FUTEBOL E NACIONALISMO NA REVISTA VEJA (1969 … Vidigal... · Estou pensando em fazer novas mudanças num futuro próximo. ... paulistas lamentavam que a CBD tivesse se rendido a
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FUTEBOL E NACIONALISMO NA REVISTA VEJA (1969-1970)
Talita Vidigal Terciotti
Universidade Estadual de Londrina
Este trabalho tem como objetivo a análise das imagens das reportagens sobre futebol
presentes na revista Veja nos anos de 1969 a 1970. O Brasil nesse período estava vivendo sob
um regime ditatorial ao mesmo tempo em que conquistou o tricampeonato mundial de futebol
no México. Escolhemos a revista Veja, e não uma especializada em futebol, exatamente por
se tratar de uma revista de informações variadas, para assim analisar qual era a importância
dada ao tema na revista.
Consideramos ser importante estudarmos qual foi a postura da revista ao tratar do
tema da Copa do Mundo de 1970, afinal esse campeonato teve fins políticos, pois teria
confirmado a vocação brasileira para cumprir os projetos nacional-desenvolvimentistas, indo
de encontro com o objetivo do governo de transformar o Brasil em potência internacional.
Para nós, a definição de futebol, seria a de que é um veículo da permanência de
valores sociais, sendo a mais importante e contínua manifestação de massas no Brasil.
Segundo Marco Antônio Santoro e Antônio Jorge Gonçalves Soares, a nossa identidade
nacional é como nossa identidade do futebol brasileiro, pois é uma narrativa que louva o
encontro e a mistura e povos e “raças”. Nesse diálogo de identificações, o povo é
representado e se representa como miscigenado, criativo, imprevisível e possuidor de uma
genuína ginga de corpo, que está presente em manifestações populares como o samba, a
capoeira e o futebol (SALVADOR e SOARES, 2009).
Ao explicar o desenvolvimento desse esporte em nosso território, estamos também
falando da história do Brasil. Porque, de acordo com Marcos Guterman,
(...) o futebol (...) não é um mundo à parte, não é uma espécie de “Brasil paralelo”. É pura construção histórica, gerada como parte indissociável dos desdobramentos da vida política e econômica do Brasil. O futebol, se lido corretamente, consegue explicar o Brasil (...). (GUTERMAN, 2009. P.9).
A primeira Copa do Mundo foi realizada em 1930. A FIFA, presidida por Hules Rimet,
decidiu em 1928 criar seu próprio torneio mundial depois de terem ocorrido divergências com
o Comitê Olímpico Internacional em relação às competições que envolviam o futebol. Foi a
partir desse momento que se passou a entender que a própria pátria que estava vestindo
chuteiras e entrando em campo.
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E essa identificação nacional com o futebol é uma preocupação do Estado brasileiro desde
a década de 1930, na Era Vargas durante o Estado Novo. O Estado não mediu esforços para
transformar o futebol em um instrumento para diminuir as tensões e os conflitos sociais e
étnicos em nosso país.
Em 1958 o primeiro título mundial chegou. O dia da conquista foi muito importante
também para a política, pois foi a primeira vez que um presidente brasileiro, Juscelino
Kubitscheck, teve a chance de explorar o poder mobilizador e transformador que uma
conquista como a do Brasil possuía. JK chegou a afirmar para João Havelange, presidente da
CBD (Comissão Brasileira de Desportos): “(...) Durante a Copa do Mundo na Suécia,
substituí vários ministros e não houve uma única palavra a respeito nos jornais. Estou
pensando em fazer novas mudanças num futuro próximo. Qual é a data da próxima Copa do
Mundo?” (YALLOP, David. 1998. P.47. Apud: AGOSTINO, 2002. P. 152).
Outro Presidente que teve a oportunidade de se aproveitar dos resultados da Copa do
Mundo foi João Goulart (Jango) no mundial de 1962. Quando Jango foi obrigado a sair do
governo os militares tomaram o poder em 1° de Abril de 1964. Guterman comenta a falta de
participação popular diante do golpe, em comparação às manifestações que ocorriam em
relação ao futebol:
(...) Apesar de toda a importância do momento, nada disso, no entanto, era capaz de mobilizar a massa geral de brasileiro mais do que o futebol – menos por culpa do futebol, e mais por causa da apatia de uma sociedade cujo controle de seu destino estava crescentemente fora de suas mãos (...). A defesa dos ideais democráticos, como possível elemento catalisador dos brasileiros, tinha no futebol um concorrente praticamente imbatível, sobretudo numa época mágica desse esporte no Brasil – fazia muito mais sentido sair às ruas para festejar uma vitória da seleção brasileira do que para defender as liberdades (...). (GUTERMAN, 2009. P.136.)
Veja sob censura
No ano em que o Ato Institucional número 5 foi instaurado, Veja estava nascendo:
(...) Veja foi lançada no dia 11 de setembro de 1968. No total, 700 mil exemplares, no formato 27 x 21 cm, foram distribuídos para as bancas de todo o País. O preço de capa era de 1 cruzeiro; tinha 144 páginas, em cores e em preto-e-branco, trazia as notícias da semana, e em 63 delas, publicidade. A revista foi a primeira semanal de informações a trazer o modelo da Time ao Brasil (...). (ALMEIDA, 2009.)
O fundador da revista foi Roberto Civita, filho mais velho do dono da Editora Abril
Victor Civita. O lançamento de Veja teve uma das maiores campanhas publicitárias da
história da imprensa brasileira. Apesar disso, a campanha de lançamento deu a entender que
Veja seria uma revista semanal ilustrada concorrente da Manchete e não uma semanal de
informações. As revistas ilustradas tinham como prioridade a fotografia, já Veja investia no
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texto. Era um novo tipo de revista, com novos padrões e o qual o público não estava
preparado.
A primeira edição, por exemplo, teve uma tiragem de 700 mil exemplares, a segunda
500 mil, a terceira de 300 mil, a quarta de 150 mil e a quinta cerca de 100 mil exemplares.
Dessa forma, durante cerca de 20 edições, a revista não vendeu mais do que 16 mil
exemplares. A Abril, nos primeiros anos, teria tido um rombo cerca de seis vezes o
investimento previsto no projeto “Falcão”. Quem bancou a aventura foram as demais revistas
e histórias em quadrinhos, e por causa disso, muitas vezes o lucro das demais publicações era
perdido diante do prejuízo da semanal. Foram necessários seis anos para que a revista
começasse a fazer sucesso.
Logo em seu primeiro ano de vida, Veja teve que conviver com a censura, que fora
instaurada com o AI-5. O ato vigorou até o dia 31 de dezembro de 1978, dias antes da
conclusão do mandato do presidente Ernest Geisel, que já havia acabado com a censura à
imprensa anteriormente. Nesse período a imprensa brasileira recebeu mais de 500 proibições.
A censura da imprensa ocorreu de duas formas: primeiro iniciou-se com bilhetinhos e
telefonemas que determinavam os assuntos que não deveriam ser abordados. Com o tempo ela
foi ganhando força e, a partir de então, agentes da Polícia Federal apareciam nas redações
com papéis timbrados e assinados por alguma autoridade contendo os assuntos que não
deveriam ser abordados nas reportagens. A segunda maneira utilizada era a censura prévia, na
qual os censores revisavam todo o material antes dele ser divulgado. Geralmente era uma
punição àqueles meios de comunicação que não obedeciam às determinações dos bilhetinhos
e telefonemas.
Esses dois tipos de censura podiam coexistir dentro de uma redação ou então
alternadamente, quando os censores se retiravam e voltavam a operar somente por
telefonemas e bilhetes.
Veja tinha um público definido: a classe média. Isso já nos diz muito sobre o seu
conteúdo, mas não basta para afirmarmos qual foi a postura da revista durante a ditadura. Ela
ofereceu resistência? Ou apoiou a o governo cívico-militar? E como isso se refletiu em suas
reportagens sobre futebol?
Podemos perceber que Veja causava certo incômodo ao governo, pois sofria censura e
durante algum tempo, recebeu a censura prévia. Um exemplo é a capa da edição número 15,
de 18/12/1968, a primeira edição a sair depois da promulgação do AI-5 e que teve a presença
de um censor na redação. Após um almoço com Roberto Civita e algumas taças de vinho, o
censor permitiu que a revista saísse. Mas não é de se surpreender que a capa não fora bem
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aceita pelos militares, a revista então foi apreendida e o censor trocado na semana seguinte
por outro.
Depois dessa apreensão, a censura por telefone por comunicados por telex do
Ministério da Justiça começou. A censura ocorreu de maneira mais enfática no início dos anos
1970, após a apreensão nas bancas da edição número 66, de 10/12/1969, que trazia uma
reportagem sobre tortura. Foram feitas duas capas sobre o assunto, as edições 65 e 66. Assim,
Mino Carta colocou na capa a estátua da Justiça na Praça do Planalto com a chamada: “O
presidente não admite torturas” num fundo vermelho.
Ilustração 1: Costa e Silva sozinho no Congresso Nacional. RevistaVeja.Capa. Edição 15. 18 de Janeiro de 1968. Acervo Online.
Ilustração 2:. Revista Veja. Capa. Edição65. 7 de Dezembro de 1969. AcervoOnline.
Ilustração 3: Ilustração 1:. RevistaVeja. Capa. Edição 66. 10 de Dezembrode 1969. Acervo Online.
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Essas edições foram apreendidas nas bancas porque o presidente teria ficado irritado
com as matérias, pois ela indispunha Veja contra a Presidência. E foi a partir daí que surgiu a
censura prévia na revista. Outras edições de Veja foram apreendidas (mesmo com a censura
prévia da revista), o que gerou algumas visitas à Polícia Federal para depor, o que era muito
comum acontecer com donos de veículos de comunicação. Mino Carta fora convocado várias
vezes. Victor e Roberto Civita tiveram de viajar por diversas vezes à Brasília, convocados
pelo ministro-chefe da Casa Militar ou pelo ministro da Justiça.
A Pátria de chuteiras
Nesta pesquisa foram analisadas as edições da revista do período de Janeiro de 1969 a
Dezembro de 1970 (edição 17 a 121). Nessas edições, a palavra “futebol” aparece 505 vezes,
em reportagens que eram específicas sobre o tema ou não.
Podemos perceber que em todas as edições, há pelo menos uma menção a palavra
futebol. As matérias em sua maioria abordam questões relacionadas à seleção brasileira e à
Copa do Mundo, sendo poucas as menções sobre times e campeonatos locais ou nacionais.
Todas as reportagens possuem alguma fotografia para ilustrar o texto, na maioria das vezes
em preto-e-branco.
Está presente também uma grande preocupação com o êxito da seleção brasileira. A
revista acompanha toda a crise passada pela Comissão Brasileira de Desportos (CBD) para
escolher um técnico durante o ano de 1969. Quando ele é escolhido, João Saldanha, a revista
dedica a matéria de capa ao novo técnico, na qual publica uma página inteira de fotografias.
Devemos lembrar que isso não era algo comum, pois Veja era uma revista que valorizava
muito mais o texto do que as imagens. Podemos perceber que quando o assunto é futebol, ela
tende a dar mais destaque as imagens do que normalmente faz.
São as primeiras fotografias coloridas relacionadas ao futebol apresentadas pela
revista:
Ilustração 4: Revista Veja. Edição 23. 12 de Fevereirode 1969. Página 45. 12/02/1969. Acervo Online.
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A escolha de João Saldanha se deu em uma situação de crise, onde Havelange estava
procurando acertar a seleção brasileira a qualquer preço. Gilberto Agostino afirma que:
(...) Nenhuma estratégia era dispensável, até mesmo a possibilidade de contratar um técnico contrário aos valores golpistas (...). Foi nessas circunstâncias que João Saldanha assumiu o selecionado, mesmo bombardeado por todos os lados. Os paulistas lamentavam que a CBD tivesse se rendido a um carioca, enquanto os militares mais conservadores também falavam em rendição, só que a um comunista (...). (AGOSTINO, 2002. P.156.).
Saldanha era comentarista esportivo de grande prestígio, chamado de ‘João Sem
Medo’ por não ter receio de defender seus pontos de vista. Tinha pouca experiência como
técnico, havia treinado o Botafogo em 1957, quando foi campeão estadual. Saldanha fora
ativo militante comunista desde os anos 1940 e ainda guardava forte relação com o PCB, o
que deixava toda a ditadura em alerta.
O técnico teve uma campanha impecável nas eliminatórias da Copa, mas seu sucesso à
frente da seleção, em termos de resultados, não escondia os diversos problemas de
relacionamento entre os vários integrantes da comissão técnica, além de rusgas com
jogadores, imprensa e outros treinadores. Essa tensão cresceu até o ponto de onde não havia
mais retorno.
Até que houve uma intervenção no futebol, pois Saldanha foi demitido em 17 de
março de 1969. Ele deu entrevistas afirmando que Médici teria lhe imposto a convocação do
atacante Dário e ele teria respondido ‘O senhor escala o seu ministério e eu escalo o meu
time’, respondeu Saldanha nesse diálogo imaginário, que até hoje é usado como ‘prova’ da
disposição de Saldanha de não fazer o jogo da ditadura.
Se isso aconteceu ou não, o fato é que existia uma clara mobilização das autoridades
no Planalto por causa da crise na seleção, e isso não dizia respeito necessariamente à
escalação de um ou outro jogador, mas à imagem da equipe e ao efeito que traria para o ânimo
dos brasileiros.
O apoio de Veja a João Saldanha é claro não foi o suficiente para mantê-lo no poder. A
interferência militar era tão grande que não só o técnico foi trocado, mas como toda a
comissão técnica, que passou a ter vários membros militares. Dessa forma, quando o Brasil
venceu o tricampeonato, a disciplina de perfil militar, já exaltada como importante para
recolocar o país nos trilhos, foi considerada um pilar do tricampeonato. O próprio preparador
físico da seleção de 70, Admildo Chirol, disse que “(...) não foi só o preparo físico e técnico’
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o responsável pela conquista, ‘mas o comportamento disciplinar perfeito – horários e
programas a cumprir com a máxima seriedade (...)”. (O Estado de São Paulo, 24 jun. 1970,
p.16. Apud: GUTERMAN, 2009). O governo explorou também outra mensagem, a de que
não haveria triunfo sem a dedicação harmoniosa e ordenada dos brasileiros.
Salvador e Soares afirmam que “(...) A imagem que temos da Seleção de 1970, como
‘pura expressão da arte’ do futebol nacional, poderia ser abalada se recuperarmos as vitórias
dessa Seleção nos jornais editados durante a trajetória da Seleção na Copa de 1970 (...)”
(SALVADOR E SOARES, 2009. P. 3.) Pois, os autores constatam que nos jornais daquele
ano, existiu algo para além da ‘ginga’, da ‘malandragem’, da ‘malícia’ e do ‘improviso’ no
triunfo do tricampeonato. Dessa forma, “(...) O sucesso daquela seleção teve como aliado
principal uma equipe técnica altamente qualificada, que realizou e executou um planejamento
baseado nos conhecimentos específicos e tecnológicos mais avançados na época (...)”
(SALVADOR E SOARES, 2009. P.4.).
Veja nos mostra a preocupação com esses novos conhecimentos tecnológicos da época
ao publicar uma matéria que afirmava que os italianos estavam realizando pesquisas
relacionadas ao futebol e concluíram que em locais com altitude elevada, a bola corria mais
rapidamente e com mais facilidade do que em lugares que estão ao nível do mar. Para nós, tal
descoberta não é nenhuma novidade, mas para eles sim. A revista chega a afirmar que existia
uma alta probabilidade de na Copa do Mundo no México, termos muitos gols.
Finalmente, um novo técnico foi escolhido: Zagallo. E foi ele que levou a seleção
brasileira ao triunfo. Veja publicou uma matéria denominada “O estranho jogo do futebol” em
que a revista critica a politicagem presente no esporte brasileiro. Falou-se de vários aspectos,
inclusive da contratação do novo técnico, mas sem muita ênfase. Isso se confirma no fato de
que a única foto publicada na revista ser essa, em preto-e-branco no canto da página, o que
diferiu muito da publicação sobre a escolha de Saldanha como novo técnico da seleção.
Apesar da falta de entusiasmo, as escolhas feitas por Zagalo para o jogo que se seguiria foram
elogiadas, como por exemplo, a escolha do jogador Tostão.
Ilustração 5: Revista Veja.Edição 81. 25 de Março de1970. Página 40. AcervoOnline.
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A partir de junho de 1969 Veja passa a publicar como matérias de capa somente
notícias sobre a Copa do Mundo de 1970. A edição número 92 tinha como chamada “1 X 0 -
O Brasil vinga 66”, a edição 93 “O Brasil na Semifinal” e a edição 94 a capa era esta:
Essa revista contém a maior parte das suas reportagens voltadas às finais da Copa do
Mundo e principalmente à conquista do tricampeonato pelo Brasil. São várias páginas com
matérias sobre como teria sido o jogo da semifinal contra o Uruguai e sobre o jogo da final,
mas principalmente com fotografias preto e brancas e também coloridas. É visível o aumento
de imagens sobre a conquista em relação à quantidade normal de fotografias em cada edição.
Mas primeiramente voltemo-nos para a capa da edição 94. O que ela nos diz?
Primeiramente, que o acontecimento mais importante que a revista trata nesta edição é a
conquista da Copa do Mundo. No período trabalhado, não se colocavam chamadas de várias
matérias na capa da edição, mas somente um acontecimento muito importante, como a ida do
homem à Lua e a Copa do Mundo de futebol, para aparecer sozinho na capa da revista (como
por exemplo, a capa sobre torturas).
Esta fotografia mostra a taça Jules Rimet em destaque. Isso provavelmente para
enfatizar, juntamente com a frase “Brasil, para sempre”, que o país era maior do que todos os
Ilustração 6: Revista Veja. Edição 94. 24 de Junho de 1970. Capa.Acervo Online.
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outros países no futebol, pois estava conquistando seu terceiro campeonato mundial, sendo os
primeiros a realizar tal feito, tendo o direito de ficar com a taça definitivamente.
Segundo Eduardo França Paiva, estudar uma fotografia em uma revista é também
tentar entender as formas por meio das quais, no passado, as pessoas representaram sua
história e sua historicidade e também se apropriar da memória cultivada individual e
coletivamente. Então estaremos analisando como as pessoas daquele momento quiseram
deixar para a história aquele acontecimento. Muitas poderiam ter sido as abordagens, mas
dentre as possíveis foi escolhida uma, que reflete os valores compartilhados pela revista e por
seu público leitor.
A participação do fotógrafo também deve ser levada em consideração, pois ele
seleciona os elementos que farão parte da composição do quadro. Dessa forma, a reportagem
fotográfica não se constitui num registro passivo dos fatos e o papel do fotógrafo não está
relegado a somente testemunhar o que ocorre diante de suas lentes. Os valores que emergem
do processo de criação estruturam os planos de captação da imagem, assim, há por parte do
autor, um trabalho de investigação, análise e intervenção no real.
Paulo César Boni e André Reinaldo Acorsi, afirmam que a interpretação das imagens
não depende somente da bagagem que cada indivíduo acumula, pois um meio de
comunicação, seja um jornal ou uma revista, pode induzir a interpretação de seu público por
meio das fotografias,
Os autores afirmam que nada impede a mídia de saber a provável interpretação de seus
leitores e se utilizarem desse conhecimento para publicar fotografias passíveis de serem
interpretadas de acordo com seus próprios interesses. Esse processo é conhecido como
geração de sentido e consiste em orientar a leitura que o público faz de determinada imagem.
Tentaremos então entender se existiu algum tipo de intenção de geração de sentido
nessa fotografia. Na capa, não há nenhum jogador evidenciado, somente uma mão de uma
pessoa desconhecida que segura a Taça. Dessa forma, não se atribui a vitória a nenhum
jogador específico, por mais que exaltassem na reportagem em si alguns jogadores como Pelé,
Jairzinho e Rivelino. A frase “Brasil, para sempre” e a falta de uma figura humana na capa
nos leva a pensar que a idéia que a revista queria passar é a de que aquela conquista era de
todos os brasileiros e que graças a eles, o Brasil estaria gravado eternamente na história do
futebol. É dada uma importância muito grande à conquista desse campeonato, importância
que não parece ter se repetido na conquista das outras Copas que o Brasil conquistou (1994 e
2002). Provavelmente o contexto social e político em que esse campeonato ocorreu possam
ter influenciado nesse enfoque dado pela revista. O período conturbado que o país estava
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passando pode ter feito florescer nos brasileiros um sentimento de grande interesse pelo
futebol, ou então a propaganda feita pelo governo cívico-militar de engrandecimento do país e
legitimação do governo tenha influenciado.
As duas hipóteses são possíveis, mas consideramos que a segunda pode ter tido mais
impacto na população. Isso porque a propaganda política patrocinada pelo governo iniciou-se
no final dos anos 1960. O governo veiculava todo o projeto montado por eles para o país, na
qual a sociedade brasileira finalmente realizada todas as suas potencialidades.
As frases divulgadas pelo governo, como “Você constrói o Brasil!”, “Ninguém Segura
Este País!”, “Brasil, Conte Comigo!” tinham o objetivo de despertar o nacionalismo
brasileiro, para que a população, ao exaltar as qualidades de seu país, não percebesse seus
problemas e, principalmente, não criticasse o governo vigente. O início do “milagre
econômico” ajudou muito esse sentimento nacionalista a se proliferar, a conquista da Copa do
Mundo potencializou ainda mais o projeto do governo de se legitimar.
Outra reportagem de capa da revista muito interessante é da edição número 95,
denominada “A nova imagem de Médici”. A primeira página da matéria era esta:
Ilustração 7: Médici comemorando a conquista da Copa do Mundo de 1970. Revista Veja. Edição 96. Junho, 1970. P. 19. Acervo Online.
O título da matéria, como se pode ver é “A imagem do sucesso” e logo abaixo há uma
citação de Napoleão Bonaparte: “Que é o governo? Nada, se não dispuser de opinião
pública”. A partir daí já percebemos que a reportagem falará da imagem de Médici
relacionando-a ao sucesso, e o motivo para isso é a tentativa de obter um alto nível de
popularidade entre os cidadãos brasileiros. Mas o conteúdo desenvolvido ainda traz mais
aspectos que reforçam nossa hipótese.
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(...) Na terça-feira da semana passada, a chegada do presidente teve um público inusitado: 70 000 pessoas estavam concentradas desde cedo na Praça dos Três Poderes. Quando o general Médici começou a subir a rampa (...) teve que se voltar, erguendo os braços num gesto largo e instintivo, para agradecer os aplausos que vinham da multidão da praça, que respondia com cadenciadas salvas de palmas. Ao chegar ao patamar do palácio, o general estava sorridente. Nunca um presidente revolucionário fora tão aplaudido pelo povo da capital (...) (...) Surgia naquele momento uma evidente demonstração de simpatia ao governo. (...) O povo o reconhecia e aceitava como cabeça e símbolo da imensa e exaltada torcida em que o país inteiro havia-se transformado (...) (Revista Veja, Editora Abril. P. 1).
Não esperávamos que a revista ignorasse o que aconteceu, mas publicar que nunca um
presidente revolucionário havia sido tão aplaudido e que era uma demonstração de simpatia
ao governo, dá a entender que a revista estava apoiando a tentativa de Médici de se aproximar
das massas e vender uma imagem de um presidente popular e amigável, ao invés do militar
linha-dura que era. Afirmar também que o “(...) povo o reconhecia e aceitava como cabeça e
símbolo da imensa e exaltada torcida em que o país inteiro havia-se transformado (...)” a
nosso ver indica que o jornalista pode ter colocado sua opinião, ao invés de buscar ser neutro
e relatar o acontecido.
O conteúdo da reportagem confirma a fotografia do general em que ele aparece
correndo com a bandeira do Brasil nas mãos com um ar de felicidade no rosto. O leitor da
revista não precisaria ler a matéria para já saber qual era o seu assunto, ela não está na matéria
como uma simples ilustração, a imagem faz parte do discurso. A postura de Médici difere
bastante das dos outros presidentes militares brasileiros, mostrando que a intenção era
realmente difundir uma nova imagem dele. Afinal ele se encontrava comemorando uma
conquista futebolística, com as mangas arregaçadas, o que diferia muito da imagem dos seus
sucessores no poder ditatorial. Os outros presidentes, Castelo Branco e Costa e Silva não
deixavam serem fotografados dessa forma, sempre estavam de farda e com uma expressão
séria. A divulgação dessa fotografia fazia parte de um plano do governo de se legitimar, pois
eles sabiam que a aceitação da população era extremamente importante. Usar somente a
repressão para se manter no poder não era o suficiente e o governo sabia disso.
Para cuidar da imagens dos presidentes, foi criada a Agência Especial de Relações
Públicas (AERP) e quem se utilizou muito dela foi o presidente Emilio Garrastazu Médici. O
presidente tinha uma boa imagem diante da população, era bem visto pelos trabalhadores
porque o Brasil tinha pleno emprego, e somando-se a isso, se identificava muito com o
futebol, o esporte mais popular do Brasil. Esses fatores ajudaram a fazer com que o governo
Médici fosse o que melhor soube aproveitar o momento e suas próprias características para
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atingir o objetivo que qualquer regime de exceção almeja que seria criar uma espécie de
cumplicidade com a maior parte da população em torno de seus projetos de grandeza.
Conclusão
A associação entre política, futebol e nacionalismo já haviam sido feitas no Brasil e no
mundo, mas ao menos referente à nossa história, nunca com tanto êxito quanto na conquista
do tricampeonato. A revista Veja também percebeu que poderia explorar essa paixão nacional
e conseguir vender mais números, afinal ela precisava cobrir o prejuízo enfrentado em seu
início.
O que podemos perceber com as análises das edições da década de 1969 é que existia
uma preocupação muito grande da revista com a possível conquista do Brasil da Copa do ano
seguinte. Discutiu-se bastante o tema durante um período muito difícil de censura,
reportagens foram apreendidas e a revista sofreu perdas consideráveis, atrapalhando o lucro
da editora. Mas o que mais destoa de tudo, do conteúdo das reportagens, das revistas que
foram confiscadas são as matérias da edição 95. Não sabemos se as reportagens que falavam
da Copa do Mundo de 1970 foram compradas pelo governo, se houve alguma ordem que elas
fossem publicadas, mas a responsabilidade pelo o que foi publicado é, com certeza, da própria
revista. Acreditamos também que havia a impossibilidade de publicarem matérias que
criticassem o governo, mas escreverem textos que valorizassem pontos do governo e do
próprio presidente, que nem sempre eram verdadeiros, foi uma atitude consciente de apoio ao
governo cívico-militar.
Realmente, a revista deu a entender que incomodava o regime, se não incomodasse
não teria sido censurada e algumas vezes algumas edições apreendidas. Mas analisando as
reportagens que foram censuradas, não foram reportagens muito polêmicas. O que acontecia
era que Veja publicava sim matérias que não agradavam ao governo, mas não fazia uma
oposição direta a ele. Ela somente se incomodava por estar sendo censurada e muitas vezes se
irritou com isso. Em muitos momentos também, a revista cedeu e em outros publicou
reportagens que davam a entender que estava apoiando a ditadura, principalmente quando se
tratava de futebol. Infelizmente atualmente é difícil afirmar se a revista estava apoiando o
governo e qual era o intuito dela com a veiculação dessa publicação, mas após uma breve
análise, podemos dizer que naquela edição específica a revista não estava fazendo oposição ao
governo.
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Fontes:
Revista Veja.Capa. Edição 15. 18 de Janeiro de 1968. Acervo Online.
___________. Capa. Edição 65. 7 de Dezembro de 1969. Acervo Online.
___________. Capa. Edição 66. 10 de Dezembro de 1969. Acervo Online.
___________. Edição 23. 12 de Fevereiro de 1969. Págiina 45. Acervo Online.
___________. Edição 81. 25 de Março de 1970. Página 40. Acervo Online.
___________. Capa. Edição 94. 24 de Junho de 1970. Acervo Online.
___________. Edição 96. Junho, 1970. P. 19. Acervo Online.
Disponível em: < http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acessado em 03/04/2011.
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