Ensino de Sociologia
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1
AU
LA
Pressupostos e origem da Sociologia
Nelson Dacio Tomazi
INICIANDO NOSSA CONVERSA
Ao longo da histria da humanidade encontramos mui-tas
teorias e explicaes sobre a vida em sociedade e sobre os
mais variados e diversos acontecimentos sociais, polticos e
econmicos. Mas somente no sculo XIX que surge a Socio-
logia como um ramo de conhecimento especfico tendo essa
preocupao cientfica como objeto de estudo. Deste modo, em um primeiro momento vamos abordar
uma srie de acontecimentos que tm por finalidade
oferecer uma viso do processo histrico que fundamenta
e contri-bui para o surgimento da Sociologia. Esperamos
assim que todo(a)s estejam disposto(a)s a empreender esta
viagem, esta aventura histrico-sociolgica.
PROPONDO OBJETIVOS
Ao final desta aula o(a) cursista dever:
Entender os pressupostos histricos-polticos, sociais e econmicos e culturais que fundamentam o surgimento da
Sociologia. Demonstrar como o pensamento social foi se
estruturando e sendo estruturado historicamente at o incio
do sculo XIX, quando as circunstncias histricas criaram as
condies para que a Sociologia surgisse como uma nova
forma de ver, pensar e agir, isto , como uma nova
configurao do saber sobre a sociedade humana.
Conhecer os principais pensadores que fundamenta-ram a emergncia da Sociologia.
CONHECENDO SOBRE
Os antecendentes e a origem da Sociologia
As transformaes no Ocidente e as novas formas de pensar a sociedade
A Sociologia surge como um corpo de ideias que se preo-
cupa com o processo de constituio, consolidao e desen-
volvimento da sociedade moderna. Ela fruto da Revoluo
Industrial e, nesse sentido, denominada cincia da crise,
porque procura dar respostas s questes sociais colocadas por
esta Revoluo que, num primeiro momento, altera toda a
sociedade europeia e, depois, a maior parte do mundo. Ela no surge de repente, como num passe de mgica, ou da
reflexo de algum autor iluminado; ela fruto de todo um
conhecimento sobre a natureza e a sociedade, que se desen-volve
a partir do sculo XV, quando ocorrem grandes mudan-as
decorrentes da transformao da sociedade feudal e cons-tituio
da sociedade capitalista. Essas transformaes a expanso
martima, as reformas protestantes, a formao dos Estados
nacionais, as grandes navegaes e o comrcio ultra-marino, bem
como o desenvolvimento cientfico e tecnolgico
esto todas vinculadas entre si e no podem ser entendidas
de forma isolada. Elas so o pano de fundo que pode iluminar
o movimento intelectual que altera profundamente as formas
de explicar a natureza e a sociedade. Expanso martima (as grandes navegaes)
Trata-se de um grande acontecimento configurado pela
circum-navegao da frica e pelo descobrimento da rota para as
ndias e para a Amrica. A definio de um novo mundo,
territorialmente muito mais amplo, com novos po-vos, novas
culturas, novos formas de explicar as coisas, exigiu a
reformulao do modo de ver e de pensar dos europeus. Ao mesmo tempo em que novos povos e novas culturas foram
conhecidos, colnias eram instaladas na frica Negra, na sia e
na Amrica, acarretando com isso a expanso do co-
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As grandes navegaes portuguesas...
mrcio entre as metrpoles e os novos territrios, bem
como entre os pases europeus. Com o surgimento de novas
mer-cadorias (sedas, especiarias, produtos tropicais como
acar, milho, tabaco e caf, entre outros) nasceu e cresceu
a possibili-dade de um mercado muito mais amplo e com
caractersticas mundiais. A explorao de metais preciosos, principalmente na
Amrica, e o trfico de escravos para suprir a mo de obra
nas colnias, deram grande impulso ao comrcio, que no
ficou mais restrito aos mercadores das cidades-repblicas
(Vene-za, Florena ou Flandres), passando tambm para as
mos de grandes comerciantes e dos soberanos dos grandes
Estados nacionais em formao na Europa. Toda essa expanso territorial e comercial acelerou o
de-senvolvimento da economia monetria, com a
acumulao de capitais pela burguesia comercial que,
mais tarde, ter uma importncia capital na gestao do
processo de industrializa-o da Europa.
Surgimento do Estado Moderno
As mudanas que se operavam nas formas de se produzir a
riqueza s poderiam funcionar se ocorressem modificaes na
estruturao poltica. Assim, pouco a pouco vai se desen-
volvendo uma estruturao estatal com base na centralizao
da justia e com um novo sistema jurdico baseado no Direi-
to Romano. Houve tambm a centralizao da fora armada
com a formao de um exrcito permanente, e a centralizao
administrativa com um aparato burocrtico ordenado hierar-
quicamente e um sistema de cobrana de impostos com uma
arrecadao constante para manter todo esse aparato jurdico,
burocrtico e militar sob um nico comando. Nascia, dessa
forma, o Estado moderno, que veio favorecer tanto a expanso
das atividades vinculadas ao desenvolvimento da produo
txtil quanto minerao, a siderurgia, bem como o comrcio
interno e externo.
Reforma protestante
O sculo XVI conheceu outro movimento chamado Refor-ma
Protestante. Ao entrar em conflito com a autoridade papal e a
estrutura da Igreja, este movimento criou uma tendncia que
valorizava o indivduo ao permitir a livre leitura das Es-crituras
Sagradas que se confrontava com o monoplio do cle-ro na
interpretao baseada na f e nos dogmas. Vrias partes do mundo
ocidental passaram no apenas a interpretar as Escrituras
Sagradas como tambm a estabelecer uma relao particular com
Deus, sem a intermediao dos ministros da Igreja. A Reforma
pde assim se vincular a uma tradio de resistncia autoridade
e tradio que preparou a Ilustrao (o Iluminismo). As figuras
centrais dessa reao foram Marti-nho Lutero (1483-1546) e Joo
Calvino (1509-1564).
Assim, havendo uma nova maneira de se relacionar
com as coisas sagradas, houve tambm um movimento
no sentido de se analisar o universo de outra forma. A
razo passou a ser soberana e passou a ser o elemento
essencial para se co-nhecer o mundo; isto , os homens
deveriam ser livres para julgar, avaliar, pensar e emitir
opinies sem se submeterem a nenhuma autoridade
transcendental ou divina, que tinha na Igreja Romana a
sua maior defensora e guardi (ao menos no Ocidente). Do sculo XV ao sculo XVII, o conhecimento racional do
universo e da vida em sociedade comeou a ser uma re-gra
seguida por alguns pensadores. Foi uma mudana lenta,
sempre provocando embates contra o dogmatismo e a auto-
ridade da Igreja, a exemplo do Conclio de Trento (1545-1563) e
dos processos da Inquisio. Estes procuraram impedir toda e
qualquer manifestao que pudesse pr em dvida a autori-
dade eclesistica, tanto no campo da f quanto no campo do
conhecimento secular que propunha novas explicaes para a
sociedade e a natureza. Essa nova forma de conhecer e explicar a natureza e a so-ciedade,
em que a experimentao e a observao se torna-ram fundamentais,
apareceu nesse momento representada pelo pensamento e pelas obras
de diversos autores, entre os quais podemos citar Nicolau Maquiavel
(1469-1527); Erasmo de Rotterdam (1466-1536); Nicolau Coprnico (1473-
1543); Galileu Galilei (1564-1642); Thomas Hobbes (1588-1679); Francis Bacon (1561-1626); Ren Descartes (1596-1650) e Baruch Spinoza (1632-1677).
Alm desses pensadores existiram outros que fizeram a
ponte entre esses novos conhecimentos e os que se desenvol-
veram no sculo seguinte: John Locke (1632-1704); Leibniz (1646-
1716) e Isaac Newton (1642-1727), que propuseram novos
princpios para a compreenso da sociedade e da natureza. Nesses dois sculos, XVI e XVII, encontramos na arte e na
literatura as obras de alguns dos maiores artistas ocidentais que
ainda hoje so importantes para entendermos alguns ele-mentos
da sociedade de ento. Entre outros, podemos citar:
Leonardo di ser Piero da Vinci (1452-1519) pintor/escultor/cientista;
Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni (1475-1564) escultor/pintor;
Rafael Sanzio (1483-1520) pintor; Pieter Brueghel (1525/1530-1569) pintor; El Greco Domnikos Theotokpoulos
(1541-1614) pintor; Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669) pintor; Lus Vaz de Cames (1524-1580) escritor/poeta; Michel Eyquem de Montaigne
(1533-1592) filsofo/escritor; Miguel de Cervantes Saavedra (1547-
1616) poeta/escritor; William Shakespeare (1564-1616)
dramaturgo/poeta;
Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molire (1622-1673) dramaturgo.
As transformaes no sculo XVIII
No final do sculo XVII, na maioria dos pases europeus, a
burguesia comercial, formada basicamente por comerciantes e
banqueiros, tornou-se uma classe com muito poder, devido, na
maior parte das vezes, aos vnculos econmicos mantidos com as
monarquias. Essa classe, alm de sustentar ativo o co-mrcio
entre os pases europeus, estendia os seus tentculos a todos os
pontos do mundo, at no mais poder, comprando e vendendo
mercadorias, tornando o mundo cada dia mais europeizado,
impondo seu modo de vida, sua religio, seus costumes e crenas.
Em bem pouco tempo o mundo no seria mais o mesmo que tinha
sido at ento.
O capital mercantil se estendeu tambm a outro ramo de
atividade que gradativamente se organizava: a produo
ma-nufatureira. A compra de matrias-primas e a
organizao da produo, fossem atravs do trabalho
domiciliar ou do tra-balho em oficinas, levavam ao
desenvolvimento de um novo processo produtivo em
contraposio ao das corporaes de ofcio. Ao se desenvolver a manufatura, os organizadores da pro-
duo passaram a se interessar cada vez mais pelo aperfei-
oamento das tcnicas de produo, visando produzir mais
com menos gente, aumentando significativamente os seus
lucros. Para tanto, procuravam investir nos inventos, isto ,
buscavam financiar a criao de mquinas que pudessem ter
aplicao no processo produtivo. Assim, o conhecimento cien-
tfico, gradativamente, passou a ter reconhecimento e tornou
possvel desenvolver novas tecnologias para potencializar a
produo. Desse modo, criou-se a mquina de tecer, a mquina de
descaroar algodo, bem como teve inicio a aplicao indus-
trial da mquina a vapor e de outros tantos inventos
destina-dos a aumentar a produtividade do trabalho.
Desenvolveu-se ento o fenmeno que veio a ser
chamado de maquinofatura. O trabalho que os homens
realizavam com as mos ou com ferramentas passava, a
partir de ento, a ser feito por meio de mquinas,
elevando muito o volume da produo de merca-dorias. A presena da mquina a vapor, que podia mover outras tantas
mquinas, incentivava o surgimento da indstria cons-trutora de
mquinas e, consequentemente, incentivava toda a indstria
voltada para a produo de ferro e, posteriormente, de ao.
importante lembrar que, j no final do sculo XVIII, produziu-se
o ferro e o ao, com a utilizao do carvo mineral.
Nesse mesmo contexto de profundas alteraes no pro-
cesso produtivo encontrava-se tambm a utilizao cada
vez mais crescente do trabalho mecnico convivendo com
o tra-balho artesanal. A maquinofatura se completava com
o tra-balho assalariado, a se incluindo a utilizao, numa
escala crescente, da mo de obra feminina e da infantil. Ao mesmo tempo, longe da Europa, mas ainda vinculada a ela,
havia a explorao do ouro no Brasil, da prata no Mxico e do
algodo nos Estados Unidos da Amrica e na ndia, onde, na
maioria dos casos, essas atividades se desenvolveram com a
utilizao do trabalho escravo ou servil. Esses elementos,
conjugados, asseguravam as bases do processo de acumulao
necessria para a expanso da indstria na Europa.
Todas essas mudanas, somadas herana cultural e in-
telectual do sculo XVII, definiram o sculo XVIII como um
sculo explosivo. Se no sculo anterior a Revoluo Inglesa
determinou novas formas de organizao poltica, foi no s-
culo XVIII que tanto a Revoluo Americana quanto a Fran-
cesa alteraram todo o quadro poltico ocidental, servindo de
exemplo e parmetro para revolues polticas posteriores. As transformaes na esfera da produo, a emergncia de
novas formas de organizao poltica e a exigncia da repre-
sentao popular iro dar caractersticas muito especficas a esse
sculo, em que pensadores como Charles de Montesquieu (1689-1755); Voltaire (1694-1778); Denis Diderot (1713-1784) Jean le Rond dAlembert (1717-1783); David Hume (1711-1776); Jean-Jaques Rous- seau (1712-1778); Adam Smith (1723-1790) e Immanuel Kant (1724-1804), entre outros, buscaram, por caminhos s vezes
divergentes, refletir e explicar a realidade de ento. Nas diferentes expresses artsticas (msica, pintura,
poe-sia, literatura), vrios nomes expressaram elementos
daquela realidade que nos servem de base para entender
aquele pero-do. Entre outros, podemos lembrar:
Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741) compositor; Johann Sebastian Bach (1685-1750) compositor; Johann Chrysostom Wolfgang Amadeus Mozart
(1756-1791) compositor; Francisco Jos de Goya y Lucientes (1746-1828) pintor;
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Friedrich von Schiller (1759-1805) filsofo/escritor; Johann Wolfgang von Goethe
(1749-1832) poeta/escritor; Franz Joseph Haydn (1732-1809) compositor; Ludwig van Beethoven (1770-1827) compositor; George Gordon Byron, mais conhecido
como Lord Byron (1788-1824) poeta; Henri-Marie Beyle, mais conhecido
como Stendhal (1783-1842) poeta.
A consolidao da sociedade capitalista e o surgimento
de uma cincia da sociedade no sculo XIX
O sculo XIX um sculo de profundas transformaes,
que passam desde a emergncia de novas fontes energticas
(eletricidade e petrleo) como por novas atividades indus-
triais e uma profunda alterao nos processos produtivos, com
a introduo de novas mquinas e equipamentos. No incio desse sculo, depois de trezentos anos de
ex-plorao colonialista, teve incio, principalmente nas
naes latino-americanas, um processo intenso de lutas
pela inde-pendncia. No continente europeu, resqucios
da atividade monrquica, no republicana, perpetuavam
a existncia de Estados no unificados (com uma nica
autoridade e a sepa-rao das questes pblicas das
privadas), como na Alemanha e na Itlia. no sculo XIX, quando est ocorrendo o processo de
consolidao do sistema capitalista na Europa, que encontra-
mos as heranas intelectuais que iro colaborar para o surgi-
mento da Sociologia como cincia. No incio desse sculo, o
pensamento de Saint-Simon (1760-1825); de G. W. E. Hegel (1770-
1830); de David Ricardo (1772-1823) e de Charles Darwin (1809-
1882), entre outros, ser o elo para que Alxis de Tocqueville
(1805-1859); Au-guste Comte (1798-1857), Karl Marx (1818-1883) e
Herbert Spencer (1820-1903) desenvolvam suas reflexes sobre a
sociedade e o tempo em que esto vivendo. Tambm nas artes, na literatura, expresses significativas,
necessrias e fundamentais nos auxiliam no entendimento da
sociedade desse sculo de revolues (cientficas, sociais, po-
lticas e econmicas). Entre outros nomes, podemos lembrar:
O pintor Ferdinand Victor Eugne Delacroix (1798-1863) e o poeta Christian Johann Heinrich Heine (1797-1856);
Os escritores Honor de Balzac (1799-1850), Victor-Marie Hugo (1802-1885) e Charles John Huffam Dickens (1812-1870);
O compositor e pianista Frdric Chopin (1810-1849), os compositores Georges Alexandre Csar Lopold Bizet
(1838-1875), Robert Alexander Schumann (1810-1856) e Jakob
Ludwig Felix Mendelssohn Bartholdy (1809-1847); Os escritores Alexandre Dumas (Dumas Davy de la
Pailleterie) (1802-1870); Nikolai Vasilievich Gogol (1809-1852);
Gustave Flaubert (1821-1880); Charles Lutwidge Dodgson; ou Lewis Carrol (1832-1898) e Emile Zola (1840-1902).
So mltiplas as alternativas para se analisar as obras e os
autores que influenciaram o surgimento da Sociologia, e
conforme Raymond Aron, em seu livro As etapas do pensa-
mento sociolgico, deveramos comear por Montesquieu,
passando por Comte, Marx e Tocqueville para, depois, ana-
lisar Durkheim, Weber e Pareto. Outros autores, como Michel
Llalement e Nicholas Timasheff, incluem Herbert Spencer en-
tre os precursores da Sociologia. Mas, para o cumprimento dos objetivos aqui propostos,
escolhemos analisar apenas duas grandes tradies de pen-
samento: a positivista e a socialista. A justificativa
entender-mos serem essas as duas grandes correntes de
pensamento que mais influenciaram o desenvolvimento da
Sociologia no Brasil. Assim, para comear esta viagem, entendemos ser
im-portante visitar o autor que influenciou as duas
vertentes escolhidas: seu nome, Saint Simon.
Saint-Simon (1760-1825) e a nova cincia da sociedade
Claude-Henri de Rouvroy Conde de Saint-Simon era
descendente de uma famlia aristocrtica muito antiga na
Frana, e por isso teve uma excelente educao para sua poca,
inclusive tendo como professor o ento clebre dAlembert,
um dos autores da Enciclopdia (obra de capital importncia
do Iluminismo). Por ser aristocrata, teve que ir para o exrcito,
chegando a se tornar coronel. Esta situao, alm de lev-lo a
participar da luta pela libertao dos Estados Unidos da Am-
rica, permitiu que viajasse para a Espanha, para a Holanda,
sempre como um profundo observador do que estava aconte-
cendo na Europa. A Revoluo Francesa modificou a sua condio.
Mesmo como aristocrata, estava convencido que o
antigo regime es-tava corrompido e corrompia, e no
podia durar muito mais, mas no aceitava a violncia e a
destruio do movimento re-volucionrio de ento.
Entretanto, os novos ventos da Revolu-o o atingiram,
e Saint-Simon renunciou ao ttulo de Conde, passando a
se chamar Claude Henri Bonhomme, um nome plebeu. A partir de ento se envolveu em negcios compromete-
dores, sendo inclusive preso por isso. Mais tarde foi solto e
iniciou uma nova fase da vida ao viajar novamente para ou-
tros lugares da Europa-Sua, Inglaterra e Alemanha mas j
com a ideia ampla de formular uma filosofia da cincia capaz
de unificar todos os fenmenos naturais e sociais. Alm dis-
so, Saint-Simon tinha um objetivo que nunca deixou de lado:
reorganizar as sociedades europeias tendo, por fundamento, a
cincia e a indstria.
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As suas ideias influenciaram as ideias tanto de
Auguste Comte, e depois de E. Durkheim, quanto de
Karl Marx. Mas que ideias eram essas que puderam
influenciar dois autores to antagnicos em suas formas
de ver e analisar o mundo em que viviam? Concepo de histria: Saint-Simon entendia que a
hist-ria marcha atravs de uma srie de afirmaes e
negaes que daro lugar a momentos mais altos. Defendia
uma regra geral: o apogeu de um sistema coincide com o incio
de sua deca-dncia. Para ele, existiam trs grandes momentos
na histria ocidental. A primeira poca orgnica seria a da
Antiguidade greco-romana, e a primeira poca crtica seria a
das invases brbaras. A segunda orgnica seria a da Idade
Mdia, e a sua crtica se estende do Renascimento at a
Revoluo Francesa. A terceira poca orgnica seria a que ele
vislumbrava: a do industrialismo. As classes sociais: para Saint-Simon, em todas as
pocas sempre houve uma estrutura de classes dividida entre
domi-nantes e dominados, e a histria da humanidade se
explicaria pelas contradies entre elas. Mas Saint-Simon no
pensava na superao dessas classes por uma outra sociedade,
pois imaginava a possibilidade de uma harmonizao entre as
mesmas, com uma justia policlassista. No tempo em que vi-
veu, e na sociedade francesa em particular, ele afirmava exis-
tirem duas grandes classes: a dos ociosos (a realeza, a aristo-
cracia e o clero, os militares e a burocracia que administrava a
estrutura destes, que nada produziam) e a dos produtores ou
industriais (cientistas, engenheiros, mdicos, banqueiros,
comerciantes, industriais, artesos, lavradores trabalhadores
braais, enfim, todos os cidados teis para o desenvolvimen-
to da Frana). Novos dirigentes: para que a sociedade ps-
revolucion-ria na Frana se firmasse, Saint-Simon acreditava
ser neces-srio que a cincia tomasse o lugar da autoridade
religiosa da Igreja, formando assim uma nova elite, agora
cientfica. A cincia deveria substituir a religio como fora
de coeso. Os cientistas substituiriam os clrigos e os
industriais os senho-res feudais, e a aliana dos cientistas com
os industriais con-formaria a nova classe dirigente. Os que
estariam na direo deveriam ser os mais capazes em cada
campo, por conhece-rem e saberem mais sobre a sociedade:
seriam os cientistas que a estudam e os industriais que, pela
prtica, sabem o que funciona melhor. Desde 1803 Saint-Simon escreveu uma srie de livros que
demonstram uma confiana no futuro da cincia e que buscam
uma lei nica que permitisse guiar a investigao dos fenmenos
sociais, como a lei da gravitao universal de Newton. A
principal tarefa desta nova cincia seria a de des-cobrir as leis do
desenvolvimento social, pois elas indicariam o caminho que se
deveria tomar para que a sociedade pudesse seguir no progresso
continuado. Para ele, a filosofia do sculo
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Condies de trabalho fabril.
XVIII tinha sido revolucionria, e a do sculo XIX teria
que ser organizacional. No final da vida procurou desenvolver uma espcie de
religio, um novo cristianismo mais dinmico, que teria por
objetivo fundamental a elevao fsica e moral da classe mais
numerosa e pobre da sociedade. As obras mais importantes de
Saint-Simon do ponto de vista sociolgico so as seguintes:
Reorganizao da sociedade europeia com Agustn Thierry (1814);
A indstria ou discusses polticas, morais e filosficas no interesse de todos os homens livres e
trabalhadores teis e independentes (1816-1817); O organizador (1819); O sistema industrial (1821-1823); O catecismo dos industriais (1822-1824); O novo cristianismo (1824).
Saint-Simon influenciou fortemente Auguste Comte (que
foi seu secretrio entre 1819 e 1824) e depois mile
Durkheim, se tomarmos algumas das suas obras que tratam de
uma nova sociedade organizada e da formulao de uma
cincia de uma sociedade especfica. Mas ele influenciou
igualmente Karl Marx, se pensarmos que Saint-Simon foi
considerado um re-formador social e um socialista utpico. Auguste Comte (1798-1857) e a tradio positivista
Auguste Comte nasceu em Montpellier, na Frana, no dia 19
de janeiro de 1798, filho de um fiscal de impostos. Suas rela-es
com a famlia foram sempre tempestuosas, e lhe deixaram marcas
profundas que contm elementos explicativos do de-
senvolvimento de sua vida e talvez at mesmo de certas orien-
taes dadas s suas obras, sobretudo em seus ltimos anos.
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Com a idade de dezesseis anos, em 1814, Comte ingres-sou
na Escola Politcnica de Paris, fato que teria significativa
influncia na orientao posterior de seu pensamento. Para ele, a
Politcnica foi a primeira comunidade verdadeiramente cientfica
que deveria servir como modelo de toda educao superior.
Embora permanecesse por apenas dois anos nessa escola, Comte
ali recebeu a influncia do trabalho intelectual de cientistas como
o fsico Carnot (1796-1832); o matemtico La-grange (1736-1813) e o
astrnomo Laplace (1749-1827). Em 1816, a onda reacionria que se
apoderou de toda a Europa, depois da der-rota de Napoleo e da
Santa Aliana, repercutiu na Escola Po-litcnica, que foi fechada
temporariamente, acusada de jaco-binismo. Comte deixou a
Politcnica e resolveu continuar em Paris. Nesse perodo sofreu
influncia dos chamados idelo-gos, como Destutt de Tracy
(1754-1836) e Cabanis (1757-1808) e Volney (1757-1820). Foi quando
desenvolveu seus estudos sobre economia poltica lendo Adam
Smith (1723-1790) e Jean-Baptiste Say (1767-1832), e filsofos e
historiadores como David Hume (1711-1776) e William Robertson
(1721-1793). O fator mais decisivo para sua formao foi, porm, o
estudo do Esboo de um Quadro Histrico dos Progressos do
Esprito Humano, de Condorcet (1743-1794). A im-portncia reside
no fato de Condorcet traar um quadro do desenvolvimento da
humanidade, no qual os descobrimentos e invenes da cincia e
da tecnologia desempenhavam papel preponderante, pois faziam
o homem caminhar para uma era em que a organizao social e
poltica seria produto das luzes da razo. Essa ideia tornar-se-ia
um dos pontos fundamentais da filosofia de Comte. Ao deixar a Politcnica ele se tornou secretrio de Saint-
Simon. Sobre esta convivncia ele afirmou que tinha apren-
dido uma multido de coisas que em vo se procuraria nos
livros. Afirma ainda que no pouco tempo que esteve junto
de Saint-Simon fez maiores progressos do que faria em
muitos anos se estivesse sozinho. Ao voltar da Politcnica, Comte publicou o Discurso sobre
o esprito positivo. Depois, ele foi excludo definitivamente da
Escola Politcnica em razo de suas crticas aos matemticos,
feitas no prefcio do ltimo volume do Curso de filosofia po-
sitiva, editado em 1842, onde afirmava ter chegado o tempo
de os bilogos e os socilogos ocuparem o primeiro posto no
mundo intelectual. Desde cedo Auguste Comte procurou fazer uma refle-xo
sobre a sociedade de sua poca. Toda a sua obra est permeada
pelos acontecimentos que ocorreram na Frana ps-
revolucionria; ele defendeu parte do esprito de 1789 e criticou
a restaurao da monarquia, preocupando-se funda-mentalmente
em como organizar a nova sociedade que, no seu entender, estava
em ebulio e em total caos. Para Comte, a desordem e a anarquia
imperavam devido confuso de princpios (metafsicos e
teolgicos) que no mais podiam se adequar sociedade
industrial em expanso. Era, portanto,
necessrio superar esse estado de coisas, usando a razo
como fundamento da nova sociedade. Assim, Auguste Comte prope uma completa reforma da
sociedade em que vivia mediante a reforma intelectual plena do
homem. Ao se modificar a forma de pensamento dos ho-mens,
atravs dos mtodos das cincias de seu tempo, que ele chamou
de filosofia positiva, consequentemente haveria uma reforma
das instituies. Nesse ponto que Auguste Comte promove o
surgimento da Sociologia, ou fsica social, que, ao estudar a
sociedade por meio da anlise de seus processos e estruturas,
proporia uma reforma prtica das instituies.
O neologismo (socius+logia) de Comte teve um imenso
xito, pois logo depois comearam a aparecer expresses
como a fitosociologa (sociologia das rvores) e vrios es-
tudos sobre as sociedades das formigas e das abelhas, etc.
Mas a sociologia de Comte pretendia entender alguns dos
fenmenos que as cincias mais individualistas como a
economia clssica ou a nascente psicologia no
analisavam muito bem. Comte atribua Sociologia no
somente uma funo cientfica, centrada em entender como
atuam os seres humanos, mas tambm poltica, de como
corrigir os abusos do liberalismo. A Sociologia, para Comte, era o coroamento da evoluo
do conhecimento, usando os mesmos mtodos de outras cin-
cias, pois todas elas buscam conhecer os fenmenos constan-
tes e repetitivos da natureza. A Sociologia, como as cincias
naturais, deveria sempre procurar a reconciliao entre os
aspectos estticos e os dinmicos do mundo natural ou, em
termos da sociedade humana, entre a ordem e o progresso. Ele
acreditava que isso superaria tanto a teologia quanto a re-
voluo, ou seja, propunha que o progresso deveria ser o alvo
a se atingir, mas sempre sob o manto da ordem, para que no
ocorressem distrbios e abalos no processo de mudana. A cincia deveria ser um instrumento para a anlise da
sociedade no sentido de torn-la melhor atravs do lema: Co-
nhecer para prever, prever para prover; isso queria dizer que
o conhecimento deveria existir para fazer previses e tam-bm
para dar a soluo dos possveis problemas que viessem a
existir. O mtodo racional para poder dominar a natureza
podia e devia ser utilizado pela Sociologia. A influncia de Comte no desenvolvimento da Sociologia
foi marcante, sobretudo na escola francesa, atravs de mile
Durkheim e de todos os seus contemporneos e seguidores.
Seu pensamento esteve presente em muitas das tentativas de
se criar determinadas tipologias para explicar a sociedade.
Suas principais obras:
Sistema de poltica positiva (1824); Curso de filosofia positiva (1830-1842); Discurso sobre o esprito positivo (1844); Catecismo positivista (1852).
Karl Heinrich Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), a tradio socialista
Karl Marx nasceu em Trves, na antiga Prssia, em 1818,
filho de uma famlia judaica e de uma linhagem de rabinos.
Seu pai, que era advogado, havia rompido esta tradio e, por
questes polticas, abraou a religio protestante. Aps seus estudos em Trves, Marx foi para Bonn e de-pois
para Berlim, onde estudou Direito. Pouco a pouco foi se
inclinando para a Filosofia, defendendo em 1841 sua tese de
doutorado: A diferena da filosofia da natureza em Demcri-to e
Epicuro. Nesse perodo universitrio teve uma vida em que se
misturaram a boemia e a poesia, mas tambm o debate poltico e
o intelectual tendo por base o pensamento de Lu-dwig Feuerbach
(1804-1872 e, principalmente, o de Friedrich Hegel, que
conheceu neste perodo e do qual no mais ir se separar, mesmo
quando faz a crtica do filsofo alemo. A partir de ento sua vida foi cheia de tribulaes. Tor-nou-se
jornalista e escreveu para um jornal (do qual depois se tornou o
editor-chefe), A Gazeta Renana, crtico do poder prussiano. O
jornal logo foi fechado e ele se viu desempregado. Em 1842 conheceu, em Colnia, na Alemanha, um jovem,
Friedrich Engels, filho de um industrial alemo, que se tor-nar
seu parceiro intelectual e amigo nas horas de infortnio durante
toda sua vida. Foi atravs de seu livro: A situao da classe
trabalhadora na Inglaterra que Marx passou a conhecer a situao
econmica e social da Inglaterra. Este livro nasceu da impresso
causada pela misria em que viviam os traba-lhadores das
fbricas na Inglaterra, inclusive as da sua famlia. Marx, ao sair da Alemanha, passou a viajar pela Europa. Na
Frana ficou de 1843 a 1845, quando escreveu os famo-sos
Manuscritos econmicos e filosficos (s publicados em 1932). Entre
1845 e 1847 exilou-se em Bruxelas-Blgica, onde escreveu em
conjunto com Engels o livro A ideologia alem e, mais tarde, o
livro Misria da Filosofia, criticando o filsofo P.J. Proudhon. No bojo dos movimentos revolucionrios de 1847 e 1848, em
toda a Europa, Marx foi expulso da Blgica, voltou Fran-a, mas
no podendo por l ficar retornou Alemanha, sem-pre pensando
nas possibilidades de uma mudana estrutural em sua terra natal.
Entretanto, isso no aconteceu, e ele emi-grou para a Inglaterra,
fixando-se em Londres, onde ir ficar at o final de sua vida. Na
Inglaterra, como exilado, desenvol-veu suas pesquisas e seu
maior trabalho: O Capital Crtica da Economia Poltica. H
quem diga que sem Londres no have-ria esta obra que
revolucionou a maneira de pensar o sistema capitalista. No Museu
Britnico, ficava das 9 s 19 horas, e con-sumia a maior parte de
seus dias pesquisando para escrever uma obra da qual s o
primeiro volume conseguiu publicar em vida. Os outros dois
volumes foram publicados, por Engels, aps a sua morte, tendo
por base todo o material (apontamen-tos, rascunhos e partes
concludas mas sem reviso).
Para entender a importncia da obra de Marx e Engels
necessrio conhecer um pouco do que estava acontecendo em
meados do sculo XIX, principalmente as transformaes que
estavam ocorrendo nas esferas da produo industrial. Alm
de um crescimento expressivo da produo de mercadorias,
houve um crescimento expressivo do nmero de trabalhado-
res industriais urbanos, com as consequncias inevitveis que
ainda hoje se fazem conhecer em muitas partes do mundo: a
precariedade das condies de vida dos trabalhadores nas
cidades de ento. Estas condies eram pssimas em todos os sentidos: o
trabalho no interior das fbricas, que empregavam homens,
mulheres e crianas superexplorados, alimentao deficiente,
insalubridade nos ambientes internos e externos e pssimas
condies de vida nas casas em que moravam. Esta situao
gerou a organizao desses trabalhadores em associaes e
sindicatos e em movimentos que visavam transformao das
condies de vida que os mesmos enfrentavam. Essas
mudanas exigiram o desenvolvimento de um pensamento que
procurasse entender as condies sociais, polticas e eco-
nmicas que as geravam e indicassem possibilidades de inter-
veno nessa realidade. Muitos pensadores discutiram, desde o incio do sculo XIX,
a sociedade que emergia, demonstrando, do ponto de vista de uma
perspectiva socialista, as questes sociais de ento. Na Inglaterra
podemos citar, entre outros, William Go- dwin (1756-1836), Thomas Spence (1750-1814), Thomas Paine (1737-1809), Robert Owen (1771-1858), Thomas Hodgkin (1787-1869), na Frana,
Etienne Cabet (1788-1856), Flora Tristan (1803-1844), Charles Fourier
(1772-1837) e Pierre Joseph Proudhon (1809-1865). Levando em conta esses pensadores, debatendo com al-
guns desses seus contemporneos e mesmo criticando-os,
Marx incorporou a tradio da economia clssica inglesa
presente principalmente em Adam Smith e David Ricardo.
Resumindo, pode-se dizer que Marx e Engels desenvolveram
seu trabalho a partir da anlise crtica da economia poltica
inglesa, do socialismo utpico francs e da filosofia alem. Assim, a tradio socialista, nascida da luta dos trabalha-
dores, muitos anos antes e em situaes diferentes, tem como
expresso intelectual o pensamento de Karl Marx e F. Engels.
Eles, entre outros, procuraram estudar criticamente a socieda-de
capitalista a partir de seus princpios constitutivos e de seu
desenvolvimento, tendo como objetivo possibilitar classe
trabalhadora uma anlise poltica da sociedade de seu tempo. Quanto proposio de uma cincia da sociedade, no h
em Marx e Engels nenhuma preocupao em definir uma cincia
especfica para o estudo da sociedade, como para Auguste Comte,
e nem em situar seus trabalhos em algum campo cientfico
particular. Em alguns de seus escritos, Marx afirmou que a
Histria seria a cincia mais ampla, que mais se aproximava de
suas preocupaes, no no sentido da Hist-
2 Mdulo Disciplina 1: Histria da Sociologia 1 Aula: Pressupostos e origem da Sociologia 21
Livro_Soc_Mod_2.indb 21 15/08/13 15:17
ria como uma cincia separada das outras cincias
humanas, mas no sentido que entende a Histria como a
nica cincia social capaz de abarcar o conhecimento da
sociedade em suas mltiplas dimenses. Esta, para eles,
deveria ser analisada na sua totalidade, no havendo uma
separao rgida entre os aspectos sociais, econmicos,
polticos, ideolgicos, religiosos, culturais, etc. Neste sentido, e para esclarecer porque no assumimos
Marx como sendo um socilogo, utilizamos a argumentao
de Henri Lefebvre, em seu livro Sociologia de Marx.
Marx, um socilogo?
Veremos em Marx um socilogo? Tambm no. Essa in-
terpretao foi bastante difundida na Alemanha e na ustria. Comeava por eliminar a filosofia atribuda a Marx, sem to-
davia distinguir o sentido da filosofia e formular a tese de sua
superao (de sua realizao) em toda sua amplitude. Mutilava
arbitrariamente, portanto, o pensamento de Marx, suscitando
discusses interminveis destinadas a cair no bizantinismo e
na escoltica. Nessa perspectiva, o marxismo se alinha com o
posi-tivismo de Comte. Mutilado, o pensamento marxista
embota-se e perde o gume. O mtodo dialtico desaparece em proveito do fato e a con-
testao crtica debilita-se em proveito da constatao. No Capi-tal,
o uso de uma noo chave a de totalidade no relegava na
obscuridade a contradio dialtica. Ao contrrio. A contradio
assumia uma acuidade que perdera na sistematizao hegelia-na;
entre os homens e as obras, entre a alteridade e a alienao, entre
grupos e classes, entre bases e estruturas e superestruturas
multiplicam-se e acentuam-se as contradies. No sociologismo, ao
contrrio, a considerao da sociedade como um todo depre-cia a
contradio. A noo de classes e de luta de classes se esfu-ma.
Identifica-se a sociedade com a nao e o Estado nacional.
O sociologismo ligado ao pensamento marxista penetrava assim
facilmente nos quadros ideolgicos e polticos to criticados por
Marx em suas glosas ao programa de Gotha (1875). A sociologia
positivista com pretenses a marxista sempre tendeu para o
reformismo. Da sua m reputao entre uns, sua atrao para
outros. Hoje em dia essa sociologia na linha do positivismo tor-
na-se abertamente conservadora, enquanto originalmente essa
cincia ligada ala esquerda do romantismo no separava
conhecimento e crtica, com Saint-Simon e Fourier. Por mlti-
plas razes no faremos de Marx um socilogo. [...] Se aludi-mos
a uma tal possibilidade, que temos visto coisas piores em meio
s controvrsias. Marx no um socilogo, mas existe uma
sociologia no marxismo. Como compreender essas proposies
que parecem pouco compatveis? Para tanto, devem-se levar em
conta dois grupos de noes e de argumentos:
a) O pensamento marxista mantm a unidade do real e do
conhecimento, da natureza e do homem, das cincias da matria
e das cincias sociais. Explora uma totalidade no vir a ser e no
presente, totalidade essa que compreende nveis e aspectos ora
complementares, ora distintos, ora contraditrios. No em si
mesmo nem histria, nem sociologia, nem psicologia etc., mas
compreende esses pontos de vista, esses aspectos, esses nveis.
Da sua originalidade, sua novidade e seu interesse duradouro. A
partir de fins do sculo XIX surgiu uma tendncia a pensar a obra
de Marx, e particularmente o Capital, em funo das cincias
parciais que desde ento se especializaram e s quais Marx
recusara a compartimentao. Reduz-se o conjunto teri-co do
Capital a um tratado de Histria ou de economia poltica ou de
sociologia ou mesmo de filosofia. O pensamento marxista no
pode entrar nestas categorias estreitas: filosofia, economia
poltica, histria, sociologia. Tampouco depende da concepo
interdisciplinar que tenta corrigir, arriscando confundir, os in-
convenientes do parcelamento do trabalho nas cincias sociais. A
investigao marxista visa a uma totalidade diferenciada, con-
centrando a pesquisa e os conceitos tericos em torno de um tema:
a relao dialtica entre o homem social ativo e suas obras
(mltiplas, diversas, contraditrias).
b) A especializao em parcelas das cincias da realidade
humana, desde a poca em que Marx expunha o capitalismo de
concorrncia, tem sua razo de ser. A totalidade no pode mais ser
atingida. como no tempo de Marx, de maneira unitria, ao mesmo
tempo de dentro e de fora (em relao ao possvel), na constatao e
na contestao. E contudo no podemos aceitar a separao das
cincias parciais. Ela esquece a totalidade: a socie-dade como um
todo e o homem total. Mas a realidade humana se torna complexa.
Essa crescente complexidade faz parte da histria em sentido amplo.
[...]. Com um vocabulrio em vias de elaborao, a unidade do saber
e o carter total do real permane-cem pressupostos indispensveis nas
cincias sociais. possvel, pois, examinar as obras de Marx e nela
reconhecermos uma so-ciologia da famlia, da cidade e do campo, dos
grupos parciais, das classes, das sociedades em seu conjunto, do
conhecimento, do Estado, etc. E isto a um certo nvel da anlise e da
exposi-
o, logo sem restringir os direitos das demais cincias: econo-
mia poltica, histria, demografia, psicologia. Por outro lado,
possvel continuar a obra de Marx, buscando, a partir do Capital
e com o seu mtodo, a gnese da sociedade moderna, de
suas fragmentaes e contradies.
LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968.p. 14-16.
Para entender o fundamental do pensamento de Marx e de
Engels necessrio fazer a conexo entre os interesses da clas-se
trabalhadora, suas aspiraes e as ideias revolucionrias que
estavam presentes na Europa no sculo XIX. Para os dois
pensadores, o conhecimento cientfico da realidade s teria
sentido se fosse para transform-la, pois a verdade histrica
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no constitui uma coisa abstrata definida teoricamente:
sua verificao est na prtica. Marx escreveu muito, e em vrias ocasies teve como
com-panheiro F. Engels. Apesar de algumas diferenas
em seus es-critos, os elementos essenciais do
pensamento desenvolvido por eles podem ser situados,
de modo resumido, nas seguintes questes:
Historicidade das aes humanas crtica ao idealismo alemo;
Diviso social do trabalho e o surgimento das classes sociais. A luta de classes;
O fetichismo da mercadoria e o processo de alienao;
Crtica economia poltica e ao capitalismo;
Transformao social e revoluo;
Utopia sociedade comunista.
A obra desses dois autores muito vasta, mas
podem ser destacados alguns livros e escritos:
F. Engels. A situao da classe trabalhadora na Inglaterra (1845);
K. Marx. Manuscritos econmico-filosficos (1844); Karl Marx e F. Engels. A sagrada famlia (1844); K. Marx e F. Engels. A ideologia alem (1845); K. Marx. A misria da filosofia (1847); K. Marx e F. Engels. O manifesto comunista (1848); K. Marx. O 18 Brumrio de
Napoleo Bonaparte (1852);
K. Marx. Contribuio crtica da economia poltica (1857);
K. Marx. O capital (1867).
Vale considerar que a obra desses pensadores no ficou
vinculada estritamente aos movimentos sociais dos traba-
lhadores. Ela foi sendo introduzida nas universidades em
diferentes reas do conhecimento. A Filosofia, a Sociologia, a
Cincia Poltica, a Economia, a Histria, a Geografia, entre ou-
tras, contam com trabalhos acadmicos de autores influencia-dos
pelos dois autores alemes. Na Sociologia, afirma Irving M.
Zeitlin em seu livro Ideologia y teoria sociolgica, tanto Max
Weber quanto Emile Durkheim fizeram em suas obras um debate
com o fantasma de Karl Marx. Pelas anlises da sociedade capitalista de seu tempo, e pela
repercusso que a obra dos dois alemes teve em todo o mun-do,
principalmente no sculo XX, seja nos movimentos sociais
como nas universidades, Marx e Engels so considerados
au-tores clssicos da Sociologia. Mas isso tornou o
pensamento deles um pouco restrito, pois perdeu aquela
ligao entre te-oria e prtica (prxis), ou seja, entre o
pensamento crtico e a prtica revolucionria. Em alguns casos a relao entre teoria e prtica revolucio-
nrias esteve muito presente. o caso da Rssia, com Vladimir
Ilyitch Ulianov, mais conhecido como Lnin (1870-1924) e Leon D.
Bronstein, conhecido como Trotski (1879-1940); da Alemanha, com
Rosa Luxemburgo (1871-1919); e da Itlia, com Antonio Gra-msci
(1891-1937), que participaram como intelectuais e atores com
significativa influncia no movimento operrio no sculo XX. A partir do conjunto da obra de Marx e Engels muitos autores
desenvolveram seus trabalhos em vrios campos do conhecimento.
Em termos acadmicos, no interior das uni-versidades, podem ser
destacados trabalhos como os de Georg Lukacs (1885-1971); Theodor
Adorno (1903-1969); Walter Benjamin (1892-1940) Henri Lefebvre (1901-
1991) Lucien Goldman (1913-1969); Luis Al-thusser (1918-1990); Nicos
Poulantzas (1936-1979); Edward P. Thomp- son (1924-1993) e Eric Hobsbawn (1917-).
At hoje o pensamento de Marx e Engels continua
presente com mltiplas tendncias e variaes, sempre
gerando gran-des controvrsias, mesmo no interior do
chamado marxismo, e uma reao e at incorporao de
partes deste pensamento em outras tradies sociolgicas. A Sociologia, como cincia acadmica, num momento
posterior, floresceu da reflexo de alguns pensadores que pro-
curaram analisar e discutir a sociedade de seu tempo, levando
em conta influncias ou se contrapondo aos pensadores de
antes. A partir dos ltimos anos do sculo XIX, como saber
universitrio, a Sociologia se desenvolveu especialmente em
trs pases: Frana, Alemanha e Estados Unidos da Amrica.
Em outros pases tambm aparece o saber sociolgico, mas
aqueles pases esto sendo privilegiados porque deles que a
Sociologia no Brasil, a partir de 1930, vai receber sua maior
influncia.
00 Curiosidade: a sociologia na Amrica latina Em 1877 foi criado, na cidade de Caracas, Venezuela, um
Instituto de Cincias Sociais e, anos mais tarde, em 1882, a
Universidade de Bogot, na Colmbia, abriu o primeiro curso de
Sociologia no mundo, antecipando-se assim em dez anos ao
inaugurado em Chicago em 1892. Da em diante, esse pro-cesso
se expandiu: 1898, em Buenos Aires; 1900, em Assun-o; 1906,
em Caracas, La Plata e Quito; 1907, em Crdoba, Guadalajara e
Cidade do Mxico. At os anos de 1920, o ensino de Sociologia
j estava estabelecido em quase todos os pases da Amrica
Latina, em vrias universidades. No Brasil, como veremos na 6
Aula, o primeiro curso superior de Cincias So-ciais somente
surgiu na dcada de 1930.
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Livro_Soc_Mod_2.indb 23 15/08/13 15:17
CONHECENDO MAIS SOBRE
A histria da Sociologia
00 Observao inicial: O que vimos foi um grande pa-norama das condies que possibilitaram o surgimento da
Sociologia. importante lembrar que na bibliografia geral
existem ttulos que tratam da histria do pensamento socio-
lgico e devem ser consultados, pois neles esto
informaes importantes que iro permitir que voc
conhea melhor o que at aqui foi apresentado.
Para uma anlise do capitalismo, duas obras com
pressu-postos tericos diferentes so fundamentais
DOBB, Maurice H. A evoluo do capitalismo. So Paulo: Abril Cultural, 1983.
POLANYI, Karl. A grande transformao. As origens
de nossa poca. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
Para uma compreenso mais precisa sobre Auguste Comte
e Karl Marx importante ler as coletneas abaixo, que apre-
sentam uma introduo e textos dos autores citados
MORAES FILHO, Evaristo de. (Org.). Auguste Comte. So Paulo: tica,1989.
COMTE, Auguste. Comte. Seleo de textos e com
introduo de Jos Arthur Giannotti. So Paulo:
Abril Cultural, 1978. (Coleo Os pensadores)
IANNI, Octavio (Org.). Marx. So Paulo: tica, 1989.
NETTO, Jos Paulo (Org.). Engels. So Paulo: tica, 1981.
Um livro oferece uma anlise contempornea de Karl
Marx e importante ser lido para a compreenso de seu
pen-samento
BENSAID, Daniel. Marx, o intempestivo. Grandezas e misrias de uma aventura crtica.
Rio de Janeiro: Civilizao brasileira, 1999.
COMO VIMOS NESTA AULA...
O surgimento da Sociologia tem pressupostos bem amplos
e seus primrdios contemplam uma srie de pensadores cujo
conhecimento (leitura) permite entender as razes da emer-
gncia dessa cincia social. Esses pensadores compem os
fundamentos do que viria a ser a Sociologia.
ATIVIDADES DE AVALIAO
Quais so os fatores indiretos e diretos que
contribuem para o surgimento da Sociologia no
sculo XIX? No seu entendimento, quais foram os
que tiveram maior impor-tncia? Justifique.
Auguste Comte e Karl Marx foram pensadores que tinham
projetos de reformulao da sociedade em que viviam. H
pontos de contato e de diferenciao entre ambos? Leia os
dois textos abaixo e responda a esta questo.
SOUZA, Ricardo Luiz de. A ordem e a sntese: aspectos da sociologia de Auguste Comte.
. Este artigo trata de alguns aspectos bsicos do pen-
samento de Auguste Comte, a partir dos quais possvel
compreender a contribuio desse autor para o processo
de construo do conhecimento sociolgico do qual ele
foi precursor (e criador do termo).
NICOLAUS, Martin. O Marx desconhecido. .
Este um texto pouco conhecido do pblico
brasileiro, escrito por um socilogo norte-americano
que traz uma viso importante da obra de Marx.
Se voc for utilizar esta aula para desenvolver alguma
ati-vidade junto a seus alunos no Ensino Mdio,
fazemos estas sugestes
Elabore uma reviso histrica com os alunos, procurando saber o que eles conhecem desse
grande perodo, ou seja, do sculo XV at o
sculo XIX. Destaque os elementos essenciais
que so os pressupostos para o surgimento da
Sociologia no final do sculo XIX.
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Trabalhe com biografias, pois algo muito interessante para os alunos do Ensino Mdio, j que possibilita a eles pesquisarem sobre a vida dos pensadores e
tambm dos artistas referenciados. Procure estabelecer
uma ligao entre a vida de cada um deles, bem como
entre eles e os acontecimentos mais gerais em cada
pas de origem ou em toda a Europa, por exemplo.
Uma atividade que pode motivar os alunos a lerem mais e conhecerem o pensamento de
Karl Marx o clipe O samba da mais valia, composto pelo professor Srgio Silva.
. Aproveite para analisar com os alunos os vrios
concei-tos abordados pela cano.
Se voc for utilizar uma discusso sobre Auguste Comte, aproveite o texto abaixo para fundamentar as
suas aulas: AMORIM, Adriana Monferrari. Saber para prover: a Sociologia Comteana no ensino mdio.
.
2 Mdulo Disciplina 1: Histria da Sociologia 1 Aula: Pressupostos e origem da Sociologia 25
Livro_Soc_Mod_2.indb 25 15/08/13 15:17
REFER NCIAS
Nos livros abaixo relacionados, que integram a Bibliogra-fia
geral, constam anlises dos pressupostos histricos e
intelectuais que fundamentam o surgimento da Sociologia,
bem como uma anlise de importantes aspectos do pensa-
mento dos autores aqui abordados.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociolgico. 2. ed. So
Paulo: Martins Fon-tes, 1987.
BIRBAUM, P.; CHAZEL, F. (Orgs.) Teoria sociolgica. So Paulo: Hucitec/EDUSP, 1977.
BOTTOMORE, T.; NISBET, R. (Orgs.). Histria da anlise sociolgica.
Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo F. Introduo ao pensamento sociolgico:
Durkheim/Weber/Marx/Parsons. 15. ed. Rio de Janeiro: Centauro, 2001.
COHN, Gabriel (Org.). Sociologia. Para ler os clssicos. Rio de Janeiro: Azougue, 2005.
COLLINS, Randall. Quatro tradies sociolgicas. Petrpolis, RJ: Vozes, 2009.
COMISSO GULBENKIAN. Para abrir as cincias sociais. So Paulo: Cortez, 1996.
CUIN, Charles-Henry; GRESLE, Franois. Histria da sociologia.
Lisboa: Dom Quixote, 1995.
DOMINGUES, Jos Maurcio. Teorias sociolgicas no sculo XX. Rio
de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 2001.
FERNANDES, Florestan. Fundamentos empricos da explicao
sociolgica. 3. ed. Rio de Janeiro: Livros Tcnicos e Cientficos, 1978.
GERTZ, Ren E. (Org.). Max Weber & Karl Marx. 2. ed. So Paulo: Hucitec, 1997.
GIDDENS, Anthony. Poltica, sociologia e teoria social. Encontros com o
pensamento social clssico e contemporneo. So Paulo: Ed. Unesp, 1998.
_____. Capitalismo e moderna teoria social. Uma anlise das obras
de Marx, Durkheim, Max Weber. Lisboa: Presena, 1976.
GIDDENS, A.; TURNER J. (Orgs.). Teoria social hoje. So Paulo: Unesp, 2000.
HAWTHORN, Geoffrey. Iluminismo e desespero. Uma histria da
sociologia. Rio de Ja-neiro: Paz e Terra, 1982.
LALLEMENT, Michel. Histria das ideias sociolgicas V.I. Das
Origens a Max Weber. Petrpolis, RJ: Vozes, 2003.
_____. Histria das ideias sociolgicas V.II. De Parsons aos
contemporneos. Petr-polis, RJ: Vozes, 2004.
LEVINE, Donald N. Vises da tradio sociolgica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
MOYA, Carlos. Teoria sociolgica. Una introduccin crtica. Madrid: Taurus, 1971.
QUINTANEIRO, Tnia; BARBOSA, Maria Lgia de O.; OLIVEIRA, Maria Gardncia de. Um
toque de clssicos. Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: EdUFMG, 1995.
REX, John. Problemas fundamentais da teoria sociolgica. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clssica. 4. ed. Itaja-SC: Ed.Univali/Edifurb, 2006
SKIDMORE, William. Pensamento terico em sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
TIMASHEFF, Nicholas S. Teoria sociolgica. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
ZEITLIN, Irving M. Ideologia y teoria sociolgica. Buenos Aires: Amorrortu, 1973.
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