, mas um problema de evolução individual e de alguma
organização sagrada que crie ambiente favorável para essa evolução interna.
Nenhum governo do mundo pode decretar que eu seja bom.
Nenhuma banca examinadora pode verificar e atestar se eu sou bom educador,
porque não tem ingresso no meu foro íntimo.
O educador deve fazer de si mesmo um homem plenamente “realizado”, deve
ser um pleni-homem, um homem cósmico.
A pedagogia educacional tem raízes na mais profunda metafísica do homem e
sua afinidade com o Infinito.
Onde estão esses homens cósmicos? esses homens plenamente realizados?...
NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE
Educar é, antes de tudo, uma atitude de servir. Mas, como o nosso velho ego
só quer ser servido e tem horror ao servir, é indispensável que o educador
ultrapasse esse velho ego e descubra o novo EU.
Certo dia, refere o Evangelho, estavam os discípulos de Jesus discutindo entre
si sobre quem deles era o maior no reino dos céus; e cada um fazia valer os
seus pretensos direitos à primeira grandeza. Então lhes disse o divino Mestre:
“Os reis e príncipes deste mundo dominam sobre seus súditos e por isto são
chamados grandes; convosco, porém, não há de ser assim, mas, aquele dentre
vós que quiser ser grande seja o servidor de todos”.
É esta a nova filosofia crística da grandeza pelo servir, suplantando a velha
política luciférica da grandeza por ser servido. Para o nosso ego profano, servir
é inferioridade, ao passo que ser servido é superioridade. Os grandes mestres
da humanidade, porém, são unânimes em proclamar a sabedoria cósmica de
que a verdadeira grandeza consiste em servir, espontânea e jubilosamente,
sem nenhuma esperança de retribuição, gratidão ou reconhecimentos da parte
dos homens.
Ninguém pode ser verdadeiro educador se não criar dentro de si um clima
permanente de querer servir.
Entretanto, não se esqueça ele de que essa permanente atitude de querer
servir, voluntária e gratuitamente, cria infalivelmente o pólo contrário do
sofrimento. Por mais estranho e paradoxal que pareça, a grande verdade é
esta: NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE!
Serviço produz sofrimento.
Benefício produz ingratidão!
Isto é psicologicamente explicável. O beneficiado cedo ou tarde, se sentirá
humilhado pelo benfeitor; sente algo como inferioridade em si, e algo como
superioridade no outro. E esse senso de humilhação e inferioridade se revela,
algum dia, em forma de ingratidão e de revolta.
O mesmo acontece com o serviço espontâneo: produz sofrimento.
Mas esse sofrimento é a melhor medicina profilática para manter o servidor
numa permanente atitude de humildade e pureza e preservá-lo do orgulho e da
vanglória, de que sofria aquele fariseu no templo de Jerusalém que agradecia a
Deus por não ser “como o resto dos homens, ladrões, injustos, e adúlteros”, ele
que “jejuava duas vezes por semana e dava o dízimo de todos os seus
haveres”.
Homem! no dia e na hora em que conseguires libertar-te do derradeiro
resquício do desejo impuro da gratidão ou dos resultados externos dos teus
trabalhos – nesse dia e nessa hora serás livre e liberto de toda a escravidão, e
sentirás em ti uma alegria tão grande, uma beatitude tão profunda que, em face
de tamanha felicidade, se eclipsarão as mais deslumbrantes glórias e as mais
fascinantes alegrias que o mundo oferece a seus servidores.
E então, e só então, compreenderás o que é ser educador, redentor de seres
humanos que necessitam de redenção.
E serás realmente feliz – porque só procuraste a felicidade dos outros.
Quem quiser ganhar a felicidade perdê-la-á – mas quem perder a sua
felicidade por causa da felicidade dos outros, esse a ganhará!
É justo que o servidor sofra, e, como o maior dos serviços é o da educação, é
natural que o educador sofra muito.
Ninguém serve impunemente!
Ninguém educa impunemente!
É esta a sabedoria dos séculos e milênios:
Educador, educadora! Presta a teus semelhantes todos os serviços de que és
capaz, gratuitamente, espontaneamente, jubilosamente – mas não esperes
gratidão, aplausos, reconhecimento, nem jamais permitas que em ti nasça o
sentimento de seres um herói, uma pessoa virtuosa, qualquer espécie de elite,
de exceção ou de “super”. “Quando tiveres feito tudo que devias fazer, dize:
Sou servo inútil; cumpri apenas a minha obrigação; nenhuma recompensa
mereço por isto” (Jesus, o Cristo).
Se em ti conseguires criar e manter essa atmosfera de perfeita despretensão,
serás ótimo educador, maravilhosa educadora – mas não te delicies nisto! A
beleza só é verdadeiramente bela quando totalmente ignorada; no momento
em que ela é contemplada complacentemente perdeu o mais delicado dos seus
encantos...
Liberta-se definitivamente do desejo impuro da justiça, da gratidão, do
reconhecimento. No dia e na hora em que fizeres algo com o secreto desejo de
seres admirado ou aplaudido, estás perdido! Porque nesse momento és vítima
do egoísmo – do pior dos egoísmos, que é aquele que aparece em roupagens
do altruísmo.
Trabalha intensamente, mas renuncia a cada momento aos frutos do teu
trabalho! No dia e na hora em que esperares resultados palpáveis dos teus
trabalhos, ou te entristeceres por falta desses resultados, estás perdido, porque
cedeste ao egoísmo!
Seja o único motivo dos teus trabalhos o amor, a alegria, o entusiasmo, a
puríssima e divinal consciência de seres cooperador de Deus na construção do
mundo e na redenção da humanidade. Não te preocupes jamais com os
resultados palpáveis dos teus trabalhos, porque esses mesmos trabalhos
realizados com o máximo de perfeição e alegria são o verdadeiro resultado;
esperar prêmio posterior, fora do próprio trabalho, é espírito mercenário e
analfabetismo espiritual. És cooperador de Deus na criação do mundo e na
redenção do homem – não será isto recompensa suficiente? Para que
necessitas tu de uma recompensa adicional, extemporânea, alheia ao próprio
trabalho prestado? Deixa de ser tão pueril e torna-te, finalmente, adulto!
SEGUNDA PARTE
EDUCAÇÃO SOCIAL
RUMO À
COSMOCRACIA MUNDIAL
As democracias do século XX, salvo raras exceções, estão agonizantes. Quase
todas ainda sobrevivem graças a constantes injeções. Perderam a sua
vitalidade interna, e isto não por causa dos maus democratas que constituem
essas democracias, como certos “médicos” diagnosticam, mas em virtude de
um mal intrínseco, inseparável desses regimes. É de praxe dizer que a
democracia em si é boa, mas que os homens são maus; se os democratas
fossem tão bons como as democracias, dizem, tudo iria às mil maravilhas.
Não é exato. O próprio conceito da democracia envolve um germe de
dissolução. E por isto não bastam remédios e injeções, paliativos e
cataplasmas de espécie alguma para evitar a sucessiva decadência das
democracias – é necessário abandonar o próprio conceito da democracia e
abraçar uma concepção totalmente diversa, que, na sequência destas linhas,
chamaremos “cosmocracia”. Não basta medicar os efeitos da doença – é
necessário ir à própria causa do mal. Aquilo é charlatanismo superficial, isto é
cura radical...
Cometemos o erro de querer perpetuar o velho conceito democrático, quando a
humanidade dos nossos dias, pelo menos a humanidade-elite, já ultrapassou o
estágio evolutivo que preconizava o regime democrático como ideal e definitivo.
Esse obsoleto anacronismo cria no homem do século XX uma tensão e uma
atmosfera de insegurança e mal-estar; por um lado, quer ele crer no poder
salvífico da democracia, que se lhe tornou palavra sagrada – por outro lado,
despertou nele uma nova consciência que lhe segreda, com crescente nitidez e
insistência, que existe um regime ultra-democrático e que os melhores dentre
nós estão maduros para compreender e viver esse novo regime adaptável ao
estado atual da natureza do indivíduo humano.
A nossa Constituição proíbe abolir o regime vigente por meios violentos – e
nós, obedientes à lei, não pregamos revolução destruidora –, proclamamos,
porém, uma evolução construtora, e, para que possamos construir, algo tem de
ser destruído, não por violência física, mas por compreensão metafísica. Não
há maior poder que o do pensamento, quando baseado na verdade. Mahatma
Gandhi libertou a Índia da prepotência do império britânico, mas não derramou
nem permitiu a seus patrícios que derramassem uma única gota de sangue
humano; com meio século de ofensiva espiritual, Mahatma derrubou a
defensiva material do Commonwealth e libertou mais de 400 milhões de
indianos – fato único e inédito na história da humanidade.
É necessário vitalizar o organismo decrépito da democracia com o novo
espírito da cosmocracia.
MONOCRACIA
Todo indivíduo humano, graças à sua própria natureza, é, no princípio,
monocrático, quer dizer, governado por um indivíduo fora dele. Essa
monocracia é, portanto, uma “alocracia” ou “exocracia”, um governo de outrem,
um regime de fora. Toda criança é alocrática, porque governado por um
indivíduo distinto dela, que são, geralmente, os pais. Essa monocracia
alocrática é natural para a criança. No princípio, o governado e o governante
são pessoas diferentes, porque o governado não está ainda em condições de
se governar a si mesmo, não pode ser ainda um auto-governado, por isto tem
de ser um alo-governado. Para o ser humano infantil o único regime certo é
alocracia, não autocracia. A autonomia da criança é mínima ou nula, por isto a
sua heteronomia tem de ser máxima ou total. O lema do Estado de São Paulo
duco, non ducor (conduzo, não sou conduzido) não serve para a criança, que
só pode adotar a legenda ducor, nun duco.
Essa heteronomia infantil, que exige alocracia, lhe garante a necessária
segurança, ambiente indispensável para a infância. Nenhuma criança normal
reclama liberdade, sente-se bem numa atmosfera de segurança, o mais
imperioso elemento vital da sua existência. A liberdade é autocrática, a
segurança é alocrática. Nesse período da vida, são incompatíveis a liberdade e
a segurança, porque a liberdade gera insegurança, e a segurança é adversa à
liberdade. Por ora, o problema é “ou – ou”, ou segurança sem liberdade, ou
liberdade sem segurança. E, como o elemento fundamental da vida incipiente é
segurança, a criança sente instintivamente que a autoridade paterna e materna
lhe garante esse elemento, e aceita espontaneamente essa autoridade.
Nenhuma criança normal se sente escravizada pelo fato de ter de obedecer a
ordens vindas de fora. Essa alocracia lhe é algo inteiramente natural; uma
autocracia prematura poria em perigo a sua segurança e sua própria
existência.
***
O que acontece no plano individual tem o seu perfeito paralelo no plano social.
Os povos primitivos são naturalmente alocráticos, ou seja exocráticos,
governado por outrem, de fora, porque a sua vida social é algo infantil, incapaz
de autocracia ou endocracia. Em cada tribo existe sempre uma pessoa de mais
experiência e critério, a qual, por direito natural, é considerada como “governo”;
geralmente, é o homem mais idoso da tribo ou do clã, o “pai dos pais” ou
“patriarca”, por vezes também a “matriarca”, a “mãe das mães”.
O patriarcado ou matriarcado representam a monocracia em sua forma mais
simples e primitiva. A segurança da tribo repousa na voluntária obediência dos
súditos ao superior.
Fenômeno análogo se dá no plano espiritual dos povos. Os povos de
espiritualidade primitiva professam monocracia alocrática, ou seja exocracia
heterônoma. Uma pessoa considerada como excepcionalmente espiritual é
reconhecida como chefe religioso da comunidade, e suas palavras são
acatadas como ecos da divindade; por vezes essa pessoa chega a ser
identificada com a própria divindade, ou é considerada embaixador
plenipotenciário e único de Deus, tão infalível como este mesmo. O dogma da
infalibilidade doutrinária do chefe espiritual é a última palavra em matéria de
heteronomia religiosa e garante aos crentes o máximo de segurança espiritual.
Uma vez que o homem se convença de que o chefe espiritual da sua igreja é
infalível, está solucionado o problema central da segurança e tranqüilidade
metafísica, cuja ausência tanto atormenta os outros. A dificuldade está apenas
em adquirir essa convicção integral, essa fé cega e incondicional na
infalibilidade do chefe; uma vez superada essa dificuldade e imposto silêncio a
todos os protestos e dúvidas em contrário, o resto vem automaticamente, como
a conclusão decorre logicamente das premissas. Por isto, é recomendável que
esse homem pense pouco e creia muito; o pensamento é a voz da liberdade,
que gera insegurança; a fé é a voz da obediência, que gera segurança.
O mundo espiritual é imensamente misterioso e incerto; raríssimos são os
homens capazes de se orientar com segurança nessa noite. Aqui, o duco é
impossível para a maior parte, enquanto o ducor é de imperiosa necessidade.
Entre um milhão de homens dificilmente haverá um que seja capaz de se
orientar por si mesmo nas regiões do mundo espiritual; por isto, necessita de
alguém que tenha mais experiência do que ele e no qual ele tenha confiança
incondicional. Fechar os olhos, não pensar, crer e confiar – é esta a atitude
capaz de dar segurança e tranquilidade espiritual à maioria dos homens do
nosso tempo. Milhares e milhões daqueles que alegam não necessitar dessa
heteronomia e heterocracia iludem-se a si mesmos, ou por não terem ainda
atingido a misteriosa fronteira do universo espiritual, ou pelo fato de criarem
uma segurança ilusória em lugar de uma certeza real.
No mundo espiritual, quase todo homem é exocrático, à exceção de uns
poucos místicos; necessita de um indivíduo humano que o conduza por essas
veredas incertas e lhes dê segurança no meio da insegurança. Em parte
alguma é tão necessária a confiança como no terreno espiritual.
Por isto, a exocracia é regra geral entre os homens religiosos; são exocráticos
mesmo os que não reconhecem uma pessoa humana como chefe, mas um
livro como norma de crer e agir, porque também eles buscam a segurança num
fator externo. Apenas uns poucos místicos verdadeiros, raríssimos, podem
prescindir desse fator externo; eles ultrapassaram tanto a monocracia
alocrática como também a democracia egocrática – e entraram na zona
definitiva da cosmocracia.
DEMOCRACIA
Até o fim da Idade Média, a quase totalidade da humanidade européia era
monocrática, tanto no terreno civil como religioso. A monocracia era
representada pelas monarquias – reinos e impérios – no terreno civil, e pelo
magistério eclesiástico, ou papa, no campo religioso.
Lá pelo fim do século XV chegou o tempo em que boa parte da humanidade
cristã devia cruzar a fronteira da infância para a adolescência. A longa e
tranqüila segurança foi perturbada pelos clamores da liberdade. O homem pós-
medieval, o homem da Renascença e da Reforma, sentiu em si o despertar da
sua personalidade, do seu ego intelectual e revolucionário. Esse ego via na
tradicional obediência a uma autoridade externa uma escravidão, uma injustiça,
uma usurpação, uma tirania. Procurou não somente corrigir os inegáveis
abusos da autoridade civil e religiosa, mas resolveu destruir a própria
autoridade como tal. Nenhuma exocracia, nenhuma heteronomia era tolerada!
E começou a grande luta contra trono e altar, campanha da qual a Revolução
Francesa não foi senão o símbolo externo, aurora sanguinolenta de uma nova
era evolutiva. Ruíram as monarquias, reinos e impérios. Os poucos monarcas
que permaneceram nos tronos da Europa passaram a simples figuras
decorativas, espécie de saudosas relíquias colocadas em lindos nichos, mas
sem influência decisiva na vida real dos povos.
No plano religioso, foi o mundo abalado pela “Reforma”, que substituiu a
heterocracia de um homem vivo e infalível pela heterocracia de um livro morto,
igualmente infalível. Não houve mudança radical no regime. A autoridade
espiritual continuou do lado de fora do homem. Um livro, morto e mudo, aceita
sem réplica qualquer interpretação individual, analítica, intelectual, carecendo,
por isto mesmo, de uma autoridade unificante. A transição da heteronomia
papal para a heteronomia bíblica não representa modificação fundamental,
porque, se eu e cada um dos crentes temos o mesmo direito de interpretar o
texto sacro a nosso gosto e talante, como a liberdade democrática exige,
embora esse novo regime pareça autocrático, ele é, na realidade, alocrático,
não menos alocrático que a exocracia papal. Pela Reforma, a exocracia papal
parecia ter sido transferida de fora para dentro, de uma autoridade externa e
alheia para uma autoridade interna e própria – mas essa endocracia pessoal é
grandemente ilusória; ela é pseudo-endocrática, ou, quando muito, semi-
endocrática, porque é visceralmente egocrática. A Reforma prometera
estabelecer o governo da consciência individual em lugar da autoridade papal;
mas o que fez, de fato, e continua a fazer, foi proclamar como supremo árbitro
espiritual a ciência pessoal, isto é, a análise intelectual, egocrática, do texto
bíblico, em vez da consciência espiritual, a intuição cósmica do espírito da
Bíblia.
O regime exocrático da Idade Média passou a ser, no tempo da Reforma, semi-
endocrático, mas não atingiu as alturas e profundezas da verdadeira
endocracia, que seria a cosmocracia, o governo do espírito, da alma, da razão
divina, da consciência cósmica no homem.
Como, porém, o ego intelectual é, por sua natureza, dispersivo e divergente,
era inevitável que a introdução da egocracia na vida espiritual do homem da
Renascença e da Reforma degenerasse, em breve, num pavoroso caos de
dissensões e controvérsias religiosas, de onde surgiram centenas de seitas
diversas.
***
No plano civil, foi menos caótica a transição do regime monocrático para o
regime democrático. Os reis e imperadores foram substituídos pelo povo. Já
não havia soberano “por mercê de Deus” – os chefes democráticos eram
chefes “por mercê do povo”, do “povo soberano”, que lhes conferia e tirava o
poder, conforme as conveniências do momento. Foi proclamada, após a
Revolução Francesa, essa maravilha paradoxal, ainda tinta de sangue e
banhada em lágrimas, do “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Essas
três palavrinhas “do”, “pelo” e “para”, aparentemente tão inocentes,
representam a alvorada de algo que parecia estabelecer a definitiva paz e
felicidade dos povos sobre a face da terra – mas marcou o início de um período
de caos e desordem de que não conseguimos ainda libertar-nos.
Por quê?
Porque a democracia nasceu com o funesto “pecado original”, que nenhum
batismo foi capaz de cancelar; brotou de um pavoroso ilogismo, de cujas
consequências não conseguiu libertar-se. O homem democrático da
Renascença e Reforma rejeitou afoitamente a heteronomia medieval, na
certeza de que todo homem nasceu livre e tem o direito de se governar a si
mesmo, segundo o seu próprio critério. Até o presente dia estão os nossos
hinos democráticos repletos desse ingênuo ilogismo, de que o homem possa e
deva governar-se a si mesmo e que isto é ser livre. E ai de quem não concorde
com essa apoteose da chamada liberdade!
Toda essa confusão deriva de uma falsa noção da verdadeira natureza do
indivíduo humano – e uma premissa falsa invalida todas as conclusões nela
baseadas. Quando o homem comum diz “eu” – que é que ele quer dizer? que
significa esse eu? Significa quase sempre o seu ego físico-mental-emocional,
que ele identifica ingenuamente com o seu verdadeiro “EU”. Eu estou doente,
eu sou inteligente, eu fui ofendido – em todos esses casos, e milhares de
outros congêneres, identifica-se ele com o seu corpo, com a sua mente ou com
a sua psique, que são apenas três aspectos periféricos do seu EU central; são
o seu tríplice “ego”, a sua “máscara” ou “persona” (a palavra latina “persona”,
de que derivamos “pessoa” e “personalidade”, quer dizer literalmente
“máscara”, invólucro ilusório).
A democracia foi proclamada pelo ego e continua ser governada pelo ego; quer
dizer, por um fator periférico da natureza humana, falsamente identificado com
a realidade central do homem, que é o “EU”. O homem não é corpo, mente,
psique – ele é sua alma, também chamada razão ou consciência.
Eu sou a alma.
Eu tenho corpo, mente, psique.
O corpo, a mente, a psique são órgãos, faculdades ou funções do meu “EU”,
que deles se serve para entrar em contato com diversas zonas de mundos ou
vibrações.
Eu sou o EU.
EU tenho o ego.
EU é central.
O ego é periférico.
EU é puro altruísmo.
O ego é impuro egoísmo.
A democracia, fundada e mantida pelo ego, não representa uma verdadeira
endocracia, um governo de dentro, um regime central, porque o ego não é
central, interior. A egocracia é apanas semi-endocrática.
Ora, toda a zona da semi-endocracia democrática é essencialmente egoísta,
dominada pelo ego da personalidade; e por isto não pode jamais estabelecer
verdadeira unidade e harmonia dentro do homem, e, como a segurança vem da
unidade, e a insegurança vem da falta de unidade, é inevitável que a falta de
elemento unitário inerente à democracia dê origem a esse caos, lutas e
desordens.
No plano horizontal do ego são absolutamente incompatíveis a segurança e a
liberdade, porque se acham em polos opostos, adversativos. A segurança
nasce da autoridade, a insegurança é filha da liberdade. Como, porém,
autoridade e liberdade são inconciliáveis, no plano horizontal, como luz e
trevas, como fogo e água, é inevitável que a democracia, filha da liberdade,
destrua a segurança, filha da autoridade.
É logicamente impossível que numa democracia haja autoridade, porque, para
haver autoridade, deve haver distância entre governante e governado, entre
superior e inferior, e quanto maior for essa distância tanto maior será a
possibilidade de uma autoridade eficiente. Na democracia, porém, acontece
esse tremendo ilogismo: o governante e o governado são o mesmo, isto é, o
povo. Dizer que é o presidente que governa é abolir a quintessência da
democracia, que, como todos sabem, é o governo do povo pelo povo e para o
povo. O presidente, eleito pelo povo é, de fato, o povo personificado em fulano
ou sicrano; o presidente de uma democracia sou eu, o cidadão democrata, o
presidente são meus vizinhos, A, B, C, etc. O governo somos nós, os
governados – que também somos os governantes. O povo-mandante é povo-
mandado. O ego-governante é o ego-governado.
Quem não vê nisto um círculo vicioso? espécie de “façanha do barão de
Münchhausen” que, um dia, atolado no brejo, se agarrou pela cabeleira e se
puxou para fora, ele mesmo...
Como poderia haver autoridade onde não há distância entre o superior que
governa e o interior que é governado? Entre o legislador e o legislado? Como é
possível mover uma turbina com a água de um lago sem queda, sem diferença
de nível entre o movente e o movido?
Todo o impacto da força vem da diferença de nível, de uma alta-tensão, de
uma voltagem, da desigualdade entre o polo positivo e o polo negativo. No
conceito democrático, o ego governado pelo ego governante é um grande
pseudos, uma funesta mentira ou ilusão, uma vez que semelhante processo é
intrinsecamente impossível, porque contraditório.
Esse círculo vicioso, essa pseudocracia, é responsável por todas as fraquezas
e desordens das democracias. Por isto, é absurdo dizer que a democracia é
boa, mas os democratas são maus; o contrário é que é verdade; há muitos
democratas melhores do que a democracia em que vivem, e, graças a retidão
desses democratas, as democracias ainda são até certo ponto toleráveis. Se o
homem não fosse, no último reduto da sua natureza, cosmocrático, não haveria
esperança para as democracias; mas essa esperança de redenção
democratica existe, porque todo homem é cosmocrático por sua íntima
natureza, embora essa cosmocracia latente no homem não se tenha ainda
revelado explicitamente. Onde quer que sobreviva uma democracia ordeira, aí,
é certo, vivem numerosos democratas melhores do que a democracia,
democratas que, conservando o rótulo externo, são internamente
cosmocráticos. Graças a esse espírito cosmocrático de certos democratas
sinceros, as democracias têm esperança de sobrevivência e de regeneração.
Quando o homem-ego descobre o homem-EU – então nasce a cosmocracia.
COSMOCRACIA
A monocracia dava ao homem segurança, mas privava-o da liberdade. A
democracia prometeu dar ao homem liberdade, mas perdeu a segurança – e
ter-lhe-á dado a verdadeira liberdade?...
À primeira vista, parece que o homem se acha em face de um terrível dilema:
ou segurança sem liberdade – ou liberdade sem segurança.
E assim é, de fato, no plano horizontal.
Mas assim não é, no plano vertical, ou melhor, na zona universal, onde se
encontram os dois planos, vertical e horizontal. É possível uma perfeita
segurança com perfeita liberdade, e uma perfeita liberdade com perfeita
segurança, o que equivale a dizer que o homem pode obedecer a uma
autoridade e ser ao mesmo tempo livre.
O que, à primeira vista, parece paradoxal e contraditório, é, na realidade, a
maior das verdades e mais gloriosa conquista do homem, naturalmente do
homem cósmico, plenamente realizado.
O homem deve possuir perfeita segurança com perfeita liberdade. E por isto
deve ultrapassar a monocracia e a democracia e entrar na cosmocracia.
Que é cosmocracia?
É o que a palavra diz: o governo do homem pelas leis do cosmos. A
Constituição do Universo de fora é a mesma que a Constituição do Universo de
dentro. As mesmas leis que regem o grande Além sideral devem reger também
o grande Além humano.
Enquanto o homem é monocrático, governado por um indivíduo de fora; ou
enquanto é democrático, governado por um elemento semi-interno, não pode
ele fruir de segurança e liberdade ao mesmo tempo; só pode ter esta ou
aquela, separadamente.
Mas, quando o homem ultrapassa a monocracia e a democracia e entra na
verdadeira cosmocracia, então se torna ele um homem integral, cósmico, um
homem seguramente livre e livremente seguro – um cidadão da grande
cosmocracia.
Quem é que governa, nesse regime cosmocrático?
O EU central do homem, que é a consciência, a razão, a alma, o Cristo interno,
o “espírito de Deus que habita no homem”, no dizer de São Paulo. E quem é o
governado?
O ego, a personalidade físico-mental-emocional do homem.
Nesse novo e glorioso regime, há distância imensa entre o EU governante e o
ego governado, de maneira que aquele pode exercer veemente impacto de
autoridade sobre este – e com isto existe a possibilidade e a realidade de uma
segurança máxima na vida do homem. Por outro lado, essa autoridade do EU
que governa faz parte do mesmo homem, e não é algum elemento estranho e
adventício, heterogêneo, e com isto não há possibilidade de escravização do
homem e destruição da sua liberdade.
Diz tão sabidamente a filosofia oriental: “O EU é o maior amigo do ego.
Mas o ego é o pior inimigo do EU”.
O governo do EU sobre o ego, e a obediência do ego do EU – eis o reflexo da
ordem cósmica no homem, o triunfo das leis do grande Cosmos do Universo no
pequeno Cosmos do Homem!
Há uma Constituição Cósmica, não escrita em livro algum, mas gravada na
íntima natureza de todos os seres do universo, desde o átomo e o astro até o
homem e o anjo – é a grande lei da interdependência de todas as coisas, a lei
do amor, do equilíbrio e da solidariedade recíproca de todas as criaturas.
No homem se manifesta essa Constituição Cósmica pela consciência, razão,
alma, Cristo interno. Quando o homem sintoniza a sua consciência individual
com a Constituição Universal, então atinge ele as culminâncias do seu poder e
da sua felicidade. Verdade, Justiça, Bondade, Amor, Sinceridade,
Benevolência, Solidariedade – são esses os sinais externos que revelam a
atitude interna do homem cosmocrático.
Para que o homem passe da democracia do pequeno ego para a cosmocracia
do grande EU, necessita ele de passar da ignorância para a sapiência, do erro
para a verdade sobre si mesmo. Deve conhecer-se a si mesmo. Enquanto o
homem se desconhece a si mesmo e se identifica com alguma das suas
periferias – corpo, mente ou emoção – não pode entrar na zona da
cosmocracia, porque é ainda insipiente e egoísta. Nesta zona obscura,
costuma ele chamar “liberdade” o que é escravidão e capricho do ego, e por
isto não tem segurança, um vez que pseudo-liberdade não dá verdadeira
segurança.
Somente depois de entrar na zona luminosa do seu verdadeiro EU é que o
homem conquista a verdadeira liberdade, a “gloriosa liberdade dos filhos de
Deus”, conhece a verdade “e a verdade o liberta”. E à luz dessa verdade
libertadora é o homem integralmente seguro, e essa segurança lhe dá uma
tranquilidade profunda, uma serenidade imperturbável, uma felicidade
indestrutível.
O supremo tribunal da autoridade foi transferido de fora para dentro do homem,
e por isto a autoridade não destrói a liberdade, como nos planos inferiores. Não
é mais o ego que escolhe o seu “presidente” e lhe delega os seus poderes,
como na democracia; mas o ego descobre o fato de que, acima dele , ou
dentro dele, existe esse “presidente” um soberano legítimo por “obra e mercê
de Deus”, e esse Deus imanente no homem é o seu eterno EU, legítimo
detentor do trono central da natureza humana. Obedecer a esse Deus interno
do EU é liberdade, ordem, segurança, harmonia, paz, felicidade.
EDUCAÇÃO COSMOCRÁTICA
É necessário que saiamos da velha ilusão de que possa haver melhoramento
social sem que haja conversão individual. O estado social da humanidade é
necessariamente o eco do estado individual dos homens que compõem a
sociedade.
É claro que os governos podem criar técnicas educacionais que facilitem a
educação – mas, em caso algum, podem essas técnicas substituir a própria
educação. A educação em si não é da alçada dos governos, nem de poder
externo algum. A educação obedece a leis internas de evolução individual. E
essas leis culminam no fato do autoconhecimento e na subsequente auto-
realização do homem. O homem que não se conhece a si mesmo não pode
realizar o seu verdadeiro EU interno. Auto-realização depende de
autoconhecimento.
Autoconhecimento, porém, não é apenas um processo mental nem uma
simples psicanálise. O verdadeiro autoconhecimento é algo intuitivo, é uma
visão ou revelação da profunda realidade do ser humano, um contato direto
com a última raiz do EU humano, daquilo que fica para além de todas as
palavras e para além de todos os pensamentos daquilo que jaz nos silenciosos
abismos da Verdade Absoluta.
Essa visão intuitiva do EU não é o produto de um simples esforço consciente,
intelectual – embora esse esforço deva preceder. E, em última análise, uma
revelação, um carisma, uma graça, um dom de Deus ao homem. Mas esse
dom supremo, embora seja gratuito, não é arbitrário. O homem recebe essa
graça do autoconhecimento, não como merecimento ou pagamento – pois, se
assim fosse, seria produto do ego, e não seria coisa grande. Não o pode
merecer, produzir, causar. Isto, todavia, não quer dizer que a graça do
autoconhecimento seja algo meramente arbitrário. Ela é dada a todo homem
que se tornar receptivo para a receber. Essa receptividade é uma condição
prévia indispensável para o recebimento do divino carisma do
autoconhecimento; mas não é causa do mesmo. A lei de causa e efeito vigora
em todos os planos do finito, opera de finito a finito, mas não existe na relação
de finito a Infinito, do homem a Deus. O homem não pode merecer algo de
Deus, porque merecer é causar. Se o homem merecesse um dom divino, ele
teria direito ao mesmo e Deus teria obrigação em face do homem – o que é
absurdo. Deus nunca pode ter obrigação para com criatura alguma, e jamais
pode alguma criatura ter um direito em face de Deus.
A atitude receptiva do homem condiciona o carisma divino, mas não o causa.
Quando abro uma janela, entra a luz solar na sala – mas seria absurdo afirmar
que o fato de eu abrir a janela fosse causa da iluminação da sala; a causa é o
sol, o efeito é a iluminação da sala, e a condição dessa iluminação é o
abrimento da janela.
O que, nesta comparação, é o abrimento da janela, isto é, no caso do
autoconhecimento, a receptividade criada pelo homem. Essa receptividade é
uma espécie de canal livre, de veículo idôneo. Quando uma estação emissora
lança ao espaço uma onda eletrônica, é necessário que eu sintonize o meu
receptor para captar essa onda; do contrário, a onda passa despercebida,
presente em si, mas ausente para mim. As “ondas” de Deus enchem sem
cessar todo o universo e permeiam sempre a humanidade, mas, se não houver
receptor devidamente afinado e sintonizado, as ondas presentes objetivamente
são subjetivamente ausentes, inexistentes. Não é o receptor que produz ou
causa as ondas eletrônicas, mas ele é a condição da sua captação.
Essa receptividade ou disposição propícia da alma humana se chama, nos
livros sacros, fé. Naturalmente, não uma fé meramente teórica, mas uma fé
prática e plenamente vivida. Essa fé vivida pela ética prepara o ambiente para
o carisma do auto-conhecimento, o qual, uma vez completo, produz a auto-
realização do homem, isto é, a realização ou despertamento do seu verdadeiro
EU divino.
Somente uma educação dessa natureza desperta no homem aquilo que poderá
transformar a democracia agonizante numa cosmocracia triunfante e cheia de
vitalidade.
EPÍLOGO
DESORIENTAÇÃO DAS AUTORIDADES RELIGIOSAS
EM FACE DO PROBLEMA EDUCACIONAL
Acabávamos de terminar este livro, quando nos caiu nas mãos um artigo
entitulado “Causas e remédios para delinquência juvenil”, da autoridade Fulton
Sheen, bispo auxiliar de Nova York, artigo divulgado pela imprensa dos
Estados Unidos e reproduzido, em vernáculo, por um dos grandes jornais de
São Paulo.
Esse documento é uma brilhante confirmação do que expusemos num dos
primeiros capítulos deste livro sobre a “falência da educação religiosa”.
Pedimos vênia para reproduzir, na íntegra, o referido artigo:
Causas e remédios para a delinquência juvenil
FULTON SHEEN, BISPO DE NOVA YORK
Entre as causas há as seguintes:
1 – Pais que não reconhecem nenhuma autoridade acima de si mesmos têm
filhos que não reconhecem sua autoridade. Numa máquina, quando as
engrenagens maiores deixam de funcionar, as pequenas se desarranjam. O
Quarto Mandamento sobre a obediência dos filhos aos pais se relaciona com o
Primeiro sobre a obediência a Deus. Os jovens não sabem traduzir sua
rebelião em ideias, mas instintivamente se revoltam contra a atribuição de
autoridade a quem não reconhecem nenhuma autoridade. Se não há Deus
acima de seus pais, então porque devem estes estar acima deles? O agricultor
que não obedece às leis da natureza com respeito às estações não deve
espantar-se por ter más colheitas.
2 – A negação de responsabilidade pessoal, pela atribuição do mal ao
ambiente. Por exemplo, crescer na pobreza ou em favelas, beber leite de
segunda, ou não ter suficientes clubes de dança. Diz-se que isso faz
delinquentes. Mas por que é que muitas crianças vivendo no mesmíssimo
ambiente se tornam bons cidadãos? Nosso Senhor uma vez falou de duas
mulheres que moíam num moinho e de dois homens que trabalhavam num
campo. Um deles salvou-se; o outo perdeu-se. Ambos cuidavam do mesmo
engenho ou do mesmo campo; o mesmo sol brilhava sobre ambos; vestiam do
mesmo modo, recebiam os mesmos salários – mas a diferença estava no
interior. Não é o que entra em contato externo com o homem que o faz, mas o
que sai do seu coração. A negação da responsabilidade pessoal traz como
consequência a benevolência para com os delinquentes nos tribunais, pois não
poderá um juiz condenar um delinquente do qual se diz ser o que é porque
viveu numa vizinhança com latas de lixo à soleira da porta.
3 – A terceira causa da delinquência juvenil é uma consequência da segunda,
isto é, a sociedade é que deve ser culpada – culpada porque externa uma
atitude “vingativa” quando pune um transgressor; culpada porque os mestres
com seu conhecimento superior dão aos jovens um "complexo de
inferioridade”; culpada porque os exames e a publicação de boletins provocam
comparações invejosas, tornando assim os jovens revoltados; culpada porque
o amor excessivo ou deficiente da parte dos pais lhes dão uma “compulsão”
para roubar ou matar.
Algumas sugestões sobre a delinquência
1 – Toque de recolher – a ocasião deve ser estabelecida pela lei civil. Filadélfia
pôs em prática um sistema de toque de recolher, que estatui multas tanto para
os jovens como para os pais, que funciona de verdade. Dizer-se que isso
constitui uma injustiça para com os bons elementos da juventude é esquecer
que: a) uma vez que vivemos em sociedade, alguns membros devem mostrar-
se dispostos a fazer sacrifícios para o bem do todo; b) os jovens bons estão em
casa à hora de recolher de qualquer modo. O rio é que deve purificar o esgoto,
e não este que deve poluir aquele.
2 – Criação de uma comissão permanente de cidadãos responsáveis, em vez
dos juízes de menores e dos chamados “peritos”, para decidir sobre a
orientação, punição e tratamento dos delinquentes.
3 – Para os contraventores reincidentes e os culpados de assassinato,
violação, assalto e outros crimes graves, a criação de Campos de Preservação
Juvenil com as seguintes características:
– Esses campos devem ser não só educativos como também reformativos.
– Tanto a educação como a disciplina dos delinquentes devem ficar a cargo do
Exército ou da Marinha.
– Para os contraventores mais difíceis, depois do estágio no CPJ., seriam eles
engajados no Exército.
– Enquanto trabalhassem em estradas, florestas , etc., receberiam um pequeno
salário. Parte desse salário seria retida, rendendo juros, até que deixassem o
CJJ. Os delinquentes que causassem dano ao patrimônio teriam que pagar
plenamente; aqueles que tivessem tirado uma vida seriam obrigados a pagar à
família do jovem assassinado uma certa porcentagem do seu salário durante
sua vida dentro ou fora do campo.
Isso é duro, poder-se-á dizer, mas é mais duro para vinte mães e pais
chorarem o assassino de vinte filhos. As Forças Armadas farão homens desses
delinquentes; muito provavelmente farão mais do que isso – farão bons
soldados deles.
***
Vamos tecer uns comentários elucidativos sobre esse importante documento.
Como é possível que uma autoridade eclesiástica de grande projeção, escritor,
conferencista, locutor de rádio e televisão, orientando milhões de almas, dentro
e fora de seu país, ignore as causas mais profundas da delinquência juvenil e
aconselhe remédios tão superficiais, e até flagrantemente anticristãos?
Na primeira parte de seu artigo, sobre as “causas” da delinquência, afirma
Fulton Sheen que uma dessas causas é a falta de autoridade dos pais, e que
estes não tem autoridade sobre os filhos porque eles mesmos não reconhecem
acima de si autoridade superior, divina.
Em parte concordamos com o ilustre escritos; mas perguntamos por que é que
existem ateus só no Ocidente cristão? Por mais estranho que pareça, o
“fenômeno ateísmo” é totalmente desconhecido em outras partes do mundo; é
um produto tipicamente cristão, isto é, resultado de uma teologia pseudocristã
que impera nas igrejas do Ocidente. Recordo-me das palavras do meu exímio
mestre hindu, Swami Premananda, de Washington, sobre este particular:
quando ele, uns decênios atrás, veio da Índia para os Estados Unidos e ouviu
da existência de ateus, não o quis acreditar, porque nunca tinha visto um único
ateu entre seus patrícios gentios do Oriente.
De onde vem o ateísmo?
Nasce de uma falsa concepção de Deus, que é impingida às crianças de
catecismo ou escola dominical, um Deus com todos os seus atributos
humanos, embora potencializados – um Deus irado, vingador, ciumento,
militarista, (o “Deus dos exércitos”), nacionalista, que luta em favor de um
pequeno povo eleito contra todos os outros povos do globo – um Deus sempre
distante, longínquo, cujo maior prazer parece consistir em apanhar em falta
uma pobre criatura humana e condená-la sadicamente a tormentos eternos,
sem lhe dar a possibilidade do arrependimento, após-morte. No seu livro An
historian´s approach to religion diz o grande historiador-filósofo britânico Arnold
Toynbee que se o Deus da teologia cristã existe, então é ele o maior monstro
do universo. Felizmente, esse Deus não existe, nem pode existir. Perguntaram
a Voltaire porque ele era ateu; ele, educado num ambiente religioso,
eclesiástico, respondeu patriarca da descrença: “Se alguém me mostrar um
Deus que eu possa amar hei de crer nele; mas até hoje ninguém me mostrou
esse Deus”.
Esse deus-monstro é ensinado às crianças, e elas, ingênuas, o aceitam,
obedientes, de olhos fechados; um dia, porém, quando adultas, abrem os olhos
e não conseguem harmonizar esse pseudo-deus da teologia com o Deus
verdadeiro da sua consciência do Universo – e passam por ateus.
Muitos dos maiores santos e místicos de todos os tempos e países foram
“ateus” neste sentido – “ateus” por serem excessivamente sinceros consigo
mesmo.
Fulton Sheen acusa os pais dos delinquentes juvenis de não crerem em Deus.
Perguntamos: quem é o culpado remoto desse “ateísmo”?
Medice, cura teipsum!
Passando das causas para os “remédios” da delinquência juvenil, o autor é
ainda mais infeliz. Insiste em que a educação dos delinquentes fique a cargo
das forças armadas, do Exército e da Marinha. Mas será possível que um bispo
cristão veja nessas instituições militaristas a quintessência da arte
educacional? quando todo o militarismo é, em última análise, um produto do
nosso egoísmo? Será possível que Fulton Sheen ignore que “quem com ferro
fere com ferro será ferido”?
E, para coroar a sua obra, termina o bispo auxiliar de Nova York por dizer que
“as forças armadas farão homens desses delinquentes, e, muito
provavelmente, farão mais do que isto – farão bons soldados deles”.
Quer dizer que, na opinião desse líder espiritual de milhões de cristãos, um
bom soldado vale mais que um homem honesto! quem aprendeu nos quartéis a
arte de matar com perícia e técnica – com canhões, metralhadoras, e bombas
atômicas – esse vale mais do que o melhor dos homens que procura salvar
vidas! E as forças armadas educarão o delinquente nesse sentido!
Realmente, é a apoteose do militarismo anticristão!
Ó Schweitzer! Porque escreveste um livro intitulado Reverência pela vida? Por
que não te matriculaste na escola do bispo Fulton Sheen para saber como
destruir vidas em massa?!
Ó Gandhi! por que lutaste a vida inteira pela não-violência (ahimsa) e por ela
morreste mártir? não sabias tu, pobre pagão, que nos Estados Unidos vive um
cristão que vê a salvação na violência?... que atrasado discípulo do Cristo és
tu, pobre hindu, que ainda te guias por essas ideias obsoletas do Sermão da
Montanha?...
TEXTO COMPLEMENTAR
A EDUCAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
“A instrução ensina o homem a descobrir as leis da natureza, isto é, a
ciência; mas a educação leva o homem a criar valores dentro de si
mesmo”, diz o filósofo brasileiro Huberto Rohden nesta entrevista a
VISÃO.
“Não existe crise de educação no Brasil, nem em qualquer parte do globo. O
que existe é uma deplorável ausência de verdadeira educação”. Esta é a
opinião do filósofo brasileiro Huberto Rohden a respeito da chamada crise da
educação moderna. Rohden explica: “Não estou usando a palavra „educação‟
no sentido popular, referindo-me a graus de instrução. Uso a palavra „educar‟
no sentido rigorosamente etimológico e verdadeiro „eduzir‟, indicando que o
educador deve eduzir, desenvolver e manifestar o que já existe na natureza do
educando”. É esta razão que, no modo de ver do professor Rohden, “uma
filosofia ou uma teologia que admita de antemão que o homem seja mau por
natureza não pode falar em eduzir; só poderia tratar de impingir ao educando
algo alheio à sua natureza. Mas isso é o contrário à educação”.
Como Sócrates, Platão, e os Estoicos, Rohden acredita que a boa ordem social
não pode ser criada com estratagemas políticos. A boa ordem social não tem
origem na política, mas na ética que ordena a consciência dos cidadãos e dos
líderes da sociedade: ela se projeta na sociedade, mas está radicada no
indivíduo.
Nascido em Tubarão, Estado de Santa Catarina, Rohden formou-se em
Ciências, Filosofia e Teologia nas Universidades de Innsbruck (Áustria),
Valkenburg (Holanda) e Nápoles (Itália). De 1945 a 1946, teve uma bolsa de
estudos para o desenvolvimento de pesquisas científicas na Universidade de
Princeton, Estados Unidos, onde teve a oportunidade de conviver com Albert
Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito internacional da
Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a
constituição do próprio universo.
Em 1952, fundou em São Paulo o Centro de Auto-Realização Alvorada, que
mantém cursos permanentes sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do
Evangelho. É autor de mais de 60 livros, entre os quais estão Por que
Sofremos, O Caminho da Felicidade, Mahatma Gandhi, Lúcifer e Logos, O
Homem, Einstein – O Enigma do Universo e Educação do Homem Integral.
Alto, cabelos brancos, roupas simples, mente aguçada, o professor Rohden
concedeu a VISÃO a seguinte entrevista na sede do Centro de Auto-
Realização Alvorada, na Rua Alegrete, 72, Sumaré, São Paulo.
VISÃO – O senhor tem dedicado boa parte do seu tempo aqui na Alvorada,
enfatizando a diferença entre a instrução e a educação.
HUBERTO ROHDEN – Não, não é bem isso. Tenho falado unicamente sobre
autoconhecimento e auto-realização da natureza humana. Isso inclui tudo e vai
muito além da educação. Nós temos de nos realizar. Somos embrionários;
“sementes” humanas. Falando simbolicamente, temos de realizar a nossa
“semente” humana em forma de uma perfeita “planta” humana. Portanto, no
Centro Auto-Realização Alvorada, cuidamos do autoconhecimento da natureza
humana e sua auto-realização na vida prática. Temos de saber o que somos e
temos de viver de acordo com aquilo que somos. O homem deve realizar-se.
Ele não é realizado; é apenas realizável. Da auto-realização fazem partes duas
coisas: tanto a instrução na ciência como a educação da consciência. O
Governo só pode instruir na ciência; não pode educar na consciência. A
educação da consciência é do foro íntimo do indivíduo. Temos um Ministério da
Instrução; não temos um Ministério da Educação. Não existe nenhum ministério
da educação em nenhum país; nem pode existir. Não devemos confundir
instrução com educação. A educação é muito mais profunda do que a
instrução. A instrução é da inteligência; a educação é da consciência. A
instrução faz o homem erudito; a educação faz o homem bom. Ambas são
necessárias, mas a mais importante é a educação da consciência.
VISÃO – Então, ao contrário do que se supõe hoje em dia, a educação é uma
atividade individual?
ROHDEN – É eminentemente individual. Não pode ser uma atividade social.
Ela se reflete na sociedade, mas está radicada no indivíduo. Só existe auto-
educação; não existe alo-educação (educação de fora para dentro). Ou o
homem se educa ou não se educa. Outros não podem educar-me; só podem
mostrar-me o caminho pelo qual eu me possa educar.
VISÃO – Essa é, então, a função do mestre – mostrar?
ROHDEN – Sim. O mestre é um guia. O educador pode mostrar ao educando o
caminho por onde o educando se pode auto-educar. Há muita confusão hoje
em dia sobre a educação. Entre centenas de livros sobre a educação, mal
encontrei um que possa aprovar integralmente. Alguns têm coisas boas, mas
não frisam a coisa essencial que é a auto-educação.
VISÃO – Falou-se recentemente que o sistema educacional brasileiro estava
em crise. O senhor concorda que esteja?
ROHDEN – Crise supõe uma presença. Não existe nenhuma crise; o que
existe é uma deplorável ausência de verdadeira educação.
VISÃO – De onde surgiu essa ausência de educação?
ROHDEN – Ela resulta do fato histórico de que a nossa evolução humana no
mundo inteiro não está na altura. Não estamos na era da incerteza, da qual
falou o economista John Kenneth Galbraith; estamos, sim, em estado
permanente de incerteza, porque a humanidade está marcando passo na
inteligência e não atingiu ainda o nível da razão, da consciência. Falta-nos uma
disciplina ética avançada. Albert Einstein, que era um grande luminar, disse: “O
descobrimento das leis da natureza – a ciência – torna o homem erudito; mas
não torna o homem bom. O homem bom é aquele que realiza os valores que
estão dentro de sua consciência. Do mundo dos fatos, que é a ciência, não
conduz nenhum caminho para o mundo dos valores, que é a consciência.
Fatos não produzem valores, porque os valores vêm de outra região”. Teilhard
de Chardin disse: “O homem veio da biosfera. Está na noosfera (noos quer
dizer inteligência, em grego) e age em função da noosfera. Viemos da biosfera,
isto é, da esfera da vida. Nós nos intelectualizamos há milhares de anos;
viemos da biosfera para a noosfera. Passamos da vida para a esfera da
inteligência – e cá estamos. Acima da noosfera está a logosfera, a esfera da
consciência; mas ainda não estamos lá”.
VISÃO – Não há alguns indivíduos que estão acima do grosso da humanidade?
ROHDEN – É claro. Há indivíduos isolados, esporádicos, que estão na esfera
da educação da consciência. Mas a maioria não está lá. É uma questão de
evolução da humanidade. A culpa não é do Brasil, nem de ninguém. É da falta
de evolução superior da humanidade. Na esfera em que estamos não podemos
ter educação; só podemos fazer instrução. Todos os crimes e terrorismos vêm
daí. A ciência não pode abolir o terrorismo; só a consciência pode fazê-lo. Já
se foi o tempo em que se dizia ingenuamente: “Abrir uma escola é fechar uma
cadeia”. A experiência prova que os grandes malfeitores da humanidade não
foram analfabetos, mas, sim, homens que não educaram a consciência.
VISÃO – E as Igrejas não favorecem a educação? Não é, essa, parte da sua
razão de ser?
ROHDEN – A teologia da Igreja ensina que melhor que viver corretamente é
morrer corretamente. Se um homem vive cinquenta anos matando, roubando,
defraudando e, nos últimos cinco minutos, se confessa e se converte, vai para
a vida eterna. Isso é um convite antipedagógico, um convite tácito para uma
vida má, contanto que haja morte boa. As teologias são tacitamente contrárias
à educação da consciência. É uma denúncia que eu faço em base real.
Simples moralidade não é educação.
VISÃO – Mas as Igrejas não pregam a ética do Evangelho?
ROHDEN – Não. Substituíram o Evangelho pela teologia. O Evangelho exige
uma vida honesta do princípio ao fim. Mas as Igrejas pregam que basta
converter-se na última hora. E tentam consertar seu erro com uma falsa
interpretação das palavras de Jesus ao ladrão na cruz.
VISÃO – Além da teologia, há, na sua opinião, outras filosofias contrárias à
educação operando nos chamados meios educacionais.
ROHDEN – Os “meios educacionais” estão cheios dessas filosofias. Veja o
behaviorismo de B.F. Skinner. Ele diz: “A liberdade é um mito. O livre-arbítrio
não existe”. É uma filosofia que diz que somos autômatos, que somos
condicionados pelo meio ambiente. Ora, se não há livre-arbítrio, então não há
base para a educação. O homem tem a alternativa de ser bom ou mau; isto é,
a possibilidade de auto-educação. Mas se o homem é obrigado pelas
circunstâncias a ser mau, ou ser bom, então acabou-se toda a base para a
educação. Não negamos que as circunstâncias possam dificultar o exercício do
livre-arbítrio; negamos que o homem normal possa ser obrigado palas
circunstâncias a ser bom ou mau.
VISÃO – O vazio moral, a angústia existencial que muitos parecem sentir hoje
em dia e que é constantemente representada na arte moderna – pintura, teatro,
literatura, cinema, televisão, etc. – de onde vêm?
ROHDEN – Vêm da falta de autoconhecimento e da falta de verdadeira
educação. Esses fatores sociais – rádio, teatro, televisão, etc. – não podem
educar porque, como já foi dito, a educação é um processo eminentemente
individual. O que os citados fatores sociais poderiam e deveriam fazer é
remover ou diminuir os obstáculos à verdadeira educação. Infelizmente, porém,
quase todos os programas de cinema, rádio, televisão são flagrantemente
antieducativos. E isso acaba num vácuo ou numa frustração existencial, como
repetirmos sem cessar em nossos cursos da Alvorada e em nossos livros.
VISÃO – Qual a relação entre a natureza humana e a auto-educação?
ROHDEN – A auto-educação é a perfeita evolução da natureza integral do
homem. Não é algo alheio introduzido nela; é o conteúdo interno da própria
natureza, eduzido e manifestado na vida externa, individual e social. O homem
profano, sem auto-compreensão, abusa de tudo, inclusive de si mesmo, a fim
de ter momentos de prazer superficial. Por outro lado, o homem místico
isolacionista se recusa a usar qualquer objeto; simplesmente recusa tudo. Mas
o homem cósmico, o auto-educado e auto-realizado, usa de tudo sem abusar
de nada. E isto é a verdadeira educação.
O educador deve mostrar ao educando que ser fiel à sua própria natureza é ser
feliz, embora essa felicidade nem sempre esteja livre de sofrimento. Enquanto
o educando confundir felicidade com gozo, ou infelicidade com sofrimento, não
tem o caminho aberto para a verdadeira educação. O homem auto-educando
pode ser feliz no meio de sofrimentos e pode também ser infeliz no meio de
gozos. A base da auto-educação é autoconhecimento, como já diziam os
filósofos gregos: “Conhece-te a ti mesmo”.
VISÃO – Haverá no mundo moderno movimento de auto-educação?
ROHDEN – Felizmente há, em todos os países, pequenos grupos que levam a
sério a auto-educação. Conheço de convivência o movimento neugeist (Novo
Espírito), nos países germânicos; bem como a Selfrealization (Auto-
Realização), nos países anglo-saxônicos, que, na Inglaterra, também é
conhecida como The New Outlook (A Nova Perspectiva). Esses movimentos
são representados no Brasil pelo Centro de Auto-Realização Alvorada.
São iniciativas particulares de pequenas elites que tomam a sério a sua auto-
realização, baseada no autoconhecimento da natureza humana e manifestada
na vivência ética da vida diária, individual e social. Felizmente, o maior dos
educadores disse, há quase 2.000 anos: “O Reino dos Céus está dentro de
vós, mas é ainda um tesouro oculto, que deveis descobrir”. Com isso o
Nazareno afirma a presença de um elemento bom no homem e a necessidade
que ele tem de revelar na vida diária esse tesouro oculto.
Isto é pura auto-educação.
ÍNDICE
EDUCAÇÃO – PROBLEMA VITAL DA ATUALIDADE
A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO LEIGA E DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA
A DELINQÜÊNCIA JUVENIL, FRUTO DE UMA FALSA EDUCAÇÃO
O FLAGELO DO PARASITISMO E SUA CURA
BASES PARA UMA NOVA EDUCAÇÃO
ENTRE LÚCIFER E LOGOS
ESSENCIALIZANDO A EXISTÊNCIA
A SABEDORIA DOS GRANDES EDUCADORES
OS MALES DA EDUCAÇÃO ESCATOLÓGICA
ADORAÇÃO, SERVIÇO E SOFRIMENTO
PARA EDUCAR – SER EDUCADO
PASSANDO DA CONSCIÊNCIA EXTERNA PARA A CONSCIÊNCIA INTERNA
DO CONSCIENTE FINITO PARA O INCONSCIENTE INFINITO
FAZER GRANDEMENTE AS COISAS PEQUENAS
DA PEDAGOGIA À FILOSOFIA
PRECISA-SE DE UM EDUCADOR!
NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE
RUMO À COSMOCRACIA MUNDIAL
MONOCRACIA
COSMOCRACIA
EDUCAÇÃO COSMOCRÁTICA
EPÍLOGO: DESORIENTAÇÃO DAS AUTORIDADES RELIGIOSAS EM FACE
DO PROBLEMA EDUCACIONAL
A EDUCAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
HUBERTO ROHDEN
VIDA E OBRA
Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil
em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia
e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg
(Holanda) e Nápoles (Itália).
De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.
Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais
várias foram traduzidas para outras línguas, inclusive para o esperanto;
algumas existem em braile, para institutos de cegos.
Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e
dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.
De 1945 a 1946 teve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas, na
Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com
Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da
Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a
constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática,
Metafísica e Mística.
Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de
Washington, D.C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões
Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.
Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American
Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de
guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de
Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de
manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.
Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o
Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yôga por Swami
Premananda, diretor hindu desse ashram.
Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado
para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University
(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e
Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade
japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi
nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não
tomou posse.
Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada,
onde mantinha cursos permanentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia,
sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e dirigia Casas de Retiro
Espiritual (ashrams) em diversos Estados do Brasil.
Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência
espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências
com grupos de yoguis na Índia.
Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre
autoconhecimento e auto-realização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de
Auto-Realização Alvorada.
Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia
alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos
definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com
a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.
Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora
responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e
inspiração.
À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica
naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste
mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em
estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”.
Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de
fé e trabalho, somente comparados aos dos grandes homens do século XX.
RELAÇÃO DE OBRAS DO PROF.
HUBERTO ROHDEN
COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL:
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DA ANTIGUIDADE
A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL
COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO:
FILOSOFIA CÓSMICA DO EVANGELHO
O SERMÃO DA MONTANHA
ASSIM DIZIA O MESTRE
O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE
O NOSSO MESTRE
COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA:
DE ALMA PARA ALMA
ÍDOLOS OU IDEAL?
ESCALANDO O HIMALAIA
O CAMINHO DA FELICIDADE
DEUS
EM ESPÍRITO E VERDADE
EM COMUNHÃO COM DEUS
COSMORAMA
PORQUE SOFREMOS
LÚCIFER E LÓGOS
A GRANDE LIBERTAÇÃO
BHAGAVAD GITA (TRADUÇÃO)
SETAS PARA O INFINITO
ENTRE DOIS MUNDOS
MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, EGITO E ÍNDIA
FILOSOFIA DA ARTE
A ARTE DE CURAR PELO ESPÍRITO. AUTOR: JOEL GOLDSMITH
(TRADUÇÃO)
ORIENTANDO
“QUE VOS PARECE DO CRISTO?”
EDUCAÇÃO DO HOMEM INTEGRAL
DIAS DE GRANDE PAZ (TRADUÇÃO)
O DRAMA MILENAR DO CRISTO E DO ANTICRISTO
LUZES E SOMBRAS DA ALVORADA
ROTEIRO CÓSMICO
A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO
A VOZ DO SILÊNCIO
TAO TE CHING DE LAO-TSÉ (TRADUÇÃO)
SABEDORIA DAS PARÁBOLAS
O QUINTO EVANGELHO SEGUNDO TOMÉ (TRADUÇÃO)
A NOVA HUMANIDADE
A MENSAGEM VIVA DO CRISTO (OS QUATRO EVANGELHOS TRADUÇÃO)
RUMO À CONSCIÊNCIA CÓSMICA
O HOMEM
ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER
O HOMEM E O UNIVERSO
IMPERATIVOS DA VIDA
PROFANOS E INICIADOS
NOVO TESTAMENTO
LAMPEJOS EVANGÉLICOS
O CRISTO CÓSMICO E OS ESSÊNIOS
A EXPERIÊNCIA CÓSMICA
COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA:
MARAVILHAS DO UNIVERSO
ALEGORIAS
ÍSIS
POR MUNDOS IGNOTOS
COLEÇÃO BIOGRAFIAS:
PAULO DE TARSO
AGOSTINHO
POR UM IDEAL – 2 VOLS. AUTOBIOGRAFIA
MAHATMA GANDHI
JESUS NAZARENO
EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO
PASCAL
MYRIAM
COLEÇÃO OPÚSCULOS:
SAÚDE E FELICIDADE PELA COSMO-MEDITAÇÃO
CATECISMO DA FILOSOFIA
ASSIM DIZIA MAHATMA GANDHI (100 PENSAMENTOS)
ACONTECEU ENTRE 2000 E 3000
CIÊNCIA, MILAGRE E ORAÇÃO SÃO COMPATÍVEIS?
CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO
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