Carulina de Freitas Chagas - PUC Minasfmd.pucminas.br/Virtuajus/2_2008/Discente/Carulina de Freitas... · 11.343, de 23 de agosto de 2006, que é a nova Lei de Tóxicos, ou nova Lei
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O USUÁRIO NA LEI 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006 - NOVA LEI DE
TÓXICOS1
Carulina de Freitas Chagas2
Orientadora: Lázara Maria de Fátima Mendes Abreu3
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito de Crime; 3. Das Espécies de Penas; 4. Introdução à Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006; 5. Análise do tipo penal previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06; 6. As penas cominadas ao usuário de drogas; 7. O art. 28 e o uso de drogas: descriminalização, despenalização ou continua sendo crime?; 8. Conclusão.
RESUMO: A partir do estudo do artigo 28 da Lei 11.343, de 23 de agosto de
2006 - Nova Lei de Tóxicos - artigo este referente ao usuário de drogas,
pretende-se, ao final dessa monografia demonstrar que a conduta do usuário
de drogas continua sendo crime, e que com o advento da Lei 11.343/06, nova
Lei de Tóxicos, não houve abolitio criminis do uso de drogas, e tampouco a sua
despenalização. Será demonstrado, portanto, que a conduta incriminada pelo
artigo 28 continua a ter natureza jurídica de crime.
Palavras-chave: Lei n. 11.343/06 – artigo 28 - uso de drogas –
descriminalização – despenalização – natureza jurídica de crime
1 Monografia de Conclusão de Curso defendida em 03/12/2007. 2 Autora da monografia; Bacharel em Direito graduada pela Faculdade Mineira de Direito da PUC-MG (campus Coração Eucarístico) em julho de 2008. Endereço eletrônico para contato: caroldefreitas@ibest.com.br. 3 Mestre em Direito Penal e Professora de Direito Penal III da Faculdade Mineira de Direito da PUC-MG; Professora de Direito Penal Comum, Direito Penal Militar e Criminologia da Academia da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
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1. INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objeto de estudo a Lei 11.343, de 23
de agosto de 2006, relativamente ao tratamento diferencial por ela conferido ao
usuário de drogas, que constitui inovação em relação à legislação antitóxicos
anterior. O estudo será adstrito à parte material (penal) do tratamento
dispensado pela Lei 11.343/06 ao usuário, mais especificamente, ao artigo 28
da referida lei.
O Objeto de estudo desse trabalho é constituído, especificamente pela
figura do usuário, conforme dito acima, e não por todo o diploma legal em
questão. Espera-se que o presente trabalho contribua para que, juridicamente,
a compreensão da polêmica acerca da descriminalização ou não do uso de
drogas se torne mais clara e menos polêmica.
Esse estudo foi desenvolvido visando não apenas os estudiosos e
aplicadores do Direito, mas também os profissionais de outras áreas,
interessados no estudo do tema em análise, que desejem se inteirar melhor
acerca da polêmica trazida pela Lei 11.343/06 sobre o uso de drogas.
O artigo 28 da Lei 11.343/06, que tipifica as condutas referentes ao uso
de drogas, por não mais cominar pena privativa de liberdade ao usuário, está
envolto por uma polêmica que tem suscitado discussões jurídicas fervorosas
acerca da descriminalização, ou não, do uso de drogas. Há entendimentos em
ambos os sentidos. Pretende-se com este estudo demonstrar que não ocorreu
abolitio criminis do uso de drogas e que tal conduta continua a ser crime, tal
como o tipifica o artigo 28 da Lei 11.343/06, ou seja o artigo 28, tal como posto
pela nova lei não implicou a descriminalização do uso de drogas.
Para entender se a Lei 11.343/06 implicou abolitio criminis do uso de
drogas, é fundamental ter em mente o conceito de crime, bem como dos
elementos que o compõe, pois, só assim será possível analisar uma conduta e
classificá-la ou não como crime.
Saber o que é crime é fundamentalmente importante para a
compreensão desse trabalho. Quando se quer saber se uma dada conduta
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constitui ou não crime, é indispensável, antes de qualquer coisa, saber o seu
conceito.
O renomado doutrinador Eugênio Raul Zafaroni, quanto a este aspecto
já dizia:
Efetivamente, quando o juiz, o promotor de justiça, o defensor ou seja quem for se encontram diante da necessidade de determinar se existe delito em um caso concreto (...) a primeira coisa que se deve saber é que caráter deve apresentar uma conduta para ser considerada delito. (ZAFARONI, PIERANGELI, 2007, p. 335).
Por essa razão o segundo capítulo da monografia é dedicado a estudar
os conceitos existentes de crime.
A polêmica acerca do artigo 28 da nova lei de tóxicos, também envolve
diretamente discussão sobre as penas aplicáveis aos crimes. Pelo fato de a
nova lei, em seu artigo 28 não mais cominar pena privativa de liberdade ao
usuário, alguns juristas têm entendido que houve abolitio criminis. Portanto,
além de saber o que é crime, será indispensável à compreensão do artigo 28
da nova lei de tóxicos conhecer as espécies de penas existentes, assim como
as suas finalidades em relação àquele que pratica a conduta incriminada.
Portanto, compreender se a conduta tipificada no artigo 28 da nova lei é ou não
crime pressupõe, além de um estudo prévio sobre o conceito de crime, um
estudo sobre as espécies de pena adotadas pelo ordenamento jurídico-penal
brasileiro e suas finalidades, das quais cuidará o terceiro capítulo desse
trabalho.
Do quarto capítulo em diante, inicia-se, especificamente, o estudo da Lei
11.343, de 23 de agosto de 2006, que é a nova Lei de Tóxicos, ou nova Lei de
Drogas ou nova Lei Antitóxica, ou ainda, nova Lei Antidrogas, cuja análise,
restringir-se-á, basicamente, ao artigo 28, que tipifica as condutas de uso de
drogas. Para tanto, para que esse artigo seja bem compreendido, é necessário
fazer uma breve apresentação da Lei e do contexto legislativo à época de seu
surgimento, bem como dos seus objetivos quanto ao usuário de drogas,
especificamente, e das principais alterações trazidas relativamente a ele.
Após, o quinto capítulo dedicar-se-á à análise do tipo penal previsto no
artigo 28 da nova Lei de Drogas, incriminador da conduta do uso. Nesse
capítulo serão estudados os elementos do tipo penal, quais sejam, as condutas
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incriminadas, os sujeitos ativo e passivo, o bem jurídico tutelado, o objeto
material e os elementos normativos do tipo. Por fim, serão ainda apresentados
os critérios fornecidos pela Lei 11.343/06 para apuração do consumo pessoal,
diante de um caso concreto.
O objeto de estudo do sexto capítulo são as penas cominadas pela Lei
11.343/06, penas essas que são a origem de toda a polêmica acerca da
descriminalização, ou não, do uso de drogas.
Por fim, após todo o estudo prévio desenvolvido sobre o artigo 28 da
nova Lei de Tóxicos, o leitor estará apto a entender a polêmica acerca desse
artigo e da incriminação do uso de drogas. Dessa forma, o sétimo capítulo
destina-se á exposição das correntes de pensamento existentes sobre o
assunto, quais sejam, a que entende que houve descriminalização do uso, a
que entende que houve tão-somente a despenalização e, por fim, a que
entende que não houve nem descriminalização nem despenalização do uso de
drogas e que essa conduta continua a configurar crime, tal como a tipifica o
artigo 28 da Lei n. 11.343/06. Será demonstrado que essa última corrente é a
mais coerente com o que dispõe a Lei 11.343/06 ao traçar os seus objetivos e,
sobretudo, é a mais coerente com as disposições do artigo 28 do novel diploma
legal.
No oitavo capítulo conclui-se que a conduta do uso de drogas, tipificada
no artigo 28 da Lei 11.343/06, continua a ter natureza jurídica de crime, não
havendo que se falar em despenalização e tampouco em descriminalização.
Sendo assim, o objetivo da monografia foi alcançado, vez que restou
demonstrado que o advento da nova Lei de Tóxicos não implicou abolitio
criminis do uso de drogas.
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2. CONCEITO DE CRIME
O Código Penal brasileiro não traz em seus dispositivos nenhum que se
dedique a conceituar crime. Diante disso, essa definição ficou a cargo da teoria
jurídica do delito que através de estudos dedicados de respeitados penalistas,
tem se ocupado em estabelecer um conceito doutrinário de crime. Desses
estudos doutrinários, surgiram conceitos diversos sobre o que vem a ser a
conduta delituosa.
Rogério Greco, citando Zafaroni, assim define a teoria do delito:
A parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, quer dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito. Esta explicação não é um mero discorrer sobre o delito com interesse puramente especulativo, senão que atende à função essencialmente prática, consistente na facilitação da averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso concreto. (GRECO, 2004, p. 150)
Cumpre, neste capítulo, explicar o que vem a ser crime, visto que tal
definição é indispensável à compreensão da polêmica de que trata esta
monografia, qual seja, a de demonstrar que as condutas previstas no art. 28 da
lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, nova Lei de Tóxicos, configuram crime.
O crime, além de um acontecimento jurídico é também um
acontecimento social, e enquanto tal, não se apresenta no mundo como um
conceito inerte e imutável. O conceito de crime evolui à medida que também
evolui e se transforma a sociedade em que se verifica, o que reclama
constantemente, atuação e atualização jurídico-penal do Estado para a defesa
eficaz dos bens e interesses jurídicos da sociedade. Desta forma, ainda que
haja um conceito legalmente estabelecido de crime, em uma dada sociedade,
se esse conceito não for capaz de acompanhar a evolução do próprio crime no
decorrer do tempo, sendo constantemente atualizado, tornar-se-á obsoleto. Por
tal razão é que se entende que a elaboração do conceito de crime compete,
principalmente, aos doutrinadores.
Conforme anteriormente dito, o Código Penal Brasileiro não traz uma
definição de crime. A Lei de Introdução do Código Penal diz em seu art. 1º que
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crime é a infração penal a que a lei atribui pena de reclusão ou de detenção.
No entanto, conforme os dizeres de Rogério Greco:
Com essa redação, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal somente nos trouxe um critério para que, analisando o tipo penal incriminador, pudéssemos distinguir o crime de uma contravenção (...) Hoje, o conceito atribuído ao crime é eminentemente jurídico (...) não existe um conceito de crime fornecido pelo legislador, restando-nos, contudo seu conceito jurídico. (GRECO, 2004, p. 154)
Após muitas tentativas de fornecer um conceito sobre crime, a doutrina
apresenta, no âmbito estritamente conceitual, três aspectos básicos sobre os
quais o crime pode ser considerado. São eles: formal ou nominal, material ou
substancial e analítico ou dogmático. Tais aspectos são as expressões
doutrinárias mais significativas da Teoria do Delito, citados por diversos
doutrinadores.
2.1 Aspecto formal ou nominal
Segundo essa acepção, o crime é concebido como toda conduta que a
lei penal incrimina. Considera-se, no aspecto formal, o direito positivo, a
subsunção do fato à norma penal incriminadora.
Esclarece o ilustre doutrinador Luiz Regis Prado que o aspecto formal ou
nominal versa:
sobre a relação de contrariedade entre o fato e a lei penal. Tem-se, pois, que “delito é o fato ao qual a ordem jurídica associa a pena como legítima conseqüência”; “ação ou omissão, imputável ao seu autor, prevista e punida pela lei como sanção penal”; ou, ainda, “todo fato humano proibido pela lei penal.(PRADO, 2005, p. 252)
Fernando Capez pondera que, sob o aspecto formal:
O conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando seu conteúdo. (CAPEZ, 2006, p. 112)
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O crime, sob este aspecto é, portanto, toda ação ou omissão que se
adapta à conduta descrita por uma norma penal incriminadora emanada do
Estado.
2.2 Aspecto material ou substancial
No aspecto material ou substancial, as condutas são consideradas
crime, conforme o seu caráter danoso, o seu desvalor para a sociedade. O
crime seria, portanto, o que a sociedade considera, em determinada época,
que deve ser proibido pela lei penal, por ser prejudicial e ofensivo ao modo de
vida da sociedade.
Luiz Regis Prado, respeitável penalista, esclarece que, sob esse
aspecto, o crime:
Costuma ser definido como “o atentado às condições de vida da sociedade, comprovada pela legislação e só evitável mediante a pena”; “todo fato humano lesivo de interesse capaz de comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade”; ou ainda, “um querer e atuar antijurídico (socialmente danoso) e culpável, insuportável cultural e ético-socialmente, em contradição grave com a justiça e o bem comum.”(PRADO, 2005, p. 253)
O Promotor Fernando Capez, por sua vez, expõe que:
Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social. (CAPEZ, 2006, p.112)
Já Júlio Fabbrini Mirabete, citando Magalhães Noronha, como ele,
entende que:
A melhor orientação para obtenção de um conceito material de crime, como afirma Noronha, é aquela que tem em vista o bem protegido pela lei penal. Tem o Estado a finalidade de obter o bem coletivo, mantendo a ordem, a harmonia e o equilíbrio social (...) Para isso, é necessário valorar os bens ou interesses individuais ou coletivos, protegendo-se, através da lei penal, aqueles que mais são atingidos quando da transgressão do ordenamento jurídico. Essa proteção é
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estudada através do estabelecimento e da aplicação da pena, passando esses bens a ser juridicamente tutelados pela lei penal. Chega-se, assim, a conceitos materiais ou substanciais de crime (...)(MIRABETE, 2005, p. 96)
O conceito material corresponde, dessa forma, à definição que procura
estabelecer qual o conteúdo do fato punível. Ou seja, crime, sob esse aspecto,
é toda conduta que viola os bens jurídicos protegidos pelo Estado.
2.3 Aspecto analítico ou dogmático
No aspecto analítico ou dogmático, o crime é considerado segundo seus
elementos constitutivos ou estruturais. No entanto, alguns penalistas têm
divergido quanto a esses elementos. Muitos doutrinadores entendem que os
elementos constitutivos do crime são a tipicidade, a antijuridicidade ou a
ilicitude e a culpabilidade. Outros, por sua vez, entendem que os elementos
constitutivos do crime são tão-somente a tipicidade e a ilicitude. Essa
divergência versa, especificamente, sobre o elemento da culpabilidade, o qual
alguns entendem ser elemento integrante do conceito de crime e outros
entendem tratar-se não de um elemento estrutural de crime, mas, sim de um
pressuposto para a aplicação da pena.
No contexto dessa divergência, Luiz Regis Prado, por um lado, defende
que:
Assim concebido, o delito vem a ser toda ação ou omissão típica, ilícita ou antijurídica e culpável. De conformidade com o exposto, esses elementos estão em uma seqüência lógica necessária, quer dizer, só uma ação ou omissão pode ser típica, só esta última pode ser ilícita e apenas quando ilícita tem a possibilidade de ser culpável.(PRADO, 2005, p. 254)
Magalhães Noronha, nesse mesmo sentido, bem resume o conceito
analítico de crime:
A ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijurídica e
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culpável. Ele não existe sem uma ação (compreendo-se também a omissão), a qual se deve ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo a título de culpa lato sensu (dolo ou culpa). (NORONHA, 1999, p. 97)
Fernando Capez, ao contrário, entende que:
Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. (CAPEZ, 2006, p. 112)
Quanto ao aspecto analítico pode-se destacar como sendo a concepção
mais acertada aquela que entende o crime como todo fato típico e ilícito, ou
seja, mais acertada é a concepção bipartida de crime, que considera como
elementos estruturais do crime apenas a tipicidade e a antijuridicidade, sendo a
culpabilidade pressuposto para aplicação da pena.
O Promotor Fernando Capez é um dos defensores da concepção
bipartida de crime e sobre essa concepção muito bem se manifesta ao
esclarecer que:
Concepção bipartida: a culpabilidade não integra o conceito de crime. Entendemos que crime é fato típico e ilícito (ou antijurídico) por várias razões. (...) Com o finalismo de Welzel descobriu-se que o dolo e a culpa integravam o fato típico e não a culpabilidade. A partir daí, com a saída desses elementos a culpabilidade perdeu a única coisa que interessava ao crime, ficando apenas com elementos valorativos. (...) A partir do finalismo, já não há como continuar sustentando que crime é todo fato típico, ilícito e culpável, pois a culpabilidade não tem mais nada que interessa ao conceito de crime. (...) Quando se fala na aplicação de medida de segurança, dois são os pressupostos: ausência de culpabilidade (o agente deve ser um inimputável) + prática de crime (para internar alguém em um manicômio por determinação de um juiz criminal, é necessário antes provar que esse alguém cometeu um crime). Com isso, percebe-se que há crime sem culpabilidade.(CAPEZ, 2007, p.112/113)
Marcelo Colombelli Mezzomo, também adepto da concepção bipartida
de crime, assim se manifesta, citando Júlio Fabbrini Mirabete:
No mesmo diapasão, Júlio Fabbrini Mirabete apostila que: a culpabilidade tida como componente do crime pelos doutrinadores causalistas, é conceituada pela teoria finalista da ação como a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. É, em última análise a contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma. Assim conceituada, a culpabilidade não é característica, aspecto ou elemento do crime, e
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sim mera condição para impor a pena pela reprovabilidade da conduta.(...) De minha parte, alinho-me com os primeiros, pois não me parece que a presença da culpabilidade seja imprescindível ao delito, já que há resposta penal mesma ante a ausência de culpabilidade (medida de segurança). (MEZZOMO, 2007)
Portanto, o crime, sob o aspecto analítico ou dogmático pode ser
entendido como toda conduta típica e ilícita, sendo a culpabilidade um
pressuposto para a aplicação da pena.4
Em que pese a autoridade dos renomados penalistas, que entendem a
culpabilidade como elemento integrante do conceito de crime, tais como Luiz
Regis Prado e Magalhães Noronha, supracitados, cumpre ressaltar, conforme
já mencionado, que, mais acertada é a concepção do crime como conduta
típica e ilícita, sendo a culpabilidade mero pressuposto para aplicação da pena.
A culpabilidade é o elemento subjetivo verificável no sujeito ativo do
crime, naquele que praticou a ação ou omissão típica e antijurídica. O resultado
da conduta típica e ilícita praticada deve ser imputável ao autor do fato a título
de culpa em sentido amplo, ou seja, a título de dolo ou culpa. A culpabilidade é
um juízo de reprovação que se faz sobre a conduta do agente. É, portanto, a
reprovabilidade pessoal atribuída ao sujeito ativo do crime pela prática da
conduta típica e ilícita. Conforme ressalta o Promotor Fernando Capez, a
culpabilidade:
Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. (CAPEZ, 2007, p. 297)
Portanto, analiticamente, crime é toda conduta típica e ilícita (ou
antijurídica).
2.4 Análise do conceito de crime sob o aspecto analítico ou dogmático
4 Nesse momento cumpre ressaltar que o conceito de crime adotado nesta monografia não é o adotado pela doutrina majoritária e não é o conceito cobrado na maioria dos concursos públicos. A maioria da doutrina adota o entendimento de que crime é todo fato típico, ilícito e culpável. E esse é o conceito analítico de crime cobrado pela maioria dos concursos públicos.
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Sob o aspecto analítico ou dogmático, conforme exposto acima crime é
toda ação ou omissão, típica e ilícita cujos elementos estruturais são, portanto,
a tipicidade e a ilicitude ou antijuridicidade.
Visando uma melhor compreensão do crime sob esse aspecto analítico
dogmático, é necessário analisar cada um dos elementos estruturais do
conceito de delito.
2.4.1 Tipicidade
A ação ou omissão praticada pelo sujeito deve ser tipificada, ou seja,
deve se ajustar ao tipo penal incriminador estabelecido pelas leis penais, ao
qual é cominada sanção penal. A tipicidade é a subsunção do fato à norma
jurídico-penal. Se a conduta praticada não estiver tipificada em lei como prática
delituosa, a conduta é atípica e, assim sendo, não configura crime.
Quanto à tipicidade o ilustre doutrinador Mirabete esclarece que:
Para que se possa afirmar que o fato concreto tem tipicidade, é necessário que ele se contenha perfeitamente na descrição legal, ou seja, que haja perfeita adequação do fato concreto ao tipo penal. (MIRABETE, 2005, p.101)
No mesmo sentido, o Promotor Fernando Capez aduz que a tipicidade
pode ser entendida da seguinte maneira:
É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Para que a conduta seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. (CAPEZ, 2007, p. 187)
2.4.2 Ilicitude ou antijuridicidade
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A antijuridicidade ou ilicitude de uma ação ou omissão, significa a sua
contrariedade às leis e ao Direito como um todo. Ou seja, a conduta, para
configurar crime, além de ser típica, deve também ser ilícita ou antijurídica.
A ilicitude é a contrariedade entre o fato e o Direito. Pode-se considerar,
ainda, que a ação ou omissão descrita em norma penal incriminadora será
ilícita quando não for expressamente declarada lícita pelas causas de exclusão
da ilicitude ou outras normas permissivas encontradas na parte especial do
Código ou em leis especiais.
Mirabete, respeitado doutrinador, define a antijuridicidade como:
A contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico. O fato típico, até prova em contrário, é um fato que, ajustando-se ao tipo penal é antijurídico. Existem, entretanto, na lei penal ou no ordenamento jurídico em geral causas que excluem a antijuridicidade do fato típico. Por essa razão, diz-se que a tipicidade é o indício da antijuridicidade, que será excluída se houver uma causa que elimine a sua ilicitude. (...) A antijuridicidade é um juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, no sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico. (MIRABETE, 2005, p. 173)
Fernando Capez, por sua vez, assim define a ilicitude:
É a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas. Em primeiro lugar, dentro da primeira fase de seu raciocínio, o intérprete verifica se o fato é típico ou não. Na hipótese de atipicidade, encerra-se, desde logo, qualquer indagação acerca da ilicitude. É que, se um fato não chega sequer a ser típico, pouco importa saber se é ou não ilícito, pois, pelo princípio da reserva legal, não estando descrito como crime, cuida-se de irrelevante penal. (CAPEZ, 2007, p.268)
O Código Penal Brasileiro prevê, como causas de exclusão da ilicitude,
em seu artigo 23, as seguintes: estado de necessidade, legítima defesa, estrito
cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (BRASIL, 1940)
A doutrina costuma mencionar também, como causa de exclusão da
ilicitude, o consentimento do ofendido.
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3. DAS ESPÉCIES DE PENAS
O Estado há muito, tomou para si a responsabilidade de tutelar os bens
jurídicos da sociedade e dos indivíduos. Para que isso seja feito, por imposição
do princípio da legalidade, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal”5, fica outorgada às leis a tarefa,
nem sempre fácil, de descrever os crimes e lhes cominar sanções. Através das
leis jurídico-penais, o legislador, visando a proteção de bens jurídicos os mais
diversos, estabelece quais condutas devem ser proibidas, bem como
estabelece as penas que serão a ela aplicáveis. Ou seja, o legislador tipifica os
crimes e atribui à sua prática determinadas conseqüências jurídicas, que são
as sanções penais.
O Direito Penal moderno acolhe como conseqüências jurídico-penais do
delito as penas e as medidas de segurança. A pena é a mais importante destas
conseqüências e pode ser entendida, em tese, como resposta natural do
Estado à prática de um crime. Como bem define o doutrinador Jair Leonardo
Lopes:
A pena é a sanção adotada para ser aplicada aos que, consciente e voluntariamente, realizam ou concorrem para a realização ilícita e culpável das condutas típicas, praticando a ação proibida (ex.: matando alguém, art. 121 do CP) ou omitindo a ação ordenada (ex.: deixando de prestar socorro a alguém nas circunstâncias do art. 135 do CP). (LOPES, 2005, p. 181)
Todo aquele que comete ou concorre para a prática de um crime,
sujeita-se à pena a ele cominada pelo Estado por meio de uma lei penal. A
responsabilidade pela aplicação e pela imposição do cumprimento da sanção
penal ao condenado compete ao Estado.
3.1 Dos fins das penas
5 O Princípio da Legalidade está previsto no artigo 5º, XXXIX, da Constituição da República de 1988 e também no artigo 1º do Código Penal Brasileiro.
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Nos tempos mais antigos, os crimes praticados eram duramente
reprimidos. As penas submetiam o condenado a um longo processo de tortura
e sofrimento que quase sempre o levavam à morte. Além da pena de morte e
de mutilação, havia também a pena de exílio, trabalhos forçados e confisco,
dentre outras, sendo que a espécie cominada e sua aplicação variavam
conforme o crime praticado. As sanções de antigamente tinham como objetivo
retribuir a conduta praticada, bem como servir de exemplo e de fator
desestimulante para a prática de novos crimes. Por tal razão, as penas
aplicadas, em sua maioria, eram marcadas pela violência e crueldade, além de
serem executadas em praça pública.
Atualmente, e em respeito ao já citado princípio da legalidade, as
modalidades de pena devem ser previamente estabelecidas, dentre as
hipóteses penal e constitucionalmente admitidas, variando de acordo com a
gravidade do delito praticado, sendo que, em sua aplicação e execução, devem
observar os princípios constitucionais assegurados aos presos.
A legislação penal brasileira permite entender que a finalidade das
penas reside tanto na intenção de reprimir o mal provocado pela conduta
criminosa do agente, quanto na de prevenir futuras práticas criminosas.
O ilustre doutrinador Fernando Capez, tão bem quanto define pena,
explicita seus fins:
Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. (CAPEZ, 2006, p. 357)
No campo doutrinário, várias são as correntes que buscam justificar os
fins e os fundamentos da pena. Essas teorias podem ser reunidas em três
grandes grupos: teorias absolutas ou da retribuição, teoria relativas e teorias
unitárias ou ecléticas.
As teorias absolutas, também chamadas de teorias da retribuição,
advogam a tese de que as penas devem ser uma retribuição à pratica da
conduta criminosa pelo agente. É na reprovação da conduta que reside o
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caráter retributivo da pena. A pena, sob essa acepção tem como finalidade
punir o autor do fato criminoso pela prática de uma conduta proibida e que,
portanto, fere o ordenamento jurídico-penal.
Luiz Regis Prado explica que as teorias absolutas ou da retribuição:
Fundamentam a existência da pena unicamente no delito praticado (punitur quia peccatum est). A pena é a retribuição, ou seja, compensação do mal causado pelo crime (...) Para os partidários das teorias absolutas da pena, qualquer tentativa de justificá-la por seus fins preventivos (...) implica afronta à dignidade humana do delinqüente, já que este seria utilizado como instrumento para a consecução de fins sociais. (PRADO, 2005, p. 553 e 555)
Fernando Capez, da mesma forma, menciona que, para as teorias
absolutas ou da retribuição “a finalidade da pena é punir o autor de uma
infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto praticado pelo criminoso,
pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico (punitur quia peccatum est)”
(CAPEZ, 2006, p. 357).
A teoria relativa, por sua vez, defende que a finalidade da pena é a
prevenção de novas práticas criminosas. Fernando Capez, ao dispor sobre a
teoria relativa dos fins da pena, assim se manifesta:
(...)A pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime (...) A prevenção é especial porque a pena objetiva a readaptação e a segregação sociais do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinqüir. A prevenção geral é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social (...) (CAPEZ, 2006, p. 358)
Da mesma forma, o penalista Luiz Regis Prado em relação às teorias
relativas destaca que:
(...) a pena se fundamenta por seus fins preventivos, gerais ou especiais. Justifica-se por razões de utilidade social. A prevenção geral, tradicionalmente identificada como intimidação – temor infundido aos possíveis delinqüentes, capaz de afasta-los da prática delitiva – é modernamente vislumbrada como exemplaridade (...) a prevenção especial, a seu turno, consiste na atuação sobre a pessoa do delinqüente, para evitar que volte a delinqüir no futuro. Assim, enquanto a prevenção geral se dirige indistintamente à totalidade dos indivíduos integrantes da sociedade, a idéia de prevenção especial refere-se o delinqüente em si, concretamente considerado. (PRADO, 2005, p.555 e 561)
16
A terceira teoria que explica os fins da pena é a teoria mista ou eclética,
ou ainda, teoria unificadora da pena, segundo a qual a pena possui como
finalidades tanto a retribuição pela prática de um fato criminoso, quanto a
prevenção à pratica de novos crimes, o que, de acordo com essa teoria, será
feito através da reeducação e da intimidação pessoal (imposta ao autor do
crime) e coletiva. Esta teoria mista consiste na junção das teorias absoluta e
relativa.
As teorias mistas ou ecléticas são as predominantes na doutrina. São
também as adotadas pelo ordenamento jurídico-penal brasileiro que atribui às
sanções penais cominadas aos crimes, as finalidades de retribuição à conduta
praticada e de prevenção de novos crimes. O artigo 59 do Código Penal
Brasileiro é a manifestação concreta da adoção, pelo direito penal, das
finalidades retributiva e preventiva das penas. Assim dispõe:
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas (...) (BRASIL, 1940, grifo nosso)
3.2 Espécies de penas
A Constituição Federal de 1988, visando regular a criação e a
cominação das penas aos fatos típicos, estabeleceu diretrizes básicas a serem
seguidas no processo de cominação de sanções penais aos crimes, pelo
legislador. Assim, permitiu à legislação infraconstitucional a adoção, dentre
outras espécies, de três penas básicas, quais sejam a privativa de liberdade, as
restritivas de direitos e a de multa, já previstas pelo Código Penal.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que faculta à legislação a criação
de outras espécies de penas que não apenas as enumeradas no inciso XLVI
do art. 5º, a Constituição veda a adoção de determinados tipos penas. As
disposições constitucionais atinentes às espécies de penas são as seguintes:
17
Art. 5º (...) XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII – não haverá penas: a)de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; (BRASIL, 1988, grifo nosso)
As penas, quaisquer que sejam, implicam a perda ou a restrição de
direitos individuais do agente. Por tal razão, as sanções penais devem ser
estabelecidas e executadas observando-se sempre os princípios
constitucionais sobre aplicação e execução penal, além das demais normas
infraconstitucionais atinentes à esse aspecto.
O artigo 32 do Código Penal brasileiro, anterior à Constituição da
República de 1988, já estabelecia as três espécies de penas aplicáveis aos
crimes: privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa. Porém, o
Código Penal não faculta ao legislador, como faz a Carta Magna, a adoção de
outras espécies de sanção penal.
As penas privativas de liberdade previstas pelo Código Penal são as de
reclusão e de detenção.
As penas restritivas de direitos consistem em: prestação pecuniária,
perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades
públicas e interdição temporária de direitos e limitação de fins de semana.
A pena de multa, por sua vez, é de natureza pecuniária sendo o seu
cálculo elaborado pelo sistema de dias-multa.
3.2.1 Das Penas privativas de liberdade
18
As penas privativas de liberdade como o próprio nome já diz, são
aquelas que privam o indivíduo que incorre na prática de uma conduta
criminosa, de um de seus bens mais preciosos, qual seja, a sua liberdade.
Estas penas podem ser de três espécies: pena de reclusão, pena de
detenção e pena de prisão simples. Interessam a este estudo as duas
primeiras, vez que são as espécies de penas privativas de liberdade aplicadas
aos crimes. Aquela última, por sua vez, é a pena privativa de liberdade
aplicável às contravenções penais, e não constitui objeto do presente trabalho.
Nos dias de hoje, a diferenciação entre as penas de reclusão e as penas
de detenção se restringe quase que exclusivamente aos regimes de
cumprimento da pena privativa de liberdade. Os tipos penais, ao descreverem
as condutas criminosas estabelecem qual pena privativa de liberdade (se for o
caso desta espécie de pena) será cumprida: se a de reclusão ou a detenção.
A pena de reclusão é cumprida nos regimes fechado, semi-aberto e
aberto. Já a pena de detenção, menos grave que a primeira, deve ser cumprida
nos regimes semi-aberto e aberto. Neste sentido é a disposição do artigo 33 do
Código Penal brasileiro, ao tratar das penas privativas de liberdade:
Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. § 1º. Considera-se: a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. (BRASIL, 1940, grifo nosso)
O regime fechado é imposto aos crimes cuja pena aplicada seja superior
a 8 anos.
Já quanto ao regime semi-aberto, sua compreensão varia conforme seja
prevista a pena de reclusão ou de detenção. Quando se tratar de pena de
reclusão, é imposto aos crimes cuja pena aplicada for superior a 4 (quatro) e
inferior a 8 (oito) anos de prisão. No tocante à pena de detenção, o regime
semi-aberto é aplicável aos crimes cuja pena aplicada seja superior a 4
(quatro) anos.
19
Por sua vez, o regime aberto impõe-se às práticas criminosas cuja pena
aplicada seja inferior a 4 anos, tanto em se tratando de reclusão quanto de
detenção.
3.2.2 Das penas restritivas de direitos
As penas restritivas de direitos são penas autônomas, aplicadas em
substituição à pena privativa de liberdade. Desta forma, terão a mesma
duração que a pena privativa de liberdade originalmente aplicada. É
inadmissível a cumulação da privação da liberdade com as restrições de
direitos.
O artigo 43 do Código Penal brasileiro enumera as espécies de penas
restritivas de direitos. Assim dispõe:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – VETADO6; IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana. (BRASIL, 1940)
A aplicação das penas restritivas de direitos, uma vez que são penas
substitutivas da pena privativa de liberdade, pressupõe uma fase anterior na
qual já tenha sido fixada uma pena privativa de liberdade. Assim, deve o
julgador aplicar a pena originária correspondente, no caso a privativa de
liberdade, para, posteriormente, ou no mesmo momento, conforme cada caso
concreto, substituí-la por uma das espécies de penas restritivas de direitos,
dentre as elencadas no artigo 43 do Código Penal.
Para que se proceda à substituição da pena privativa de liberdade por
uma das penas restritivas de direitos, é necessária a presença de alguns
requisitos, cumulativamente. Estes requisitos ou condições são os
estabelecidos no artigo 44 do Código Penal brasileiro nos seguintes termos:
6 Inciso vetado pela Lei n. 9714, de 25 de novembro de 1998, que altera dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
20
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.(BRASIL, 1940)
A primeira pena restritiva de direitos enumerada pelo artigo 43 do
Código Penal é a prestação pecuniária, que consiste no pagamento em
dinheiro à vítima, a seus descendentes ou a entidades públicas ou privadas
com destinação social, de um valor fixado pelo juiz entre 1 (um) e 360
(trezentos e sessenta) salários mínimos. O juiz, ao determinar o valor da
prestação, deve fazê-lo de acordo com o que seja suficiente para a reprovação
do delito, levando-se em consideração a capacidade econômica do condenado
e a extensão do prejuízo causado à vítima ou a seus herdeiros.
A perda de bens e valores é uma restrição imposta ao patrimônio lícito
do condenado, e reversível ao Fundo Penitenciário Nacional, sendo que
consiste na decretação da perda de bens (móveis, imóveis) ou de valores
(ações, títulos de créditos). O valor da pena de multa será calculado
considerando-se o valor do prejuízo causado ou do proveito obtido pelo agente
ou terceiro em conseqüência da prática do crime.
O Código Penal, nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 45, assim dispõe
acerca da prestação pecuniária e da perda de bens e valores:
Art. 45. (...) § 1º. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta salários mínimos). O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. § 2º. No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. § 3º. A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por
21
terceiro, em conseqüência da prática do crime. (BRASIL, 1940, grifo nosso)
A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é outra
espécie de pena restritiva de direitos, que consiste na atribuição ao condenado
de tarefas a serem gratuitamente executadas junto a entidades assistenciais,
hospitalares, escolas, dentre outros. As tarefas devem levar em condição as
aptidões do condenado e devem ser cumpridas à razão de 1 hora de trabalho
por dia de condenação. O Código Penal dispõe sobre essa espécie de pena
restritiva de direitos em seu artigo 46, in verbis:
Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. § 1º. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2º. A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. § 3º. As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4º. Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.(BRASIL, 1940)
As penas de interdição temporária de direitos são as enumeradas no
artigo 47 do Código Penal.
Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são: I – proibição do exercício do cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV - proibição de freqüentar determinados lugares. (BRASIL, 1940)
Por fim, a pena de limitação de fim de semana, que consiste,
basicamente, na imposição ao condenado da obrigação de permanecer, aos
sábados e domingos, por um período de 5 horas diárias, em casa de albergado
ou outro estabelecimento adequado. Durante esse período poderão ser
22
ministrados ao condenado cursos, palestras e outras atividades educativas.
Outra não é a disposição do artigo 48 do Código Penal:
Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Parágrafo único - Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.(BRASIL, 1940)
3.2.3 Da pena de multa
A pena de multa consiste na determinação de pagamento a ser efetuado
pelo condenado ao fundo penitenciário, de quantia fixada na sentença e
calculada em dias-multa. Trata-se de uma hipótese de pena pecuniária imposta
ao condenado, e prevista pelo artigo 49 do Código Penal, qual seja:
Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. § 1º. O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. § 2º. O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária. (BRASIL, 1940)
Jair Leonardo Lopes, acerca da pena de multa, assim dispõe:
A pena de multa, além de poder ser imposta com a pena privativa de liberdade, quando com esta estiver prevista nas cominações legais cumulativas, pode, também, ser aplicada, isoladamente, quando a cominação legal for alternativa e o juiz fizer opção por ela. Mas, além disso, poderá ser utilizada como substitutiva da pena privativa de liberdade aplicada. (LOPES, 2005, p. 199/200)
A pena de multa constitui, portanto, uma sanção penal de caráter
pecuniário imposta em desfavor do patrimônio do condenado como retribuição
pela prática do crime praticado.
23
4. A LEI 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006 – NOVA LEI DE TÓXICOS – E
OS ASPECTOS GERAIS REFERENTES AO USUÁRIO
Cumpre no presente capítulo fazer a apresentação da Lei 11.343, de 23
de agosto de 2006, no tocante às políticas adotadas quanto ao uso indevido de
drogas.
À guisa de introdução será apresentado, de forma geral, o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad quanto a seus objetivos e
atividades principais voltadas ao do usuário de drogas. Em resumo, será
exposto em que se baseiam as atividades de prevenção, atenção e reinserção
social do usuário e do dependente de drogas.
Por último serão também apresentadas as principais inovações trazidas
pela Lei n. 11.343/06, referentes à figura do usuário de drogas, tais como a
ausência de cominação de pena privativa de liberdade a todo aquele que
incorrer na prática das condutas tipificadas pelo artigo 28 da referida Lei.
A intenção maior do presente capítulo é elucidar o intuito preventivo
adotado pela nova Lei de Tóxicos e apresentar, em linhas gerais as principais
alterações legais referentes ao usuário de drogas.
4.1 Contexto legislativo sobre “Tóxicos” à época da edição da Lei
11.343/06
O contexto regulamentar da matéria “tóxicos”, anterior à edição da Lei n.
11.343, de 23 de agosto de 2006, era caracterizado por uma confusão
legislativa, explicada pela vigência simultânea das Leis n. 6.368, de 21 de
outubro de 1976, e n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002.
A Lei n. 6.368, em vigência desde 1976, com o passar dos anos e as
constantes modificações jurídicas e também sociais, tornava-se cada vez mais
ineficiente para a regulamentação do uso e do tráfico de drogas.
Conseqüentemente, a regulamentação da matéria Tóxicos reclamava eficácia
jurídico-penal e social. As discussões sobre as drogas abarcavam desde
24
questões como a ausência de eficácia da punição estatal ao usuário a
questões como a necessidade de criação de instrumentos jurídico-penais mais
eficientes, destinados especificamente ao combate às drogas. Nesse contexto,
foi editada, em 2002, a Lei n. 10.409, como uma tentativa de solucionar o
problema da ineficácia da lei anterior. Ocorre, contudo, que por ter sofrido
diversos vetos pelo Presidente da República, justificados pela presença de
vícios de inconstitucionalidade e deficiências técnicas, a Lei 10.409/02 acabou
por viger inteiramente descaracterizada, vez que o capítulo onde constavam
todos os tipos penais foi inteiramente vetado. Desta forma, passaram a viger
concomitantemente, a Lei 6.368/76 regulando a parte penal, posto que não fora
revogada pela lei 10.409/02, e a própria Lei 10.409/02, regulando a parte
processual.
Quanto à vigência simultânea das leis citadas, o Promotor Fernando
Capez esclarece:
(...) estavam em vigor: a) no aspecto penal, a Lei n. 6.368/76, de modo que continuavam vigentes as condutas tipificadas pelos arts. 12 a 17, bem como a causa de aumento de pena prevista no art. 18 e a dirimente estabelecida pelo art. 19, ou seja, todo o Capítulo III dessa Lei; b) na parte processual, a Lei n. 10.409/2002, estando a matéria regulada nos seus capítulos IV (Do procedimento penal) e V (Da instrução criminal). (CAPEZ, 2007, p.680)
À época da edição da Lei n. 10.409/02, o jurista Damásio de Jesus fez a
sua crítica sobre a situação legislativa em que se encontrava a regulamentação
da matéria: “Temos uma colcha de retalhos, coexistindo as Leis n. 6.368/76 e
10.409/02 (...).”(Damásio, 2002).
Devido à confusão legislativa em que se encontrava a regulação das
drogas, ainda no mesmo ano foi encaminhado ao Congresso Nacional projeto
de lei que previa alterações à recém aprovada Lei 10.409/02. Após 4 anos de
tramitação legislativa, foi publicada em 23 de agosto de 2006 a Lei n. 11.343,
nova Lei de Drogas, também comumente chamada, conforme já mencionado,
de nova Lei Antitóxicos, ou Antidrogas ou nova Lei de Drogas, ou, ainda, nova
Lei de Tóxicos. O novel diploma legal, em seu artigo 75, revogou
expressamente as Leis 6.368/76 e 10.409/02, passando, dessa forma a ser o
único dispositivo legal aplicável à regulamentação do uso e do tráfico de
drogas.
25
O advento da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, provocou um
rebuliço no mundo jurídico. Promulgada na tentativa de solucionar o problema
causado pela legislação antitóxicos anterior, a nova Lei de Drogas suscitou
polêmicas e divergência doutrinária por inovar em determinados aspectos.
Pode-se citar, a título exemplificativo a discussão sobre a descriminalização ou
não descriminalização do uso de drogas, que envolve o artigo 28 da nova Lei,
objeto de estudo da presente monografia.
Pelos motivos expostos, a Lei 11.343/06 tornou-se objeto de inúmeros
estudos jurídicos, que visam aclarar seus pontos controvertidos.
4.2 Objetivos da Nova Lei de Tóxicos
Caracterizada por ser um diploma legal inovador, a nova Lei de Drogas
apresenta características distintas das que a antecederam. Tal diploma inova
em vários dispositivos que têm sido objeto de calorosas discussões no campo
jurídico-penal. Quanto a seus objetivos há que se destacar que, assim como o
novel diploma, são em determinados aspectos inovadores, mormente no
tocante ao usuário de drogas conforme se pretende demonstrar.
4.2.1 Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD
A Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, instituiu o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad. O Sisnad é composto por órgãos e
entidades da Administração Pública que, em atuação conjunta, exercem as
atividades de prevenção, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas, bem como as atividades de repressão ao uso, ao
tráfico e à produção ilegal de drogas.
As finalidades do Sisnad são aquelas expressas em seu artigo 3º, quais
sejam:
26
Art. 3º. O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com: I – a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas; II – a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas. (BRASIL, 2006)
O citado artigo 3º estabelece as duas principais bases de atuação do
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Para a realização dessas
finalidades, o Sisnad deve agir pautado por uma série de princípios
estabelecidos pela nova lei, conforme disposição de seu artigo 4º. Esses
princípios, que constituem importantes instrumentos de efetivação das políticas
públicas sobre drogas, são os seguintes:
Art. 4º. São princípios do Sisnad: I – o respeito à dignidade da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade; II – o respeito à diversidade e às especificidades populacionais existentes; III – a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados; IV – a promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o estabelecimento dos fundamentos e estratégias do Sisnad; V – a promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, reconhecendo a importância da participação social nas atividades do Sisnad; VI – o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico ilícito; VII - a integração das estratégias nacionais e internacionais de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito; VIII – a articulação com os órgãos do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad; IX – a adoção de abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas; X – a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social; XI – a observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional Antidrogas – Conad. (BRASIL, 2006, grifo nosso)
A nova lei antitóxicos reconheceu que o uso de drogas é um problema
social e deve ser prevenido pelos meios adequados, sendo que estes não se
27
restringem apenas à sanção penal. Dessa forma justifica-se o artigo 4º da nova
lei, que estabelece diretrizes para a atuação do Sisnad quando da formulação
das políticas públicas para a prevenção e reinserção social do usuário de
drogas e para a repressão ao uso e ao tráfico ilícito de entorpecentes.
O artigo 5º da lei dá continuidade à disposição sobre as diretrizes
norteadoras das atividades do Sisnad, dispondo sobre os objetivos básicos
desse Sistema, todos eles referentes à prevenção e à repressão das drogas.
Vejamos:
Art. 5º. O Sisnad tem os seguintes objetivos: I – contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados; II – promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas no país; III – promover a integração entre as políticas públicas de prevenção de uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas públicas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal, Estados e Municípios; IV – assegurar as condições para a coordenação, a integração e a articulação das atividades de que trata o art. 3º desta Lei.(BRASIL, 2006)
Considerando-se a instituição do Sisnad, suas finalidades e objetivos
principais, é possível resumir a nova Lei de Drogas no binômio prevenção-
repressão, sendo que a prevenção é a política preponderante no tratamento
conferido pela nova lei ao usuário, enquanto a repressão é adotada no
tratamento dado ao traficante de drogas. Dessa diversidade de tratamentos
resulta uma importante inovação da Lei de Tóxicos: a distinção entre o usuário
e o traficante, a qual confere àquele uma política destacadamente preventiva,
sem, no entanto, perder seu caráter repressivo, e, a este, um tratamento
repressivo, que seja capaz de coibir o tráfico ilícito de drogas.
4.2.2 Das atividades de prevenção, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes de drogas
28
Como é cediço, a nova Lei de Tóxicos adotou uma postura
predominantemente preventiva em relação ao usuário. Esta postura deverá
considerar, para sua efetivação, as disposições acerca da prevenção, atenção
e reinserção social do usuário, finalidades primeiras das políticas públicas
sobre drogas.
As atividades de prevenção do uso indevido de drogas, assim os
objetivos, princípios e diretrizes de atuação dessas atividades, são tratadas
pelo Capítulo I7, composto dos artigos 18 e 19, do Título III8 da nova lei. Estas
atividades consistem, de modo geral, em medidas educativas e de
conscientização sobre os efeitos nocivos causados pelas drogas. Para que seja
eficaz a política preventiva do uso de drogas, as atividades preventivas devem
ser exercidas consoante os princípios específicos estabelecidos no artigo 19,
que impõem o reconhecimento das particularidades de cada grupo social,
adotando, para cada um, estratégias diferenciadas de atuação. Os princípios
prevêem, ainda, a colaboração entre os serviços e organizações que atuam em
atividades de prevenção do uso, bem como o incentivo aos esportes, educação
e formação profissional, cultura, dentre outros, visando a um contexto social
que forneça ao usuário alternativas ao uso de drogas.
Os artigos 18 e 19 da Lei de Drogas assim dispõem sobre as atividades
de prevenção e seus princípios norteadores:
Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção. Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os seguintes princípios e diretrizes: I – o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade à qual pertence; II – a adoção de conceitos objetivos e de fundamentação científica como forma de orientar as ações dos serviços públicos comunitários e privados e de evitar preconceitos e estigmatização das pessoas e dos serviços que as atendam; III – o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas; IV – o compartilhamento de responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas;
7 Capítulo I: Da Prevenção. 8 Título III: Das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.
29
V – a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às especificidades socioculturais das diversas populações, bem como das diferentes drogas utilizadas; VI – o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da redução de risco como resultados desejáveis das atividades de natureza preventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados; VII – o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da população, levando em consideração as suas necessidades específicas; VIII - a articulação entre os serviços e organizações que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e a rede de atenção a usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares; IX – o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais, entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria de qualidade de vida; X – o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino; XI – a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas; XII – a observância das orientações e normas emanadas do Conad; XIII – o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas. Parágrafo único. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas dirigidas à criança e ao adolescente deverão estar em consonância com as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do adolescente – Conanda. (BRASIL, 2006, grifo nosso)
Segundo Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de
Carvalho:
A Lei considera como atividade de prevenção, consoante os princípios já vistos do Sisnad, a redução dos fatores reconhecidos de vulnerabilidade e risco, bem como a promoção dos fatores de proteção. Nesse sentido, o art.19 lista diversos princípios e diretrizes a serem seguidos pelas atividades de prevenção do uso indevido de drogas. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 36)
Estudioso do tema o jurista Luiz Flávio Gomes, et al.9, entende que as
medidas de prevenção adotadas pela Lei de drogas são inovadoras em relação
às leis anteriormente vigentes e dividem-se em três fases distintas, que variam
conforme o estágio em que se encontra o usuário de drogas. Preleciona que:
9 Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e William Terra de Oliveira, conjuntamente com Luiz Flávio Gomes, e sob a coordenação deste, escreveram o livro Lei de Drogas Comentada: Lei 11.343, de 23.08.06.
30
Todo o Capítulo I da Lei ocupa-se de implementar uma política de prevenção do uso indevido de drogas no Brasil. Tal preocupação, ainda que pudesse ser vislumbrada nas legislações de drogas que até então vigoravam (Leis 6.368/76 e 10.409/2002), não tratavam do tema com tanto detalhamento). (...) Os programas de prevenção do uso indevido de drogas comportam três distintos momentos, todos contemplados na nova Lei: prevenção primária: tem por finalidade impedir o primeiro contato do indivíduo com a droga, ou de retardá-lo. (...) prevenção secundária: busca evitar que aqueles que façam uso de moderado de drogas passem a usá-las de forma mais freqüente e prejudicial. (...) prevenção terciária incide quando ocorrem problemas com o uso ou a dependência de drogas, sendo que fazem parte deste momento todas as ações voltadas para a recuperação do dependente (GOMES et al., 2007, p. 58).
Além da previsão legal de atuação para a prevenção do uso de drogas,
a nova lei prevê também atividades de atenção e reinserção social do usuário e
do dependente de drogas. Estas atividades encontram-se previstas nos artigos
20 a 22 do Capítulo II do já mencionado Título III da lei, que dispõem, in verbis:
Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas. Art. 21. Constituem atividades de reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais. Art. 22. As atividades de atenção e as de reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os seguintes princípios e diretrizes: I – respeito ao usuário e ao dependente de drogas, independentemente de quaisquer condições, observados os direitos fundamentais da pessoa humana, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde e da Política nacional de Assistência Social; II – a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturais; III – definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a inclusão social e para a redução de danos sociais e à saúde; IV – atenção ao usuário ou dependente de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais; V – observância das orientações e normas emanadas do Conad; VI – o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas. (BRASIL, 2006, grifo nosso)
As atividades de atenção ao usuário e ao dependente de drogas têm
como objetivos a melhoria da qualidade de vida e a redução de riscos e danos
advindos do uso de drogas. As atividades de reinserção social, por sua vez,
objetivam a integração ou reintegração social. Estas atividades devem seguir
31
os princípios expostos no artigo 22 da Lei 11.343/06 para que seus objetivos, e
objetivos do Sisnad, sejam alcançados.
Em relação às atividades de atenção e reinserção social, Andrey Borges
de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho esclarecem que:
A previsão específica da necessidade de atender e reinserir na sociedade o usuário e o dependente de drogas não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, pois já existia desde a Medida Provisória 2.225-45/2001, que alterou a Lei 6.368/1976. Entretanto, a nova Lei de Drogas, neste ponto, deu nova formulação à matéria, elevando as atividades de atenção e reinserção social ao mesmo nível de importância das atividades de prevenção do uso indevido e de repressão ao tráfico e à produção não autorizada (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, P. 39)
A nova Lei de Drogas ampliou o público-alvo das atividades de atenção
e reinserção social, abrangendo não apenas os usuários e dependentes, mas
também os seus familiares. Sobre esse aspecto Luiz Flávio Gomes, et al.,
assim se manifesta:
O envolvimento dos familiares do usuário no desenvolvimento das políticas públicas de atenção e reinserção social qualifica-as sobremaneira, já que o apoio familiar nestes casos, muitas vezes, demonstra-se decisivo. Também, por outro lado, é necessário verificar a família do usuário, já que é freqüente a necessidade de uma intervenção social, buscando resolver conflitos domésticos e que representam fatores de risco. (GOMES et al., 2007, p. 88)
4.3 Aspectos gerais do tratamento conferido ao usuário pela Nova Lei de
Drogas
Ao adotar uma postura preventiva em relação ao uso de drogas, a nova
Lei de Tóxicos trouxe profundas e importantes inovações, e, como quase toda
inovação, trouxe também polêmicas que tem suscitado dúvidas acerca do
tratamento dispensado ao usuário.
Primeiramente, é de fundamental importância definir quem é o usuário,
em que consiste ser usuário. Ao tratar sobre a nova Lei de Tóxicos, Luiz Flávio
Gomes et al. assim se posicionou sobre a figura do usuário:
32
para fins penais, entende-se por usuário de drogas (doravante) quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, qualquer tipo de droga proibida (...) o usuário não se confunde de modo algum, com o traficante financiador do tráfico (GOMES et al., 2007, p. 111)
Dessa forma, tem-se que o usuário deve ser entendido como todo
aquele que pratica qualquer das condutas descritas no artigo 28 da nova lei de
drogas. Um dos objetivos da Lei 11.343/06 foi, justamente, o de estabelecer a
distinção entre o usuário de drogas e o traficante. Para atingir esse fim, a Lei
11.343/06 estabeleceu tratamento diferenciado para cada um, dispondo sobre
o usuário e sobre o traficante em capítulos distintos10.
Luiz Flávio Gomes et al., ao destacar os eixos centrais da nova Lei de
Tóxicos, cita, de modo geral:
(a) pretensão de se introduzir no Brasil uma sólida política de prevenção ao uso de drogas, de assistência e de reinserção social do usuário; (b) eliminação da pena de prisão ao usuário (ou seja, em relação a quem tem a posse de droga para consumo pessoal); (c) rigor punitivo contra o traficante e o financiador do tráfico; (d) louvável clareza na configuração do rito procedimental e (f) inequívoco intuito de que sejam apreendidos, arrecadados e, quando o caso, leiloado os bens e vantagens obtidos com os delitos de drogas. (GOMES et al., 2007, p. 7,grifo nosso)
O Promotor Fernando Capez, quanto às inovações da nova lei em
relação ao usuário, menciona as seguintes:
Criou duas novas figuras típicas: transportar e ter em depósito; substitui a expressão substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica por drogas; não mais existe a previsão da pena privativa de liberdade para o usuário; passou a prever as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa; tipificou a conduta daquele que, para consumo pessoal, semeia, cultiva e colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (CAPEZ, 2007, p. 682)
10 O Título III da Lei n. 11.343/06 é destinado ao usuário de drogas e é intitulado “Das Atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas”. Este título divide-se em 3 capítulos destinados respectivamente à prevenção, às atividades de atenção e reinserção social de usuários ou dependentes de drogas e, por fim, o Capítulo III, destinado aos crimes e ás penas. Já o Título IV da Lei 11.343/06 destina-se ao traficante de drogas e é intitulado “Da Repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas”, dividido em 4 capítulos.
33
Renato Marcão, por sua vez, em suas lições acerca das inovações
apresentadas pela lei 11.343/06 quanto ao usuário de drogas, explica que:
3ª) Na redação antiga, praticava-se o crime mediante três condutas, a saber: adquirir, guardar ou trazer consigo. Na nova capitulação estão previstas cinco condutas para a forma regulada no caput: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo. No § 1º existem outras três condutas, quais sejam: semear, cultivar ou colher. Houve, portanto, considerável aumento nas hipóteses de incidência típica. (...) 6ª) Já não há qualquer possibilidade de aplicar pena privativa de liberdade em se tratando de “porte” para uso próprio (art. 28, caput) (...) antes era cominada pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa, e pagamentos de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa para o crime do art. 16 (...) Agora, para as duas modalidades típicas (art. 28, caput e § 1º), as penas são as seguintes: advertência sobre efeitos das drogas (inciso I); prestação de serviços à comunidade (inciso II) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (inciso III). (...) 10ª) O § 7º tem explícita relação com a política de redução de danos adotada em relação ao problema das drogas, e fixa que o juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. 11ª) Não se imporá prisão em flagrante àquele que praticou qualquer das condutas reguladas no art. 28, caput ou § 1º. 12ª) O procedimento relativo aos crimes do artigo 28 (caput e § 1º) é o do Juizado Especial Criminal (Lei n. 9.099/95), salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 da lei (art. 48, § 1º, da Lei n. 11.343/2006). (MARCÃO, 2007, p. 62)
Inobstante tenha a Lei 11.343/06 adotado em relação ao usuário de
drogas uma postura nitidamente preventiva, não foi abandonada a repressão a
essa prática. A Lei 11.343/06 manteve, com alguns abrandamentos, o aspecto
repressivo àquele que incidir na prática das condutas tipificadas no art. 28, que
aumentou as hipóteses de incidência típica do usuário, em relação às
tipificadas pelo artigo 16 da lei 6368/76.
A Lei n. 6.368/76, que regulava a parte penal da matéria, considerava
usuários apenas aqueles que adquirissem, guardassem ou trouxessem consigo
drogas para uso próprio. Vejamos o tipo penal constante do artigo 16 da
revogada lei:
Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
34
Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.(BRASIL, 1976)
Com o advento da lei 11.343/06, são tipificadas as seguintes condutas,
em seu artigo 28, caput: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar e trazer
consigo. Já no parágrafo 1º do mencionado artigo são previstas outras três
condutas típicas, quais sejam: semear, cultivar e colher.
O artigo 28 da Lei 11.343/06 dispõe, in verbis:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.(BRASIL, 2006)
Percebe-se que o dispositivo em comento, além de ampliar as hipóteses
de incidência típica do usuário, alterou de forma substancial as penas previstas
para estas condutas. Da pena privativa de liberdade, na modalidade detenção,
prevista pelo artigo 16 da lei n. 6.368/76, passou-se à pena de advertência,
prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a
programa ou a curso educativo.
Essa alteração significativa nas espécies de pena cominadas pelo artigo
28 tem sido a principal fonte de discussões sobre a nova Lei de Drogas. Alguns
doutrinadores entendem que, por não ser cominada pena privativa de liberdade
para a prática das condutas tipificadas pelo artigo 28, teria ocorrido abolitio
criminis do uso de drogas. Outros entendem ter havido tão-somente a
despenalização da conduta do uso de drogas. Conforme será tratado adiante,
não houve abolitio criminis e tampouco a despenalização da conduta, sendo
que o uso de drogas, tal como posto pela Lei 11.343/06, em seu artigo 28,
continua a ter natureza jurídica de crime.
Outra alteração significativa quanto ao usuário é a sua distinção do
traficante, tanto para fins preventivos quanto repressivos. A primeira
característica indicativa dessa diferenciação é a política adotada em relação a
35
cada um deles: preponderantemente preventiva, sem, no entanto, deixar de ser
repressiva, em relação ao usuário, e repressiva em relação ao traficante. A
segunda fica a cargo da explicitação pela lei dos critérios a serem considerados
pelo juiz para distinguir diante de um caso concreto, quando se trata de uso e
quando se trata de tráfico de drogas. Este critério de distinção está
estabelecido no § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/06, que dispõe que:
Art. 28. (...) (...) § 2º. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância entorpecente apreendida, ao local e às conduções em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.(BRASIL, 2006)
Cumpre ressaltar que o procedimento penal adotada para os usuários de
drogas é o dos Juizados Especiais Criminais, estabelecido na lei n. 9.099/95.
Apesar de não constituir objeto de análise desta monografia, pode-se destacar,
a título informativo o entendimento de Luiz Flávio Gomes et al., que, resumindo
o tratamento conferido pela nova Lei de Drogas ao usuário, preleciona que:
Ao usuário não se comina a pena de prisão. Pretende-se que ele nem sequer passe pela polícia. O infrator da Lei será enviado diretamente aos Juizados Criminais, salvo onde inexistem tais Juizados em regime de plantão (art. 48, § 2º). Não há que se falar, de outro lado, em inquérito policial, sim em termo circunstanciado. Não é possível a prisão em flagrante (art. 48, § 2º): o agente surpreendido é capturado, mas não se lavra o auto de prisão em flagrante (no seu lugar, elabora-se o termo circunstanciado). A competência para aplicação de todas as medidas alternativas é dos Juizados Criminais. Na audiência preliminar é possível a transação penal, aplicando-se as penas alternativas do art. 28. Não aceita (pelo agente) a transação penal, segue-se o rito sumaríssimo da Lei 9.099/95. Mas, ao final, de modo algum será imposta pena de prisão, sim, somente as medidas alternativas do artigo 28. A distinção entre usuário e traficante continua tendo por base o caso concreto. Devem ser levados em conta a natureza da droga, sua quantidade, local e condições da prisão, modo de vida do agente, seus antecedentes, etc. (GOMES et al., 2007, p. 7-8)
Após a apresentação dos aspectos gerais referentes às inovações no
tratamento dispensado ao usuário pela lei n. 11.343/06, será iniciado o estudo
específico do artigo 28 da nova Lei de Tóxicos.
36
5. ANÁLISE DO TIPO PENAL PREVISTO NO ARTIGO 28 DA LEI 11.343, DE
23 DE AGOSTO DE 2006
A valoração de bens jurídicos individuais e sociais por determinada
sociedade, em um determinado momento histórico origina os chamados bens
jurídicos, que reclamam proteção específica do Estado. É dessa necessidade
de proteção de bens jurídicos que nascem os tipos penais criados pelo Estado
através das leis penais.
Bem é tudo aquilo de que a pessoa e a sociedade dispõem, é tudo que
lhe proporciona alguma utilidade, vantagem ou comodidade. Pode-se dizer que
é todo o seu patrimônio, seja material, seja intelectual. No entanto, nem todo
bem é um bem jurídico. Bem jurídico é somente aquele que recebe do Estado
uma tutela específica, principalmente, mas não de forma exclusiva, através das
leis penais.
Desta forma, visando a garantia e a proteção bens jurídicos individuais e
sociais o Estado, por meio das leis, estabelece os tipos penais como
instrumentos de proteção àqueles bens e, da mesma forma, estabelece para
cada tipo a respectiva sanção penal.
Os tipos penais, portanto, são os modelos legais de comportamentos
proibidos por uma lei penal aos quais são cominadas sanções penais. O tipo
penal é a descrição da conduta proibida, que compreende aspectos objetivos e
subjetivos do fato punível.
O tipo penal segundo lição de Luiz Regis Prado
(...) é a descrição abstrata de um fato real que a lei proíbe (tipo incriminador). Desse modo, o tipo legal vem a ser o modelo, o esquema conceitual da ação ou da omissão vedada, dolosa ou culposa. É expressão concreta dos específicos bem jurídicos amparados pela lei penal. (PRADO, 2005, p. 363)
O objeto de análise deste capítulo é o tipo penal descrito no artigo 28 da
nova Lei de Tóxicos, referente ao uso de drogas. Constitui este artigo objeto
específico de análise desta monografia o que torna de fundamental importância
entender o tipo descrito no citado dispositivo, bem como suas penas, para
então chegar à discussão principal desse trabalho, qual seja, saber se o uso de
37
drogas, tipificado no artigo 28 da nova Lei de Drogas, Lei 11.343/06, continua
ou não a ter natureza jurídica de crime.
Assim dispõe o artigo 28 da Lei:
Art.28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo; § 1º. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação e às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3º. As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º. Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5º. A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6º. Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa. § 7º. O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.(BRASIL, 2006)
A seguir serão analisados os elementos constituintes do tipo penal
descrito pelo artigo 28 da nova Lei de Drogas.
5.1 As condutas incriminadas – núcleos do tipo penal
38
O núcleo do tipo penal traduz a conduta humana que, por afetar um bem
jurídico tutelado pelo Estado, é incriminada pelas leis penais. Essa conduta
pode consistir em uma ação ou em uma omissão.
O artigo 28 da Lei 11.343/06 prevê condutas diversas sendo que a
prática de quaisquer delas já caracteriza a consumação do delito de uso de
drogas. Basta o desvalor da conduta, sendo que o tipo penal aí previsto não
exige nenhum resultado. Trata-se de um tipo penal composto ou misto, e
alternativo. Ou seja, o artigo 28 prevê uma pluralidade de condutas sendo que
a prática de qualquer uma delas é suficiente para que o crime se consume. Nos
dizeres de Luiz Regis Prado, o tipo misto alternativo pode ser definido da
seguinte forma:
b)Tipo simples/composto ou misto – o tipo simples compreende uma só ação e o tipo composto envolve uma pluralidade de ações. (...) esse último subdivide-se em: b.1) tipo misto alternativo – há uma fungibilidade (conteúdo variável) entre as condutas, sendo indiferente que se realize uma ou mais, pois, a unidade delitiva permanece inalterada. (PRADO, 2005, p. 369).
Traduz, portanto, o artigo 28 um delito de ação múltipla ou delito de
conteúdo variado, vez que a prática de qualquer uma dentre as diversas ações
tipificadas caracteriza a ocorrência do mesmo delito, qual seja o uso de drogas,
ou, porte de drogas para consumo pessoal.
As condutas incriminadas pelo artigo 28 da Lei 11.343/06 são as
enumeradas no caput do artigo e também as descritas em seu parágrafo 1º,
nos seguintes termos:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com disposição legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (...) §1º. Às mesmas penas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (BRASIL, 2006, grifo nosso)
Adquirir significa obter para si, seja mediante compra, troca, a título
gratuito, ou ainda por qualquer outro meio. Adquirir é alcançar a posse de
determinada coisa.
39
Guardar significa a ocultação pura e simples da droga, de modo
permanente ou precário. Exprime a conduta de ocultar, de não revelar a posse
da droga publicamente.
Ter em depósito é reter a coisa à sua disposição, sob seu domínio, em
condições de pronto alcance e disponibilidade.
Cumpre nesse momento destacar a existência de controvérsia quanto a
estas duas últimas condutas: guardar e ter em depósito, vez que, por ambas
deverem atender a um especial fim de agir constante do artigo 28, qual seja
“para consumo pessoal”, torna-se confusa a sua diferenciação.
Quanto a essa distinção bem esclarecem Andrey Borges de Mendonça e
Paulo Roberto Galvão de Carvalho:
Quanto às condutas típicas, o artigo inovou em relação aos verbos-núcleos ter em depósito e transportar, não constantes do art. 16 da Lei 6.368/1976 (que somente falava em adquirir, guardar e trazer consigo). Agora, o tipo em análise prevê tanto a conduta ter em depósito quanto a conduta de guardar, razão pela qual será necessário distingui-las. Quando estávamos diante do art. 12 da Lei 6.368/1976, sempre reinou a discussão em torno da diferenciação. À época, afirmava-se majoritariamente, com fulcro nas lições de Magalhães Noronha e Nelson Hungria, que a distinção estava na titularidade da detenção, ou seja, se a retenção fosse em nome próprio, haveria o depósito, enquanto restaria caracterizada a guarda se a retenção se desse em nome de terceiro. (...) Como as condutas de “guarda” e “ter em depósito” aqui devem ser para consumo pessoal, não poderemos utilizar como critério de discrímen a titularidade da retenção. (...) Assim, se para a caracterização do tipo previsto no artigo 28 é necessário que a droga destine-se a consumo pessoal, aquele que a retém em nome e para uso de terceiro não se enquadrará no tipo do art. 28. (...) No contexto do art. 28 e à luz do elemento subjetivo mencionado, as duas condutas somente restarão caracterizadas quando posto em evidência o interesse próprio do agente, que retém a droga para seu próprio consumo. Assim, entendemos que a lição do professor Vicente Greco se torna ainda mais atual, quando, ainda sob a égide da Lei 6.368/1976, já defendia que “ter em depósito” significaria a retenção provisória e possibilidade de deslocamento rápido da droga de um lugar para outro, enquanto “guardar” se conceituaria como a mera ocultação da droga. (...) Portanto, dentro na cominação do artigo 28, tanto na conduta de guardar como na de ter em depósito existirá a retenção da droga para consumo próprio (...) (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 44/45, grifo nosso)
Devem prevalecer, portanto, as definições de guardar e ter em depósito,
da forma como explicitado acima. Não obstante, o respeitável Promotor
Fernando Capez, por sua vez, adota o entendimento contrário:
40
(b) Guardar: é a retenção da droga em nome e à disposição de outra pessoa, isto é, consiste em manter a droga para um terceiro. Quem guarda, guarda para alguém; (c) Ter em depósito: é reter a coisa à sua disposição, ou seja, manter a substância para si mesmo. (CAPEZ, 2007, p. 682)
Retomando a análise das condutas incriminadas pelo artigo 28 da Lei
11.343/06, percebe-se que transportar evidencia a idéia de deslocamento, ou
seja, significa levar a droga de um local para outro mediante a utilização de
algum meio de transporte que não a própria pessoa, pois, nesse último caso
estaria sendo caracterizada a conduta de trazer consigo.
Trazer consigo é transportar a droga junto ao corpo, sem auxílio de outro
meio de locomoção, ou ainda, portar a droga consigo, acondicionada em
qualquer compartimento que esteja ao alcance imediato do agente. A idéia
principal aqui é a disponibilidade de acesso, de uso da droga.
O artigo 28 prevê ainda em seu parágrafo 1º outras três condutas
típicas, quais sejam as de semear, cultivar e colher, que, quando destinadas à
preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar
dependência física ou psíquica, caracterizam o plantio para consumo pessoal.
Adiante será analisada cada uma dessas condutas típicas.
Semear é espalhar sementes, lançar sementes ao solo para que
germinem.
Cultivar significa propiciar condições para que a planta se desenvolva,
cultivando o solo e cuidando da plantação.
Colher é recolher o que a planta produz, recolher o que foi produzido
pela terra, pelo solo.
Vez que estão explicadas todas as condutas incriminadas pelo tipo
penal, será feita uma breve análise do momento de consumação do delito
tipificado no artigo 28 da Lei de Drogas, a partir de cada uma das condutas
incriminadas pelo tipo em análise.
A prática de um delito é consumada quando se verifica a ocorrência de
todos os elementos do tipo penal, ou seja, ocorre a consumação de um crime
quando o tipo penal é integralmente realizado. Nos termos do artigo 14 do
Código Penal brasileiro, diz-se o crime consumado quando “nele se reúnem
todos os elementos de sua definição legal”. No caso do artigo 28, o delito se
consuma com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo sem
41
que seja necessária a ocorrência de nenhum resultado. Observe, no entanto
que as condutas que consistem em guardar, ter em depósito e trazer consigo
são permanentes e, desta forma, retratam um delito permanente, que se protrai
no tempo. Já as condutas de adquirir e transportar são instantâneos, ou seja,
traduzem delitos instantâneos, cuja consumação ocorre em momento
específico, sem se prolongar pelo tempo.
5.2 Sujeito ativo e sujeito passivo
O sujeito ativo de um crime é aquele que pratica a conduta incriminada
pelo tipo penal. Pode, também, ser chamado de agente ou autor do delito.
O sujeito passivo, por sua vez, é o titular do bem jurídico tutelado
penalmente. É aquele que sofre as conseqüências do crime praticado, que teve
seu bem jurídico violado pela prática da conduta incriminada. É a vítima do
delito.
No caso do artigo 28 da nova Lei de Drogas o sujeito ativo das condutas
ali tipificadas pode ser qualquer pessoa. Qualquer um pode incidir na prática do
delito previsto neste artigo, seja adquirindo, guardando, tendo em depósito,
transportando ou trazendo consigo, drogas para consumo pessoal, ou, ainda,
semeando, cultivando ou colhendo plantas destinadas à preparação de drogas
para consumo pessoal.
O sujeito passivo, por sua vez, é a sociedade, a coletividade. Conforme
explicita Guilherme de Souza Nucci, “não se pune o porte de droga, para uso
próprio, em função da proteção à saúde do agente (...), mas, em razão do mal
potencial que pode gerar à coletividade” (NUCCI, 2006, p. 755).
5.3 Bem jurídico tutelado
42
Conforme anteriormente explicado, bem jurídico é todo bem, individual
ou coletivo, tutelado pela ordem jurídica.
O artigo 28 da nova Lei de Drogas tem como bem jurídico tutelado a
saúde pública. Nesse sentido Luiz Flávio Gomes et al. esclarece que:
O bem jurídico (objeto jurídico) tutelado imediato é a saúde pública. Objetos jurídicos mediatos são a vida, a integridade física, a saúde física e psíquica das pessoas etc. O que pretende a norma em destaque, portanto, é justamente proteger todos esses bens jurídicos (imediatos e mediatos). (GOMES et al., 2007, p. 150)
Tutela-se a saúde pública pelo risco que o uso de drogas representa
para a sociedade, vez que pode favorecer a circulação e a disseminação da
droga.
5.4 Elemento Subjetivo
Elemento subjetivo do tipo penal é o elemento que traduz, ou pelo
menos indica aspectos anímicos do agente que pratica a conduta incriminada.
No artigo em comento, diante do especial fim de agir constante no tipo
penal descrito, qual seja “para consumo pessoal”, tem-se que o elemento
subjetivo é única e exclusivamente o dolo. Ou seja, a prática do delito previsto
no artigo 28 da nova lei de tóxicos, por quaisquer condutas ali incriminadas,
não admite a forma culposa, pois, exige-se do autor um especial fim de agir,
que declara a sua intenção em ter a droga para seu consumo pessoal. Isso
nada mais é do que a intenção, a vontade, o dolo em sua manifestação pura e
simples. Não há espaço para a culpa, diante do especial fim de agir “para
consumo pessoal”.
5.5 Objeto Material
O objeto material das condutas descritas no caput do artigo 28 são as
drogas, pois é sobre elas que a recai a conduta do agente. Todas as condutas
praticadas são realizadas visando possuir as drogas para consumo pessoal.
43
A Lei 6.368/76 previa como objeto material do crime “substância
entorpecente que determine dependência química ou psíquica”. Ao contrário da
revogada lei, o novel diploma trocou a expressão antiga por “drogas”, termo
mais abrangente.
Na tentativa de esclarecer o que vem a ser drogas, a Lei 11.343/06 em
seu artigo 1º, § único assim dispõe:
Art. 1º. (...) Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.(BRASIL, 2006)
No entanto, foi em vão essa tentativa de definir drogas, vez que a nova
Lei de Tóxicos tão-somente deixou a cargo do Poder Executivo essa definição.
Por tal razão, diz–se que o tipo penal previsto no artigo 28 é uma norma penal
em branco, pois, necessita de uma complementação a lhe dar sentido e
condições para aplicação.
Vem em socorro do citado artigo 1º da Lei 11.343/06, o artigo 6611 do
mesmo diploma legal, que assim dispõe:
Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo unico do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.(BRASIL, 2006)
Tem-se, conforme demonstrado, que, por ora, o órgão do Poder
Executivo responsável pela definição das substâncias que são consideradas
drogas é a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, por meio da
Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.
Conforme explica Luiz Flávio Gomes et al. a infração prevista no artigo
28 da nova lei:
(...) deve ser considerada como infração “em branco”, que faz parte do que se denomina de infração incompleta, porque exige um complemento normativo (norma ou lei em branco é que requer um complemento normativo ou valorativo). A lei penal ou infracional em branco demanda um complemento normativo. No caso em destaque,
11 Pertencente ao Título VI, relativo às Disposições Finais e Transitórias
44
esse complemento é constituído pela descrição das drogas. A lista das drogas (complemento normativo) é dada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que pertence ao Ministério da Saúde. (GOMES et al., 2007, p. 152)
No mesmo sentido, também esclarecem Andrey Borges de Mendonça e
Paulo Roberto Galvão de Carvalho que:
(...) continuou a sistemática de remeter a caracterização das drogas à lei ou às listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. (...) A matéria já foi objeto de regulamentação pelo Poder Executivo após a edição da nova Lei: o art.14, I, a, do Decreto 5.912, de 27 de setembro de 2006, determina ser atribuição do Ministério da Saúde publicar as listas atualizadas periodicamente das substâncias ou produtos capazes de causar dependência. Enquanto não houver a atualização da terminologia, o artigo 66 da Lei determina que se denominam drogas as “substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial da Portaria SVS/MS 344, de 12 de maio de 1998”, que atualmente lista as substâncias.(MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 23)
Permanece, desta forma, quanto à definição das drogas, o disposto no já
citado artigo 66 da nova Lei de Drogas.
Já no parágrafo 1º do citado artigo 28 da Lei 11.343/06, o objeto material
das condutas é diverso daquele previsto no caput. As condutas de semear,
cultivar e colher, incriminadas pelo parágrafo 1º, recaem sobre sementes e
plantas destinadas à preparação de substâncias ou produtos capazes de
causar dependência física ou psíquica. Desta forma, estas últimas são o objeto
material das condutas previstas no parágrafo 1º do artigo 28.
5.6 Elementos normativos do tipo
Elemento normativo é todo requisito do tipo penal que demanda do juiz,
diante de um caso concreto um juízo de valor, uma valoração jurídica. Assim o
é no tipo penal do artigo 28 com a expressão “droga sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
Quanto ao termo droga, conforme explicitado no item anterior, este
depende de uma complementação, que, por ora, é feita por Portaria da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.
45
Para que as condutas descritas no tipo penal do artigo 28 sejam
condutas típicas, caracterizando assim a prática de um delito, é indispensável
que posse da droga sobre a qual recai a conduta típica não seja autorizada ou
esteja em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Uma vez que
essa expressão foi inserida no tipo penal ela torna-se elemento dele, e, se não
for atendida torna a conduta atípica. Ou seja, para caracterizar o crime previsto
no artigo 28 da nova Lei de Drogas, deve estar atendido esse elemento
normativo do tipo, qual seja, “droga sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar.”
Conforme claramente expõe Luiz Flávio Gomes et al.:
Somente é típica a conduta de quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo uma droga, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. A constatação dessa autorização legal ou regulamentar é feita pelo juiz. Cabe ao juiz valorar cada passo para se saber se existe ou não autorização. Todo requisito típico que demanda do juiz uma valoração é normativo. (...) Se a conduta praticada é autorizada ou está em consonância com uma determinação legal ou regulamentar, não pode ser desaprovada (ou seja, não é típica).(GOMES et al., 2007, p. 152/153, grifo nosso)
Também as condutas tipificadas pelo artigo 1º da nova Lei de Drogas
demandam, para a caracterização do crime, o atendimento a elemento
normativo específico. Assim dispõe o parágrafo 1º do artigo 28:
Art.28. (...) § 1º. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (BRASIL, 2006, grifo nosso)
O elemento normativo presente neste parágrafo, indispensável à
caracterização da tipicidade das condutas incriminadas pelo parágrafo 1º do
artigo 28, é o descrito pela expressão “pequena quantidade”. Da mesma forma
como explicado acima, caberá ao juiz, diante do caso concreto, verificar o que
se entende por “pequena quantidade”. O não atendimento a esse elemento do
tipo penal não permite que a conduta seja incriminada com base neste
parágrafo do artigo 28 da Lei de Drogas.
46
5.7 Critérios para apuração do consumo pessoal
Conforme dito várias vezes nos itens anteriores, a lei 11.343/06, no tipo
penal descrito no artigo 28, caput e parágrafo 1º, exige, para a caracterização
da tipicidade da conduta incriminada, um especial fim de agir, qual seja que a
droga, objeto material da ação, destine-se ao consumo pessoal.
O próprio artigo 28 encarregou-se, em seu parágrafo 2º, de enumerar
uma série de critérios que servirão de parâmetro para se determinar se a droga
destinava-se ou não ao consumo pessoal. Vejamos o que dispõe o citado
parágrafo 2º do artigo 28:
Art.28. (...) § 2º. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.(BRASIL, 2006)
Como se vê, caberá ao juiz a árdua tarefa de definir se um determinado
caso concreto é hipótese de uso ou de tráfico de drogas, baseando-se nos
critérios acima transcritos. Mais uma vez, incumbe ao juiz exercer a valoração
do fato e agora também do agente. Mas, para isso, deve ater-se aos critérios
enumerados pelo parágrafo 2ª do artigo 28 da Lei 11.343/06.
Cumpre ressaltar, ainda, que a nova Lei de Drogas adotou o critério do
reconhecimento judicial ou policial para distinguir se a droga encontrada é para
uso (consumo pessoal) ou para tráfico. Sobre esse aspecto muito bem
esclarece Luiz Flávio Gomes et al., ao dispor que:
Há dois sistemas legais para se decidir sobre se o agente (que está envolvido com a posse ou porte de droga) é usuário ou traficante: (a) sistema de quantificação legal (fixa-se, nesse caso, um quantum diário para o consumo pessoal; até esse limite legal não há que se falar em tráfico); (b) sistema do reconhecimento judicial ou policial (cabe ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir sobre o correto enquadramento típico). A última palavra é judicial, de qualquer modo, é certo que a autoridade policial deve fazer a distinção entre o usuário e o traficante. É da tradição da lei brasileira a adoção do segundo critério. (GOMES et al., 2007, p. 161)
47
O Promotor Fernando Capez, quanto aos critérios para se determinar se
a droga destina-se a consumo pessoal preleciona que:
A quantidade de droga é um fator importante, mas não exclusivo para a comprovação da finalidade de uso, devendo ser levadas em consideração todas as circunstâncias previstas no art. 28, § 2º, da Lei n. 11.343/2006. (...) Houve, portanto, a adoção do critério de reconhecimento judicial e não o critério da quantificação legal. (CAPEZ, 2007, p. 687).
Desta forma, para que o juiz verifique se o caso concreto que lhe foi
posto é hipótese de uso ou de tráfico, ele deve considerar todas as
circunstâncias elencadas pelo parágrafo 2º do artigo 28 da nova Lei de Drogas.
É fundamental que se verifiquem os elementos pertinentes à natureza da
droga, sua quantidade, avaliando também o local, condições gerais,
circunstâncias envolvendo a ação e a prisão, bem como a conduta e os
antecedentes do agente.
48
6. AS PENAS COMINADAS AO USUÁRIO
Uma das substanciais alterações promovidas pela Nova Lei de Drogas,
no que se refere ao usuário, foi a alteração das penas a ele cominadas, fator
que se tornou a fonte da maior polêmica acerca do novel diploma sobre
tóxicos. A anterior legislação, Lei n. 6368/76 que regulava a parte penal acerca
da matéria tóxicos, impunha ao usuário em seu artigo 16 pena privativa de
liberdade, na modalidade detenção, que poderia variar entre 6 meses e 2 anos,
além do pagamento de 20 a 50 dias-multa. Assim dispunha:
Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com disposição legal ou regulamentar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.(BRASIL, 1976)
A nova lei de drogas não mais comina pena privativa de liberdade
àquele que incidir na prática das condutas incriminadas pelo art. 28, mas, tão-
somente pena de advertência, de prestação de serviço à comunidade e de
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Vejamos, a disposição do artigo 28 do citado diploma legal:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.(BRASIL, 2006)
Toda polêmica em torno da alteração das penas aplicáveis àquele que
incidir na práticas das condutas incriminadas pelo artigo 28, promovida pela Lei
11.343/06, refere-se ao fato de que esta lei não mais comina pena privativa de
liberdade ao usuário. Há quem defenda que, em razão disso, houve
descriminalização do uso de drogas, ou seja, houve abolitio criminis, e há,
49
também, quem defenda que não ocorreu abolitio criminis, mas apenas
despenalização. Ocorre que, como será demonstrado em capítulo próprio, o
uso de drogas continua a ser crime, não tendo havido descriminalização e
tampouco despenalização.
Também há críticas no sentido de compreender se as conseqüências
previstas para a prática das condutas tipificadas no artigo 28 da Lei 11.343/06
configuram penas ou medidas. Essa discussão assenta-se, primeiro, no
abrandamento do rigor punitivo conferido ao usuário com a previsão de novas
espécies de pena e, segundo, no fato de que o parágrafo 1º do artigo 28 faz
menção a medidas e o parágrafo 6º a medidas educativas, sendo que nenhum
deles se refere a penas.
Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho
explicam a origem dessa discussão:
Importante verificar que a redação inicial do projeto sequer chamava essas sanções de pena, mas sim de “medidas educativas”. De última hora o texto foi modificado na Câmara dos Deputados para se alterar a expressão “medidas educativas” por “penas”. A redação foi modificada porque se temia que a utilização da expressão “medida educativa” pudesse ser considerada como a descriminalização da conduta do crime de porte da droga para consumo próprio, o que poderia encontrar grande resistência daqueles favoráveis à continuidade da criminalização da conduta, incrementando as chances de que o dispositivo fosse vetado. Cumpre anotar, porém, que o Senado Federal, ao retomar a redação original de alguns parágrafos deste artigo, novamente se utilizou do termo “medidas educativas” no § 6º, com isso contribuindo para a discórdia que por certo reinará em torno da natureza das sanções para o crime de porte para uso. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 47, grifo nosso)
Relativamente a esta discussão, eis o entendimento dos doutrinadores
Luiz Flávio Gomes et al.:
No caput do art. 28 o legislador mencionou a palavra “penas”. Neste parágrafo 1º fala em “medidas”; no § 6.º menciona-se a locução “medidas educativas”. Afinal, as conseqüências previstas no art. 28 configuram “penas” ou “medidas”? De acordo com nossa opinião, são “penas” alternativas, que não possuem, entretanto, o caráter “penal” (no sentido clássico). Logo, mais adequada é a denominação “medidas”. Tudo que está previsto no artigo 28 configura “medidas alternativas” (à prisão). (GOMES et al., 2007, p.159)
Em sentido contrário ao defendido acima, vem o entendimento do
Promotor Renato Marcão, o qual, em que pese a autoridade dos doutrinadores
50
supracitados, parece ser o mais adequado. Assim preleciona o citado
Promotor:
No capítulo III do Título III (...), sob a rubrica: “Dos Crimes e das Penas”, o legislador regulou os ilícitos penais do art. 28, caput e § 1º, e estabeleceu as penas que estão nos incisos I, II e III do mesmo art. 28, caput (...) Ocorre que em outros momentos a elas se refere, ora como “medidas” (§§ 1º e 6º), ora como penas (§§ 3º e 4º), do que resulta o questionamento: penas ou medidas (educativas)? Penas, evidentemente. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVI, estabelece que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras (...) Foi permitido ao legislador estabelecer outras penas, além daquelas previstas no inciso XLVI (...) De tal sorte, as penas previstas nos incisos I, II e III do caput do artigo 28 contam com respaldo na Carta Constitucional. Não se trata efetivamente de simples “medidas educativas”, porquanto estabelecidas para aplicação em face do cometimento de ilícito penal, em desfavor de agente maior e imputável. (MARCÃO, 2007, p. 65)
Inobstante as críticas apresentadas, o entendimento mais adequado,
conforme mencionado acima, é o de que as conseqüências previstas pelo
artigo 28 para a prática do delito de uso de drogas são penas, mais
especificamente, são penas restritivas de direitos. Este capítulo tem por
finalidade explicar as espécies de penas cominadas pela Lei 11.343/06 ao
delito de uso de drogas.
6.1 Advertência sobre os efeitos das drogas
Uma das conseqüências da Lei 11.343/06, nova Lei de Drogas,
conforme explicitado em ocasiões anteriores e conforme se depreende do
intuito preventivo adotado em relação ao usuário, é o abrandamento do rigor
punitivo das condutas anotadas em seu artigo 28, caput e § 1º.
Uma das manifestações explícitas desse abrandamento é, justamente, a
pena de advertência, inovação do diploma legal em comento.
Aquele que incidir em qualquer das condutas incriminadas pelo artigo
28, caput e pelo seu parágrafo § 1º, dentre outras possibilidades, poderá ser
submetido à pena de advertência.
51
Essa espécie de pena consiste em o juiz esclarecer ao usuário as
conseqüências maléficas que podem advir do uso indevido de drogas, tanto
para ele usuário, quanto para a sociedade como um todo, considerando que o
objeto jurídico tutelado pela nova Lei de Drogas é a saúde pública. Consiste em
uma tentativa de desestimular o uso esclarecendo ao usuário os malefícios
provocados por esta conduta.
Luiz Flávio Gomes et al., sobre a pena de advertência prelecionam que:
A lei fala em advertência sobre os efeitos das drogas. Não se trata de uma advertência por razões moralísticas, religiosas, etc. A razão da advertência é jurídica: cuida-se de uma sanção legal. De outro lado, deve-se abordar os efeitos deletérios da droga (para o próprio usuário, para sua família, etc.). (GOMES et al., 2007, p. 154)
O Promotor Renato Marcão, em suas lições sobre a pena de
advertência, apesar de não especificar o sentido jurídico da advertência, como
o fazem os autores supracitados, manifesta-se do seguinte modo:
A pena de advertência tem por finalidade avivar, revigorar e, em alguns casos, incutir, na mente daquele que incidiu em qualquer das condutas do art. 28, as conseqüências danosas que o uso de drogas proporciona à sua própria saúde; ao seu conceito e estima social; à estabilidade e harmonia familiar; à comunhão social, buscando despertar valores aptos a ensejar contra-estímulo ao estímulo de consumir drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. (MARCÃO, 2007, p. 66)
Como toda inovação a cominação da pena de advertência não está
isenta de crítica. Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de
Carvalho, ao explicarem em que consiste a pena de advertência, ao final fazem
sua crítica. Assim expõem:
A pena de advertência sobre os efeitos das drogas é inovação em nosso ordenamento jurídico e, apesar da omissão legislativa, consiste em o magistrado esclarecer ao agente as conseqüências maléficas das drogas em relação à saúde particular e também à saúde pública. (...) Porém, não obstante a Constituição Federal autorize, em seu art. 5º, XLVI, o legislador a criar penas diversas da privativa de liberdade, a advertência não pode se enquadrar no conceito de pena. Realmente, esta possui dupla finalidade, repressiva e preventiva. (...) Veja que nenhum destas finalidades está presente na “pena” de advertência. (...) Que o poder constituinte delegou ao legislador o permissivo de criar outras penas não privativas de liberdade, isto não se discute. Porém, o legislador, ao cumprir o mandamento constitucional, não poderia deixar de observar, ao menos
52
minimamente, o que se considera pena, sob pena de trair a delegação constitucional. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 48/49)
Apesar dessa crítica dos autores Mendonça e Carvalho, acima citados, a
conseqüência aplicada àqueles que incidem na prática das condutas descritas
no artigo 28 consistente em advertência sobre os efeitos das drogas, é sim
uma espécie de pena.
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, entende que a
advertência é pena e em breve análise aduz que:
20. Advertência: o juiz deve designar audiência específica para tanto, nos moldes da audiência admonitória de concessão de sursis, para que, formalmente, o réu seja advertido (avisado, censurado levemente) sobre os efeitos negativos da droga em relação à sua saúde e à de terceiros. Parece-nos fundamental que a advertência, cuja natureza jurídica é de pena, seja reduzida a termo e assinada pelo magistrado, pelo réu, seu defensor e pelo representante do Ministério Público. Aliás, constituindo pena, pode gerar, no futuro, reincidência (art. 63, CP), não podendo mais, sob pena de consagração da impunidade, o magistrado aplicar outra advertência, mas partir para medidas mais eficientes, como a restrição a direitos. (NUCCI, 2006, p. 757, grifo nosso)
6.2 Pena de prestação de serviços à comunidade
A segunda espécie de pena cominada pelo artigo 28 da nova Lei de
Drogas àquele que incidir nas condutas típicas é a prestação de serviços à
comunidade, estabelecida no § 5º do citado dispositivo, conforme abaixo
transcrito:
Art. 28 (...) § 5º. A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.(BRASIL, 2006)
Esta espécie de pena restritiva de direitos consiste, basicamente, em se
impor ao usuário a tarefa de prestação de serviços de forma gratuita a
determinadas entidades, principalmente, àquelas que tenham por objetivo a
53
prevenção do uso indevido de drogas e o tratamento de usuários e
dependentes.
A previsão da pena de prestação de serviços à comunidade não
caracteriza uma inovação promovida pela lei, pois, é uma pena comum no
ordenamento jurídico-penal brasileiro. O Código Penal estabelece, em seus
artigos 32 e 43, que uma das espécies de penas restritivas de direitos é a
prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Os artigos
citados assim dispõem:
Art. 32. As penas são: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; III - de multa. (...) Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores: III – (vetado) IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.(BRASIL, 1940)
A Lei 11.343/06, ao cominar penas restritivas de direitos ao usuário o fez
de forma a conferir-lhe certas peculiaridades.
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci em suas lições acerca da
prestação de serviços à comunidade esclarece que devem ser seguidas as
orientações gerais do Código Penal, mas, sem ignorar as particularidades
impostas pela Lei 11.343/06. Em seu magistério ministra que:
(...) respeitam-se as regras gerais estabelecidas no Código Penal (art. 46), observadas as peculiaridades trazidas por esta Lei. Ilustrando: a) a prestação de serviços à comunidade, no Código Penal, somente pode ser aplicada em substituição à pena privativa de liberdade, quando esta atingir montante superior a seis meses; no caso da Lei 11.343/2006, constitui pena totalmente independente, com prazo próprio, variando de um dia a cinco meses (o art. 28, §3º, fixou o máximo; o mínimo advém da impossibilidade de haver pena em horas, conforme art. 11 do CP); b) as tarefas gratuitas, no Código Penal, destinam-se a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais; na Lei 11.343/2006, a prestação de serviços à comunidade deve voltar-se, preferencialmente, à prevenção ao consumo e à recuperação do usuário e dependente de drogas; c) no Código Penal, o descumprimento da prestação de serviços à comunidade implica na sua conversão em pena privativa de liberdade, pelo remanescente do tempo não cumprido, respeitado o mínimo de trinta dias; na Lei 11.343/2006, a prestação de serviços à
54
comunidade, quando não cumprida, sujeitará o sentenciado à admoestação verbal e/ou à aplicação de uma multa; d) a prestação de serviços à comunidade, no Código Penal, em relação à prescrição, tem o mesmo prazo da pena privativa de liberdade que substituiu; na Lei 11.343/2006, as penas prescrevem em dois anos. No mais, parece-nos que se pode aplicar o disposto no código Penal, vale dizer, o condenado a cumprirá à razão de uma hora-tarefa por dia de condenação, num total de sete horas por semana, ajustando-se a maneira de executá-la de acordo com a conveniência do trabalho regular do condenado (art. 46, § 3º, CP). (NUCCI, 2006, p. 758, grifo nosso)
Desta forma, a inovação fica a cargo não da espécie de pena, mas, do
crime ao qual se cominou essa pena, qual seja, o uso de drogas, que, na
legislação anterior era punido com mais rigor, vez que lhe era cominada pena
privativa de liberdade.
Luiz Flávio Gomes et al., a respeito da prestação de serviços à
comunidade tece importantes observações, apesar de considerar, conforme já
dito, que se trata de uma medida alternativa e não de uma pena:
A prestação de serviços à comunidade é totalmente incompatível em relação ao agente preso. Quem está preso não pode cumprir essa medida. Consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. As tarefas inerentes a essa medida devem ser atribuídas conforme as aptidões desse condenado (art. 46, § 3º, do CP). Não pode o juiz fixar uma determinada prestação que não condiz, de forma alguma, com o que o agente tem conhecimento ou habilidade. É preciso haver razoabilidade na medida. De outro lado, jamais pode a tarefa atribuída ser ofensiva à dignidade da pessoa (princípio da proibição da pena indigna). (GOMES et al., 2007, p. 165)
6.3 Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo
A medida de comparecimento a programa ou curso educativo é outra
espécie de pena restritiva de direito imposta ao usuário pela nova Lei de
Tóxicos. Tal como a advertência, não houve quanto a esta terceira espécie de
pena, detalhamento legal acerca de seu cumprimento. Desta forma, fica a
cargo da prática processual e dos doutrinadores uma definição mais detalhada,
conforme se verá a seguir.
Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho, sob
esta pena, assim expõem:
55
Por esta pena o condenado deverá comparecer perante programa predeterminado pelo juízo, para que, durante algum lapso de tempo, seja orientado por profissionais das mais diversas áreas. Veja que, diversamente da pena de advertência, aqui o condenado tem o dever de comparecer em programa predeterminado, demonstrando, ao menos minimamente, o caráter retributivo e preventivo que se espera de uma pena. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 50)
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci, ao dispor quanto a esta
espécie de pena faz a sua crítica:
(...) cuida-se de pena inédita, não constante do Código Penal, mas também sem ter sido detalhadamente regulada pela Lei 11.343/2006, o que foi, naturalmente, um equívoco. Não se mencionou a forma da obrigação de comparecimento a programa ou curso educativo. Por isso, a única maneira de se evitar lesão ao princípio da legalidade, porém buscando-se salvar a pena criada, parece-nos que se deva fazer uma analogia com a prestação de serviços à comunidade. (NUCCI, 2006, p. 758)
De outra via, o Promotor Renato Marcão teceu elogios a esta terceira
espécie de pena restritiva de direitos, estabelecida pela Lei 11.343/06 conforme
abaixo transcrito:
A pena de comparecimento a programa ou curso educativo atende fielmente à política de redução de danos adotada na nova Lei Antitóxicos. É induvidoso que o programa ou curso educativo a que se refere a lei diz respeito ao tema drogas. Portanto, programas ou cursos voltados à prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. (MARCÃO, 2007, p. 28)
6.4 Duração das penas e reincidência
O artigo 28, além de prever todas as condutas típicas que caracterizam
o uso indevido de drogas e as penas cominadas a essas condutas, prevê
também que qualquer das espécies de penas que forem aplicadas terá a
duração máxima de 5 meses, excetuando-se, obviamente, a pena de
advertência, cuja execução é instantânea, ou seja, se esvai na sua própria
aplicação.
56
O parágrafo 3º do artigo 28 dispõe que “As penas previstas nos incisos II
e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco)
meses.” A esse respeito e apesar de considerar as penas previstas no artigo 28
como medidas alternativas, esclarece Luiz Flávio Gomes et al. que “(...) o juiz
como se vê, conta com uma margem de atuação: a pena máxima é de cinco
meses (logo, pode a medida ser fixada em um mês, dois meses etc.). Não
pode passar, entretanto, de cinco meses (...).” (GOMES et al., 2007, p. 163).
Cumpre ressaltar, conforme o fazem Andrey Borges de Mendonça e
Paulo Roberto Galvão de Carvalho, que, quanto à duração da prestação de
serviços e da medida de comparecimento a curso ou programa educativo:
(...) apesar de a Lei ter fixado o prazo de duração da prestação de serviços à comunidade e da medida de comparecimento a programa educativo, não estabeleceu a quantidade de horas que deverão ser cumpridas pelo sentenciado neste período. Apesar da omissão da Lei Especial, isto não inviabilizará a aplicação destas penas, pois incide, em razão do permissivo do artigo 1212 do CP, o disposto no art. 46, § 3º, do CP. Assim, “a pena será fixada à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.” (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 51)
Já em casos de reincidência, a previsão do artigo 28 é de que a pena
será aumentada até o prazo máximo de 10 meses. Assim dispõe o parágrafo 4º
do artigo 28: “Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do
caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.”
Existe uma polêmica acerca da reincidência: discute-se se para fins de
aplicação do § 4º da Lei de Drogas, a reincidência teria de ser a específica ou
poderia ser reincidência na prática de qualquer outro crime. Apesar de não ser
objeto de estudo deste trabalho, é relevante dar a notícia da cizânia doutrinária
existente a esse respeito, para o que serão transcritas as opiniões de alguns
autores.
O doutrinador Luiz Flávio Gomes et al., em suas lições acerca da
reincidência entende que:
(...) a palavra reincidente utilizada neste § 4.º não tem correspondência com o sentido técnico do Código Penal. Significa, tão-somente, reincidir (incidir novamente) na infração do art. 28 (ou
12 Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.
57
seja: ser surpreendido novamente como usuário). Reincidência específica do § 4.º: a reincidência específica referida neste § 4.º só pode ser a específica, ou seja, reincidência no art. 28. O sujeito foi previamente condenado definitivamente pelo artigo 28 (ou pelo antigo art. 16 da Lei 6.368/76), ou aceitou transação penal por este fato, e depois vem a praticar alguma conduta contemplada no mesmo art. 28 da nova Lei. Ou seja, trata-se de um “usuário” reincidente. Para ele as penas do art. 28 serão aplicadas pelo prazo máximo de dez meses. (GOMES et al., 2007, p. 163/164).
Nesse mesmo sentido é o entendimento do Promotor Renato Marcão:
A condenação em processo de conhecimento, em que se imponha qualquer das penas previstas nos incisos I, II e III do art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006, gera reincidência e deve influenciar na dosimetria quando da aplicação de pena em relação a crime posterior observado o processo de individualização judicial. (...) Embora a lei não diga de forma expressa, somente a reincidência específica autoriza a exasperação regulada no § 4º do art. 28 da Lei n. 11.343/2006. (MARCÃO, 2007, p. 67/68)
Em sentido contrário posiciona-se o Promotor Fernando Capez, ao
aduzir que:
Estaria a lei se referindo ao reincidente específico? Para Luiz Flávio Gomes (...) sim, a Lei somente estaria se referindo ao reincidente específico no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006. Não é o nosso entendimento. Para nós, a lei não estabeleceu essa exigência, apenas mencionado genericamente os reincidentes. Desse modo, entendemos, respeitado o entendimento contrário, que qualquer forma de reincidência torna incidente o § 4º do art. 28. Do contrário, a legislação estaria punindo com mais rigor o reincidente em detenção de droga para fins de uso, do que o infrator que tivesse condenação anterior por crimes mais graves, o que violaria o princípio constitucional da proporcionalidade. (CAPEZ, 2007, p. 691)
6.5 Medidas de Garantia
O artigo 28 cuidou de estabelecer para as hipóteses de descumprimento
das penas impostas, norma específica de garantia. Como não mais é cominada
pena privativa de liberdade ao usuário, o descumprimento das penas aplicadas
não pode acarretar a conversão em pena privativa de liberdade como ocorre
segundo as disposições do Código Penal.
58
A Lei n. 11.343/06, então, estabeleceu que em caso de descumprimento
de qualquer das penas aplicadas será o condenado submetido a admoestação
verbal e multa, nessa ordem. O parágrafo 6º assim dispõe:
Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa.(BRASIL, 2006)
As sanções previstas no citado parágrafo devem ser impostas
sucessivamente de modo que faz-se primeiro a admoestação verbal e, não
surtindo efeito, ou seja, persistindo a relutância do condenado, passa-se à
aplicação de multa.
A imposição dessas sanções penais de garantia justifica-se apenas em
caso de descumprimento injustificado da pena aplicada, qualquer que seja ela
dentre as previstas pelo artigo 28 da Lei 11.343/06. O doutrinador Guilherme
de Souza Nucci, a esse respeito aduz que:
(...) eventualmente, o condenado pode rejeitar a aplicação de advertência, prestação de serviços à comunidade ou freqüência obrigatória a curso ou programa, desde que apresente justificativa válida. São situações viáveis, como ilustração, para a recusa justificada: a) a advertência feita pelo juiz é ríspida e grosseira, humilhando o sentenciado. Dessa forma, pode retirar-se da audiência, lavrando-se o protesto no termo, por meio do seu advogado; b) a prestação de serviços à comunidade deve ser cumprida em lugar onde o condenado exerce as suas atividades profissionais normais, o que lhe representa uma forma de humilhação; c) a freqüência a cursos ou programas pode referir-se a uma situação improvisada, totalmente alheia ao tema tóxicos. Em suma, o importante é oferecer motivos plausíveis para que o juiz substitua uma pena por outra. (NUCCI, 2006, p. 760)
A admoestação verbal consiste em uma censura feita pelo juiz ao
condenado, oralmente, acerca do descumprimento da pena imposta e das
conseqüências que esse descumprimento pode acarretar ao usuário. Renato
Marcão explica que:
A admoestação verbal consiste em uma repreensão oral a respeito da necessidade de o agente se submeter ao título executivo que decorre da sentença condenatória ou da decisão que homologou transação penal. Deve ser feita pelo próprio juiz (...). Trata-se de função jurisdicional (...). (MARCÃO, 2007, p. 70)
59
A pena de multa, por sua vez, consiste na imposição de um valor em
pecúnia a ser pago pelo condenado em razão do descumprimento da pena
inicialmente imposta. Sua finalidade, bem como a da admoestação verbal, é a
de fazer com que o condenado cumpra a pena que lhe foi originariamente
imposta. O artigo 29 da Lei 11.343/06 fixa os parâmetros específicos para a
aplicação da pena de multa prevista pela Lei de Drogas, cujos valores são
revertidos ao Fundo Nacional Antidrogas. Tal artigo dispõe nos seguintes
termos:
Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o § 6º do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo. Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6º do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.(BRASIL, 2006)
6.6 Peculiaridades das penas restritivas de direitos cominadas pelo artigo
28
O artigo 28 cominou tão somente penas restritivas de direitos ao usuário
e ao dependente de drogas, o que, conforme exaustivamente dito, é fonte de
grande polêmica. A Lei 11.343/06 não dispensou às penas por ela cominadas o
mesmo tratamento que o Código Penal dispensa às penas restritivas de
direitos que impõe. As penas previstas pelo artigo 28 da Lei 11.343/06
possuem peculiaridades, que ora se pretende demonstrar.
Pode-se destacar, em primeiro lugar que as penas restritivas cominadas
pelo artigo 28 ao usuário são aplicadas autonomamente, ou seja, não são
aplicadas em substituição de uma pena privativa de liberdade, sendo
cominadas expressamente no tipo penal. Essas penas não constituem uma
faculdade para o juiz, sendo obrigatória a aplicação de uma das espécies
cominadas pelo citado dispositivo legal em seus incisos I, II e III.
60
A segunda característica específica das penas restritivas de direitos
cominadas pela Lei de Drogas ao usuário é que, no caso de seu
descumprimento não poderá haver a conversão em pena privativa de
liberdade, vez que a Lei 11.343/06 veda a aplicação de pena privativa de
liberdade ao usuário.
Quanto às características distintivas das penas restritivas de direitos
cominadas pela nova Lei, Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto
Galvão de Carvalho destacam em suas lições que:
(...) a Lei de Drogas inovou ao prever a utilização de pena restritiva com duas características não previstas na legislação comum: i) a não-substitutividade e ii)a não-conversibilidade em pena privativa de liberdade. i) não-substitutividade: a pena restritiva de direitos na Lei de Drogas já é cominada diretamente no preceito secundário da norma penal incriminadora, perdendo o caráter substitutivo que, em regra acompanha tais medidas no Código Penal e na legislação comum. (...) ii) não conversibilidade em pena privativa de liberdade: (...) a pena restritiva de direitos não é passível de conversão em pena privativa de liberdade, em caso de descumprimento. A própria lei já previu, no § 6º do art. 28, as medidas para garantir o cumprimento das penas estipuladas. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 51/52)
Cumpre mencionar, ainda, que o artigo 27 da Lei 11.343/06 prevê a
possibilidade de as penas previstas no Capítulo III da Lei 11.343/06, qual seja
“Dos Crimes e das Penas”, serem aplicadas isolada ou cumulativamente, ao
dispor que: “As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada
ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o
Ministério Público e o defensor”. Quanto à faculdade conferida ao juiz para
escolher qual pena restritiva de direito prevista no artigo 28 será aplicada, o
doutrinador Guilherme de Souza Nucci esclarece que:
(...) A opção do julgador por uma delas, deve basear-se na culpabilidade (grau de reprovação social merecido) e, por conseqüência, nos demais critérios previstos no art. 59 do Código Penal. Por outro lado, com fundamento nos mesmos elementos (art. 59, CP), pode o magistrado optar pela aplicação cumulativa de duas das medidas previstas nos incisos I a III deste artigo, ou mesmo das três penalidades em conjunto. (...) a pena é fixada, por óbvio, na sentença condenatória. Nesta decisão, o julgador deve eleger uma das penalidades dos incisos I, II ou III do art. 28, ou fixá-las de modo cumulativo. Transitando em julgado, segue-se à fase executória. Nesta, conforme o caso, pode-se substituir a pena estabelecida por outra, quiçá mais severa ou eficiente. (NUCCI, 2006, P. 754)
61
Também o jurista Luiz Flávio Gomes et al. manifesta-se acerca da
aplicação isolada ou cumulativa das penas previstas no artigo 28, bem como
sobre a possibilidade de substituição das penas aplicadas, nos termos
seguintes:
As penas previstas no art. 28 (advertência, prestação de serviços e medida educativa) podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente. O juiz deve levar em conta o fato, o agente do fato assim como o grau de sua reprovabilidade (culpabilidade). (...) Faculta-se ao juiz proceder à substituição da pena alternativa transacionada ou imposta. Em qualquer tempo, enquanto não extinta a pena em razão do seu cumprimento ou da prescrição, pode haver substituição. Nem sempre a medida convencionada ou imposta resulta a mais adequada. Constatado o risco de ineficácia da medida, outra deve ocupar o seu lugar. (GOMES et al., 2007, p. 144/145)
Uma vez compreendidas as espécies de penas aplicáveis ao usuário,
cominadas pelo artigo 28 da nova Lei de Drogas, Lei 11.343/06, assim como já
foi analisado o tipo penal previsto nesse artigo, de forma detalhada, será
iniciado o estudo da polêmica motivadora deste trabalho: teria ocorrido
descriminalização ou despenalização do uso de drogas? Ou ainda, não teria
ocorrido nenhuma destas hipóteses, continuando o uso de drogas a configurar
crime? É o que será discutido no próximo capítulo.
6.7 Tratamento especializado
Acrescente-se, por oportuno, que a nova Lei de Tóxicos não impõe ao
usuário e ao dependente de drogas tratamento compulsório. Em seu parágrafo
7º, a Lei 11.343/06 dispõe que “O juiz determinará ao Poder Público que
coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde,
preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.”
Sendo assim, há a possibilidade de o usuário dependente submeter-se a
tratamento especializado, gratuitamente. Mas, isso não é uma imposição legal,
tampouco é pena cominada ao delito de uso de drogas.
62
Sobre essa possibilidade de tratamento, manifestam-se Andrey Borges
de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho, nos seguintes termos:
(...) a nova Lei de Drogas não impôs como sanção a submissão do usuário a tratamento compulsório. (...) A nova Lei de Drogas, porém, deixou de prever referida pena de internação compulsória, atenta aos postulados da área da saúde, que indicam que a eficiência e utilidade do tratamento estão condicionadas à aceitação da dependência e, principalmente, à voluntariedade na submissão ao tratamento. Tratou, apenas, no § 7.º do artigo em estudo, da possibilidade de o juiz colocar à disposição do dependente tratamento especializado, a ser prestado gratuitamente pelo Poder Público.(...) Porém, este tratamento deverá ser reservado ao usuário dependente e não a qualquer infrator que incida nas penas do artigo 28.” (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 66)
Quanto à faculdade conferida ao usuário, de se submeter a tratamento
especializado, que poderá ser colocado à sua disposição por determinação do
juiz ao Poder Público, Luiz Flávio Gomes et al. se manifesta nos seguintes
termos:
O tratamento especializado (ressalvado os arts. 45 a 47, que contemplam o inimputável e o semi-imputável) não aparece, na nova Lei de Drogas, como sanção a ser imposta ao usuário. (...) De acordo com o diploma legal em questão cabe ao juiz determinar ao Poder Público (ou seja: ao setor do Poder Público que cuida da administração da saúde pública) que coloque à disposição do infrator referido tratamento. Verifica-se que o tratamento deve ser oferecido (não imposto) ao infrator. É da essência de todo tratamento a adesão do sujeito. (...) O tratamento, de outro lado, pressupõe a condição de dependente. (GOMES et al., 2007, p. 168/169)
Destaca-se, por fim, que o tratamento especializado previsto pela Lei
11.343/06 está em perfeita consonância com os fins preventivos adotados
quanto ao usuário e ao dependente de drogas.
7. O ARTIGO 28 E O USO DE DROGAS: DESCRIMINALIZAÇÃO,
DESPENALIZAÇÃO OU CONTINUA SENDO CRIME?
Todo o cerne da discussão a que se propôs esse trabalho centrar-se-á
neste capítulo. Após a indispensável apresentação geral da Lei 11.343/06, dos
seus objetivos e das principais alterações ocorridas quanto ao usuário, bem
como do tipo penal previsto no artigo 28, e das penas cominadas por este tipo
63
penal, cumpre adentrar especificamente na discussão acerca da ocorrência, ou
não, de abolitio criminis do uso de drogas. A partir de agora será analisado se o
artigo 28 da nova Lei de Drogas implicou a descriminalização do uso.
Desde o advento da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, muito se
tem discutido sobre o usuário de drogas e as penas a ele cominadas.
Conforme mencionado no capítulo anterior, não mais pode ser imposta ao
usuário pena privativa de liberdade nos termos do parágrafo 2º do artigo 48 da
Lei 11.343/06, que assim dispõe:
Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários. (BRASIL, 2006)
Por não mais ser cominada pena privativa de liberdade ao usuário,
muitos doutrinadores têm entendido que a nova Lei de Tóxicos, em seu artigo
28, descriminalizou o uso de drogas. Outros entendem que, devido ao fato de o
artigo 28 da lei haver cominado penas mais brandas ao usuário teria ocorrido
tão-somente a despenalização da conduta, que continua típica e ilícita.
Toda essa discussão ocorre porque a legislação anterior impunha ao
usuário de drogas pena privativa de liberdade que variava de 6 (seis) meses a
2 (dois) anos de detenção e pagamento de 20 a 50 dias-multa. Atualmente,
com o advento da nova Lei de Drogas, Lei 11.343/06, as penas previstas são
penas restritivas de direitos, sendo que duas delas constituem inovação no
ordenamento jurídico-penal brasileiro, o que agrava a discussão acerca da
descriminalização do uso de drogas.
Serão, a seguir expostos e analisados os entendimentos existentes
sobre a suposta descriminalização do uso de drogas, bem como sobre a sua
despenalização.
7.1 Primeira corrente: O artigo 28 implicou a descriminalização do uso de
drogas
64
A primeira corrente a ser analisada é a que adota o entendimento de que
ocorreu a descriminalização do uso de drogas, ou seja, o uso de drogas não é
mais crime.
O principal argumento desta corrente é o artigo 1º do Decreto-Lei n.
3.914, de 9 de dezembro de 1941, mais conhecido como Lei de Introdução ao
Código Penal (apesar de tecnicamente não se tratar de uma lei), que assim
dispõe:
“Considera-se crime a infração penal a que a Lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.(BRASIL, 1941, grifo nosso)
Os penalistas defensores desta linha de raciocínio entendem que o
citado artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal é o dispositivo que
estabelece no ordenamento jurídico–penal brasileiro o conceito legal de crime,
e, se assim o é, só será considerada crime a conduta a que a lei comine pena
privativa de liberdade, na modalidade reclusão ou detenção, isoladamente,
alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.
Dessa forma, entendem os seguidores desta corrente que o delito de
uso de drogas deixou de configurar crime vez que o artigo 28 da Lei 11.343/06
não comina pena privativa de liberdade àqueles que incorrerem na prática das
condutas nele tipificadas, mas, tão somente penas restritivas de direitos, quais
sejam penas de advertência, de prestação de serviços à comunidade e medida
educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Dentre os seguidores desta corrente encontram-se respeitados
penalistas, dentre os quais, e poder-se-ia dizer que no papel de líder dos
demais, o ilustre doutrinador Luiz Flávio Gomes.
Quanto a esse argumento, qual seja o conceito legal de crime trazido
pelo artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, Luiz Flávio Gomes et al.
preleciona que:
A Lei 11.343/2006 (art.28), de acordo com nossa opinião, aboliu o caráter “criminoso” da posse de drogas para consumo pessoal. Esse
65
fato deixou de ser legalmente considerado crime (embora continue sendo um ilícito sui generis, um ato contrário ao direito). Houve, portanto, descriminalização “formal”, mas não legalização da droga (ou descriminalização substancial). (...) Ora, se legalmente – no Brasil – “crime” é infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada, cumulativa ou alternativamente com pena de multa), não há dúvida de que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” do ponto de vista formal porque as sanções impostas para esta conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). (GOMES et al., 2007, p.121/122)
O entendimento acima exposto resume bem o pensamento dos adeptos
desta corrente. Sua principal argumentação, conforme dito, reside no artigo 1º
da Lei de Introdução ao Código Penal que, para essa corrente, é o responsável
pela definição legal de delito.
No entanto, em que pese a autoridade dos citados doutrinadores, o
argumento exposto, que confere à Lei de Introdução ao Código Penal a tarefa
de conceituar crime, não merece prosperar, por vários motivos, conforme será
demonstrado.
O primeiro problema decorrente dessa primeira linha de raciocínio
advém não do argumento em si, mas, do próprio conceito de crime. O que é
crime? Para os entendedores da descriminalização do uso de drogas, crime é o
que estabelece a Lei de Introdução ao Código Penal em seu artigo 1º, ou seja,
crime é toda conduta a que a lei comina pena de reclusão ou detenção,
isolada, alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.
No entanto, e com o devido respeito, conforme demonstrado no segundo
capítulo, deve ser adotada a definição doutrinária segundo a qual crime é toda
conduta típica e ilícita. Entendemos que o artigo 1º da Lei de Introdução ao
Código Penal não se presta à definição de crime, posto que ultrapassado, e
também porque utiliza critérios não para a conceituação de crime, mas, apenas
para a distinção entre crime e contravenção. Ademais, doutrinadores há que
compartilham esse entendimento ao esclarecerem que o citado artigo não tem
como objetivo definir crime, mas tão-somente estabelecer um critério distintivo
entre crimes e contravenções. Nesse sentido, o ilustre doutrinador Cezar
Roberto Bitencourt, acerca da definição legal de crime no Brasil, assim se
manifesta em suas lições:
66
Essa Lei de Introdução, sem nenhuma preocupação científico-doutrinária, limitou-se apenas a destacar as características que distinguem as infrações penais consideradas crimes daquelas que constituem contravenções penais, as quais, como se percebe, restringem-se à natureza da pena de prisão aplicável. Ao contrário dos códigos Penais de 1830 (art. 2º, § 1º) e 1890 (art. 7º), o atual código Penal (1940, com a Reforma Penal de 1984) não define crime, deixando a elaboração de seu conceito à doutrina nacional. (BITENCOURT, 2006)
Assiste razão a esse doutrinador por rejeitar a “definição legal” de crime
estabelecida no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro. O
crime deve ser definido a partir de seus elementos constitutivos e não das
espécies de pena que lhe são aplicadas. Consoante o segundo capítulo desta
monografia, todas as definições de crime apresentadas, sobretudo a definição
analítica, consideravam seus elementos constitutivos, seus elementos
característicos definidores, tais como a tipicidade e a ilicitude ou
antijuridicidade. Nesse sentido é o entendimento de Fernando Martins Zaupa,
que assim se manifesta: “Como é cediço, não se pode subverter a ordem dos
institutos para se querer definir um crime não pelos elementos constituintes,
mas pela espécie de reprimenda prevista” (ZAUPA, 2006).
Portanto, inócuo o argumento consistente na definição de crime trazida
pelo artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, visto que não é este artigo
que define crime, mas sim a doutrina. O crime não pode ser definido única e
exclusivamente pelas penas que lhe são cominadas. As sanções penais são
uma conseqüência do crime, que, conforme visto é toda conduta, ou seja, toda
ação ou omissão, típica e ilícita. Não se está dizendo, de forma alguma que
deve ser desprezada a espécie de pena cominada a cada crime. O que se está
dizendo é tão-somente que um crime não se define pela espécie de pena que
lhe é cominada.
Já foi dito, que o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal não se
presta à definição de crime. No entanto, em que pese a autoridade dos
doutrinadores que consideram que o conceito de crime é o contido no já citado
artigo 1º, não se pode considerar que houve a descriminalização do uso de
drogas tendo como fundamento esse dispositivo, posto que está, há muito,
desatualizado.
67
Em primeiro lugar, cumpre destacar que a Lei de Introdução ao Código
Penal, datada de 1941, está em vigência desde janeiro de 1942, ou seja, há 65
anos. Com o passar do tempo, as transformações sociais e políticas bem como
as alterações jurídicas, inclusive as jurídico-penais, fizeram com que essa lei
ficasse ultrapassada. Serão mencionadas as duas alterações mais
significativas: a reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, e o advento
da atual Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988.
O Código Penal – Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
passou por uma reforma em toda a sua parte geral, no ano de 1984, promovida
pela Lei n. 7.209, de 11 de julho de 198413. Essa reforma propiciou o
surgimento de uma nova espécie de pena, as penas restritivas de direitos, que
passaram a integrar o rol de espécies de sanções penais até então existentes,
tal como passou a ser disposto no artigo 32 do Código Penal14. A partir de
então, os crimes passaram a ser punidos não só com pena de reclusão ou
detenção, mas, também com penas restritivas de direitos. A Lei de Introdução
ao Código Penal, no entanto, não foi alterada e continuou a considerar crime
apenas as condutas punidas com pena de reclusão ou detenção.
Não bastasse isso, com o advento da Constituição da República de 1988
foram consagradas e reforçadas as espécies de penas já previstas pelo Código
Penal. A Carta Magna de 1988, além de reafirmar as espécies previstas pela
legislação penal infraconstitucional, faculta ao legislador adotar outras
espécies, respeitando, obviamente, aquelas que são expressamente vedadas
pelo texto constitucional. A seguir, transcreve-se os dispositivos constitucionais
respectivos:
Art. 5º. (...) XLVI – a lei regulará a individualização das penas e adotará, entre outras, as seguintes: a)privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e)suspensão ou interdição de direitos.
13 Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e dá outras providências. 14 Art. 32. As penas são: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; III – de multa. (BRASIL, 1940)
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XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.84,XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. (BRASIL, 1988, grifo nosso)
Quanto às alterações promovidas pela reforma da Parte Geral do Código
Penal e pela atual Constituição da República de 1988, acima mencionadas,
destaca Jayme Walmer de Freitas:
A reforma de 1984 adaptou-se à tendência de aperfeiçoamento das penas privativas de liberdade e criou as penas restritivas de direitos, nas modalidades de prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. A evolução paulatina, mas inexorável haveria de suceder ante a falência do sistema prisional (...). Com a Carta da República, em 1988, o constituinte ampliou a previsão do Código Penal, oferecendo um rol não taxativo de penas (...). (FREITAS, 2007)
Portanto, ainda que se considere correta a definição de crime
apresentada pelo artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, o que,
ressalte-se, não é o entendimento adotado nessa monografia, essa definição
está ultrapassada, vez que não acompanhou a evolução penal implementada
pela nova Parte Geral do Código Penal, em 1984, e também, pela Constituição
da República de 1988. Desta forma, resta inócuo o argumento de que houve a
descriminalização do uso de drogas, fundado na definição de crime
apresentada pela Lei de Introdução ao Código Penal, pois, essa Lei encontra-
se ultrapassada nesse aspecto e não acompanhou alterações substanciais,
constitucionais e infraconstitucionais, referentes às espécies de sanção penal
existentes e, conseqüentemente, referentes ao próprio conceito de crime.
Nesse sentido é também o entendimento de Sérgio de Oliveira Neto,
que, em artigo no qual defende que não houve descriminalização do uso de
drogas, assim leciona:
Ao que tudo indica, a Lei de Introdução ao Código Penal não acompanhou a evolução legislativa que vem se sucedendo ao longo dos anos, seja por descuido do legislador, seja por conceber-se que seria desnecessário atualizar essa lei introdutória. (...) O Fato é que esta Lei de Introdução ao Código Penal não foi expressamente alterada e, assim, fica sujeita às mesmas derrogações tácitas ou indiretas que possam atingir os demais textos legais, quando a nova
69
normatização for incompatível ou regulamentar diferentemente a matéria tratada pela lei pretérita. (NETTO, 2006)
Também o Promotor Renato Marcão manifesta-se pelo entendimento de
que o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal não se presta a definir
crime, vez que desatualizado. Assim expõe:
É certo que o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro é bastante objetivo naquilo que pretende informar. Contudo, é preciso ter em conta que o Código Penal brasileiro é de 1940 e, portanto, elaborado sob o domínio de tempos em que nem mesmo as denominadas “penas alternativas” se encontravam na Parte Geral do Código Penal da forma como foram postas com a reforma penal de 1984 (Lei n. 7209, de 13-7-1984), e menos ainda com o status que passaram a ser tratadas com o advento da Lei n. 9714/98. O Direito Penal daquela época era outro, bem diferente do que agora se busca lapidar, e bem por isso a definição fechada e já desatualizada do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal não resolve a questão, segundo entendemos. (MARCÃO, 2007, p. 28)
O respeitado Promotor Fernando Capez, em breve análise da matéria
ora discutida, também se manifesta pela inadequação do artigo 1º da Lei de
Introdução ao Código Penal para a conceituação de crime, ao aduzir que “A Lei
de Introdução ao Código Penal está ultrapassada nesse aspecto e não pode
ditar os parâmetros para a nova tipificação legal do século XXI.” (CAPEZ, 2007,
p. 690).
Por fim, compartilham também do entendimento acima exposto, que
afasta a definição de crime trazida pelo artigo 1º da Lei de Introdução ao
Código Penal, Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de
Carvalho, ao dizerem que:
Esta norma foi recepcionada pela atual Constituição? (...) Apesar do disposto no art. 5º, XLVI, entendemos que o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal foi recepcionado, mas desde que seja interpretado à luz da nova ordem constitucional e da seguinte forma: a função da Lei de Introdução ao Código Penal era, à época de elaboração do Código Penal, distinguir crimes e contravenções, segundo as concepções então vigentes. Portanto, referido artigo somente se aplica à vista da distinção entre crime e contravenção criada dentro do sistema do Código Penal e das leis posteriores que seguiram a referida distinção de penas. Qualquer outra interpretação não poderá ser admitida. Assim, a interpretação de que a regra do art. 1º possui caráter universal e vinculante não se coaduna com a nova Constituição e não pode ser admitida. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 73)
70
Dessa forma, considerando que o artigo 1º da Lei de Introdução ao
Código Penal não se presta à definição de crime por todos os motivos acima
expostos, e considerando ainda que crime é toda ação típica e antijurídica,
consoante exposto no segundo capítulo, não resta entendimento outro senão o
de que o uso de drogas é crime, em sede da nova Lei de Drogas, Lei
11.343/06. E é crime porque é conduta típica, consoante artigo 28, caput e § 1º
da Lei 11.343/06, inserida no Capítulo III, dedicado aos crimes e às penas, do
Título III15 da Lei. É crime também porque é conduta antijurídica, pois foi
estabelecida pelo Estado como conduta contrária ao Direito, caso contrário,
não teria sido objeto de uma norma jurídica incriminadora.
Afastado está, portanto, o 1º argumento da corrente que advoga a
descriminalização do uso de drogas, fundado na “definição” de crime trazida
pelo artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal.
O segundo argumento dessa corrente reside no fato de seus defensores
considerarem o uso de drogas uma infração penal sui generis. Conforme
anteriormente dito, Luiz Flávio Gomes e seus seguidores entendem que o uso
de drogas foi descriminalizado porque o artigo 28 da Lei de Drogas não mais
comina pena de prisão àquele que incidir em uma das condutas típicas
descritas no artigo 28, caracterizadoras do uso de drogas. Assim, para eles, se
crime é apenas a conduta punida com pena de detenção ou de reclusão, nos
termos do já exaustivamente citado artigo 1º da Lei de Introdução ao Código
Penal, o uso de drogas, que é punido com penas restritivas de direitos não
pode mais ser considerado crime. No entanto, estes autores entendem que a
conduta de uso de drogas permanece com o caráter de ilícita, ou seja, de
contrária ao Direito, razão pela qual a classificam como infração penal sui
generis, nos seguintes termos:
Infração sui generis: diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. Não se trata de “crime” nem de “contravenção penal” porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, sui generis. Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade
15 O Título III da Lei é que trata da “Das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.”
71
administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados especiais ou da Vara especializada). Assim não é “crime”, não é “contravenção” e tampouco é um “ilícito administrativo”: é um ilícito sui generis. (...) É um ilícito “penal” sui generis. É penal porque o artigo 28 não foi retirado do muno do direito penal. E é sui generis não só porque as penas cominadas não conduzem à prisão, senão também porque normalmente a transação penal impede outra no lapso de cinco anos. Em relação ao usuário isso não acontece, ou seja, o usuário pode fazer várias transações penais, dentro desse lapso (em razão do consumo de droga). (...) E é penal também em outro sentido: caso não haja transação penal, as penas do artigo 28 são impostas em sentença final, dentro do rito sumaríssimo dos Juizados Especiais. (GOMES et al., 2007, p. 122/123).
Percebe-se que esse segundo argumento é apenas uma conseqüência
do primeiro, pois, se o uso de drogas não é crime nem contravenção penal por
não se enquadrar nas definições do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código
Penal, e ao mesmo tempo mantém o caráter de ilícito, é necessário estabelecer
a ele uma classificação. Se não é crime nem contravenção, o que é? Surge,
portanto, a sua classificação como uma nova espécie de infração penal, qual
seja, a de infração penal sui generis. Sendo assim, volta-se, mais uma vez à
discussão acerca da impossibilidade de se adotar o artigo 1º como definidor de
crime, razão pela qual também é inócuo esse segundo argumento, qual seja o
de que o uso de drogas é uma infração penal sui generis.
Com o devido respeito aos nobres penalistas que adotam essa posição,
é incoerente considerar o uso de drogas como fato inerente à esfera de
atuação do Direito Penal, vez que é conduta ilícita, e não considerá-lo crime
única e exclusivamente devido às espécies de sanção penal a ele cominadas.
Isso porque, para a definição de crime não importa qual a espécie de sanção
penal aplicada, mas, importa se aquela conduta está tipificada em lei penal
como crime e se é contrária ao direito, ou seja, importa saber se a conduta é
típica e ilícita. Para definir o uso de drogas como crime não há que se
questionar quais as penas cominadas. Há que se questionar se a conduta é
típica, resposta afirmativa com base no artigo 28 da lei de Drogas, e se é ilícita,
resposta também afirmativa, pois, se assim não fosse não seria incriminada por
uma lei penal como conduta violadora de um bem jurídico coletivo que é a
saúde pública (vide capítulo 4). Então, vez que os autores supramencionados
entendem que o uso de drogas é conduta ilícita, basta apenas questionar se é
típica para se chegar à conclusão de que é crime.
72
Portanto, infundado o segundo argumento dessa corrente.
Por fim, cumpre ressaltar que o autor Luiz Flávio Gomes et al. entende
que, concomitantemente à descriminalização da conduta do uso de drogas
ocorreu também a sua despenalização. Assim se manifesta a respeito:
De outro lado, também se pode afirmar que o artigo 28 retrata mais uma hipótese de despenalização. Descriminalização “formal” e despenalização (ao mesmo tempo) são os processos que explicam o novo artigo 28 da Lei de Drogas (houve processo misto). (GOMES et al., 2007, p. 120)
Também há que se afastar esse entendimento de que houve
despenalização da conduta do uso de drogas. A discussão aqui é referente às
espécies de penas cominadas. Há entendimento de que as conseqüências
previstas pelo artigo 28 não são penas, mas sim medidas, havendo ainda
aqueles que entendem tratar-se de medidas simplesmente, e outros que
entendem tratar-se de medidas educativas. Acerca da polêmica se são penas
ou medidas ou, ainda, medidas educativas, foi discutido no sexto capítulo,
donde se chegou à conclusão de que as conseqüências impostas ao usuário
pela prática do uso de drogas são sanções penais, na modalidade de penas
restritivas de direitos, e estão em consonância tanto com o Código Penal
quanto com a atual Constituição da República. Assim sendo, se são penas as
conseqüências previstas para a prática do delito de uso de drogas, ainda que
mais brandas do que as penas comumente aplicadas aos crimes em geral, não
há que se falar na ocorrência de despenalização.
Quanto à não ocorrência de despenalização será melhor explicitado no
item seguinte, no qual será analisada a segunda corrente, que entende não ter
havido a descriminalização do uso de drogas, mas, tão-somente a sua
despenalização.
7.2 Segunda corrente: o artigo 28 implicou a despenalização do crime de
uso de drogas, mas não a sua descriminalização
73
Essa corrente adota o entendimento de que o artigo 28 da Lei 11.343/06
não descriminalizou o uso de drogas, mas tão somente despenalizou a
conduta. Ou seja, o uso de drogas continua sendo crime, tendo havido apenas
a suavização das penas cominadas, vez que não mais pode ser imposta ao
usuário a pena privativa de liberdade.
O Supremo Tribunal Federal – STF se manifestou adepto desse
entendimento em decisão proferida em fevereiro deste ano, na qual, ao julgar
questão de ordem em recurso extraordinário16, reconheceu que a conduta de
porte de drogas para consumo pessoal tem a natureza jurídica de crime, e
rechaçou alguns dos argumentos utilizados pela corrente que defende que
houve a descriminalização do uso de drogas. A ementa da decisão em
comento assim dispõe:
EMENTA: I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 – nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP – que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção – não obsta a que a lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo “rigor técnico”, que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado “Dos Crimes e das Penas”, só a eles referentes (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão “reincidência”, também não se pode emprestar um sentido “popular”, especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.434/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C. Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343/06, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de “despenalização”, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C. Penal, art. 107). (...) (STF, 2007, grifo nosso)
Essa decisão do STF, sem dúvida, possui indiscutível importância para a
solução da controvérsia em que se encontra envolto o artigo 28 da Lei
16 Questão de Ordem em recurso extraordinário 430.105-9. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Publicado no Diário da Justiça de 27/04/2007.
74
11.343/06, referente à hipótese de descriminalização, ou não, do uso de
drogas. Enquanto Corte Suprema do Poder Judiciário brasileiro e na condição
de guardiã da Constituição da República, uma decisão emanada dessa Corte,
no sentido de que o uso de drogas possui natureza jurídica de crime é de
fundamental importância para a sedimentação desse entendimento e para
afastar a hipótese de descriminalização, sustentada pela primeira corrente
estudada neste capítulo.
O STF manifesta-se na citada decisão no sentido de que a manutenção
da tese da descriminalização traz sérias conseqüências práticas, como
exemplifica citando o exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente:
De imediato, conclui-se que, se a conduta não é crime nem contravenção, também não constitui ato infracional, quando menor de idade o agente, precisamente porque, segundo o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (L. 8069/90), considera-se “ato infracional” apenas a “conduta descrita como crime ou contravenção penal”. De outro lado, como os menores de 18 anos estão sujeitos “às normas da legislação especial” (CF/88, art. 228; e C. Penal, art. 27) – vale dizer, do Estatuto da Criança e do Adolescente (L. 8069/90, art. 104) -, sequer caberia cogitar da aplicação, quanto a eles, da L. 11.343/06. (...) Isso para mencionar apenas algumas das inúmeras conseqüências práticas, às quais se aliariam a tormentosa tarefa de definir qual seria o regime jurídico da referida infração penal sui generis. (STF, 2007)
Mais adiante em sua fundamentação, o Ministro Sepúlveda Pertence,
Relator do acórdão em análise, em seu voto, rechaça o principal argumento
dos defensores da descriminalização do uso de drogas, qual seja o art. 1º da
Lei de Introdução ao Código Penal, reconhecendo que a lei ordinária, conforme
permissivo constitucional constante do art. 5º, XLVI, está autorizada a adotar
outras espécies de pena. Assim expõe quanto a este aspecto:
A norma contida no art. 1º do LICP – que, por cuidar de matéria penal, foi recebida pela Constituição de 1988 como de legislação ordinária – se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção. Nada impede, contudo, que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa da “privação ou restrição da liberdade”, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de serem adotadas pela “lei” (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). (STF, 2007)
75
E para finalizar, prossegue o Ministro em seu voto afirmando a natureza
jurídica de crime do uso de drogas, nos seguintes termos:
De minha parte, estou convencido de que, na verdade, o que ocorreu foi uma despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. (...) O que houve, repita-se, foi uma despenalização, cujo traço marcante foi o rompimento – antes existente apenas com relação às pessoas jurídicas e, ainda assim, por uma impossibilidade material de execução (CF/88, art. 225, § 3º; e L. 9.605/98) – da tradição da imposição de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva de toda infração penal. Esse o quadro, resolvo a questão de ordem no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C. Penal, art. 107, III). (STF, 2007)
A decisão do STF no sentido da manutenção da natureza jurídica de
crime da conduta de uso de drogas, esta em perfeita consonância com a Lei
11.343/06 e seus objetivos e, de fato é o entendimento mais acertado. Porém,
respeitosamente à brilhante decisão da Corte Suprema, há que se ressaltar um
único ponto em que o posicionamento do Supremo Tribunal federal não é o
mesmo a que se propõe essa monografia. Trata-se do entendimento
manifestado no acórdão no sentido de que teria havido despenalização da
conduta do uso de drogas, sendo que a despenalização, para tanto, foi
compreendida como “exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade”
(STF, 2007).
Com o devido respeito ao acórdão acima mencionado há que se
destacar que não houve a despenalização do uso de drogas, porque todas as
sanções cominadas a esta prática estão em consonância com o disposto no
Código Penal e na Constituição da República. As conseqüências a serem
impostas ao usuário são sanções penais, possuem caráter penal e, portanto,
não há que se falar em despenalização. Ressalte-se que, diversamente do que
defende o STF, a despenalização de uma conduta deve ser entendida como a
retirada, de um tipo penal incriminador, de quaisquer espécies de sanção
penal, e não apenas um abrandamento da punição como o ocorrido com o
delito de uso de drogas.
A palavra despenalizar deve ser compreendida como o contrário de
penalizar, ou seja, despenalizar seria não penalizar, não punir. No caso do
artigo 28 despenalizar, no sentido como este termo deve ser compreendido,
significaria não cominar pena, não impor punição. Aliás, se à palavra for
76
aplicada uma interpretação literal, tem-se que, o prefixo latino des possui
sentido de ação contrária. Assim des + penalizar significaria a ação contrária
ao ato de penalizar, que corresponde a não penalizar.
E conforme demonstrado, o artigo 28 penaliza aquele que incide na
prática das condutas tipificadas como uso de drogas. Ocorre que, por cominar
penas mais brandas, equivocadamente tem-se entendido que a lei não pune o
usuário.
Feita a ressalva com relação à despenalização da conduta do uso de
drogas, que tem como fundamento, principalmente, a posição adotada pelo
STF, acima exposta, todos os argumentos utilizados para explicar que o uso de
drogas continua a ser crime sob a égide da nova Lei de Drogas são
extremamente coerentes com o tratamento dispensado ao usuário pela nova
Lei de Drogas.
7.3 Terceira corrente: o artigo 28 manteve o uso de drogas com a natureza
jurídica de crime: não houve despenalização nem descriminalização
Conforme já foi adiantado no decorrer da exposição das duas primeiras
correntes o uso de drogas não foi descriminalizado pelo artigo 28 da Lei de
Drogas, Lei 11.343/06, ou seja, não houve abolitio criminis. Não há, também,
que se falar na despenalização da conduta, posto que o artigo 28 comina
sanções penais àquele que incidir na prática das condutas por ele tipificadas.
Conforme vem sendo demonstrado, o uso de drogas é crime, tendo
ocorrido tão-somente um abrandamento do rigor punitivo adotado em relação
ao usuário (que não é sinônimo de despenalização), posto que, a nova Lei de
Drogas, esclarece que seus objetivos relativamente ao usuário são a atenção e
a reinserção social, sem, no entanto, conforme já mencionado no capítulo
terceiro deste trabalho, deixar de lado o caráter repressivo. Tanto é verdade
que a conduta foi tipificada como crime e a ela foram cominadas sanções.
Serão, a seguir, expostos os fundamentos desse entendimento.
77
7.3.1 O artigo 28 e o conceito de crime
Conforme exposto no segundo capítulo desta monografia, crime é toda
conduta típica e ilícita. Se assim o é, o uso de drogas é crime, posto que é
conduta tipificada pela Lei 11.343/06 em seu artigo 28, e é também conduta
antijurídica, vez que contrária ao direito e ofensiva de um bem jurídico da
coletividade, que é a saúde pública. Caso contrário, não haveria sido tipificado
por uma norma penal incriminadora emanada do Estado com fins de tutelar um
bem jurídico coletivo que é a saúde pública. Ademais, ao delito de uso de
drogas são cominadas sanções penais, nos termos do que dispõe o Código
Penal e a Constituição da República de 1988. Não se pode, pois, negar caráter
penal às sanções previstas pelo artigo 28 da Lei de Drogas, posto que,
inobstante tenha inovado ao cominar as penas de advertência e de medida
educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, a Lei 11.343/06
o fez nos termos do permissivo constitucional constante no artigo 5º, XLVI. As
penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa
de comparecimento a curso e a programa educativo são, portanto, sanções
penais, conforme demonstrado no sexto capítulo desse trabalho, e não
configuram simplesmente medidas, ou medidas educativas.
Também não há que se considerar, para fins de entender se o uso de
drogas é crime ou não, o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, vez
que esta lei não se presta a definir crime, mas tão-somente a estabelecer um
critério distintivo entre crimes e contravenções, e está desatualizada.
Quanto a este primeiro argumento destaca-se entendimento de Davi
André Costa e Silva:
Para se afirmar da não-descriminalização, deve-se recordar, ainda, do conceito que se tem de crime. (...) Ainda que se tenha o crime como fato típico e antijurídico, encontrando-se na culpabilidade o pressuposto da pena, obrigatoriamente há de se reconhecer do caráter penal do artigo 28 da Lei 11.343/06. Investiga-se que tenha sido exatamente na “culpabilidade” do usuário que o legislador tenha buscado a aplicação das medidas educativas, diante do juízo de menor reprovação penal na conduta daquele que possui drogas para consumo próprio, do que na conduta daquele que fomenta o crime e dissemina a violência com o tráfico. (SILVA, 2006)
78
7.3.2 O artigo 28 e o Capítulo “Dos Crimes e das Penas”
Reafirma-se a natureza jurídica de crime da conduta de uso de drogas,
também pelo fato de ela estar inserida em Capítulo específico que dispõe sobre
os crimes e as penas do usuário, qual seja o Capítulo III do Título III, que trata
das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes de drogas.
Não fosse intenção do legislador manter o caráter de crime do uso de
drogas, qual a razão em destinar um capítulo específico para tratar dos crimes
e das penas imputados ao usuário?
Há renomados doutrinadores que entendem que o fato de o artigo 28
estar inserido no capítulo III do Título III da Lei 11.343/06 deve-se a um erro de
técnica legislativa. Esse é o pensamento de Luiz Flávio Gomes et al., que
defende que:
(...) a nova Lei de Drogas, no art. 28, descriminalizou formalmente a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “crime” porque de modo algum permite a pena de prisão. O usuário já não pode ser chamado de ‘criminoso”. (...) O fato de a própria lei ter intitulado o capítulo III, do título III, como “dos crimes e das penas’ não impede a conclusão acima exposta porque nosso legislador há muito tempo deixou de ser técnico. (GOMES et al., 2007, p. 122)
Equivocado, porém, está o entendimento acima transcrito. Não se pode
presumir erro do legislador para sustentar um ponto de vista. Nesse sentido,
manifesta-se com louvor o Supremo Tribunal Federal:
De outro lado, seria presumir o excepcional se a interpretação da L. 11.343/06 partisse de um pressuposto desapreço do legislador pelo “rigor técnico”, que o teria levado – inadvertidamente – a incluir as infrações relativas ao usuário em um capítulo denominado “Dos Crimes e das Penas” (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). (STF, 2007)
Nesse sentido, acrescente-se que o legislador já havia se pronunciado,
desde a época da propositura da Lei, pela não descriminalização do uso,
conforme manifestou-se o deputado Paulo Pimenta, Relator do Projeto na
79
Câmara dos Deputados17, citado pelo acórdão do STF que reconheceu a
natureza jurídica de crime do uso de drogas, nos seguintes termos:
(...) Reservamos o Título III para tratar exclusivamente das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Nele incluímos toda a matéria referente a usuários e dependentes, optando, inclusive, por trazer para este título o crime do usuário, separando-o dos demais delitos previstos na lei, os quais se referem à produção não autorizada e ao tráfico de drogas – Título IV. (...) Com relação ao crime de uso de drogas, a grande virtude da proposta é a eliminação da possibilidade de prisão para o usuário e dependente. Conforme vem sendo cientificamente apontado, a prisão dos usuários e dependentes não traz benefícios à sociedade, pois, por um lado, os impede de receber a atenção necessária, inclusive com tratamento eficaz e, por outro, faz com que passem a conviver com agentes de crimes muito mais graves. Ressalvamos que não estamos de forma alguma, descriminalizando a conduta do usuário (...). O que fazemos é apenas modificar os tipos de penas a serem aplicadas ao usuário, excluindo a privação da liberdade, como pena principal (...). (STF, 2007)
Dessa forma, tem-se que o fato de o artigo 28 da Lei 11.343/06 estar
inserido no capítulo específico dos crimes e das penas reforça sua natureza
jurídica de crime. Some-se a isso a intenção do legislador ao propor a lei, que
é, claramente, a de não descriminalização do uso de drogas, conforme
supracitado.
Acrescente-se ainda a opinião de Andrey Borges de Mendonça e Paulo
Roberto Galvão de Carvalho, também entendedores da manutenção da
natureza jurídica de crime da conduta de uso de drogas, que ora se transcreve:
Não bastasse, a própria Lei de Drogas confirma que se mantém o caráter criminoso da conduta. O artigo 28 foi estipulado dentro do capítulo “Dos crimes e das Penas”. Como o porte de droga para consumo pessoal é a única conduta do Capítulo III, obviamente o legislador está rotulando-o como crime. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 74)
Para finalizar, ressalte-se que o Promotor Renato Marcão também
entende que não foi em vão a inclusão do artigo 28 no capítulo destinado aos
crimes e às penas imputados ao usuário, conforme se manifesta a seguir:
Há que se levar em conta, ainda, que o art. 28 se encontra no Título III (Das atividades de Prevenção do Uso Indevido, Atenção e
17 Projeto de Lei n. 7.134/02, oriundo do Senado.
80
Reinserção Social de Usuários e Dependentes de Drogas), Capítulo III, que cuida “Dos Crimes e das Penas”, e que a Lei 11.343/2006, lei federal e especial que é, cuidou de apontar expressamente tratar-se de crimes as figuras do art. 28 (caput e § 1º), não obstante a ausência de qualquer pena privativa de liberdade cominada. (MARCÃO, 2007, p. 60)
7.3.3 O artigo 28 e as penas cominadas ao usuário
Por ora, será retomada a análise das penas cominadas ao usuário, feita
no sexto capítulo e também por ocasião da explanação sobre a corrente
defensora da descriminalização do uso de drogas.
Conforme exaustivamente exposto, tem-se como um dos argumentos a
justificar a descriminalização do uso de drogas o fato de não ser cominada
pena privativa de liberdade ao usuário. Ocorre que tal argumento é inócuo
conforme se demonstrou, pois, inobstante não ser prevista pena de prisão, são
cominadas outras espécies de sanção penal ao usuário. Não pode ser
considerada para a conceituação de crime a ultrapassada disposição do artigo
1º da Lei de Introdução ao Código Penal.
O Código Penal, após a reforma de sua Parte Geral em 1984, passou a
prever como sanções penais também as penas restritivas de direitos. Com o
advento da Constituição foram reafirmadas as penas previstas pelo Código
Penal, quais sejam as privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa, e
ainda, foi facultado à lei ordinária a adoção de outras espécies de pena.
Diante do exposto não se pode considerar que as sanções penais
previstas pelo artigo 28 em seus incisos I, II e III, sobretudo a pena de
advertência e a de medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo, que constituem inovação no ordenamento jurídico brasileiro, não
configuram sanções penais. É equivocada a sua compreensão como medidas,
vez que estão em consonância com as disposições constitucionais acerca das
sanções penais. O legislador da Lei 11.343/06 houve por bem adotar espécies
diferentes de pena, criando assim a pena de advertência e a pena de medida
educativa de comparecimento a curso ou programa educativo, como uma
81
forma de adequar as sanções à finalidade da lei de Drogas em relação ao
usuário que é, antes de tudo, preventiva.
A esse respeito manifestam-se Andrey Borges de Mendonça e Paulo
Roberto Galvão de Carvalho, nos seguintes termos:
No caso do novo diploma de drogas, o legislador, dentro deste espaço de conformação concedido pela própria Constituição, adotou as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa. Se o Poder Legislativo entendeu – dentro da concepção de não aplicação de pena privativa de liberdade a quem possui droga para consumo próprio – valer-se de outras penas, isto não pode significar descriminalização da conduta. Entender o contrário seria interpretar a Constituição de acordo com a lei, violando o princípio da Supremacia da Constituição.(MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 72)
Há que se ressaltar, ainda, que vem reforçar esse caráter de crime a
previsão da hipótese de reincidência no delito de uso de drogas, a qual
implicará o aumento do período de duração das penas de prestação de
serviços ou de medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo que anteriormente tenham sido aplicadas. O prazo máximo das
penas, em caso de reincidência poderá ser ampliado de 5 meses, para até 10
meses, conforme disposição do § 4º do artigo 28 da Lei 11.343/0618.
Há ainda a previsão de medidas coercitivas para o caso de
descumprimento das penas aplicadas. De fato, não poderá haver a conversão
das penas previstas pelo artigo 28 em penas privativas de liberdade no caso de
descumprimento. Mas, cuidou a Lei 11.343/06 de estabelecer duas medidas
coercitivas para obrigar ao cumprimento das penas originariamente aplicadas.
São elas a admoestação verbal e a multa, nos termos do § 6º da Lei de
Drogas19.
Essas duas providências legais no sentido de garantir o cumprimento
das penas aplicadas e de reforçar a repressão caso o agente reincida no uso
de drogas demonstram a intenção do legislador em manter o caráter de crime a
conduta do uso de drogas.
18 “Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.” 19 “Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submete-lo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa”.
82
7.3.4 O artigo 28 e o procedimento penal aplicável ao usuário
Outro forte argumento indicativo da natureza jurídica de crime mantida
pela Lei 11.343/06 para a conduta do uso de drogas é a imposição, para esse
delito, do procedimento penal dos Juizados Especiais Criminais, estabelecido
pela Lei 9.099/95, e aplicável aos crimes de menor potencial ofensivo.
Cumpre neste momento salientar que a análise do tratamento
processual conferido ao usuário não é objeto de estudo desse trabalho. Por
essa razão será feita uma breve menção ao procedimento penal aplicável ao
usuário, tão-somente para demonstrar a intenção do legislador de manter para
o uso de drogas sua natureza jurídica de crime.
Dispõe o artigo 48 da Lei de Tóxicos, em seus parágrafos, sobre o
procedimento penal aplicável aos usuários, nos seguintes termos:
Art. 48. (...) § 1º O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos artigos 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. § 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários. § 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente. § 4º Concluídos os procedimentos de que trata o § 2º deste artigo, o agente será submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender conveniente, e em seguida liberado. § 5º Para os fins do disposto no art. 76 da Lei nº 9.099 de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata da pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta. (BRASIL, 2006)
Acerca da natureza de crime do uso de drogas, evidenciada também
pelo procedimento penal a que é submetido o usuário, destaca Davi André
Costa e Silva que:
83
As evidências de que o legislador continuou tratando da posse de drogas para consumo próprio como crime passam, também, pelo procedimento e processualística a serem adotados à espécie. O usuário não poderá ser preso em hipótese alguma e deverá, preferencialmente, ser encaminhado imediatamente ao Juizado Especial Criminal, para, lá, ser submetido às medidas educativas, que poderão ser aplicadas isoladas ou cumulativamente. (SILVA, 2006)
O Promotor Fernando Capez, acerca do procedimento penal aplicável ao
usuário, por sua vez, destaca como pontos principais:
(a) Cuida-se de infração de menor potencial ofensivo, estando sujeita ao procedimento da Lei dos Juizados Especiais Criminais (arts. 60 e s.), por expressa disposição legal, salvo se houver concurso com os crimes previstos no arts. 33 a 37 da Lei (cf. art. 40, § 1º).20 (b) Conforme expressa determinação legal, tratando-se da conduta prevista no art. 28 dessa Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários (cf. § 2º). (...) o indivíduo que é surpreendido com a posse de droga para consumo pessoal, por expressa determinação legal, se submeterá apenas às medidas educativas, jamais podendo lhe ser imposta pena privativa de liberdade. (...) (CAPEZ, 2007, p. 692/693)
Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho ao se
manifestarem sobre o procedimento penal peculiar atribuído ao usuário de
drogas, buscam explicação nas finalidades da Lei:
A nova Lei de Drogas trouxe disposições especiais no que se refere aos procedimentos a serem adotados pela autoridade policial ao verificar que alguém se encontra em estado de flagrância pelos crimes do artigo 28. Desde logo, é importante esclarecer o contexto e a finalidade das alterações introduzidas. A finalidade do legislador era afastar ao máximo o usuário das Delegacias de Polícia, evitando-se estigmatiza-lo. Esta concepção se enquadraria dentro do espírito que permeia toda a Lei de Drogas, de separar rigidamente o usuário e o traficante, tratando-os de maneira totalmente diversa. (...) A nova Lei de Drogas, seguindo trilha já estabelecida pela Lei 9.099/1995, determina que em face do usuário apreendido com drogas não se lavrará auto de prisão em flagrante. (MENDONÇA, CARVALHO, 2007, p. 192)
Há que se ressaltar, como característica marcante do procedimento
penal aplicável ao usuário a proibição expressa de prisão em flagrante, tendo
em vista que não mais é cominada a pena privativa de liberdade para o crime 20 Nesse caso o citado autor provavelmente quis se referir ao artigo 48, § 1º.
85
8. CONCLUSÃO
O presente trabalho pretendeu demonstrar que o tratamento mais
benéfico conferido ao usuário de drogas pela nova Lei de Tóxicos, qual seja a
Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, não significou a descriminalização do uso
de drogas, simplesmente pelo fato de não mais cominar ao usuário a pena
privativa de liberdade. Pretendeu-se demonstrar, também, que esse tratamento
benévolo tampouco significou a despenalização dessa conduta. Ao contrário, o
objetivo do presente trabalho era, ao final, provar que sob a égide da Lei
11.343/06, o uso de drogas continua com a natureza jurídica de crime, objetivo
esse que foi alcançado.
Conforme demonstrado, os objetivos da nova Lei de Drogas em relação
ao usuário são bem diferentes dos destinados ao traficante. Busca-se uma
distinção nítida entre ambos e, para tanto, a Lei 11.343/06 adotou uma política
predominantemente preventiva em relação ao usuário, sem, no entanto,
abandonar também o seu caráter repressivo, em contraposição a uma postura
extremamente repressiva adotada ao traficante. A nova Lei de Drogas destina
ao usuário uma política específica baseada em atividades de atenção e
reinserção social, conforme exposto no capítulo terceiro desse trabalho, ao
mesmo tempo em que disciplina, em capítulo específico, o delito do uso de
drogas, que continua sendo crime.
Foram expostos os entendimentos existentes acerca da despenalização
e da descriminalização do uso de drogas, ao quais foi contraposto o
entendimento que ora se afirma, no sentido da manutenção, pela Lei
11.343/06, do caráter criminoso da conduta do uso de drogas. No desenvolver
do trabalho, restou demonstrada a inadequação da corrente que considera ter
havido a descriminalização do uso de drogas porque seu principal argumento,
o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal mostrou-se inadequado e
ultrapassado diante da evolução legislativa verificada pelo Direito Penal nas
últimas décadas. Foi demonstrado também que não se trata de hipótese de
despenalização da conduta do uso de drogas, posto que, a ela continuam a ser
cominadas penas, em atendimento aos preceitos do Código Penal e da
Constituição da República de 1988. Inobstante os entendimentos em sentido
86
contrário, comprovou-se com esse trabalho, sobretudo no sétimo capítulo, que
o uso de drogas continua a ter natureza jurídica de crime por vários motivos.
Em primeiro lugar, pode-se afirmar o caráter criminoso do uso de drogas
a partir do próprio conceito de crime, trabalhado no segundo capítulo e
retomado no sétimo capítulo. Considerando-se que crime é toda conduta típica
e ilícita, não resta dúvida de que o uso de drogas é crime, pois que é conduta
tipificada pelo artigo 28 da Lei 11.343/06 e é também contrária ao Direito.
Em segundo, o artigo 28 da Lei de Drogas, que tipifica a conduta de uso
está inserido em capítulo especifico destinado ao tratamento dos crimes e das
penas aplicáveis aos usuários e dependentes de drogas. Não fosse intenção
do legislador manter o caráter delituoso da conduta, não haveria esse
tratamento específico. Mais uma vez demonstrado o caráter criminoso do uso
de drogas.
Em terceiro, o uso de drogas é crime também porque as espécies de
penas cominadas às condutas tipificadas pelo artigo 28 estão em perfeita
consonância com o que determina o Código Penal e, sobretudo a Constituição
Federal, que faculta à lei ordinária adotar outras espécies de sanção penal que
não apenas as privativas de liberdade, por exemplo. Nesse aspecto,
demonstrou-se que o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal não se
presta à definição de crime, posto que utiliza critérios inadequados para defini-
lo, vez que sua finalidade é a de distinguir crime de contravenção, e também
porque está um tanto desatualizado e em oposição à Constituição da
República.
Cumpre dizer, em quarto, que se comprova mais uma vez a natureza
jurídica de crime da conduta do uso de drogas pela previsão legal específica de
que o crime previsto no artigo 28 será processado e julgado nos termos da Lei
9.099/95, que estabelece o procedimento dos Juizados Especiais Criminais
para os crimes de menor potencial ofensivo.
Diante de todas essas evidências há que se concluir que o uso de
drogas possui natureza jurídica de crime, nos termos do disposto no artigo 28
da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, não havendo, portanto, que se falar em
despenalização, tampouco em ocorrência de abolitio criminis.
Restou demonstrado, portanto, que o uso de drogas, nos termos da Lei
11.343, de 23 de agosto de 2006, continua sendo crime. Para finalizar, há que
87
se ressaltar que a discussão exposta nessa monografia não é uma
preocupação eminentemente jurídica, adstrita ao meio jurídico-penal e
acadêmico, mas é uma discussão que ultrapassa as fronteiras da sala de aula
das universidades bem como ultrapassa as fronteiras dos fóruns e tribunais,
consistindo em preocupação dos cidadãos em geral. Nota-se a preocupação da
sociedade em relação à descriminalização do uso de drogas, e que ora já se
demonstrou que continua sendo crime.
Nesse sentido transcreve-se trecho de carta encaminhada pelo leitor
Braz Ferraz Carlomanho, da cidade de Piracicaba - São Paulo, à revista Veja
publicada no dia 31 de outubro de 2007, na qual comentava reportagem
veiculada por essa mesma revista, intitulada “Duas questões fora de foco”,
publicada na edição anterior da revista Veja, qual seja a edição de 24 de
outubro de 2007. O referido leitor assim se manifesta sobre a reportagem:
(...) Lembrei-me de que a situação piorou, e muito, depois que se deixou de considerar o viciado um criminoso. Precisamos repensar esse aspecto: voltar a considerar o viciado um criminoso com prisão, porque sem o viciado não existe o tráfico, assim como não existe o roubo sem o receptador. Devemos apenar com mais rigor, tanto o viciado quanto o receptador. (CARLOMANHO, 2007)
ABSTRACT: From the study of the article 28 of the Federal Law nº 11.343 of
August 23, 2006 – New Anti Drugs Act – which refers to the drug user, we
propose, at the end of this dissertation, to demonstrate that the conduct of using
drugs remains a felony, and that the advent of the New Anti Drugs Act has not
implicated the abolitio criminis of drug use, neither has it implied in its
depenalization. It will be demonstrated, therefore, that the conduct described in
the article 28 still has criminal-legal nature.
Keywords: Federal Law nº 11.343/06 – article 28 – drug use –
decriminalization – depenalization – criminal-legal nature.
88
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89
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ANEXO A - Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Nova Lei de Tóxicos)
Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Art. 2o Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.
Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.
TÍTULO II
DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS
Art. 3o O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com:
I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
93
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS E DOS OBJETIVOS
DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS
Art. 4o São princípios do Sisnad: I - o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente
quanto à sua autonomia e à sua liberdade; II - o respeito à diversidade e às especificidades populacionais existentes; III - a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo
brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados;
IV - a promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o estabelecimento dos fundamentos e estratégias do Sisnad;
V - a promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, reconhecendo a importância da participação social nas atividades do Sisnad;
VI - o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico ilícito;
VII - a integração das estratégias nacionais e internacionais de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito;
VIII - a articulação com os órgãos do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad;
IX - a adoção de abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas;
X - a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social;
XI - a observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional Antidrogas - Conad.
Art. 5o O Sisnad tem os seguintes objetivos: I - contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos
vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados;
II - promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas no país;
III - promover a integração entre as políticas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas públicas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal, Estados e Municípios;
94
IV - assegurar as condições para a coordenação, a integração e a articulação das atividades de que trata o art. 3o desta Lei.
CAPÍTULO II
DA COMPOSIÇÃO E DA ORGANIZAÇÃO
DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS Art. 6o (VETADO) Art. 7o A organização do Sisnad assegura a orientação central e a
execução descentralizada das atividades realizadas em seu âmbito, nas esferas federal, distrital, estadual e municipal e se constitui matéria definida no regulamento desta Lei.
Art. 8o (VETADO)
CAPÍTULO III
(VETADO)
Art. 9o (VETADO) Art. 10. (VETADO) Art. 11. (VETADO) Art. 12. (VETADO) Art. 13. (VETADO) Art. 14. (VETADO)
CAPÍTULO IV
DA COLETA, ANÁLISE E DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES
SOBRE DROGAS Art. 15. (VETADO) Art. 16. As instituições com atuação nas áreas da atenção à saúde e da
assistência social que atendam usuários ou dependentes de drogas devem comunicar ao órgão competente do respectivo sistema municipal de saúde os
95
casos atendidos e os óbitos ocorridos, preservando a identidade das pessoas, conforme orientações emanadas da União.
Art. 17. Os dados estatísticos nacionais de repressão ao tráfico ilícito de
drogas integrarão sistema de informações do Poder Executivo.
TÍTULO III
DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO, ATENÇÃO E
REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS E DEPENDENTES DE DROGAS
CAPÍTULO I
DA PREVENÇÃO
Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção.
Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem
observar os seguintes princípios e diretrizes: I - o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência
na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade à qual pertence;
II - a adoção de conceitos objetivos e de fundamentação científica como forma de orientar as ações dos serviços públicos comunitários e privados e de evitar preconceitos e estigmatização das pessoas e dos serviços que as atendam;
III - o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas;
IV - o compartilhamento de responsabilidades e a colaboração mútua com as instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do estabelecimento de parcerias;
V - a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às especificidades socioculturais das diversas populações, bem como das diferentes drogas utilizadas;
VI - o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da redução de riscos como resultados desejáveis das atividades de natureza preventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados;
VII - o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da população, levando em consideração as suas necessidades específicas;
VIII - a articulação entre os serviços e organizações que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e a rede de atenção a usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares;
96
IX - o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais, entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida;
X - o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino;
XI - a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas;
XII - a observância das orientações e normas emanadas do Conad; XIII - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas
setoriais específicas. Parágrafo único. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas
dirigidas à criança e ao adolescente deverão estar em consonância com as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda.
CAPÍTULO II
DAS ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO SOCIAL
DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS
Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas.
Art. 21. Constituem atividades de reinserção social do usuário ou do
dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais.
Art. 22. As atividades de atenção e as de reinserção social do usuário e
do dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os seguintes princípios e diretrizes:
I - respeito ao usuário e ao dependente de drogas, independentemente de quaisquer condições, observados os direitos fundamentais da pessoa humana, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Assistência Social;
II - a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturais;
III - definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a inclusão social e para a redução de riscos e de danos sociais e à saúde;
IV - atenção ao usuário ou dependente de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais;
V - observância das orientações e normas emanadas do Conad;
97
VI - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas.
Art. 23. As redes dos serviços de saúde da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios desenvolverão programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde e os princípios explicitados no art. 22 desta Lei, obrigatória a previsão orçamentária adequada.
Art. 24. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão
conceder benefícios às instituições privadas que desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho, do usuário e do dependente de drogas encaminhados por órgão oficial.
Art. 25. As instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, com
atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social, que atendam usuários ou dependentes de drogas poderão receber recursos do Funad, condicionados à sua disponibilidade orçamentária e financeira.
Art. 26. O usuário e o dependente de drogas que, em razão da prática de
infração penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de segurança, têm garantidos os serviços de atenção à sua saúde, definidos pelo respectivo sistema penitenciário.
CAPÍTULO III
DOS CRIMES E DAS PENAS
Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal,
semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz
atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
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§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do
caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas
comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se
refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal; II - multa. § 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do
infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do §
6o do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo.
Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se
refere o § 6o do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas. Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das
penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.
TÍTULO IV
DA REPRESSÃO À PRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA
E AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 31. É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito,
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importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais.
Art. 32. As plantações ilícitas serão imediatamente destruídas pelas
autoridades de polícia judiciária, que recolherão quantidade suficiente para exame pericial, de tudo lavrando auto de levantamento das condições encontradas, com a delimitação do local, asseguradas as medidas necessárias para a preservação da prova.
§ 1o A destruição de drogas far-se-á por incineração, no prazo máximo de
30 (trinta) dias, guardando-se as amostras necessárias à preservação da prova.
§ 2o A incineração prevista no § 1o deste artigo será precedida de
autorização judicial, ouvido o Ministério Público, e executada pela autoridade de polícia judiciária competente, na presença de representante do Ministério Público e da autoridade sanitária competente, mediante auto circunstanciado e após a perícia realizada no local da incineração.
§ 3o Em caso de ser utilizada a queimada para destruir a plantação,
observar-se-á, além das cautelas necessárias à proteção ao meio ambiente, o disposto no Decreto no 2.661, de 8 de julho de 1998, no que couber, dispensada a autorização prévia do órgão próprio do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama.
§ 4o As glebas cultivadas com plantações ilícitas serão expropriadas,
conforme o disposto no art. 243 da Constituição Federal, de acordo com a legislação em vigor.
CAPÍTULO II
DOS CRIMES
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à
venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
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II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300
(trezentos) dias-multa. § 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de
seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700
(setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas
poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir,
entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar,
reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem
se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos
nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e
quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou
associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
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Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.
Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas
necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da
categoria profissional a que pertença o agente. Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas,
expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do
veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.
Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente
com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de
um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as
circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no
desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime. Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a
investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.
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Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o
juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.
Parágrafo único. As multas, que em caso de concurso de crimes serão
impostas sempre cumulativamente, podem ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da situação econômica do acusado, considerá-las o juiz ineficazes, ainda que aplicadas no máximo.
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei
são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o
livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.
Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob
o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força
pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.
Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por
força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que
ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.
CAPÍTULO III
DO PROCEDIMENTO PENAL
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Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.
§ 1o O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei,
salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais.
§ 2o Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá
prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.
§ 3o Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2o
deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.
§ 4o Concluídos os procedimentos de que trata o § 2o deste artigo, o
agente será submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender conveniente, e em seguida liberado.
§ 5o Para os fins do disposto no art. 76 da Lei no 9.099, de 1995, que
dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta.
Art. 49. Tratando-se de condutas tipificadas nos arts. 33, caput e § 1o, e
34 a 37 desta Lei, o juiz, sempre que as circunstâncias o recomendem, empregará os instrumentos protetivos de colaboradores e testemunhas previstos na Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999.
Seção I
Da Investigação
Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.
§ 1o Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e
estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
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§ 2o O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1o deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.
Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se
o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo podem ser
duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.
Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade
de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo: I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões
que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente; ou
II - requererá sua devolução para a realização de diligências necessárias. Parágrafo único. A remessa dos autos far-se-á sem prejuízo de diligências
complementares: I - necessárias ou úteis à plena elucidação do fato, cujo resultado deverá
ser encaminhado ao juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e julgamento;
II - necessárias ou úteis à indicação dos bens, direitos e valores de que seja titular o agente, ou que figurem em seu nome, cujo resultado deverá ser encaminhado ao juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e julgamento.
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes
previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes;
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.
Seção II
Da Instrução Criminal
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Art. 54. Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências:
I - requerer o arquivamento; II - requisitar as diligências que entender necessárias; III - oferecer denúncia, arrolar até 5 (cinco) testemunhas e requerer as
demais provas que entender pertinentes. Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado
para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. § 1o Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado
poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas.
§ 2o As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts.
95 a 113 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.
§ 3o Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor
para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação.
§ 4o Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias. § 5o Se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias,
determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias.
Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência
de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais.
§ 1o Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos
arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo.
§ 2o A audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro
dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias.
Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do
acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para
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sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.
Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das
partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.
Art. 58. Encerrados os debates, proferirá o juiz sentença de imediato, ou o
fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. § 1o Ao proferir sentença, o juiz, não tendo havido controvérsia, no curso
do processo, sobre a natureza ou quantidade da substância ou do produto, ou sobre a regularidade do respectivo laudo, determinará que se proceda na forma do art. 32, § 1o, desta Lei, preservando-se, para eventual contraprova, a fração que fixar.
§ 2o Igual procedimento poderá adotar o juiz, em decisão motivada e,
ouvido o Ministério Público, quando a quantidade ou valor da substância ou do produto o indicar, precedendo a medida a elaboração e juntada aos autos do laudo toxicológico.
Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta
Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.
CAPÍTULO IV
DA APREENSÃO, ARRECADAÇÃO E DESTINAÇÃO DE BENS DO
ACUSADO
Art. 60. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.
§ 1o Decretadas quaisquer das medidas previstas neste artigo, o juiz
facultará ao acusado que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresente ou requeira a produção de provas acerca da origem lícita do produto, bem ou valor objeto da decisão.
§ 2o Provada a origem lícita do produto, bem ou valor, o juiz decidirá pela
sua liberação.
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§ 3o Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores.
§ 4o A ordem de apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações.
Art. 61. Não havendo prejuízo para a produção da prova dos fatos e
comprovado o interesse público ou social, ressalvado o disposto no art. 62 desta Lei, mediante autorização do juízo competente, ouvido o Ministério Público e cientificada a Senad, os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.
Parágrafo único. Recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou
aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da instituição à qual tenha deferido o uso, ficando esta livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.
Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios
de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.
§ 1o Comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens
mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
§ 2o Feita a apreensão a que se refere o caput deste artigo, e tendo
recaído sobre dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade de polícia judiciária que presidir o inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público.
§ 3o Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo, em caráter
cautelar, a conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instrução do inquérito, com cópias autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.
§ 4o Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público,
mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou
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militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.
§ 5o Excluídos os bens que se houver indicado para os fins previstos no § 4o deste artigo, o requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens apreendidos, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram.
§ 6o Requerida a alienação dos bens, a respectiva petição será autuada
em apartado, cujos autos terão tramitação autônoma em relação aos da ação penal principal.
§ 7o Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao
juiz, que, verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos utilizados para a sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, cientificará a Senad e intimará a União, o Ministério Público e o interessado, este, se for o caso, por edital com prazo de 5 (cinco) dias.
§ 8o Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o
respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão.
§ 9o Realizado o leilão, permanecerá depositada em conta judicial a
quantia apurada, até o final da ação penal respectiva, quando será transferida ao Funad, juntamente com os valores de que trata o § 3o deste artigo.
§ 10. Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as
decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo. § 11. Quanto aos bens indicados na forma do § 4o deste artigo, recaindo a
autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da autoridade de polícia judiciária ou órgão aos quais tenha deferido o uso, ficando estes livres do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.
Art. 63. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o
perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível.
§ 1o Os valores apreendidos em decorrência dos crimes tipificados nesta
Lei e que não forem objeto de tutela cautelar, após decretado o seu perdimento em favor da União, serão revertidos diretamente ao Funad.
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§ 2o Compete à Senad a alienação dos bens apreendidos e não leiloados em caráter cautelar, cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União.
§ 3o A Senad poderá firmar convênios de cooperação, a fim de dar
imediato cumprimento ao estabelecido no § 2o deste artigo. § 4o Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz do processo,
de ofício ou a requerimento do Ministério Público, remeterá à Senad relação dos bens, direitos e valores declarados perdidos em favor da União, indicando, quanto aos bens, o local em que se encontram e a entidade ou o órgão em cujo poder estejam, para os fins de sua destinação nos termos da legislação vigente.
Art. 64. A União, por intermédio da Senad, poderá firmar convênio com os
Estados, com o Distrito Federal e com organismos orientados para a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e a atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, com vistas na liberação de equipamentos e de recursos por ela arrecadados, para a implantação e execução de programas relacionados à questão das drogas.
TÍTULO V
DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
Art. 65. De conformidade com os princípios da não-intervenção em assuntos internos, da igualdade jurídica e do respeito à integridade territorial dos Estados e às leis e aos regulamentos nacionais em vigor, e observado o espírito das Convenções das Nações Unidas e outros instrumentos jurídicos internacionais relacionados à questão das drogas, de que o Brasil é parte, o governo brasileiro prestará, quando solicitado, cooperação a outros países e organismos internacionais e, quando necessário, deles solicitará a colaboração, nas áreas de:
I - intercâmbio de informações sobre legislações, experiências, projetos e programas voltados para atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
II - intercâmbio de inteligência policial sobre produção e tráfico de drogas e delitos conexos, em especial o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e o desvio de precursores químicos;
III - intercâmbio de informações policiais e judiciais sobre produtores e traficantes de drogas e seus precursores químicos.
TÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
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Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1o desta Lei, até
que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998.
Art. 67. A liberação dos recursos previstos na Lei no 7.560, de 19 de
dezembro de 1986, em favor de Estados e do Distrito Federal, dependerá de sua adesão e respeito às diretrizes básicas contidas nos convênios firmados e do fornecimento de dados necessários à atualização do sistema previsto no art. 17 desta Lei, pelas respectivas polícias judiciárias.
Art. 68. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão
criar estímulos fiscais e outros, destinados às pessoas físicas e jurídicas que colaborem na prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social de usuários e dependentes e na repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
Art. 69. No caso de falência ou liquidação extrajudicial de empresas ou
estabelecimentos hospitalares, de pesquisa, de ensino, ou congêneres, assim como nos serviços de saúde que produzirem, venderem, adquirirem, consumirem, prescreverem ou fornecerem drogas ou de qualquer outro em que existam essas substâncias ou produtos, incumbe ao juízo perante o qual tramite o feito:
I - determinar, imediatamente à ciência da falência ou liquidação, sejam lacradas suas instalações;
II - ordenar à autoridade sanitária competente a urgente adoção das medidas necessárias ao recebimento e guarda, em depósito, das drogas arrecadadas;
III - dar ciência ao órgão do Ministério Público, para acompanhar o feito. § 1o Da licitação para alienação de substâncias ou produtos não proscritos
referidos no inciso II do caput deste artigo, só podem participar pessoas jurídicas regularmente habilitadas na área de saúde ou de pesquisa científica que comprovem a destinação lícita a ser dada ao produto a ser arrematado.
§ 2o Ressalvada a hipótese de que trata o § 3o deste artigo, o produto não
arrematado será, ato contínuo à hasta pública, destruído pela autoridade sanitária, na presença dos Conselhos Estaduais sobre Drogas e do Ministério Público.
§ 3o Figurando entre o praceado e não arrematadas especialidades
farmacêuticas em condições de emprego terapêutico, ficarão elas depositadas sob a guarda do Ministério da Saúde, que as destinará à rede pública de saúde.
Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37
desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.
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Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede
de vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva.
Art. 71. (VETADO) Art. 72. Sempre que conveniente ou necessário, o juiz, de ofício, mediante
representação da autoridade de polícia judiciária, ou a requerimento do Ministério Público, determinará que se proceda, nos limites de sua jurisdição e na forma prevista no § 1o do art. 32 desta Lei, à destruição de drogas em processos já encerrados.
Art. 73. A União poderá celebrar convênios com os Estados visando à
prevenção e repressão do tráfico ilícito e do uso indevido de drogas. Art. 74. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua
publicação. Art. 75. Revogam-se a Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976, e a Lei no
10.409, de 11 de janeiro de 2002. Brasília, 23 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos Guido Mantega Jorge Armando Felix Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 24.8.2006
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