Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final
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Conferências do Estoril 2011
Bolsa de Investigação
Relatório Final
Integração Regional e Segurança Energética
O Papel de Moçambique na África Austral
João Veiga Esteves
2012
1
Índice Geral
1. Acrónimos e Abreviaturas
2. Resumo
3. Abstract
4. Citação
5. Agradecimentos
6. Prólogo
7. Introdução
7.1. Introdução Geral
7.2. Objetivos do Trabalho
7.3. Metodologia
7.4. Relevância e Motivação
2
7.5. Estrutura e Organização
7.6. Limitações
8. Enquadramento Teórico
8.1. Integração Regional
8.1.1. Definição e Conceitos
8.1.2. Etapas e Motivações
8.1.3. Pré-requisitos e Benefícios
8.1.4. Obstáculos, Instrumentos e Impactos
8.1.5. Abordagem Neoliberal vs Heterodoxa
8.1.6. Evolução Histórica e Organizações Regionais
8.1.7. Idiossincrasias da Integração Regional
8. Enquadramento Teórico
8.2. Segurança Energética
8.2.1. Definição e Determinantes
8.2.2. Paradigmas Energéticos e Energias Renováveis
8.2.3. Power Pools: Conceito e Benefícios
8.2.4. Integração Regional Energética
3
8.2.5. Organizações Regionais e Compromisso Político
8.2.6. Infraestruturas e Agentes Privados
8.2.7. Particularidades da Segurança Energética
8.2.8. Eletrificação e Desenvolvimento Humano
9. Integração Regional em África
9.1. Obstáculos e Condicionalismos
9.2. Economias Africanas e Infraestruturas
9.3. Contextualização Histórica
9.4. Gestão Transnacional de Recursos
10. Contexto Energético da África Subsaariana
10.1. Crise Energética: Características e Determinantes
10.2. Acesso à Eletricidade
10.3. Quebras e Energia de Emergência
10.4. Integração Regional Energética
10.5. Principais Atores Africanos
10.6. Recursos Energéticos Africanos
4
11. Integração Regional na África Austral
11.1. Evolução Histórica
11.2. Motivações e Objetivos
11.3. Protocolo Comercial da SADC
11.4. Obstáculos à Integração
11.5. Contexto Económico Regional
11.6. Infraestruturas e Energia
11.7. Industrialização na SADC
12. Energia e Integração na África Austral
12.1. Dotações Energéticas e Portfolio Energético
12.2. Alterações Climáticas e Peso da África do Sul
12.3. Carvão, Hidroeletricidade e Renováveis
12.4. Análise Custo-Benefício da Integração Regional
12.5. Crise Energética: Causas e Consequências
12.6. Projetos Energéticos Transnacionais
12.7. Preço da Eletricidade na África Austral
12.8. Comércio Energético Bilateral vs. Multilateral
12.9. SAPP: Características e Objetivos
5
12.10. Boas Práticas Internacionais
13. Integração Regional de Moçambique
13.1. Protocolo Comercial e Receitas Aduaneiras
13.2. Arranjos Institucionais: SADC vs. SACU
13.3. Relações Moçambique - África do Sul
13.4. Vantagens Competitivas e Desenvolvimento
14. Energia em Moçambique
14.1. Atores Principais do Setor Energético
14.2. Comércio Multilateral vs. Bilateral
14.3. Desafios e Objetivos do Setor Energético
14.4. Paradigma Energético e Acesso à Eletricidade
14.5. Potencial Hidroelétrico: HCB e Mphanda Nkuwa
14.6. Gás Natural, Carvão e Petróleo
14.7. Energias Renováveis em Moçambique
6
15. Considerações Finais
15.1. Conclusões Fundamentais
15.2. Recomendações
15.3. Pistas Futuras
16. Referências Bibliográficas
17. Anexos
17.1. O Contributo da Gestão Transfronteiriça dos Recursos Hídricos
para a Prevenção de Conflitos em África
17.2. Integração Regional Energética na África Austral: O Caso da
Hidroelétrica de Cahora Bassa
17.3. Análise Comparativa dos Perfis Energéticos de Cabo-Verde e
Guiné-Bissau
17.4. O Impacto das Alterações Climáticas no Portfólio Energético da
África Austral
17.5. Lista de Personalidades Entrevistadas
7
Índice de Tabelas, Gráficos e Figuras
Índice de Tabelas
Tabela 1 – Evolução do Peso das Receitas Aduaneiras nas Receitas Totais de
Alguns Países Africanos, Excluindo Doações (%)
Tabela 2 – Comércio Intra-Africano em Termos Absolutos e Relativos em 2004
Tabela 3 – Volumes de Comércio Energético Intrarregional das Diferentes
Power Pools da África Subsaariana
Tabela 4 – Comparação entre os Benefícios do Aprofundamento dos Arranjos
Institucionais de Integração Regional Energética e Consequente Crescimento
do Comércio Energético Intrarregionais na EAPP e SAPP
Tabela 5 – Seis Maiores Exportadores de Energia da África Subsaariana num
Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional
Tabela 6 – Dados Relevantes sobre as Organizações Regionais Africanas
8
Tabela 7 – Peso da África do Sul nas Exportações da SADC para o Resto do
Mundo (%)
Tabela 8 – IDE da África do Sul para o Resto da SADC 1997/2001
Tabela 9 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP
Tabela 10 – Portfolios Energéticos dos Membros da SAPP (MW e %)
Tabela 11 – Potencial de Geração de Eletricidade via Energias Renováveis
Relativamente ao Consumo Doméstico Atual
Tabela 12 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP
Tabela 13 – Projeções para as Necessidades de Investimento até 2015 para
Responder à Procura de Eletricidade na SAPP
Tabela 14 – Procura Suprimida de Eletricidade na SAPP
Tabela 15 – Projeções para os Custos Marginais na SAPP em Cenários de
Expansão e Estagnação do Comércio Energético Intrarregional (cents/kWh)
9
Tabela 16 – Projeções para os Padrões de Comércio Energético Intrarregional
da SAPP até 2015 em Cenários de Expansão e Estagnação
Tabela 17 – Custos Marginais de Longo Prazo da Geração de Eletricidade nos
Países da SAPP em Cenários de Expansão e Estagnação do Comércio
Energético Intrarregional
Tabela 18 – Comparação dos Volumes de Comércio Energético Intrarregional
em Cenários de Planos Energéticos Nacionais e Regionais
Tabela 19 – Projeções para o Crescimento Demográfico e da Procura de
Eletricidade na SAPP
Tabela 19 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade na SAPP
até 2015 (TWh)
Tabela 20 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade nos
Membros da SAPP até 2015 (MW)
Tabela 21 – Comércio Energético na SAPP em 2005
Tabela 22 – IDE da África do Sul em Moçambique por Província Moçambicana
(1990/2000)
10
Tabela 23 – IDE da África do Sul em Moçambique por Setor Económico
(1990/2000)
Tabela 24 – Participação do Saldo Comercial no PIB de Países da SADC (%)
Tabela 25 – Novas Ligações Residenciais por Ano (milhares)
Tabela 26 – Abastecimento Elétrico em Moçambique, 2003/2004
Tabela 27 – Sistemas Isolados de Abastecimento Elétrico em Moçambique
Tabela 28 – Oferta e Procura de Eletricidade em Moçambique, 2006/2010
Tabela 29 – Distribuição dos Custos do Projeto de Gás Natural de Pande e
Temane
Tabela 30 – Produção e Consumo de Gás Natural do Projeto de Pande e
Temane
Tabela 31 – Hectares de Jatropha Necessários para a Produção de Biodiesel
em Moçambique
11
Índice de Gráficos
Gráfico 1 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras no Bem-Estar de
África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões
Gráfico 2 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras e da Redução dos
Custos de Transporte no Bem-Estar de África como um Todo e em Cinco das
suas Sub-Regiões da África Subsaariana
Gráfico 3 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras, da Redução dos
Custos de Transporte e do Estabelecimento de Uniões Aduaneiras no Bem-
Estar de África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões
Gráfico 4 – Capacidade de Geração de Eletricidade de alguns Países da África
Subsaariana em 2006
Gráfico 5 – Quebras de Energia em Dias por Ano, 2007/2008
Gráfico 6 – Custos Económicos das Quebras de Eletricidade em Percentagem
do PIB de Alguns Países da África Subsaariana em 2005
12
Gráfico 7 – Peso da Geração Própria no Total da Capacidade Instalada por
Sub-Região da África Subsaariana em 2006
Gráfico 8 – Preço Médio da Eletricidade para Consumo Doméstico na África
Subsaariana e Outras Regiões do Mundo em 2005
Gráfico 9 – Fontes de Ineficiência Económica nos Sectores Energéticos dos
Países da África Subsaariana
Gráfico 10 – Desagregação das Fontes de Ineficiência Económica nos
Sectores Energéticos de Alguns Países da África Subsaariana
Gráfico 11 – Custos Operacionais por Tipo de Países em 2005
Gráfico 12 – Custos Operacionais de cada Power Pool da África Subsaariana
em 2005
Gráfico 13 – Estrutura Energética das Power Pools da África Subsaariana por
Recurso Energético e por Escala de Produção
Gráfico 14 – Custos Operacionais por Recurso Energético em 2005
13
Gráfico 15 – Capacidade de Geração de Eletricidade de Alguns Países da
África Subsaariana per capita em 2005
Gráfico 16 – Poupança Obtida pelos Maiores Importadores de Energia num
Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional
Gráfico 17 – Portfolios Energéticos dos Países da SADC em 2006 (%)
Gráfico 18 – Taxas de Acesso à Eletricidade de Diversos Países da SADC em
2008
Gráfico 19 – Necessidades de Investimento por País em Cenários de Expansão
e Estagnação de Comércio Energético Intrarregional (% PIB)
Gráfico 20 – Evolução do Pico da Procura de Eletricidade na SAPP
Gráfico 21 – Projeções para a Capacidade Instalada da SAPP
Gráfico 22 – Preço Médio da Eletricidade em Alguns Países da SAPP
Gráfico 23 – Contabilização das Perturbações no Sistema da SAPP em 2010
14
Gráfico 24 – Volume do IDE em Moçambique por Origem (2001/2005, Milhões
USD)
Gráfico 25 – Importações de Moçambique por Origem em 2004 (%)
Gráfico 26 – Exportações Moçambicanas por Destino em 2004 (%)
Gráfico 27 – Comércio Energético Africano em 2005 (TWh)
Gráfico 28 – Comércio Energético Intrarregional na SADC 2004/2008 (mil
milhões de kW)
Gráfico 29 – Desagregação do Consumo de Eletricidade entre Mega-projectos
e o Resto da Economia de Moçambique (GWh)
Gráfico 30 – Projeções para a Distribuição da Procura de Eletricidade por
Sector Económico, Excluindo Mega-projectos (GWh)
Gráfico 31 – Comparação dos Custos de Geração de Eletricidade da África do
Sul e de Moçambique
Gráfico 32 – Projeções para a Balança Comercial Energética de Moçambique
15
Gráfico 33 – Capacidade de Geração de Eletricidade por Infraestrutura
Gráfico 34 – Importações de Combustíveis por Moçambique
Índice de Figuras
Figura 1 – Sobreposição de Adesões dos Estados Africanos a Diversas
Organizações Regionais
Figura 2 – Projeções para o Pleno Potencial de Comércio Energético
Intrarregional até 2015 na SAPP (TWh)
Figura 3 – Infraestruturas de Geração e Transmissão de Eletricidade na África
Austral
Figura 4 – Procura e Capacidade de Geração de Eletricidade na SAPP
Figura 5 – Comércio Energético Intrarregional na SAPP em 2010
Figura 6 – Estrutura de Governação da SAPP
16
Figura 7 – Taxas de Eletrificação das Províncias de Moçambique em 2007
Figura 8 – Rede Moçambicana de Transmissão e Distribuição de Eletricidade
Figura 9 – Potencial de Energias Renováveis de Moçambique
Índice de Quadros
Quadro 1 – Membros da SAPP
Quadro 2 – Comparação entre os Tratados e Protocolos da SADC e ECOWAS
Quadro 3 – Comparação entre a SAPP e a WAPP
Quadro 4 – Necessidades de Eletricidade dos Mega-Projectos em Moçambique
Quadro 5 – Projetos de Mini-Geração de Hidroeletricidade em Moçambique
17
1. Acrónimos e Abreviaturas
AGOA - African Growth and Opportunity Act
AICD – Africa Infrastructure Country Diagnostic
APD – Ajuda Pública ao Desenvolvimento
APE - Acordos de Parceria Económica
BAD – Banco Africano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
BRICS – Brazil, Russia, India, China, South Africa
CAPP – Central African Power Pool
CDM - Clean Development Mechanism
CEC - Copperbelt Energy Corporation
CESUL - Projeto Regional de Transporte de Energia Centro Sul
CMG - Companhia Moçambicana de Gás
CO2 – Dióxido de Carbono
COMESA - Common Market for Eastern and Southern Africa
CPI – Centro de Promoção de Investimento
DAM - Day-ahead Market
EAPP – East African Power Pool
18
ECA – Economic Consulting Associates
ECOWAS - Economic Community of West African States
EDM – Eletricidade de Moçambique
ENE – Empresa Nacional de Eletricidade
ENH - Empresa Nacional de Hidrocarbonetos
EUA – Estados Unidos da América
FAO – Food and Agriculture Organization
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUNAE – Fundo de Energia de Moçambique
GPL – Gás de Petróleo Liquefeito
GWH – Gigawatt-hour
HCB – Hidroelétrica de Cahora Bassa
IDE – Investimento Direto Estrangeiro
IEA – International Energy Agency
IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos
IFC - International Finance Corporation
IMVF – Instituto Marquês Vale Flôr
ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
ITC - Independent Transmission Company
19
IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado
KV - Kilovolts
KW - Kilowatt
KWH - Kilowatt-hour
LHDA - Lesotho Highlands Development Authority
LIC – Low Income Countries
MGJ – Milhões de Giga Joules
MIC – Middle Income Countries
MW – Megawatt
NEPAD - New Partnership for Africa's Development
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milénio
OECD - Organization for Economic Co-operation and Development
OMC – Organização Mundial do Comércio
OMVG - Organisation pour la Mise en Valeur du Fleuve Guinea
OMVS - Organisation pour la Mise en Valeur du Fleuve Senegal
ONU – Organização das Nações Unidas
OUA - Organization of African Unity
PD – Países Desenvolvidos
PIB – Produto Interno Bruto
20
PME – Pequenas e Médias Empresas
PVD – Países em Vias de Desenvolvimento
RDC – República Democrática do Congo
REN – Rede Elétrica Nacional
REPGA - Regional Petroleum and Gas Association
RERA - Regional Electricity Regulators Association of Southern Africa
SACU – Southern African Customs Union
SADC – Southern African Development Community
SADCC - Southern African Development Coordination Conference
SAPP – Southern African Power Pool
STEM - Short-term Energy Market
TPC – Triliões de Pés Cúbicos
TWH – Terawatt-hour
UE – União Europeia
UNDP - United Nations Development Program
USD – United States Dollar
WAPP – West African Power Pool
ZESA - Zimbabwe Electricity Supply Authority
ZRA - Zambezi River Authority
21
2. INTEGRAÇÃO REGIONAL E SEGURANÇA ENERGÉTICA
O PAPEL DE MOÇAMBIQUE NA ÁFRICA AUSTRAL
João Veiga Esteves
RESUMO
Dois dos maiores desafios que se apresentam ao continente africano
são o aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional e a
promoção da sua segurança energética. Os processos de integração regional
africanos ainda se deparam com variados obstáculos, desde a falta de
diversificação da atividade económica dos Estados vizinhos ao
subdesenvolvimento de infraestruturas transnacionais, entre outros. Por outro
lado, a deterioração do fornecimento elétrico em muitos países africanos e a
erupção de verdadeiras crises energéticas em vários deles deve-se
essencialmente ao aumento sustentado dos preços internacionais dos recursos
energéticos fósseis e às dificuldades reveladas por vários Estados africanos na
resposta ao aumento da pressão do lado da procura, aumento este motivado
sobretudo pelos fenómenos do crescimento demográfico, desenvolvimento
económico e urbanização das sociedades africanas.
Este trabalho tem como objetivo fundamental averiguar a possível
existência de um círculo virtuoso ligando a prossecução dos arranjos
22
institucionais de integração regional e o robustecimento da segurança
energética dos diversos Estados duma determinada região. Mais
concretamente, procura-se, numa primeira fase, apurar de que forma os
arranjos de integração regional facilitam o incremento do comércio
intrarregional e, no caso do setor energético, elencar posteriormente uma série
de benefícios de vários âmbitos que podem advir para os países africanos dum
crescimento do comércio energético intrarregional.
Através do caso de estudo concreto da região da África Austral, verifica-
se que a região pode vir a retirar vantagens significativas para o
robustecimento da sua segurança energética por via do aumento do comércio
energético intrarregional. Mais, conclui-se que Moçambique, com a sua posição
geoestratégica privilegiada e com as suas volumosas dotações energéticas,
pode assumir um papel preponderante na prossecução desta estratégia.
Código JEL: F15, O13, O19, Q43, R11
Palavras-chave: Integração Regional, Segurança Energética, África Austral
23
3. REGIONAL INTEGRATION AND ENERGY SECURITY
MOZAMBIQUE´S ROLE IN SOUTHERN AFRICA
João Veiga Esteves
ABSTRACT
Two of the present major challenges for the African continent are the
deepening of regional integration institutional arrangements and the
strengthening of its energy security. The African regional integration efforts still
face several obstacles, ranging from a poorly diversified economic activity of
neighboring countries to the underdevelopment of transnational infrastructures.
The growing inefficiency of electric supply networks in many African countries
and, indeed, some harsh surges of energy crisis in a few, are linked to a steady
increase of fossil energy resources international prices and to the meagre
results of several African countries in their efforts to cope with an increasing
demand pressure that is coming along with demographic growth, economic
development and fast urbanization in African societies.
This paper´s main goal is to establish whether or not is there a virtuous
circle linking the quest for regional integration institutional arrangements and the
strengthening of the energy security of several States in a given region. To put it
more accurately, the paper will start by trying to find out how do regional
24
integration arrangements help intraregional trade growth, and then proceed to
the energy field and identify an array of different kinds of benefits for African
countries that may come from a growing intraregional energy trade.
The specific case study of Southern Africa will enlighten the benefits for
the region´s energy security that come with a growing intraregional energy
trade. Also will it show how Mozambique´s exceptional geostrategic location
and significant energy resources can grant that country a leading role in the
matter.
JEL Code: F15, O13, O19, Q43, R11
Key-words: Regional Integration, Energy Security, Southern Africa
25
We must unite for economic viability, first of all, and then to recover our mineral
wealth in Southern Africa, so that our vast resources and capacity for
development will bring prosperity for us and additional benefits for the rest of
the world. That is why I have written elsewhere that the emancipation of Africa
could be the emancipation of Man.
Kwame Nkrumah, na Conferência da OUA no Cairo em 1964
26
5. Agradecimentos
Apesar de este trabalho de investigação resultar dum projeto individual,
ele não poderia obviamente ter sido levado avante sem o concurso de diversas
entidades e personalidades. Sinto-me portanto no dever de prestar alguns
agradecimentos.
À Câmara Municipal de Cascais, pela oportunidade concedida para
desenvolver este projeto de investigação. Um agradecimento especial ao Eng.
Milton Sousa e à Dra. Cláudia Filipa Ferreira, pela disponibilidade que sempre
demonstraram em tudo o que se referia ao trabalho.
Ao Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, por me ter
acolhido na primeira fase do meu trabalho, e muito concretamente às colegas
Marta Rosa e Bárbara Soares, pela sua cooperação e amizade.
Ao Eng. Mira Amaral, pela amabilidade de encontrar a sua apertada
agenda profissional espaço para me receber e orientar na discussão final deste
relatório.
A todas as personalidades contactadas ou entrevistadas, tanto em
Portugal como em Moçambique, pelos valiosos depoimentos que me
concederam.
Ao Instituto Superior de Economia e Gestão, pela minha formação
académica, e ao seu Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento,
pela permanente disponibilidade. Um agradecimento muito particular à
Professora Doutora Joana Pereira Leite, pela sua já usual simpatia e
27
disposição para acompanhar os progressos do meu trabalho, e sobretudo pelas
valiosas sugestões para a minha análise de campo.
Ao Dr. Ricardo Mota, delegado da Rádio Televisão Portuguesa em
Moçambique, pela amizade e contributo para que a minha adaptação a
Moçambique fosse a melhor possível e pelo seu testemunho sobre o tema do
projeto de investigação.
Ao Instituto de Apoio à Pequena e Média Empresa e à Inovação, pela
compreensão e apoio prestados durante a fase de candidatura ao Prémio
Bolsa de Investigação das Conferências do Estoril 2011.
À Marisa Bodião, por todo o apoio e incentivo que também me prestou
nos últimos meses da elaboração deste relatório
Finalmente, à minha família e amigos, que muito me ajudaram ao longo
deste projeto.
28
6. Prólogo
Este projeto de investigação foi efectuado pelo autor no âmbito da bolsa
concedida pelo prémio Bolsa de Investigação das Conferências do Estoril 2011,
evento organizado conjuntamente pela Câmara Municipal de Cascais e o
Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais.
O projeto procurou enquadrar-se no próprio espírito das Conferências do
Estoril 2011, Desafios Globais Respostas Locais. Assim, pretendeu demonstrar
como um dos maiores desafios que se coloca atualmente a um número
significativo de economias à escala global, o robustecimento da segurança
energética dos Estados, pode ser respondido duma forma eficaz e eficiente
através da implementação de políticas de cariz mais local ou regional,
designadamente o aprofundamento dos arranjos de integração regional. O
objetivo central das Conferências do Estoril 2011 foi a institucionalização dum
think tank sobre os impactos do fenómeno da globalização à escala
internacional. Neste sentido, este trabalho incide sobre uma das manifestações
mais evidentes deste fenómeno, a corrida aos recursos naturais, muito
particularmente os energéticos, que se constata à escala mundial, sobretudo
entre as maiores potências internacionais.
Para além deste relatório final, resultaram ainda da bolsa de
investigação várias participações do autor em conferências internacionais
relacionadas com a temática do processo de desenvolvimento africano.
29
7. Introdução
7.1. Introdução Geral
Os Estados africanos reconheceram há muito as potencialidades do
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional. Com efeito,
mesmo antes dos processos de independência e descolonização os principais
líderes independentistas africanos afirmaram que África teria muito a ganhar se
adotasse uma estratégia de congregação das várias comunidades africanas
sob a égide duma única estrutura e organização política. Esta linha de
pensamento, apelidada de pan-africanismo, recusava os limites territoriais e
fronteiras então estabelecidas no continente, declarando que não passavam de
criações fictícias do colonialismo europeu. Além disso, os pan-africanistas
acreditavam que a África só conseguiria assumir verdadeiramente a sua
independência política e estatuto internacional, bem como romper
definitivamente com o círculo vicioso do subdesenvolvimento, se os vários
Estados recém-criados unissem os seus esforços e se integrassem num único
bloco verdadeiramente continental.
Todavia, os primeiros esforços concretos de institucionalização de
blocos regionais em África demonstraram a falta de racionalidade económica
subjacente a muitos deles. Obstáculos de variadas ordens, como a falta de
diversificação das estruturas produtivas das diversas economias nacionais ou o
subdesenvolvimento das redes infraestruturais transnacionais africanas, têm
impedido o incremento nos volumes de comércio regional.
30
Perante este cenário, as autoridades governamentais da maioria dos
países africanos têm reafirmado sucessivamente o seu compromisso para com
o aprofundamento da integração económica nas respetivas regiões,
reconhecendo sempre os benefícios que dela podem decorrer. Esses
benefícios são de natureza variada, desde económicos a sociais e ambientais,
ou mesmo de índole mais estratégica.
No que se refere ao robustecimento da segurança energética, vários
países africanos têm vindo a experimentar crises energéticas graves. Estas
decorrem da incapacidade de muitos Estados para responderem
adequadamente à pressão do lado da procura de energia, especialmente e
elétrica. O aumento da procura deve-se sobremaneira à intensificação dos
fenómenos do crescimento demográfico, desenvolvimento económico e
urbanização das sociedades africanas. Além disso, a procura nos mercados
internacionais de recursos energéticos fósseis também tem aumentado,
motivada sobretudo pelo desenvolvimento económico das denominadas
economias emergentes. Tal tem provocado um aumento sustentado dos preços
internacionais dos recursos energéticos fósseis, que tem afetado as economias
africanas. Por outro lado, diversos Estados africanos apresentam um histórico
de subfinanciamento dos respetivos setores elétricos, impedindo estes de
realizarem os necessários investimentos de manutenção e expansão das
capacidades de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
As manifestações mais comuns das crises energéticas africanas são as
baixas taxas de cobertura territorial do acesso à eletricidade, particularmente
para as comunidades rurais, e os cortes e quebras frequentes no fornecimento
elétrico mesmo nos principais centros urbanos.
31
7.2. Objetivos do Trabalho
O objetivo central deste trabalho de investigação passa por atestar a
existência de um círculo virtuoso abrangendo o aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional e o robustecimento da segurança
energética dos países africanos. Este objetivo desdobra-se posteriormente em
vários objetivos intermédios, a saber:
aquilatar de que forma o aprofundamento dos arranjos institucionais
de integração regional económica facilitam e incrementam as
relações comerciais entre Estados vizinhos, com ênfase no comércio
energético intrarregional;
avaliar o impacto líquido do incremento do comércio energético
intrarregional no robustecimento da segurança energética dos
Estados duma determinada região, procurando desdobrar os
diversos impactos consoante a sua natureza;
sublinhar o contributo do robustecimento da segurança energética
dos países africanos para o seu próprio desempenho económico e
para o aumento do bem-estar das respetivas populações;
perspetivar como a aceleração do processo de desenvolvimento
económico dos países africanos pode, por sua vez, fomentar o
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional,
pela via da diversificação das estruturas produtivas dos diversos
Estados e pela maior capacidade de financiamento da expansão das
redes infraestruturais transnacionais.
32
Por outro lado, este trabalho de investigação pretende conseguir
responder satisfatoriamente a algumas questões iniciais fundamentais. Estas
questões são as seguintes:
1. Qual a evolução e o ponto de situação dos arranjos institucionais de
integração regional no continente africano?
2. Quais os principais obstáculos ao aprofundamento destes arranjos
institucionais de integração regional?
3. Que potencialidades tem o processo de integração regional para a
aceleração do desenvolvimento económico africano?
4. Como se encontram atualmente os setores energéticos e
designadamente os elétricos dos países africanos?
5. Quais as causas fundamentais das crises energéticas com que vários
países africanos se deparam neste momento?
6. Que impactos têm estas crises energéticas no desempenho
económico das economias africanas?
7. De que forma é que o aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional, que possibilita o incremento do comércio
energético intrarregional, pode contribuir para o robustecimento da
segurança energética dos Estados africanos?
8. Como pode o robustecimento da segurança energética dos países
africanos, ao fomentar o processo de desenvolvimento económico
das suas economias internas, concorrer para o aprofundamento dos
arranjos institucionais de integração regional no continente?
Este trabalho de investigação está integrado no âmbito das Conferências
do Estoril 2011, que pretende criar um think-tank para as questões
33
relacionadas com o fenómeno da globalização. Daí que ele procure ir mais
além da compreensão e exposição da temática apresentada, avançando com
algumas recomendações ao nível da policy-making para melhor enfrentar os
desafios que a integração regional e a segurança energética apresentam ao
continente africano.
Neste sentido, e procurando mais uma vez enquadrar este trabalho de
investigação no espírito das Conferências do Estoril 2011, procura-se expor
como as dinâmica próprias de uma determinada região são ou podem ser
influenciadas pelos fenómenos globais mais relevantes. No caso concreto,
demonstra-se como a região da África Austral pode encontrar respostas e
alternativas de cariz regional e local para o desafio que o fenómeno global da
segurança energética representa para o seu desenvolvimento económico.
7.3. Metodologia
Relativamente à metodologia utilizada, optou-se por uma combinação de
estratégias metodológicas distintas mas complementares, adotando-se para o
efeito uma perspetiva multidisciplinar e transdisciplinar sobre o tema e
procurando-se conjugar a informação de índole mais económica e financeira
com outros indicadores igualmente importantes como fatores sociais, políticos,
históricos, estratégicos e mesmo ambientais. Mais, procurou-se aplicar
diferentes técnicas de análise metodológica, conciliando técnicas quantitativas
com outras mais qualitativas, e também encontrar um equilíbrio entre métodos
34
etnográficos, como a observação participante do autor, e métodos sociológicos,
como a realização de entrevistas semiestruturadas.
No que se refere à tipologia deste trabalho de investigação, ele resulta
de uma pesquisa aplicada, na medida em que procura compreender a temática
em causa a partir da utilização de um determinado método analítico e da
constatação dos resultados e conclusões extraídas.
Já no que toca aos objetivos a que o trabalho se propõe, pode-se
considerá-lo como uma pesquisa de âmbito exploratório, visto que procura
realizar uma análise crítica sobre as dinâmicas fundamentais da temática
proposta.
Quanto aos procedimentos utilizados, o trabalho abrange tanto uma
pesquisa como a revisão da bibliografia especializada nas questões da
integração regional e da energia para África, pretendendo assim conciliar a
construção dum enquadramento teórico suficientemente consistente com o
ensaio de um estudo de caso concreto, para facultar uma análise empírica que
permita validar ou não as premissas teóricas atrás referidas.
O estudo de caso escolhido foi o da região da África Austral, com
particular incidência em Moçambique. Vários motivos concorreram para esta
decisão. Primeiro, a região da África Austral é porventura a região africana
onde os arranjos institucionais de integração regional estão mais incrustados
na realidade económica dos diversos Estados, e onde se pode observar
maiores volumes de comércio regional e assim capturar melhor e mais
facilmente as suas dinâmicas. Segundo, esta região é aquela que maiores
progressos tem evidenciado ao nível da integração regional no subsetor da
35
energia e eletricidade, e também aquela em que se registam os maiores
volumes de comércio energético intrarregional, logo onde se constatarão mais
e maiores benefícios deste. Terceiro, é das regiões do Mundo onde existe
maior quantidade e sobretudo diversidade de recursos energéticos, tanto
renováveis como não renováveis, pelo que as potencialidades em termos de
políticas económicas energéticas são significativamente mais amplas.
Quanto à escolha de Moçambique como país âncora do estudo de caso,
vários motivos levaram igualmente à sua eleição. Primeiro, a sua posição
geoestratégica privilegiada no seio da região, servindo como porta de acesso
ao mar a uma série de Estados vizinhos privados de acesso direto, o que por si
só potencia o volume e intensidade de relações económicas e outras entre
Moçambique e os seus vizinhos. Segundo, Moçambique detém um conjunto
significativo e diversificado de recursos energéticos, desde o carvão aos
recursos hídricos, ao gás natural e também ao petróleo, além dum potencial
assinalável em termos de energias renováveis - desde logo a hidroeletricidade,
mas também, e sobretudo, a energia eólica e a solar. Assim, este país oferece
um manancial de ângulos de análise muito interessante, permitindo a expansão
do leque de perspetivas consoante o recurso energético em questão.
Finalmente, Moçambique apresenta um histórico extenso de relações externas
ao nível do comércio energético intrarregional desde há várias décadas com
alguns dos seus vizinhos, sobretudo a África do Sul, mas também o Zimbabué,
o Malawi ou mesmo a Tanzânia, pelo que o país oferece uma base documental
e analítica extensa para se compreender as dinâmicas deste comércio ao nível
da África Austral.
36
Além da pesquisa e tratamento da literatura mais relevante sobre esta
temática, este trabalho de investigação compreendeu uma análise de campo
realizada pelo próprio autor, na tentativa de verificar e comprovar in loco as
dinâmicas referidas atrás e realizar um conjunto alargado de entrevistas
semiestruturadas. Neste sentido, o autor deslocou-se a Moçambique, mais
concretamente à capital Maputo, por um período de quinze dias. Durante este
período o autor obteve o testemunho de vinte e seis personalidades.
O autor procurou também recolher em Portugal o depoimento do maior
número de personalidades relevantes possível, tendo para o efeito conseguido
obter o testemunho de onze. Fora isso, o autor entrou em contacto, via email,
com personalidades relevantes nesta área temática que se encontram em
outros países da África Austral, para assim achar pontos de vista não
moçambicanos sobre as dinâmicas do comércio energético intrarregional na
África Austral. Neste sentido, o autor recebeu depoimentos de dez
personalidades, de países como África do Sul, Tanzânia, Zimbabué, Botswana
ou República Democrática do Congo, bem como de dirigentes de organizações
regionais como a SAPP (Southern African Power Pool) ou a RERA (Regional
Electricity Regulators Association of Southern Africa).
Tem-se assim que, no total, o autor conseguiu os depoimentos de
praticamente cinco dezenas de personalidades. A lista com todos os nomes
pode ser encontrada nos anexos deste trabalho.
Os critérios adotados para a seleção das personalidades a entrevistar
passaram essencialmente pelo domínio científico e profissional das temáticas
da integração regional e do setor da energia na região da África Austral. Por
37
outro lado, tentou-se alargar a base dos contactos para abranger os mais
variados setores que se debruçam sobre estas matérias. Neste sentido,
procurou-se auscultar as sensibilidades dos meios político, empresarial,
académico, jornalístico, diplomático, financeiro, da administração pública e
também das organizações internacionais mais proeminentes.
As questões levantadas durante estas entrevistas semiestruturadas
procuraram, numa primeira fase, aprofundar de forma separada os dois
fenómenos da integração regional na África Austral e do respetivo setor
energético, e, numa fase final, estabelecer as dinâmicas existentes entre os
dois e confirmar a existência de um círculo virtuoso que os integre. Como
entrevistas semiestruturadas que foram, elas não seguiram um modelo pré-
definido, pelo que o autor teve sempre a preocupação de adaptar quer o
conteúdo quer a forma das entrevistas consoante os conhecimentos e o grau
de participação dos entrevistados.
Finalmente, este trabalho de investigação procurou não se basear
apenas na literatura mais relevante ao nível internacional sobre esta temática,
nem tão pouco nos depoimentos obtidos durante as entrevistas. Assim, durante
a sua análise de campo em Moçambique o autor procurou complementar o
material que ia conseguindo com fontes bibliográficas locais, designadamente o
atual programa do Governo moçambicano, o corpo legislativo fundamental
sobre as políticas para a integração de Moçambique na África Austral e
exploração dos seus recursos energéticos, bem como notícias e artigos dos
principais órgãos de comunicação social moçambicanos.
38
7.4. Relevância e Motivação
A motivação fundamental para a escolha desta temática prende-se
sobremaneira com a sua atualidade e relevância, bem como o enquadramento
que tem com o próprio espírito e âmbito das Conferências do Estoril 2011.
Com efeito, o tema da segurança energética tem merecido um grande
destaque praticamente em todo o Mundo. A aceleração que se constata nos
processos de desenvolvimento das economias ditas emergentes ou BRICS faz
com que estes países prossigam uma política de garantia do acesso aos
recursos energéticos necessários para permitir a sua expansão económica. Por
outro lado, as tradicionais grandes potências internacionais são estruturalmente
bastante dependentes de recursos energéticos para manterem os seus
padrões de desenvolvimento. Tem-se, assim, registado um aumento
significativo da procura de recursos energéticos à escala global, provocando
uma verdadeira corrida pela garantia de acesso aos mesmos. A segurança
energética tornou-se ultimamente, sobretudo nas últimas duas décadas, uma
das questões estratégicas fundamentais em todo o globo.
Esta corrida aos recursos energéticos à escala global tem recolocado o
continente africano no centro da política externa de muitas potências
internacionais, dados os seus imensos recursos energéticos. Também por isto,
muitos líderes africanos têm ressuscitado o debate sobre a necessidade de os
diversos Estados africanos aprofundarem a sua integração à escala regional,
visando não só aproveitar este enfoque no continente para afirmarem cada vez
mais os interesses africanos nas principais arenas internacionais, como
39
também formar blocos económicos competitivos capazes de capturar
convenientemente todos os benefícios decorrentes desta nova vaga de
investimento direto estrangeiro orientado para a exploração dos recursos
naturais africanos.
Dentro do continente africano, Moçambique tem vindo muito
recentemente a adquirir uma importância geoestratégica assinalável, com a
descoberta e exploração de recursos energéticos como o carvão e gás natural
e o contributo que estes podem dar para a prossecução das políticas de
promoção da segurança energéticas das diversas economias regionais e de
aumento das taxas de acesso à eletricidade, tanto urbanas como rurais. Deste
modo o próprio estudo de caso é dos mais atuais em todo o panorama
continental e mesmo global.
Outra motivação central para a escolha desta temática é o encaixe que
faz com o espírito e âmbito das Conferências do Estoril 2011. O estudo do
modo como uma estratégia local, protagonizada pelo aprofundamento dos
arranjos institucionais de integração regional, pode servir de resposta a uma
das manifestações mais marcadas do fenómeno da globalização, a corrida aos
recursos naturais para proteção da segurança energética dos Estados, radica
no espírito das Conferências do Estoril 2011, materializada no tema “Desafios
Globais, Respostas Locais”.
Finalmente, a temática escolhida vai ao encontro das áreas de interesse
do próprio autor, muito orientado para as questões da integração regional no
continente africano e das políticas de desenvolvimento económico adotadas
pelos Estados africanos.
40
7.5. Estrutura e Organização
A própria estruturação deste projeto de investigação pretendeu adequar-
se ao espírito do lema das Conferências do Estoril, tentando realizar um
desdobramento progressivo entre as realidades global e local.
Assim, o trabalho começa pelo necessário enquadramento teórico dos
conceitos fundamentais nele tratados, concretamente a integração regional e a
segurança energética, nas suas várias dimensões e particularidades. De
seguida, restringe a análise destes dois conceitos ao cenário específico da
África Subsaariana, que apresenta uma série de particularidades demasiado
relevantes para serem ignoradas ou para serem apenas objecto de uma
análise excessivamente abrangente. Prosseguindo no aprofundamento do
espectro de análise, passa-se ao estudo das dinâmicas da integração regional
e segurança energética do caso particular da região da África Austral, que se
distingue de outras regiões do continente africano em questões fundamentais.
Finalmente, o âmbito de análise incide na realidade dum único país,
Moçambique, aprofundando certas notas mais importantes sobre algumas das
suas províncias. Finalmente, são apresentadas as conclusões fundamentais
retiradas pelo autor, bem como um conjunto de sugestões de políticas e
medidas que podem contribuir para a melhoria do cenário atual, num espírito
da promoção da policy-making.
41
7.6. Limitações
Tal como qualquer outro trabalho de investigação de índole académica,
também este apresenta as suas limitações. A principal terá sido porventura a
incapacidade do autor em estender o âmbito temporal e geográfico da sua
análise de campo, permanecendo mais tempo em Moçambique e estendendo
essa análise a alguns dos seus vizinhos, sobretudo a África do Sul, pelo papel
que desempenha na região, e ao Botswana, onde está localizada a sede da
SADC (Southern African Development Community) ou o Zimbabué, onde está
localizada a sede da SAPP (Southern African Power Pool).
42
8. Enquadramento Teórico
8.1. Integração Regional
8.1.1. Definição e Conceitos
Bothale (2010) define o processo de integração regional como o
conjunto de arranjos institucionais em que, por mútuo acordo, Estados vizinhos
removem as barreiras políticas, físicas, económicas e sociais existentes entre
si, e começam a colaborar na gestão de recursos partilhados e na provisão de
bens públicos regionais. Tal decisão decorre frequentemente da constatação
por esses Estados da existência de interesses, dificuldades e objetivos
comuns, levando-os a avançar com a integração das suas economias
domésticas, através da criação dum bloco económico regional único.
As experiências de integração regional têm como substrato teórico e
ideológico o conceito de regionalismo. Tsheola (2010) define-o como o
conjunto de ideias, valores e objetivos que pretendem transformar uma
determinada área geográfica num espaço regional perfeitamente identificável.
Já Correia (2008) afirma que as teorias da integração regional se baseiam
sobremaneira nas correntes da nova economia política e do institucionalismo,
segundo as quais a criação de organizações regionais e internacionais serve
muitas vezes como resposta a falhas de mercado e de coordenação entre os
vários Estados-membros. As manifestações mais comuns destas falhas de
43
mercado internacionais são a escassa provisão de bens públicos regionais ou a
descoordenação ao nível da gestão transnacional dos recursos comuns.
Dentro da noção geral de integração regional, convém distinguir entre
integração regional negativa ou passiva e integração regional positiva ou ativa
(Correia, 2008). Enquanto a primeira traduz os processos de remoção das
barreiras e restrições à liberdade de circulação de pessoas, bens e serviços, a
segunda refere-se à criação ou modificação de instituições próprias dos
processos de integração regional, sempre com o objetivo de promover o
comércio e coesão regionais. De referir que estas denominações de positiva e
negativa não comportam em si mesmas nenhum valor normativo.
Qualquer arranjo institucional de integração regional integra dois
fenómenos relevantes: a criação e o desvio de comércio.
O fenómeno da criação de comércio ocorre sempre que um país passa a
adquirir um determinado bem a um seu vizinho a um preço mais reduzido do
que no caso em que ele próprio o produzisse, pelo que se verifica uma
substituição progressiva do consumo de produtos nacionais, que têm custos
associados mais elevados, pelo consumo de produtos oriundos da região a
preços ou com condições melhores (Van Rooyen, 1998; Magaia, 2003). Daqui
decorre que, pelo menos teoricamente, a criação de comércio representa um
ganho de bem-estar para as populações, na medida em que têm acesso ao
mesmo tipo de bens mas a preços mais reduzidos ou com maior qualidade.
Magaia (2003) frisa ainda que a criação de comércio é mais passível de se
verificar em regiões onde previamente já existe um volume significativo de
trocas comerciais intrarregionais, pelo que é menos plausível que se verifique
44
em blocos económicos regionais com membros ainda em processo de
desenvolvimento, já que os volumes de comércio intrarregional a eles
associados têm menor dimensão.
Já o conceito de desvio de comércio traduz o fenómeno em que um
qualquer país, depois de acertar a sua adesão ao respetivo bloco regional,
deixa de importar de países terceiros para passar a importar de outros
Estados-membros, mesmo que os bens deles oriundos sejam mais caros ou de
pior qualidade. Esta situação advém da criação duma vantagem artificial por
meios alfandegários e/ou aduaneiros (Van Rooyen, 1998; Magaia, 2003).
Teoricamente, o desvio de comércio pode representar uma perda de bem-estar
para as populações, que, por enviesamentos provocados pelos arranjos
institucionais de integração regional, passam a ter acesso a bens e serviços de
pior qualidade ou com um preço final mais elevado. Todavia, Magaia (2003)
ressalva que este pode não ser necessariamente um efeito nocivo, se os
prejuízos de curto-prazo forem suplantados no longo prazo por modificações
estruturais positivas nas esferas produtivas do bloco regional, devidas
precisamente a este enviesamento aduaneiro em favor da região. Este é, por
exemplo, o princípio subjacente à teoria das indústrias nascentes, segundo o
qual o setor económico nacional necessita de ser apoiado e protegido numa
primeira fase, mesmo que não seja competitivo relativamente ao exterior, para
ganhar as experiência e know-how que lhes permitam vingar no mercado
internacional.
Posto isto, o impacto líquido dos arranjos institucionais de integração
regional no desenvolvimento e bem-estar duma determinada região não é
linear, dependendo da força relativa dos fenómenos do desvio e da criação de
45
comércio: quanto maior a preponderância da criação de comércio sobre o
desvio de comércio mais positivo o impacto destes arranjos no
desenvolvimento socioeconómico duma região. Doutro modo, os promotores
dos arranjos institucionais de integração regional devem procurar que estes
criem verdadeiras dinâmicas de produção e procura regionais, e não se limitem
a tentar desviar as dinâmicas já existente para o âmbito regional.
8.1.2. Etapas e Motivações
Os processos de integração regional seguem normalmente um percurso
de aprofundamentos sucessivos, quer no âmbito institucional quer no âmbito
regional. Assim, existem várias etapas distintas associadas aos arranjos
institucionais de integração regional: zona de comércio livre, união aduaneira,
mercado comum, união económica, união monetária e união política (Van
Rooyen, 1998; Ennes Ferreira, 2005; Chiau, 2008). Tal não significa que todos
os arranjos institucionais de integração percorram todas estas etapas e
exatamente desta forma. Com efeito, a maioria dos esquemas existentes ainda
não atingiu o estádio final de integração política, e alguns deles superaram
certas etapas intermédias, avançando diretamente para fases posteriores e
mais profundas da integração regional.
Por zona de comércio livre entende-se o arranjo institucional em que os
Estados-membros decidem abolir certos obstáculos ao comércio intrarregional,
designadamente barreiras aduaneiras e alfandegárias ou restrições
quantitativas às importações e exportações. No entanto, cada Estado-membro
46
mantém a sua própria política comercial e pauta aduaneira relativamente ao
exterior (Chiau, 2008; Correia, 2008).
A união aduaneira representa uma progressão relativamente à zona de
comércio livre, pois já pressupõe a introdução duma única pauta aduaneira
externa comum do bloco regional relativamente ao exterior. Para Alfieri et al
(2006), uma das vantagens da união aduaneira sobre a zona de comércio livre
é o facto de, aplicando-se a mesma pauta aduaneira externa por toda a região,
se eliminar os custos com o controlo das fronteiras e se tornar as regras de
origem desnecessárias, dessa forma se reduzindo os custos de transação.
O mercado comum representa um novo avanço relativamente à união
aduaneira, visto que prevê a abolição de todas as restrições à liberdade de
circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, ou seja, adota a abolição de
todas as restrições de movimento a todos os fatores produtivos (Chiau, 2008;
Correia, 2008).
A união económica representa uma fase posterior ao mercado comum,
em que os Estados-membros adotam uma política económica e social comum,
visando a promoção da coesão intrarregional. Esta fase pressupõe igualmente
a criação de instrumentos de coordenação e harmonização das políticas
económicas macroeconómicas domésticas e a progressiva substituição da
legislação interna por uma legislação regional comum.
Também a união monetária representa uma evolução relativamente à
união económica, pois abarca igualmente a criação e institucionalização de
uma moeda única, e a necessária coordenação das políticas financeira e
orçamental dos diversos Estados-membros (Correia, 2008).
47
Finalmente, a união política constitui o estádio último dos arranjos
institucionais de integração regional. Para além da união económica, os
Estados-membros adotam políticas fiscais, orçamentais e monetárias comuns,
e criam organizações supranacionais com capacidade vinculativa para todos os
Estados-membros (Chiau, 2008: 15).
Este aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional
deve ser realizado duma forma gradual, de modo a que os países consigam
absorver convenientemente os impactos que eles acarretam. Quanto maior o
grau de profundidade dos arranjos institucionais de integração regional maior a
dificuldade em harmonizar eficazmente todos os diferentes interesses dos
Estados-membros, pelo que é necessário ir acomodando da melhor forma
esses interesses (Gonçalves, 2005). Além disso, quanto mais profundo o grau
de integração regional maiores as implicações em termos de transferência de
poderes soberanos dos Estados-membros para as respetivas organizações
regionais, e, consequentemente, maior o compromisso daqueles para com os
ideais regionais.
Relativamente ao âmbito regional dos arranjos institucionais de
integração regional, Ennes Ferreira (2005) afirma que este se aproxima tanto
mais do seu ponto ótimo quanto mais conjugada for a dimensão territorial do
espaço económico regional com a complementaridade das estruturas
produtivas das diversas economias domésticas.
A adesão dos Estados aos arranjos institucionais de integração regional
pode ficar a dever-se a uma série de motivações distintas. A motivação básica
para a criação de blocos regionais é a constatação pelos diversos Estados-
48
membros de que a resposta às suas necessidades básicas é mais fácil quando
realizada de forma conjunta e coordenada. Já Bothale (2010) distingue três
objetivos centrais em qualquer arranjo institucional de integração regional:
estabilidade política, desenvolvimento económico e provisão coordenada de
bens públicos regionais.
Centrando a análise nas motivações económicas para a implementação
de arranjos institucionais de integração regional, verifica-se que elas vão desde
o aumento da produção, decorrente do processo de especialização, aos
ganhos de eficiência daí decorrentes e ao redimensionamento do mercado
potencial. Chichava (2011) sublinha mesmo que atualmente esses processos
têm como uma das suas maiores motivações a captação de volumes
superiores de IDE e a potenciação de economias de escala. Muitos dos
esforços de adesão a blocos económicos regionais prendem-se com a
necessidade de contornar obstáculos ao desenvolvimento económico, de que
são exemplo certas limitações geográficas ou demográficas, quando não de
prevenir ou pelo menos atenuar algum dos impactos nocivos do fenómeno da
globalização (Chichava, 2011; Gonçalves, 2005; Magaia, 2003).
Contudo, as motivações para os arranjos institucionais de integração
regional não se cingem unicamente às de índole económica. Pode-se dar o
caso em que Estados vizinhos procuram institucionalizar arranjos de
cooperação e integração mais motivados por fatores extraeconómicos, como a
promoção da paz, segurança e estabilidade (Bothale, 2010; Chichava, 2011).
Os arranjos institucionais de integração regional podem ser igualmente
motivados pela necessidade de as economias nacionais evitarem a rigidez e
desigualdades do atual sistema comercial internacional promovido pela OMC,
49
com Estados vizinhos a procurarem combater a sua falta de peso nas arenas
internacionais e a tentarem uma voz mais ativa e audível nas grandes
organizações internacionais, como a já referida OMC, o FMI ou mesmo o BM
(Chichava, 2011; Magaia, 2003). Finalmente, os arranjos institucionais de
integração regional na esfera económica podem ser encarados como uma
etapa ou instrumento de promoção de objetivos mais ambiciosos como a
institucionalização da integração regional política.
8.1.3. Pré-requisitos e Benefícios
Os arranjos institucionais de integração regional, para serem bem-
sucedidos, precisam que se cumpram alguns pré-requisitos de vária ordem na
respetiva região. O pré-requisito fundamental para o sucesso de qualquer bloco
económico regional é avançado por Correia (2008): os diversos Estados-
membros devem ter uma capacidade produtiva própria, de modo a que haja
uma oferta regional suficientemente dinâmica para aproveitar as
potencialidades da própria integração económica. Já Chichava (2011) defende
que o desenvolvimento sustentável duma região exige alguns pré-requisitos,
designadamente: boa governação económica e financeira, política monetária
que permita taxas de inflação e de juro reduzidas, taxas de poupança elevadas,
défices orçamentais controlados e políticas de promoção das exportações. Van
Rooyen (1998) acrescenta a estes requisitos a estabilidade política e
económica na região, o compromisso político das autoridades nacionais para
com os projetos regionais, a consulta das sociedades civis e comunidades
50
locais, e a transparência e responsabilização das estruturas regionais. De notar
que, quando se refere o compromisso político das autoridades nacionais para
com os projetos regionais, está-se a falar concretamente do compromisso dos
diversos Estados-membros com a transferência de poderes soberanos para os
novos organismos regionais. Dinka & Kennes (2007) salientam que esse
compromisso é tanto mais difícil quanto mais recente é a formação dos
Estados soberanos, designadamente quando estes se envolveram em conflitos
regionais ou resultaram de lutas de libertação.
Tem-se assim que muitos dos requisitos para uma integração regional
bem-sucedida são de índole nacional: paz e segurança domésticas,
compromisso político de longo prazo, estabilidade macroeconómica, taxas de
câmbio liberalizadas e reformas económicas adequadas (Ndulu et al 2005).
Esta dicotomia entre políticas regionais e instrumentos nacionais levanta
alguns problemas de coordenação, levando mesmo Ennes Ferreira (2005) a
asseverar que o sucesso dum qualquer processo de integração regional
depende sempre em certa medida da capacidade dos seus membros em
harmonizarem as suas políticas domésticas. Finalmente, Van Rooyen (1998)
destaca a importância de dois outros requisitos para a integração regional: um
grau de interdependência e cooperação entre as economias domésticas
relevante, que pode ser robustecido pelas atuais iniciativas de desenvolvimento
espacial, e a existência de relações de cooperação ao nível bilateral entre os
diversos Estados duma região. Esta cooperação bilateral não deve ser vista
como um obstáculo ao aprofundamento da cooperação multilateral, mas sim
como um seu elemento facilitador e mesmo potenciador.
51
Os arranjos institucionais de integração regional, quando implementados
eficazmente, podem trazer uma série de benefícios para uma dada região,
benefícios esses de natureza económica e não económica.
Começando pelos benefícios económicos, a teoria económica da
integração regional bebe muito da sua conceção na teoria das vantagens
comparativas de David Ricardo, que afirma que os países devem especializar
as suas economias para os bens e serviços que produzem melhor e mais
barato que os restantes países, com vantagens que podem até ser potenciadas
num cenário de remoção das barreiras e obstáculos ao comércio internacional
(Chiau, 2008). Ennes Ferreira (2005) frisa que uma das consequências dos
processos de integração regional é o alargamento dos mercados onde os
atores económicos operam, permitindo a estes aproveitar rendimentos
crescentes provenientes da exploração de economias de escala. Além disso,
esses processos permitem uma racionalização maior na exploração dos
recursos disponíveis e uma especialização produtiva crescente dos Estados-
membros. Este redimensionamento de vários mercados domésticos restritos
para um único mercado regional comum tem o condão de viabilizar projetos de
investimento de maior dimensão associada que de outra forma seriam inviáveis
(Alfieri et al, 2006). De modo sucinto, os arranjos institucionais de integração
regional, ao facilitarem e promoverem o comércio intrarregional, têm potencial
para reativarem o crescimento económico da região, na medida em que
fomentam as exportações dos Estados-membros.
Um dos aspetos mais referidos no que toca aos benefícios líquidos dos
arranjos institucionais de integração regional prende-se com o impacto que
estes têm ao nível das receitas públicas, muito particularmente das receitas
52
aduaneiras. Está comprovado que este impacto não é linear, dado que as
perdas de curto-prazo ao nível das receitas aduaneiras decorrentes do
desarmamento tarifário dos arranjos institucionais de integração poderão ser
compensadas a longo prazo pela dinamização da economia e pela capacitação
dos tecidos empresariais domésticos. Esta dinamização da economia, ao
reativar o crescimento económico, vai provocar um aumento das receitas
fiscais pela via da coleta do rendimento das pessoas e empresas. Mais, o
desarmamento tarifário provoca uma quebra nas receitas aduaneiras e
incentiva o incremento no volume das importações. Assim, se o desarmamento
não for total, este crescimento das importações pode minorar o impacto da
quebra das receitas aduaneiras (Correia, 2008; Magaia, 2003; UNDP, 2011).
Os arranjos institucionais de integração regional têm um impacto mais
direto e positivo sobre o desenvolvimento humano das comunidades locais. A
integração regional, ao levar à substituição da produção doméstica de menor
qualidade ou mais cara por importações de Estados vizinhos, leva a um
aumento da qualidade de vida das populações (Chichava, 2011). O próprio
aumento da concorrência induzido pelo redimensionamento do mercado onde
os agentes económicos operam pode levar à eliminação de ineficiências
produtivas estruturais nas economias dos Estados-membros, elevando dessa
forma os padrões de produção e de consumo.
Os processos de integração regional podem provocar alterações radicais
nas estruturas produtivas das economias dos respetivos Estados-membros.
Correia (2008) defende que esses processos podem mesmo favorecer a
industrialização e modernização económica dos Estados-membros, pois, ao
provocarem uma redução real no valor das importações, permitem a
53
importação de maquinaria e capital indispensáveis para o processo de
industrialização. Já Magaia (2003) crê que o redimensionamento dos mercados
domésticos decorrente do aprofundamento da integração regional pode facilitar
a diversificação da estrutura económica, ao incentivar o investimento em
setores económicos subexplorados.
Apesar de muitas vezes o enfoque dos benefícios da integração regional
incidir no âmbito económico, existem muitos outros de natureza não
estritamente económica que são igualmente relevantes. O aumento do
comércio intrarregional provoca uma maior interdependência entre as
economias vizinhas, logo cada país sofre impactos negativos se algo de menos
bom suceder nas economias vizinhas, pelo que a integração regional pode ser
um instrumento importante de prevenção de conflitos regionais (Bothale, 2010).
Mais, o aumento do comércio intrarregional implica um maior contacto entre as
pessoas e os governos de países vizinhos, familiarizando cada vez mais estes
com os bens e serviços oferecidos pelos seus vizinhos e construindo um
entendimento crescente e mais positivo entre as diferentes culturas. Esta
compreensão mútua entre Estados-vizinhos é um elemento importante na
procura da harmonização de interesses divergentes característico do
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional. Finalmente,
o incremento do comércio intrarregional, ao fomentar relações de confiança
entre Estados vizinhos, permite evitar custos de prevenção de conflitos.
A UNDP (2011) diferencia quatro canais de distribuição dos benefícios
da integração regional para o desenvolvimento humano: rendimento, acesso a
bens e serviços, empowerment e sustentabilidade.
54
Começando pela sustentabilidade ambiental, refira-se que o
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional, ao promover
a gestão conjunta dos recursos naturais, pode dar um contributo importante
para a sustentabilidade dos processos de desenvolvimento e para a resolução
de problemas ambientais e ecológicos, eles próprios de natureza tipicamente
regional ou mesmo global. A integração regional pode contribuir para uma
exploração mais sustentável dos recursos naturais à escala regional, impondo
standards e normas legais que impeçam a sobreexploração
Os sectores da educação e da saúde podem ser igualmente
beneficiados com o aprofundamento do processo de integração regional, visto
que está comprovado que este promove o empowerment e a produtividade das
populações (UNDP, 2011). Esta questão do empowerment é particularmente
relevante. A remoção de barreiras à circulação de pessoas pode favorecer o
empreendedorismo feminino, com o aumento da sua participação no sector
laboral formal. Ao darem às comunidades locais a possibilidade de migrarem
em busca de melhores hipóteses de trabalho e de apoiarem as suas regiões de
origem com o envio de remessas, os arranjos institucionais de integração
regional concorrem para o empowerment das populações.
A UNDP (2011) avança três vias pelas quais a integração regional pode
contribuir para o combate às doenças infecto-contagiosas: em primeiro lugar,
as externalidades negativas deste tipo de doenças só podem ser enfrentadas
adequadamente à escala regional; por outro lado, as políticas de prevenção
destas doenças têm necessariamente de ter um âmbito geográfico regional; e
finalmente, o aumento da mobilidade das pessoas inerente ao aprofundamento
55
da integração regional permite o acesso aos melhores cuidados de saúde que
a região tem para oferecer.
8.1.4. Obstáculos, Instrumentos e Impactos
Os arranjos institucionais de integração regional deparam-se com uma
série de obstáculos no decurso do seu processo de aprofundamento. Ennes
Ferreira (2005) enuncia cinco tipos de obstáculos fundamentais: falta de
compromisso político das autoridades dos diversos Estados para com os
projetos regionais; dependência estrutural das regiões face a atores externos;
estabelecimento de prazos e calendários excessivamente ambiciosos;
redistribuição dos benefícios da integração regional entre os Estados membros
marcadamente desigual. A UNDP (2011) complementa esta lista com os
seguintes obstáculos: instabilidade macroeconómica, fragmentação económica,
sobreposição de adesões de países a mais que uma organização regional,
inadequação da rede infraestrutural, prevalência de doenças transmissíveis
como o HIV/SIDA.
Os arranjos institucionais de integração regional enfrentam igualmente
uma série obstáculos de natureza económica. O BAD (2010) aponta dois deles:
a fraca capacidade produtiva das economias domésticas e a escassa adição de
valor na cadeia de produção. Os constrangimentos à atividade do sector
privado também devem ser integrados nos obstáculos ao aprofundamento da
integração regional, visto que são esses agentes os grandes dinamizadores
dos arranjos institucionais de integração regional. Como afiançam Ndulu et al
56
(2005), a escassez de provisão de bens e serviços públicos aumenta os custos
operacionais das empresas privadas e diminui o leque de oportunidades de
negócio.
Um dos principais obstáculos ao aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional ao nível nacional é o fraco grau de
compromisso político das autoridades nacionais com os ideais e as
organizações regionais. Vários motivos podem concorrer para este cenário.
Dinka & Kennes (2007) avançam que o facto de os países menos
desenvolvidos duma determinada região serem os que têm mais a perder com
o processo de integração regional os leva a serem os menos entusiastas com
os projetos regionais e a dificultarem a prossecução do aprofundamento destes
arranjos institucionais. Tal deriva do facto empiricamente comprovado que a
dependência das receitas aduaneiras é inversamente proporcional ao
rendimento dum determinado país, pelo que são os menos desenvolvidos
duma dada região os mais afetados pelo aprofundamento do processo. Quanto
maiores as disparidades de níveis de desenvolvimento entre Estados-membros
maior a dificuldade em harmonizar interesses e objetivos, pois, como frisa
Ennes Ferreira (2005), cada vizinho tem o seu próprio poder económico, militar
e diplomático.
A existência de diferentes esquemas institucionais entre países vizinhos
é um dos maiores obstáculos ao aprofundamento da integração, porque
dificulta a necessária harmonização de enquadramentos legais e institucionais
dos vários Estados-membros. Por outro lado, Tsheola (2010) demonstra que a
adesão unilateral de países duma determinada região a iniciativas
internacionais ou globais acaba sempre por enfraquecer as respetivas
57
organizações regionais, na medida em provoca uma perda de importância
relativa destas.
Finalmente, um dos maiores obstáculos ao aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional é a manutenção de políticas protecionistas
de substituição de importações pelos Estados-membros, que em muito limita o
comércio intrarregional (Ennes Ferreira, 2005). Também Alfieri et al (2006)
destacam que obstáculos institucionais como regras de origem demasiado
restritivas podem ter o efeito adverso de criar obstáculos ao comércio
intrarregional, acabando por ir contra os objetivos do próprio aprofundamento
dos arranjos institucionais de integração regional.
Tais arranjos comportam em si mesmos importantes desafios
institucionais, na medida em que eles preveem a criação de instituições que
devem responder a ambições e expectativas de todos os seus Estados-
membros. Isso implica necessariamente a implementação de diversos
instrumentos institucionais e políticas regionais que permitam a efetivação dos
projetos regionais. O aprofundamento do processo de integração regional
passa muito pela institucionalização de mecanismos de prevenção e resolução
de conflitos, pela harmonização de enquadramentos legais e institucionais e
pela provisão de bens públicos regionais de que são exemplo as infraestruturas
transnacionais, os instrumentos de coordenação de políticas industriais e os
fundos de investimento regionais (Dinka & Kennes, 2007: 14). A UNDP (2011)
complementa esta lista com a abolição das restrições à liberdade de circulação
de pessoas, bens e capitais e a adoção de políticas monetárias e fiscais
comuns. Para uma fase posterior do aprofundamento destes arranjos
institucionais, Chichava (2011) avança com alguns outros instrumentos
58
importantes: i) troca e disseminação de informação entre Estados-membros
sobre os desempenhos económicos de cada um; ii) adoção de mecanismos de
monitorização dos desempenhos económicos de cada Estado; iii) definição de
metas e objetivos diferenciados para cada Estado-membro consoante o seu
nível de desenvolvimento. Relativamente a este último ponto, Van Rooyen
(1998) destaca o papel de princípios e instrumentos como geometria ou
velocidade variável.
Uma das dimensões centrais de qualquer arranjo institucional de
integração regional, é a política e cultural, pelo que Dinka & Kennes (2007)
defendem a criação de instrumentos económicos e financeiros de solidariedade
intrarregional que liguem os Estados mais e menos desenvolvidos de uma
determinada região.
Outro dos instrumentos mais relevantes consiste na gestão coordenada
e integrada dos recursos naturais duma região. A UNDP (2011) salienta a
importância destes instrumentos como forma de prevenção de conflitos
derivados da exploração não equitativa dos recursos comuns.
Finalmente, Bothale (2010) destaca a necessidade de se implementarem
mecanismos de monitorização e avaliação para os projetos de integração
regional que permitam identificar os principais obstáculos ao sucesso dos
mesmos e dessa forma removê-los rápida e eficazmente.
Como já foi referido, as infraestruturas desempenham um papel
importante no aprofundamento do processo de integração regional, ao ligarem
os vários mercados domésticos uns aos outros, o que requer algum grau de
cooperação regional (Ndulu et al, 2005). Além do mais, os benefícios da
59
integração regional podem ainda ser potenciados com investimentos na
edificação de infraestruturas internas e transnacionais, como é o caso concreto
dos denominados corredores de desenvolvimento (UNDP, 2011).
Os arranjos institucionais de integração regional acarretam sempre
impactos estruturais e estruturantes na organização económica e política dos
Estados-membros. No que se refere aos impactos económicos, Chiau (2008)
destaca dois fundamentais: o redireccionamento dos fluxos comerciais dos
Estados-membros para um âmbito mais regional, e o surgimento de novos
fluxos comerciais em resultado da remoção das barreiras aduaneiras e
consequente aumento da propensão para importar. Alfieri et al (2006)
complementam esta tese, demonstrando que a alteração do preço final das
importações, resultado da remoção das tarifas aduaneiras, provoca também
uma alteração estrutural nas dinâmicas da procura interna, conduzindo a uma
maior procura de importações. Correia (2008) destaca igualmente o impacto
favorável que os arranjos institucionais de integração regional têm sobre o
ambiente de negócios propício ao investimento, devido ao sinal positivo que
enviam aos agentes económicos privados. Este autor conclui que o impacto
duma união aduaneira será tanto mais positivo quanto: i) menores as barreiras
aduaneiras do bloco regional relativamente ao exterior; ii) maior o volume de
comércio intrarregional antes da institucionalização da união aduaneira; iii)
maior a homogeneidade de níveis de desenvolvimento entre os diversos
Estados-membros.
Porém, nem todos os impactos dos arranjos institucionais de integração
regional têm uma natureza positiva, pois implicam frequentemente a existência
de alguns custos de ajustamento às várias fases do aprofundamento destes
60
processos de integração regional. A UNDP (2011) frisa que tal facto leva à
necessidade de se adotarem políticas sociais adequadas e mecanismos de
solidariedade e compensação financeira entre Estados, visto que estes custos
de ajustamento assumem proporções distintas consoante os níveis de
desenvolvimento de cada Estado-membro.
Um dos impactos mais estudados verifica-se ao nível da criação de
emprego. Com efeito, a UNDP (2011) sublinha que a integração regional tem
uma relação muito direta e positiva com a produção e o rendimento nacional,
mas a relação com o emprego já não é tão linear, pois se, por um lado, cria
postos de trabalho em novos sectores económicos, por outro pode destruir
alguns já existentes nos setores tradicionais. Além disso, os processos de
integração regional podem traduzir-se numa aposta em sectores económicos
intensivos em capital e pouco geradores de emprego, como a extração de
recursos naturais, ou podem induzir a introdução de novas tecnologias, o que
leva sempre à destruição de algum emprego menos qualificado. Note-se ainda
que está mais uma vez empiricamente comprovado que o impacto da
integração regional no emprego, quer positivo quer negativo, não é distribuído
de forma equitativa pelos países vizinhos, por sectores económicos e por
classes sociais, o que poderá colocar alguma pressão nas tensões sociais
internas dos Estados-membros e nas respetivas relações externas.
61
8.1.5. Abordagem Neoliberal vs. Heterodoxa
De uma forma geral, existem três abordagens principais ao processo de
integração regional: as que confiam nas dinâmicas próprias do mercado, as
que assentam nas políticas adotadas pelas autoridades governativas, e a
denominada integração funcional (Van Rooyen, 1998).
Os arranjos institucionais de integração regional que confiam nas
dinâmicas do mercado pressupõem a redução ou mesmo remoção das
barreiras comerciais, de forma a potenciar o comércio intrarregional. A opção
por esta via não é consensual, pois se, por um lado, ela é a preferida nos
blocos económicos regionais em que o fenómeno da criação de comércio
suplanta o do desvio de comércio, por outro está empiricamente demonstrado
que os países com economias domésticas de menor dimensão normalmente
não têm as condições iniciais necessárias para aproveitar as vantagens da
integração regional por esta via.
Já a abordagem dirigista dos arranjos institucionais de integração
regional parte do pressuposto de que o processo de industrialização tem que
avançar como pré-requisito para a via do mercado e defende que a intervenção
estatal é necessária para garantir a distribuição equitativa dos benefícios da
integração regional. Van Rooyen (1998) acredita que esta abordagem tem a
vantagem de reduzir potenciais fontes de conflito e tensão, elementos sempre
perturbadores do aprofundamento dos esquemas de integração regional.
Finalmente, a abordagem da integração regional funcional afiança que a
cooperação regional num determinado sector económico pode ter efeitos
62
positivos de disseminação do espírito de cooperação para outras áreas, os
chamados efeitos spill-over. Por exemplo, a cooperação regional na área
económica pode ter efeitos positivos que acelerem e facilitem a cooperação e
integração na esfera política. Esta abordagem implica não só a cooperação no
planeamento e implementação de projetos comuns como também a
participação de muitas outras organizações para além das entidades estatais.
Daí que ela seja por muitos considerada como uma abordagem bottom-up.
Mais, nos arranjos institucionais de integração regional menos bem-sucedidos
a abordagem da integração funcional pode remover alguns obstáculos
institucionais importantes.
Como referem Alfieri et al (2006), a opção por uma estratégia de
integração tem impactos ao nível do investimento, ambiente de negócios e
criação de comércio. Duas perspetivas fundamentais opõem-se nesta área: as
abordagens neoliberais e as perspetivas mais heterodoxas.
Os académicos partidários da abordagem neoliberal da integração
regional afirmam que os arranjos institucionais de integração regional são uma
etapa prévia na prossecução do comércio livre à escala global, e que os
processos de globalização e liberalização económica são praticamente
irreversíveis, pelo que não resta alternativa válida aos Estados senão
adaptarem-se a esta realidade e procurarem retirar dela o máximo de
benefícios (Gibb, 1998). O argumento principal dos que defendem a
liberalização e abertura dos mercados domésticos é que tal estimula a
especialização e o aproveitamento de vantagens comparativas, aumentando os
níveis de produção interna pela via das economias de escala, o que por sua
63
vez potencia a competitividade dos blocos económicos regionais (Chiau, 2008;
Dinka & Kennes, 2007).
Esta abordagem não tem conseguido evitar uma série de críticas às
suas conceções teóricas. Pallotti (2004) assegura que ela descura dois aspetos
importantes: 1) a redefinição das relações de poder entre Estados, e dentro
destes, motivada pelo processo de integração regional; 2) a possibilidade de
estratégias alternativas de desenvolvimento mais apropriadas para o contexto
próprio dos PVD. Gibb (1998) favorece esta posição, demonstrando que as
análises neoliberais sobre o impacto da integração económica nos PVD não
chegam a conclusões definitivas quanto a variáveis como o bem-estar e
rendimento ou produtividade das economias domésticas. As críticas à
perspetiva neoliberal dos arranjos institucionais de integração regional passam
também pela desconstrução crítica dos seus pressupostos teóricos. Bothale
(2010) defende que o incremento das trocas comerciais não implica
necessariamente crescimento económico ou desenvolvimento, visto que é uma
condição necessária mas não suficiente. Também Pallotti (2004) sustenta que,
ao contrário do defendido pelas correntes neoclássicas e neoliberais, o
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional não implica
necessariamente a convergência entre os todos os Estados-membros, mas sim
a transição rápida de alguns deles de um contexto de subdesenvolvimento para
uma situação de desenvolvimento. Gibb (1998) conclui que os esquemas de
integração regional não se podem resumir à liberalização do comércio,
devendo incluir também a implementação de políticas industriais regionais e de
mecanismos de solidariedade regional, de forma a fomentar processos de
transformação estrutural das economias dos Estados-membros. Magaia (2003)
64
sublinha a necessidade de se adotar uma posição crítica perante a abordagem
neoliberal da integração regional, que apresenta um enfoque excessivo nos
fenómenos da criação e desvio de comércio relativamente às mudanças
estruturais nas economias nacionais resultantes da integração regional.
As abordagens consideradas mais heterodoxas centram a sua análise
dos arranjos institucionais de integração regional nos impactos que estes têm
nas estruturas produtivas nos Estados-membros e nas possíveis ruturas
estruturais, bem como nos spill-overs e externalidades que podem ser
originados no processo de integração regional. Van Rooyen (1998)
complementa esta tese advogando que a abordagem ideal para a integração
regional e para o desenvolvimento deve ser flexível, inclusiva, e adaptável, com
elementos de cooperação, coordenação e integração em diferentes sectores.
8.1.6. Evolução Histórica e Organizações Regionais
O próprio conceito de arranjo institucional de integração regional sofreu
ao longo do tempo uma evolução nos seus princípios teóricos. De acordo com
Correia (2008), o conceito de integração regional atual advém dos princípios da
década de cinquenta, traduzindo o fenómeno da crescente interdependência de
economias domésticas isoladas. Nessa altura, o Mundo tinha fresca na
memória a dilaceração provocada pelas primeiras duas guerras mundiais, e as
principais potências constatando em primeiro lugar que a necessária
reconstrução das suas economias domésticas sairia significativamente
facilitada se elas entrassem em esquemas de cooperação internacional e
65
procurassem integrar as suas economias internas, constataram também que
os arranjos institucionais de integração regional seriam um instrumento
relevante e eficaz para garantir que nunca mais o Mundo assistisse a uma
tragédia como uma guerra mundial.
Mais tarde, concretamente desde os anos oitenta, verificou-se um novo
modelo de regionalismo, em que, além da cooperação económica, se tem em
consideração aspetos políticos, culturais e sociais (Bothale, 2010). Mais,
Pallotti (2004) encontra uma rutura temporal nos objetivos dos esquemas de
integração regional, visto que as motivações de autarcia e solidariedade
continental que estiveram presentes no início do processo de integração
regional foram substituídos por princípios de liberalização comercial.
Os arranjos institucionais de integração regional pressupõem geralmente
a criação de organizações regionais que são mandatadas para gerir o processo
de aprofundamento desses arranjos. Tsheola (2010) destaca a importância
destas organizações, sobretudo na facilitação da implementação de estratégias
de desenvolvimento regionais e sub-regionais e no encorajamento aos países
para realizarem investimentos concertados e coordenados. O mesmo autor crê
ainda que estas organizações regionais podem e devem assumir uma postura
mais pró-ativa na promoção da diversificação produtiva dos seus Estados-
membros. Contudo, constata-se um efeito dinâmico entre o aprofundamento
dos arranjos institucionais de integração e a própria concretização das
respetivas organizações regionais, dado que o incremento nos volumes de
comércio intrarregional permite identificar mais claramente estas organizações
como blocos comerciais e económicos regionais.
66
8.1.7. Idiossincrasias da Integração Regional
Posto isto, torna-se necessário ressalvar que os arranjos institucionais
apresentam sempre características próprias, dificilmente replicáveis, dadas as
especificidades e idiossincrasias dos Estados-membros dentro de cada bloco.
Assim, as teorias económicas da integração regional não podem nunca
descurar as idiossincrasias de cada região, pelo que é essencial adaptar
sempre estas teorias aos contextos regionais concretos (Correia, 2008; Ennes
Ferreira, 2005). Por outro lado, Van Rooyen (1998) defende que qualquer
processo de integração regional deve começar por reconhecer as disparidades
e desigualdades entre Estados, visto que uma das características mais
relevantes dos processos de integração regional é a natureza desigual da
distribuição dos benefícios entre os membros. Daí resulta que o
aprofundamento da integração regional, ao colocar em pé de igualdade
economias com diferentes níveis de desenvolvimento, pode ter o efeito adverso
de agravar os fossos existentes entre elas. Além disso, Chichava (2011)
observa que quanto mais diferenciados forem os níveis de desenvolvimento
entre Estados-membros mais difíceis de alcançar são os consensos
necessários ao aprofundamento dos arranjos institucionais de integração
regional. Durante o aprofundamento do processo de integração é necessário
estabelecer critérios de assimetria, conceito que exprime o tratamento
diferenciado para países em estádios de desenvolvimento distintos.
Esta necessidade de diferenciar contextos diversos no quadro dos
arranjos institucionais de integração regional é particularmente relevante para a
67
dicotomia existente entre os países mais desenvolvidos e os ainda em
desenvolvimento. Ennes Ferreira (2005) frisa que o princípio da teoria clássica
da integração económica segundo o qual um dos ganhos principais passa pela
especialização produtiva não se aplica no contexto dos PVD, visto que o
comércio intrarregional é muito reduzido e portanto insuficiente para incentivar
os países a especializarem-se. Por outro lado, Van Rooyen (1998) defende que
para os PVD, ao contrário dos PD, os arranjos institucionais de integração
regional não constituem um fim em si mesmo, antes um instrumento de
prossecução do processo de desenvolvimento. Eles são utilizados como
instrumento de promoção de processos de industrialização, já que permitem
eventualmente aceder à maquinaria necessária à industrialização a um preço
mais reduzido (Magaia, 2003).
Finalmente, Bothale (2010) defende a intervenção dos atores não
estatais no processo de aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional, sobretudo na fiscalização da intervenção das organizações
regionais, na consciencialização das sociedades civis ou no empowerment de
determinados grupos sociais mais desprotegidos perante os impactos dos
esquemas de integração regional.
68
8. Enquadramento Teórico
8.2. Segurança Energética
8.2.1. Definição e Determinantes
O conceito de segurança energética pode ser traduzido como o grau de
facilidade com que determinada economia acede aos recursos energéticos de
forma a garantir aos seus agentes económicos um abastecimento energético
estável, barato e de qualidade (Bazilian & Nussbaumer, 2010). A prossecução
da segurança energética é um elemento central na promoção de qualquer
processo desenvolvimento económico sustentável em qualquer país ou região.
Esta temática tem vindo cada vez mais para o centro dos debates políticos,
sobretudo devido ao aumento da volatilidade dos preços dos recursos
energéticos nos mercados internacionais e às convulsões sociais que se têm
verificado em alguns dos principais países produtores de recursos energéticos.
Perante tal cenário, Kiratu (2011) descortina que as políticas de promoção da
segurança energética têm visado alargar as fontes energéticas de modo a
minimizar o risco de falhas ou quebras no abastecimento de energia. A
promoção da segurança energética é passível de ser alcançada através de
várias estratégias e políticas, cada uma com diferentes implicações diretas
tanto nas relações internacionais como no fenómeno das alterações climáticas.
Neste sentido, a via proposta, por exemplo, pelo Banco Mundial (2011) passa
69
pela abertura dos sectores energéticos nacionais ao mercado internacional
como forma de se assegurar um sector energético mais eficiente e sustentável.
Um dos fatores que mais tem contribuído para o recrudescimento das
preocupações com a segurança energética dos Estados é o aumento da
pressão do lado da procura derivado do crescimento económico global,
sobretudo de algumas das principais potências económicas mundiais. O
crescimento económico e a agudização do fenómeno da urbanização em
algumas regiões do globo têm provocado um aumento da procura e consumo
de recursos energéticos, prevendo-se um crescimento ainda mais acentuado
nas próximas décadas. Rosnes & Vennemo (2009) demonstram empiricamente
que os ritmos de crescimento económico afetam diretamente a procura de
eletricidade, pois quanto maior o rendimento disponível das pessoas maior a
sua apetência para consumirem, e também maior a capacidade dos Estados
para responderem a esta procura através de programas de expansão das
capacidades de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
A relação entre o crescimento económico e o abastecimento energético
assume um caráter biunívoco. A má qualidade do abastecimento tem um
impacto negativo empiricamente comprovado nos ritmos de crescimento
económico. Com efeito, Bazilian & Nussbaumer (2010) sustentam que um
acesso instável e dispendioso à energia coloca obstáculos à atividade
económica e ao crescimento, com uma incidência particularmente negativa na
produtividade das diversas economias. Por outro lado, há países que se vêm
confrontados com verdadeiras crises energéticas por evidenciarem tendências
simultâneas de aumento da procura de energia e esgotamento da capacidade
da oferta, ou seja, conjugarem dois fenómenos: o aumento da procura de
70
eletricidade derivado do crescimento demográfico e económico e o
subfinanciamento dos respetivos sectores energéticos (Eberhard et al, 2008).
Dois dos recursos energéticos que têm visto a sua procura aumentar
exponencialmente nos últimos anos são o petróleo e o gás natural.
No que se refere aos recursos energéticos petrolíferos, Rolo & Tschanze
(2008) apontam duas tendências atuais fundamentais: a diminuição
progressiva das suas reservas e o aumento sustentado do seu preço
internacional. As flutuações do preço internacional do petróleo têm
consequências tanto nos países consumidores como nos produtores, na
medida em que estes últimos normalmente são muito dependentes das suas
exportações. A empresa petrolífera Total (2007) aponta mesmo que desde
2000 o crescimento económico mundial, em grande medida devido à
emergência dos BRICS, tem feito pressão acrescida sobre a procura mundial
de recursos energéticos, sendo que este grupo de países pode ser responsável
por sensivelmente 70% do aumento da procura futura de recursos energéticos
petrolíferos. Perante este cenário de aumento da procura, as grandes
potências internacionais têm tentado assegurar desde logo o seu
abastecimento normal de recursos energéticos, e assim robustecer a sua
segurança energética. É por isso que Cruz (2007) afirma que os recursos
energéticos petrolíferos têm vindo a ganhar uma importância tal que os eleva a
serem um dos fatores centrais da segurança dos Estados e mesmo das
relações de cooperação ou conflitos entre eles. O mesmo autor sustenta que o
aumento da exploração e prospeção de recursos petrolíferos, sobretudo para
as águas denominadas profundas e ultra-profundas, tem levado a um
recrudescimento de tensões entre Estados vizinhos devido a disputas
71
territoriais, em grande parte potenciadas pela fraca delimitação das zonas
económicas exclusivas. Outro aspeto relevante nas dinâmicas dos recursos
energéticos petrolíferos é o facto de os países produtores de petróleo utilizarem
frequentemente as suas reservas como arma de arremesso nas principais
arenas internacionais (Levi, 2010). Além disso, a oferta mundial de recursos
energéticos é severamente afetada pela instabilidade política de alguns dos
maiores fornecedores internacionais, como o Iraque, Irão, Nigéria ou mesmo
Venezuela (Total, 2007), o que tem conferido às companhias petrolíferas
nacionais um papel de crescente relevo nas discussões sobre a segurança
energética.
Relativamente ao gás natural, este recurso energético tem vindo a
ganhar uma preponderância crescente, sobretudo graças à descoberta de
novas reservas e às melhorias obtidas no transporte, armazenamento e
distribuição até ao consumidor final. Aliás, Levi (2010) sublinha que o comércio
de gás natural tem um impacto maior que os recursos petrolíferos nas relações
entre Estados, visto que ele requer investimentos volumosos e projetos de mais
longo prazo.
8.2.2. Paradigmas Energéticos e Energias Renováveis
Um componente central de qualquer política de promoção da segurança
energética é o processo de tomada de decisão relativo ao paradigma
energético a adotar. Rosnes & Vennemo (2009) destacam que o paradigma
energético de qualquer Estado ou região depende dos seus recursos
72
energéticos próprios, pelo que a abundância de um determinado recurso
energético de um país condicionará sempre mais significativamente o portfolio
energético desse país. A capacidade e o custo de exploração de fontes
energéticas alternativas depende sempre das tecnologias disponíveis e da
capacidade das economias para sustentarem os investimentos necessários
para a alteração do paradigma energético (Mbirimi, 2010; Kiratu, 2011).
Bazilian & Nussbaumer (2010) acrescentam que as alternativas em termos de
combinações destas diferentes fontes de energia são sempre condicionadas
por fatores como disponibilidades, aplicabilidade, aceitação, acessibilidade e
financiamento, daí resultando que a disponibilidade das comunidades para
mudarem de fonte energética em favor de uma mais moderna depende em
todos os casos do preço que pagam pela fonte que utilizavam anteriormente.
Ainda assim, Rolo & Tschanze (2008) constatam uma consciencialização
superior da necessidade de se alterar o paradigma energético atual, apostando
mais em fontes energéticas alternativas, concretamente nas renováveis.
Também Mbirimi (2010) sustenta que a evidência empírica sugere que, mais do
que as diferentes tecnologias disponíveis, são as barreiras institucionais que
mais dificultam a mudança de paradigma energético, sobretudo as
relacionadas com a geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
Nas discussões sobre a possibilidade de reestruturação dos paradigmas
energéticos atualmente existentes, as tecnologias verdes ou as energias
renováveis têm assumido um papel de destaque. A adoção de tecnologias
verdes tornou-se num dos principais instrumentos para a prossecução de três
objetivos fundamentais: segurança energética, sustentabilidade ambiental e
mitigação de alterações climáticas. Ngwawi (2007) sublinha que, se, por um
73
lado, os investimentos nas energias renováveis têm custos iniciais muito
significativos, por outro os custos operacionais posteriores são bem mais
acessíveis que as fontes energéticas tradicionais. Além disso, outra vantagem
das energias renováveis é que as tecnologias a elas associadas se adequam
com igual facilidade à rede nacional e ao abastecimento isolado, sendo por isso
de mais fácil implementação em comunidades remotas e portanto mais
adequadas para programas de eletrificação rural (Hankins, 2009).
Os biocombustíveis são um dos recursos energéticos modernos que tem
ganho uma popularidade crescente. Para o IMVF (2009), tal deve-se
principalmente a duas grandes ordens de razão: a necessidade de redução da
dependência energética relativamente aos recursos energéticos fósseis e a
necessidade de reduzir as emissões de CO2 no contexto de combate às
alterações climáticas. Deve-se ressalvar a diferença entre biocombustíveis de
1ª e de 2ª geração, devido aos diferentes impactos na segurança alimentar das
comunidades rurais. Por biocombustíveis de 1ª geração entende-se aqueles
derivados de matérias-primas vegetais agrícolas, como beterraba, trigo, milho,
girassol, cana-de-açúcar, que entram diretamente em competição com as
culturas agrícolas alimentares e por isso têm um impacto relevante na
segurança alimentar das comunidades. Já por biocombustíveis de 2ª geração
entende-se os derivados de matérias-primas vegetais não agrícolas, tal como a
celulose da madeira, que não entram em competição direta com as culturas
alimentares (IMVF, 2009). A aposta deve pois recair nestes últimos, que não
colocam tanto em perigo a segurança alimentar das populações e são mais
facilmente integráveis nos mercados internacionais.
74
O debate sobre as consequências da aposta nos biocombustíveis tem
sido aceso, pois, enquanto uns defendem que eles podem ser a resposta para
promover a segurança energética e combater a pobreza e as alterações
climáticas, outros temem que tal acabe por desencadear fenómenos de fome
em massa e desastres ambientais. A constatação em alguns países duma
subida dos preços alimentares, em parte causada pela aposta nos
biocombustíveis, tem levado ao surgimento de temores sobre o seu impacto na
segurança alimentar das populações A própria FAO prevê que o aumento da
competição entre biocombustíveis e culturas alimentares poderá levar a uma
subida de preço destas últimas até cerca de 50% (IMVF, 2009). No mesmo
sentido, vários académicos têm procurado demonstrar a inevitabilidade do
fenómeno de substituição das culturas alimentares pelos biocombustíveis à
medida que a aposta nestes últimos cresce, o que levará a um aumento do
preço de mercado de muitas culturas alimentares, colocando em causa a
subsistência de muitas comunidades agrícolas e a segurança alimentar das
populações de vários países.
Todavia, os efeitos teoricamente negativos duma aposta efetiva na
exploração dos biocombustíveis não são inevitáveis. Com efeito, o IMVF (2009)
crê que a opção pela aposta nos biocombustíveis é tanto mais
economicamente racional quanto o contexto local o favoreça, designadamente
em termos de condições climatéricas e disponibilidades de terra arável e
mercados suficientemente desenvolvidos. Uma das formas de se amenizar o
impacto negativo dos biocombustíveis nas comunidades rurais é incentivar a
participação das pequenas unidades agrícolas na sua produção, através de
mecanismos de facilitação do acesso à terra e ao capital. Outro aspeto
75
importante a considerar na aposta nos biocombustíveis é o impacto
potencialmente positivo que ela tem na promoção da igualdade de género.
Um conceito relevante que está enquadrado na temática do impacto dos
biocombustíveis nos processos de desenvolvimento dos PVD é o do biopacto,
segundo o qual os países têm a capacidade de apostar no desenvolvimento
dos biocombustíveis sem no entanto comprometer a segurança alimentar das
suas comunidades (IMVF, 2009). Partindo do pressuposto dum
desenvolvimento sustentado e progressivo do sector agrícola, ele afirma que os
países têm capacidade suficiente para garantir a segurança alimentar das suas
populações, e ainda produzir biocombustíveis para proveito próprio e mesmo
para exportação. A evidência empírica demonstra que o sucesso do conceito
de biopacto depende da concretização de alguns pressupostos, tais como a
remoção dos subsídios agrícolas e barreiras comerciais pelos PD e uma
transferência real de tecnologia agrícola destes para os países africanos.
8.2.3. Power Pools: Conceito e Benefícios
Um dos instrumentos mais advogados na prossecução das estratégias
de fortalecimento da segurança energética é o aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional no próprio setor da energia. O
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional energética
permite aos países desenvolver, entre outras soluções, as denominadas power
pools regionais. Castalia (2009) define as power pools como arranjos
institucionais entre as redes elétricas de dois ou mais países que passam a
76
coordenar as suas estratégias e a aproveitar os recursos energéticos
existentes na região da forma mais economicamente racional possível. A teoria
subjacente à criação das power pools defende que o alargamento dos
mercados energéticos para fora das fronteiras nacionais fomenta o
investimento na capacidade de geração de países que têm vantagens
comparativas em termos de recursos energéticos, ao mesmo tempo que
estabiliza a procura e a oferta de eletricidade numa determinada região
(Eberhard et al, 2008). Apesar das power pools permitirem ganhos de curto-
prazo aos seus membros, os maiores proveitos ocorrem no longo prazo,
sobretudo por uma coordenação dos investimentos nos sectores elétricos
capaz de gerar poupanças nos investimentos e aumentar a capacidade de
geração. Ainda assim, Castalia (2009) ressalva que a institucionalização duma
power pool não é uma condição suficiente para o aumento do comércio
energético intrarregional.
O objetivo fundamental das power pools é a redução dos custos de
transação associados ao comércio energético intrarregional, permitindo
potenciar um comércio que de outra forma poderia ser impossível de
concretizar. Além disso, Ram (2007) destaca que a criação de power pools é
um instrumento importante para a redução da insegurança energética e dos
custos de transação associados ao abastecimento energético, pois oferecem
um enquadramento legal e institucional comum para a definição das mais
variadas questões técnicas relacionadas com o comércio energético
intrarregional. Por outro lado, elas devem desempenhar igualmente um papel
importante no financiamento das infraestruturas transnacionais de geração e
77
transmissão de eletricidade, designadamente na fase de conceção dos seus
projetos.
Para Castalia (2009), os benefícios fundamentais das power pools
podem ser agregados em três grupos: benefícios técnicos (estabilização da
oferta, pois o excesso de capacidade dum país pode compensar a escassez do
outro); custos de transação (redução dos custos, pela provisão duma
plataforma comum para as transações de energia entre membros); e
oportunidades de negócio (possibilidade de os países explorarem diferenciais
de preços entre os fornecedores regionais de eletricidade). As power pools
oferecem igualmente a estabilidade legal necessária para uma rápida e fácil
resolução de disputas entre partes em conflito e permitem potenciar as
vantagens quer na coordenação do comércio energético intrarregional de curto-
prazo, quer na estabilidade e fiabilidade da oferta e abastecimento energético e
mesmo na potenciação dos recursos energéticos locais mais baratos.
A institucionalização de arranjos institucionais do tipo power pool tem
alguns pré-requisitos fundamentais, entre eles a estabilidade e segurança do
fornecimento elétrico. As experiências internacionais bem sucedidas
demonstram a necessidade de se desenhar adequadamente os acordos de
comércio energético para que estes garantam a estabilidade do fornecimento.
Segundo Castalia (2009), a segurança da oferta e do abastecimento energético
deve ser encarada em três dimensões distintas: adequação da oferta à
procura, fiabilidade mesmo em cenários de problemas técnicos e operacionais,
e segurança comercial na estabilidade dos acordos transnacionais. Essa
segurança deverá ser reforçada por via de um enquadramento legal e
institucional efetivo entre os fornecedores e os clientes de eletricidade, de
78
modo a afastar muita da incerteza nas decisões de investimento dos agentes
económicos potencialmente interessados. Uma outra forma de se assegurar a
estabilidade da oferta e do abastecimento energético é incluir nos próprios
contratos comerciais penalizações para eventuais quebras no abastecimento
ou transmissão. Neste caso, há a necessidade de desenvolver mecanismos de
resolução de disputas, de forma a aliviar alguma da incerteza que ainda está
associada ao comércio energético (Castalia, 2009).
8.2.4. Integração Regional Energética
De uma forma mais geral, os arranjos institucionais de integração
regional energética de maior amplitude podem constituir uma resposta efetiva
para o desafio da promoção da segurança energética dos Estados e regiões.
Para Mbirimi (2010), os benefícios da integração regional energética são
variados: redução dos custos operacionais e de capital, aumento da segurança
do abastecimento elétrico, coordenação dos projetos de expansão da
capacidade de geração e transmissão de eletricidade. Kiratu (2011) acrescenta
que ela facilita o financiamento da edificação das infraestruturas energéticas
indispensáveis para fomentar o comércio regional energético e aumentar a taxa
de cobertura das redes elétricas nacionais. A contribuir para o financiamento
das infraestruturas está também a possibilidade de coordenação dos
investimentos em mais capacidade de geração e transmissão de eletricidade
(ECA, 2009). Um impacto positivo mais amplo destes arranjos institucionais
79
consiste na redução da volatilidade do preço final dos recursos energéticos, o
que é essencial tanto para países exportadores como para importadores.
Em muitas regiões do globo, o desenvolvimento dum mercado
energético regional capaz de explorar o potencial de geração de
hidroeletricidade pode ser um passo importante para reduzir os custos
associados à geração e transmissão de eletricidade e também para imunizar as
economias locais contra choques petrolíferos exógenos, ao mesmo tempo que
contribui para o combate contra as alterações climáticas (Rosnes & Vennemo,
2009). Tal deriva em parte do facto de o comércio regional energético, dados
os montantes necessários em termos de infraestruturas de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade envolvidos, permitir aos países
vizinhos acederem a recursos energéticos mais acessíveis e baratos.
Os arranjos institucionais de integração regional energética são tanto
mais relevantes quanto mais díspares as dotações de recursos energéticos
entre Estados vizinhos, pois permitem que quando um dos Estados apresenta
excesso de capacidade e o outro escassez possa haver uma transferência de
energia entre eles que assegure que não haja quebras no abastecimento.
Porventura uma das vantagens mais relevantes destes arranjos institucionais é
a possibilidade de explorar convenientemente eventuais economias de escala
na geração, transmissão e distribuição de eletricidade e conferir maior
dimensão aos respetivos projetos (Ram, 2007; Mbirimi, 2010). As poupanças
obtidas com a redução dos custos operacionais de geração de eletricidade
podem ser consideradas como retorno financeiro dos investimentos realizados
no âmbito da integração regional energética. Aliás, a ECA (2009) demonstra
empiricamente que o impacto do aprofundamento dos arranjos institucionais de
80
integração regional é detetável na diferença de custos de geração e
transmissão de eletricidade num cenário de estagnação de comércio e noutro
de expansão.
Ainda na área do comércio energético intrarregional, Castalia (2009)
distingue três tipos de projetos: i) projetos multilaterais de grandes dimensões;
ii) projetos multilaterais de dimensão média, envolvendo 3 ou 4 países; iii)
projetos de cariz meramente bilateral. Neste sentido, convém traçar a linha
entre comércio energético intrarregional bilateral e comércio energético
intrarregional multilateral. Uma das principais diferenças é que o primeiro
permite a captura imediata dos benefícios desse comércio, enquanto o
segundo pode demorar algum tempo para atingir a maturidade e oferecer
esses benefícios. Por outro lado, Eberhard et al (2011) assume que o
estabelecimento de acordos bilaterais de transmissão e comércio de energia é
mais fácil de alcançar que grandes tratados regionais. O comércio bilateral
incentiva o aprofundamento da integração regional energética na medida em
que fornece o estímulo para a expansão da rede regional de transmissão e
distribuição de eletricidade e para a harmonização dos diversos
enquadramentos institucionais nacionais. A ECA (2009) destaca um aspeto
importante neste domínio: nos mercados energéticos onde mais se constata a
necessidade de desenvolver infraestruturas verifica-se uma predominância dos
acordos bilaterais, visto que estes oferecem a estabilidade em termos de cash-
flows para maiores volumes de financiamento necessários. Em alguns casos o
comércio energético intrarregional multilateral de curto-prazo não oferece a
estabilidade financeira necessária para incentivar a expansão da rede
infraestrutural regional.
81
Os projetos de comércio energético multilateral também apresentam
algumas diferenças relativamente aos projetos bilaterais. Bazilian &
Nussbaumer (2010) vêm várias vantagens na edificação de projetos
energéticos regionais: economias de escala, maximização da exploração dos
recursos regionais e aumento da consistência do abastecimento energético.
Porém, os projetos de âmbito regional têm outra complexidade na fase da
preparação, sendo que muito frequentemente os custos financeiros associados
a esta fase chegam ao dobro dos dos projetos nacionais. Quanto maior a
dimensão dos projetos energéticos regionais, mais difícil a sua concretização
em tempo oportuno: o financiamento é mais oneroso, a harmonização de
enquadramentos institucionais e legais é mais complexa e a prossecução de
consensos e entendimentos mais difícil (Eberhard et al, 2011). Perante tal,
Castalia (2009) sugere que uma das soluções para acelerar a obtenção de
consenso sobre os projetos prioritários à escala regional é adjudicar a uma
entidade externa a tarefa de identificar as prioridades regionais.
8.2.5. Organizações Regionais e Compromisso Político
As organizações regionais criadas para o aprofundamento da integração
regional energética são um elemento central em qualquer arranjo institucional.
Elas devem desempenhar uma série de funções importantes na facilitação do
aprofundamento dessa integração. Eberhard et al (2011) destacam a
necessidade da existência de instituições regionais que coordenem os
programas de desenvolvimento de infraestruturas transnacionais e garantam
82
uma distribuição equitativa dos benefícios da integração. Para tal, as
organizações regionais devem ver os seus poderes e atribuições reforçadas,
tornando as suas estratégias e decisões vinculativas para os governos
nacionais e assim conferindo prioridade às dimensões regionais sobre as
nacionais (Castalia, 2009). Tal reforço de atribuições, poderes e competências
implica necessariamente uma entrega de poderes soberanos dos diversos
Estados-membros às respetivas organizações regionais, entrega essa que se
traduz num compromisso político com os projetos regionais. Quanto maior o
grau de compromisso dos Estados com as respetivas organizações regionais
maior a facilidade destas em atrair o investimento necessário para a
prossecução dos seus projetos regionais. As organizações regionais devem
adotar processos de tomada de decisão eficientes, sobretudo no que toca à
expansão da rede infraestrutural e à fixação dos preços do comércio
energético. Mais, devem procurar igualmente fomentar consensos entre as
autoridades nacionais e disseminar o máximo de informação sobre análises
custo-benefício dos projetos regionais (Castalia, 2009; Eberhard et al, 2011).
Como já foi referido atrás, o compromisso político dos Estados-membros
com os arranjos institucionais de integração regional energética é essencial
para o sucesso destes. Segundo Rosnes & Vennemo (2009), aspetos como o
compromisso e a confiança mútua entre Estados vizinhos e a estabilidade
sociopolítica numa região são fundamentais para este aprofundamento da
cooperação e integração regional. Deste modo, a maximização dos benefícios
dos arranjos institucionais de integração regional energética depende em
grande medida de compromissos políticos das autoridades nacionais, e da sua
predisposição para aumentarem a sua dependência de importações
83
energéticas (Bazilian & Nussbaumer, 2010; Eberhard et al, 2011). A
modalidade mais avançada de compromisso político é a assinatura dum tratado
que atribua poderes e responsabilidades acrescidas às organizações regionais,
tornando-as responsáveis por assuntos regionais. Castalia (2009) defende que
tal opção envia sinais de mercado importantes para investidores internacionais,
potenciais financiadores da expansão das capacidades de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade.
8.2.6. Infraestruturas e Agentes Privados
Este investimento na expansão das capacidades de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade tem como pré-requisito uma rede
infraestrutural regional minimamente desenvolvida. A edificação de
infraestruturas de maior escala destinadas a abastecer a região como um todo
só fazem sentido num contexto de integração regional energética aprofundada.
O problema reside exatamente na capacidade de atrair financiamento para a
edificação destas infraestruturas de maior dimensão que, pela sua natureza,
exigem volumes e condições diferentes das das infraestruturas nacionais
(Ram, 2007). Todavia, Eberhard et al (2011) ressalvam que os maiores
retornos económicos não têm necessariamente de vir de novas infraestruturas,
pois a otimização das já existentes acarreta menos custos financeiros e permite
a captura de todas as potencialidades existentes.
Os investimentos na expansão das capacidades de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade são frequentemente
84
sobredimensionados para as possibilidades de financiamento dos diversos
Estados-membros. Daí que muitos advoguem a participação dos agentes
económicos privados no financiamento destas infraestruturas. Brew-Hamond &
Kemausuor (2009) vão ao encontro desta posição, defendendo que as
organizações regionais devem procurar o aumento do acesso à eletricidade
através da capacitação simultânea dos agentes económicos privados e
públicos. O próprio redimensionamento dos mercados energéticos para um
âmbito mais regional torna-os mais atrativos para os investidores privados e
para potenciais parcerias público-privadas, pois contribui para a redução do
risco associado a este tipo de investimentos, e, consequentemente para o
financiamento destas infraestruturas (Ram, 2007; Eberhard et al, 2011).
8.2.7. Particularidades da Segurança Energética
No tratamento da temática do aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional energética é necessário ter em devida
consideração as idiossincrasias e os estádios de desenvolvimento das
diferentes regiões. No caso concreto dos PVD, Bazilian & Nussbaumer (2010)
demonstram que muitas das suas políticas de desenvolvimento,
designadamente o combate à pobreza, disparidades de género, alterações
climáticas, ou promoção da segurança alimentar, são extremamente
condicionados pelo acesso a uma energia sustentável, moderna e acessível.
Os mesmos autores diferenciam os PD dos PVD no que se refere ao peso da
energia nos orçamentos familiares: enquanto os agregados familiares de menor
85
rendimento dos PD gastam em média 10% do seu rendimento em recursos
energéticos, os dos PVD podem chegar a gastar 30% do seu rendimento.
Os próprios arranjos institucionais de integração regional energética têm
impactos diferentes consoante os estádios de desenvolvimento das diferentes
regiões. Eberhard et al (2011) demonstram que os PVD, caracterizados pelas
dificuldades em acumular capital para investimentos em infraestruturas, são os
países que mais podem beneficiar do aprofundamento da integração regional.
Também a opção por paradigmas energéticos mais ecologicamente
sustentáveis comporta motivações diferenciadas: enquanto para os PD a opção
pelas energias renováveis tem uma motivação muito mais ecológica, para
muitos PVD elas representam a única alternativa economicamente viável.
Os arranjos institucionais de integração regional energética têm
impactos diferentes mesmo dentro do grupo dos PVD: a expansão do comércio
energético beneficia sobretudo os países com custos energéticos domésticos
elevados, que passam a importar eletricidade a preços muito mais reduzidos,
mas beneficia igualmente países com custos de produção reduzidos, que
podem assim potenciar as suas receitas de exportação (Rosnes & Vennemo,
2009; Eberhard et al, 2011).
Começando pelos países tradicionalmente importadores, os arranjos
institucionais de integração regional energética fazem mais sentido económico
que a autarcia nacional, na medida em que lhes permite aceder aos recursos
energéticos mais baratos, passando a depender mais dos seus parceiros
regionais do que de outros atores externos. Normalmente estes países
apresentam economias domésticas de pequena dimensão que, por isso
86
mesmo, detêm redes infraestruturais elétricas nacionais mais pequenas.
Contudo, a ECA (2009) enfatiza que, apesar de para a maioria dos países
importadores as poupanças financeiras decorrentes de privilegiarem a região
em detrimento duma geração autárcica poderem não ser exponenciais, os
ganhos económicos com o aumento da estabilidade do abastecimento e a
eliminação dos apagões são muito significativos.
Em algumas regiões os recursos energéticos encontram-se muito
concentrados em poucos países, fazendo que os custos de investimento para a
exploração dos mercados regionais de eletricidade recaiam excessivamente
em alguns países que podem não ter a capacidade financeira para realizar
esses investimentos individual e isoladamente. Tal ainda é mais significativo no
caso dos países com economias domésticas mais pequenas mas que têm um
grande potencial em termos de energia hídrica e que se deparam com enormes
problemas de financiamento para prosseguir com os seus projetos (Eberhard et
al, 2011).
O outro grupo de países que mais beneficia com a expansão do
comércio energético regional é o dos que apresentam custos de geração
menores, logo com maior capacidade de exportação. O alargamento dos
mercados energéticos para um âmbito supranacional permite-lhes um aumento
da capacidade de investimento nas suas vantagens competitivas na geração
de eletricidade.
Há outras distinções que merecem ser feitas de acordo com as
idiossincrasias de cada país. Está empiricamente comprovado que os custos
operacionais dos sectores energéticos baseados no diesel são superiores aos
87
dos baseados na energia hídrica. Países com sectores energéticos de menor
dimensão enfrentam custos operacionais médios superiores aos dos maiores.
Finalmente, países sem acesso direto ao mar e Estados insulares apresentam
em média custos operacionais superiores aos dos outros países devido aos
custos de transporte relativamente mais elevados para recursos energéticos
fósseis (Eberhard et al, 2008). Nestas disparidades os autores encontram
argumentos suficientes em favor do aprofundamento de arranjos institucionais
de integração regional energética.
Muitos especialistas consideram importante haver uma partilha dos
benefícios dos arranjos institucionais de integração regional energética para
dessa forma se manter o compromisso político de todos com o aprofundamento
desses arranjos. Eberhard et al (2011) defendem que, uma vez que os
benefícios do comércio energético regional são maiores para as pequenas
economias domésticas com elevados custos energéticos, é necessário
institucionalizar mecanismos de compensação para os outros tipos de países,
sobretudo aqueles que menos ganham. Os países que mais beneficiam destes
arranjos devem igualmente arcar com a maioria do financiamento para a
edificação de infraestruturas energéticas nos países exportadores.
8.2.8. Eletrificação e Desenvolvimento Humano
Na definição de estratégias de expansão da cobertura dos serviços
energéticos é indispensável ter em consideração os seguintes fatores:
características da procura, custos das soluções e tecnologias. Para Bazilian &
88
Nussbaumer (2010) existe evidência empírica e histórica suficiente para afirmar
que não há um modelo único ou melhor que os outros no que toca a
providenciar serviços energéticos às populações, dependendo sempre das
idiossincrasias de cada contexto. De qualquer forma, os mesmos autores
creem que qualquer programa deste género necessita sempre de alguma
centralização e coordenação estatal para ser bem sucedido. Muitos governos
dão prioridade, nos seus planos de expansão da cobertura dos serviços
energéticos, aos sectores económicos produtivos em detrimento de outros
como a eletrificação rural. Daí que muitos PVD ainda apresentem taxas de
eletrificação rural relativamente baixas.
Finalmente, vários autores destacam a importância dum acesso
acessível e de qualidade à eletricidade para as políticas de fomento do
desenvolvimento humano. A falta de acesso a serviços modernos de energia
dificulta os progressos em áreas como saúde, educação ou redução da
pobreza. Veja-se o caso das eventuais melhorias no abastecimento elétrico
decorrentes do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração
regional, que têm impactos positivos na saúde, ao permitirem, por exemplo, um
melhor armazenamento de vacinas, e na educação, onde viabilizam o aumento
do estudo nas escolas (Bazilian & Nussbaumer, 2010; Eberhard et al, 2011).
89
9. Integração Regional em África
9.1. Obstáculos e Condicionalismos
O processo de integração regional no continente africano, mais
concretamente na África Subsaariana, tem sido alvo dos mais variados e
aprofundados estudos, na sua maioria almejando contribuir para a remoção
dos obstáculos que impedem o seu aprofundamento bem sucedido.
A imagem global da integração regional em África mostra que cada
organização regional tem vários níveis de desenvolvimento e de progressos.
Está empiricamente comprovado que os países africanos beneficiam tanto
mais dos arranjos institucionais de integração regional quanto maior o âmbito
geográfico e o grau de aprofundamento da sua organização regional. Quanto
maior o bloco económico, maiores e mais bem distribuídas serão as
potencialidades do mesmo, mas, por outro lado, mais difíceis de alcançar ficam
os necessários consensos entre Estados-membros (UNDP, 2011).
Todavia, a realidade demonstra que existem mais organizações
regionais em África do que em qualquer outro continente e que existe
igualmente uma grande sobreposição de filiações de países africanos em mais
que uma organização regional. Em vez das oito organizações regionais
reconhecidas no tratado de Abuja, existem agora em África mais de catorze,
com vários países a pertencerem a duas ou mais organizações. Esta
duplicação é apontada como um dos principais obstáculos ao aprofundamento
90
da integração. Aliás, para o BAD (2010), a sobreposição de adesões dos
países africanos a mais que uma organização regional é uma das
características mais marcantes do processo de integração regional no
continente africano. Tal sobreposição acarreta alguns aspetos negativos,
designadamente a dificuldade em implementar programas de ação únicos para
uma determinada região. Por outro lado, Bothale (2010) nota que a adesão dos
países africanos a mais que uma organização regional é uma fonte potencial
de conflitos entre as próprias organizações.
Figura 1 – Sobreposição de Adesões dos Estados Africanos a Diversas
Organizações Regionais
Fonte: Dinka (2007: 30)
91
É neste sentido que Dinka & Kennes (2007) afirmam que , no que toca
aos arranjos institucionais de integração regional, o principal desafio que se
coloca ao continente africano é proceder à racionalização dos blocos
económicos regionais africanos. A própria NEPAD defende que cada país
africano afirme o seu compromisso regional com uma única organização
regional.
Os processos de aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional enfrentaram desde cedo um conjunto de obstáculos que até
ao momento se têm revelado praticamente intransponíveis. Alguns deles são
as fracas capacidades produtivas da maioria das economias africanas, a falta
de complementaridade entre as estruturas produtivas dos diversos países,
todas elas dependentes da produção e exportação de bens primários a
pequena dimensão de muitos dos seus mercados domésticos, o
subdesenvolvimento da rede infraestrutural transnacional, a dependência
significativa de muitos Estados africanos das receitas aduaneiras e a
inexistência de instrumentos de redistribuição equitativa dos benefícios da
própria integração regional (BAD, 2010; Dinka & Kennes, 2007; Ennes Ferreira,
2005; Tsheola, 2010; UNDP, 2011). O subfinanciamento das organizações
regionais é um dos obstáculos crónicos ao aprofundamento do processo de
integração regional, devido em grande medida à falta de compromisso
financeiro das autoridades nacionais africanas. Também fatores de natureza
mais institucional contribuíram para a não prossecução da integração regional
em África. A fraca capacidade institucional de várias autoridades nacionais e
aspetos como procedimentos institucionais ineficientes, políticas de transporte
que favorecem cartéis pouco eficientes e barreiras institucionais de vária ordem
92
encarecem o comércio intra-africano (UNDP, 2011). Finalmente, Ennes
Ferreira (2005) acrescenta que a utilização das organizações regionais pelas
potências regionais como meio de perpetuação das suas relações de domínio
regional retrai o empenho dos restantes membros do processo de
aprofundamento nos arranjos institucionais de integração regional.
Tabela 1 – Evolução do Peso das Receitas Aduaneiras nas Receitas Totais de
Alguns Países Africanos, Excluindo Doações (%)
Fonte: OECD (2010) in UNDP (2011: 69)
A dependência estrutural de vários Estados africanos das receitas
aduaneiras para os respetivos orçamentos nacionais tem sido sempre
93
avançada como um dos maiores obstáculos ao aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional. Com efeito, a liberalização do comércio
intrarregional africano, ao eliminar em simultâneo as barreiras aduaneiras e
alfandegárias, provoca a quebra de uma importante fonte de receitas para
muitos Estados. Porém, a UNDP (2011) procura demonstrar que esta perda de
receitas aduaneiras é relativamente reduzida, mesmo para os países delas
mais dependentes para os seus orçamentos nacionais. Os países africanos, ao
integrarem-se regionalmente e começarem a atuar como um bloco, ganham um
poder de negociação superior nos mercados internacionais, concretamente
perante os agentes económicos promotores do IDE, pelo que as perdas de
receitas aduaneiras podem ser compensadas por uma maior taxação deste
investimento.
Gráfico 1 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras no Bem-Estar de
África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões
Fonte: UNDP (2011: 32)
94
9.2. Economias Africanas e Infraestruturas
Como já foi referido anteriormente, o continente africano é caracterizado
por uma multiplicidade de países com economias domésticas pequenas, sem
acesso marítimo e com uma rede de infraestruturas inadequada. Em média,
cada país africano tem quatro vizinhos, quinze deles não têm qualquer acesso
marítimo e muitos são caracterizados por economias domésticas de pequena
dimensão (UNDP, 2011). Esta fragmentação geográfica do continente africano
impede um aproveitamento frutuoso de economias de escala ou provisão de
bens públicos regionais, o que retira a muitos projetos de investimento escala
suficiente para se tornarem atrativos (Ennes Ferreira, 2005; Ndulu et al, 2005).
O próprio processo de industrialização, ao requerer mercados de grande
dimensão para o aproveitamento das economias de escala, tornou-se mais
difícil para muitos países africanos. O caso mais extremo de condicionalismos
geográficos é o dos países de pequena dimensão privados de acesso direto ao
mar. A UNDP (2011) estima que cerca de 30% da população africana se
encontra nestes quinze Estados. Estes países não só dependem das suas
infraestruturas domésticas pouco desenvolvidas como ainda dependem das
infraestruturas dos seus vizinhos costeiros. Tal faz que os seus custos de
transporte sejam significativamente superiores quando comparados com dos
países costeiros, com impacto direto na viabilidade de muitos arranjos
institucionais de integração regional. Daí Ndulu et al (2005) concluírem que a
própria existência em África de vários países sem acesso direto ao mar torna
indispensável a coordenação e a facilitação do financiamento para a
95
construção de infraestruturas transnacionais como os denominados corredores
de desenvolvimento.
Gráfico 2 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras e da Redução dos
Custos de Transporte no Bem Estar de África como um Todo e em Cinco das
suas Sub-Regiões da África Subsaariana
Fonte: UNDP (2011: 33)
Relativamente a este tipo de infraestruturas, Ndulu et al (2005) apontam
um histórico de subinvestimento no continente africano, mesmo quando em
comparação com outras regiões do Mundo em desenvolvimento como o
continente asiático. Muitos países africanos ainda dependem duma rede
infraestrutural que tem origem na época colonial e não foi pensada para
96
fomentar as relações regionais, antes com as antigas metrópoles. Este
subdesenvolvimento da rede infraestrutural tem um importante impacto
negativo na atividade económica dos Estados africanos e nos próprios
processos de integração regional do continente.
Gráfico 3 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras, da Redução dos
Custos de Transporte e do Estabelecimento de Uniões Aduaneiras no Bem-
Estar de África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões
Fonte: UNDP (2011: 35)
Ndulu et al (2005) calculam que o montante necessário para um
investimento associado à expansão e reabilitação da rede infraestrutural
africana seria à volta dos 9% do PIB africano, contra os atuais 3%. As
autoridades governamentais africanas têm um papel importante a
desempenhar na provisão de bens públicos como as infraestruturas ou na
97
resolução de falhas de mercado, mas não têm sido bem sucedidos na atração
de investimento privado para o sector das infraestruturas, exceto no caso
particular das telecomunicações. A reabilitação e expansão das infraestruturas
africanas não são só fundamentais na prossecução dos ODM, como também
para a inserção das economias africanas no comércio internacional.
9.3. Contextualização Histórica
O início da conceptualização teórica sobre a integração regional em
África data das décadas de cinquenta e sessenta, quando os principais líderes
independentistas africanos abordaram o ideal do pan-africanismo que serviria
de modelo para após a independência. O ideal pan-africanista afirmava não
existir correspondência prática entre as fronteiras estabelecidas pelas
potências colonizadoras e as realidades africanas locais tanto em termos
étnicos como mesmo em termos económicos, sobretudo porque as fronteiras
coloniais não procuravam adequar-se às idiossincrasias africanas pré-
colonização. Todavia, de acordo com Ennes Ferreira (2005), o período após as
independências africanas, ao invés de efetivar este ideal pan-africanista, ficou
marcado pela afirmação de construções nacionalistas e pela promoção de
sentimentos identitários, o que em parte desacelerou o aprofundamento de
arranjos institucionais de integração regional. A afirmação de legados
históricos, culturais, linguísticos ou étnicos tinha como propósito fundamental
unificar territórios nacionais compostos por mais que um grupo étnico, alguns
deles mesmo em conflito. Ainda assim, o mesmo autor acredita que, mais do
98
que intenções em afirmar identidades próprias nacionais ou consolidar
territórios internos, o que esteve em causa no desvio inicial dos ideais pan-
africanistas foi a relutância das elites africanas recém-emergidas em abdicar de
parte dos seus poderes soberanos, políticos e económicos, em favor de
organizações regionais. E na altura interesses políticos e económicos falaram
mais alto que partilhas históricas ou mesmo étnicas.
A construção das organizações regionais africanas propriamente ditas
foi, segundo Dinka & Kennes (2007), feita em dois momentos históricos
distintos: o primeiro nos finais dos anos setenta e o segundo no início dos anos
noventa. Enquanto as organizações instituídas na primeira fase foram
motivadas sobretudo pelas aspirações independentistas dos países africanos,
as da segunda procuraram reafirmar o compromisso das autoridades africanas
com o ideal da integração regional. As primeiras tentativas de implementação
de arranjos institucionais de integração regional em África aproximavam-se
mais de esquemas de cooperação económica e política de que propriamente
de integração efetiva das suas economias, e procuravam promover o comércio
intra-africano. Na prática, estes arranjos institucionais de integração regional
acabaram por perpetuar as desigualdades do comércio internacional ao
abrirem os seus mercados às grandes potências mundiais, como a UE ou os
EUA (Ennes Ferreira, 2005; Tsheola, 2010).
Uma das instituições africanas que mais tem sido responsabilizada por
esta perpetuação das desigualdades do comércio internacional é a NEPAD.
Para Tsheola (2010), esta organização falhou no fomento do comércio intra-
africano e na promoção das exportações africanas por não ter investido
suficientemente nas infraestruturas transnacionais que fomentam o comércio
99
intrarregional, acabando então por perpetuar a excessiva extroversão e
dependência externa das economias africanas herdadas do contexto colonial.
Os Estados africanos optaram, no período pós-independência, por
diferentes estratégias de integração das suas economias nas dinâmicas
internacionais então vigentes, escolhendo fundamentalmente três vias
principais: integração com antigas colónias, integração com os seus vizinhos e
integração com a economia global como um todo (UNDP, 2011). Para
Gonçalves (2005), a marginalização do continente africano das principais
dinâmicas do comércio internacional que se veio a verificar posteriormente
ficou a dever-se tanto a fatores endógenos como exógenos. África não foi
capaz de aproveitar as potencialidades do comércio internacional, em grande
parte devido à sua incapacidade em inverter a situação de dependência do
exterior. Para as economias africanas, a opção pela abertura à economia
mundial como um todo pode ter o efeito adverso de cimentar as relações
verticais destes países com as grandes potências mundiais, que serão sempre
beneficiadas enquanto este padrão se mantiver. É por estas ordens de razão
que a UNDP (2011) crê que a integração dos países africanos na economia
global sem estarem previamente integrados regionalmente pode levar a uma
redução do desenvolvimento humano das suas populações. Os arranjos
institucionais de integração regional assumem uma importância crescente no
contexto económico atual, onde dois fenómenos aparentemente contraditórios
se sucedem e se intensificam simultaneamente: o fenómeno da globalização e
o da emergência de blocos regionais. Além do mais, Tsheola (2010) não
antevê uma alteração desta situação, visto que o novo paradigma de
regionalismo propõe o aprofundamento da inserção na economia mundial sem
100
a consolidação prévia da integração e cooperação regional. É por isso que
vários autores defendem que as integrações regionais e globais do continente
africano devem ser consideradas complementares e não concorrenciais,
estando visto empiricamente provado que enquanto a integração dos países
africanos na economia mundial promove especialização no sector agrícola, a
integração na economia regional promove a industrialização destes países
(UNDP, 2011).
9.4. Gestão Transnacional de Recursos
Uma das áreas fundamentais da integração regional africana passa pela
gestão transnacional dos recursos naturais comuns. A maioria das fronteiras
políticas africanas não coincide com as fronteiras geográficas, pelo que a
gestão de recursos naturais comuns necessita da implementação de esquemas
de cooperação e integração regional. Um dos casos mais relevantes é o dos
recursos hídricos. A exploração eficiente e sustentável da água em África pode
ser um importante fator de desenvolvimento, pois a água contribui
sobremaneira para a aceleração dos processos de desenvolvimento africanos,
designadamente na produção de energia e irrigação agrícola. Bothale (2010)
acrescenta que esta gestão transnacional dos recursos naturais regionais é um
instrumento importante para a gestão e prevenção de conflitos no continente
africano, tanto ao nível nacional como regional.
A filosofia subjacente aos arranjos institucionais de integração regional
no continente africano foi caracterizada por acordos e tratados formais e pela
101
institucionalização de obrigações para os Estados (Tsheola, 2010). Ainda
assim, apesar de muitas declarações e compromissos políticos assumidos
pelas autoridades africanas, a integração regional em África continua marcada
por uma relativa inatividade. De acordo com a UNDP (2011), o comércio intra-
africano representa, em média, apenas 10% do comércio total dos países
africanos, uma fatia muito menor que o comércio intra-asiático (cerca de 50%)
ou o intra-latino (cerca de 20%).
Um aspeto relevante no que se refere à dimensão dos arranjos
institucionais de integração regional africanos é que grande parte da sua
atividade intrínseca não é percetível, visto que muito do comércio entre
Estados africanos é realizado informalmente. Um dos setores onde a
informalidade mais se verifica é o agrícola. É exatamente esse que a UNDP
(2011) considera um dos mais relevantes, dado que a integração dos mercados
agrícolas africanos pode dar um contributo importante para o combate à
subnutrição e às crises alimentares geralmente associadas ao continente. Há
alguns produtos que, pelas suas idiossincrasias, têm maiores vantagens em
serem comercializados numa dinâmica intrarregional, como, entre outros, os
vegetais, flores ou frutos.
102
Tabela 2 – Comércio Intra-Africano em Termos Absolutos e Relativos em 2004
Fonte: UNDP (2011: 74)
103
10. Contexto Energético da África Subsaariana
10.1.Crise Energética: Características e Determinantes
A África Subsaariana está a sofrer uma crise energética marcada por
insuficiente capacidade de geração, instabilidade no abastecimento, preços
elevados para os consumidores e baixas taxas de acesso à eletricidade. As
estratégias de segurança energética do continente africano variam muito de
país para país e também em função da disponibilidade de cada um em
recursos energéticos e financeiros. Para Ngwawi (2007), os crescimentos
demográfico e económico que se têm registado na África Subsaariana não têm
sido devidamente acompanhados pelo necessário investimento no aumento da
capacidade de geração de eletricidade na África Subsaariana. Além disso, a
África Subsaariana é das regiões do Mundo onde o fenómeno da urbanização
é mais intenso, o que coloca desafios acrescidos em termos de aumento da
taxa de acesso urbana à eletricidade (Rosnes & Vennemo, 2009). Ainda assim,
mesmo com o presente fenómeno da urbanização das sociedades africanas,
muitas destas sociedades continuam a apresentar um peso esmagador das
comunidades rurais, o que vem colocar maiores dificuldades na expansão da
taxa de acesso à eletricidade (Eberhard et al, 2008). Aliás, a dispersão
territorial ainda significativa em vários Estados africanos é frequentemente
apontada como a causa dos progressos pouco relevantes na taxa de cobertura
territorial do acesso à eletricidade.
104
Gráfico 4 – Capacidade de Geração de Eletricidade de alguns Países
da África Subsaariana em 2006
Fonte: IEA (2007) in Eberhard et al (2011: 4)
10.2. Acesso à Eletricidade
Num número significativo de países da África Subsaariana a maioria da
população não tem acesso aos serviços energéticos básicos, apesar da
previsão de crescimento da procura de recursos energéticos. As estimativas de
105
Eberhard et al (2011) apontam para que apenas cerca de 30% da população
da África Subsaariana tenham um acesso de qualidade à eletricidade. Já Brew-
Hamond & Kemausuor (2009) calculam que 90% da população da África
Subsaariana utilizem fontes energéticas tradicionais para cozinhar ou se
aquecer. Com estes níveis atuais de geração e acesso à eletricidade, os
valores de consumo das populações africanas têm necessariamente de ser
também reduzidos. Mais preocupante é o facto de a taxa de crescimento de
conexões a novos clientes não estar a acompanhar a taxa de crescimento
demográfico, pelo que as taxas de acesso à eletricidade estão a decair em
vários países africanos (Eberhard et al, 2008). De notar que em muitos países
africanos as taxas de acesso à eletricidade variam das zonas urbanas para as
rurais, sendo menores nas últimas.
Existe um consenso sobre a necessidade do crescimento da taxa de
acesso à eletricidade como uma das prioridades estratégicas dos processos de
desenvolvimento dos Estados africanos. Estes têm optado sobremaneira por
duas abordagens diversas quanto ao grau de centralização. De acordo com
Eberhard et al (2008), existe evidência empírica de que as abordagens mais
centralizadas, baseadas numa empresa estatal responsável por um programa
de eletrificação rural à escala nacional, têm obtido mais sucesso que
abordagens mais descentralizadas, com uma maior participação de privados.
Por outro lado, as abordagens mais descentralizadas podem fazer mais sentido
para programas de eletrificação rural quando se tenciona apostar em
tecnologias independentes da rede nacional, como é o caso em países como
Moçambique. Todavia, Bazilian & Nussbaumer (2010) frisam que em ambos os
106
casos o sector privado pode desempenhar um papel importante na expansão
da cobertura territorial, com relevo para as empresas de telecomunicações.
Dos países africanos que obtiveram maiores progressos no aumento da
taxa de cobertura nacional da rede elétrica constam os nomes das Ilhas
Maurícias e da África do Sul. Estes servem de referência para os cálculos de
Brew-Hamond & Kemausuor (2009) que estimam que para se atingir o objetivo
duma taxa de cobertura de eletricidade de 100% para toda a África
Subsaariana seria necessário um investimento anual de sensivelmente onze
mil milhões de dólares. Este investimento teria um impacto económico positivo
e significativo,com Eberhard et al (2008) a estimarem uma aceleração média
do crescimento económico anual da África Subsaariana de sensivelmente
2,2%.
O crescimento da taxa de acesso à eletricidade tem necessariamente de
passar por um desenvolvimento da rede infraestrutural energética da região,
com investimento em novos transmissores transnacionais que satisfaçam o
aumento da procura e comércio energético regional africano. Uma vez que as
instalações elétricas de muitos países africanos estão a necessitar de
reabilitação urgente, há igualmente a necessidade de se investir na reabilitação
de capacidade perdida. O problema reside no facto de em muitos países da
África Subsaariana o financiamento afetado ao sector energético ser
praticamente absorvido pela cobertura dos custos operacionais, restando muito
pouco para investir. Em alguns países esse investimento não chega mesmo a
atingir os 0,5% do PIB (Eberhard et al, 2008).
107
10.3. Quebras e Energia de Emergência
Gráfico 5 – Quebras de Energia em Dias por Ano, 2007/2008
Fonte: BM (2008) in Eberhard et al (2011: 8)
Uma das manifestações mais gravosas da crise energética que assola
muitos dos países da África Subsariana é o fenómeno das quebras sucessivas
no abastecimento elétrico. Essas quebras são muito frequentes, prejudicando a
108
competitividade das empresas domésticas. Eberhard et al (2011) determinam
que estas interrupções podem chegar mesmo a representar qualquer coisa
como 2% do PIB de alguns países africanos.
Gráfico 6 – Custos Económicos das Quebras de Eletricidade em Percentagem
do PIB de Alguns Países da África Subsaariana em 2005
Fonte: Briceño-Garmendia (2008) in Eberhard et al (2011: 10)
Um dos sinais mais visíveis da instabilidade no abastecimento elétrico
que muitos países africanos experimentam é o recurso crescente à designada
energia de emergência, baseada no abastecimento privado e individualizado de
eletricidade. A utilização de geradores próprios de emergência implica custos
mais elevados que os das redes elétricas gerais, calculando Eberhard et al
(2011) que possam atingir os 4% do PIB de vários países africanos.
109
Gráfico 7 – Peso da Geração Própria no Total da Capacidade Instalada por
Sub-Região da África Subsaariana em 2006
Fonte: Foster and Steinbuks (2008) in Eberhard et al (2011: 9)
O preço da eletricidade na África Subsaariana é relativamente elevado
em termos internacionais, chegando mesmo a ser o dobro do de outras regiões
em desenvolvimento, como o continente asiático, mas o abastecimento é
significativamente mais instável que o dessas regiões (Eberhard et al, 2011).
Tem-se assim um dos paradoxos mais importantes do cenário energético
africano: o preço da eletricidade é elevado em termos internacionais mas
apenas cobre os custos de geração, transmissão e distribuição da eletricidade
(Eberhard et al, 2008: 25). Este cenário de preços elevados da eletricidade tem
naturais implicações no acesso das populações. O conceito de procura de
mercado suprimida de eletricidade refere-se à diferença entre a procura
potencial e a procura efetiva de eletricidade numa determinada economia. No
caso de vários países do continente africano, há camadas sociais que
pretendem consumir mais eletricidade mas são impedidas pelos preços a ela
associados.
110
Gráfico 8 – Preço Médio da Eletricidade para Consumo Doméstico na África
Subsaariana e Outras Regiões do Mundo em 2005
Fonte: Briceño-Garmendia and Shkaratan (2010) in Eberhard et al (2011: 13)
Perante tal cenário, vários Estados africanos têm adotado políticas de
acesso dos grupos sociais mais desfavorecidos à eletricidade que consistem
sobretudo na concessão de subsídios e na descentralização das redes
elétricas para as zonas rurais (Brew-Hamond & Kemausuor, 2009). Estas
políticas de subsidiação pública do preço final da eletricidade traduzem-se, na
prática, na não aplicação de modelos de recuperação dos custos da geração e
distribuição de eletricidade. Para Eberhard et al (2008), tal opção estratégica
representa não só uma preocupação social com os grupos sociais mais em
risco como também uma política económica e industrial de captação de IDE de
multinacionais.
111
Gráfico 9 – Fontes de Ineficiência Económica nos Sectores Energéticos dos
Países da África Subsaariana
Fonte : AICD (2008) in Eberhard et al (2009: 28)
Gráfico 10 – Desagregação das Fontes de Ineficiência Económica nos
Sectores Energéticos de Alguns Países da África Subsaariana
Fonte: AICD (2008) in Eberhard et al (2009: 28)
112
10.4. Integração Regional Energética
Tal como referido anteriormente, um dos problemas de muitos países
africanos é a dimensão excessivamente reduzida das suas economias
domésticas, que os impede de aproveitar eventuais economias de escala. Tal
também se verifica no caso concreto do setor energético. Poucos países
africanos têm procura interna suficiente para justificar projetos energéticos com
economias de escala minimamente significativas e capazes de levar à redução
dos custos com a geração, transmissão e distribuição de eletricidade (Ram,
2007). Estes condicionalismos geográficos levam Eberhard et al (2011) a
afirmar que, historicamente, o desenvolvimento dos sistemas energéticos dos
países africanos tem sido caracterizado por projetos de dimensões
excessivamente reduzidas, com tecnologias associadas pouco eficientes.
Gráfico 11 – Custos Operacionais por Tipo de Países em 2005
Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 26)
113
A falta de coordenação entre Estados africanos vizinhos no que se
refere aos setores energéticos nacionais coloca igualmente alguns obstáculos
ao bom desempenho destes. O planeamento individual e isolado que os países
fazem das suas redes elétricas leva-os a incorrerem em custos de investimento
frequentemente incomportáveis para os seus orçamentos. Mais, a distribuição
desigual dos recursos energéticos pelo continente africano e a distância entre a
oferta e a procura de hidroeletricidade levaram muitos países africanos a
adotar paradigmas energéticos ineficientes (Eberhard et al, 2008).
Gráfico 12 – Custos Operacionais de cada Power Pool da
África Subsaariana em 2005
Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 26)
Está teórica e empiricamente comprovado que vários dos problemas
atrás enunciados podem ser, em parte, resolvidos com um aprofundamento
dos arranjos institucionais de integração regional que permita o incremento do
comércio energético intrarregional. Muitos destes problemas podem ser
114
minorados se os países fomentarem as trocas comerciais energéticas,
possibilitando o aumento da escala dos projetos associados e a captura das
externalidades daí decorrentes (Eberhard et al, 2011). Um dos instrumentos
mais difundidos na prossecução desta estratégia é a institucionalização das
denominadas power pools. Atualmente, existem quatro power pools regionais
na África Subsaariana: WAPP, EAPP, CAPP e SAPP. Contudo, e apesar de
todo o potencial das power pools africanas, a quantidade de eletricidade
trocada continua a não ser significativa na África Subsaariana (Eberhard et al,
2008).
Tabela 3 – Volumes de Comércio Energético Intrarregional das Diferentes
Power Pools da África Subsaariana
Fonte: IEA (2008) in Eberhard et al (2009: 42)
115
Gráfico 13 – Estrutura Energética das Power Pools da África Subsaariana por
Recurso Energético e por Escala de Produção
Fonte: Platts (2007) in Eberhard et al (2009: 7)
Os benefícios do comércio intrarregional energético suplantam, em
qualquer uma das regiões africanas, os custos em infraestruturas associados a
esse mesmo comércio. As poupanças em termos financeiros do
aprofundamento do processo de integração regional vêm sobretudo da
substituição da energia fóssil pela hídrica na geração de eletricidade, visto que
a hídrica, apesar de exigir investimentos iniciais mais volumosos, tem custos
operacionais posteriores mais reduzidos (Eberhard et al, 2011).
Assim, tem-se que os ganhos com o comércio energético intrarregional
são tanto maiores quanto maior for o preço dos recursos energéticos fósseis
nos mercados internacionais, tornando-se os projetos de hidroeletricidade por
essa via cada vez mais economicamente viáveis. Esta substituição progressiva
dos recursos energéticos fósseis pelos hídricos tem igualmente a vantagem de
permitir uma redução das emissões de dióxido de carbono e de melhorar a
sustentabilidade ambiental das economias africanas.
116
Gráfico 14 – Custos Operacionais por Recurso Energético em 2005
Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 26)
Tabela 4 – Comparação entre os Benefícios do Aprofundamento dos Arranjos
Institucionais de Integração Regional Energética e Consequente Crescimento
do Comércio Energético Intrarregionais na EAPP e SAPP
Fonte: AICD (2008) in Eberhard et al (2009: 44)
O desenvolvimento dos mercados energéticos regionais em África
enfrenta ainda uma série de outras dificuldades. Ram (2007) avança com três
fundamentais: i) o panorama atual das infraestruturas elétricas e respetivos
117
esquemas de transmissão e distribuição, marcado por um subdesenvolvimento
significativo; ii) escassez de financiamento para avançar com os projetos de
desenvolvimento da rede regional; iii) escassez de capacidade financeira /
humana das próprias organizações regionais. Além disso, a não vinculação dos
Estados-membros à maioria das decisões das organizações regionais africanas
impede frequentemente a prossecução dos projetos com verdadeiro cariz
regional. Eberhard et al (2011) complementam esta lista com a dificuldade dos
MIC no acesso ao financiamento em condições semelhantes aos seus vizinhos
menos desenvolvidos. No caso da África Austral tal é particularmente relevante
para economias como a da África do Sul.
A questão da capacidade de financiamento para a edificação de grandes
infraestruturas de geração e transmissão de eletricidade é frequentemente
apontada como um dos principais obstáculos ao incremento do comércio
energético intrarregional. Todavia, Rosnes & Vennemo (2009) ressalvam que,
apesar dos custos de investimento em infraestruturas de geração e
transmissão de eletricidade parecerem incomportáveis para muitos países
africanos individualmente considerados, tal já não é o cenário em
enquadramentos regionais e na presença de mecanismos de solidariedade
financeira. Aliás, vários países africanos têm potencial para se tornarem
exportadores relevantes no cenário continental desde que tenham acesso a
financiamentos transnacionais dos seus países vizinhos. Várias soluções têm
sido apontadas, como a criação de fundos de investimento regionais que
aproveitem a maior credibilidade das potências regionais juntos dos
financiadores internacionais para acesso aos recursos financeiros necessários.
118
10.5. Principais Atores Africanos
Os principais exportadores de energia da África Subsaariana são, na
vertente da hidroeletricidade, RDC, Sudão e Moçambique; no gás natural,
Costa do Marfim, Nigéria e Moçambique; e, no carvão, a África do Sul e outra
vez Moçambique (Eberhard et al, 2011).
Tabela 5 – Seis Maiores Exportadores de Energia da África Subsaariana num
Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 31)
Já os Estados africanos com maior capacidade total de geração de
eletricidade são: África do Sul (40000MW) Nigéria (4000MW) RDC (2443MW)
Zimbabué (2099MW) Zâmbia (1778MW) Gana (1490MW) Quénia (1211) e
Costa do Marfim (1084MW) (Eberhard et al, 2011). Estes dados evidenciam a
liderança da África do Sul no panorama energético continental.
119
Gráfico 15 – Capacidade de Geração de Eletricidade de Alguns Países da
África Subsaariana per capita em 2005
Fonte: IEA (2007) in Eberhard et al (2009: 8)
Excluindo-se a África do Sul, o potencial energético da África
Subsaariana baseia-se em cerca de 70% na energia hídrica, sendo os
restantes 30% divididos de forma relativamente semelhante entre petróleo e
gás natural (Eberhard et al, 2008). Há muito que está comprovado que só uma
pequena parcela do potencial energético, hídrico ou fóssil, da África
120
Subsaariana, está já a ser explorado. Eberhard et al (2011) estimam mesmo
que 90% do potencial de hidroeletricidade está ainda por explorar, e que ele
está maioritariamente localizado em países como RDC, Etiópia, Camarões,
Angola, Madagáscar, Gabão, Moçambique e Nigéria. Aliás, só na RDC e
Etiópia estão concentrados sensivelmente 60% do potencial de
hidroeletricidade de toda a África Subsaariana. O facto de estes dois países
estarem distantes do grande centro económico e industrial da região, a África
do Sul, bem como o de serem demasiado pequenos economicamente para as
necessidades de investimento necessárias exigidas por um aproveitamento de
todo o seu potencial de hidroeletricidade levam Eberhard et al (2008) a
advogarem como um pré-requisito fundamental para um aproveitamento total
do potencial de hidroeletricidade da região a necessidade de se implementar
arranjos institucionais de integração regional energética que fomentem a
edificação de infraestruturas de transmissão e distribuição transnacional de
eletricidade. No lado oposto dos principais países exportadores de
hidroeletricidade estão aqueles que mais dependem deste tipo de energia para
o abastecimento das suas economias domésticas, nomeadamente Gana,
Burundi, Lesoto, Malawi, Ruanda ou Uganda, entre outros (Eberhard et al,
2011).
121
Gráfico 16 – Poupança Obtida pelos Maiores Importadores de Energia num
Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 30)
O desenvolvimento deste potencial de hidroeletricidade é um processo
muito complexo, que na maioria das vezes requer esforços supranacionais e
processos de tomada de decisão transnacionais, com enquadramentos
institucionais regionais que favoreçam a cooperação e a gestão transnacional
dos recursos hídricos.
10.6. Recursos Energéticos Africanos
A África Subsaariana não esgota o seu potencial de recursos
energéticos renováveis na hidroeletricidade, tendo igualmente potencialidades
nas energias solar e eólica. Aliás, estudos recentes do Banco Mundial
comprovam que só o potencial de energia solar de África é suficiente para
cobrir as necessidades energéticas de todo o continente (Mbirimi, 2010). No
122
entanto, esta região é das mais atrasadas em termos de tecnologias para
energias renováveis, cujo desenvolvimento só recentemente foi iniciado pela
maioria dos países africanos, e cujos custos de geração também apenas
ultimamente, e por isso mesmo, começaram a descer (Brew-Hamond &
Kemausuor, 2009; Rosnes & Vennemo, 2009).
Passando aos recursos energéticos fósseis, a África Subsaariana é um
ator praticamente irrelevante no consumo mundial de petróleo e gás natural. A
região produz muito mais petróleo e gás natural do que aquele que realmente
consome, pelo que muito daqueles recursos é explorado para fins de
exportação e não para consumo interno. De acordo com Rolo & Tschanze
(2008), o continente africano é a terceira região do Mundo com mais reservas
de gás natural comprovadas, ainda que essas reservas correspondam apenas
a 8% do total mundial. Não obstante, o continente africano é das regiões onde
se têm registado mais descobertas de reservas, pelo que muitos especialistas
acreditam que o potencial do continente africano é muito superior às reservas
atuais. Os cinco primeiros países africanos, em reservas de gás natural eram
em 2008 a Nigéria com 176 tpc, Argélia com 161 tpc, Egitpto com 59 tpc, Líbia
com 52 tpc e Moçambique com 4,5 tpc (Rolo & Tschanze, 2008). Além destes,
também Namíbia, Angola e Tanzânia apresentam reservas relevantes
(Eberhard et al, 2011). No lado oposto estão os países africanos que não
dispõem de recursos energéticos em dimensão necessária, pelo que são
estruturalmente dependentes de importações de petróleo e carvão. O aumento
significativo do preço internacional do petróleo colocou em perigo a segurança
energética de vários países africanos dependentes de importações petrolíferas,
nomeadamente Benim, Burkina-Faso, Cabo-Verde, Chade, Ilhas Comores,
123
Eritreia, Guiné-Bissau, Libéria, Mauritânia, Senegal, Ilhas Seychelles, Serra
Leoa, Somália ou Togo (Eberhard et al, 2008: 13).
Além dos recursos em petróleo e gás natural, a África Subsaariana é
dotada de reservas de urânio relativamente significativas. Segundo Eberhard et
al (2011), essas reservas representam cerca de 20% das mundiais, estando
concentradas sobretudo na África do Sul e Namíbia.
Dados os níveis muito reduzidos de consumo elétrico atrás referidos, a
África Subsaariana quase não é responsável pela degradação ambiental e
alterações climáticas causada pelas emissões de dióxido de carbono para a
atmosfera. Contudo, o fenómeno atual das alterações climáticas tem um
impacto direto na segurança energética dos países africanos, pois, por
exemplo, afeta diretamente a previsibilidade do abastecimento de
hidroeletricidade. E, sendo muitos países africanos dependentes das
exportações de bens agrícolas, o agravamento das alterações climáticas pode
provocar uma degradação crescente dos seus termos de troca, o que acaba
sempre por colocar em causa a sua segurança energética.
124
11. Integração Regional na África Austral
11.1. Evolução Histórica
Os arranjos institucionais de integração regional na África Austral
começaram a ser concebidos logo após a conclusão dos primeiros processos
de independência e descolonização na região. No entanto, só na década de
oitenta do século passado é que estes intentos tiveram concretização.
A SADCC (Southern African Development Coordination Conference) foi
criada em 1980 através da Declaração de Lusaka, ratificada na altura por nove
Estados africanos: Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Moçambique,
Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué. O objetivo central deste projeto era
reduzir a dependência económica da África Austral da África do Sul, já na
altura potência regional (Gibb, 1998). Neste sentido, o contexto político da
formação da SADCC foi fortemente influenciado pelos processos de
independência e descolonização de países como Moçambique, Angola ou
Zimbabué e pelo compromisso dos Estados da região no sentido do isolamento
económico e político o regime sul-africano do apartheid. Pallotti (2004)
sublinha, a este propósito, a força do apelo da integração regional na África
Austral. Os objetivos iniciais da SADCC assentavam nos seguintes pilares: i)
atenuar a dependência das economias da região da potência África do Sul e
igualmente das grandes potências internacionais, procurando assentar mais o
seu desenvolvimento nas complementaridades intrarregionais; ii) fomentar a
cooperação intrarregional e a coordenação e harmonização de políticas
125
económicas sectoriais; iii) atuar como um bloco sólido nas principais
organizações internacionais para conseguir um maior poder de negociação
(Chiau, 2008). Para Van Rooyen (1998), a SADCC representou uma mudança
de paradigma na integração regional africana, ao não optar pela abordagem da
integração via mercado e seguir uma abordagem própria. Todavia, a mudança
nas políticas de APD dos principais doadores internacionais verificada nos
anos 90 veio aumentar o receio dos líderes políticos da África Austral quanto a
uma marginalização crescente da região da economia global. Numa segunda
fase, a própria natureza do regionalismo económico da África Austral alterou-
se, passando a não diferir significativamente dos programas de ajustamento
estrutural que foram implementados na região nos anos oitenta (Pallotti, 2004).
Mais tarde, em 1992, a SADCC foi transformada em SADC (Southern
Africa Development Community) pelo Tratado de Windhoek, passando dum
esquema de cooperação para um outro de integração. Porém Dinka & Kennes
(2007) ressalvam que só após a adesão da África do Sul em 1994 é que este
bloco adquiriu poder económico. Esta transformação significou igualmente uma
despolitização do processo de integração regional, a partir daí dominado pelas
forças de mercado e não pelas forças políticas, e em rutura com o paradigma
mais dirigista e desenvolvimentista em favor de um outro mais baseado nas
forças de mercado. É por isto que Chiau (2008) sustenta que a transformação
da SADCC em SADC fortaleceu o modelo de liberalização comercial
intrarregional, o que teve como uma das consequências o aumento dos
volumes de comércio entre Estados vizinhos.
Para além da SADC existe uma outra organização regional relevante no
cenário da África Austral, a SACU (Southern African Customs Union). A SACU
126
compreende os Estados do Botswana, Lesoto, Namíbia, África do Sul e
Suazilândia, todos eles membros de igual direito. Desde 2002 que os membros
da SACU estão proibidos de estabelecer acordos bilaterais com países
terceiros, podendo apenas manter os estabelecidos antes de 2002. A África do
Sul tem acordos bilaterais como Malawi e Zimbabué, o Botswana com Malawi e
Zimbabué e a Namíbia com o Zimbabué (Alfieri et al, 2006). Fora estes arranjos
bilaterais, a SACU institucionalizou um acordo com outros países da região,
conhecido como SACU-MMTZ (Moçambique, Malawi, Zâmbia e Tanzânia). O
acordo permite a estes quatro países acederem ao mercado sub-regional da
SACU em regime de acesso preferencial para o setor têxtil (Magaia, 2003).
Tabela 6 – Dados Relevantes sobre as Organizações Regionais Africanas
Fonte: Dinka (2007: 6)
127
11.2. Motivações e Objetivos
As motivações para a institucionalização de arranjos de integração
regional na África Austral são de vária ordem. Van Rooyen (1998) destaca
duas fundamentais: ajudar a região a integrar-se da melhor forma na economia
global e simultaneamente proteger os seus membros dos impactos nocivos da
globalização, conquistando uma melhor posição nos mercados internacionais.
A própria SADC definiu alguns objetivos centrais: i) contribuir para a
prossecução do crescimento económico e redução da pobreza na África
Austral; ii) harmonizar enquadramentos institucionais dos vários Estados-
membros; iii) assegurar a paz, segurança e estabilidade da região; iv) fomentar
relações de confiança mútua entre Estados-membros; v) aprofundar as
complementaridades económicas dos Estados-membros; vi) assegurar
processos de desenvolvimento sustentados e sustentáveis (Magaia, 2003).
11.3. Protocolo Comercial da SADC
Um dos instrumentos centrais da SADC é o seu protocolo comercial. Ele
foi implementado em 1996, com o intuito de fomentar o comércio intrarregional
na África Austral, mas desde logo se estabeleceu que só entraria em vigor em
Janeiro de 2008 (Chiau, 2008). O objetivo primordial deste protocolo comercial
é fomentar e incrementar o comércio intrarregional, designadamente através da
remoção de barreiras aduaneiras e não aduaneiras, restrições às importações
128
e às exportações e outros obstáculos ao livre comércio na região.
Concretamente, os objetivos centrais deste protocolo são: i) acelerar a
liberalização comercial entre os países da região; ii) potenciar as vantagens
comparativas dos seus membros na arena internacional; iii) facilitar a captação
de IDE por parte das economias domésticas africanas; iv) apostar nos
processos de industrialização e diversificação das economias da região; v)
institucionalizar uma zona de comércio livre na região. A adoção do protocolo
comercial da SADC pressupôs a remoção de alguns dos principais obstáculos
ao comércio intrarregional, designadamente pautas aduaneiras, regras de
origem, práticas e costumes alfandegários diferentes e barreiras aduaneiras
não tarifárias (Correia, 2008). Alfieri et al (2006) certificam que o protocolo
comercial da SADC tem vários problemas, designadamente o incumprimento
de metas e prazos por alguns membros, regras de origem excessivamente
restritivas e o baixo volume de comércio intrarregional. Países como o Malawi,
Zâmbia ou o Zimbabué apresentam grandes atrasos na implementação do
Protocolo Comercial da SADC. Em 2004 foi realizada uma avaliação intermédia
do Protocolo, tendo as principais conclusões na altura sido: i) falhas na
calendarização do processo por parte de alguns membros; ii) regras de origem
excessivamente restritivas; iii) incapacidade de monitorização.
O processo de desarmamento tarifário na SADC foi gradual, de
acordo com o tipo de produtos em causa, segundo um conjunto de categorias:
i) categoria A, que integra produtos sujeitos a liberalização imediata e total em
2001; ii) categoria B, que integra produtos sujeitos a liberalização gradual até à
taxa zero até 2008; iii) categoria C, que integra produtos sensíveis ou
protegidos, pela sua importância estratégica para as economias locais, e
129
portanto sujeitos a liberalização gradual e taxa zero entre 2012 e 2015; iv)
categoria E, que integra produtos que, por estarem sob a alçada de outras
convenções internacionais, não constam da lista do protocolo comercial da
SADC (Correia, 2008). Esta diferenciação foi realizada de acordo com o reflexo
de cada um em categorias relevantes como as receitas públicas ou os níveis
de emprego. Outro aspeto importante no desarmamento tarifário da SADC
prende-se com a definição das chamadas regras de origem. Elas foram
implementadas com o propósito de prevenir o fenómeno do desvio de
comércio, impondo que apenas os produtos que realmente produzidos na
região ou que nela tenham sofrido transformações significativas tenham direito
a tarifas aduaneiras zero. Assim, foram definidos os seguintes requisitos: i) as
mercadorias devem mudar de linha pautal; ii) 35% do seu valor agregado deve
ter sido criado na região; iii) os inputs oriundos de países terceiros não devem
superar os 60% do seu valor total. Apesar do mérito teórico deste princípio,
Alfieri et al (2006) ressalvam que a flexibilização das regras de origem pode dar
um contributo para o aumento do comércio intrarregional e da competitividade
da região da África Austral. Correia (2008) sugere que uma outra forma
possível de se garantir que são os produtos verdadeiramente regionais a
estarem isentos de tarifas alfandegárias ou aduaneiras é a emissão dos
denominados certificados de origem.
Um outro princípio basilar do processo de desarmamento tarifário dos
arranjos institucionais de integração regional é o da geometria variável. Aliás,
desde 1999 que as negociações regionais sobre a remoção de barreiras
alfandegárias na SADC assentam em três princípios fundamentais:
diferenciação das tarifas aduaneiras entre os vários países; assimetria nos
130
prazos impostos para a liberalização dos mercados internos; fixação de
regulações específicas sobre a origem dos bens e serviços transacionados.
Este princípio afirma que países com contextos de desenvolvimento diferentes
devem ter metas e prazos diferenciados no processo de desarmamento
tarifário (Vines, 2008). No seguimento da adoção deste critério da geometria
variável foram constituídos três grupos de países no seio da SADC: i) países
desenvolvidos do grupo SACU (África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia e
Suazilândia); ii) países em desenvolvimento (Maurícias e Zimbabué); iii) países
menos desenvolvidos (Moçambique, Malawi, Tanzânia e Zâmbia).
11.4. Obstáculos à Integração
Tal como na generalidade dos arranjos institucionais de integração
regional africanos, também o caso concreto da África Austral enfrenta ainda
uma série de obstáculos. Para o BAD (2010), os principais desafios ao
aprofundamento do processo de integração regional na África Austral são: falta
de capacidade produtiva, insuficiente inclusão de valor acrescentado no
processo produtivo, mau ambiente conducente a negócio, rede infraestrutural
regional inadequada, falta de meios humanos e financeiros, procedimentos
alfandegários desnecessários, taxas de trânsito elevadas, licenças de
importação excessivas, obstáculos à mobilidade das pessoas, imposição de
padrões de segurança excessivos. Correia (2008) complementa esta lista
defendendo que um dos obstáculos estruturais ao aprofundamento dos
arranjos institucionais de integração regional na África Austral foi as opções de
131
política económica de alguns Estados, com aposta na substituição de
importações, que tiveram como efeito uma diminuição dos volumes do
comércio intrarregional e o agravamento de alguns desequilíbrios económicos
estruturais das economias regionais. A própria SADC tem sido criticada por
estabelecer metas e prazos excessivamente ambiciosos para a realidade dos
países que a constituem, o que provoca atrasos sucessivos no aprofundamento
dos arranjos institucionais, bloqueando o respetivo progresso. A sua
abordagem ao processo de desenvolvimento, tipicamente top-down, não se
vislumbra de sucesso imediato para Van Rooyen (1998), visto que os Estados
desta região conquistaram as suas independências recentemente, estando
portanto pouco disponíveis para abdicarem de muita da sua soberania em favor
de organizações regionais. O próprio processo de desarmamento tarifário na
SADC, na forma como foi estruturado e conduzido, constitui um obstáculo ao
aprofundamento da integração regional. As suas rondas negociais, sobretudo
no que tocou a alguns bens mais sensíveis, como os do sector dos têxteis,
levaram muitos Estados-membros, sobretudo o Zimbabué, a suspeitarem das
verdadeiras motivações da potência regional África do Sul neste processo de
integração regional (Pallotti, 2004). Mais, o desarmamento tarifário, ao implicar
a correspondente perda de receitas aduaneiras, tem motivado o receio de
alguns Estados-membros quanto ao impacto de tal processo na capacidade de
gerar receitas públicas, levando-os por isso a tentar adiá-lo. Finalmente, o facto
de as economias da África Austral apresentarem uma muito baixa
complementaridade produtiva entre elas, bem como a dependência da
exportação de poucos bens primários, dificulta o fomento das suas interações
económicas. É por isso que Van Rooyen (1998) sustenta que, no caso da
132
África Austral, antes de se avançar no processo da integração regional é
preciso assegurar a interação comercial dos diversos Estados.
O processo de integração regional na África Austral necessita de
responder simultaneamente à promoção do crescimento económico dos
Estados-membros e à melhoria das condições de vida das respetivas
populações, sobretudo num contexto socioeconómico marcado por uma grande
fragmentação territorial e elevada incidência da pobreza. Os Estados da África
Austral estão igualmente mal classificados internacionalmente em termos de
dimensão de mercado, o que reforça o apelo para a integração regional e
consequente alargamento dos mercados. Aliás, Correia (2008) frisa que este
redimensionamento dos mercados de intervenção das empresas locais é uma
das maiores vantagens dos arranjos institucionais de integração regional na
África Austral, já que a região da SADC compreende uma população total de
sensivelmente 240 milhões de pessoas.
A região da África Austral é bastante heterogénea em termos de
dimensão dos Estados, população, condições geográficas, distribuição de
recursos naturais e nível de desenvolvimento. Um dos motivos mais relevantes
para o impasse atual no aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional na África Austral é a grande disparidade entre os níveis de
desenvolvimento dos diversos Estados-membros, que dificulta a obtenção dos
necessários consensos à escala regional. Essa disparidade é muito marcante
entre a potência regional África do Sul e os restantes, o que leva muitos
autores a sustentarem que a SADC acaba por perpetuar as relações
comerciais Norte-Sul na região da África Austral (Magaia, 2003). Aliás, Pallotti
(2004) destaca que estas disparidades não só não estão resolvidas como se
133
estão mesmo a agravar, potenciando conflitos entre Estados-membros. Daqui
resulta a necessidade de as organizações regionais como a SADC
desenharem políticas de desenvolvimento regional que tenham em devida
consideração estas disparidades. Pallotti (2004) conclui que o caso da África
Austral é paradigmático no sentido em que, ao focar-se quase exclusivamente
na liberalização do comércio, não se mostra capaz de promover o
desenvolvimento sustentável e equitativo da região como um todo, antes
promovendo uma polarização crescente entre Estados-membros.
Para Chichava (2011), quase todas as economias da África Austral são
praticamente insignificantes na ordem económica mundial, com exceção da
África do Sul. Esta é indiscutivelmente a potência regional, e o seu
compromisso com o projeto de integração regional é fundamental para o
avançar do processo de desenvolvimento da região. Por isso Van Rooyen
(1998) sugere que a África do Sul pode e deve desempenhar o papel de “irmã
mais velha” e guiar a região no caminho da integração sem impor a sua agenda
própria. Pelo contrário, Pallotti (2004) defende a necessidade de a análise do
processo de integração regional na África Austral abandonar definitivamente o
conceito de hegemonia benigna exercida pela África do Sul. Isto porque o autor
constata algum ressentimento dos países vizinhos com a África do Sul, já não
devido à sua política de apartheid mas ao seu poderio económico, inundando
os mercados internos desses países com os seus produtos ao mesmo tempo
que ainda aplica elevadas barreiras comerciais às importações.
134
Tabela 7 – Peso da África do Sul nas Exportações da SADC para o Resto do
Mundo (%)
Fonte: SADC (2007) in Chiau (2008: 34)
Apesar da sua posição dominante na região, a relação entre a África do
Sul e os seus vizinhos é de significativa interdependência, visto que uma
importante parcela das exportações sul-africanas de produtos manufaturados
tem como destino a região da África Austral (Van Rooyen, 1998). Além disso,
os outros fluxos de investimento regional, realizados sobretudo pela África do
Sul nos anos 90, também contribuíram para o aprofundamento da integração
regional da África Austral. Esta tendência de investimento sul-africano tem
vindo mesmo a intensificar-se desde o final do século passado, mas agora os
restantes Estados-membros começam a investir igualmente na economia sul-
africana, particularmente no seu setor financeiro.
135
Tabela 8 – IDE da África do Sul para o Resto da SADC 1997/2001
Fonte: SADC (2002) in Pallotti (2004: 525)
A região da África Austral partilha a característica geral do continente
africano da grande sobreposição de acordos comerciais bilaterais, multilaterais
e mesmo regionais, o que dificulta a harmonização de políticas comerciais ou o
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional. Neste caso
concreto, vários Estados pertencem simultaneamente à SADC, SACU ou à
COMESA (Common Market for Eastern and Southern Africa), excetuando
Moçambique que decidiu abandonar a COMESA (Chichava, 2011). Tal tem
como consequência imediata a diluição das contribuições financeiras dos
Estados-membros por várias organizações regionais. Por exemplo, nas
negociações dos APE (Acordos de Parceria Económica) o Malawi, Ilhas
Maurícias, Zâmbia e Zimbabué preferiram entrar pela COMESA em vez da
SADC. Aliás, vários países pertencem simultaneamente à SADC e COMESA,
nomeadamente Angola, RDC, Madagáscar, Malawi, Ilhas Maurícias,
Suazilândia, Zimbabué e Zâmbia.
136
Em resposta a este problema da sobreposição de filiações em
organizações regionais, Gonçalves (2005) concorda que se limite o número de
adesões nas primeiras fases dos arranjos institucionais de integração regional,
para dessa forma facilitar a obtenção de consensos. Todavia, no caso
específico da SADC tal não se verificou, o que para este autor pode em parte
explicar a sua dificuldade crónica em obter consensos. Assim, a SADC deveria
optar pelo aprofundamento da integração regional dos seus Estados-membros
atuais em vez de alargar sistematicamente o seu âmbito geográfico.
11.5. Contexto Económico Regional
O contexto económico da região da África Austral tem vindo a registar
uma melhoria sustentada nos últimos anos. Para o BAD (2010), a gestão
macroeconómica prudente adotada pela maioria dos países da região permitiu-
lhes obter taxas de crescimento económico significativas e crescentes, reduzir
a inflação e défices fiscais, melhorar os seus termos de troca internacionais e,
finalmente, reduzir os seus volumes de dívida externa. Esta melhoria do
contexto económico é igualmente importante para o aprofundamento dos
arranjos institucionais de integração regional, na medida em que facilita o
processo de convergência macroeconómica entre os Estados-membros. Um
fator que tem contribuído sobremaneira para este ciclo de desenvolvimento
económico é pacificação e estabilização geral da região, ainda que Chichava
(2011) ressalve alguns focos de instabilidade na RDC ou Zimbabué. Esta
estabilização foi sempre um dos objetivos centrais dos arranjos institucionais
137
de integração regional na África Austral. Segundo Vines (2008), os objetivos
fundamentais da SADC passam pela promoção do crescimento económico e
do desenvolvimento socioeconómico dos seus membros, a redução da
pobreza, manutenção da paz e segurança e promoção da democracia e dos
direitos humanos. Para a garantia da estabilidade e segurança a SADC instituiu
um órgão específico aquando do tratado de Windhoek de 1992. Ele é
responsável pela implementação de políticas de segurança, prevenção de
conflitos, mitigação de conflitos e reconstrução de sociedades. Até ao momento
já atuou nos conflitos do Lesoto e Suazilândia, mas, por outro lado, não tem
sido bem sucedido na mediação do conflito existente na RDC (Bothale, 2010).
Um dos obstáculos a uma maior eficácia da SADC na promoção da paz e dos
direitos humanos na região é a não obrigatoriedade de os Estados-membros se
vincularem diretamente às suas decisões e protocolos. Por outro lado, Pallotti
(2004) destaca que a análise neoliberal das negociações subjacentes ao
aprofundamento da integração regional da SADC tende a descurar aspetos
relevantes, como são os conflitos, alianças e compromissos entre os diversos
Estados-membros.
11.6. Infraestruturas e Energia
No quadro do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração
regional na África Austral, os denominados corredores de desenvolvimento,
ligação intermodal entre os portos marítimos e a ferrovia, assumem uma
importância capital devido ao elevado número de países sem acesso direto ao
138
mar (Gonçalves, 2005). Estes corredores estão a ser cada vez mais
associados às denominadas políticas de desenvolvimento espacial, zonas
especialmente consignadas para grandes empreendimentos industriais. Neste
âmbito, a SADC implementou um programa regional de edificação de
infraestruturas transnacionais, procurando integrar todas as vias de
comunicação principais no nível transnacional. No entanto, o mesmo
organismo restringe o seu papel ao de financiador.
Estes corredores de desenvolvimento são tanto mais importantes quanto
está empiricamente comprovado que a região da África Austral é das que
apresenta maiores custos médios de transporte (UNDP, 2011). A inadequação
crónica da rede infraestrutural regional provoca aumentos significativos nos
custos de importação e exportação dos países da África Austral. O
condicionalismo geográfico dos países vedados de acesso direto ao mar ou
aos portos marítimos dos seus vizinhos aumenta consideravelmente o custo
associado às suas importações e exportações. O BAD (2010) constata que, na
área do desenvolvimento das redes de transporte, os países da região têm
mudado o seu paradigma de preferências, passando da opção pela rodovia à
da ferrovia, sobretudo porque esta se adequa mais ao apoio às indústrias
extrativas, um dos setores mais importantes da economia regional. Porém,
mantém-se o obstáculo principal da falta de participação do sector privado no
financiamento destes projetos.
Ndulu et al (2005) avançam com o caso do Botswana para demonstrar a
importância para os países africanos da integração regional. O Botswana,
apesar de ser um país sem acesso direto ao mar e ser dependente do sector
dos recursos naturais, é uma das economias africanas com ritmos de
139
crescimento económico mais elevados. Os autores acreditam que muito deste
crescimento se baseia no facto de o país estar integrado na união aduaneira e
monetária da SACU.
O BAD (2010) recomenda que a SADC concentre os seus investimentos
em infraestruturas nos setores rodoviário e ferroviário, energia
(fundamentalmente recursos energéticos renováveis), e tecnologias da
informação e comunicação. A região tem grandes potencialidades no setor
energético, em que projetos como redes elétricas regionais ou power pools
apresentam um potencial relevante de integração regional, tendo os diversos
Estados-membros avançado com a criação da SAPP (Southern Africa Power
Pool). A região é rica em recursos energéticos, designadamente carvão,
petróleo e hidroeletricidade, se bem que esta última esteja longe de ser
explorada no seu ponto ótimo. O próprio BAD estima que só a região possui
sensivelmente 1/3 do potencial de hidroeletricidade de todo continente africano,
explorando atualmente apenas cerca de 10% deste. Todavia, a má qualidade
das centrais de geração, as falhas nas ligações e o subdesenvolvimento dos
transmissores regionais dificultam a consolidação dum mercado energético e
elétrico verdadeiramente regional.
Para além das vastas dotações energéticas da África Austral, um dos
traços mais em comum das diversas economias regionais é o peso significativo
do setor extrativo nos níveis de produção nacional e de exportação (Gonçalves,
2005). O próprio sector mineiro da África do Sul tem historicamente beneficiado
do contributo de muitos trabalhadores dos países vizinhos, nomeadamente
Moçambique. Gibb (1998) complementa esta ideia afirmando que desde a era
140
colonial que a própria génese do capitalismo existente na região da África
Austral levou a uma integração profunda entre a África do Sul e seus vizinhos.
11.7. Industrialização na SADC
Têm-se verificado frequentes críticas aos arranjos institucionais de
integração regional da África Austral pela fraca aposta nos processos de
industrialização dos Estados-membros. Pallotti (2004) crê que as estratégias
industriais desenvolvidas desde cedo pela SADC se têm revelado incapazes de
alterar radicalmente as estruturas produtivas dos seus Estados-membros,
perpetuando contextos de dependência da exportação de um ou dois bens
primários. Mais, estas estratégias têm sido igualmente inábeis a minorar a
polarização existente entre as economias de vários dos seus Estados-membros
e tensões subjacentes, sobretudo entre a potência regional África do Sul e seus
vizinhos. A não prossecução duma estratégia industrial regional tem sido
causada pela dificuldade em obter os necessários consensos. Também por isto
é que a SADC tem baseado muita da sua intervenção no processo de
liberalização comercial.
Finalmente, Alfieri et al (2006) fazem uma associação interessante entre
o processo de desarmamento tarifário e o fenómeno do contrabando,
afiançando que a redução das tarifas aduaneiras ameniza o incentivo para o
contrabando na África Austral, ao reduzir a diferença entre o preço legal e o
ilegal. Este cenário de diminuição dos volumes de contrabando faz que a perda
de receitas aduaneiras seja mais compensada pelo aumento das receitas
141
arrecadadas por impostos tipo IVA, o que acaba por desagravar o impacto
líquido negativo do aprofundamento da integração regional nas receitas
públicas. Porém, os mesmos autores ressalvam que a transmissão integral
destes efeitos no preço final é dificultada por obstáculos como os custos de
transporte ou falta de competitividade das economias domésticas, que podem
sobrestimar os cálculos sobre os ganhos de bem-estar dos consumidores.
142
12. Energia e Integração na África Austral
12.1. Dotações Energéticas e Portfolio Energético
A região da África Austral detém um conjunto de recursos energéticos
relevante tanto em termos de quantidade como de diversidade. A África do Sul,
Botswana e Zimbabué são abundantes em carvão; RDC, Moçambique e
Zâmbia têm potenciais de hidroeletricidade significativos; Moçambique tem
igualmente reservas de gás natural importantes, e Angola reservas de petróleo
de grande volume. Descortina-se assim uma concentração geográfica dos
recursos hídricos na zona Norte da região e das reservas de carvão mais a Sul.
Entre os países com dotações de carvão, a África do Sul destaca-se
claramente dos restantes, possuindo a quinta maior reserva mundial. A maioria
da eletricidade gerada na região tem como fonte estas reservas de carvão, mas
uma parte dela provém da hidroeletricidade. Esta é gerada sobretudo no curso
do rio Zambeze, em países como a Zâmbia, Moçambique ou Malawi. No
entanto, o maior potencial de hidroeletricidade reside na RDC, sobretudo no
seu mega-projeto do Grand Inga, que pode ser distribuído pela região via três
canais principais que são Angola, Zâmbia e Moçambique.
143
Figura 2 – Projeções para o Pleno Potencial de Comércio Energético
Intrarregional até 2015 na SAPP (TWh)
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 6)
Além destes recursos energéticos, a região apresenta igualmente
dotações de recursos petrolíferos, designadamente em Angola, RDC e África
do Sul, sendo que Moçambique poderá vir a juntar-se a este grupo no curto ou
médio prazo. Há também um conjunto de países com alguma capacidade de
refinação do petróleo, nomeadamente Tanzânia, Zâmbia ou Madagáscar
(Cilliers & Mashele, 2007). A região da África Austral detém uma percentagem
relevante do gás natural africano, sendo Moçambique destacadamente o país
com maiores reservas na região. Mais, a África do Sul e a Namíbia dispõem de
reservas de urânio importantes, sensivelmente 10% das dotações mundiais
(Total, 2007). Os dois países têm aproveitado estas suas dotações para
começarem a introduzir a energia nuclear nos respetivos portfolios nacionais.
144
Tabela 9 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP
Fonte: ECA (2009: 10)
Ainda assim, e apesar desta diversidade de recursos energéticos na
região, Mbirimi (2010) ressalva que a maioria da energia ali gerada provém da
biomassa, sobretudo nas comunidades rurais. Países como Angola, Malawi,
Moçambique, Namíbia, Zâmbia ou Zimbabué dependem maioritariamente de
recursos energéticos como a madeira ou o carvão, o que tem um impacto
negativo significativo na sustentabilidade ambiental dos seus processos de
desenvolvimento. Aliás, o Botswana é considerado um dos poucos países da
África Subsaariana que conseguiu substituir a madeira por fontes energéticas
mais modernas (Brew-Hamond & Kemausuor, 2009).
145
Gráfico 17 – Portfolios Energéticos dos Países da SADC em 2006 (%)
Fonte: BM (2010) in Kiratu (2011: 4)
O portfolio de qualquer região é sempre fortemente influenciado pelas
suas dotações energéticas próprias, daí não se estranhar que o portfolio
energético da África Austral seja atualmente dominado pelo carvão e pela
hidroeletricidade. Esse portfolio é composto em cerca de 75% por carvão, 20%
hídrica, 4% nuclear e 1% diesel e gás (ECA, 2009; Hankins, 2009). Todavia, a
SAPP tem como objetivo reformulá-lo até 2025, altura em que passará a ser
composto em 50% por carvão, 26% hídrica, 2% nuclear e 22% diesel e gás
natural.É verdade que o portfolio regional é baseado no carvão, mas, ao retirar-
se a África do Sul desta equação, constata-se que a energia hídrica domina o
portfolio energético do resto da região.
146
12.2. Alterações Climáticas e Papel da África do Sul
Dois dos impactos mais significativos das alterações climáticas na África
Austral são o aumento das temperaturas médias e da imprevisibilidade da
precipitação, o que prejudica severamente a estabilidade e segurança do
abastecimento elétrico baseado nos recursos hídricos. Mais, está
empiricamente comprovado que o rio Zambeze é um dos cursos hídricos mais
afetados pelas alterações climáticas ao nível mundial (ECA, 2009). Essas
alterações têm um impacto adverso na segurança energética dos países da
África Austral, pois o aumento da frequência de fenómenos de seca severa e
prolongada torna o abastecimento de energia hídrica mais instável, impedindo
os países da região de apostarem convenientemente neste recurso energético.
As alterações climáticas, ao tornarem a geração de energia hídrica menos
estável e previsível, podem fazer aumentar os custos operacionais de geração
de eletricidade na região. A África Austral é frequentemente apontada como
uma das regiões do Mundo mais afetadas pelo fenómeno das alterações
climáticas, juntamente com a África Oriental. A SAPP (2010) chega mesmo a
afirmar que as principais causas da instabilidade no abastecimento de
eletricidade são as condições climatéricas adversas e o vandalismo.
Como foi referido anteriormente, o portfolio energético da África do Sul é
dominado pelo carvão, o que torna o país num dos maiores emissores
mundiais de CO2 per capita. Ainda não fazendo parte do lote de países
industrializados que já atingiram o seu máximo de emissões de CO2, o
crescimento económico acelerado daquele país exige já a implementação de
147
medidas preventivas. A África do Sul é dominante no panorama energético
regional, representando cerca de 80% da produção e consumo regional (Cilliers
& Mashele, 2007; ECA, 2009; Mbirimi, 2010; Rosnes & Vennemo, 2009). Além
da produção e consumo domésticos, a África do Sul também desempenha um
papel relevante no abastecimento energético de alguns dos seus vizinhos,
exportando cerca de 5% da sua eletricidade para Botswana, Namíbia,
Suazilândia, Lesoto, Moçambique e Zimbabué.Destes, os três primeiros
importam dela mais de metade das suas necessidades energéticas totais.
As dinâmicas da procura de eletricidade da África do Sul são diferentes
das dos seus vizinhos, na medida em que ela tem um sector industrial bastante
mais desenvolvido que os restantes, setor este baseado em atividades
intensivas em energia, como as indústrias extrativas de minérios. Além disso, o
país já tem uma taxa de cobertura da rede elétrica superior à dos seus
vizinhos. De há uns anos a esta parte a África do Sul tem vindo a sofrer de uma
instabilidade crescente no seu abastecimento elétrico. Tal instabilidade está a
provocar um impacto negativo nos seus vizinhos, que são dependentes em
grande medida de importações da potência regional. A ECA (2009) constata
que a Eskom se tem mostrado cada vez mais reticente em renovar os seus
contratos de abastecimento para os países vizinhos, agravando a segurança
energética destes. O caso da Namíbia é paradigmático, na medida em que,
perante a instabilidade verificada no abastecimento elétrico da África do Sul, foi
obrigada a reativar em 2007 algumas centrais de geração de eletricidade a
carvão (Hankins, 2009).
A África do Sul herdou do regime do apartheid uma situação de excesso
de capacidade de geração de eletricidade, o que lhe permitiu levar a cabo
148
grandes projetos de aumento da taxa de cobertura da rede elétrica nacional
para os grupos sociais mais desfavorecidos ao mesmo tempo que exportava
eletricidade para os seus vizinhos. Porém, este excesso de capacidade acabou
por ser absorvido pelo aumento sustentado da procura interna, o que acabou
por ter um efeito negativo nos países vizinhos que dependiam das importações
da sua eletricidade. O papel da África do Sul no panorama energético regional
alterou-se profundamente nas últimas décadas, abandonando o papel de
exportador estrutural de eletricidade para se assumir atualmente como um dos
países que mais procura a eletricidade gerada nos seus vizinhos,
principalmente Moçambique.
Um aspeto central das dinâmicas energéticas da África Austral é a
necessidade da África do Sul de reestruturar o seu portfolio energético
doméstico. Para cumprir os compromissos assumidos na arena internacional
relativamente às emissões de dióxido de carbono, a África do Sul não só tem
que adotar novas fontes energéticas além do carvão, como tem também de
implementar medidas fomentadoras da eficiência energética (Mbirimi, 2010). O
carvão continua a ser o recurso energético dominante no seu portfolio
energético nacional. Aliás, a ECA (2009) demonstra que a África do Sul é das
economias do mundo que mais se baseia no carvão para geração de
eletricidade, apresentando níveis de emissão de CO2 per capita superiores a
muitas das economias mundiais mais desenvolvidas.
149
Tabela 10 – Portfolios Energéticos dos Membros da SAPP (MW e %)
Fonte: SAPP (2011: 29)
O passo economicamente mais lógico para a África do Sul na
restruturação do seu portfolio energético é proceder a um certo trade-off entre o
carvão e a hidroeletricidade, abundante na região. Todavia, as autoridades sul-
africanas têm vindo a considerar a exploração da energia nuclear, apesar dos
seus custos de geração muito superiores e os impactos ambientais
potencialmente desastrosos. Ram (2007) nota entretanto que, para que o
trade-off entre carvão e hidroeletricidade se concretize, é necessário
aprofundar os arranjos institucionais de integração regional energética de modo
a que a eletricidade importada pela África do Sul apresente um custo final
inferior ao da gerada internamente. Sem o compromisso e a integração do
mercado interno da potência regional África do Sul o projeto regional da SAPP
150
deixa de fazer sentido, quer político, quer económico, quer mesmo energético.
Mais, a eventual aposta firme deste país na energia nuclear pode retirar muita
da racionalidade económica ao compromisso da potência regional com o
processo de integração regional energética, visto torná-la menos dependente
dos abastecimentos dos vizinhos. Contudo, Mbirimi (2010) sustenta que um
fator que tem favorecido o desenvolvimento da SAPP é precisamente o forte
compromisso da África do Sul com a promoção da integração regional
energética
12.3. Carvão, Hidroeletricidade e Renováveis
O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional
energética tem sido avançado como uma das possíveis soluções no trade-off
entre o carvão e a hidroeletricidade regional. Rosnes & Vennemo (2009)
demonstram que, num cenário de aprofundamento dos arranjos institucionais
de integração regional energética e de expansão do comércio energético
intrarregional da SAPP, o peso da energia hídrica no portfolio energético
regional sobe de 25% para 34%, na sua grande maioria precisamente em
trade-off com o carvão. Para tal restruturação muito contribuirá o potencial de
hidroeletricidade de Moçambique, sobretudo dos seus projetos ao longo do rio
Zambeze (Mbirimi, 2010; Eberhard et al, 2011). Além de Moçambique, também
a RDC tem um papel importante a desempenhar neste contexto, se aumentar
sobremaneira as suas exportações, para sensivelmente o triplo daquilo que
consome internamente. Este aumento do peso da hidroeletricidade tem
151
implicações positivas ao nível da sustentabilidade ambiental dos processos de
desenvolvimento dos Estados-membros da SAPP. Rosnes & Vennemo (2009)
estimam que o aumento de 25% para 34% da hidroeletricidade no portfolio
energético regional corresponda aproximadamente a uma diminuição de 40
milhões de toneladas nas emissões de dióxido de carbono para a atmosfera,
cerca de 20% do total dessas emissões.
As condições associadas à exploração da hidroeletricidade, aliadas à
abundância de carvão na região, têm levado as autoridades regionais a
optarem por um paradigma energético baseado neste recurso fóssil. O custo
relativamente reduzido do carvão e a sua abundância têm vindo a desincentivar
as autoridades regionais a aprofundarem o trade-off entre este e a
hidroeletricidade, dado que o carvão responde mais rápida e facilmente às
necessidades energéticas prementes. É por isto que Mbirimi (2010) considera
que o aumento da exploração do carvão enquanto fonte energética não pode
ser criticado, exatamente dadas as urgentes necessidades energéticas da
região, que dificilmente podem ser satisfeitas de forma alternativa. Já outros
especialistas temem que estas necessidades energéticas prementes de muitos
países da região dificultem a prossecução de acordos de cooperação e
integração regional, na medida em que os países, confrontados com tamanha
pressão, optem antes por responder unicamente às suas próprias
necessidades. Mais, Cilliers & Mashele (2007) creem que a pressão da procura
das grandes potências internacionais sobre os recursos energéticos da África
Austral poderá levar a uma perda de interesse das autoridades africanas por
esquemas de solidariedade e cooperação regional.
152
Nesta temática do trade-off entre o carvão e a hidroeletricidade há que
proceder à distinção entre a racionalidade económica presente e a futura. Os
projetos de energia hídrica da região fazem mais sentido num cenário futuro
em que a potência regional, África do Sul, precisa de diversificar as suas fontes
energéticas para além do carvão. Por outro lado, a viabilidade económica dos
projetos de hidroeletricidade será tanto maior quanto mais caros forem os
recursos energéticos fósseis, quer pelo aumento da escassez destes quer por
imposições ambientais internacionais (Mbirimi, 2010).
Uma alternativa que tem vindo a ser crescentemente colocada no debate
sobre a promoção da segurança energética africana passa pela aposta mais
consistente nas energias renováveis. Kiratu (2011) afiança mesmo que a
segurança energética da África Austral pode ser assegurada se a região
conseguir explorar de forma minimamente significativa o seu potencial em
energia solar.
A região é dotada de vastos e diversos recursos energéticos renováveis,
designadamente hídricos, solares e eólicos, pelo que o potencial para o
comércio energético renovável regional é significativo. No que toca à energia
solar, o seu potencial na África Austral é relevante, dado que a maioria dos
países da região recebe mais de 2500 horas de luz solar por ano (Ngwawi,
2007). Para além das suas condições climatéricas favoráveis, experiências
recentes em países como a China ou a Índia demonstram que o
desenvolvimento da energia solar é exequível em contextos de PVD. Já a
energia eólica é das fontes energéticas menos exploradas na África Austral,
excetuando o caso da África do Sul. Este mercado encontra-se ainda
significativamente subdesenvolvido, pois os investidores privados são muito
153
avessos a arriscar nele. Hankins (2009) conclui que o desenvolvimento dum
programa regional de energias renováveis vai depender muito do compromisso
e da vontade política da África do Sul, dado o peso económico esmagador do
país e os níveis de emissões de CO2 per capita que apresenta. Por fim, alguns
dos países da região estão já a substituir parte das suas necessidades de
importação de petróleo pela produção nacional de biodiesel, como África do
Sul, Zimbabué ou Moçambique.
Tabela 11 – Potencial de Geração de Eletricidade via Energias Renováveis
Relativamente ao Consumo Doméstico Atual
Fonte: Deichman et al (2010) in Mbirimi (2010: 8)
Dentro das energias renováveis, a hidroeletricidade é aquela que tem
sido historicamente mais explorada. No entanto, os projetos de geração e
transmissão de hidroeletricidade são menos atrativos para as autoridades
governamentais da África Austral, na medida em que têm um horizonte
154
temporal de longo prazo, logo sendo incapazes de resolver os
constrangimentos energéticos do momento. Mbirimi (2010) destaca o nível de
compromisso político, os elevados custos financeiros iniciais e o horizonte
temporal de longo prazo como as principais causas para a lentidão no
desenvolvimento dos projetos de hidroeletricidade na região.
Um aspeto fundamental nas questões de restruturação de portfolios
energéticos é o efeito lock-in que os caracteriza. De acordo com Kiratu (2011),
os investimentos energéticos têm o senão de prender um país a determinado
paradigma energético, dificultando e encarecendo a alteração desse mesmo
paradigma. No caso concreto da África Austral, o efeito lock-in do paradigma
energético baseado no carvão poderá ser um dos maiores obstáculos ao
desenvolvimento do potencial da hidroeletricidade regional. O efeito lock-in dos
paradigmas energéticos concretiza-se tanto em barreiras económicas e
financeiras como institucionais e legais. Kiratu (2011) frisa que os
enquadramentos legais e institucionais muitas vezes dificultam a alteração de
paradigmas energéticos, dado que é muito difícil direcionar as instituições do
sector para novas prioridades ou fontes. É por isso que a autora afirma que a
mudança de paradigma energético do atual, baseado no carvão, para um outro
assente na hidroeletricidade necessitará sempre do apoio das autoridades
governamentais, pelo menos numa fase inicial de financiamento e edificação
de infraestruturas.
155
Figura 3 – Infraestruturas de Geração e Transmissão de Eletricidade
na África Austral
Fonte: ECA (2009: 12)
12.4. Análise Custo-Benefício da Integração Regional
A expansão do comércio energético intrarregional, decorrente do
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional apresenta,
apesar de implicar volumes de investimento significativamente superiores,
taxas de retorno económico muito significativas, sobretudo em termos de
diminuição dos custos operacionais com a geração, transmissão e distribuição
156
de eletricidade, que Rosnes & Vennemo (2008) calculam poder atingir os mil
milhões de dólares por ano na SAPP. Esta diminuição dos custos operacionais
advém sobretudo do trade-off no portfolio energético da SAPP entre o carvão e
a hidroeletricidade: apesar de esta última requerer investimentos mais
volumosos na fase inicial, tem custos operacionais posteriores
significativamente mais reduzidos.
Tabela 12 – Projeções para as Necessidades de Investimento até 2015 para
Responder à Procura de Eletricidade na SAPP
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 3)
No caso da África Austral, o retorno dos investimentos energéticos em
cenários de expansão do comércio intrarregional chega aos 160%, para
períodos de pay-back inferiores a um ano (Rosnes & Vennemo, 2009; Eberhard
et al, 2011). Mais, o retorno económico do aprofundamento da integração
regional energética é tanto maior quanto maior o nível de preços do petróleo
nos mercados internacionais, além de potenciar a exploração das energias
renováveis, particularmente a hidroeletricidade.
157
Poucas regiões do Mundo apresentam uma disparidade entre dotação
de recursos energéticos e taxa de acesso das populações à eletricidade como
a África Austral. A região dispõe de vastos e diversos recursos energéticos
(petróleo, gás natural, carvão, hidroeletricidade), mas cerca de 2/3 da
população não têm acesso à eletricidade, sobretudo nas zonas rurais. Mbirimi
(2010) destaca que, retirando-se a África do Sul e as Maurícias do panorama
regional, nenhum país da África Austral tem uma taxa de acesso à eletricidade
rural superior a 50%.
Gráfico 18 – Taxas de Acesso à Eletricidade de
Diversos Países da SADC em 2008
Fonte: IEA (2009) in Mbirimi (2010: 4)
Eberhard et al (2008) avaliam que o objetivo dos 35% de acesso à
eletricidade na região da África Austral globalmente considerada requer a
criação de 32000 MW em nova capacidade de geração e a reabilitação de
cerca de 28000 MW da capacidade já existente. Tal corresponde
158
sensivelmente a um investimento anual de 4% do PIB regional durante as
próximas duas décadas. A ECA (2009) nota contudo que, apesar de a SAPP
ter como um dos seus objetivos principais o aumento da taxa de acesso rural à
eletricidade, aquela organizaço tem-se até agora preocupado mais com o
desenvolvimento de transmissores de alta voltagem entre Estados-membros
para o abastecimento dos sectores industriais.
A SAPP apresenta uma capacidade instalada de cerca de 53000 MW
(Hankins, 2009). As necessidades de aumento da capacidade de geração de
eletricidade pressupõem praticamente a duplicação da capacidade atual.
Rosnes & Vennemo (2009) demonstram que, na próxima década, a capacidade
atual de cerca de 50000 MW poderá ser reduzida para cerca de 20000 MW,
pelo que poderá haver a necessidade de investimentos de recuperação de
capacidade perdida, à volta de 30000 MW, além de um aumento da
capacidade de geração de eletricidade de mais 35000 MW. Tais volumes
anuais de investimento representam cerca de 4,5% do PIB regional, valor
semelhante ao da África Subsaariana como um todo. Estes investimentos
implicam fluxos financeiros que Rosnes & Vennemo (2009) estimam em 38 mil
milhões dólares para a capacidade de geração, 30 mil milhões para nova
capacidade e 8 mil milhões para reabilitação da já existente. Além disso, os
custos associados à expansão das infraestruturas de transmissão e distribuição
de eletricidade rondam os 26 mil milhões USD, dos quais 16 mil milhões para
novas transmissões e 10 mil milhões para reabilitação das existentes. Tem-se
assim um volume de investimento total de cerca de 64 mil milhões USD para
responder às necessidades energéticas atuais e futuras. Já segundo a ECA
(2009), até 2025 serão necessários cerca de 83 mil milhões de dólares de
159
investimento para acrescentar cerca de 57000 MW de capacidade de geração,
o que duplicará sensivelmente a atual. Um dado muito importante para a
apologia do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional
é que estes 83 mil milhões de dólares de investimento são, ainda assim,
inferiores em 48 mil milhões de dólares num cenário em que cada país
prossegue as suas estratégias de forma individual e não coordenada. Desde
que se verificou o início da atual crise energética, a SAPP tem procurado
responder com o aumento da capacidade de geração de eletricidade. Segundo
a ECA (2009), em 2007 registou-se um aumento da capacidade de geração à
volta de 1700 MW, em 2008 1442 MW e em 2009 2266 MW. No entanto, estes
aumentos ficam muito aquém das necessidades prementes e da pressão do
lado da procura de eletricidade.
Tabela 13 – Procura Suprimida de Eletricidade na SAPP
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 215)
160
Vários estudos têm apontado o aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional energética como um instrumento
importante de promoção da segurança energética da África Austral. Para
Rosnes & Vennemo (2008), a melhor forma de reduzir os custos com a
geração de eletricidade e de imunizar as economias dos países da África
Austral contra as flutuações dos preços internacionais do petróleo, e, ao
mesmo tempo, de combater o fenómeno das alterações climáticas, é
desenvolver um mercado energético.
Tabela 14 – Projeções para os Custos Marginais na SAPP em Cenários de
Expansão e Estagnação do Comércio Energético Intrarregional (cents/kWh)
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 202)
A criação dum mercado energético regional pode também contribuir para
a segurança dos países da África Austral, na medida em que diversifica as
suas fontes de abastecimento. Tal mercado permitiria igualmente um maior
peso negocial dos países da África Austral nos mercados energéticos
internacionais, pois, ao atuarem em bloco, podem obter melhores termos de
161
compra e venda, fazendo-se valer para o efeito do estatuto internacional da
potência regional África do Sul. Eberhard et al (2008) estimam que, no caso da
SAPP, o processo de aprofundamento dos arranjos institucionais de integração
energética permitiria um aumento do comércio energético intrarregional dos
atuais 45 TWh, para cerca de 140 TWh anuais, desde que se implementasse
um programa de recuperação e expansão das capacidades de transmissão e
distribuição de eletricidade.
Tabela 15 – Projeções para os Padrões de Comércio Energético Intrarregional
da SAPP até 2015 em Cenários de Expansão e Estagnação
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 201)
O aumento da preponderância da hidroeletricidade no portfolio
energético da África Austral decorrente da criação dum mercado energético
regional tem um impacto positivo na segurança energética da região, ao
imunizar as economias internas de eventuais flutuações nos mercados
energéticos internacionais.
162
A não prossecução do aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional, com a expansão do comércio energético intrarregional e
com a consequente criação dum mercado regional acarreta consequências
económicas, políticas e outras. Rosnes & Vennemo (2009) demonstram que a
estagnação do comércio energético intrarregional leva a uma quebra
significativa das exportações de eletricidade da RDC de 41 TWh para pouco
mais de 2 TWh, o que tem como consequência a manutenção na dependência
do carvão da economia regional dominante, a África do Sul. Financeiramente,
os custos associados ao investimento em novas capacidades de geração são
mais baixos em cerca de 2,5 mil milhões de dólares num cenário de otimização
do comércio energético intrarregional.
Tabela 16 – Custos Marginais de Longo Prazo da Geração de Eletricidade nos
Países da SAPP em Cenários de Expansão e Estagnação do Comércio
Energético Intrarregional
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 7)
163
Daqui se retira que os custos de geração doméstica de eletricidade
ultrapassam em grande medida os custos associados à expansão do comércio
energético intrarregional na SAPP. A não prossecução do aprofundamento dos
arranjos institucionais de integração regional energética impede um
aproveitamento total do potencial de hidroeletricidade que a região apresenta,
sobretudo em países como Moçambique e RDC, pois o desenvolvimento de
projetos de larga escala nestes países só faz sentido económico se tiver como
destino final um mercado verdadeiramente regional. Para além do potencial de
hidroeletricidade, Cilliers & Mashele (2007) destacam que a inexistência dum
sistema integrado de abastecimento impede a região de aproveitar
potencialidades próprias como a abundância de petróleo em Angola ou mesmo
em Madagáscar.
Os exportadores regionais de eletricidade são atores centrais no
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional energética.
Os exportadores regionais de hidroeletricidade, concretamente RDC, Zâmbia e
Moçambique, podem aproveitar a expansão do comércio energético
intrarregional para diversificarem o seu padrão de exportações. Segundo
Rosnes & Vennemo (2009), o incremento do comércio energético intrarregional
permite à RDC tornar-se o principal exportador regional de energia hídrica,
vendendo ao exterior sensivelmente o triplo do seu consumo interno. Este
potencial exportador de alguns Estados da região foi precisamente uma das
motivações fundamentais para a institucionalização da SAPP em 1995,
procurando-se assim interligar as redes elétricas desde a RDC até à África do
Sul.
164
Tabela 17 – Comparação dos Volumes de Comércio Energético Intrarregional
em Cenários de Planos Energéticos Nacionais e Regionais
Fonte: ECA (2009: 15)
Na África Austral, os produtos internos e as necessidades de
investimento dos diversos países estão muito mal distribuídos, existindo países
com grandes potencialidades energéticas mas que não têm capacidade
financeira para otimizar esse potencial, muito concretamente Moçambique. Os
investimentos em projetos regionais estão muito concentrados em poucos
165
países, levando Rosnes & Vennemo (2008) a sustentarem ser ainda mais
necessário um processo de integração regional que facilite a solidariedade
financeira entre Estados-membros. Os projetos energéticos regionais estão
bastante sobredimensionados à escala nacional de países com economias
internas de menor dimensão, como é o caso de Moçambique, Zâmbia ou
Zimbabué. O financiamento destes projetos regionais comporta encargos
financeiros frequentemente incomportáveis para um Estado, pelo que se
constata a necessidade de estas infraestruturas regionais beneficiarem de
financiamento de idêntica escala (Mbirimi, 2010). Rosnes & Vennemo (2009)
concretizam esta ideia, defendendo que o aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional energética e expansão do comércio
energética intrarregional, requerem investimentos massivos em países ricos em
hidroeletricidade, como a RDC (7200 MW), Moçambique (3200 MW) e
Zimbabué (2200 MW). Tais investimentos assumem uma natureza
incomportável para estes países em termos de PIB per capita: 5,8% RDC,
6,2% Moçambique e 8,5% Zimbabué.
Passando a uma análise de sensibilidade, os investimentos na energia
hídrica da África Austral continuam a fazer todo o sentido económico, mesmo
num cenário de baixo crescimento económico, pois o aprofundamento dos
processos de integração regional aumenta a dimensão dos mercados
regionais, condição essencial para que os investimentos hídricos sejam
economicamente atrativos (Rosnes & Vennemo, 2009). Estes autores
destacam a viabilidade dos projetos de hidroeletricidade que, mesmo num
cenário de ritmos menores de crescimento económico, se mantém
praticamente inalterada, na medida em que cerca de 90% dos investimentos
166
realizados num cenário de crescimento normal continuam a fazer sentido num
cenário de desaceleração do crescimento. O redimensionamento dos
mercados domésticos para um único regional é um fator essencial para a
viabilidade dos projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade. Só este
redimensionamento dá viabilidade económica aos projetos de geração e
transmissão de hidroeletricidade.
Gráfico 19 – Necessidades de Investimento por País em Cenários de Expansão
e Estagnação de Comércio Energético Intrarregional (% PIB)
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 4)
167
12.5. Crise Energética: Causas e Consequências
A atual crise energética que afeta uma parte considerável dos Estados
da África Austral ilustra a sua incapacidade para responderem adequadamente
ao aumento da pressão do lado da procura de energia em geral e de
eletricidade em concreto. Os fatores fundamentais do aumento da pressão do
lado da procura de recursos energéticos na África Austral são o crescimento
económico, a urbanização e o crescimento demográfico. Este crescimento da
procura não foi devidamente acompanhado por um incremento do investimento
na expansão e manutenção das redes elétricas.
Tabela 18 – Projeções para o Crescimento Demográfico e da Procura de
Eletricidade na SAPP
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 214)
168
Tabela 19 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade
na SAPP até 2015 (TWh)
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 223)
Para Mbirimi (2010), este crescimento acelerado da procura de
eletricidade representa tanto uma oportunidade como um risco para a própria
SAPP: uma oportunidade, pois oferece um mercado regional cada vez mais
apetecível para a expansão da capacidade de geração, transmissão e
distribuição de eletricidade; um risco, na medida em que este aumento
significativo e urgente da procura da eletricidade pode levar os Estados a
promover iniciativas estritamente nacionais de aumentos de capacidade,
minando os esforços de coordenação à escala regional. As projeções atuais
apontam para um crescimento anual da procura de eletricidade entre 4% e 5%
para a região da SAPP (Ram, 2007; Rosnes & Vennemo, 2009).
169
Gráfico 20 – Evolução do Pico da Procura de Eletricidade na SAPP
Fonte: Hankins (2009: 28)
A região da África Austral não tem presentemente as capacidades de
geração, transmissão e distribuição de eletricidade necessárias para responder
à procura existente. Rosnes & Vennemo (2009) calculam que a SAPP precisa,
para conseguir responder adequadamente ao ritmo de crescimento da procura
de eletricidade, de obter mais de 31000 MW em nova capacidade de geração,
além de reabilitar cerca de 28000 MW de capacidade já existente. Uma das
manifestações mais relevantes da atual crise energética é o fenómeno das
quebras e falhas sucessivas no abastecimento elétrico, que tem impactos
económicos bastante relevantes.
170
Tabela 20 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade nos
Membros da SAPP até 2015 (MW)
Fonte: SAPP (2011: 31)
Figura 4 – Procura e Capacidade de Geração de Eletricidade na SAPP
Fonte: Hankins (2009: 44)
171
O crescimento da pressão do lado da procura de eletricidade fez a
região da África Austral, e muito especialmente a África do Sul, desesperar
pelo aumento da capacidade de geração de eletricidade. Constata-se que a
SAPP continua a sentir dificuldades em aumentar a sua capacidade de geração
e em implementar projetos regionais prioritários.
Gráfico 21 – Projeções para a Capacidade Instalada da SAPP
Fonte: SAPP (2011: 10)
Para tal muito contribuem ainda obstáculos físicos e institucionais ao
comércio energético intrarregional. Para a ECA (2009), o desafio principal com
que a SAPP se defronta atualmente é o de expandir as capacidades de
geração, transmissão e distribuição da rede elétrica regional, de modo a
garantir uma maior estabilidade e segurança do abastecimento elétrico que
potencie o crescimento económico. Cilliers & Mashele (2007) acrescentam que
esta expansão das capacidades só é alcançável se as organizações regionais
172
e os diversos Estados-membros acederem ao financiamento internacional em
condições minimamente vantajosas e também ao apoio técnico e institucional
da comunidade internacional. Finalmente, a região precisa encontrar com
urgência um equilíbrio entre a resposta às necessidades energéticas
prementes e a promoção das energias renováveis, no quadro do agravamento
do fenómeno das alterações climáticas.
Como foi referido anteriormente, a motivação para a implementação de
projetos regionais que aumentem a capacidade de geração tornou-se muito
mais forte desde 2007, quando a região começou a registar escassez crónica
na oferta de eletricidade. A partir desta altura a região da África Austral
começou a experienciar falhas sucessivas no abastecimento de eletricidade. É
por isso que Castalia (2009) nota um receio crescente na região quanto à
capacidade da SAPP para assegurar a estabilidade da oferta e do
abastecimento energético aos países importadores. Mais, a instabilidade
política e social que teima em permanecer em alguns países da África Austral
dificulta também a confiança mútua entre Estados vizinhos, o que mina os
esforços de integração regional energética.
Perante este cenário, a segurança energética tornou-se uma das
prioridades das autoridades da região, designadamente a garantia de um
abastecimento de energia estável e acessível. Para Mbirimi (2010), a
segurança energética da África Austral passa muito pela edificação de novas
infraestruturas, quer para aumentar a capacidade de geração quer para
diversificar mais para as energias renováveis. Segundo este autor, a segurança
energética regional tem três dimensões fundamentais: i) o papel da África do
Sul enquanto potência regional, maior produtor e consumidor de energia e
173
potencialmente o maior importador da hidroeletricidade produzida na região; ii)
a persistência de fenómenos de pobreza e baixas taxas de cobertura das redes
elétricas nacionais; iii) as potencialidades que as energias renováveis têm na
região, designadamente a solar e a eólica.
12.6. Projetos Energéticos Transnacionais
O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional
energética é materializado em projetos energéticos transnacionais. O projeto
do Kariba foi o primeiro a envolver um esquema minimamente complexo de
conexões entre diferentes Estados, implicando a construção da barragem
propriamente dita e a edificação de linhas de transmissão entre a Zâmbia e o
Zimbabué. Atualmente o maior projeto transnacional na África Austral é o
projeto Grand Inga na RDC, que tem um potencial significativo, sensivelmente
40000 MW, capaz de produzir a mesma eletricidade que toda a África do Sul, e
podendo satisfazer grande parte da procura do continente africano (ECA,
2009). No dia 22 de Outubro de 2004, os Ministros da Energia de Angola,
Botswana, RDC, Namíbia e África do Sul assinaram um memorando de
entendimento que previa o desenvolvimento da terceira fase do projeto Grand
Inga e respetivo transmissor Westcor (Eberhard et al, 2011. Para o efeito, foi
criada em 2005 a empresa Westcor, sediada no Botswana, com participações
sociais equitativas de todos os países envolvidos. Fora este, os outros projetos
de expansão das capacidades de geração e transmissão de eletricidade em
curso são: i) o conector entre o Moçambique e Malawi, desde a província
174
moçambicana de Tete até Blantyre, para integrar o segundo na rede da SAPP;
ii) o conector entre a Zâmbia, Tanzânia e Quénia, para integrar a Tanzânia na
SAPP e ligar a SAPP com a EAPP; iii) o projeto Westcor, que liga o projeto
Inga à África do Sul, totalizando cerca de 3000 km; iv) entre a RDC e a Zâmbia;
v) entre Zimbabué, Botswana e África do Sul; vi) entre Moçambique e
Zimbabué, desde a estação moçambicana de Songo até Bindura (ECA, 2009;
SAPP, 2010). Ram (2007) complementa a lista com os seguintes projetos: vii)
Triangle – Orange Grove no Zimbabué; viii) Second Alaska – Sherwood no
Zimbabué; ix) Hwange – Livingstone – Kafue entre a Zâmbia e o Zimbabué); x)
Livingstone – Katima – Mulilo; xi) Kolwezi – Solwezi entre a RDC e a Zâmbia);
xii) Inga – Kolwezi na RDC; xiii) Karivia – Luano entre a RDC e a Zâmbia.
Relativamente ao projeto ii), a conexão entre Zâmbia, Tanzânia e Quénia visa
integrar a SAPP e a EAPP, e consiste fundamentalmente numa linha de cerca
de 600 km a 330 kV, para a transmissão de 200 MW de eletricidade da Zâmbia
para a Tanzânia, sendo que para ela chegar ao Quénia é preciso fortalecer a
rede elétrica interna da Tanzânia. Outro projeto regional relevante integra
Zimbabué, Botswana e Namíbia, que acordaram num empreendimento que
visa ligar as suas redes elétricas nacionais, desde a estação de Hwange
(Zimbabué) a Pandamatenga no Botswana e finalmente à estação do Zambeze
na Namíbia. Finalmente, um dos grandes projetos de hidroeletricidade à escala
regional está a ser executado por Angola e Namíbia, envolvendo as respetivas
empresas estatais ENE e NamPower.
175
12.7. Preço da Eletricidade na África Austral
Nenhum país da África Austral transfere integralmente os custos de
geração transmissão e distribuição da eletricidade para o preço final a pagar
pelos consumidores, em função de objetivos de proteção dos mais
desfavorecidos. Segundo Eberhard et al (2008), países como Angola, Malawi,
África do Sul, Zâmbia e Zimbabué têm um histórico de manutenção de preços
de eletricidade muito baixos, mesmo abaixo dos custos de produção. Esta
opção política de não fazer refletir a totalidade dos custos operacionais da
eletricidade no preço final do consumidor leva a que muitas empresas elétricas
estatais acumulem prejuízos, tornado praticamente impossível realizar
investimentos de expansão ou mesmo manutenção da capacidade de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade. O investimento é também
negativamente afetado pela dificuldade em obter financiamento, dado que um
dos sinais de mercado a que os investidores privados mais dão importância
aquando das suas projeções de investimento é o nível de tarifas aplicadas. Daí
Mbirimi (2010) advogar a necessidade de romper com o paradigma de fixação
de preços de consumidor abaixo dos próprios custos da eletricidade na região
da África Austral. As tarifas da eletricidade na região variam: menos de 4
USc/kWh na África do Sul e Malawi, entre 4 e 7 USc/kWh no Botswana,
Moçambique, Namíbia, Suazilândia e Zâmbia, e acima de 8 USc/kWh em
Angola e Tanzânia, sendo que estes dois últimos não estão conectados com a
rede regional. Deste facto pode retirar-se que a integração regional energética,
ao baixar o preço da eletricidade para os países com maiores custos de
geração e transmissão domésticos, tem um impacto líquido positivo nos
176
preços, e logo no bem-estar geral das populações. Ram (2007) defende que
uma das formas de se assegurar a formação equilibrada e justa dos preços da
eletricidade na África Austral é procurar mecanismos que garantam fórmulas
win-win entre geradores e distribuidores de eletricidade. Ou seja, os países que
servem de transmissores entre um país gerador e outro consumidor devem
igualmente ser compensados financeiramente pela transação, que desgasta as
suas linhas de transmissão domésticas.
Gráfico 22 – Preço Médio da Eletricidade em Alguns Países da SAPP
Fonte: ECA (2009: 17)
177
12.8. Comércio Energético Bilateral vs. Multilateral
Muita da rede infraestrutural utilizada pela SAPP para o comércio
energético intrarregional multilateral vem de acordos bilaterais firmados há já
muito tempo, tratando-se, portanto, mais de uma questão de potenciar o já
existente. A maioria das infraestruturas de geração e transmissão de
eletricidade que a SAPP utiliza, orientadas para o apoio às indústrias extrativas
intensivas em energia, precedem a própria formação da organização regional.
As primeiras experiências de comércio energético intrarregional na África
Austral datam do início do século XX, quando a empresa Victoria Falls foi
constituída na antiga Rodésia do Sul para fornecer eletricidade à indústria
mineira da África do Sul (ECA, 2009).
Um dos aspetos relevantes da região da SAPP é que os seus Estados-
membros sempre realizaram trocas comerciais de energia, independentemente
do contexto político do momento. No passado, o regime do apartheid sul-
africano levou a que os países vizinhos da África do Sul prosseguissem
políticas energéticas de autarcia, apostando na geração interna de eletricidade.
Ainda assim, desenvolveram um conjunto de ligações elétricas transnacionais
entre si, com o objetivo de reduzirem a sua dependência relativamente à África
do Sul, ligações essas que constituem precisamente um dos eixos centrais
atuais da SAPP. A interligação das redes nacionais dos países vizinhos da
África do Sul – sobretudo Botswana, Zâmbia, Zimbabué e Moçambique - foi
exatamente uma das motivações subjacentes à criação da SADCC em 1980.
Os próprios tratados iniciais da SAPP foram baseados em grande medida nos
178
acordos bilaterais previamente estabelecidos na região, e que ainda dominam
o comércio energético regional (ECA, 2009).
Figura 5 – Comércio Energético Intrarregional na SAPP em 2010
Fonte: SAPP (2011: 32)
179
A maioria da cooperação na área energética na África Austral assume a
modalidade bilateral e não a multilateral, dado que a primeira é de mais fácil
execução. A maior parte da rede infraestrutural energética da região da SAPP
foi desenvolvida no âmbito destes acordos bilaterais, sem grande preocupação
com possíveis tendências do comércio energético regional multilateral. Cerca
de 90% do comércio energético intrarregional da África Austral está
enquadrado em acordos bilaterais, sendo que apenas o remanescente é
realizado na modalidade multilateral.
Tabela 21 – Comércio Energético na SAPP em 2005
Fonte: ECA (2009: 28)
Uma das melhores práticas internacionais neste campo é a da região do
Mekong, que ilustra os benefícios da expansão do comércio energético
intrarregional bilateral como primeiro passo para a consolidação e fomento do
multilateral (Castalia, 2009). Foi na sequência disto que a SAPP desenvolveu
180
um mercado energético de curto-prazo que permite o comércio diário dos
recursos energéticos, o STEM (Short-term Energy Market). O desenvolvimento
do STEM foi um marco significativo na integração regional energética, apesar
de os volumes de troca a ele associados terem sido pouco volumosos.
Aquando da criação do STEM, o mecanismo encontrado para a definição dos
preços da eletricidade baseou-se nas quantidades trocadas e na distância
entre comprador e vendedor (ECA, 2009). No entanto, depressa se constatou
que era necessário substituir o STEM por um outro arranjo que tornasse o
mercado energético regional mais competitivo, pelo que se avançou para a
institucionalização do DAM (Day-ahead Market) em Dezembro de 2009. Isto
aconteceu num momento em que a região já apresentava o atual défice de
capacidade de geração de eletricidade, mas o facto de alguns membros
apresentarem um superavit e outros um défice de capacidade incentivou os
Estados-membros a avançarem para a criação deste instrumento. Ao contrário
do STEM, em que compradores e vendedores interagiam, no DAM existe uma
autoridade coordenadora, a SAPP, que controla a procura e a oferta e
determina ela própria os preços. O DAM está aberto às empresas estatais,
produtores, transmissores e distribuidores independentes, na sequência do
processo de abertura da SAPP a atores não públicos. No início de atividade do
DAM os volumes e valores comercializados foram pouco significativos, dado
que os membros precisaram de algum tempo para se ajustarem a esta nova
plataforma. Contudo, o facto de o DAM registar mais propostas de oferta do
que de procura é um sinal encorajador, tendo em conta que a SAPP apresenta
um défice estrutural de capacidade de geração.
181
12.9. SAPP: Características e Objetivos
Passando para a SAPP enquanto organização regional, refira-se que ela
foi criada em Agosto de 1995, e tem quatro departamentos: ambiental,
operacional, de mercados e de planeamento (SAPP, 2010). Foi a primeira
organização regional do género a ser criada fora da América do Norte e Europa
Ocidental, com o objetivo de otimizar a exploração dos recursos energéticos
disponíveis na região.
Figura 6 – Estrutura de Governação da SAPP
Fonte: ECA (2009: 36)
182
As motivações subjacentes à criação da SAPP passaram muito pelo
desejo da África do Sul de responder às suas crescentes necessidades de
eletricidade através dum acesso mais facilitado ao potencial de
hidroeletricidade dos seus vizinhos do Norte. Para Mbirimi (2010) e Kiratu
(2011), a criação da SAPP é um sinal importante de compromisso político dos
países da região com a cooperação e o comércio energético regional,
reconhecendo os Estados-membros que a segurança energética de cada um é
facilitada pela cooperação regional. Enquanto organização regional, a SAPP
apresenta algumas características interessantes: i) a esmagadora maioria dos
seus projetos passam por infraestruturas de grande dimensão para
aproveitamento de água, gás ou carvão; ii) o preço da eletricidade é mantido a
um nível artificialmente baixo, como forma de promover o sector industrial; iii)
as novas energias renováveis têm sido praticamente ignoradas nos planos
estratégicos da SAPP (Hankins, 2009). Há outras condicionantes a considerar
na análise dos arranjos institucionais de integração regional energética: o
aprofundamento da integração regional energética no quadro da SAPP, que
viabilizará mais e maiores projetos geração de hidroeletricidade; os custos
iniciais superiores dos projetos de geração de hidroeletricidade quando
comparados com outras fontes energéticas. Cilliers & Mashele (2007)
descortinam igualmente algumas dinâmicas próprias nos padrões de produção
e consumo de energia na África Austral: as exportações de petróleo de Angola,
que são pouco canalizadas para a região, o que faz com que esta não consiga
satisfazer as suas necessidades energéticas próprias apesar da abundância
dos recursos petrolíferos angolanos; os níveis significativos de produção e
183
consumo de eletricidade da África do Sul, com padrões de consumo distintos
dos dos seus Estados vizinhos.
Perante este contexto, a SAPP definiu os seguintes objetivos centrais: i)
estabelecer um sistema elétrico regional robusto, de confiança e eficiente na
África Austral; ii) implementar enquadramentos e standards harmonizados no
que toca à qualidade do abastecimento e respetiva monitorização; iii)
harmonizar as relações comerciais energéticas entre os Estados-membros iv)
facilitar o desenvolvimento dum mercado de eletricidade competitivo na região
da SADC; v) aumentar a oferta e a estabilidade do abastecimento de
eletricidade para o consumidor final; vi) assegurar um desenvolvimento
sustentável do potencial energético da região vii) fomentar a expansão da rede
elétrica regional para países que ainda não estão integrados; viii) introduzir um
mercado de curto prazo, o STEM, que facilite a comercialização dos
excedentes elétricos não abrangidos por contratos bilaterais; ix) incentivar a
exploração da hidroeletricidade em detrimento da energia nuclear; x) conjugar
a promoção simultânea de projetos de menor dimensão de distribuição local
com os grandes projetos de cariz regional (ECA, 2009; SAPP, 2010). Estes
objetivos procuram responder aos grandes desafios que se apresentam à
região da África Austral e à respetiva organização regional ,SAPP, e consistem
sobretudo na resposta adequada às necessidades energéticas crescentes
provocadas pelo processo de desenvolvimento económico, à promoção da
sustentabilidade ambiental da exploração energética e ao acesso ao
financiamento internacional em condições vantajosas.
A atuação e intervenção da SAPP não têm estado isentas de críticas.
Castalia (2009) criticam esta organização pelo enfoque excessivo no comércio
184
energético intrarregional de curto prazo, que tem um potencial de expansão
reduzido, dado o cenário de constrangimento na oferta energética. Ram (2007)
apela à SAPP para que dê prioridade à integração dos países excluídos da
rede regional, sem os quais não se pode falar dum mercado energético
verdadeiramente regional. Mbirimi (2010) critica a prioridade absoluta atribuída
ao abastecimento ao setor industrial em detrimento do doméstico, aspeto que,
na sua opinião, tem contribuído para o fracasso no aumento das taxas de
acesso à eletricidade regionais. Já Hankins (2009) reprova a concentração de
esforços da SAPP no aumento da capacidade de geração de eletricidade e não
tanto nas políticas de controlo da procura de eletricidade ou no fomento das
novas energias renováveis.
Apesar dos progressos alcançados como o desenvolvimento duma rede
comum de abastecimento de eletricidade, a região da África Austral continua
confrontada com a ameaça de falta de eletricidade.
Gráfico 23 – Contabilização das Perturbações no Sistema da SAPP em 2010
Fonte: SAPP (2011: 15)
185
Ao problema estrutural da fraca cobertura territorial das redes elétricas
nacionais tem-se juntado o fenómeno das quebras e falhas constantes no
abastecimento elétrico corrente. A atual oferta energética da região não reflete
a dimensão nem a estrutura dos seus recursos, dado que a esmagadora
maioria da exploração petrolífera da região não está associada à procura
regional mas sim à das principais potências mundiais.
O mercado energético regional da África Austral é considerado híbrido,
na sequência dos processos de liberalização e privatização a que o sector
assistiu nas décadas passadas devido aos programas de ajustamento
estrutural. Como, ao mesmo tempo, as empresas estatais continuam a
desempenhar um papel central no mercado regional, há toda uma série de
indefinições e áreas confusas em que não se sabe com exatidão quem deve
desempenhar que papel. Os operadores privados e públicos atuam sem
delimitações claras de atribuições, responsabilidades e poderes, o que dificulta
a cooperação entre atores públicos e privados.
A participação dos agentes económicos privados no mercado energético
regional tem sido um dos temas mais debatidos nos últimos tempos na África
Austral. Ela ainda não é expressiva nem consistente, até porque, segundo
Mbirimi (2010), a formação da SAPP per se não alterou a aversão ao risco que
investidores privados manifestam sobre os projetos energéticos na África
Austral. Para Eberhard et al (2011), a SAPP, apesar do seu já longo percurso
histórico, parece mais apostada em proteger os interesses internos dos seus
Estados-membros do que em facilitar a participação dos privados nos seus
projetos regionais, participação que, aliás, ainda sofre de vários obstáculos
institucionais. Assim, constata-se a necessidade de integrar os operadores
186
privados e independentes na rede regional abrangente da África Austral. Ram
(2007) defende mesmo que deve ser dado acesso indiscriminado às redes de
transmissão e distribuição de eletricidade às empresas privadas independentes
que já tenham uma dimensão significativa. Todavia, o incentivo à participação
dos agentes económicos privados tem de passar pela criação de instituições
que consigam regular o mercado energético regional de forma coerente e
efetiva, pois a fraqueza das instituições existentes na África Austral é apontada
pelos agentes económicos privados como uma das razões para a sua aversão
ao risco. De referir que a única entidade privada membro da SAPP é a CEC
(Copperbelt Energy Corporation) da Zâmbia, na categoria de ITC (Independent
Transmission Company).
Quadro 1 – Membros da SAPP
Fonte: SAPP (2011: 3)
187
12.10. Boas Práticas Internacionais
Voltando às boas práticas internacionais, a SAPP deve retirar cinco
conclusões fundamentais de outros exemplos mundiais: i) necessidade de se
contemplar desde a fase de institucionalização dos acordos de comércio
energético salvaguardas para a estabilidade da oferta e do abastecimento; ii)
necessidade de se reforçar as responsabilidades e poderes das organizações
regionais, tornando as suas decisões mais vinculativas para os Estados-
membros; iii) necessidade de se harmonizar e coordenar estratégias de
planeamento e fixação de preços; iv) importância das power pools para o
fomento do comércio energético intrarregional; v) necessidade de se
implementar mecanismos de regulação e supervisão perfeitamente claros e
transparentes vi) vantagens da institucionalização de acordos bilaterais para a
criação das bases para a expansão do comércio intrarregional energético
multilateral; vii) necessidade do aprofundamento dos arranjos institucionais e a
expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição de
eletricidade (Castalia, 2009). Do caso concreto da América Central a África
Austral pode retirar a necessidade de adotar processos de tomada de decisão
claros e transparentes, com o máximo de especificações possíveis. Naquela
região, perante a impossibilidade de se conseguir atingir um consenso, a
organização regional tem autoridade para tomar uma decisão vinculativa para
todos os Estados-membros, mesmo aqueles que estejam em desacordo
(Castalia, 2009). Tal facto evidencia o nível de compromisso político dos
Estados com os arranjos institucionais de integração regional, compromisso
esse que falta à região da África Austral e que tem sido frequentemente
188
apontado como um dos principais obstáculos ao sucesso dos processos de
integração regional. Uma outra região que pode servir de exemplo é a África
Ocidental, que já adotou processos de elaboração de estratégias e de fixação
de preços bem definidos, claros e eficientes.
Quadro 2 – Comparação entre os Tratados e Protocolos da SADC e ECOWAS
Fonte: Castalia (2009: 24)
189
Quadro 3 – Comparação entre a SAPP e a WAPP
Fonte: Castalia (2009: 57)
Na África Austral, constata-se a necessidade dum compromisso político
mais efetivo dos governos nacionais com organizações regionais: SADC SAPP,
RERA (Regional Electricity Regulatory Association) ou REPGA (Regional
Petroleum and Gas Association). A RERA tem nove membros: Angola, Malawi,
Namíbia, Tanzânia, Zimbabué, Lesoto, Moçambique, África do Sul e Zâmbia.
Esta organização tem como objetivo fundamental contribuir para a
harmonização dos diversos enquadramentos legais e institucionais dos setores
energéticos nacionais, fomentando a cooperação entre as diversas entidades
reguladoras dos Estados-membros da África Austral. A própria criação da
SAPP permitiu um enquadramento institucional favorável para a diversificação
e expansão da capacidade de geração. Com efeito, foram alcançados
progressos no que toca à harmonização de enquadramentos institucionais
nacionais na área da energia. Porém, Castalia (2009) ressalva que o
enquadramento legal subjacente ao comércio energético intrarregional na
África Austral é relativamente fraco, sobretudo quando comparado com o de
190
outras regiões do Mundo, mesmo algumas igualmente em vias de
desenvolvimento.
Já a REPGA tem como objetivo central garantir um abastecimento de
petróleo e gás natural estável e de confiança aos países da África Austral,
aproveitando ao máximo eventuais hipóteses de economias de escala. A
integração regional energética ainda não atingiu o seu pleno potencial, na
medida em que a decisão final sobre projetos de geração e transmissão de
eletricidade permanece no seio dos Estados soberanos e não nestas
organizações regionais. O papel da SAPP no planeamento de novos projetos
energéticos da região não é vinculativo, antes meramente consultivo, sendo
que as decisões finais continuam a pertencer aos diversos Estados-membros
de forma individual e isolada. Também por isto é que a ECA (2009) constata
que os projetos que estão a avançar na África Austral não são aqueles que
fazem mais sentido económico em termos regionais, mas sim os que
respondem mais adequadamente às necessidades individuais dos Estados-
membros. Ainda assim, desde que se começou a registar falhas estruturais de
abastecimento de eletricidade na região a SAPP tem vindo a ganhar um peso
crescente na definição e coordenação dos investimentos elétricos regionais.
Castalia (2009) conclui que importa clarificar o papel da SAPP em três
dimensões distintas: o envolvimento dos reguladores nas negociações
comerciais, a definição do calendário dos processos de tomada de decisão e a
disponibilização pública de informação relativa aos contratos de fornecimento.
191
13. Integração Regional de Moçambique
13.1. Protocolo Comercial e Receitas Aduaneiras
Moçambique é um dos Estados da região da África Austral que mais tem
apostado nos arranjos institucionais de integração regional. O país demonstrou
o seu compromisso com o processo de integração regional na África Austral ao
ter assinado o Protocolo Comercial da SADC, que pressupõe uma zona de
comércio livre até 2008, para além de vários protocolos sobre outras áreas. No
processo de desarmamento tarifário integrado no aprofundamento da
integração regional na África Austral, Moçambique apresentou duas propostas
de redução tarifária distintas no seio da SADC, uma para a África do Sul e
outra para restantes países, tendo em conta os diferentes níveis de
desenvolvimento da potência regional e dos restantes Estados-membros. O
Estado moçambicano elegeu como os seus produtos sensíveis a carne bovina
e o milho, entre outros produtos primários. A abertura das economias
domésticas à concorrência regional foi gradual. Segundo Correia (2008), o
efeito de redimensionamento dos mercados domésticos num único regional
provoca um aumento da concorrência entre agentes económicos privados que
pode resultar numa melhor relação qualidade-preço dos bens a oferecer aos
consumidores. No caso da economia moçambicana, as respetivas autoridades
definiram como objetivo liberalizar a economia interna em cerca de 92% até
2012, concluindo a liberalização total até 2015.
192
Esta adoção do protocolo comercial provocou uma redução do volume
de receitas aduaneiras, pelo que as autoridades nacionais têm procurado
compensar tal perda com a diversificação da atividade económica interna e o
alargamento da base tributária social e geográfica nacional (Chiau, 2008;
Correia, 2008). Tal permitirá que a diminuição das receitas aduaneiras seja
devidamente compensada pelo aumento de outros tipos de receitas públicas,
designadamente as fiscais. O alargamento da base social fiscal é
particularmente relevante no caso moçambicano, visto que uma parte
considerável da população ativa ainda não está devidamente integrada no
sistema tributário nacional. As previsões mais recentes apontam para uma
diminuição gradual e sustentada das receitas aduaneiras até 2015, em
resultado sobretudo da remoção das tarifas aduaneiras nos chamados
produtos sensíveis. Ainda assim, apesar desta diminuição, elas continuarão a
assumir um peso significativo nas receitas fiscais do Estado moçambicano. As
receitas aduaneiras representaram, ainda em 2004, cerca de 25% do total das
receitas fiscais do governo moçambicano (Alfieri et al, 2006). Por outro lado, o
processo de desarmamento tarifário, ao induzir um aumento das importações,
pode igualmente provocar a subida das receitas públicas nas áreas do IVA.
A participação e inserção da economia moçambicana no comércio
internacional, apesar de registar progressos importantes, ainda está longe da
média das restantes economias da SADC (Chiau, 2008). Moçambique
contribuiu para o esforço de racionalização dos arranjos institucionais de
integração regional ao optar por aderir exclusivamente à SADC. Moçambique,
Lesoto e Tanzânia decidiram abandonar a COMESA nos anos 90. Ainda assim,
há hoje sete países que pertencem simultaneamente à SADC e COMESA:
193
RDC, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué. Este
processo de integração de Moçambique num único bloco continental pode
acabar por acelerar ainda mais o fenómeno da urbanização, segundo a UNDP
(2011).
13.2. Arranjos Institucionais: SADC vs. SACU
Alfieri et al (2006) procederam à análise sobre qual o arranjo institucional
de integração regional que mais benefícios pode trazer para o Estado
moçambicano, chegando à conclusão que a SACU é aquele que oferece um
resultado líquido mais positivo para Moçambique, e recomendando por isso
que o país aprofunde a sua integração nas dinâmicas regionais e altere a sua
estratégia de integração regional da SADC para a SACU. Mais, os mesmos
autores vislumbram a disponibilidade das autoridades moçambicanas para
reavaliar a sua estratégia de integração regional, procurando arranjos
institucionais mais favoráveis que a SADC. As conclusões iniciais deste
trabalho apontam prejuízos para o bem-estar de Moçambique com a
participação na SADC, porque os ganhos do lado dos consumidores não
compensam as perdas em receitas aduaneiras. Aliás, essa perda é sempre
maior que os ganhos de consumidor em todos os cenários colocados, se bem
que menos no caso da SACU e respetivos fundos financeiros de solidariedade,
o que se traduz num impacto líquido mais favorável do aprofundamento do
processo de integração regional. Os autores demonstram que estes fundos de
solidariedade e redistribuição da SACU têm um impacto líquido positivo na
194
economia moçambicana superior aos ganhos de consumidor providenciados
pela liberalização unilateral da economia moçambicana. Mais, a eventual
adesão de Moçambique à SACU enviaria um sinal forte aos agentes
internacionais de maior integração com a economia sul-africana e de
compromisso com a boa governação.
As regras de origem demasiado restritivas impostas no Protocolo
Comercial da SADC são um dos motivos apontados por Alfieri et al (2006) para
a baixa intensidade de relações comerciais de Moçambique com os seus
vizinhos, excetuando a África do Sul, o que, por inerência, valoriza ainda mais
a hipótese SACU. A liberalização unilateral da economia moçambicana é o
cenário que acarreta maior subida das importações, seguido do da SACU e
finalmente do protocolo comercial da SADC. O efeito deste protocolo na quebra
da procura de bens domésticos é menor em alguns produtos agrícolas e têxteis
(Alfieri et al, 2006).
Moçambique tem acesso preferencial e isento aos principais mercados
mundiais (EUA via AGOA e UE via Acordo de Cotonou) e assinou igualmente
uma série de acordos bilaterais com África do Sul, Portugal, Zimbabué, Ilhas
Maurícias, França, Itália, China, Egipto, Indonésia, Argélia, Suíça, Alemanha,
Holanda, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, Cuba e Malawi (Chichava, 2011).
Além destes, as autoridades moçambicanas têm procurado estabelecer mais
acordos bilaterais com países como Angola, Tanzânia ou Zâmbia. Todavia, os
constrangimentos da sua capacidade produtiva ainda não permitem um
aproveitamento total destas potencialidades.
195
13.3. Relações Moçambique – África do Sul
Dentro do espaço da África Austral, Moçambique apresenta uma relação
económica muito forte com a África do Sul. Para Magaia (2003), as relações
económicas entre as duas economias têm sido estruturadas em torno de
algumas dinâmicas fundamentais: i) o poderio hegemónico da África do Sul na
região da África Austral; ii) as decisões de política económica das autoridades
moçambicanas; iii) o papel ainda pouco relevante da economia sul-africana no
panorama internacional; iv) o peso de setor extrativo na economia sul-africana.
Gráfico 24 – Volume do IDE em Moçambique por Origem
(2001/2005, Milhões USD)
Fonte: Alfieri et al (2006: 43)
196
O IDE desempenha um papel importante na economia moçambicana, na
medida em que representa uma das principais fontes de poupança e
investimento na economia doméstica. Magaia (2003) afirma mesmo que o IDE
é uma necessidade para a economia moçambicana, que não é capaz de gerar
internamente os volumes de poupança necessários para realizar investimento.
A África do Sul é precisamente um dos principais atores externos na economia
moçambicana, sendo que Moçambique é um dos principais destinos do
investimento sul-africano. O IDE sul-africano concentra-se na província de
Maputo, em muito influenciado pela edificação do corredor de desenvolvimento
de Maputo, que permite desbloquear o potencial de desenvolvimento da região
nordeste da África do Sul e da província de Gauteng.
Tabela 22 – IDE da África do Sul em Moçambique por Província Moçambicana
(1990/2000)
Fonte: CPI (2001) in Pallotti (2004: 526)
Ele concentra-se em setores económicos como os recursos naturais,
indústrias extrativas, banca, telecomunicações, comunicação social e turismo.
197
Moçambique tem uma vantagem comparativa significativa relativamente, por
exemplo, à África do Sul num dos fatores mais valorizados para o IDE, os
baixos custos salariais. Outra vantagem da economia moçambicana é de cariz
aduaneiro: enquanto as taxas aduaneiras para a importação de tecidos na
África do Sul podem ascender a 20%, em Moçambique estas taxas são nulas.
Contudo, Pallotti (2004) ressalva que a intensificação dos fluxos de IDE
sul-africanos para Moçambique não tem sido acompanhada por um incremento
da criação de emprego, dado que o padrão deste IDE é muito mais intensivo
em capital e exigente em termos de qualificações para a mão-de-obra. Mais,
excluindo o turismo, todos estes sectores são intensivos em capital e não têm
ligações diretas com muitos outros sectores da economia doméstica
moçambicana, como é o caso paradigmático de mega-projetos como o do
alumínio da Mozal. Chichava (2011) acrescenta a estas escassas ligações
entre o IDE e a economia local o subdesenvolvimento do sector das indústrias
de suporte moçambicanas, que impede um maior aproveitamento dos
benefícios do IDE no país.
O peso da África do Sul nas relações comerciais moçambicanas é
significativo, tendo em 2004 representado 55% das importações de
Moçambique, enquanto os restantes Estados da África Austral representaram
apenas 5%. Já o principal destino das exportações moçambicanas em 2004 foi
a UE, com 68%, enquanto a África do Sul apenas absorveu 14% (Alfieri et al,
2006). Daqui se retira a desigualdade da relação comercial entre a África do
Sul e Moçambique, sendo a penetração moçambicana na África do Sul muito
menor que a inversa. As exportações moçambicanas para a África do Sul
198
apresentam uma concentração excessiva em alguns bens primários pouco
processados e com pouco valor acrescentado.
Tabela 23 – IDE da África do Sul em Moçambique por Setor Económico
(1990/2000)
Fonte: CPI (2001) in Pallotti (2004: 528)
Gráfico 25 – Importações de Moçambique por Origem em 2004 (%)
Fonte: Alfieri et al (2006: 7)
199
Gráfico 26 – Exportações Moçambicanas por Destino em 2004 (%)
Fonte: Alfieri et al (2006: 7)
Teoricamente, os próprios arranjos institucionais de integração
regional potenciam os fluxos de IDE ao procederem ao desarmamento tarifário
entre economias domésticas e fomentarem um bom ambiente de negócios à
escala regional que reduz o risco dos agentes privados. Esta orientação para o
mercado regional em detrimento do mercado mais global implica forçosamente
um aprofundamento das atuais relações económicas com a África do Sul,
agravando ainda mais a dependência estrutural da economia moçambicana
deste parceiro comercial e potenciando o risco de predomínio dos agentes
económicos sul-africanos mais poderosos (Magaia, 2003; Correia, 2008).
Mesmo o impacto do IDE na arrecadação de receitas públicas é relativo, dado
que muito dele se localiza nas denominadas zonas económicas especiais,
onde a incidência fiscal é menor.
Não se pode dissociar a prossecução duma estratégia de
industrialização em Moçambique das dinâmicas próprias da sua integração no
200
espaço regional da África Austral, sobretudo das relações com a potência
regional África do Sul. É neste sentido que Magaia (2003) afirma que as
dinâmicas do IDE em Moçambique não estão a contribuir para a diversificação
do aparelho produtivo moçambicano, dado perpetuarem a concentração do
investimento nas indústrias extrativas e renegarem o setor industrial.
A economia moçambicana é das que apresenta melhores resultados em
termos de crescimento económico na região, se bem que é também uma das
com maior dívida externa. Moçambique tem vindo a registar alguns progressos
na área da melhoria do seu ambiente de negócios, como a redução do tempo e
custo das operações de importações, a reformulação dos códigos de impostos,
aprovação do Código Comercial ou simplificação dos procedimentos de
constituição de empresas (Correia, 2008). A questão fundamental reside nos
limites da capacidade produtiva da própria economia moçambicana. Para
Magaia (2003), Moçambique, com as atuais capacidades produtivas e
limitações institucionais dificilmente poderá captar na sua plenitude os
benefícios decorrentes do aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional, perpetuando, isso sim, as dependências estruturais que já
apresenta.
13.4. Vantagens Competitivas e Desenvolvimento
A remoção destas limitações da capacidade produtiva da economia
moçambicana pode passar por um aproveitamento mais eficaz das suas
vantagens competitivas regionais. A economia moçambicana apresenta um
201
conjunto de vantagens competitivas regionais nos setores dos transportes,
graças à sua posição geoestratégica privilegiada, bem como na energia e
mesmo no turismo, além dos custos reduzidos com o fator trabalho
relativamente. A localização geográfica de Moçambique torna-o um ator
privilegiado enquanto canal de comunicação da região da África Austral com o
continente asiático, através dos seus corredores desenvolvimento de Maputo,
Beira e Nacala. Estes corredores de desenvolvimento têm sido reconhecidos
como infraestruturas centrais no processo de aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional. Inclusive, Vines (2008) destaca a proteção
das tropas do Zimbabué à construção dos corredores de desenvolvimento de
Moçambique. Porém, apesar destas potencialidades, constata-se que estas
infraestruturas estão longe de serem exploradas no seu ponto ótimo. Uma
outra vantagem competitiva da economia moçambicana é a abundância e
diversidade de recursos energéticos, sobretudo energia hídrica, carvão, gás
natural e biomassa. O potencial de hidroeletricidade moçambicano encontra-se
concentrado no rio Zambeze, onde a hidroelétrica de Cahora Bassa é a
principal infraestrutura de geração e transmissão de eletricidade. Segundo
Chichava (2011), as vantagens competitivas de Moçambique no sector
energético passam, entre outros aspetos, pela plataforma logística que
transporta combustíveis desde o porto da Beira até ao Zimbabué, pelo
gasoduto que transporta gás natural desde os campos de Pande e Temane até
à África do Sul, e pela plataforma logística que transporta combustíveis desde o
porto de Maputo até à África do Sul. Porém, o aproveitamento integral das
vantagens competitivas de Moçambique no setor energético requer
investimentos volumosos no aumento das capacidades de geração e
202
transmissão de eletricidade. Isto tendo em conta que o mercado regional da
África Austral pode beneficiar grandemente com o aumento da capacidade de
exploração do potencial energético moçambicano, visto que a região apresenta
um défice estrutural de capacidade de geração de eletricidade. Para além
destes dois setores principais, Moçambique pode apostar igualmente no
desenvolvimento da agropecuária e o do turismo para conquistar vantagens
comparativas regionais.
Chiau (2008) crê que atualmente o grande desafio da economia
moçambicana passa por proceder a uma alteração do seu paradigma de
desenvolvimento e pela reestruturação interna da sua economia, de modo a
potenciar as suas vantagens competitivas e diversificar a sua estrutura
económica produtiva. Duas estratégias distintas podem ser implementadas
pelas autoridades moçambicanas: uma consiste em privilegiar o mercado
comum da SADC, que atuaria como um bloco dentro do qual as diversas
economias regionais poderiam prosseguir com os seus processos de
desenvolvimento; outra estratégia possível passa pela utilização a região da
SADC como plataforma capaz de aumentar a competitividade da economia
nacional para melhor enfrentar a concorrência nos mercados internacionais
(Magaia, 2003).
Esta reestruturação da economia doméstica moçambicana deve apostar
em alguns setores económicos fundamentais. O setor dos serviços
moçambicano está ainda pouco integrado com o resto da economia doméstica,
pois esses serviços estão sobretudo orientados para as relações com os
Estados vizinhos, o que acaba por criar obstáculos à diversificação da esfera
produtiva moçambicana. A economia moçambicana apresenta um peso muito
203
reduzido do setor manufatureiro, frequentemente apontado como chave de
qualquer processo de desenvolvimento. O processo de liberalização comercial
decorrente da integração das diversas economias regionais precisa de ser
conjugado com o estímulo e fomento das denominadas indústrias emergentes.
Correia (2008) defende que a opção estratégica deve passar pela manutenção
de barreiras comerciais nos produtos que os agentes económicos nacionais já
conseguem fornecer à economia doméstica (tomate, batata, cebola, entre
outros), liberalizando a entrada daqueles para os quais não existe produção
nacional. O que se verifica é que a imposição de tarifas aduaneiras elevadas
tem muito mais a ver com a recolha de impostos aduaneiros do que com a
proteção de indústrias moçambicanas. O desenvolvimento dum setor industrial
moçambicano será assim sempre influenciado pelas dinâmicas regionais, no
que se refere à transformação do mercado interno num regional e à
concorrência que pode advir dos Estados vizinhos.
A economia moçambicana é marcadamente dependente do exterior,
tanto para as suas importações como para escoar as exportações. O país
apresenta um saldo da balança comercial com a SADC estruturalmente
deficitário, muito graças às relações com a África do Sul.
Enquanto as importações moçambicanas provêm sobremaneira da
SADC, sobretudo da África do Sul, as exportações têm como destino
preferencial o mercado europeu. O grosso das importações moçambicanas
concentra-se na maquinaria, combustíveis, viaturas e bens intermediários,
sendo os mega-projectos responsáveis por uma parcela significativa destas.
204
Tabela 24 – Participação do Saldo Comercial no PIB de Países da SADC (%)
Fonte: SADC (2007) in Chiau (2008: 50)
Correia (2008) advoga a intervenção das autoridades moçambicanas no
sentido de influenciarem as importações nacionais de modo a que a parcela de
bens de capital e bens intermédios cresça comparativamente aos bens de
consumo final. Já no que se refere às exportações moçambicanas, elas
apresentam um padrão bastante semelhante aos de alguns dos seus vizinhos,
baseado em alguns bens primários não processados e com pouco valor
acrescentado. Elas estão concentradas num número reduzido de mega-
projectos industriais, como o do alumínio da Mozal, a energia hídrica de
Cahora-Bassa ou o gás natural da Sasol. Curiosamente, o setor manufatureiro
assume uma importância maior nas exportações moçambicanas do que no
próprio produto nacional, sobretudo devido às dinâmicas próprias dos mega-
projetos. Este crescimento das exportações do setor manufatureiro não tem,
contudo, sido suficiente para alterar estruturalmente o padrão das exportações
da economia moçambicana, nem para se poder afirmar que se verificou uma
diversificação das exportaçõe (Magaia, 2003).
205
14. Energia em Moçambique
14.1. Atores Principais do Setor Energético
O setor energético moçambicano pode ser desagregado em três
cenários: i) um caracterizado por uma grande capacidade de geração de
eletricidade, sobretudo graças à HCB, e por isso capaz de atrair investimento
para os denominados mega-projectos; ii) outro marcado pela incapacidade de
estender a rede elétrica a zonas rurais mais remotas, dado que a coluna
vertebral da sua rede está pensada para o abastecimento à África do Sul; iii) e
um outro pleno de potencialidades em termos de energias renováveis
descentralizadas. O mesmo setor pode ainda ser decomposto em três grupos
distintos: a) a procura local dos residentes; b) o sector industrial moçambicano
associado aos mega-projectos; c) a procura externa proveniente da África do
Sul e dos restantes membros da SAPP (Hankins, 2009; Chambal, 2010).
Os atores dominantes neste panorama energético de Moçambique são:
a EDM, a empresa elétrica estatal, que participa em todas as fases do
processo elétrico; a HCB, que está conectada com a SAPP e cuja capacidade
de geração de eletricidade tem como destino maioritário a África do Sul; e a
Motraco, uma joint-venture entre as empresas elétricas estatais de
Moçambique, Suazilândia e África do Sul que visa o abastecimento do mega-
projeto de alumínio da Mozal. O primeiro ator, a EDM, é o principal em
Moçambique no que toca à distribuição da eletricidade pelo território nacional,
visto a empresa ser detentora da rede nacional de transmissão e distribuição
206
de eletricidade. Contudo, Moçambique apresenta a particularidade de este ator
EDM não ter capacidades de geração e distribuição de eletricidade suficientes
para responder adequadamente à totalidade das necessidades internas, pelo
que tem de adquirir capacidade de geração à HCB. Os planos de expansão da
EDM passam fundamentalmente pelos seguintes projetos de transmissão e
distribuição de eletricidade: i) de Tete para Maputo numa linha, a apelidada
“coluna vertebral”; ii) da HCB para o Malawi; iii) da HCB para a província de
Nampula, via Malawi (Hankins, 2009).
14.2. Comércio Multilateral vs. Bilateral
A adesão de Moçambique à SAPP e os acordos energéticos bilaterais
mantidos com a África do Sul influenciam grandemente as opções estratégias
moçambicanas no sector. Com efeito, o paradigma energético moçambicano
atual tem como prioridade exportar eletricidade no quadro da SAPP e
providenciá-la a preços reduzidos para o seu sector industrial, muito
particularmente para os mega-projectos. No quadro da SAPP, Moçambique é o
segundo maior exportador regional de eletricidade, atrás da África do Sul,
exportando mais de 2000 MW (Hankins, 2009; Chambal, 2010). O
representante moçambicano nesta organização regional é a própria empresa
estatal EDM, que tem o estatuto de operating member. A SAPP é a power pool
africana que tem mais e melhores resultados para apresentar, sobretudo
graças ao comércio de eletricidade entre a África do Sul e Moçambique.
Porém, convém notar que muita da eletricidade que a África do Sul importa de
207
Moçambique é posteriormente reexportada para a Mozal, o que acaba por ter
um efeito de duplicação dos volumes de comércio elétrico entre os dois.
Gráfico 27 – Comércio Energético Africano em 2005 (TWh)
Fonte: IEA (2007) in Eberhard et al (2009: 42)
Já no que se refere ao comércio energético intrarregional bilateral, os
maiores clientes da energia moçambicana são a África do Sul e o Zimbabué,
podendo o Malawi juntar-se em breve a esta lista com a conclusão da ligação
da HCB ao país. O Malawi, que se depara atualmente com uma crise
energética severa, pode beneficiar muito com a sua conexão com Moçambique
para pelo menos amenizar essa crise. Contudo, a conclusão da ligação entre
208
Moçambique e o Malawi tem sofrido atrasos sucessivos, não tanto devido às
autoridades moçambicanas mas sim às do Malawi.
Gráfico 28 – Comércio Energético Intrarregional na SADC
2004/2008 (mil milhões de kW)
Fonte: Mbirimi (2010: 12)
A MOTRACO é uma empresa de transmissão de eletricidade entre a
África do Sul, Suazilândia e Moçambique, que visa o abastecimento de
eletricidade desde a África do Sul até às minas de alumínio do projeto da
Mozal. Ela foi criada em 1998 e assumiu a figura jurídica de joint-venture. Para
além do projeto das minas de alumínio da Mozal, está previsto o abastecimento
ao projeto de areias de Chibuto, na província de Gaza (Chambal, 2010).
As potencialidades do sector energético moçambicano estão longe de se
esgotar no âmbito da economia interna, abrangendo igualmente as
necessidades energéticas da região da África Austral. Essas necessidades têm
209
vindo a aumentar sustentadamente, pois a região deverá agravar o seu deficit
energético, devido sobretudo ao crescimento demográfico e a urbanização
acelerada. Mbirimi (2010) vai mesmo mais longe, afirmando que Moçambique
tem uma procura interna que não justifica os investimentos em grandes
projetos energéticos, pelo que grande parte da sua energia terá
necessariamente que ter como destino os países vizinhos ou as grandes
potências internacionais. Hankins (2009) contrapõe que é exatamente este
paradigma que tem levado a que a satisfação das necessidades energéticas
domésticas de Moçambique esteja a ser sacrificada em prol da satisfação das
necessidades regionais, muito concretamente da África do Sul.
14.3. Desafios e Objetivos para o Setor Energético
Moçambique, apesar de ser dotado de recursos energéticos em
quantidade e diversidade, tem um limitado nível de exploração desses
recursos. A abundância de recursos energéticos tem estimulado a atração de
muito IDE, sobretudo o associado aos sectores de extração de recursos e aos
intensivos em energia. Aliás, a grande maioria do consumo de eletricidade
registado na economia moçambicana advém dos denominados mega-
projectos.
210
Gráfico 29 – Desagregação do Consumo de Eletricidade entre Mega-projectos
e o Resto da Economia de Moçambique (GWh)
Fonte: Mulder (2007: 26)
Hankins (2009) refere mesmo o seguinte paradoxo: o complexo
industrial de Moçambique é o maior consumidor de eletricidade per capita de
toda a África Subsaariana, mas o complexo residencial apresenta uma das
taxas de acessos mais baixas da região.
Quadro 4 – Necessidades de Eletricidade dos Mega-Projectos em Moçambique
Fonte: Hankins (2009: 25)
211
Mais, se se excluir o mega-projeto das minas de alumínio da Mozal,
constata-se que o consumo de eletricidade per capita moçambicano é dos mais
baixos em toda a África. Retirando os mega-projetos, a procura de eletricidade
é praticamente repartida de forma equitativa entre os sectores familiar, da
indústria e dos serviços.
Gráfico 30 – Projeções para a Distribuição da Procura de Eletricidade por
Sector Económico, Excluindo Mega-projectos (GWh)
Fonte: Mulder (2007: 11)
Mulder (2007) realça que o desenvolvimento dos denominados mega-
projectos pode permitir às autoridades moçambicanas proceder a um
alargamento da base tributária doméstica através do aumento da incidência
fiscal sobre estes projetos e a institucionalização de mecanismos de
compensação da ocorrência de externalidades negativas. Uma maior
incidência fiscal sobre a geração de eletricidade em Moçambique terá sempre
um impacto maior nos países vizinhos, dada a extroversão que a geração
elétrica tem em Moçambique.
212
As previsões para o crescimento anual da procura de eletricidade na
África Austral apontam para cerca de 5% até 2030, sendo que em países como
Angola ou Moçambique esse ritmo será ainda superior (Mbirimi, 2010). A
função procura de eletricidade é bastante heterogénea, dependendo sempre da
dimensão das unidades económicas e respetivo grau de intensidade de
consumo de eletricidade.
Gráfico 31 – Comparação dos Custos de Geração de Eletricidade
da África do Sul e de Moçambique
Fonte: Mulder (2007: 30)
A estratégia para o sector energético adotada pelas autoridades
nacionais moçambicanas para o período entre 2008 e 2012 teve os seguintes
objetivos: aumentar o acesso à eletricidade, tornar sustentável a exploração da
madeira como recurso energético, promover as energias renováveis,
diversificar as fontes energéticas, garantir a proteção ambiental na exploração
energética, introduzir preços que reflitam efetivamente os custos da exploração
213
energética, fomentar uma voz ativa nos órgãos regionais e internacionais
ligados ao sector energético. Para Chambal (2010), as autoridades
moçambicanas têm vários desafios fundamentais pela frente: aumentar o
acesso das populações à eletricidade sem prejuízo da sustentabilidade
ambiental, desenvolver a capacidade de exploração dos recursos energéticos
renováveis, promover a criação de projetos ligados ao sector energético
orientados para a exportação, incentivar a participação do sector privado
através da liberalização do sector da geração de eletricidade e institucionalizar
mecanismos de atribuição de preços de mercado para os serviços de
eletricidade. Hankins (2009) tem uma abordagem um pouco diferente,
sugerindo as seguintes prioridades: i) conceção duma política nacional para as
energias renováveis, com definição clara de metas prioritárias; ii) remoção de
todo o tipo de tarifas e impostos sobre as renováveis; iii) atracão de
investimento privado para o sector das renováveis; iv) concessão de subsídios
estatais para o financiamento de infraestruturas relacionadas com as energias
renováveis; v) fomento pela SAPP de abordagens descentralizadas de
expansão da taxa de acesso à eletricidade e mecanismos de eficiência
energética
14.4. Paradigma Energético e Acesso à Eletricidade
Moçambique tem um portfolio energético relativamente pouco
diversificado, muito baseado na biomassa, carvão e hidroeletricidade, e uma
rede de transmissão e distribuição pouco desenvolvida, dados os custos
214
elevados derivados da própria geografia do país. A transmissão e distribuição
de eletricidade em Moçambique representam um desafio enorme, dada a
dimensão do país e a natureza dispersa das suas diversas comunidades. Tal é,
segundo Eberhard et al (2008), igualmente o caso de países como
Madagáscar, Zâmbia ou Tanzânia. Moçambique tem os seus recursos
energéticos distribuídos de forma bastante díspar ao longo do território nacional
e o acesso ainda não está desenvolvido no seu ponto ótimo. Enquanto os
recursos hídricos estão concentrados no Norte do país, a maioria da procura de
eletricidade está mais concentrada no Sul, designadamente em províncias
como Maputo, Gaza ou Inhambane, logo o país precisa de realizar grandes
investimentos domésticos na expansão da sua rede interna de transmissão e
distribuição de eletricidade. O fraco desenvolvimento da rede infraestrutural
nacional de transmissão e distribuição de eletricidade tem limitado o
aproveitamento em muitas zonas de Moçambique do potencial de
hidroeletricidade significativo que o país possui.
A constatação deste facto tem levado ao debate sobre a necessidade de
se romper ou não com o atual paradigma energético em Moçambique. Por
exemplo, Hankins (2009) defende que Moçambique deve alterar esse
paradigma, que não deve basear-se em grandes projetos como hidroelétricas e
antes deve dar prioridade a outro mais descentralizado e orientado para a
expansão da eletrificação rural. O paradigma atual baseado na edificação de
infraestruturas como barragens de grande dimensão tem a desvantagem de
não permitir uma abordagem descentralizada do abastecimento elétrico para o
país. A solução, segundo este autor, deverá passar por essa abordagem, não
só para garantir a segurança energética do país como também para aumentar
215
a taxa de acesso à eletricidade nas comunidades rurais moçambicanas. A
aposta na mini-geração de hidroeletricidade é economicamente racional, pois o
potencial existente no país está localizado em zonas que não têm um acesso
significativo à rede elétrica nacional, nomeadamente a província de Manica,
constituindo portanto essa aposta uma boa solução para o objetivo de
aumentar a taxa de acesso à eletricidade, ou pelo menos complementar às
grandes infraestruturas.
Quadro 5 – Projetos de Mini-Geração de Hidroeletricidade em Moçambique
Fonte: Hankins (2009: 15)
Existe uma grande disparidade em termos regionais no acesso à
eletricidade: enquanto a província de Maputo apresenta uma taxa de cerca de
40%, as províncias do Norte pouco ultrapassam os 10%. No ano de 2007, 244
216
dos 364 MW de procura de eletricidade tiveram como destino as província de
Maputo, Gaza e Inhambane, 73 MW para Zambézia, Tete, Manica e Sofala, 59
MW para Cabo Delgado, Niassa e Nampula, donde se retira a preponderância
das províncias do Sul, em grande medida devida ao complexo industrial aí
existente e também à capital Maputo (Hankins, 2009).
Figura 7 – Taxas de Eletrificação das Províncias de Moçambique em 2007
Fonte: Hankins (2009: 27)
Atualmente, o sul do país é abastecido de eletricidade via África do Sul,
eletricidade essa que vem da HCB para a África do Sul e só posteriormente é
importada para o sul do país. Para alterar esta situação, está-se a projetar uma
linha de transmissão da HCB diretamente para Maputo, passando pelas
217
províncias de Tete, Manica e Inhambane, linha que terá algumas subestações
para o abastecimento destas províncias. Daqui se pode concluir que muito do
comércio energético intrarregional realizado no quadro da SAPP entre África do
Sul e Moçambique é feito não por vantagens comparativas mas sim devido ao
subdesenvolvimento das redes de transmissão e distribuição de eletricidade
moçambicanas.
Figura 8 – Rede Moçambicana de Transmissão e Distribuição de Eletricidade
Fonte: Hankins (2009: 23)
No momento presente apenas cerca de 25% da população
moçambicana têm um acesso fiável à eletricidade (Chambal, 2010). A grande
maioria concentram-se nas zonas urbanas e seus arredores, o que acaba por
escamotear diferentes realidades regionais. A EDM tem um dos projetos de
218
eletrificação rural mais ambiciosos de toda a África, pretendendo fazer cerca de
260000 novas ligações no curto prazo. Em 2008 foram alcançadas cerca de
100.000 novas ligações ao custo de 800 USD cada (Hankins, 2009). Para
(Chambal, 2010), a reduzida taxa de acesso à rede elétrica registada em
Moçambique deve-se a uma série de fatores, desde a falta de investimento aos
custos elevados associados à expansão dessa rede.
Como referido anteriormente, as autoridades moçambicanas
reconheceram a necessidade de se aumentar o acesso à eletricidade em
Moçambique, atribuindo à EDM a responsabilidade de fazer crescer o número
de novas ligações residenciais por ano. A empresa tem sido relativamente bem
sucedida, passando de cerca de 10000 novas ligações em 2000 para
sensivelmente 70000 em 2006 (Mulder, 2007). No entanto, o objetivo proposto
de se atingir uma taxa de acesso à eletricidade de 50% até 2030 irá requerer
das autoridades moçambicanas, e da EDM em concreto, a criação de cerca de
150000 novas ligações domésticas por ano, mais do dobro das realizadas em
2006.
Tabela 25 – Novas Ligações Residenciais por Ano (milhares)
Fonte: Mulder (2007: 5)
219
Uma das outras entidades moçambicanas responsável pela expansão
da eletrificação rural é o FUNAE, que tem como missão fundamental instalar
sistemas elétricos baseados na energia solar nas províncias mais remotas.
Apesar dos seus resultados meritórios, os programas de expansão do acesso à
eletricidade às comunidades rurais estão ainda longe de responder
adequadamente ao crescimento da pressão do lado da procura. Estes
programas têm tido resultados assinaláveis em termos absolutos, mas em
termos relativos pouco se ultrapassa a taxa de crescimento demográfico do
país. De acordo com Hankins (2009), a taxa de crescimento do acesso à
eletricidade tem aumentado a uma média de 1,8% ano, o que é apenas
ligeiramente acima da taxa de crescimento demográfico de 1,7%.
Tabela 26 – Abastecimento Elétrico em Moçambique, 2003/2004
Fonte: EDM (2006) in Chambal (2010: 10)
Os programas de eletrificação rural em Moçambique sofrem de grandes
impedimentos no acesso ao financiamento e incentivos estatais. Mais, os
custos de desenvolvimento, transmissão e gestão de redes elétricas são
220
maiores em zonas rurais que nas urbanas, sendo que no primeiro cenário as
receitas dificilmente conseguem cobrir os custos de investimento. Perante tais
obstáculos, muitas das comunidades mais remotas do país têm apostado em
sistemas de geração e distribuição isolados, sobretudo baseados em geradores
a diesel. O sector privado tem sido incentivado a implementar estes sistemas
de geração de energia em Moçambique, abastecendo as comunidades locais
alheadas da rede nacional e vendendo a esta os seus excedentes.
Tabela 27 – Sistemas Isolados de Abastecimento Elétrico em Moçambique
Fonte: Mulder (2007: 7)
221
14.5. Potencial Hidroelétrico: HCB e Mphanda Nkuwa
A vantagem comparativa de Moçambique reside claramente na
hidroeletricidade, tanto para abastecimento doméstico como para exportação.
A maioria da eletricidade providenciada pela rede elétrica nacional provém da
hidroeletricidade, sendo que o remanescente provém de estruturas menores de
gás natural, carvão e petróleo. Num cenário de aproveitamento total do
potencial energético do país, Moçambique é capaz de gerar cerca de 14000
MW de eletricidade, com 85% desta a provir da energia hídrica, e sendo que
80% desta energia provém do rio Zambeze, o quinto rio mais volumoso do
Mundo (Hankins, 2009; Chambal, 2010). As autoridades moçambicanas
estimam que o país tenha potencial para mais de 60 projetos de mini-geração
de energia hídrica, numa capacidade total de 1000 MW, sobretudo na província
de Manica. Hankins (2009), mesmo reconhecendo que os custos operacionais
da mini-geração de energia hídrica são superiores aos dos grandes
empreendimentos como as hidroelétricas de larga escala, demonstra que os
primeiros requerem menores custos iniciais e têm um risco operacional menor,
pois não dependem dum único curso hídrico e permitem uma abordagem
descentralizada para o abastecimento elétrico. Porém, os obstáculos ao
desenvolvimento da mini-geração de hidroeletricidade em Moçambique estão
sobretudo nas restrições humanas e financeiras existentes ao nível regional e
a aversão ao risco dos agentes económicos privados, potenciais financiadores
deste tipo de projetos.
222
A maioria do potencial energético atual de Moçambique, sensivelmente
80%, está no rio Zambeze, em infraestruturas como Cahora Bassa,
hidroelétricas de Lupara ou Boroma e a futura Mphanda Nkuwa (ECA, 2009;
Chambal, 2010). O projeto de Mphanda Nkuwa tem sido fomentado pelas
autoridades moçambicanas devido à estabilidade que ele pode trazer para ao
abastecimento elétrico nacional e também às divisas que pode angariar nas
exportações para a região da África Austral, no quadro da SAPP. Hankins
(2009) confirma mesmo que o projeto de Mphanda Nkuwa está totalmente
orientado para o exterior, procurando tirar partido das vantagens comparativas
do país em hidroeletricidade, num quadro de aprofundamento dos arranjos
institucionais de cooperação e integração regional. A sua operacionalização
deverá iniciar-se a partir de 2014, tendo uma capacidade de geração associada
de sensivelmente 1300 MW, e a empresa responsável pela prossecução deste
projeto é a brasileira Camargo Correia.
Gráfico 32 – Projeções para a Balança Comercial Energética de Moçambique
Fonte: Mulder (2007: 24)
223
Relativamente à HCB, localizada no rio Zambeze, teve como objetivos
iniciais fornecer eletricidade à vizinha África do Sul e à zona industrial do sul de
Moçambique. Tem uma capacidade de geração de eletricidade de cerca de
2075 MW, assumindo por isso o papel de ator dominante no contexto da
geração e transmissão de eletricidade em Moçambique. A eletricidade por si
gerada é distribuída numa proporção de 80% para o exterior e os restantes
20% para a economia doméstica (Mulder, 2007). A HCB, e respetiva linha de
transmissão, foi um dos instrumentos utilizados pela África do Sul para aceder
à hidroeletricidade localizada no rio Zambeze. Aliás, desde o início da
conceção do projeto de Cahora Bassa se teve consciência de que a dimensão
só fazia sentido para o abastecimento da potência regional África do Sul, o que
logo implicou o envolvimento da Eskom na sua construção e desenvolvimento.
Mais tarde, com o eclodir da guerra civil moçambicana, a linha de transmissão
da HCB para a África do Sul foi alvo de muitos ataques de sabotagem,
acabando por ser desativada em 1981 e só sendo restaurada em 1998. O fim
do regime do apartheid sul-africano permitiu a institucionalização de arranjos
tripartidos de cooperação e integração energética regional entre a África do
Sul, Moçambique e Zimbabué no que respeita à HCB, e entre a África do Sul,
Botswana e Zimbabué no que respeita a Matimba.
224
Gráfico 33 – Capacidade de Geração de Eletricidade por Infraestrutura
Fonte: Mulder (2007: 23)
O abastecimento da HCB à EDM faz-se por via de um acordo buy-back
com a Eskom, que recebe eletricidade da HCB e posteriormente transfere parte
dela para a EDM (ECA, 2009). Uma das formas mais imediatas de a EDM
aumentar a sua capacidade de transmissão e distribuição de eletricidade é a
contratualização dum volume superior de energia gerada na HCB. Tais
pretensões poderão no entanto esbarrar nos contratos já estabelecidos entre a
hidroelétrica de Cahora Bassa e a empresa estatal sul-africano Eskom,
contratos esses de longa duração e que não dão azo a grande margem de
manobra para serem alargados a outros clientes. Chambal (2010) chama a
atenção para o facto de a HCB necessitar duma reestruturação interna
profunda devido ao seu nível elevado de endividamento. A HCB assume
igualmente um papel importante na atração do IDE para a economia
moçambicana, ao servir como garantia para o abastecimento de eletricidade
para os mega-projetos. Por exemplo, o mega-projecto de areias pesadas de
Moma recebe eletricidade diretamente da hidroelétrica de Cahora Bassa, via
linha de transmissão e distribuição com destino a Nampula.
225
Uma outra solução considerada pelas autoridades moçambicanas passa
pela expansão da capacidade da HCB com a ativação da central norte, que
tem um potencial de capacidade de geração de eletricidade de sensivelmente
850 MW. A central norte da HCB tem a sua conclusão prevista para 2015, e
estará totalmente orientada para o abastecimento de eletricidade à região da
África Austral.
O desenvolvimento sustentável de alguns PVD como Moçambique está
a ser ameaçado pelas alterações climáticas e pelo crescimento explosivo da
procura mundial de recursos energéticos. No caso concreto moçambicano,
Hankins (2009) sustenta que a sua atual política energética depende
excessivamente da energia hídrica, numa altura em que é cada vez mais
reconhecida a importância da diversificação do portfolio energético dum país
num cenário de alterações climáticas e aumento da instabilidade das chuvas. A
aposta cada vez mais frequente na exploração do potencial de energia hídrica
do rio Zambeze torna o paradigma energético moçambicano muito exposto a
fenómenos naturais como secas severas provenientes das alterações
climáticas. Ainda assim, Moçambique, ao apresentar um portfolio energético
baseado grandemente na energia hídrica, tem emissões de CO2 bastante
reduzido. Tal não tem desmotivado a EDM de substituir progressivamente a
energia fóssil por uma parcela crescente da hidroeletricidade adquirida à HCB.
226
14.6. Gás Natural, Carvão e Petróleo
Tabela 28 – Oferta e Procura de Eletricidade em Moçambique, 2006/2010
Fonte: EDM (2004) in Chambal (2010: 10)
Fora a hidroeletricidade, Moçambique é dotado duma vasta gama de
recursos energéticos, desde o carvão e gás natural às energias renováveis
solar e eólica. Por exemplo, na capital, Maputo, cerca de 25% da população
utilizam fontes energéticas alternativas como o GPL (Chambal, 2010).
Relativamente ao gás natural, Moçambique apresenta reservas
significativas, concentradas nas províncias centrais e ao longo da costa norte.
As reservas de gás natural moçambicanas estão localizadas sobretudo nas
províncias de Inhambane e Sofala, nas localidades de Pande, Temane e Buzi
(Mulder, 2007; Chambal, 2010). As primeiras descobertas de reservas de gás
natural em Moçambique datam da década de 60, mais concretamente 1962,
quando a empresa Gulf Oil o descobriu na região de Pande (Rolo & Tschanze,
2008). Todavia, a exploração económica do gás natural moçambicano não
aconteceu na altura da sua descoberta, devido a alguns obstáculos locais,
227
designadamente o contexto político da altura na África Austral, caracterizado
pelo regime sul-africano do apartheid e lutas de libertação nacional, como o
acesso fácil e barato aos recursos petrolíferos que desincentivava a aposta
noutras fontes energéticas e ainda como a falta de dinâmica da procura local
da África Austral. Só em 2000 é que se apostou na exploração económica das
reservas de gás natural moçambicanas, com a celebração de acordos entre a
Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) de Moçambique e a empresa sul-
africana Sasol para a exploração conjunta das reservas de gás natural da
região de Pande e Temane e para a construção dum gasoduto que transporte o
gás natural daí proveniente até ao complexo petroquímico de Secunda na
África do Sul e respetiva zona industrial. Neste contexto do acordo de
exploração conjunta, ficou estipulado que o lado sul-africano tivesse uma
participação de 70% nas atividades de exploração do gás e o lado
moçambicano os restantes 30% (Rolo & Tschanze, 2008). Mais tarde, a IFC
(International Finance Corporation), parte integrante do grupo do Banco
Mundial, adquiriu uma total de 5% da participação moçambicana no projeto do
gás natural. O gás natural explorado em Temane é exportado para a África do
Sul atarvés de um gasoduto entre esta localidade e a província de Gauteng.
Este gasoduto é gerido conjuntamente pela Sasol, Companhia Moçambicana
de Gás (CMG) e a ROMPCO, empresa constituída pela Sasol com a
responsabilidade de levar a cabo a sua construção do e assegurar o transporte
do gás natural até Secunda, na África do Sul. Estes campos de Pande e
Temane têm uma capacidade projetada de produção de gás natural de cerca
de 120 MGj ano até 2030 (Rolo & Tschanze, 2008). Os mesmos autores
salientam como particularidade associada a este projeto de gás natural a
228
abertura de cinco saídas de gás ainda em Moçambique, mais concretamente
em Temane, Chigubo/Funhalouro, Chokwé/Macarretane, Magude/Moamba e
Ressano Garcia, para fornecer energia à economia nacional. Relativamente a
esta última saída, ela foi adjudicada à companhia moçambicana de gás Matola,
prevendo a construção de um ramal de 75 quilómetros e com uma capacidade
de transporte até 1,5 MGj por ano, para fornecimento de energia ao
empreendimento industrial da Mozal.
Os custos do projeto de gás natural de Pande e Temane estão
distribuídos em 2/3 para Moçambique e 1/3 para a África do Sul.
Tabela 29 – Distribuição dos Custos do Projeto de Gás Natural de
Pande e Temane
Fonte: Tschanze and Rolo (2008: 59)
Também no caso do gás natural moçambicano se constata uma grande
extroversão da eletricidade gerada para a região da África Austral,
229
concretamente para a África do Sul. As exportações moçambicanas de gás
natural para a potência regional África do Sul assumiram proporções
significativas, atingindo entre 2004 e 2005 os 2619 milhões de metros cúbicos
e os 620 barris de condensados. O processo de distribuição dos lucros do
projeto de gás natural de Pande e Temane é bastante detalhado por Rolo &
Tschanze (2008: 60): “à produção total, a Sasol está obrigada a deduzir uma
parcela de 5% correspondente ao imposto sobre a produção petrolífera,
obtendo-se assim a produção disponível; a esta deduz-se uma percentagem
até 65% a título de amortizações, o que dá o denominado lucro; este é
distribuído pelos parceiros através da aplicação de um fator R (crescente e
variável) que retrata a participação relativa dos parceiros no projeto”. Deste
método de distribuição dos lucros retira-se que o lado moçambicano vai
ganhando uma parcela cada vez maior, à medida que a amortização
necessária para compensar os custos de pesquisa da Sasol vai
progressivamente diminuindo.
As autoridades moçambicanas têm procurado expandir o âmbito
geográfico das prospeções de gás natural, sobretudo nas províncias de
Inhambane e Sofala, prospeções essas que estão a ser levadas a cabo pela
companhia norueguesa Det Norske. Com essa pesquisa pretende-se que a
afetação do gás natural moçambicano para o mercado interno seja cada vez
maior, sobretudo após a edificação do gasoduto para o parque industrial de
Beleluane em Maputo. Até 2008, os campos de gás natural de Pande e
Temane dominavam o panorama nacional moçambicano deste recurso
energético, representando sensivelmente 70% do potencial até aí atribuído
(Rolo & Tschanze, 2008).
230
Tabela 30 – Produção e Consumo de Gás Natural do Projeto de
Pande e Temane
Fonte: Tschanze and Rolo (2008: 60)
Excluindo os campos de gás natural de Pande e Temane, a EDM está
igualmente em negociações com a empresa tanzaniana Artumus para a
importação de eletricidade mediante a edificação de uma linha de transmissão
de energia a gás da estação de Mtwara até às províncias de Nampula e Cabo
Delgado (Hankins, 2009).
Para além destas reservas de gás natural, Moçambique tem igualmente
reservas bastante significativas de carvão, à semelhança do que se verifica
noutros países da África Austral como Zimbabué, Botswana ou África do Sul. A
produção e exploração de carvão são das práticas mais disseminadas em
Moçambique para a geração de energia. Há no país três reservas de carvão
principais: Moatize, Senangoe e Mucanha-Vuzi, todos elas na província de
Tete, sendo que as estimativas apontam para reservas na ordem das três mil
milhões de toneladas (Chambal, 2010). A empresa brasileira Vale do Rio Doce
detém o direito de exploração das reservas de carvão de Moatize, mas está
231
previsto que sensivelmente 15% da sua produção tenham como destino o
mercado interno moçambicano. Mulder (2007) avança que este projeto
contempla a edificação futura duma central de geração de eletricidade com
uma capacidade associada de cerca de 1500 MW. Um aspeto que tem vindo a
ser cada vez mais valorizado é a eficiência na produção e exploração do
carvão, importante não só para aumentar o rendimento de muitas comunidades
rurais como também para reduzir os impactos ambientais negativos da
exploração desta matéria-prima em Moçambique.
Dado que o país não tem capacidade de refinação de petróleo, todo o
consumo de combustíveis dele derivados tem de ser garantido pela
importação, o que coloca um grande problema em termos de segurança
energética. Além disso, Moçambique é bastante dependente do exterior para o
abastecimento de combustíveis, e tem visto a sua balança comercial deteriorar-
se com o aumento sustentado dos preços internacionais do petróleo.
Esta tendência tem levado alguns países a apostarem no biodiesel,
nomeadamente Moçambique, Lesoto, Malawi, Namíbia, África do Sul,
Suazilândia, entre outros (Ngwawi, 2007). Uma das diferenças mais relevantes
entre os setores petrolífero e elétrico moçambicanos é que, enquanto no
primeiro, o setor privado tem conseguido entrar e assumir uma posição
relevante, no segundo a EDM ainda controla praticamente toda a indústria.
232
Gráfico 34 – Importações de Combustíveis por Moçambique
Fonte: Mulder (2007: 14)
O mercado moçambicano de GPL ainda está subdesenvolvido, existindo
apenas nos maiores centros urbanos e estando concentrado numa única
empresa privada. O consumo de GPL em Moçambique não tem crescido
significativamente nos últimos anos, pelo que o setor terá de ser alvo de uma
aposta mais concreta das autoridades moçambicanas, que vá da produção
interna de GPL até à edificação duma infraestrutura capaz de acolher
importações de grandes dimensões, para posterior reexportação ou mesmo
para consumo doméstico (Mulder, 2007).
233
14.7. Energias Renováveis em Moçambique
Figura 9 – Potencial de Energias Renováveis de Moçambique
Fonte: Hankins (2009: 10)
Moçambique apresenta um grande potencial em termos de geração de
eletricidade via energias renováveis, designadamente as solar e eólica. Este
potencial permite a adoção duma abordagem mais descentralizada para o
abastecimento elétrico nacional, visto que permite o abastecimento tanto dos
234
centros urbanos como das comunidades rurais mais remotas. Outra vantagem
destas novas energias renováveis é a sua dispersão geográfica pelo território
moçambicano, o que facilita as políticas de expansão das capacidades de
transmissão e distribuição de eletricidade. Contudo, Hankins, (2009) avança
que o aprofundamento da exploração deste potencial das novas energias
renováveis tem encontrado em Moçambique os seguintes obstáculos: i) o preço
da eletricidade mantido artificialmente reduzido; ii) a inexistência de incentivos
estatais para o seu desenvolvimento; iii) as grandes reservas e potencialidades
em outros recursos energéticos.
Um dos grandes desafios na promoção das novas energias renováveis
em Moçambique é conseguir atrair o investimento privado para estes projetos,
que deverão para isso assumir dimensão e escala suficientemente atrativas.
Para tal, é necessário que as autoridades nacionais moçambicanas
implementem políticas de eficiência energética e enquadramentos institucionais
favoráveis no sector energético
A maioria do potencial de energia eólica de Moçambique encontra-se ao
longo da sua costa marítima e na província do Niassa, mas o mapeamento
deste potencial ainda não está completo. A utilização da energia eólica é mais
comum em Moçambique para abastecimento de água às comunidades.
Moçambique apresenta um potencial imenso e praticamente inexplorado
de energia solar, rondando os 1,5 GWh (Hankins, 2009). A exploração mais
generalizada da energia solar pelas autoridades moçambicanas é a que o
abastecimento de eletricidade à escala micro de comunidades rurais remotas,
235
desconectadas da rede elétrica nacional. Outra aplicação da energia solar em
Moçambique é o aquecimento da água, que consome muita eletricidade.
A energia da biomassa está a ser cada vez mais reconhecida como uma
alternativa muito viável para a geração de eletricidade em Moçambique.
Segundo Hankins (2009), ela pode ser dividida em duas categorias
fundamentais: i) a biomassa tradicional, como a madeira, carvão e resíduos
agrícolas); ii) biomassa moderna como a jatropha. Moçambique apresenta um
grande potencial de desenvolvimento dos biocombustíveis, dado que dos 63
milhões de hectares de terra arável existentes apenas cerca de 4 milhões, ou
seja, menos de 10%, estão a ser explorados (Mulder, 2007).
Tabela 31 – Hectares de Jatropha Necessários para a
Produção de Biodiesel em Moçambique
Fonte: Mulder (2007: 20)
236
A produção de jatropha, não deverá colocar em causa a segurança
alimentar das populações, por não implicar sacrifício de terrenos reservados às
produções alimentares. No caso moçambicano, a vastidão de terrenos
agrícolas por explorar torna negligenciável a ameaça à segurança alimentar
derivada da produção de biodiesel. Fora a jatropha, Moçambique apresenta
uma produção tradicional significativa de cana-de-açúcar e outros bens
agrícolas geradores de energia, como a mandioca, coco, caju ou mesmo o
milho.
A aposta das autoridades moçambicanas no biodiesel pode ser
encarada como uma forma de combater a grande dependência da importação
de combustíveis que caracteriza a economia do país. Mulder (2007) calcula
que a racionalidade económica para a aposta no biodiesel em Moçambique
começa a ganhar força a partir dum preço internacional do petróleo acima dos
45 USD por barril, entendendo porém que com preços abaixo desse limiar as
autoridades moçambicanas devem procurar igualmente implementar um
mecanismo de subsidiação do biodiesel produzido internamente. A exploração
da energia da biomassa pode ter um efeito bastante positivo na criação de
emprego em Moçambique, dado que permite a integração de PME em
praticamente todas as fases do processo produtivo. Tal é particularmente
positivo num cenário de grande crescimento deste sector do biodiesel na
próxima década em Moçambique, aproveitando a aposta cada vez mais
consistente que nela faz a África do Sul.
As estimativas apontam para que em Moçambique se abatam
anualmente entre 45 milhões e 120 milhões de árvores para a geração de
energia (Mulder, 2007). E o fenómeno do crescimento demográfico colocará
237
naturalmente uma pressão maior do lado do consumo no combustível lenhoso,
prevendo-se um crescimento de 230000 TJ em 2007 para 260000 TJ em 2030.
Os atuais programas de expansão da eletrificação rural terão também um
impacto positivo significativo sobre o consumo de combustível lenhoso, no
sentido de que quanto maior a taxa de eletrificação rural menor o consumo
deste recurso energético.
238
15. Considerações Finais
15.1. Conclusões Fundamentais
A conclusão fundamental deste projeto de investigação procura
responder à própria questão de partida levantada pelo seu título. Conclui-se
que o papel de Moçambique no processo de aprofundamento da integração
regional e no robustecimento da segurança energética na região da África
Austral é absolutamente central.
A posição geoestratégica de Moçambique na região da África Austral
torna-o naturalmente um ator principal no aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional e no fomento do comércio intrarregional. O
seu papel enquanto canal de comunicação entre os seus Estados-vizinhos
vedados de acesso direto ao mar e o exterior, via infraestruturas como os
corredores de desenvolvimento, é essencial para a facilitação das trocas
comerciais de âmbito intrarregional e para o próprio processo de
desenvolvimento das economias vizinhas. Além disso, desde há muito que
Moçambique representa uma parte importante das trocas comerciais
intrarregionais da África Austral, sobretudo com a África do Sul, pelo que o país
já é um dos principais impulsionadores do comércio intrarregional.
O papel de Moçambique é ainda mais relevante no contexto energético
regional. Com efeito, o país desempenha há muito um papel de relevo nas
trocas comerciais energéticas da África Austral, principalmente com o
239
fornecimento de eletricidade da hidroelétrica de Cahora Bassa para a África do
Sul. O país é igualmente um dos principais exportadores regionais de energia e
eletricidade, para países como África do Sul, Zimbabué, Malawi e mesmo
Tanzânia. Mais, as recentes descobertas de recursos energéticos
moçambicanos, como o carvão da província de Tete ou o gás natural da bacia
do Rovuma, poderão vir a ter um impacto decisivo no incremento do comércio
energético intrarregional e no robustecimento da segurança energética da
África Austral.
Na introdução deste projeto de investigação foram levantadas algumas
questões de partida que podem agora ser respondidas.
Fica comprovado que o aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional facilita o incremento do comércio intrarregional. No âmbito
do aprofundamento destes arranjos institucionais há medidas relevantes como
a harmonização de enquadramentos legais e institucionais, harmonização
essencial para a facilitação do investimento e comércio transfronteiriço, bem
como a criação de instrumentos de solidariedade financeira e de financiamento
de infraestruturas transnacionais que potenciam o comércio entre Estados-
vizinhos.
O incremento nos volumes do comércio energético intrarregional pode
ser um dos instrumentos mais válidos para as políticas de robustecimento da
segurança energética da região da África Austral. O aumento da parcela dos
recursos energéticos regionais nos portfolios energéticos dos diversos Estados
representa uma diversificação das fontes de fornecimento, o que reduz a
dependência dos Estados da região da África Austral de fornecedores
240
externos. O aproveitamento mais completo dos recursos energéticos
endógenos pode contribuir igualmente para uma diversificação dos recursos
explorados, reduzindo a dependência dos recursos energéticos fósseis,
sobretudo petróleo, e aumentando o peso de recursos alternativos como as
energias renováveis, principalmente através da hidroeletricidade. Este aumento
do peso das energias renováveis no portfolio energético regional é em sim
mesmo um contributo importante para a segurança energética da África
Austral, num cenário internacional futuro de agravamento do fenómeno das
alterações climáticos e da diminuição progressiva das reservas mundiais dos
recursos energéticos fósseis.
O robustecimento da segurança energético é um pré-requisito para a
aceleração dos ritmos de crescimento económico das economias africanas e
tem duas dimensões fundamentais: a garantia de estabilidade e fiabilidade do
abastecimento elétrico já existente, com eliminação do fenómeno das quebras
e falhas constantes de energia, e a expansão das atuais taxas de acesso à
eletricidade. A fiabilidade do abastecimento elétrico é indispensável para a
redução dos custos operacionais da atividade económica e para a atração de
IDE, entre outros impactos positivos para o crescimento económico. A
expansão das taxas de eletrificação é um pré-requisito para o fomento da
atividade económica em zonas antes economicamente deprimidas.
A relação entre o aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional e o robustecimento da segurança energética de uma
determinada região assume uma natureza biunívoca. Os arranjos institucionais
de integração regional, ao fomentarem o comércio energético intrarregional,
contribuem para o robustecimento da segurança energética dos Estados duma
241
determinada região. Este comércio, ao concorrer para a aceleração dos ritmos
de crescimento económico, induz um efeito positivo nas possibilidades de
interação comercial entre as diversas economias regionais, pré-requisito básico
para o aprofundamento da própria integração regional.
Os arranjos institucionais de integração regional da África Austral
encontram-se num momento particularmente decisivo. O interesse crescente
da comunidade internacional nas economias da região, motivado
essencialmente pela exploração dos seus recursos naturais, coloca um desafio
histórico às autoridades destes Estados, desafio esse que passa pela atuação
das diversas economias como um bloco único e sólido capaz de uma maior
capacidade de negociação nas principais arenas internacionais e nos acordos
de IDE. Por outro lado, o aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional pode ser um mecanismo fundamental para que a África
Austral garanta que o seu processo de desenvolvimento não é motivado
exclusivamente por determinantes exógenos, favorecendo igualmente os
determinantes endógenos.
Atualmente, os arranjos institucionais de integração regional da África
Austral encontram-se num certo impasse. Verifica-se que o recrudescimento do
interesse das grandes potências internacionais nas economias da região tem
desviado um pouco as atenções das autoridades governamentais de cada
Estado do compromisso com o aprofundamento da integração regional. Apesar
dos objetivos traçados para a liberalização total do comércio intrarregional,
estes têm em certa medida objetivos por materializar. Assim, há que imprimir
um estímulo renovado ao compromisso dos Estados com as respetivas
organizações regionais.
242
Os setores elétricos africanos têm vindo a sofrer as repercussões da
crise energética que se verifica em muitos Estados do continente, que têm sido
incapazes de responder adequadamente ao aumento da pressão do lado da
procura de eletricidade. Esse aumento é motivado sobretudo por fenómenos
como o crescimento económico, o crescimento demográfico ou a urbanização
de muitas sociedades africanas. A pressão do lado da procura não tem sido
devidamente acompanhado por um aumento proporcional da capacidade de
investimento nos setores elétricos, designadamente na expansão e
manutenção das suas capacidades de geração, transmissão e distribuição de
eletricidade. Tal tem levado a que os Estados africanos não consigam não só
garantir a qualidade e estabilidade do fornecimento atual como expandir o
acesso à eletricidade para as comunidades mais remotas.
Este projeto de investigação comprova que o aprofundamento dos
arranjos institucionais de integração regional podem contribuir para o
robustecimento da segurança energética da África Austral.
O aprofundamento da integração regional permite à África Austral um
aproveitamento mais completo dos recursos energéticos existentes na região,
designadamente a hidroeletricidade, petróleo ou gás natural, tornando-a mais
independente quanto ao seu abastecimento energético. O redimensionamento
dos vários mercados nacionais num único bloco regional permite à África
Austral avançar com infraestruturas de geração e transmissão de eletricidade
de maior dimensão, com as economias de escala e redução dos custos
operacionais daí decorrentes, sendo exemplo o projeto do Grand Inga na RDC.
243
O aprofundamento da integração regional permite à África Austral
proceder a uma necessária reestruturação e diversificação do seu portfolio
energético. Ele evidencia atualmente uma dependência excessiva do carvão,
mas o incremento no comércio energético intrarregional potencia o aumento do
peso de outros recursos energéticos, nomeadamente a hidroeletricidade e gás
natural. Tal representa uma oportunidade para a região fortalecer a
sustentabilidade ambiental do seu processo de desenvolvimento, visto que o
trade-off entre o carvão e a hidroeletricidade se traduz numa redução das
emissões de dióxido de carbono para atmosfera.
A atuação dos diversos Estados da região da África Austral como um
único bloco regional pode permitir o acesso aos mercados financeiros e de
capitais internacionais em melhores condições, aproveitando para o efeito os
ratings superiores de países mais avançados como a África do Sul, e
avançando com mais projetos de expansão ou reabilitação das capacidades de
geração, transmissão e distribuição de eletricidade. Além disso, a
institucionalização de mecanismos de solidariedade financeira intrarregional
pode contornar o facto de as maiores necessidades de investimento à escala
regional para projetos energéticos estarem concentradas em países sem a
necessária capacidade de financiamento individual. Todavia, estes benefícios
dificilmente podem ser capturados sem um compromisso político e financeiro
forte da potência regional África do Sul.
O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional
ameniza em certa medida o efeito lock-in do paradigma energético da África
Austral, ao fomentar investimentos em projetos de geração e transmissão de
hidroeletricidade. Esta alteração do paradigma energético regional é
244
indispensável para a sustentabilidade da segurança energética da África
Austral num horizonte de mais longo prazo.
Relativamente à racionalidade económica e financeira do
aprofundamento dos arranjos institucionais, ela fica comprovada com a
constatação de taxas de retorno dos investimentos na expansão e reabilitação
das capacidades de geração, transmissão e distribuição de eletricidade acima
dos 100% e também nos períodos de pay-back inferiores a um ano. Para tal
muito contribui a diminuição dos custos operacionais com a geração e
transmissão de eletricidade que resulta do trade-off entre a geração de
eletricidade via carvão e a hidroeletricidade, esta última com custos
operacionais significativamente inferiores à primeira.
O aprofundamento da integração regional no setor energético e elétrico
possibilita uma maior racionalização das necessidades de investimento, visto
que fica empiricamente comprovado que a prossecução de uma resposta à
escala regional às necessidades energéticas e elétricas é marcadamente
menos dispendiosa que o cenário em que cada Estado procura responder de
forma isolada às suas próprias necessidades internas.
Finalmente, o aprofundamento dos arranjos institucionais de integração
regional contribui o robustecimento da segurança energética da África Austral
na medida em que torna os diversos Estados-membros menos dependentes do
fornecimento energético de atores externos à região, e também para a
diminuição da vulnerabilidade às flutuações do preço dos recursos energéticos
fósseis, sobretudo do petróleo, nos principais mercados internacionais.
245
15.2. Recomendações
A promoção do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração
regional e da segurança energética da África Austral necessita da aplicação de
um conjunto de políticas que incentivem e facilitem o comércio energético
intrarregional na África Austral. Do âmbito global ao local, passando pelo
regional e nacional, as principais recomendações são:
1. Ao nível global, as principais instituições internacionais (FMI, BM,
entre outros) devem criar linhas de financiamento próprias para
infraestruturas e outros projetos de cariz marcadamente regional,
como, por exemplo, linhas de transmissão transnacional de
eletricidade ou infraestruturas de geração de eletricidade que, pela
sua dimensão, tenham o mercado regional como mercado-alvo.
2. As condições associadas a estas linhas de financiamento devem
poder ser alvo de bonificações ao nível das taxas de juro, dado que
alguns dos países envolvidos nestes projetos transnacionais podem
ter dificuldades acrescidas em aceder ao financiamento internacional
e também de períodos mais latos de carência, visto que as
infraestruturas normalmente associadas a estes projetos têm um
horizonte temporal associado de mais longo prazo.
3. Ao nível regional, as organizações devem dar prioridade aos projetos
transnacionais cuja motivação regional seja superior à da mera
resposta às diversas necessidades dos Estados-membros, mesmo
246
que tal implique uma satisfação menos imediata às necessidades
destes.
4. As organizações devem ver fortalecida a sua capacidade de decisão
e vinculação dos respetivos Estados-membros, de modo a que a
racionalidade regional prevaleça efetivamente sobre as diversas
racionalidades nacionais.
5. Ao nível nacional, os diversos Estados vizinhos devem adotar
medidas que facilitem o comércio energético intrarregional, como a
harmonização dos diversos enquadramentos institucionais e legais
dos setores elétricos ou a expansão das capacidades de transmissão
e distribuição de eletricidade para as zonas transfronteiriças.
6. Os Estados devem reafirmar o seu compromisso com o
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional e
respetivas organizações regionais, aceitando uma maior vinculação
às decisões e projetos destas últimas e permitindo-lhes uma maior
capacidade financeira, institucional e humana.
7. Ao nível local é necessário que as comunidades sejam devidamente
integradas e consultadas aquando da prossecução de projetos de
expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição de
eletricidade.
8. Os programas de eletrificação rural podem igualmente dar um
contributo relevante para a facilitação do comércio energético
intrarregional, na medida em que permitem integrar as zonas
transfronteiriças nas respetivas redes nacionais.
247
15.3. Pistas Futuras
A elaboração deste projeto de investigação abre algumas pistas para
investigações futuras relacionadas com as problemáticas da integração
regional e segurança energética na região da África Austral.
Será importante estudar o impacto que as mais recentes descobertas de
recursos energéticos moçambicanos, concretamente carvão e gás natural,
terão ao nível dos volumes de comércio energético intrarregional, e verificar se
serão canalizados pelo menos em parte para a África Austral ou
exclusivamente para potências exteriores à região.
Outro aspeto que merecerá análise é a prossecução de projetos de
geração e transmissão de hidroeletricidade moçambicanos como Mphanda
Nkuwa e a central Norte da HCB que terão como destino final a SAPP
globalmente considerada, e a África do Sul em particular, e o contributo que
elas darão para o robustecimento da segurança energética regional.
Finalmente, convirá verificar o grau de impacto da recuperação em curso
das potencialidades dos corredores de desenvolvimento moçambicanos,
sobretudo os da Beira e de Nacala, na melhoria da acessibilidade de Estados
vizinhos vedados de acesso direto ao mar, e na consequente intensificação das
relações económicas destes com Moçambique.
248
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255
17. ANEXOS
256
17.1. O CONTRIBUTO DA GESTÃO TRANSFRONTEIRIÇA DOS RECURSOS
HÍDRICOS PARA A PREVENÇÃO DE CONFLITOS EM ÁFRICA1
João Veiga Esteves2
RESUMO
O fenómeno do agravamento da escassez de água é crescentemente
reconhecido pela comunidade internacional como uma das ameaças mais
sérias ao bem-estar da população mundial no século XXI. As tendências de
aumento da procura dos recursos hídricos, aliadas à degradação da qualidade
destes, devido à poluição ambiental, diminuem a quantidade de água per capita
em muitas regiões do Mundo, particularmente em África, onde o crescimento
demográfico e a urbanização das sociedades são mais vincados. Tal acaba por
levar a um aumento da competição pelo controlo e acesso dos recursos
hídricos por parte de Estados, preocupados com a segurança e soberania
nacionais. Assim, o objetivo central deste trabalho é averiguar que opções
estão em aberto para prevenir que esta competição entre Estados degenere
em conflitos armados. Baseando-se na revisão da bibliografia especializada, e
partindo do caso concreto da região da SADC, o trabalho conclui que a
1 Comunicação apresentada no âmbito do seminário In Progress, organizado pelo CEsA-ISEG
(Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento) nos dias 27 e 28 de Outubro de 2011.
2 Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG-UTL (Instituto Superior de
Economia e Gestão). Endereço de email: jnave86@gmail.com
257
implementação de arranjos institucionais de gestão transnacional da água pode
ser fundamental para prevenir tensões e conflitos entre Estados co-ribeirinhos.
Palavras-chave: Recursos Hídricos, Prevenção de Conflitos, Cooperação
Regional
Código JEL: F51, F52, F55, H41, Q25, Q34, Q42
258
THE TRANSNATIONAL MANAGEMENT OF WATER RESOURCES AS A
CONTRIBUTION FOR CONFLICT PREVENTION IN AFRICA3
João Veiga Esteves4
ABSTRACT
The increasing scarcity of water has become more and more perceived by the
international community as one of the biggest threats for the well-being of the
world population in the 21st century. The growing demand for water resources
whose quality is being degraded by environmental issues threatens the volume
of water per capita in many regions of the World, and mostly so in Africa, a
continent where the problems of demographic growth and urbanization
phenomena are particularly incisive. As a result of this, there is a growing
competition for the control and access of water resources by states which
regard them as linked to national security and sovereignty issues. Bearing this
in mind, the goal set for this paper is to find and establish available options to
prevent this competition from degenerating into armed struggles. Taking as a
starting basis a review of present specialized studies and the analysis of the
SADC region case, this paper concludes that the implementation of institutional
3 Communication to the In Progress seminar held by CEsA-ISEG (Center for African and
Development Studies) on the 27th and 28
th of October 2011.
4 Master in Development and International Cooperation by ISEG-UTL (Business and Economic
School, Lisbon University). Email address: jnave86@gmail.com
259
arrangements for transnational management of water resources may prove
crucial in preventing tensions and conflicts opposing co-riparian states.
Key-words: Water Resources, Conflict Prevention, Regional Cooperation
JEL Code: F51, F52, F55, H41, Q25, Q34, Q42
260
Introdução
“Upstreamers use water to get more power.
Downstreamers use power to get more water.”
Zeitoun & Warner (2006)
A água é um recurso indispensável para a sobrevivência humana. O
homem necessita dela não só para consumo, mas também para funções
essenciais como a produção agrícola ou industrial. Como frisa Wolf (1998:
251), os recursos hídricos são o único recurso escasso para o qual não há
substituto, sendo a necessidade humana deles constante, imediata e
esmagadora. Assim, qualquer fenómeno associado aos recursos hídricos
assume imediatamente uma importância capital nos debates sobre o
desenvolvimento e as relações internacionais.
É crescentemente reconhecido que um dos principais desafios do século
XXI passa por conciliar o aumento da procura humana de recursos hídricos,
devido ao crescimento demográfico, com a necessidade de preservação dos
ecossistemas. Tal é sobretudo verdade nas regiões em desenvolvimento, onde
o crescimento demográfico é mais acelerado e as pressões
desenvolvimentistas são mais pronunciadas. O acentuar destas tendências
acaba por determinar uma quantidade menor de recursos hídricos per capita, o
que dada a sensibilidade humana para com este bem, provoca sempre alguma
tensão dentro das sociedades humanas. Ao nível nacional, os Estados podem
261
começar uma corrida pelos recursos hídricos disponíveis, competição essa que
pode degenerar em conflitos armados, situação de todo evitável.
Posto isto, este trabalho pretende analisar de que forma, ou através de
que instrumentos, se pode garantir que o fenómeno da escassez hídrica não
conduza à eclosão de tensões e conflitos entre Estados, ou mesmo dentro dos
Estados. Concretamente, o trabalho parte do pressuposto de que os conflitos
motivados pela escassez hídrica não são inevitáveis, e que há margem de
manobra para a criação de mecanismos que dispensem a competição dos
Estados pela água. Ele parte também de um outro pressuposto, o de que a
gestão dos recursos hídricos é uma matéria altamente politizada,
ultrapassando em larga medida as questões meramente técnicas. A solução
preconizada por este trabalho passa pela adoção dum novo paradigma de
intervenção, preterindo o atual, centrado nos Estados-Nação, em favor dum
outro mais direcionado para as regiões como um bloco. A gestão transnacional
dos recursos hídricos supranacionais pode ser um importante fator de
interdependência, estabilidade e boas relações entre Estados co-ribeirinhos,
prevenindo assim tensões e conflitos entre eles.
A atualidade confere a este tema pela justificação. Com efeito, em várias
regiões do Mundo são cada vez mais frequentes os conflitos motivados pelo
controlo e acesso aos recursos hídricos. Regiões como o Médio Oriente, África
ou Sudeste Asiático têm sido fustigadas por tensões entre Estados vizinhos e
por erupções sociais dentro das suas fronteiras nacionais motivadas pela água.
O caso do Médio Oriente é particularmente preocupante, dado que a questão
hídrica pode ser o catalisador dum conflito armado à escala regional. Por outro
lado, o tema vem impondo-se à medida que a comunidade internacional vai
262
tomando consciência da necessidade duma adequada gestão transnacional
dos recursos hídricos, e também porque a maioria das reservas de água doce
está localizada em bacias hídricas transnacionais.
Para atingir o desiderato proposto, este trabalho utiliza uma metodologia
baseada na revisão da literatura especializada em matérias como a prevenção
de conflitos, integração regional e a geográfica económica. Além disso,
apresenta o estudo de caso da África Austral, não só porque é uma das regiões
mais afetadas pela escassez hídrica, mas também porque nela passam um
número significativo de cursos de água transnacionais. Finalmente, a região
tem sido reconhecida como uma das que mais progressos e resultados tem
alcançado na área da gestão transnacional da água.
O trabalho está estruturado da seguinte forma: após esta introdução,
expõe-se o cenário atual de escassez hídrica, as suas causas e respetivas
consequências. De seguida, relaciona-se o problema da escassez hídrica com
o surgimento de tensões e conflitos - que tipos de conflitos, como emergem,
que atores estão associados e que perigos acarretam. A seguir, advoga-se as
potencialidades dos modelos de gestão transnacional de recursos hídricos,
frisando diferentes instrumentos e os vários benefícios que deles podem advir.
Finalmente, apresentam-se as conclusões principais deste trabalho, suas
limitações e pistas que deixa para futuras investigações.
263
O Fenómeno da Escassez Hídrica
O fenómeno da escassez hídrica tem uma componente absoluta e uma
outra relativa. Por escassez absoluta entende-se a falta real de recursos
hídricos para suprir as necessidades humanas. Já a escassez relativa refere-se
a cenários onde a água não é escassa mas é distribuída de uma maneira
desigual (Haftendorn, 2000: 51).
Para Postel (2000: 941), verifica-se uma situação de crescente conflito
entre duas das funções mais importantes dos recursos hídricos, ou seja,
enquanto pré-requisito para todo o tipo de vida e enquanto bem económico. O
crescimento demográfico verificado em várias partes do globo irá determinar
inevitavelmente um conflito entre a afetação de água para o sector agrícola e
para o sector doméstico. Uitto & Duda (2002: 366) vão mesmo mais longe,
afirmando que o fator determinante do aumento da escassez de água à escala
mundial é a taxa de crescimento demográfico de algumas regiões do globo,
sobretudo as menos desenvolvidas. Também no caso dos países mais
desenvolvidos tal se verifica, pois à medida que as suas economias crescem e
se desenvolvem e as suas populações vão ganhando rendimento, o seu
consumo de água per capita também aumenta. Outros fatores que contribuem
para o agravamento da escassez hídrica são a extração excessiva crónica de
água realizada por alguns dos principais produtores agrícolas5 e as próprias
alterações climáticas, que têm vindo a provocar secas cada vez mais
frequentes e prolongadas, sobretudo nas regiões mais áridas (Postel, 2000:
5 Como é o caso de grandes potências mundiais como a China ou os EUA.
264
942; Uitto & Duda, 2002: 367). Este fenómeno da escassez hídrica já começou
a manifestar as suas consequências. Postel avança que o facto de cada vez
mais cursos de água estarem secos durante períodos cada vez mais longos do
ano, sobretudo no período de seca onde a água é particularmente relevante
para a agricultura, é um indicador de sobreexploração dos recursos hídricos.
A crescente escassez de recursos hídricos coloca três desafios
fundamentais: 1) manutenção da segurança alimentar face aos
constrangimentos hídricos do sector agrícola; 2) prevenção da degradação da
qualidade dos ecossistemas; 3) prevenção do surgimento de tensões e
conflitos nas bacias hídricas transnacionais. Deste modo, para Postel (2000:
946) a estratégia futura terá necessariamente que passar por aumentar a
produtividade e eficiência da exploração de recursos hídricos, por instituir
mecanismos de controlo da procura de recursos hídricos, e por garantir os
volumes de água necessários para que os ecossistemas procedam à sua
função natural de autorregeneração. Este aspeto é fundamental, visto que à
medida que se retiram volumes cada vez maiores de recursos hídricos para
utilização humana, os ecossistemas vão tendo cada vez maiores dificuldades
em proceder à sua regeneração, o que provoca uma diminuição da qualidade
dos mesmos (Curtin, 2000: 1; Uitto & Duda, 2002: 366).
Os Conflitos Hídricos – Causas e Consequências
De um modo geral, o surgimento de tensões e conflitos entre Estados
co-ribeirinhos tem origem em diferentes interpretações sobre a exploração de
265
recursos hídricos transnacionais. Tal dissonância ainda não foi resolvida, dado
que atualmente não há um consenso generalizado sobre qual o grau de
autoridade que os Estados têm sobre as partes dos cursos de água
transnacionais que se encontram nos seus territórios nacionais (Haftendorn,
2000: 66).
Uitto & Duda (2002: 367) sublinham que, apesar de ao longo da história
se terem travado guerras pelo acesso a recursos naturais, no caso concreto
dos recursos hídricos tal ainda não se registou numa escala significativa. De
facto, a cronologia real dos conflitos hídricos é bem menos dramática do que é
sugerido pela literatura das guerras hídricas. Wolf (1998: 251) explica esta
dissonância com o facto de as guerras hídricas carecerem de racionalidade
estratégica, hidrográfica e económica, e os benefícios resultantes da partilha de
interesses terem suplantado sistematicamente as motivações belicistas. Este
autor avança com pelo menos quatro argumentos contra a os que defendem a
existência futura de guerras hídricas: argumento histórico, argumento dos
interesses estratégicos, argumento dos interesses partilhados, e argumento da
resiliência institucional dos tratados transnacionais. Já Zeitoun & Warner (2006:
437) tomam por base a teoria da hegemonia hídrica para afirmarem que um
dos fatores que mais tem contribuído para a inexistência de guerras hídricas é
a circunstância de os países hegemonizados duma dada região tenderem a
aceitar a ordem estabelecida pelo Estado hegemónico.
Posto isto, convém ressalvar que a ausência de guerra não implica
necessariamente a ausência de conflito no contexto hídrico. O nível de tensão
entre partes em conflito pode nunca chegar ao extremo das ações militares
mas pode assumir uma grande variedade de níveis de conflitualidade.
266
Relativamente aos conflitos hídricos, parece existir uma correlação inversa
entre a dimensão geográfica e a intensidade dos conflitos hídricos (Wolf, 1998:
258). Os conflitos hídricos tanto se podem suceder entre Estados como dentro
destes, entre diferentes grupos sociais ou sectores económicos. Podem
assumir diversos graus de intensidade, desde o expressar de desacordo
relativamente a uma qualquer matéria à recusa em cooperar até à declaração
formal de guerra (Zeitoun & Warner, 2006: 440; Curtin, 2000: 2). O âmbito
geográfico destes conflitos também é diverso, indo desde tensões à escala
regional até tensões de cariz meramente local. Aliás, com a falta de
preocupação com a sustentabilidade ambiental e a inexistência de reformas
nos sectores públicos da água, os antigos problemas e tensões relacionadas
com o acesso aos recursos hídricos de carácter tipicamente nacional estão a
ganhar outras proporções e a ultrapassar as fronteiras políticas.
Para Haftendorn (2000: 51), existem quatro fontes fundamentais de
tensão e conflito relativamente aos recursos hídricos: utilização, poluição e
escassez relativa e absoluta. Teoricamente, os conflitos derivados da utilização
ou poluição dos recursos hídricos são mais facilmente resolvidos do que os
motivados pela escassez ou distribuição dos mesmos, pois enquanto os
primeiros podem no máximo levar a retaliações diplomáticas, os últimos têm o
potencial para conflitos militares e armados. Já a exploração dos recursos
hídricos pelo sector das pescas difícil e raramente dá azo a conflitos entre
Estados co-ribeirinhos. Como constatou Haftendorn (2000: 62), as fontes de
conflitos hídricos apresentam diferenças estruturais entre si, diferenças estas
que dificultam a tarefa de definição de mecanismos de resolução de conflitos.
267
A análise das motivações subjacentes aos conflitos hídricos tem
necessariamente de ser multidisciplinar. Zeitoun & Warner (2006: 435)
defendem que as análises convencionais tendem a minimizar o papel que as
assimetrias de poder têm na manutenção ou intensificação de situações de
conflitos entre Estados co-ribeirinhos. Também Curtin (2000: 2) afiança que os
conflitos hídricos não advêm meramente de questões políticas ou geográficas,
podendo igualmente assumir dinâmicas sociais, económicas e mesmo étnicas.
Wolf (1998: 254) vai mesmo mais longe, afirmando que os conflitos hídricos
tendem a ser mais resultado de tensões políticas do que propriamente de
questões hídricas, sendo que estas apenas são usadas como instrumento ou
desculpa para outras motivações.
A posição geográfica relativa dos Estados co-ribeirinhos é determinante
para aferir as suas relações hídricas, nomeadamente na divisão entre países a
montante (teoricamente privilegiados) e a jusante (teoricamente
desfavorecidos), pois os primeiros podem influenciar ou mesmo determinar a
qualidade da água a que os últimos podem aceder. O cenário mais
problemático verifica-se quando o país a jusante é a potência hegemónica,
económica e militarmente, e essa potência depende bastante dos recursos
hídricos da bacia transnacional e está a ser afetado pela atuação dos países a
montante, que necessitam igualmente desses recursos hídricos6 (Wolf, 1998:
256; Zeitoun & Warner, 2006: 436; Curtin, 2000: 5). No mesmo sentido,
Haftendorn (2000: 56-59) defende que a probabilidade de um conflito militar é
tanto maior quanto mais o Estado a jusante for incapaz de influenciar as
6 Os exemplos mais conhecidos deste cenário são o rio Nilo em África, o rio da Prata na
América Latina e o rio Mekong na Ásia.
268
decisões dos a montante por outro qualquer meio disponível. A situação
agrava-se ainda mais em cenários onde a escassez de água é absoluta e há
grandes disparidades de desenvolvimento entre Estados co-ribeirinhos,
determinando níveis de exploração dos recursos hídricos também díspares7.
Uma abordagem alternativa às relações entre Estados co-ribeirinhos é
proposta por Zeitoun & Warner (2006), que a apelidam de hidro-hegemonia.
Esta defende que as relações de poder existentes entre Estados co-ribeirinhos
são o fator central na determinação de controlo de cada um dos recursos
comuns, podendo assumir três formatos fundamentais, sempre em função da
disposição do Estado hidro-hegemónico: 1) partilha ou cooperação, 2)
consolidação da posição hegemónica ou 3) competição expressa entre Estados
co-ribeirinhos. Deste modo, o conceito de hidro-hegemonia refere-se às
relações entre Estados vizinhos ao nível das bacias hídricas transnacionais e à
situação de privilégio que uns têm sobre outros, nomeadamente através de
estratégias de controlo de recursos como a captura de recursos ou a
integração regional e partilha de benefícios. Por captura de recursos entende-
se a estratégia dum Estado, que na ausência de qualquer entendimento
regional formal, decide unilateralmente avançar com projetos que afetam a
quantidade ou qualidade dos recursos hídricos dos seus vizinhos co-
ribeirinhos.
As barragens e outras infraestruturas hídricas são um instrumento
fundamental para analisar as relações entre Estados co-ribeirinhos nas bacias
7 O exemplo mais conhecido de Estados co-ribeirinhos com grandes disparidades de
desenvolvimento, sendo do país a jusante incapaz de influenciar a montante, é o de Israel e
Palestina.
269
hídricas transnacionais, dado que são a forma mais direta de os Estados
afetarem, armazenarem ou redirecionarem os cursos de água, com
consequências para os seus vizinhos co-ribeirinhos (Curtin, 2000: 3). A
construção deste tipo de infraestruturas nos países a montante pode ter efeitos
adversos para jusante, como o aumento da poluição da água. Haftendorn
(2000: 52) sublinha os casos em que os países a jusante não deram o seu
consentimento prévio para a construção de barragens como uma poderosa
fonte de tensão e conflito entre Estados co-ribeirinhos.
Uma fonte de conflito hídrico que tem vindo a ser crescentemente
reconhecida é a que advém dos processos de privatização da propriedade,
gestão ou distribuição da água. Swatuk (2002: 529) demonstra que a
privatização dos recursos hídricos pode agravar ainda mais o surgimento de
tensões e conflitos entre diferentes grupos sociais, pois geralmente faz com
que aqueles que já têm um acesso mais facilitado e dominante a água
aprofundem essa desigualdade, ficando os grupos sociais mais desfavorecidos
com o seu acesso à água ainda mais dificultado. Além disso, a participação do
sector privado nos recursos hídricos acarreta ameaças maiores na sua versão
transnacional, sobretudo quando as grandes multinacionais descuram por
completo a ótica social e política dos serviços associados aos recursos
hídricos.
270
Contributos da Gestão Transnacional de Recursos Hídricos
Como foi referido anteriormente, os Estados têm duas formas distintas
de lidar com o fenómeno do agravamento da escassez hídrica: ou entram
numa espiral de competição pelo acesso e controlo da água, que
inevitavelmente leva a tensões e conflitos entre eles, ou aceitam entrar em
arranjos institucionais de gestão e cooperação sobre os recursos hídricos
transnacionais. É sobre esta segunda opção que este trabalho incide de
seguida.
A gestão transnacional dos recursos hídricos pressupõe normalmente a
institucionalização de entidades ou organismos supranacionais aos quais se
atribui a responsabilidade de gerir em nome de todos os Estados co-ribeirinhos.
Haftendorn (2000: 65) crê que foi a erupção regular de tensões e conflitos entre
Estados vizinhos uma das motivações fundamentais para a criação destas
instituições, com o intuito de facilitar a troca de informação entre Estados co-
ribeirinhos, fornecer assistência técnica aos mesmos e servir como terceiro ator
neutral nas suas disputas. Também Wolf (1998: 260) vai ao encontro desta
posição, afirmando a importância e as vantagens da existência duma terceira
parte neutral que fomente e encoraje a aproximação dos Estados co-ribeirinhos
para a gestão transnacional da água. É no seguimento desta defesa das
terceiras partes neutrais que as organizações regionais têm assumido o
aprofundamento da cooperação regional na área dos recursos hídricos como
objetivo central dos seus mandatos. O espectro de intervenção das
organizações regionais não se esgota aqui. Com efeito, elas assumem uma
271
grande próactividade na harmonização das políticas hídricas nacionais em
torno de estratégias regionais e fomentam a troca de informações entre
Estados co-ribeirinhos, partilha essa que tem o efeito positivo de estimular as
relações de confiança (Uitto & Duda, 2002: 376; Haftendorn, 2000: 52).
Existem outros tipos de organizações que lidam com a gestão
transnacional dos recursos hídricos, sendo as mais comuns as organizações
responsáveis pela gestão de bacias hídricas transnacionais. Rangeley (1994:
7) distingue três tipos fundamentais de organizações das bacias hídricas
transnacionais: 1) aquelas que se focam na gestão e exploração dos recursos
hídricos pertencentes a determinada bacia hídrica; 2) aquelas que alargam este
âmbito de intervenção para tratarem de outros sectores como a agricultura ou a
energia; 3) outras, ainda, com um âmbito de intervenção mais abrangente e
que se preocupam com o desenvolvimento regional como um todo8.
A definição mais abrangente da missão das organizações das bacias
hídricas internacionais é a promoção de estudos e relatórios que ofereçam
soluções para um modelo de exploração de recursos hídricos integrado,
sustentável tanto em termos económicos como ambientais e tecnicamente
adequado para o caso concreto de cada bacia (Rangeley, 1994: 25). Porém, as
suas funções podem ser divididas em oito categorias principais: recolha de
dados e informação; planeamento; afetações de recursos hídricos; obtenção de
financiamento; partilha de custos9; implementação dos projetos no terreno;
8 No caso concreto da África Austral, a sua organização regional (SADC) está incluída na
terceira categoria, as de âmbito de intervenção mais alargado.
9 A partilha de custos é organizada pela organização supranacional, sendo posteriormente os
custos divididos pelos diversos Estados-membros (Rangeley, 1994: 22).
272
gestão e manutenção de infraestruturas e monitorização dos níveis de
exploração da água. Há finalmente outras organizações de bacias hídricas que
têm por missão garantir a proteção ambiental dos respetivos ecossistemas.
As organizações mais bem-sucedidas nesta área apresentam alguns
traços em comum: 1) prioridade dos benefícios socioeconómicos sobre as
aspirações políticas; 2) objetivos bem definidos e específicos; 3) enfoque no
trabalho de construção em detrimento dum planeamento excessivo; 4) inclusão
dum menor número de Estados-membros; 5) compromisso efetivo das
autoridades de cada Estado co-ribeirinho; 6) apoio das entidades financiadoras
internacionais; 7) mandato de intervenção mais focado e circunscrito. Mais, a
evidência empírica demonstra que as organizações das bacias hídricas mais
bem-sucedidas foram aquelas que subcontrataram as tarefas de planeamento
para empresas externas de consultoria (Rangeley, 1994: 15).
Está comprovado que os custos de envolvimento num conflito hídrico
aberto são muito superiores aos de em arranjos institucionais de cooperação.
Daqui se retira que os recursos hídricos transnacionais, em vez de serem
potenciais fontes de tensão e conflito, podem assumir um papel de promoção
da cooperação regional e da partilha de benefícios. Seguramente devido a este
facto, a análise histórica permite constatar que os Estados co-ribeirinhos têm
vindo a optar esmagadoramente por formas de cooperação em detrimento de
conflito sobre o controlo e acesso dos recursos hídricos10. Já Zeitoun & Warner
(2006: 436) oferecem um outro ponto de vista sobre a matéria, defendendo que
10
Desde 1814 já se assinaram mais de 300 tratados internacionais relacionados com assuntos
hídricos, como o controlo das inundações, geração de energia hídrica e outras utilizações
(Wolf, 1998: 256).
273
o facto de os países recorrerem muito mais vezes a acordos de cooperação do
que a conflitos terá mais a ver com a constatação de muitos Estados da sua
inferioridade em termos de poder económico e militar relativamente aos seus
vizinhos do que propriamente à constatação dos benefícios dos esquemas de
gestão transnacional dos recursos hídricos. Um facto curioso sobre estes
acordos regionais de gestão transnacional da água é que eles, uma vez
estabelecidos, têm-se provado bastante duradouros ao longo do tempo,
mesmo aquando da erupção de novas tensões entre Estados co-ribeirinhos por
outros motivos não relacionados com a água11.
Já relativamente ao relevo que as questões hídricas têm merecido na
arena internacional, há que destacar a Convenção da ONU sobre os Cursos
Hídricos Internacionais de 1997. Nela estão inscritos alguns princípios
fundamentais das bacias hídricas transnacionais, nomeadamente o do uso
equitativo e responsável da água e o da necessidade de garantir que as
intervenções dum Estado isolado não prejudiquem sobremaneira os seus
vizinhos co-ribeirinhos. Porém Zeitoun & Warner (2006: 450) e Curtin (2000: 5)
declaram que a não ratificação desta convenção pelo mínimo exigido de
países, e muito menos pelos Estados mais relevantes, fere de morte a
capacidade vinculativa daquela e permite a perpetuação de situações de hidro-
hegemonia em muitas regiões do globo. Além disso, a imprecisão e falta de
concretização dos princípios expressos nesta convenção leva a interpretações
diversas dos mesmos, consoante os interesses de cada Estado. Por exemplo,
11
Veja-se o caso de Moçambique e África do Sul, em que nem mesmo a interferência direta e
indireta desta na guerra civil moçambicana bloqueou as negociações relativas a questões
hídricas.
274
enquanto os países a montante focam as suas reivindicações no princípio da
utilização equitativa, os a jusante baseiam a sua argumentação no da
minimização prejuízos significativos nos outros. Por outro lado, os Estados
menos poderosos muitas vezes utilizam as convenções internacionais para
reivindicarem algum poder de legitimidade e de negociação com as potências
hegemónicas regionais, enquanto estas aproveitam a falta de ratificação destas
para perpetuarem o domínio (Wolf, 1998: 252; Zeitoun & Warner, 2006: 442).
Algumas das lições mais valiosas de experiências passadas com
convenções e tratados internacionais são que quanto mais efetivos forem os
acordos e tratados regionais relativos aos recursos hídricos, e sobretudo
quanto mais específicos e concretos forem, maiores as probabilidades de
sucesso da gestão transnacional. Por outro lado as convenções ou tratados
mais circunscritos a nível geográfico têm-se revelado maior eficácia (Uitto &
Duda, 2002: 376; Haftendorn, 2000: 66).
Como já referido anteriormente, as barragens são um elemento central
de qualquer análise das relações transfronteiriças relativas aos recursos
hídricos, sendo frequentemente responsáveis por tensões entre Estados co-
ribeirinhos. Todavia, está provado que mesmo as barragens têm margem de
manobra para o aprofundamento de arranjos institucionais de cooperação
regional na questão hídrica. Com efeito, a edificação duma barragem num país
a montante pode ter um impacto positivo em todos os Estados co-ribeirinhos,
pois se para o construtor a barragem gera energia hídrica, para os a jusante
pode ajudar a controlar os fluxos hídricos das inundações, com ganhos
agrícolas importantes. As barragens, se geridas conjunta e eficazmente, podem
ser um estímulo importante para o alargamento da cooperação regional para
275
outras áreas, além de que a energia hídrica produzida nestas barragens leva
muitos países a dependerem menos das potências internacionais. Tal é
crescentemente importante, num contexto de subida generalizada dos preços
de fontes energéticas como o petróleo. Além disso, o desenvolvimento dum
sistema de barragens eficiente à escala regional pode ter um efeito positivo na
sustentabilidade ambiental, ao prevenir fenómenos como a desertificação,
poluição da água, cheias e inundações. Finalmente, a cooperação regional
pode ter um papel importante na área das barragens e na prevenção dos
conflitos, ao instituir mecanismos de compensação para as comunidades ou
sectores económicos prejudicados, tanto nos países a montante como a
jusante pela edificação de barragens, prejuízos esses que devem ser mais
valorizados do que aqueles estrita e meramente económicos (Curtin, 2000: 8).
A institucionalização de arranjos institucionais de gestão transnacional
de recursos hídricos pode também dar o seu contributo para a mudança de
paradigma nas relações entre Estados co-ribeirinhos, nomeadamente entre as
potências hegemónicas em termos hídricos e os hegemonizados. Contudo, tal
dependerá sempre da disponibilidade do Estado hegemónico para mudar de
atitude. Efetivamente, se, por um lado, o Estado hidro-hegemónico pode
sempre obter um resultado final positivo para si, por outro ele também tem o
poder de estabelecer um enquadramento regional positivo para todos. Zeitoun
& Warner (2006: 437) defendem que a partilha de recursos entre o Estado
hegemónico e os hegemonizados é teoricamente o contexto mais estável e o
que menos probabilidade de conflitos apresenta, ou seja, onde a situação de
hegemonia traz, na realidade, benefícios para todos os vizinhos co-ribeirinhos.
276
Além disso, um cenário de hidro-hegemonia pode facilitar a provisão de bens
públicos regionais como a estabilidade e a ordem.
Posto isto, importa ressalvar que a cooperação regional na área dos
recursos hídricos não obedece a qualquer metodologia do tipo one size fits all,
dado que cada caso concreto exige uma solução particular que tenha em
devida consideração as idiossincrasias locais. Curtin (2000: 6) avança que o
passado histórico duma região é uma variável importante na aferição da
possibilidade de implementar acordos de cooperação entre Estados vizinhos,
pois a memória de guerras e conflitos dificulta a confiança necessária para a
cooperação.
Um instrumento cada vez mais reconhecido pela sua capacidade de
fomentar a disponibilidade dos Estados co-ribeirinhos para acordos de
cooperação é a partilha dos benefícios das bacias hídricas transnacionais que
vão para além do direitamente relacionado com a exploração da água. O tipo
de benefício mais conhecido é a geração de energia hídrica. Outro interesse
que deve ser partilhado por todos os Estados co-ribeirinhos é a preservação da
qualidade dos cursos de água. Wolf (1998: 259) afirma que os benefícios da
partilha de interesses tendem a suplantar as motivações para a entrada em
conflitos de natureza hídrica, daí a evidência histórica da preferência dos
países em entrar em arranjos de cooperação em alternativa ao desencadear
conflitos hídricos. Zeitoun & Warner (2006: 447) vão mesmo mais longe,
defendendo que os projetos hídricos transnacionais que se baseiam no
respeito dos interesses de cada um e na partilha de benefícios têm provado ser
um incentivo para a cooperação regional e para mais estáveis relações entre
Estados, mesmo em situações de hegemonia.
277
Outro instrumento importante para a promoção da gestão transnacional
dos recursos hídricos é a realização de levantamentos de dados e outras
informações conjuntas sobre as condições geográficas das bacias hídricas
transnacionais, ainda antes do início dos projetos de cooperação. Como frisam
Uitto & Duda (2002: 367) e Curtin (2000: 3), o trabalho conjunto na procura de
informações e dados é um instrumento importante para fomentar a confiança
entre Estados co-ribeirinhos e a participação destes nas organizações
regionais, além de ser importante para avaliar a natureza e extensão de todas
as consequências para todos os Estados afetados, permitindo a estes tomar
suas decisões com o máximo de informação disponível possível. Estes autores
defendem ainda que esta recolha conjunta de informação terá um impacto
ainda mais positivo se forem formados comités transnacionais formados por
pessoal ministerial de todos os países em detrimento dos organismos
autónomos supranacionais, pois o primeiro modelo fomenta melhor a confiança
entre Estados co-ribeirinhos. Porém, Curtin (2000: 8) sublinha que a
informação não pode ficar retida nos níveis ministeriais, devendo ser partilhada
com a população em geral e muito particularmente com as comunidades locais
que são afetadas por estes projetos de cooperação.
A questão da confiança mútua entre Estados co-ribeirinhos é
fundamental para um nível de compromisso forte sobre os arranjos
institucionais de gestão transnacional de recursos hídricos. É claro que quanto
maior o grau de compromisso político para com os projetos hídricos
transnacionais mais fácil é a implementação no terreno e a gestão nas
organizações transnacionais. Este compromisso necessita que sejam
derrubadas algumas barreiras de desconfiança que possam existir entre
278
Estados vizinhos, motivadas geralmente por questões históricas ou culturais.
Sem este compromisso não é possível institucionalizar mecanismos de revisão
e controlo dos progressos alcançados nesta área, tanto a nível nacional como
regional.
Um tema que tem sido trazido para o centro do debate sobre a gestão
transnacional dos recursos hídricos é a inclusão de todas as partes
interessadas e as próprias comunidades locais nos processos de tomada de
decisão. As comunidades locais necessitam de ser devidamente informadas de
tudo o que diga respeito aos projetos a desenvolver na sua região, até como
forma atrair a sua participação enquanto parte interessada e fomentar
consensos e a cooperação local. Uitto & Duda (2002: 375) sugerem uma forma
de atrair as comunidades locais para os projetos transnacionais, que passa
sobretudo por demonstrações locais durante as fases iniciais dos benefícios e
vantagens dos projetos para cada uma das comunidades.
A questão da boa governação tem necessariamente que estar presente
na gestão transnacional dos recursos hídricos. Swatuk (2002: 530) e Curtin
(2000: 8) advogam a necessidade de os acordos e negócios transnacionais
serem realizados com o máximo de transparência para deste modo facilitar a
responsabilização das autoridades responsáveis por eventuais prejuízos e para
garantir o apoio das populações para com os projetos hídricos transnacionais.
Finalmente, a relação entre os arranjos institucionais de gestão
transnacional dos recursos hídricos e a prevenção de conflitos é bastante
direta. Os acordos de cooperação nas bacias hídricas transnacionais devem
contemplar desde o início mecanismos estandardizados de resolução de
279
conflitos entre as partes, como a criação de comissões independentes.
Haftendorn (2000: 68) propõe os seguintes mecanismos de resolução de
conflitos propostos: 1) facilitação da troca de informação para a promoção da
confiança entre Estados co-ribeirinhos; 2) integração do conflito num
enquadramento mais geral e positivo; 3) construção de um pacote de soluções
através de estratégias de encadeamento de benefícios; 4) participação de
organizações externas que desempenhem papeis de mediação e arbitragem;
5) notificação prévia a todos os Estados co-ribeirinhos de qualquer intenção de
intervenção nos cursos de água transnacionais. A concluir, Wolf (1998: 259)
atesta que a eficácia dos arranjos institucionais de cooperação é tanto maior
quanto mais cedo forem estabelecidos relativamente ao ponto de escassez
hídrica.
Caso de Estudo: África Austral
O caso concreto da África Austral é relevante para a análise da gestão
transnacional dos recursos hídricos por uma série de motivos. Em primeiro
lugar, esta é uma das regiões do globo onde a escassez de água mais se faz
sentir e onde as perspetivas de agravamento são mais pessimistas. Em
segundo lugar, e talvez devido ao reconhecimento desta situação, é das
regiões onde os Estados co-ribeirinhos são mais proactivos na prossecução de
acordos de cooperação regional para a gestão transnacional da água. Com
efeito, a SADC atribui uma importância capital à questão dos recursos hídricos
transnacionais, e tem sido reconhecida pelos progressos alcançados nesta
280
matéria. Assim, o caso desta região permite assinalar o papel da gestão
transnacional dos recursos hídricos na prevenção de conflitos.
Os principais rios africanos têm cinco características fundamentais que
influenciam sobremaneira as possibilidades de cooperação transnacional: 1) os
países a jusante estão bastante dependentes das intervenções dos países a
montante; 2) os volumes e fluxos hídricos anuais estão sujeitos a variações
significativas, o que desde sempre motivou a edificação de barragens; 3) os
cursos de água perenes estão muito distantes entre si; 4) a qualidade dos seus
recursos hídricos é elevada (Rangeley, 1994: 5-6). Do primeiro ponto ressalta a
necessidade ainda maior duma concertação a nível regional, de modo a
prevenir o surgimento de tensões entre estes dois tipos de países. O contexto
hidrográfico da região acaba por fomentar a institucionalização de arranjos de
cooperação e gestão regional. O facto de, por um lado, os níveis de
pluviosidade serem maiores no Norte e Leste da região, e de a maioria da
população e do dinamismo industrial residirem no Sul e no Oeste, leva à
necessidade de mecanismos intrarregionais de transferência e partilha da
água12.
O contexto histórico é igualmente determinante na evolução das
relações regionais no que concerne aos recursos hídricos. Para Swatuk (2002:
510) o antigo modelo colonial de privilégio aos colonos forçou a grande maioria
da população indígena a habitar em zonas muito distantes dos recursos
hídricos, pelo que desde essa altura se desenvolveram infraestruturas de
12
Países como a África do Sul e o Zimbabué já estão em situação de stress hídrico, enquanto
o Botswana e a Namíbia estão mesmo em situação de escassez absoluta de água (Swatuk,
2002: 519).
281
armazenamento e transporte de água. Mais, o facto de os poderes coloniais
terem entendido os cursos de água como boas demarcações transfronteiriças
fez com que atualmente a maioria dos recursos hídricos da região tenham um
âmbito supranacional. Além disso, Curtin (2000: 5) destaca o facto de, na
época do regime do apartheid e do conflito latente com todos os seus vizinhos,
a África do Sul ter construído uma série de barragens no seu território nacional
sem ter em mínima consideração as consequências nos seus vizinhos co-
ribeirinhos, o que determinou os problemas estruturais de escassez de água de
muitos vizinhos da potência regional. Por outro lado, a política colonial deixou
um legado de infraestruturas hídricas marcadamente direcionadas para os
sectores industrial e agrícola, em detrimento do doméstico (Swatuk, 2002: 511).
Tal ajuda a explicar o fenómeno atual de tensão em muitos dos países da
região motivado pelo conflito de interesses entre os sectores agrícola e
doméstico, com o último a reclamar para si uma parcela cada vez maior da
água disponível como condição de resposta ao crescimento demográfico e à
urbanização de muitas destas sociedades, e de alcance dos ODM relativos à
população com acesso às redes de abastecimento de água e saneamento.
Posto isto, a organização regional da África Austral, a SADC, tem como
um dos seus objetivos estatutários principais a exploração sustentável dos
recursos naturais, incluindo naturalmente os hídricos. O facto de o primeiro
protocolo a ser implementado pela SADC ter sido o referente aos cursos de
água transnacionais revela a importância atribuída a esta questão. Este
protocolo tem os seguintes objetivos: 1) desenvolver uma cooperação mais
próxima entre os diversos Estados membros no que toca aos recursos hídricos,
de forma sustentável tanto em termos económicos como sociais; 2)
282
institucionalizar acordos e tratados regionais para uma exploração dos recursos
mais equitativa entre vizinhos; 3) utilizar a cooperação na área dos recursos
hídricos como exemplo para o aprofundamento da integração regional noutras
áreas, como a comercial (Swatuk, 2002: 518). Rangeley (1994: 28) afirma
mesmo que, com a institucionalização deste protocolo, a SADC está a
contribuir com o seu exemplo para a disseminação de boas práticas na área da
gestão transnacional da água.
A geração de energia hídrica é, desde sempre, um dos objetivos centrais
das organizações responsáveis pela gestão dos recursos hídricos
transnacionais. Com efeito, o plano atual da SADC passa por uma estratégia
integrada para o sector energético a nível regional, apostando concretamente
na energia hídrica no Norte e na termal no Sul da região, estratégia esta
devidamente coordenada pela SAPP (Southern African Power Pool) (Swatuk,
2002: 514). O potencial de energia hídrica africana é tremendo, revelando-se
central para qualquer política de segurança e soberania energética à escala
regional.13 Mais a mais, a geração de energia hídrica tem um impacto muito
menor que o da irrigação agrícola nos volumes de água disponíveis, logo
menos prejudicial para a escassez hídrica (Rangeley, 1994: 16).
A África do Sul é frequentemente sugerida como um exemplo de
potência hegemónica regional que optou pela estratégia de cooperação e
integração regional na área dos recursos hídricos e pela partilha e difusão dos
respetivos benefícios pelos Estados seus co-ribeirinhos (Zeitoun & Warner,
13
Rangeley (1994: 25) estima que somente 5% a 10% de todo o potencial de energia hídrica
esteja a ser atualmente explorado.
283
2006: 452)14. O caso concreto do LHDA (Lesotho Highlands Development
Authority) confirma isto. Efetivamente, o acordo celebrado em 1986 entre o
Lesoto e a África do Sul estipulou que esta ajudava financeiramente o Lesoto a
construir uma barragem no seu território, com a África do Sul a ter direito de
acesso à respetiva água a preços mais acessíveis para abastecimento da sua
cidade Joanesburgo e com o Lesoto a ganhar maior capacidade de geração de
energia hídrica e royalties provenientes da África do Sul (Wolf, 1998: 257). Fora
isso, ficou ainda acordado que cada país seria responsável pelo financiamento
das obras nos seus territórios nacionais, se bem que o Lesoto pode utilizar
garantias sul-africanas para se financiar internacionalmente. Para Rangeley
(1994: 8), dois dos fatores para o sucesso deste caso concreto são a estrutura
sólida e eficaz da LHDA e o compromisso de longo-prazo dos dois Estados.
Outro caso de gestão transnacional dos recursos hídricos é a edificação
conjunta duma barragem no rio Komati pela Suazilândia e a África do Sul, com
vista ao desenvolvimento do sector rural através da expansão de sistemas de
irrigação para algumas das regiões mais áridas dos dois países. Outro exemplo
ainda é a institucionalização, em 1986, da ZRA (Zambezi River Authority) pelo
Zimbabué e Zâmbia, para a gestão conjunta dos recursos hídricos e respetivo
potencial energético do rio Zambeze. Um aspeto central que subjaz a todos
estes acordos bilaterais é o facto de, para muitos países africanos
caracterizados por economias domésticas de pequena dimensão, os
investimentos em barragens de grande dimensão serem incomportáveis, além
14
Todavia, o facto de a África do Sul ser dos países da região com maiores necessidades de
água, para responder às pressões do seu processo de desenvolvimento, também contribui
para esta sua disponibilidade para institucionalizar acordos regionais (Swatuk, 2002: 523).
284
de que posteriormente não conseguem capturar muitos dos benefícios deste
tipo de investimentos. Daqui resulta que muitos dos projetos de construção de
infraestruturas de barragens apenas façam sentido económico dum ponto de
vista regional. É neste contexto que as organizações regionais podem
contribuir como cofinanciadoras deste tipo de investimentos transnacionais.
Swatuk (2002: 507) crê na existência duma nova arquitetura de gestão
dos recursos hídricos na região da SADC, arquitetura essa produto das
correntes teóricas internacionais e dos condicionalismos socioeconómicos e
políticos da região. Esta nova arquitetura procura integrar devidamente todas
as partes interessadas nos recursos hídricos, e preconiza um modelo de
privatização do desenvolvimento, gestão e distribuição dos recursos hídricos. É
neste contexto que a represa do rio Save é um bom exemplo para caracterizar
esta nova arquitetura hídrica da região da SADC, pois segue os seguintes
princípios: 1) atribuição da responsabilidade da gestão da represa às partes
interessadas, mas sempre orientada por princípios como o utilizador-pagador e
poluidor-pagador e como a comercialização da água enquanto bem económico;
2) adoção duma gestão ambiental integrada de toda a bacia hídrica,
desconsiderando para o efeito as fronteiras políticas; 3) apelo à participação
das ONG e sociedade civil e imposição de limites à interferência estatal direta,
criando para o efeito entidades independentes supranacionais. Segundo o
mesmo autor, os principais benefícios desta nova arquitetura passam por um
aprofundamento da cooperação regional, o reforço da capacitação institucional
das organizações responsáveis pela gestão da água e uma melhoria na
qualidade da prestação dos serviços hídricos. Porém, esta nova arquitetura
sofre dum paradoxo estrutural, pois se, por um lado, pretende alcançar uma
285
afetação mais equitativa e sustentável dos recursos hídricos, o que
teoricamente implica uma consideração da água como um bem social, por
outro defende que as organizações das bacias hídricas sejam
autossustentáveis em termos financeiros, o que implica a consideração da
água como um bem económico.
A questão da privatização da propriedade e gestão dos recursos hídricos
tem suscitado um debate intenso na região da SADC. Todos os seus Estados-
membros têm vindo a demonstrar preocupação com gestão da procura de
recursos hídricos. Alguns dos Estados têm vindo a defender que a melhor
maneira de combater e prevenir a escassez absoluta de água é racionalizar a
sua procura através duma política de atribuição de preço. Por outro lado, o
desejo de providenciar água para toda a população colide normalmente com os
problemas da dívida externa e com os programas de ajustamento estrutural
impostos pelas organizações internacionais. Daí que alguns países se tenham
decidido pela privatização da gestão dos recursos hídricos, assumindo
implicitamente desta forma a sua incapacidade de prover este bem em
condições aceitáveis e sustentáveis15.
15
Tanto Moçambique como a Tanzânia tiveram que proceder à privatização dos seus serviços
de distribuição da água como condição dos seus programas de ajustamento estrutural.
286
Considerações Finais
A conclusão fundamental deste trabalho é a de que, perante o cenário
atual de crescente escassez hídrica, os Estados têm duas vias possíveis de
atuação. A primeira passa pela competição e corrida pelo acesso e controlo da
água, que necessariamente degenerará em tensões e conflitos entre Estados
co-ribeirinhos. A segunda passa pela implementação de arranjos institucionais
de cooperação e gestão regional dos recursos hídricos. Esta última é deveras
preferível, não só porque contribui para a estabilidade regional e a prevenção
de conflitos entre Estados vizinhos, como também porque potencia a eficiência
da exploração dos recursos hídricos. Assim, conclui-se que a gestão
transnacional dos recursos hídricos é um catalisador do desenvolvimento de
qualquer região, mas sobretudo daquelas onde a escassez hídrica é mais
gravosa, como é o caso da África Austral.
O objetivo de conciliar as crescentes necessidades humanas de água
com a preservação dos ecossistemas hídricos será indubitavelmente um dos
mais difíceis de alcançar pelas sociedades humanas no século XXI. A resposta
a este desafio terá sempre que passar pela conciliação de várias estratégias,
designadamente o aumento da produtividade e eficiência da exploração de
recursos hídricos, a instituição de mecanismos de controlo da procura humana
de água, e a garantia dos volumes de água necessários para que os
ecossistemas procedam à sua autorregeneração.
De uma forma geral pode-se afirmar que todos os conflitos hídricos
resultam dum contexto de assimetria geográfica entre Estados co-ribeirinhos,
287
em que uns têm a capacidade de determinar a quantidade e qualidade da água
que os outros acedem. Além disso, constata-se uma correlação inversa entre a
dimensão geográfica e a intensidade dos conflitos hídricos, ou seja, a
frequência e intensidade dos conflitos locais é superior às dos regionais.
Porém, ficou provado que a análise dos conflitos hídricos tem de passar mais
pela sua estrutura do que propriamente pelas suas causas, ou seja, há que ter
em devida consideração idiossincrasias históricas, culturais, étnicas e mesmo
políticas quando se estuda os conflitos hídricos.
Uma outra conclusão relevante deste trabalho é que a evidência
histórica aponta para uma tendência dos Estados co-ribeirinhos a preferirem na
maioria das vezes entrar em arranjos institucionais de cooperação regional do
que se envolverem em conflitos. Muitos deles, nas suas análises custo-
benefício, constatam que os benefícios da partilha de interesses tendem a
suplantar os da entrada em conflitos.
Relativamente aos arranjos institucionais de gestão transnacional dos
recursos hídricos, ficou provado que quanto mais tempestivamente eles forem
implementados em relação ao momento da escassez hídrica, maior será a sua
eficácia. Por outro lado, comprovou-se que existem vantagens na inclusão
duma terceira parte neutral que fomente e encoraje a aproximação dos Estados
co-ribeirinhos, missão essa que pode e deve ser assumida pelas organizações
regionais. Esta aproximação dos Estados co-ribeirinhos é fundamental para o
sucesso inicial destes arranjos de cooperação, visto que a visão comum e o
compromisso entre Estados co-ribeirinhos podem ser facilitados por estratégias
iniciais que destruam barreiras de desconfiança entre estes. Quanto mais forte
este compromisso político para com os projetos hídricos transnacionais mais
288
fácil é a implementação no terreno dos mesmos. Um outro requisito para a boa
implementação dos projetos transnacionais é a inclusão de todas as partes
interessadas em todas as etapas dos mesmos. Ainda na fase inicial dos
projetos, é importante que os países façam um levantamento conjunto de toda
a informação e dados relevantes, até como forma de alcançarem um
entendimento comum entre todos os. Por fim, a boa governação é relevante
para este tipo de arranjos de cooperação, pelo que há a necessidade de os
acordos transnacionais serem realizados com o máximo de transparência,
facilitando a responsabilização das autoridades responsáveis por dolos.
Relativamente ao caso de estudo da África Austral, ele serve de
exemplo de como a cooperação regional pode ser institucionalizada mesmo em
cenários de maior escassez hídrica, desde que haja vontade e compromisso
político para a implementar. Há claramente a consciência entre as autoridades
governamentais de que o caminho tem de ser o da cooperação, de modo a não
colocar em perigo a estabilidade da região. Deste estudo de caso também se
retira a importância que as organizações regionais podem desempenhar nesta
matéria, visto que a SADC tem sido, desde a sua fundação, um dos atores
regionais mais proactivos na prossecução destes arranjos de cooperação. Os
resultados obtidos nesta região são encorajadores para o futuro, apesar de
ainda nem minimamente perto do potencial pleno.
Como qualquer outro trabalho de investigação, também este apresenta
as suas limitações. Em primeiro lugar, a falta de fontes de informação de
natureza primária, como entrevistas, inquéritos ou trabalho de campo, não
permite porventura o aprofundamento que o tema necessita e merece. Em
segundo lugar, o facto de este trabalho se circunscrever à realidade da África
289
Austral, implica ignorar eventuais diferenças entre esta região e outras de
África. Não se pretende, portanto, fazer um retrato fidedigno da realidade
africana como um todo, mas sim duma sua região.
Finalmente, o trabalho deixa algumas pistas para eventuais
investigações futuras sobre o tema. Primeiro, e até como resposta à última
limitação elencada, seria importante estudar outras regiões do continente
africano, sobretudo aquela que integra o rio Nilo, geralmente apontado como
um dos focos potenciais de conflito mais importantes de todo o Mundo.
Segundo, será interessante estudar de que forma a cooperação regional na
área dos recursos hídricos contribuiu para o aprofundamento da integração
regional noutras áreas na região da África Austral.
290
Referências Bibliográficas
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Analysis of Transboundary Water Conflicts”, Water Policy, Vol. 8, N. º 5, pp.
435-460
292
Anexos
Figura 1 – Principais Bacias Hídricas do Mundo
Fonte: REDELINGHUYS (2008: 6)
Quadro 1 – Escala de Intensidade dos Eventos Hídricos
Fonte: ZEITOUN & WARNER (2006: 441)
293
Tabela 1 – Número de Eventos Hídricos por Intensidade
Fonte: RAVNBORG (2004: 20)
Quadro 2 – Estrutura e Soluções para os Conflitos Hídricos
Fonte: HAFTENDORN (2000: 65)
294
Quadro 3 – Resumo das Formas e Resultados da Hidro-hegemonia
Fonte: ZEITOUN & WARNER (2006: 453)
Quadro 4 – Principais Conferências Internacionais sobre Recursos Hídricos
Fonte: REDELINGHUYS (2008: 116)
295
Quadro 5 – Principais Bacias Hídricas Transnacionais em Risco de Conflito
Fonte: RAVNBORG (2004: 25)
296
Tabela 2 – Projeções para o Crescimento Demográfico na SADC
Fonte: REDELINGHUYS (2008: 109)
Tabela 3 – Projeções para a Urbanização dos Estados da SADC (%)
Fonte: REDELINGHUYS (2008: 116)
297
Tabela 4 – Acesso às Redes de Água e Saneamento na SADC
Fonte: SWATUK (2002: 509)
Tabela 5 – Disponibilidades de Recursos Hídricos per capita na SADC
Fonte: REDELINGHUYS (2008: 17)
298
Tabela 6 – Características das Bacias Hídricas da SADC
Fonte: REDELINGHUYS (2008: 7)
299
Tabela 7 – Recursos Hídricos e Afetação Sectorial na SADC
Fonte: SWATUK (2002: 512)
300
17.2. INTEGRAÇÃO REGIONAL ENERGÉTICA NA ÁFRICA AUSTRAL
O CASO DA HIDROELÉTRICA DE CAHORA BASSA16
João Veiga Esteves17
RESUMO
Os processos de integração regional ao nível dos sectores energéticos
podem trazer uma série de benefícios para o continente africano.
Primeiramente, a integração regional permite aos países africanos
maximizarem o potencial energético que o continente comprovadamente
possui. Segundo, possibilita uma redução significativa dos custos associados à
geração, transmissão e distribuição de eletricidade, via aproveitamento de
economias de escala. Mais, os arranjos institucionais de integração regional
energética são particularmente relevantes para as pequenas economias
domésticas africanas, onde programas de autarcia energética são ineficientes e
economicamente irracionais. Finalmente, o aumento da dimensão dos
mercados energéticos permite uma capacidade de financiamento superior,
16
Comunicação apresentada no âmbito do 8º Congresso Ibérico de Estudos Africanos nos dias
14, 15 e 16 de Junho de 2012, no painel 42: Partnering regions: Africa's internal and external
strategic relations.
17 Investigador no IEEI (Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais), no âmbito das
Conferências do Estoril 2011. Endereço de email: jnave86@gmail.com.
301
possibilitando assim a edificação de infraestruturas de geração e transmissão
de maior dimensão com as devidas economias de escala associadas.
No caso concreto da África Austral, desde a constituição da a SADCC
em 1980, que o sector energético emergiu como uma das áreas prioritárias de
intervenção. Em 1995 deu-se um passo importante com a criação da SAPP
(Southern African Power Pool), que procura liderar o processo de integração e
harmonização das diversas redes eléctricas nacionais e simultaneamente
financiar a expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição
de eletricidade da região como um todo.
A hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) é uma das infraestruturas de
geração e transmissão de eletricidade com maior dimensão no panorama da
África Austral. Ela é frequentemente apontada como um dos casos mais
antigos e mais bem-sucedidos de infraestruturas transnacionais. Desde a sua
edificação contou com a participação e financiamento da África do Sul.
Actualmente, a HCB fornece energia à África do Sul, Moçambique, Zimbabué,
e está igualmente projetado o abastecimento para o Malawi. Tem-se assim que
a HCB representa um dos atores fundamentais da integração regional
energética à escala da África Austral.
Esta comunicação pretenderá, num primeiro momento, fazer um
enquadramento do contexto energético da África Austral, e o sucesso das
tentativas de integração regional nesta área, concretamente SAPP. Posto isto,
salienta o papel que a HCB desempenha neste quadro regional.
Palavras-chave: Integração Regional, SAPP, Hidroelétrica de Cahora Bassa
302
ENERGY REGIONAL INTEGRATION IN SOUTHERN AFRICA
THE CAHORA BASSA HYDROELECTRIC CASE18
João Veiga Esteves19
ABSTRACT
Regional energy integration processes may prove to bring a lot of
benefits for the African continent. Such integration allows the African countries
to maximize the continent´s well known energy potential and significantly
reduce their electricity generation, transmission and distribution costs. And the
institutional arrangements that come with the energy regional integration are
particularly relevant for small African economies whose energy self-sufficiency
programs are inefficient and irrational from an economic point of view. We
should also bear in mind that larger energy markets can get easier access to
the financial resources needed to build bigger generation and transmission
infrastructures with scale costs benefits.
In Southern Africa the energy sector claimed high priority as an
intervention area from the very beginning of the institutional arrangements for
18
Communication to the 8th Iberian Congress of African Studies, on the 14
th, 15
th and 16
th of
June 2012, at the 42th panel: Partnering regions: Africa's internal and external strategic
relations.
19 Researcher at IEEI (Institute for Strategic and International Studies) for the Estoril
Conferences 2011. Email address: jnave86@gmail.com.
303
regional integration, namely SADCC in 1980. A major step forward was given
en 1995, when SAPP (Southern Africa Power Pool) was created to lead the
simultaneous processes of integrating and harmonizing the national electric
networks and financing the enlargement of electricity expansion, transmission
and distribution in the Region as a whole.
Cahora Bassa Hydroelectric (HCB) is one of the most important of such
electricity generation and transmission infrastructures, and is often singled as
one of the most ancient and well succeeded cases. It was built in the 6th
decade of last century, and the South Africa Republic was involved from the
very beginning in cooperation and financing processes. Nowadays the HCB
sells energy to South Africa, Mozambique and Zimbabwe and considers
supplying Malawi. HCB is, therefore, one of the landmarks of energy integration
at a Southern Africa scale.
The aim of this paper is to establish the framework of the Southern Africa
energy context and evaluate the success of regional integration attempts,
paying special attention to the SAPP evolution. The paper will also stress the
role of HCB in the regional framework, looking at its evolutionary process and
trying to establish future tendencies.
Key-words: Regional Integration, SAPP, Cahora Bassa Hydroelectric
304
A Integração Regional Energética
Por integração regional energética entendem-se os arranjos
institucionais de aprofundamento da coordenação entre os Estados duma
determinada região no que concerne às políticas de desenvolvimento dos
respetivos sectores energéticos. Esta coordenação tanto pode ser realizada
diretamente entre os Estados-membros como pode ser atribuída como missão
às organizações regionais. As manifestações mais comuns desta coordenação
são a harmonização de enquadramentos legais e institucionais dos sectores
energéticos, o cofinanciamento de projetos de maior arcaboiço financeiro e a
conexão das redes de transmissão e distribuição de eletricidade, muito
frequentemente através da institucionalização das denominadas power pools.
O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional
energética comporta benefícios de natureza diversa. Como já foi referido, a
integração permite a uma região potenciar a exploração dos seus recursos
energéticos domésticos, adotando para o efeito uma perspetiva mais autárcica
de fomento das suas dotações próprias, reduzindo assim a dependência de
fornecedores externos. Esta menor dependência é relevante para o
fortalecimento da segurança energética dos vários Estados-membros. Ao
mesmo tempo, a atuação dos vários Estados-membros como um bloco nos
mercados energéticos internacionais pode conceder-lhes um maior poder
negocial, que se traduzirá em contratos de abastecimento mais vantajosos para
a região como um todo.
305
Os processos de integração regional são um sinal de compromisso
político forte que os Estados-membros duma determinada região enviam para o
exterior, de prossecução do desenvolvimento económico e da estabilidade
política e social de forma coordenada. Assim, muitos afirmam que o
aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional é um
instrumento importante de redução do risco associado à atividade económica
numa dada região e, por inerência, um instrumento de atração de investimento
privado oriundo do exterior.
Uma das principais consequências do aprofundamento dos arranjos
institucionais de integração regional é o redimensionamento dos mercados
internos. Assim, os vários mercados internos deixam de estar fragmentados e
passam a englobar um mercado regional mais vasto. Tal permite às empresas
energéticas operar numa maior escala de produção e assim capturar os
benefícios resultantes das economias de escala. Finalmente, estas economias
de escala reduzem os custos de geração e transmissão de eletricidade, que se
podem repercutir nos preços finais da eletricidade para o consumidor. A criação
de mercados energéticos regionais é portanto um instrumento importante para
a redução da insegurança energética e dos custos de transação associados ao
abastecimento energético.
Outro benefício relacionado com o anterior está direcionado para os
Estados com pequenas economias domésticas. Estas são caracterizadas pela
impossibilidade de potenciar economias de escala e apresentar custos internos
de geração e distribuição de eletricidade mais elevados, por vezes
incomportáveis mesmo para a prossecução de planos de autarcia energética.
Um caso ainda mais grave é o das pequenas economias vedadas de acesso
306
direto ao mar e sem dotações significativas de recursos energéticos
domésticos. Neste caso, o acesso abastecimento de recursos energéticos sai
encarecido por obstáculos aduaneiros e infraestruturais. Para estes países é
vital o aprofundamento do processo de integração regional, na medida em que
esta pressupõe a abolição das barreiras aduaneiras e o livre acesso às
infraestruturas dos seus países vizinhos. Tal pode resultar numa redução
significativa dos seus custos associados à geração, transmissão e distribuição
de eletricidade.
A coordenação dos investimentos na expansão da capacidade de
geração e transmissão de eletricidade permite, no quadro regional, permite
proceder a escolhas mais economicamente racionais sobre que projetos devem
ter primazia no acesso ao financiamento. Por outro lado, a coordenação
supranacional permite adotar um critério por interesses verdadeiramente
regionais em detrimento dos nacionais na definição dos projetos prioritários.
Finalmente, a coordenação supranacional permite uma canalização mais direta
e volumosa da capacidade de financiamento para os projetos considerados
prioritários.
O Sector Energético da África Austral
Atualmente, a África Austral está a sofrer uma crise energética marcada
por uma insuficiente capacidade de geração, instabilidade no abastecimento,
preços para os consumidores elevados e baixas taxas de acesso à eletricidade.
Outros fatores igualmente a considerar são o aumento da pressão da procura
307
de eletricidade derivado do crescimento demográfico e económico e o
subfinanciamento crónico dos respetivos sectores energéticos. Rosnes e
Vennemo (2009) notam que um dos sinais mais visíveis da atual crise
energética africana é o recurso crescente à designada energia de emergência,
baseada no abastecimento privado de eletricidade.
A taxa de crescimento da procura de eletricidade é significativamente
elevada um pouco por todo o continente africano. No caso da África Austral,
Rosnes e Vennemo (2009) estimam que, na próxima década, se registe um
crescimento anual da procura de eletricidade entre os 4% e 5%. O cerne do
problema é que a taxa de crescimento de novas ligações à eletricidade não
está a acompanhar a taxa de crescimento demográfico, pelo que as taxas de
acesso estão a mesmo a decair em vários países africanos. Um dos motivos
para este desfasamento é que, em muitos países da África Austral, o
financiamento afetado ao sector energético é praticamente absorvido na sua
totalidade pela cobertura dos custos operacionais, restando muito pouco para
investir na expansão das capacidades de distribuição da eletricidade.
O preço médio da eletricidade na África Subsaariana é relativamente
elevado em termos internacionais, atingindo mesmo o dobro de outras regiões
em desenvolvimento. O estabelecimento de preços elevados para a
eletricidade disponibilizada à população tem importantes implicações sociais,
designadamente o problema d procura suprimida de eletricidade, que se refere
ao facto de muitas camadas sociais se verem impossibilitadas de usufruir da
eletricidade, por não conseguirem suportar os encargos financeiros associados
a este serviço básico.
308
Existe uma correlação direta e positiva entre a taxa de crescimento
económico e a taxa de crescimento da procura de eletricidade. Com efeito, os
ritmos de crescimento económico afetam diretamente a procura de eletricidade,
pois quanto maior o rendimento disponível das pessoas maior a sua
disponibilidade e apetência para consumirem eletricidade, e mais capacitados
ficam os Estados de responderem financeiramente a esta pressão. Todavia, a
taxa de acesso à eletricidade tem também um impacto positivo no crescimento
económico. Rosnes e Vennemo (2009) estimam que, se todos os países da
África Subsariana alcançassem o líder regional na taxa de acesso à
eletricidade, as Ilhas Maurícias, o crescimento económico anual deles seria
acelerado em média cerca de 2,2%.
A África Austral depara-se ainda com um dilema particular que em muito
influencia as suas políticas energéticas, que é a coexistência de fenómenos
como o aprofundamento do fenómeno da urbanização e a manutenção de
elevadas percentagens da população residentes meio rural. O continente
africano é mesmo a região do Mundo onde o fenómeno da urbanização é mais
intenso. Porém, mesmo nos países onde a urbanização é mais vincada, a
maioria da população continua no meio rural, o que apenas vem colocar
maiores dificuldades na expansão da taxa de acesso à eletricidade. Existem
igualmente casos de países onde a cobertura elétrica das comunidades rurais
representam um desafio acrescido, devido à dispersão territorial das suas
populações. Tal é o caso de Moçambique, entre outros.
Perante este contexto, torna-se evidente que os volumes de
investimento necessários para responder adequadamente à pressão da
procura de eletricidade no continente africano, em geral, e na África Austral, em
309
particular, assumem uma dimensão muito significativa. Tal investimento deve
ser desdobrado em duas componentes: uma de aumento da capacidade de
geração, transmissão e distribuição de eletricidade e outra de manutenção e
restauro da capacidade já existente. Rosnes e Vennemo (2009) estimam que,
para a região da África Austral conseguir acompanhar as exigências do
crescimento demográfico, desenvolvimento económico e dos objetivos de
aumento da taxa de acesso à eletricidade estabelecidos na região, serão
necessários investimentos na ordem dos 5% do PIB regional por ano pelo
menos até 2025, valor esse em linha com o restante continente africano.
Contudo, há que notar que, no quadro da África Austral, as capacidades de
financiamento e as necessidades de investimento dos diversos países estão
significativamente mal distribuídos, pois há países com grandes
potencialidades energéticas que não têm capacidade financeira para as
otimizar, como é o caso de Moçambique. No que se refere aos investimentos
de manutenção, constata-se que as infraestruturas elétricas de muitos países
da África Austral estão a necessitar de restauro e manutenção urgente, pelo
que há igualmente a necessidade de se investir na recuperação de capacidade
perdida. No caso concreto da África Austral, Rosnes e Vennemo (2009)
calculam que, até 2025,a capacidade atual da região, de cerca de 50000 MW
poderá vir a ser reduzida para cerca de 20000 MW, pelo que se a região
precisará realizar investimentos de recuperação de capacidade à volta de
30000 MW, além de cerca de 35000 MW necessários de nova capacidade de
geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
Por fim, é importante distinguir os sectores energéticos dos países
africanos consoantes as idiossincrasias de cada um. Por exemplo, os custos
310
operacionais dos sectores energéticos baseados no diesel são superiores aos
baseados na energia hídrica. Já países com sectores energéticos de menor
dimensão enfrentam custos operacionais médios superiores aos dos com
maiores dimensões. Finalmente, os países sem acesso direto ao mar e os
países insulares apresentam em média custos operacionais superiores aos
outros países, devido aos custos de transporte relativamente mais elevados
para recursos energéticos fósseis.
Integração Energética na África Austral
A maioria da eletricidade gerada na região tem como fonte as reservas
abundantes de carvão aí existentes, mais concretamente no Norte da África do
Sul, Leste do Botswana e Oeste do Zimbabué. Contudo, ao se retirar o peso da
África do Sul no portfolio regional, constata-se que a energia hídrica domina o
portfolio do resto da região, sobretudo com o potencial localizado no rio
Zambeze. Deste modo, constata-se uma concentração das reservas de carvão
no Sul da região20, enquanto os recursos hídricos estão localizados sobretudo
no Norte21. Têm sido igualmente desenvolvidas tecnologias de ponta, como a
energia nuclear na África do Sul e Namíbia ou o gás natural em Moçambique,
para além do petróleo em Angola.
O pressuposto teórico desta comunicação é que o aprofundamento dos
arranjos institucionais de integração regional, sobretudo no que se refere à
20
África do Sul, Botswana e Zimbabué.
21 República Democrática do Congo, Zâmbia e Moçambique.
311
integração das redes infraestruturais de geração e transmissão de eletricidade
nacionais e à coordenação dos investimentos de aumento das capacidades de
geração e transmissão, é fundamental para a expansão do comércio energético
intrarregional na África Austral, com os benefícios já acima referidos.
O historial de arranjos institucionais de comércio energético
intrarregional na África Austral já é longo. As primeiras experiências datam do
início do século XX, aquando da constituição da empresa Victoria Falls na
antiga Rodésia do Sul para abastecer eletricidade à indústria mineira da África
do Sul (ECA, 2009). Já a hidroelétrica do Kariba foi o primeiro projeto a
envolver um esquema mais complexo de conexões entre diferentes Estados
vizinhos, implicando a construção de uma hidroelétrica, uma subestação
elétrica com uma capacidade aproximada de 666 MW e a edificação de linhas
de transmissão entre a Zâmbia e o Zimbabué. Outro dos maiores projetos
regionais no sector da eletricidade, que atualmente ainda está em
desenvolvimento, é o projeto do Inga. Na sua conceção pretendia abastecer
eletricidade à zona industrial do Katanga, mas logo em 1956 foi igualmente
criada uma linha de transmissão de 220 kV para a Zâmbia. Esta linha de
transmissão do Inga para a Zâmbia permitiu que o Zimbabué tivesse acesso à
eletricidade ali gerada, institucionalizando o primeiro acordo tripartido de
transmissão de eletricidade, entre República Democrática do Congo, Zâmbia e
Zimbabué.
Mais tarde, aquando da criação da SADCC (Southern Africa
Development Coordination Conference) em 1980, procedeu-se à integração
das redes elétricas nacionais de países como Botswana, Zâmbia, Zimbabué e
Moçambique, numa tentativa de reduzir a dependência económica destes
312
países da potência África do Sul. Constatando os progressos alcançados nesta
área, mas também os obstáculos com que ainda se deparavam para um
aprofundamento superior, os Estados-membros da SADC (Southern Africa
Development Community) avançaram em 1995 com a institucionalização da
SAPP, organização regional focada nas questões da energia, e da eletricidade
em particular. Todavia, grande parte da rede elétrica regional precede a própria
formação da SAPP. Os seus primeiros tratados foram igualmente baseados em
grande medida nos acordos bilaterais previamente estabelecidos na região. A
ECA (2009) nota que nos mercados energéticos com grande défice
infraestrutural constata-se uma predominância dos acordos bilaterais, visto que
estes oferecem a estabilidade de cash-flows necessária para garantir maiores
volumes de financiamento.
O enfoque inicial da SAPP foi o aproveitamento do excesso de
capacidade de geração de eletricidade que se registava na região na altura,
pelo que a prioridade foi para o investimento em infraestruturas de transmissão
e distribuição de eletricidade e assim integrar as redes nacionais desde a
República Democrática do Congo até à África do Sul.
No âmbito deste processo, é importante referir que o papel da SAPP no
planeamento de novos projetos energéticos da região não é vinculativo,
assumindo meramente um papel consultivo, dado que as decisões finais
continuam a pertencer aos diversos Estados-membros. Porém, desde que se
começou a atual crise energética, em que se registaram falhas estruturais de
abastecimento de eletricidade na região, concretamente a partir de 2007, a
SAPP tem vindo a ganhar um peso crescente na definição e coordenação dos
investimentos elétricos regionais.
313
Tabela 1 – Comércio Energético na SAPP em 2005
Fonte: ECA (2009: 28)
Atualmente, a estratégia da SAPP consiste em: i) aumentar a segurança
e estabilidade do abastecimento na rede elétrica regional; ii) fomentar a
expansão da rede elétrica regional para redes nacionais ainda não integradas;
iii) introduzir um mercado de curto prazo22 que facilite a comercialização dos
excedentes elétricos não abrangidos por contratos bilaterais (ECA, 2009). O
desenvolvimento deste mercado é um marco significativo na integração
regional energética, apesar dos volumes de troca realizados serem ainda
relativamente pouco significantes. O presente mix energético da SAPP é o
seguinte: 74% carvão, 20% hídrica, 4% nuclear e 2% diesel e gás natural.
Todavia, a SAPP já definiu como um dos seus objetivos centrais a
reformulação do seu portfolio energético até 2025 para o seguinte: 50% carvão,
26% hídrica, 2% nuclear e 22% diesel e gás natural (ECA, 2009).
22
Através da institucionalização do STEM (Short-term Energy Market) e do DAM (Day-ahead
Market).
314
A África do Sul assume uma posição dominante no mercado elétrico
regional. Com efeito, este país representa cerca de 80% da produção e da
procura de eletricidade de toda a África Austral, além de ser um exportador
relevante de eletricidade para a região. Países como a Namíbia, Botswana,
Lesoto ou a Suazilândia apresentam défices estruturais na capacidade de
geração de eletricidade, daí serem importadores estruturais da África do Sul.
Contudo, desde que a África do Sul começou a experienciar quebras
estruturais no abastecimento de eletricidade, sobretudo nos últimos anos que a
Eskom se tem mostrado cada vez mais reticente em renovar os seus contratos
de abastecimento para os países vizinhos, o que tem agravado a segurança
energética destes (ECA, 2009).
Num cenário de aprofundamento da integração regional energética,
países como Botswana, Lesoto, Suazilândia, Tanzânia e Zimbabué assumem a
posição de importadores, enquanto países como a República Democrática do
Congo, Moçambique, Namíbia, África do Sul e Zâmbia assumem o papel de
exportadores regionais. Os benefícios ocorrem em ambos os lados: os
importadores diversificam a sua rede de fornecedores energéticos e garantem
um abastecimento de eletricidade mais estável e barato. Já os exportadores
diversificam a sua carteira de exportações e melhoram o saldo da sua balança
comercial.
315
Figura 1 – Comércio Energético Intrarregional na SAPP em 2010
Fonte: SAPP (2011: 32)
316
Figura 2 – Projeções para o Pleno Potencial de Comércio Energético
Intrarregional até 2015 na SAPP (TWh)
Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 6)
Potencial do Zambeze para África Austral
Uma parte significativa do potencial de geração de hidroeletricidade da
África Austral está concentrada no rio Zambeze, um dos maiores cursos de
água a nível mundial. Tem-se assim que, enquanto a esmagadora maioria da
procura de eletricidade está situada na zona mais a Sul da África Austral, mais
concretamente na potência regional África do Sul, a maior parte do potencial de
hidroeletricidade está localizado no Norte da região, sobretudo em países como
317
a República Democrática do Congo, a Zâmbia ou Moçambique. Neste sentido,
é frequentemente avançado que o compromisso político dos Estados da região
para com o aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional,
mais concretamente no que toca ao sector energético, foi alcançado em grande
medida com o forte patrocínio da potência regional África do Sul, que pretendia
um acesso mais facilitado e estável à hidroeletricidade gerada a Norte.
Tabela 2 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP
Fonte: ECA (2009: 10)
318
Tabela 3 – Potencial de Energia Hídrica de Alguns Países da SADC
Fonte: Frost and Sullivan (2009) in Mbirimi (2010: 11)
No caso concreto de Moçambique, muito do seu potencial de
hidroeletricidade está concentrado neste curso de água. Com efeito, (Chambal,
2010: 7) estima que cerca de 80% do potencial de energia hídrica de
Moçambique esteja concentrado nas províncias mais a Norte, ao longo do rio
Zambeze. Assim, desde sempre os projetos de geração de hidroeletricidade
em Moçambique sofreram um enviesamento em torno do rio Zambeze, onde a
Hidroelétrica de Cahora Bassa é uma das maiores e mais antigas
infraestruturas, com uma capacidade de geração de eletricidade de cerca de
2075 megawatts. Contudo, Cahora Bassa está longe de esgotar o potencial de
hidroeletricidade do rio Zambeze. Neste sentido, as autoridades moçambicanas
têm projetada a edificação de mais infraestruturas de geração e transmissão de
eletricidade, nomeadamente a barragem de Mphanda Nkuwa ou a extensão
Norte da Hidroelétrica de Cahora Bassa, e também projetos de menor
dimensão associada como as barragens de Lupata e Boroma23.
23
As barragens de Mphanda Nkuwa, Lupata e Boroma têm um potencial de geração de
eletricidade associado de aproximadamente de 1800, 650 e 450 megawatts respetivamente,
enquanto a extensão Norte da hidroelétrica de Cahora Bassa pode atingir os 1200 megawatts
de capacidade de geração (ECA, 2009:10).
319
Relativamente aos dois primeiros projetos, a barragem de Mphanda
Nkuwa nunca poderá ter uma capacidade instalada superior à hidroelétrica de
Cahora Bassa, dada a localização geográfica a jusante. Porém, são evidentes
os benefícios em ter uma gestão conjunta das duas infraestruturas, para
aproveitar ao máximo o potencial de complementaridade entre elas. Já alguns
peritos em engenharia previamente entrevistados duvidam da capacidade de
avançar com o projeto da Central Norte em Cahora Bassa, sobretudo num
cenário de redução dos volumes de precipitação associados ao fenómeno das
alterações climáticas. Além disso, ainda não é consensual que a o complexo da
hidroelétrica de Cahora Bassa apresente as condições de segurança mínimas
necessárias para a prossecução do projeto da central Norte. No entanto, no
caso desta infraestrutura avançar, está previsto que o destino da sua
hidroeletricidade deverá ser a região da África Austral como um todo, no
quadro institucional da SAPP, até porque a hidroeletricidade gerada na central
Norte não está abrangida pelo acordo de exclusividade com a Eskom.
Gráfico 1 – Capacidade de Geração de Eletricidade por Infraestrutura (GWh)
Fonte: Mulder (2007: 23)
320
O Sector Elétrico de Moçambique
Hankins (2009) traça um perfil do sector elétrico como dual e
disfuncional: por um lado marcado por infraestruturas com grande capacidade
de geração de eletricidade, como a hidroelétrica de Cahora Bassa ou o projeto
de Mphanda Nkuwa, mas por outro caracterizado pelo subdesenvolvimento da
sua rede interna de transmissão e distribuição de eletricidade, o que tem vindo
a impedir o crescimento mais significativo da taxa de eletrificação nacional. Já
Chambal (2010: 9) destaca três atores fundamentais na oferta de eletricidade
em Moçambique a empresa estatal EDM24, a hidroelétrica de Cahora Bassa e a
Motraco, uma joint-venture entre os Estados da África do Sul, Moçambique e
Suazilândia.
Destes três, a hidroelétrica de Cahora Bassa destaca-se claramente:
enquanto ela tem uma capacidade de geração de 2075 megawatts, a EDM
possui uma capacidade própria de sensivelmente 600 megawatts. A
hidroelétrica tem assumido um papel central na economia moçambicana, na
medida em que tem servido como garantia dum abastecimento elétrico estável
e de qualidade para o investimento direto estrangeiro concretizado nos
denominados mega-projectos em Moçambique, coluna vertebral da sua política
económica mais recente.
Já no que se refere à EDM, esta tem acesso à eletricidade proveniente
da hidroelétrica de Cahora Bassa via da África do Sul, através de um acordo
buy-back com a Eskom, que após receber a eletricidade oriunda da
24
Eletricidade de Moçambique EP.
321
hidroelétrica, transfere uma parte para o sul de Moçambique, cerca de 300
MW, tendo então a EDM liberdade para a vender para o exterior ou não,
consoante as suas necessidades (ECA, 2009: 32). Ainda, a EDM tem tentado,
pela via negocial, garantir uma parcela maior da oferta de eletricidade da
hidroelétrica de Cahora Bassa, para desta forma prosseguir os seus programas
de aumento da taxa de eletrificação nacional, sobretudo para as províncias
mais a Norte. Contudo, o maior obstáculo a esta pretensão da EDM consiste
nas cláusulas contratuais de longo-prazo do fornecimento de eletricidade da
hidroelétrica de Cahora Bassa ao seu principal cliente, a empresa estatal sul-
africana Eskom (Mulder, 2007: 12). Num cenário futuro de acesso mais fácil e
significativo à hidroeletricidade de Cahora Bassa, Chambal (2010) acredita que
a EDM procederá a um crescente trade-off no seu portfolio relativamente a
recursos energéticos, substituindo uma parcela crescente de eletricidade
proveniente de energia fóssil pela aquisição de quantidades maiores de
hidroeletricidade. Tal, além das imediatas vantagens ambientais, terá também
um impacto positivo em termos financeiros, visto que os custos de geração de
eletricidade da energia hídrica são menores que os da energia fóssil.
A Hidroelétrica de Cahora Bassa
Desde a sua conceção, na década 60 do século XX, que a hidroelétrica
de Cahora Bassa foi projetada mais para o abastecimento de eletricidade à
potência regional África do Sul do que propriamente para abastecimento do
mercado interno moçambicano. A dimensão associada ao projeto e a
prossecução da maximização do seu pleno potencial indicavam que a procura
322
interna moçambicana seria insuficiente para representar a maioria da procura
de eletricidade do projeto. Tal constatação levou a que desde essa altura as
autoridades portuguesas tenham procurado atrair e integrar a empresa estatal
sul-africana Eskom nos planos de conceção, financiamento e expansão da
hidroelétrica. Contudo, as motivações desta aliança não se esgotavam aí: ela
tinha igualmente a intenção, das duas partes, de criar um tampão em
Moçambique para os movimentos independentistas africanos que se vinham
desenvolvendo um pouco por todo o continente.
O abastecimento de eletricidade da hidroelétrica de Cahora Bassa para
a África do Sul faz-se através duma linha de corrente contínua com uma
distância de cerca de 1400 km, partindo da estação de Bongo em Moçambique
até ao centro de distribuição Apolo na África do Sul. Ficou contratualmente
proibida a derivação desta linha contínua no território moçambicano. O primeiro
contrato entre a hidroelétrica de Cahora Bassa e a Eskom data de 1969, e
assumiu a modalidade de take or pay, estipulando para o efeito um preço fixo
reduzido. Desde então que a África do Sul se mostrou sempre intransigente
relativamente a uma possível alteração tarifária. Mesmo durante os anos 90,
em que a hidroelétrica de Cahora Bassa avançou com um plano arrojado de
reconstrução das linhas de transmissão, a África do Sul mostrou-se irredutível
na manutenção das tarifas então vigentes. Para tal, muito contribuía o contexto
de excesso de capacidade de geração de eletricidade que a África do Sul
apresentava para responder às suas necessidades internas, o que lhe permitia
inclusive exportar para os seus vizinhos.
Todavia, a partir do início do século XXI, este cenário de excesso de
capacidade começou a alterar-se, pelo que a África do Sul começou a
323
abandonar a sua posição intransigente25. Neste sentido, em 2004 foi celebrado
um acordo para a revisão da tabela tarifária do abastecimento da hidroelétrica
para a Eskom, tendo sido igualmente implementado um mecanismo de
atualização do preço da eletricidade para o futuro.
Até recentemente, Portugal detinha a maioria do capital social da
hidroelétrica de Cahora Bassa, tendo havido várias rondas de negociação entre
Moçambique e Portugal para que o primeiro ficasse com a maioria do capital.
Só em Novembro de 2005, Portugal vendeu parte da sua participação social na
HCB a Moçambique, por 950 milhões de dólares, ficando o capital social da
empresa dividido da seguinte forma: Moçambique com 85% e Portugal com
15%, tendo as negociações continuado para que Moçambique adquirisse a
totalidade do capital social da empresa. Só recentemente é que as
negociações foram dadas por concluídas, tendo os 15% do capital social detido
pelo Estado português sido divididos em 7,5% diretamente para o Estado
Moçambicano e os restantes 7,5% para a empresa portuguesa REN26.
O período associado à construção de Cahora Bassa foi muito longo, com
várias paragens, até que finalmente se deu por concluída em finais de 1974.
Contudo, o período de guerra civil que assolou Moçambique pouco após a sua
independência afetou negativa e profundamente a atividade operacional da
hidroelétrica de Cahora Bassa. Os movimentos de guerrilha moçambicanos
elegeram a linha de transmissão contínua de eletricidade entre a hidroelétrica e
a estação recetora na África do Sul como um dos alvos principais das suas
25
Além disso, muito contribuiu um contexto de mudança de quadros dirigentes na empresa sul-
africana estatal Eskom.
26 Rede Elétrica Nacional.
324
movimentações, sendo sucessivamente alvo de ataques de sabotagem, com
destruição de sensivelmente 2000 torres de ligação. Perante tal cenário, a
hidroelétrica avançou com a desativação da linha em 1981. Apenas com o fim
da guerra civil, e passado o período de reconstrução, é que a linha de
transmissão para a África do Sul foi restabelecida em 1998.
O âmbito marcadamente regional da hidroelétrica de Cahora Bassa não
se cinge à África do Sul, possuindo igualmente uma ligação para o Zimbabué,
através duma linha de corrente alterna. Desde o início ficou estipulado que a
ZESA27 pagaria um preço mais elevado que a Eskom pela eletricidade de
Cahora Bassa, sendo que uma percentagem desse diferencial vai diretamente
para a própria Eskom. A ECA (2009: 22) afirma que a inclusão do Zimbabué no
leque de clientes da hidroelétrica de Cahora Bassa foi fortemente motivada
pelas graves secas que se registaram naquele país nos anos de 1991/92, que
provocaram uma grave crise energética no Zimbabué, levando as suas
autoridades a procurarem responder às necessidades internas com
fornecimentos externos. Mais tarde, por altura da eclosão da crise política e
socioeconómica atual do Zimbabué, este começou a demonstrar dificuldades
em cumprir com os planos de encargos para com a hidroelétrica, e esta retaliou
com o corte do abastecimento de eletricidade. Aliás, recentemente a
hidroelétrica avançou mesmo com o corte do abastecimento de eletricidade
para o Zimbabué, devido à acumulação de uma dívida que já ronda os 75
milhões de dólares. Tal tem sido uma opção tomada já diversas vezes pela
hidroelétrica, dadas as constantes e estruturais dificuldades das autoridades
zimbabueanas em cumprir com o acordado. Porém, várias personalidades
27
Zimbabwe Electricity Supply Authority.
325
moçambicanas entrevistadas referem que o abastecimento de eletricidade ao
Zimbabué está muito mais imbuído de motivações políticas que propriamente
económicas ou financeiras, pelo que dificilmente o abastecimento será alguma
vez cancelado por incumprimentos nos planos de pagamento.
Contudo, deve ser ressalvado que este aprofundamento dos processos
de integração regional energética e o crescimento do comércio energético
intrarregional, dos quais a hidroelétrica de Cahora Bassa é um dos expoentes
máximos, só foram possíveis após o término do regime sul-africano do
apartheid e consequente retoma das relações institucionais e diplomáticas
entre a África do Sul e respetivos Estados vizinhos.
Relativamente às perspetivas futuras da hidroelétrica de Cahora Bassa,
elas passam necessariamente pela manutenção da grande extroversão da sua
capacidade de geração de eletricidade, fornecendo-a aos países vizinhos como
África do Sul, Zimbabué, e agora também ao Malawi. Todavia, Mulder (2007:
23) acredita que a empresa terá uma maior preocupação em afetar uma
parcela crescente da sua oferta de eletricidade para o mercado interno e
respetiva empresa estatal EDM.
Apesar da grande extroversão da oferta de eletricidade da hidroelétrica
de Cahora Bassa para os países vizinhos, tal não significa que a infraestrutura
não seja um elemento central do abastecimento do mercado interno
moçambicano. A relevância da hidroelétrica de Cahora Bassa para o
abastecimento de eletricidade em Moçambique é tal que, dado o
subdesenvolvimento da rede de distribuição interna, as províncias mais a sul
de Moçambique são igualmente abastecidas via Cahora Bassa: a eletricidade é
326
exportada primeiramente para a África do Sul e só depois é reimportada dali
para o sul de país, em particular para a capital Maputo. Este contexto tem
colocado Moçambique numa situação de dependência estrutural relativamente
à África do Sul, pelo que as autoridades moçambicanas têm vindo a projetar
uma linha de distribuição direta da hidroelétrica de Cahora Bassa para a capital
Maputo, com subestações de distribuição em províncias como Tete, Manica e
Inhambane, para garantir o abastecimento próprio destas províncias e assim
alcançar o objetivo de aumentar a taxa de eletrificação quer regional quer
nacional (Hankins, 2009: 22). Este projeto, já denominado CESUL, faz parte do
plano estratégico da hidroelétrica de Cahora Bassa, que consiste
fundamentalmente em três projetos de expansão da capacidade de
transmissão e distribuição da sua eletricidade: este da HCB diretamente para a
capital Maputo, outro de HCB para a província de Nampula, via Malawi, e outro
de exportação da eletricidade de HCB para o Malawi. Este último tem como
motivação fundamental o desejo do Malawi de amenizar a sua atual crise
energética e beneficiar dum abastecimento de eletricidade barata
providenciado pela hidroelétrica.
Outro ponto relevante nas perspetivas futuras da hidroelétrica de Cahora
Bassa é a sua crescente integração no quadro institucional regional da SAPP.
A África do Sul desde sempre se mostrou relutante na integração da
hidroelétrica no quadro regional, pois tal permite a esta reduzir a sua
dependência perante a potência regional, através da diversificação do seu
portfolio de clientes. Porém, os picos de geração da hidroelétrica de Cahora
Bassa não estão contratualmente reservados para a Eskom, pelo que a
primeira tem aproveitado para escoar esses picos de geração para a SAPP.
327
Figura 3 – Rede Moçambicana de Transmissão de Eletricidade
Fonte: Hankins (2009: 23)
328
Considerações Finais
A África Austral depara-se atualmente com uma crise energética grave.
A combinação de fenómenos distintos como a aceleração do crescimento
económico, o crescimento demográfico e o aprofundamento da urbanização de
muitos países da região tem colocado uma grande pressão do lado da procura
de eletricidade, procura essa que está longe de obter a resposta adequada da
parte dos governos da região. Com efeito, em alguns países a taxa de acesso
à eletricidade não só não tem aumentado como tem mesmo diminuído.
Contudo, este cenário não é uma fatalidade para a região da África
Austral. Com efeito, a região dispõe de recursos energéticos variados e em
quantidades significativas. Do carvão aos recursos hídricos, passando pelo gás
natural, petróleo e urânio, a África Austral tem recursos internos suficientes
para adotar qualquer paradigma energético. Assim, a África Austral dispões de
condições para, não só assegurar um acesso à eletricidade generalizado e de
qualidade, como ser praticamente autossuficiente em termos energéticos. Para
atingir tal desiderato, o aprofundamento da integração regional no sector
energético, que permita um crescimento do comércio energético intrarregional,
é um passo importante.
O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional
permitirá à África Austral expandir as suas capacidades próprias de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade. Além disso, permitirá que o excesso
de capacidade de geração de alguns países, como Moçambique ou a
República Democrática do Congo seja aproveitado por países que se deparam
329
com crises energéticas, como é o caso mais relevante da África do Sul. Posto
isto, conclui-se que a crise energética da África Austral pode ser resolvida se a
região adotar uma perspetiva mais inward e procurar desenvolver, em bloco, as
suas dotações energéticas endógenas.
Desta comunicação conclui-se que os Estados da África Austral têm
consciência das suas potencialidades energéticas e têm procurado aprofundar
os arranjos institucionais de integração regional no sector energético. Desde a
institucionalização da SADCC que o sector da energia foi considerado como
um dos prioritários para a intervenção da organização regional. Aí, procurou-se
reduzir a dependência dos países vizinhos da África do Sul em termos
energéticos, através da integração das diversas redes elétricas nacionais e do
aumento do comércio energético entre eles. Já depois do fim do regime do
apartheid sul-africano, e com o desenvolvimento da SADCC para a SADC, o
sector energético ganhou uma preponderância ainda maior, sobretudo desde
que a potência regional África do Sul começou a experienciar crises
energéticas regulares. Um dos passos mais importantes neste processo foi a
institucionalização da SAPP, organização regional especialmente vocacionada
para a coordenação dos investimentos energéticos na região e para a
promoção do comércio energético intrarregional, através de instrumentos como
o DAM que facilitam estas mesmas trocas. Concluindo, tem-se que os Estados
estão a realizar um esforço meritório para se integrarem na área da energia,
têm apresentado resultados positivos visíveis, mas todavia ainda estão longe
de atingir o máximo do seu potencial.
Os Estados da região da África Austral deverão igualmente procurar
retirar ilações de outras experiências internacionais de integração regional nos
330
sectores energéticos, visto que há casos bem-sucedidos na América do Norte,
Europa e mesmo em outras regiões em desenvolvimento. Castalia (2009)
sugerem cinco lições fundamentais para a África Austral, mais concretamente
para a sua organização regional SAPP: i) necessidade de se assegurar logo
numa primeira fase da institucionalização dos arranjos de integração energética
a estabilidade da oferta e do abastecimento de eletricidade; ii) necessidade de
se reforçar o papel das organizações regionais, tornado as suas decisões
vinculativas para os governos nacionais, sobretudo nas áreas do planeamento
e fixação de preços; iii) a institucionalização de acordos bilaterais permite a
criação das bases para a expansão do comércio intrarregional energético
multilateral; iv) o aumento do comércio energético intrarregional pressupõe, por
um lado, o aprofundamento dos arranjos institucionais e a harmonização de
políticas nacionais, e por outro, a expansão das capacidades de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade; v) necessidade de implementar
mecanismos de regulação e supervisão perfeitamente claros e transparentes.
Relativamente ao primeiro ponto, a segurança da oferta e do
abastecimento de eletricidade deve ser encarada em três dimensões distintas:
adequação da oferta à procura, fiabilidade mesmo em cenários de problemas
técnicos operacionais, e segurança comercial na estabilidade dos acordos
transnacionais. Ela deve ser reforçada através dum enquadramento legal e
institucional efetivo e de um desenho adequado dos acordos de comércio
energético entre os fornecedores e os clientes, que garantam a estabilidade do
fornecimento de energia. Um dos métodos mais utilizados para assegurar a
estabilidade da oferta e do abastecimento energético passa pela inclusão de
331
penalizações nos próprios contractos comerciais para eventuais quebras no
abastecimento ou transmissão.
Quanto ao segundo ponto, as experiências internacionais bem-
sucedidas demonstram claramente a necessidade das organizações regionais
verem os seus poderes e atribuições reforçadas, para que as suas estratégias
e decisões sejam vinculativas para os governos nacionais. As organizações
regionais devem ser reforçadas e fortalecidas, de modo a que as decisões
estratégicas tenham em consideração dimensões regionais e não meramente
nacionais, o que implicará sempre um maior compromisso político dos Estados
e a entrega de soberania. No caso concreto da África Austral e da SAPP,
constata-se a necessidade dum compromisso político ainda mais efetivo dos
governos nacionais para com as organizações regionais, dado que estas ainda
se encontram bastante constrangidas na sua capacidade de tomar decisões.
Constata-se igualmente a necessidade da institucionalização de
enquadramentos legais claros e objetivos, como um passo importante para
retirar muita da incerteza nas decisões de investimento dos agentes
económicos potencialmente interessados. Neste sentido, as organizações
regionais devem adotar processos de tomada de decisão eficientes, sobretudo
no que toca ao planeamento da expansão da rede infraestrutural e na fixação
dos preços do comércio energético. Além disso, devem desenvolver
mecanismos de resolução de disputas, de forma a retirar alguma da incerteza
que ainda está associada ao comércio energético intrarregional. No caso
concreto da África Austral, o enquadramento legal subjacente ao comércio
energético intrarregional na África Austral ainda é relativamente
subdesenvolvido quando comparado com o de outras regiões do Mundo. Um
332
dos obstáculos é a falta de clarificação do papel dos reguladores no quadro da
SAPP, sobretudo em três dimensões distintas: o envolvimento dos reguladores
nas negociações comerciais; calendário dos processos de tomada de decisão;
e disponibilização pública de informação relativa aos contratos.
Outro ponto que tem merecido críticas à intervenção da SAPP é o seu
enfoque excessivo no comércio energético intrarregional de curto-prazo, dado o
pouco potencial de desenvolvimento que apresenta, face à escassez de oferta
energética atual. Mais, o comércio energético intrarregional de curto-prazo não
oferece a estabilidade financeira necessária para incentivar a expansão da
rede infraestrutural energética regional.
No âmbito do comércio energético intrarregional, a hidroelétrica de
Cahora Bassa é um ator central, não só pela sua capacidade associada mas
também pelo portfolio de clientes que apresenta. Com efeito, Cahora Bassa é
uma das maiores hidroelétricas no panorama africano, com um potencial
máximo de geração que ultrapassa os 3000 megawatts. No portfolio da SAPP,
a hidroelétrica de Cahora Bassa é uma das infraestruturas que apresenta uma
maior capacidade de geração. Por outro lado, Cahora Bassa desde a sua
edificação que adotou um paradigma marcadamente orientado para o exterior.
A grande maioria da eletricidade por si gerada não tem como destino final o
Estado moçambicano, mas sim a vizinha África do Sul. Além disso, também o
Zimbabué recebe eletricidade da hidroelétrica, e está em fase avançada o
projeto rede de transmissão para o Malawi. Tem-se assim que a hidroelétrica
de Cahora Bassa representa um caso exemplar das potencialidades do
aprofundamento da integração energética regional e do crescimento do
comércio energético intrarregional no cenário da África Austral.
333
Referências Bibliográficas
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SAPP (2011) SAPP 2010 Annual Report, SAPP, Gaborone
335
Anexos
Anexo 1 – Exportações e Importações Intrarregionais de Eletricidade na África
Subsaariana em 2005
Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 27)
336
Anexo 2 – Planos Energéticos em Moçambique
Fonte: Hankins (2009) in Chambal (2010: 14)
Anexo 3 – Dados sobre a Capacidade de Geração de Eletricidade dos
Membros da SAPP
Fonte: SAPP (2011: 29)
337
17.3. ANÁLISE COMPARATIVA DOS PERFIS ENERGÉTICOS DE
CABO-VERDE E GUINÉ-BISSAU28
João Veiga Esteves29
RESUMO
Muitos países africanos têm vindo recentemente a experienciar crises
energéticas cada vez mais frequentes e gravosas. As causas fundamentais
deste fenómeno são o subfinanciamento crónico dos sectores energéticos
estatais aliado à crescente pressão do lado da procura de eletricidade, esta
derivada do agravamento dos fenómenos do crescimento demográfico,
económico e da urbanização. Este cenário é ainda mais preocupante em
países de menor dimensão, como Cabo-Verde ou a Guiné-Bissau, onde a
impossibilidade de aproveitamento das economias de escala traduz-se em
custos operacionais de geração de eletricidade mais elevados. Por outro lado,
a privação de recursos energéticos significativos sofrida por estes dois países
torna-os excessivamente dependentes do exterior para garantirem o seu
abastecimento energético, logo mais vulneráveis a choques exógenos. No caso
28
Comunicação apresentada ao Colóquio Internacional Cabo-Verde e Guiné-Bissau: Percursos
do Saber e da Ciência, nos dias 21, 22 e 23 de Junho de 2012, no ISCSP, Lisboa.
29 Investigador no IEEI (Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais) no âmbito das
Conferências do Estoril 2011. Contacto telefónico: +351 96 764 20 13. Contacto de email:
jnave86@gmail.com
338
concreto de Cabo-Verde, este depara-se com um obstáculo adicional, derivado
da sua situação de insularidade. Tal impossibilita o país usufruir dos benefícios
dos esquemas regionais de integração dos diferentes sectores energéticos
nacionais (no caso concreto a West African Power Pool) e de incremento do
comércio energético intrarregional. Este é particularmente vantajoso para
países com custos internos de geração de eletricidade elevados, pois permite-
lhes importar eletricidade mais barata dos seus Estados vizinhos. Já no caso
concreto da Guiné-Bissau, o seu estatuto de Estado Frágil coloca-lhe desafios
de outra dimensão. Um dos traços característicos deste grupo de países é a
deterioração avançada da sua rede infraestrutural, onde a rede elétrica está
naturalmente incluída. Esta deterioração leva à sucessão de cortes de
eletricidade, com imediatas repercussões na competitividade da economia
doméstica e no bem-estar das populações. Posto isto, esta comunicação
pretende, numa primeira fase, traçar o perfil energético destes dois países, nas
suas dimensões fundamentais. De seguida, descortinam-se as principais
semelhanças e diferenças entre os dois casos de estudo, e avança-se com
algumas explicações possíveis para estas. Finalmente, apresentam-se as
principais conclusões da comunicação e as pistas que deixa para futuras
investigações.
Palavras-chave: Perfil Energético, Cabo-Verde, Guiné-Bissau
339
ENERGY PROFILES OF CAPE-VERDE AND GUINEA-BISSAU
A COMPARATIVE ANALYSIS30
João Veiga Esteves31
ABSTRACT
Several African countries face frequent and increasingly serious energy crisis.
The roots of these phenomena are to be found in a chronic underinvestment in
public energy sectors combined with an increasing pressure on the electricity
demand side that comes with those countries´ demographic, economic and
urban growths. The smaller the countries the worse the cases, as it can be seen
in Cape Verde or Guinea-Bissau, two States whose incapability to generate
economies of scale leads to higher electricity generation costs, and whose lack
of energy resources makes them too dependent on outer energy supplies and
therefore more vulnerable to exogenous shocks. Cape Verde´s insular condition
is an additional hardship, hampering that country´s ability to take advantage of
regional energy sectors integration systems (specifically the West African
30
Communication to the 8th Iberian Congress of African Studies held at Madrid on the 14
th, 15
th
and 16th of June 2012.
31 Researcher at IEEI (Institute for Strategic and International Studies) for the Estoril
Conferences 2011. Phone Contact: +351 96 764 20 13. Email: jnave86@gmail.com
340
Power Pool) and of an interregional energy trade growth that gives state
members faced with high internal energy production costs a chance to import
cheaper energy from their neighbours. Guinea-Bissau´s bigger challenges, on
the other hand, stem from its Fragile State condition, which always means high
infrastructures deterioration. Electricity networks are naturally an important part
of the problem, leading to frequent energy cuts with consequent and immediate
repercussions on the domestic economic competitiveness and on its citizens´
quality of life. This paper aims to establish the two countries´ basic energy
profiles and then go deeper in the main similarities and differences and their
possible explanations. This done, the paper will draw the main conclusions and
propose possible clues for further investigation.
Key-words: Energy Profiles, Cape-Verde, Guinea-Bissau
341
Contexto Energético de Cabo-Verde
Cabo-Verde é frequentemente avançado como um estudo de caso na
avaliação do impacto dos condicionalismos geográficos nos paradigmas
energéticos dos países africanos. O caso concreto cabo-verdiano é em grande
medida influenciado por dois fatores fundamentais: os condicionalismos
geográficos impostos pela sua insularidade e a ausência de dotações
energéticas próprias em quantidades significativas, que coloca o país mais
vulnerável perante flutuações e choques exógenos.
Relativamente à questão da insularidade, está empiricamente provado
que os arquipélagos apresentam, em média, custos de geração de eletricidade
superiores aos dos restantes, pois os recursos energéticos que obtêm sofrem
uma penalização no preço final devido a custos de transporte de combustíveis
fósseis mais elevados (Foster et al, 2008).
Por outro lado, a descontinuidade do território nacional em diversas ilhas
de pequena dimensão torna mais difícil a exploração de economias de escala
na geração de eletricidade. Assim, cada ilha do arquipélago tem que possuir a
sua própria rede infraestrutural de geração e distribuição de eletricidade, com
uma dimensão da procura associada necessariamente mais reduzida, o que se
traduz forçosamente numa atividade operacional abaixo do ótima.
No caso concreto cabo-verdiano, há um particularismo relevante que
impacta significativamente o paradigma energético nacional: a necessidade de
proceder à dessalinização da água para abastecimento às populações. Tal
342
processo é intensivo em energia, estimando-se que sensivelmente 10% da
energia consumida no país seja para efeitos de dessalinização da água.
Gráfico 1 – Desagregação dos Custos Operacionais dos Diferentes Sectores
Elétricos Consoante Características Geográficas dos Países Africanos
Fonte: Eberhard et al (2011: 26)
Finalmente, a insularidade representa uma outra desvantagem para os
arquipélagos africanos. Tal consiste no facto de estarem impossibilitados de
beneficiarem do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração
regional energética, por não poderem ver as suas redes elétricas conectadas
com as dos seus vizinhos mais próximos. O incremento do comércio energético
intrarregional comporta uma série de benefícios, entre eles: diminuição dos
custos de geração de eletricidade, decorrentes do redimensionamento dos
343
mercados internos num único verdadeiramente regional; diversificação do
portfolio de fornecedores energéticos, com uma maior dependência de
fornecedores regionais; diversificação do próprio portfolio energético, com uma
aposta mais efetiva em recursos energéticos da região. Cabo-Verde teria a
ganhar em integrar a WAPP32, dado os elevados custos de geração de
eletricidade que apresenta.
Tabela 1 – Taxa Média de Crescimento da Procura de Eletricidade em alguns
Arquipélagos Africanos
Fonte: Eberhard et al (2011: 215)
Desta tabela retira-se que Cabo-Verde é o Estado que sofre maior
pressão do lado da procura de eletricidade, dentro desta amostra de
arquipélagos africanos, porventura graças ao dinamismo económico que tem
apresentado. O crescimento económico, por si só, é um fator de pressão sobre
o lado da procura de eletricidade, dado o primeiro exige um abastecimento
estável e acessível de energia. Assim, constata-se a existência de um círculo
32
West African Power Pool.
344
virtuoso entre crescimento económico e procura de eletricidade: a capacidade
de um Estado prover eletricidade de modo acessível e seguro é um pré-
requisito na prossecução do crescimento económico; por outro lado, este
permite a arrecadação das receitas fiscais necessárias para a manutenção e
expansão da rede infraestrutural dum país, o que por sua vez permitirá
novamente a expansão da atividade económica. Cabo-Verde, apesar das
dificuldades pontuais em garantir um normal abastecimento de eletricidade,
com algumas quebras e cortes no abastecimento de eletricidade, está a
conseguir acompanhar este círculo virtuoso.
Tabela 2 – Previsões para a Composição da Procura de Eletricidade em alguns
Arquipélagos Africanos
Fonte: Eberhard et al (2011: 224)
Esta tabela demostra que Cabo-Verde enfrenta um grande desafio no
sector elétrico. As previsões apontam para um aumento de sensivelmente
250% na procura de eletricidade entre 2005 e 2015. As autoridades cabo-
verdianas têm procurado responder adequadamente a este aumento da
345
procura, mas um incremento desta dimensão coloca necessariamente
problemas operacionais imediatos significativos, pelo que se justifica o
fenómeno das quebras regulares do abastecimento de eletricidade no país.
Esta incapacidade das autoridades cabo-verdianas responderem
imediatamente à pressão do lado da procura de eletricidade está patente na
tabela abaixo, que quantifica as quebras no abastecimento de eletricidade.
Tabela 3 – Dimensão da Procura Suprimida de Eletricidade em alguns
Arquipélagos Africanos
Fonte: Eberhard et al (2011: 217)
Apesar de Cabo-Verde apresentar um contexto melhor que o das Ilhas
Maurícias, é necessário ter em conta que estas apresentam já uma cobertura
do fornecimento elétrico pelo território nacional praticamente total, o que ainda
está longe de se verificar em Cabo-Verde. Oral, tal dimensão da cobertura nas
Maurícias coloca maiores desafios na garantia da estabilidade do
abastecimento à população, pelo que são realidade dificilmente comparáveis.
Esta instabilidade no abastecimento de eletricidade tem naturais
impactos económicos. O gráfico abaixo demonstra que, apesar dos bons
346
desempenhos que Cabo-Verde tem vindo a apresentar, estes poderiam ser
robustecidos em sensivelmente 1% do PIB caso o respetivo setor elétrico
garantisse o normal abastecimento de eletricidade à economia doméstica.
Gráfico 2 – Impacto Económico das Quebras no Abastecimento de Eletricidade,
em alguns Países da África Subsaariana, em 2005
Fonte: Eberhard et al (2011: 10)
Tabela 4 – Quebras no Abastecimento e Geração Própria em Cabo-Verde
Fonte: Eberhard et al (2011: 192)
No que se refere ao sistema elétrico nacional, este apresenta um dado
importante e positivo, que a operacionalidade de toda a sua capacidade
347
instalada, o que implica que o investimento a realizar no futuro poderá ser
canalizado na sua totalidade para a expansão das capacidades. Por outro lado,
a tabela abaixo demonstra a escassez de recursos energéticos do país e a
dependência do abastecimento externo de combustíveis fósseis. Tal escassez
de combustíveis fósseis leva a uma outra questão relevante, que é a
sobreexploração da biomassa para efeitos de geração de energia, e o impacto
que tal opção tem ao nível das alterações climáticas e da própria
sustentabilidade dos processos de desenvolvimento.
Perante este cenário, as autoridades cabo-verdianas tem vindo a
procurar fomentar a exploração do potencial de energias renováveis que o
arquipélago apresenta, sobretudo a eólica. Com efeito, o Estado cabo-verdiano
assumiu o objetivo de alterar o seu portfolio energético, passando a contemplar
50% da eletricidade gerada proveniente de fontes renováveis, bem como o de
garantir que algumas ilhas do arquipélago tenham a sua eletricidade gerada em
100% por energias renováveis33.
Tabela 5 - Características do Sistema Elétrico Nacional de Cabo-Verde
Fonte: Eberhard et al (2011: 188)
33
Está previsto que a primeira ilha do arquipélago a garantir um fornecimento elétrico via 100%
energias renováveis é a Ilha da Brava.
348
O Estado cabo-verdiano, eventualmente em virtude da constatação da
dificuldade em responder aos desafios que o setor elétrico lhe coloca de forma
individual e isolada, tem optado por uma política de abertura deste setor aos
agentes económicos privados. Aliás, Cabo-Verde é frequentemente avançado
como um dos poucos exemplos de países africanos onde concessões privadas
para a geração e distribuição de eletricidade têm sido bem-sucedidas no longo-
prazo. Mais, Cabo-Verde é um dos poucos países africanos que implementou o
princípio cost recovery na fixação das tarifas elétricas. Todavia, tornou-se
evidente que a aplicação deste princípio se deveu ao aumento significativo do
preço do fornecimento elétrico consumidores.
Tabela 6 – Tarifas e Custos do Sector Elétrico de Cabo-Verde
Fonte: Eberhard et al (2011: 292)
Finalmente, o setor elétrico cabo-verdiano apresenta uma eficiência
operacional assinalável. Não só as perdas sistémicas não assumem um valor
particularmente significativo, como a capacidade de coletar as receitas
operacionais é relativamente satisfatória. Além disso, as autoridades cabo-
verdianas têm vindo a implementar medidas visando melhorar estas duas
dimensões, pelo que as perspetivas são otimistas.
349
Tabela 7 – Eficiência do Setor Elétrico de Cabo-Verde
Fonte: Eberhard et al (2011: 295)
350
Contexto Energético da Guiné-Bissau
Na Guiné-Bissau, o setor elétrico tem acompanhado o desempenho da
economia nacional como um todo. O país está incluído no grupo dos
denominados Estados frágeis34 por parte da comunidade internacional. Aqueles
partilham uma série de características que impactam o respetivo paradigma
energético: i) deterioração assinalável da situação económica; ii) sucessão de
crises políticas e conflitos armados; iii) elevadas taxas de população a viver
abaixo do limiar de pobreza; iv) insuficiente massa crítica de capital humano; v)
subdesenvolvimento da rede infraestrutural interna.
Os Estados frágeis apresentam algumas idiossincrasias relevantes no
que se refere ao sector energético. Está empiricamente comprovado que os
Estados frágeis são dos países africanos que afetam uma parcela superior do
seu orçamento público ao setor elétrico, mas a grande maioria dele tem como
destino a atividade corrente, o que se traduz numa incapacidade de realizar
despesas de investimento para a expansão das capacidades de geração e
distribuição de eletricidade (Foster et al, 2008).
Talvez por constatar esta incapacidade de investir em programas de
expansão das capacidades existentes, as autoridades guineenses optaram
pela liberalização do sector e pela entrada de agentes económicos privados na
geração e distribuição de eletricidade, sobretudo através da institucionalização
34
Em 2010 os Estados africanos considerados frágeis eram: Burundi, República Centro
Africana, Ilhas Comores, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Libéria, Serra Leoa, Togo, Chade,
República Democrática do Congo, Somália, Zimbabué, Djibuti, Eritreia, Sudão, São Tomé e
Príncipe, República do Congo, Guiné-Conacri.
351
de parceiras público-privadas. Tal opção tem vindo a ser encarada como uma
alternativa viável para a promoção da segurança energética do Estado
guineense, e as autoridades nacionais têm demonstrado a sua satisfação com
os resultados até agora alcançados.
Gráfico 3 – Fontes de Financiamento para o Investimento de Capital nos
Sectores Energéticos dos Países da África Subsaariana
Fonte: Eberhard et al (2011: 158)
Este gráfico ilustra as dificuldades dos Estados frágeis no financiamento
do respetivo setor elétrico. Duas notas ressaltam daquele: a proporção
352
relativamente baixa de APD35 afetada aos setores elétricos dos Estados
frágeis, ainda mais quando comparada com a destinada aos LIC36; a forte
presença de atores internacionais externos à OECD nas economias dos
Estados frágeis, e nos respetivos setores elétricos em concreto.
A tabela abaixo indica bem uma outra idiossincrasia dos sistemas
elétricos dos Estados frágeis. Estes são aqueles que apresentam, ao nível de
ineficiências do setor elétrico, um peso maior da incapacidade de taxar e
coletar devidamente o fornecimento elétrico às populações. Duas ordens de
razão concorrem para tal: a incapacidade das administrações públicas destes
países desempenharem eficaz e eficientemente esta função, e as maiores
dificuldades que as populações locais, a maioria a viver abaixo do limiar da
pobreza, em pagar este serviço público.
Tabela 8 – Dimensão dos Ganhos de Eficiência nos Sectores Elétricos dos
Países da África Subsaariana
Fonte: Eberhard et al (2011: 162)
35
Ajuda Pública ao Desenvolvimento.
36 Low Income Countries.
353
Tal como Cabo-Verde, também a Guiné-Bissau tem uma economia
interna com uma dimensão reduzida. Assim, o mercado doméstico guineense
também não permite a exploração de economias de escala na geração de
eletricidade, o que se traduz naturalmente em custos operacionais superiores.
Além disso, também a Guiné-Bissau não dispõe de dotações energéticas
próprias significativas, estando por isso significativamente dependente de
fornecedores externos de combustíveis fósseis. Tal torna a economia
guineense necessariamente mais vulnerável às oscilações dos preços
internacionais e a choques petrolíferos exógenos. Também por isso o país
sobreexplora cronicamente a sua biomassa37 para efeitos de geração de
energia. Efetivamente, estima-se que 90% da energia gerada no país provenha
da biomassa, e desta a esmagadora maioria de combustíveis lenhosos.
A Guiné-Bissau, enquanto caso de estudo sobre setores elétricos
africanos, é frequentemente avançado como um dos países africanos que mais
tem a beneficiar com o aprofundamento dos arranjos institucionais de
integração regional energética, e com o decorrente incremento nos volumes de
comércio energético intrarregional. Como se pode constatar abaixo, o Estado
guineense terá ganhos económicos e financeiros muito relevantes num cenário
de incremento do comércio energético intrarregional, com poupanças na ordem
dos 0,07$ / kWh38. Este é igualmente o caso da maioria dos países de menor
dimensão que dependem sobretudo da energia térmica.
37
Esta sobreexploração verifica-se principalmente nas regiões de Gabú, Bafatá e Oio.
38 Kilowatt por hora.
354
Tabela 9 – Custos Marginais da Geração de Eletricidade na Guiné-Bissau em
Dois Cenários Distintos ($ / kWh)
Fonte: Eberhard et al (2011: 37)
Esta diferença que se verifica no custo de geração da eletricidade, entre
um cenário de incremento e outro de estagnação do comércio energético
intrarregional, deve-se à diferença de custo da eletricidade gerada na Guiné-
Bissau e a da gerada na região da WAPP, como se constata na tabela abaixo.
Tabela 10 – Custos Marginais da Geração de Eletricidade na Guiné-Bissau em
Diferentes Cenários
Fonte: Eberhard et al (2011: 204)
355
Gráfico 4 – Potencial de Poupança para alguns Países da África Subsaariana
derivada do Aumento do Comércio Energético Intrarregional
Fonte: Eberhard et al (2011: 30)
Este cenário advém da possibilidade da Guiné-Bissau aproveitar o
potencial energético que a região da África Ocidental dispõe, tanto ao nível da
energia hídrica como também as reservas de gás natural já comprovadas. O
recurso energético dominante na região da Guiné-Bissau, a África Ocidental, é
o gás natural. Só a Nigéria apresenta reservas de gás natural que teoricamente
seriam suficiente para abastecer toda a região para as próximas décadas. Além
do gás natural, também a hidroeletricidade está a ser explorada na região.
Neste caso, o maior potencial encontram-se no Mali e na Guiné-Conacri
(Castalia, 2009).
Assim, a Guiné-Bissau tem a possibilidade de diminuir o peso da
eletricidade gerada internamente, com custos associados mais elevados, e
passar assim a depender mais da eletricidade menos dispendiosa importada da
356
região. Além disso, a WAPP, apesar de não apresentar uma dimensão como a
SAPP, tem vindo a registar progressos muito assinaláveis.
A WAPP apresenta um conjunto significativo de projectos de
transmissão transnacional de electricidade, sendo que no caso concreto da
Guiné-Bissau o mais importante é a organização OMVG/OMVS39, que tem
como membros o Senegal, a Gâmbia, a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau. Este
organismo tem levado a cabo fundamentalmente projetos de geração
hidroeletricidade, um deles a barragem do Saltinho no rio Corubal da Guiné-
Bissau (Ram, 2007).
Tabela 11 – Exportações Intrarregionais de Energia num Cenário de
Incremento do Comércio Energético Intrarregional na West African Power Pool
Fonte: Eberhard et al (2011: 32)
39
Organisation pour la mise en valeur du fleuve Guinea / Organisation pour la mise en valeur
du fleuve Senegal.
357
Todavia, esta integração na rede elétrica regional da WAPP implica
necessariamente um investimento significativo, por parte da Guiné-Bissau, na
reabilitação e expansão da sua rede interna, para conectá-la com as redes dos
seus Estados-vizinhos. Além disso, a rede elétrica interna da Guiné-Bissau
dispõe de poucas ligações com as redes vizinhas, pelo que a maioria do
investimento associado terá que ser realizado de raiz, o que onera ainda mais
os cofres guineenses.
Gráfico 5 – Gastos no Sector Energético, por País, na West African Power Pool
(% PIB)
Fonte: Eberhard et al (2011: 63)
Este gráfico salienta um outro aspeto relevante do aprofundamento dos
arranjos de integração regional energética: a institucionalização de
instrumentos e mecanismos de solidariedade financeira na expansão das redes
358
de distribuição nacionais. Tal é particularmente importante no caso guineense
por dois motivos distintos: a dificuldade do país em aceder aos mercados de
capitais internacionais para financiar este tipo de projetos com condições
minimamente vantajosas, e a dimensão financeira que o investimento
necessário para integrar a rede elétrica nacional na regional tem na economia
doméstica guineense, ultrapassando os 20% do PIB. A tabela abaixo comprova
a dimensão do investimento associado: se por um lado o cenário da expansão
do comércio energético intrarregional permite uma poupança derivada da
ausência da necessidade de investimento na expansão da capacidade interna
de geração de eletricidade, por outro lado implica um investimento de grande
dimensão na expansão da capacidade de transmissão e distribuição da rede
elétrica interna.
Tabela 12 – Necessidades da Guiné-Bissau em Infraestruturas Energéticas em
Diferentes Cenários
Fonte: Eberhard et al (2011: 208)
O aprofundamento da integração da Guiné-Bissau na rede elétrica
regional da WAPP tem um outro impacto relevante, que é a alteração do
portfolio energético do país. O país apresenta uma dependência excessiva do
abastecimento externo de combustíveis fósseis, o que a longo-prazo é
359
insustentável, não só pelo impacto ambiental que esta dependência acarreta
como este tipo de recursos energéticos não são renováveis. Contudo, o
incremento do comércio energético intrarregional permite à Guiné-Bissau tirar
proveito do potencial de energia hídrica que a região da África Ocidental
apresenta, equilibrando o seu portfolio nacional com um recurso energético
limpo e renovável, o que assume uma importância significativa no curto-prazo,
mas sobretudo numa perspetiva mais de longo-prazo.
Tabela 13 – Portfolio Energético da Guiné-Bissau em Diferentes Cenários
Fonte: Eberhard et al (2011: 206)
Centrando agora a análise nas dinâmicas internas do setor elétrico
guineense, constata-se que o país apresenta uma taxa de população com
acesso à eletricidade bastante reduzida, praticamente nula no meio rural,
exatamente onde ainda vive a maioria da população. Daqui se compreende o
montante de investimento associado à expansão da capacidade de distribuição
de eletricidade tão volumoso e à falta de ligações que o setor nacional tem com
as redes dos países vizinhos.
360
Tabela 14 – População com Acesso à Eletricidade na Guiné-Bissau em 2005
Fonte: Eberhard et al (2011: 219)
Tabela 15 – População com Acesso à Eletricidade na Guiné-Bissau em 2005
Fonte: Eberhard et al (2011: 221)
Perante este cenário, as autoridades guineense têm reiterado o seu
compromisso para com a expansão da cobertura da eletricidade a parcelas
cada vez maiores do território nacional, procurando cada vez mais abranger as
comunidades rurais. Contudo, as políticas de acesso universal à eletricidade
colocam importantes desafios económico-financeiros ao Estados frágeis, na
medida em que as respetivas populações sentem muitas dificuldades em
suportar tarifas elétricas, por mais reduzidas que sejam. Veja-se o caso da
Guiné-Bissau na tabela abaixo, em que para cerca de metade da população
urbana uma conta mensal de eletricidade de 7 USD já ultrapassa 5% do
rendimento familiar mensal.
361
Tabela 16 – Percentagem da População Urbana que Excederia os 5% do
Rendimento Mensal Familiar com Diferentes Preços da Eletricidade
Fonte: Eberhard et al (2011: 282)
Relativamente às perspetivas futuros para o setor elétrico guineense,
para além da expansão da capacidade de distribuição da eletricidade e
consequente aumento da taxa de população, um dos grandes desafios das
autoridades guineenses para por garantir um abastecimento de eletricidade
mais estável, visto que a economia guineense sofre bastante com cortes
sistemáticos e prolongados de energia, como a tabela abaixo elucida.
Tabela 17 - Taxa Média de Crescimento da Procura de Eletricidade na Guiné-
Bissau
Fonte: Eberhard et al (2011: 214)
362
Tabela 18 – Procura Suprimida de Eletricidade na Guiné-Bissau
Fonte: Eberhard et al (2011: 216)
363
Considerações Finais
O continente africano tem vindo a enfrentar uma grave crise energética
nos últimos anos. A incapacidade de muitos Estados africanos em responder
adequadamente ao aumento da pressão do lado da procura de eletricidade,
fomentado pelos fenómenos do crescimento demográfico e económico e da
urbanização, tem conduzido ao registo de parcos progressos no crescimento
das taxas de população com acesso à eletricidade e à manutenção de
problemas estruturais de instabilidade no abastecimento de eletricidade aos
setores doméstico, agrícola e industrial. Mais, o agravamento dos preços
internacionais dos combustíveis fósseis, recurso energético dominante na
maioria dos portfolios energéticos de países africanos, tem colocado uma
pressão acrescida nos orçamentos nacionais dos mesmos. Tal tem levado a
um agravamento do subfinanciamento dos respetivos setores elétricos, e
necessariamente a uma diminuição da capacidade de investimento nestes.
No entanto, uma das conclusões fundamentais desta comunicação é a
necessidade de distinguir diferentes tendências dentro do continente africano.
Diferentes Estados africanos apresentam diferentes portfolios energéticos,
diferentes dotações energéticas próprias, diferentes estádios de
desenvolvimento das redes infraestruturais internas e diferentes graus de
integração nas respetivas power pools regionais. Neste sentido, os casos de
estudo de Cabo-Verde e Guiné-Bissau são relevantes, pois conseguem
conciliar semelhanças importantes e diferenças estruturais.
364
Começando pelas semelhanças, tanto Cabo-Verde como a Guiné-
Bissau dispõem de economias domésticas com mercados internos de pequena
dimensão, o que os impossibilita de explorarem economias de escala na
geração de eletricidade e por essa via reduzirem os custos operacionais
associados à mesma.
Ambos os países estão desprovidos de recursos energéticos
significativos, o que os torna necessariamente mais dependentes do
abastecimento externo para responder às necessidades internas. Tal torna
ambos os países mais vulneráveis às oscilações dos preços dos recursos
energéticos nos mercados internacionais e a choques exógenos.
Cabo-Verde e a Guiné-Bissau apresentam algumas similitudes no que
se refere à composição do portfolio energético, dado que ambos os países
dependem sobremaneira dos combustíveis fósseis não renováveis. No entanto,
quer Cabo-Verde quer a Guiné-Bissau já mapearam algumas hipóteses de
explorar algumas fontes energéticas renováveis, como a energia eólica em
Cabo-Verde ou a energia hídrica na Guiné-Bissau, pelo que o cenário pode vir
a sofrer algum tipo de alteração no futuro. Ainda assim, convém frisar que
ambos os países, como aliás a maioria dos países africanos, ainda utiliza
sobremaneira a biomassa para a geração de energia, o que tem importantes
implicações ambientais no que se refere às alterações climáticas.
Finalmente, no que toca às semelhanças entre os dois cenários
energéticos, ambos os países enfrentam o problema da instabilidade no
abastecimento de eletricidade às respetivas populações, com quebras e cortes
frequentes e prolongados. Porém, convém frisar que o fenómeno assume
365
gravidades distintas entre os dois Estados, com uma dimensão muito mais
preocupante no caso guineense. Este problema tem tido um impacto negativo
no desempenho nos desempenhos económicos dos dois Estados, pelo que a
sua resolução deverá constituir uma prioridade para as respetivas autoridades
governamentais.
No que toca aos contrastes entre os dois perfis energéticos, uma das
mais relevantes prende-se com as diferentes capacidades de participação nos
arranjos institucionais de integração regional energética. Enquanto Cabo-
Verde, dado o seu contexto de insularidade, tem dificuldades em conectar a
sua rede elétrica nacional com a dos seus Estados vizinhos, a Guiné-Bissau
está localizada perto dum dos países com maior potencial de exportação de
energia para a região da África Ocidental, a Guiné-Conacri. Assim, enquanto a
Guiné-Bissau tem a possibilidade de diminuir significativamente os custos com
a geração da eletricidade, através do aumento da importação de eletricidade de
âmbito regional mais barata, Cabo-Verde vê essa hipótese vedada, tendo por
isso dificuldades em diminuir os custos associados à geração de eletricidade.
Uma outra diferença importante entre os dois países reside nas
capacidades distintas de taxar e coletar o fornecimento elétrico. Tal disparidade
está associada aos diferentes estádios de desenvolvimento dos próprios
Estados e respetivas administrações públicas e ao poder de compra das
populações nacionais. A Guiné-Bissau, integrada no grupo dos Estados frágeis,
apresenta uma fraca implementação da administração pública no território
nacional e também elevadas taxas de incidência da pobreza. Tal, por um lado,
dificulta uma coleta eficaz das receitas provenientes do fornecimento elétrico e
por outro dificulta a aplicação do princípio cost recovery para sustentar a
366
necessária expansão do acesso à eletricidade. Já Cabo-Verde está num
estádio de desenvolvimento diferente, estando mesmo incluído na categoria
dos MIC40. Deste modo, a sua administração pública apresenta já uma
capacidade superior de taxar e coletar eficazmente as receitas provenientes
fornecimento elétrico, e a sua população dispõe já de um poder de compra
capaz de suportar tarifas elétricas com uma dimensão que contribua para o
autofinanciamento do setor elétrico nacional.
Este financiamento dos setores elétricos constitui uma outra diferença
estrutural entre os dois países, facto também está naturalmente associado aos
diferentes estádios de desenvolvimento dos dois países. A Guiné-Bissau não
tem capacidade para autofinanciar a manutenção e expansão do seu setor
elétrico, pelo que ainda depende sobremaneira do financiamento externo,
particularmente pela via da APD. Neste caso, têm sido os novos atores
internacionais, as denominadas economias emergentes, a desempenhar um
papel relevante. Já Cabo-Verde tem uma capacidade de autofinanciamento
diferente, tanto que o seu setor elétrico é financiado maioritariamente pelo
respetivo orçamento nacional do Estado.
Finalmente, um aspeto importante a considerar prende-se com as
perspetivas de futuro de cada um dos setores elétricos. Dado que Cabo-Verde
ostenta uma dinâmica económica, aqui apelidada de círculo virtuoso
eletricidade – crescimento económico – eletricidade, as perspetivas apontam
para um crescimento significativo da procura de eletricidade, o que representa
um desafio importante para as autoridades cabo-verdianas. Já a Guiné-Bissau
dificilmente poderá aspirar a um processo sustentado de desenvolvimento 40
Middle Income Countries.
367
económico enquanto não estabilizar e pacificar em definitivo a sua situação
sociopolítica. Por outro lado, a Guiné-Bissau depara-se com um importante
desafio no setor elétrico: integrar a sua rede infraestrutural elétrica nacional na
rede regional da WAPP e retirar daí todos os benefícios atrás referidos.
Como qualquer comunicação desta natureza, esta não pretende esgotar
este tema em si mesma, deixando por isso algumas pistas para futuras
investigações. A mais relevante será porventura investigar o potencial de
energias limpas renováveis que estes países apresentam, e qual o impacto que
uma exploração mais intensiva deste potencial pode ter nos respetivos
cenários energéticos nacionais.
368
Referências Bibliográficas
EBERHARD, Anton; Rosnes, Orvika; Shkaratan, Maria; Vennemo, Haakon
(2011) Africa´s Power Infrastructure: Investment, Integration, Efficiency, World
Bank, Washington D.C.
CASTALIA (2009) International Experience with Cross-border Power Trading,
Report to the RERA and the World Bank, Castalia, Paris
RAM, Babu (2007) Africa´s Intra-regional, Inter-regional and Inter-continental
Electricity Trade: Techno-politico-economic Considerations and Future
Prospects, 20th World Energy Congress, Rome
VENNEMO, Haakon, Rosnes, Orvika; (2009) Powering Up: Costing Power
Infrastructure Investment Needs in Sub-Saharan Africa, Econ Poyry, Oslo
FOSTER, Vivien; Eberhard, Anton; Briceño-Garmendia, Cecilia; Ouedraogo,
Fatimata; Camos, Daniel; Shkaratan, Maria (2008) Underpowered: The State of
the Power Sector in Sub-Saharan Africa, AICD Background Paper 6, World
Bank, Washington D.C.
369
Anexos
Tabela A1 – Previsões para o Contexto Energético de Cabo-Verde em 2015
Fonte: Vennemo et al (2009: 170)
370
Tabela A2 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica de
Cabo-Verde (M$)
Fonte: Vennemo et al (2009: 171)
371
Tabela A3 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica de Cabo
Verde (% do PIB 2015)
Fonte: Vennemo et al (2009: 172)
372
Tabela A4 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica de
Cabo-Verde (M$)
Fonte: Vennemo et al (2009: 172)
Tabela A5 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica de
Cabo-Verde (% do PIB 2015)
Fonte: Vennemo et al (2009: 173)
373
Tabela A6 – Previsões para o Contexto Energético da Guiné-Bissau em 2015
Fonte: Vennemo et al (2009: 109)
374
Tabela A7 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica da
Guiné-Bissau (M$)
Fonte: Vennemo et al (2009: 110)
375
Tabela A8 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica da
Guiné-Bissau (% PIB 2015)
Fonte: Vennemo et al (2009: 111)
376
Tabela A9 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica da
Guiné-Bissau (M$)
Fonte: Vennemo et al (2009: 112)
Tabela A10 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica
da Guiné-Bissau (% PIB 2015)
Fonte: Vennemo et al (2009: 112)
377
17.4. O IMPACTO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO
PORTFOLIO ENERGÉTICO DA ÁFRICA AUSTRAL41
João Veiga Esteves42
RESUMO
O portfolio energético da África Austral apresenta uma dependência
significativa dos recursos energéticos fósseis não renováveis, sobretudo do
carvão. Tal deve-se em grande medida à posição dominante que a África do
Sul detém no cenário regional. Este país representa sensivelmente 80% do
consumo energético da região, e cerca de 90% deste é derivado do carvão, ou
seja, mais de 70% da eletricidade gerada na África Austral provém do carvão.
Os recursos energéticos fósseis são os que mais contribuem para o
agravamento do fenómeno das alterações climáticas, dados os volumes
elevados de emissões de dióxido de carbono. Daí que o atual paradigma
energético da África Austral não seja sustentável no longo-prazo em termos
ambientais. Além disso, os diversos Estados da região comprometeram-se
internacionalmente com o combate às alterações climáticas, ratificando vários
protocolos. Tal implica necessariamente uma reestruturação profunda do
41
Comunicação apresentada no âmbito da 3ª Conferência Internacional do IESE, nos dias 4 e
5 de Setembro de 2012, em Maputo.
42 Investigador no IEEI (Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais) no âmbito das
Conferências do Estoril 2011. Contacto de email: jnave86@gmail.com.
378
portfolio energético regional, procedendo-se a um trade-off entre a energia
fóssil e as energias renováveis. Esta reestruturação pode passar por um
aproveitamento maior do potencial significativo que a região apresenta em
hidroeletricidade, sobretudo em países como Moçambique ou a República
Democrática do Congo. Este tem sido, aliás, o objetivo fundamental de arranjos
de integração regional na África Austral, como a SAPP (Southern African
Power Pool). No entanto, uma das principais consequências do fenómeno das
alterações climáticas é o aumento da irregularidade e imprevisibilidade dos
fluxos de precipitação, combinando períodos cada vez mais regulares e
prolongados de secas extremas e cheias incontroláveis. O impacto que estas
consequências terão nos fluxos dos cursos hídricos pode colocar em causa a
viabilidade, ou pelo menos encarecer sobremaneira os custos operacionais de
alguns projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade na região.
Assim, tem-se que o fenómeno das alterações climáticas representa um círculo
vicioso para o paradigma energético da África Austral: por um lado, incita à
substituição progressiva da energia fóssil pela hidroeletricidade, mas por outro
retira alguma da viabilidade aos projetos de geração dessa hidroeletricidade.
Código JEL: Q25, Q47, Q52, Q54, Q56
Palavras-chave: Alterações Climáticas, Mix Energético, Energias Renováveis
379
CLIMATE CHANGES IMPACT ON
SOUTHERN AFRICA´S ENERGY PORTFOLIO43
João Veiga Esteves44
ABSTRACT
Southern Africa´s energy portfolio shows a significant dependence on non
renewable fossil energy resources, mostly on coal. The main cause for this is
the overwhelming weight of the South Africa Republic, a country that by its own
captures around 80% of that region´s energy total production, 90% of which
comes from coal. That is to say that 70% of the electricity generated in
Southern Africa comes from coal. The fossil energy resources stand as the
most important factor on increasingly harsh climate changes due to their high
carbon dioxide emissions levels. Therefore, the present Southern Africa´s
energy paradigm is environmentally unsustainable on the long run.
Furthermore, a few regional States ratified several international protocols, thus
committing themselves to fighting climate changes and necessarily paving the
way for an in depth reshaping of the Region´s energy portfolio with a trade-off
between non-renewable and renewable energy resources. This reshaping may
43
Communication to the 3rd
IESE International Conference, on the 4th and 5
th of September
2012, at Maputo. 44
Researcher at IEEI (Institute for Strategic and International Studies) for the Estoril
Conferences 2011. Email address: jnave86@gmail.com.
380
mean a stronger use of hydroelectricity, an important potential energy asset in
the region, namely in countries like Mozambique or the Democratic Republic of
Congo. This is, by the way, the main goal of some Southern Africa´s regional
integration arrangements such as the SAPP (Southern African Power Pool). On
the other hand, one of the main consequences of climate changes is the
increasing irregularity and unpredictability of rains, combining more recurrent
and extent periods of extreme draughts and uncontrollable floods. The impact of
these consequences on the river flows can jeopardize the viability or at least put
extreme pressure on the operational costs of some hydroelectricity generation
and transmission projects in the region. This is why the climate changes
phenomenon means a vicious circle for Southern Africa´s energy paradigm:
indeed, it is at the same time an incentive to the increasing change from fossil
energy to hydroelectricity and an obstacle to the viability of hydroelectricity
generation projects.
JEL Code: Q25, Q47, Q52, Q54, Q56
Keywords: Climate Changes, Energy Mixes, Renewable Energies
381
Emissões de CO2 e Alterações Climáticas
Os processos de desenvolvimento das economias mais avançadas do
Mundo têm historicamente implicado uma emissão excessiva de dióxido de
carbono e outros gases poluentes para a atmosfera. Kiratu (2011) frisa que,
apesar das grandes potências industriais mundiais serem as principais
responsáveis pelo fenómeno atual das alterações climáticas, estas são
incapazes de travar o processo por si sós eficazmente, pelo que as potências
emergentes e o próprio mundo em desenvolvimento necessitam igualmente de
dar o seu contributo. A região da África Subsaariana é das que menos
contribuiu e contribui para o agravamento deste fenómeno das alterações
climáticas, sendo um emissor insignificante de dióxido de carbono e outros
gases nocivos para a atmosfera. As suas emissões de CO2, tanto per capita
como em percentagem do PIB, são das menores do Mundo. Eberhard et al
(2011) avançam mesmo que, excluindo-se a África do Sul, o resto da região
representa menos de 1% das emissões mundiais de dióxido de carbono.
Perante as evidências das alterações climáticas, a comunidade
internacional tem procurado organizar-se e concertar estratégias de prevenção
e mitigação dos efeitos adversos deste fenómeno. A convenção da ONU
relativa às alterações climáticas de 1992 e o Protocolo de Quioto são os
principais resultados concretos destes esforços. O protocolo de Quioto apela
aos à implementação de medidas de prevenção e mitigação das alterações
climáticas, com a redução da emissões de dióxido de carbono e outros gases
poluentes para a atmosfera, concretamente através da promoção da eficiência
382
energética e do trade-off entre os recursos energéticos fósseis e as
denominadas tecnologias verdes ou energias renováveis.
Enquanto países ratificantes do Protocolo de Quioto, os Estados da
região da África Austral comprometeram-se com a redução das suas emissões
de dióxido de carbono. No entanto, as perspetivas de aumento da pressão do
lado da procura de energia, motivada pelos crescimento económico e
demográfico, aliadas à manutenção dum paradigma energético baseado nos
recursos energéticos fósseis colocam um desafio de grande dimensão a esta
região. Kiratu (2011) crê mesmo que tal desafio pode representar uma
verdadeira revolução no portfolio energético da África Austral. No caso
particular da África do Sul, este repto dificilmente pode ser respondido através
duma estratégia meramente nacional, dadas a dimensão e premência das suas
necessidades energéticas e do grande enviesamento do seu portfolio
energético nacional em favor do carvão, necessitando por isso de soluções e
compromissos à escala regional. Deste modo, a promoção da segurança
energética de um país como a África do Sul depende em certa medida da
região onde está inserida. O caso concreto deste país deve ter um tratamento
diferenciado do resto da região, visto que, enquanto economia em expansão e
desenvolvimento acelerados e dependente sobremaneira dos recursos
energéticos fósseis, necessita de desde já adotar medidas de combate às
alterações climáticas. De acordo com Mbirimi (2010), é o que se tem verificado,
sendo que o compromisso político das autoridades sul-africanas para com a
redução da sua dependência da energia fóssil e combate ao fenómeno das
alterações climáticas aparenta ser forte.
383
O fenómeno das alterações climáticas tem-se repercutido de forma
particularmente significativa e violente na região da África Austral. Ele
manifesta-se sobretudo através do aumento da frequência de acontecimentos
como secas extremas, cheias diluviais ou crises alimentares. Um dos efeitos
mais gravosos do fenómeno das alterações climáticas é o aumento da
imprevisibilidade dos volumes de precipitação. Esta imprevisibilidade torna
mais difícil estimar os volumes dos caudais dos cursos hídricos ao longo dum
determinado período de tempo. Além disso, o fenómeno das alterações
climáticas afeta diretamente os padrões de precipitação, tanto em termos
quantitativos como na incidência geográfica da mesma. Tal torna
necessariamente a geração de hidroeletricidade menos estável e previsível,
repercutindo-se na viabilidade económica e no custo operacional associado à
sua geração (Eberhard et al, 2011). Tal tem levado alguns Estados da região
da África Austral a preservar o paradigma energético baseado na energia fóssil,
pois ganha uma nova racionalidade estratégica e económica. Mantém-se
igualmente a nova aposta no modelo de geradores independentes a diesel para
o fornecimento elétrico às comunidades rurais. Todavia, este paradigma não é
sustentável no longo prazo, e acaba por contribuir para o agravamento do
próprio fenómeno das alterações climáticas. Assim, tem-se que o fenómeno
das alterações climáticas representa um círculo virtuoso no paradigma
energético da África Austral: se por um lado ele reduz a estabilidade da
geração de eletricidade proveniente de recursos energéticos renováveis e
sustentáveis, como a hidroeletricidade, levando muitos países africanos a
retomarem a aposta na energia fóssil, por outro tal aposta tem uma
repercussão negativa em termos de preservação dos ecossistemas e no
384
próprio combate pela mitigação dos impactos do fenómeno das alterações
climáticas (Rosnes et al, 2009; Eberhard et al, 2011).
África do Sul e o Comércio Energético Intrarregional
A África do Sul desempenha um papel preponderante na região da
África Austral, sendo por muitos considerada como uma verdadeira potência
regional, sobretudo devido ao seu dinamismo económico e à fase mais
avançada do seu processo de desenvolvimento.
Este Estado é o ator dominante no panorama energético da África
Austral, representando cerca de 80% do total da procura regional. A sua
economia baseia-se numa indústria extrativa intensiva em energia. Além disso,
países como o Botswana, Namíbia ou Suazilândia importam mais de metade
das suas necessidades elétricas da África do Sul, e Estados como o Lesoto,
Moçambique ou Zimbabué também importam volumes significativos de
eletricidade sul-africana. Assim, tem-se que a atual crise de capacidade de
geração de eletricidade sentida pela África do Sul assume uma escala e
repercussão de âmbito regional (Kiratu, 2011). O paradigma energético deste
Estado é sintomático do cenário regional. Cerca de 90% da sua eletricidade é
gerada via carvão, até porque as suas reservas são das mais acessíveis do
Mundo. Por outro lado, a África do Sul é dos países africanos mais
comprometidos com programas de eletrificação rural, apresentando mesmo
uma das maiores taxas de acesso à eletricidade em todo o continente. Existe
portanto uma grande pressão do lado da procura sobre um paradigma
385
energético sul-africano, este quase exclusivamente baseado em recursos
energéticos fósseis. Compreende-se portanto quando Kiratu (2011) avança que
a África do Sul é responsável por sensivelmente 40% das emissões de dióxido
de carbono de todo o continente africano. Tal representa naturalmente um
desafio muito significativo no combate ao fenómeno das alterações climáticas
em toda a região da África Austral.
Tabela 1 – Capacidade Instalada dos Países da SAPP por Recurso Energético
Fonte: Rosnes et al (2009: 19)
As previsões apontam para que o consumo energético interno da África
do Sul venha a crescer rápida e sustentadamente nos próximos anos, devido
ao incremento significativo da pressão de fatores como o crescimento
demográfico, desenvolvimento económico urbanização da sua sociedade.
Mais, muitos dos Estados vizinhos da África do Sul devem igualmente
apresentar níveis de consumo energéticos crescentes, enquanto mantêm
dependências estruturais do fornecimento sul-africano. Assim, as políticas de
386
mitigação das alterações climáticas implementadas pela África do Sul têm um
impacto verdadeiramente regional (Rosnes et al, 2009).
Gráfico 1 – Projeções da Procura e Produção de Energia da SAPP em 2020
Fonte: Rosnes et al (2009: 39)
A opção mais lógica para a África do Sul na sua estratégia de redução
da dependência dos combustíveis fósseis passa pela exploração do
significativo potencial de hidroeletricidade que existe na África Austral. No
entanto, o longo-prazo associado ao desenvolvimento deste tipo de projetos
implica que a África do Sul não consegue basear a sua resposta de
emergência à procura de eletricidade via energia hídrica. No entanto, Mbirimi
(2010) advoga que a África do Sul deve incentivar o desenvolvimento de
projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade na região, visto que
estes necessitam da inclusão da África do Sul como destino da sua produção,
387
pois é praticamente o único mercado na região com capacidade e dimensão
suficiente para absorver os volumes de hidroeletricidade gerados. Este autor
conclui que estão criadas as condições para que a África do Sul assuma a
posição de líder neste processo de reestruturação do portfolio energético
regional, o que abre um conjunto de perspetivas otimistas para o sucesso desta
reestruturação.
A estratégia de diversificação do portfolio energético da África Austral
pode passar por uma aposta no potencial de geração de hidroeletricidade de
países como Moçambique. A economia doméstica deste país não apresenta a
procura suficiente para justificar o investimento em grandes infraestruturas de
geração de hidroeletricidade, pelo que boa parte da sua produção tem
necessariamente que ter como destino o mercado regional.
Tabela 2 – Potencial de Hidroeletricidade de alguns Países da África Austral
Fonte: Mbirimi (2010: 11)
Desde há muito que os Estados da região da África Austral reconhecem
o impacto do comércio energético intrarregional para os seus processos de
desenvolvimento. Para capturarem eficazmente os seus benefícios, eles
388
criaram um organismo regional diretamente responsável pela coordenação dos
fluxos comerciais intrarregionais no setor energético e pela prossecução de
projetos de expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição
de eletricidade da região, a SAPP (Southern African Power Pool). A
institucionalização deste arranjo institucional regional demonstra o
entendimento que existe na África Austral sobre as oportunidades com que
esta se depara à escala regional, bem como que a segurança regional dos
diferentes Estados reside numa resposta regional e nunca meramente nacional
(Mbirimi, 2010; Kiratu, 2011). Eberhard et al (2011) estimam que um
incremento do comércio energético intrarregional na África Austral tem o
potencial de aumentar o peso da hidroeletricidade no portfolio energético
regional dos atuais 25% para 35%, o que corresponderia a uma redução de
sensivelmente 40 milhões de toneladas nas emissões anuais de dióxido de
carbono da região.
389
Gráfico 2 – Composição dos Portfolios Energéticos das Power Pools Africanas
Fonte: Eberhard et al (2011: 25)
Gráfico 3 – Composição dos Portfolios Energéticos dos Países da Região da
África Austral
Fonte: Kiratu (2011: 4)
390
Energias Renováveis vs Energias não Renováveis
Os Estados da região da África Austral deparam-se atualmente com um
dilema estratégico em termos de escolha dos respetivos paradigmas
energéticos. São chamados a escolher entre os recursos energéticos
renováveis, limpos e virtualmente inesgotáveis, mas também mais onerosos, e
os não renováveis, economicamente mais viáveis no curto-prazo mas
insustentáveis num âmbito temporal mais de longo prazo.
O carvão sempre foi o recurso dominante dos portfolios energéticos da
maioria dos países da África Austral, devido à sua abundância na região e
consequentemente preço mais acessível. No entanto, Mbirimi (2010) ressalva
que, à medida que as diversas autoridades nacionais implementarem políticas
de mitigação e combate às alterações climáticas, o custo associado à geração
de eletricidade derivada de recursos energéticos fósseis subirá, o que tem um
efeito indireto de promoção dos recursos energéticos renováveis como a
hidroeletricidade. Por outro lado, as reservas de carvão não são inesgotáveis, e
a atual exploração deste recurso energético já é mais onerosa do que há
algumas décadas atrás. Aliás, Rosnes et al (2009) estimam que o custo unitário
dos investimentos em centrais a carvão na África do Sul tem vindo a subir,
estando mesmo a atingir valores a rondar os $1500/kW. Tal facto poderá ter
um impacto em termos de redução dos investimentos em novas centrais a
carvão na região, provocando uma quebra calculada à volta de 4000 MW, o
que implicará um interesse renovado nos investimentos na geração e
391
transmissão de hidroeletricidade em países como a República Democrática do
Congo ou em Moçambique.
No entanto, a aposta na hidroeletricidade implica maiores compromissos
financeiros, que por vezes não têm estado ao alcance dos Estados da região
da África Austral. Os projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade
acarretam montantes de investimento na fase inicial significativamente
superiores aos, por exemplo, da geração a carvão. Mbirimi (2010) adianta que
os projetos de geração de hidroeletricidade apresentam custos de capital e
volumes de investimento na fase inicial significativamente superiores aos dos
outros recursos energéticos, pelo que podem tornar-se menos interessantes no
processo de tomada de decisão das autoridades governamentais, avançando
mesmo que construir uma infraestrutura de geração de eletricidade via energia
hídrica com uma capacidade de 1000 MW pode custar sensivelmente o dobro
que uma infraestrutura de geração de eletricidade via carvão. Além disso, a
aposta no potencial de hidroeletricidade existente na região pressupõe
investimentos significativos na expansão das linhas de transmissão e
distribuição transnacionais, de modo a permitir a transferência da
hidroeletricidade gerada no norte da região para o principal consumidor final
que é a África do Sul. Por outro lado, os projetos de geração de
hidroeletricidade compensam os custos de investimentos iniciais superiores
com menores custos operacionais durante a fase da exploração e maiores
períodos de vida útil.
Daqui se retira que o aproveitamento efetivo do potencial de
hidroeletricidade da África Austral passa muito pela capacidade dos respetivos
Estados em conseguir obter financiamento vantajoso nos mercados
392
internacionais, pelo que estes precisam enviar sinais de mercado positivos para
retirar a aversão ao risco que os investidores privados ainda têm para o
financiamento de projetos de recuperação e expansão da capacidade de
geração de eletricidade. Conclui-se assim que o paradigma energético da
África Austral será em grande medida determinado pela capacidade financeira
própria dos diversos Estados-membros e da possibilidade destes se
financiarem convenientemente nos mercados de capitais internacionais. Aliás,
para Mbirimi (2010), a não verificação destes pressupostos até ao momento é
uma das causas fundamentais para a incipiente exploração do potencial de
hidroeletricidade existente na região.
Uma das questões que tem estado mais em cima da mesa no debate
sobre diferentes opções para o paradigma energético da África Austral é a
viabilidade operacional dos projetos de geração de hidroeletricidade num
contexto de crescente imprevisibilidade dos fluxos de precipitação motivada
pelo fenómeno das alterações climáticas, como foi atrás referido. Contudo,
vários autores têm salientado que tal é praticamente uma falsa questão no
cenário da África Austral, dada a subexploração a que este recurso energético
tem sido sujeito. Ramachandran (2009) defende que o potencial de
hidroeletricidade da África Austral está significativamente subexplorado, pelo
que mesmo o impacto das alterações climáticas dificilmente retirará viabilidade
aos projetos de geração e transmissão de eletricidade. O BAD (2010)
concretiza esta tese, estimando que a região da África Austral possui
sensivelmente 1/3 do potencial de hidroeletricidade do continente africano, mas
atualmente explora apenas cerca de 10% do mesmo.
393
Outra solução que pode contribuir para o combate às alterações
climáticas e à mitigação dos seus efeitos nocivos passa pela aposta em
recursos energéticos renováveis alternativos à hidroeletricidade, como as
energias solar ou eólica. Vários países africanos apresentam um potencial de
exploração dos recursos energéticos renováveis que ultrapassa em grande
medida as respetivas necessidades energéticas. Mbirimi (2010) frisa mesmo
que tal se verifica mesmo na potência regional África do Sul, com níveis de
industrialização e emissão de dióxido de carbono muito superiores aos seus
parceiros regionais. Todavia, o mesmo autor ressalva que a promoção dos
recursos energéticos renováveis necessita, pelo menos numa fase inicial, do
apoio das autoridades governamentais, dada a dificuldade e o elevado custo de
reestruturar paradigmas energéticos há muito estabelecidos, pelo forte efeito
lock-in que qualquer paradigma energético acarreta. Este fenómeno é
particularmente relevante no caso da África do Sul, onde o efeito lock-in do seu
paradigma energético baseado sobremaneira na energia fóssil é
significativamente poderoso.
Um dos instrumentos criados para promoção de paradigmas energéticos
sustentáveis e renováveis e para o combate às alterações climáticas é o CDM
(Clean Development Mechanism), um sistema de créditos sobre as emissões
de dióxido de carbono. O CDM propõe-se cobrir a diferença entre os custos
associados às tecnologias de energias não renováveis mais baratas e as
tecnologias de energias renováveis mais dispendiosas, para tornar as últimas
mais atrativas do ponto de vista económico e financeiro (Rosnes et al, 2009).
Quanto mais generalizado e aprofundado for o CDM à escala mundial, maior
será o incentivo para a aposta nas energias renováveis, como a geração de
394
hidroeletricidade à grande e pequena escala ou as energias eólica e solar,
entre outras. Mesmo Moçambique já se comprometeu em alinhar as suas
políticas ambientais com as melhores práticas internacionais, diversificar o seu
portfolio energético com um maior peso das energias renováveis e aproveitar
as potencialidades deste instrumento.
Figura 1 – Potencial de Energia Solar do Continente Africano
Fonte: Ramachandran (2009: 26)
395
Quadro 1 – Potencial de Recursos Energéticos Renováveis em Moçambique
Fonte: Chambal (2010: 13)
396
Considerações Finais
A região da África Austral depara-se atualmente com um dilema
estratégico no setor energético. Por um lado enfrenta uma crise energética
severa, marcada por uma incapacidade de responder adequadamente ao
crescimento do lado da procura de eletricidade. A resposta mais óbvia para
esta situação seria apostar nos recursos energéticos locais mais abundantes,
no caso concreto o carvão. Todavia, tal opção é insustentável no longo-prazo
no que se refere à promoção de um desenvolvimento sustentável. Por outro
lado, a aposta em recursos energéticos alternativos, como as energias
renováveis, implicam um horizonte temporal de desenvolvimento de
infraestruturas que se revela desajustado à resposta às necessidades
energéticas mais prementes.
A África Austral é das regiões do globo que mais têm sentido o impacto
do fenómeno das alterações climáticas, apesar de ser uma contribuidora
irrelevante para o mesmo. Assim, ela vê-se obrigada a, desde já, adotar
medidas de combate e mitigação dos efeitos nocivos deste fenómeno. Uma
das medidas mais relevantes será reestruturar o seu portfolio energético
regional, abandonando o domínio dos recursos energéticos fósseis em favor de
uma aposta mais consistente nas energias renováveis. Para tal, muito
dependerá do compromisso da África do Sul, player dominante no cenário
energético regional, para reduzir a sua geração doméstica de eletricidade pela
via do carvão e começar a depender mais do potencial de hidroeletricidade que
existe na região, nomeadamente em países como Moçambique.
397
Um dos aspetos que tem suscitado maior discussão no debate sobre
diferentes paradigmas energéticos para a África Austral tem sido o eventual
impacto do fenómeno das alterações climáticas na viabilidade da aposta na
hidroeletricidade regional. Com efeito, uma das manifestações mais comuns
das alterações climáticas é o aumento da inconstância e imprevisibilidade da
precipitação, que tem impacto direto ao nível do volume dos caudais dos rios, e
portanto pode colocar obstáculos operacionais à expansão da rede
infraestrutural de geração e transmissão de hidroeletricidade. No entanto, no
caso concreto da África Austral, o potencial de geração de hidroeletricidade é
de tal forma significativo e está ainda estão subexplorados que a questão
dificilmente se coloca em termos de viabilidade técnica e económica dos
projetos de geração e transmissão de eletricidade.
Ainda assim, e por uma questão de robustecimento da segurança
energética da região no longo-prazo, a aposta nas energias renováveis não
deverá recair somente na hidroeletricidade, englobando igualmente as energias
solar e eólica, até porque está empiricamente comprovado e documentado que
a África Austral apresenta um potencial relevante nesta área.
Dois dos maiores obstáculos à ascensão das energias renováveis no
portfolio energético são, por um lado, os maiores volumes de investimento
necessários para a edificação de infraestruturas a elas associadas, e por outro
as tecnologias de ponta que elas comportam e que não são de fácil acesso aos
países da África Austral. Para contornar tais dificuldades, torna-se necessário
que as principais instituições doadoras internacionais criem janelas de
financiamento especialmente direcionadas para o financiamento de
infraestruturas associadas às energias renováveis, no quadro mais amplo dos
398
programas de combate e mitigação das alterações climáticas. Além disso, as
políticas de apoio ao desenvolvimento das grandes potências mundiais
precisam de fazer uma referência explícita e efetiva à facilitação da
transferência de tecnologia entre eles e os PVD.
Em futuras investigações, será importante aprofundar quais os projetos
de geração e transmissão de eletricidade via energias renováveis mais
relevantes na região da África Austral e que impacto estes terão na
recomposição do portfolio energético regional.
399
Referências Bibliográficas
BAD (2010) Southern Africa Regional Strategy Paper 2011-2015, BAD, Tunes
CHAMBAL, Hélder (2010) Energy Security in Mozambique, International
Institute for Sustainable Development, Series on Trade and Energy Security
Policy Report 3, Canada
EBERHARD, Anton; Rosnes, Orvika; Shkaratan, Maria; Vennemo, Haakon
(2011) Africa´s Power Infrastructure: Investment, Integration, Efficiency, World
Bank, Washington D.C.
KIRATU, Sheila (2011) Energy Security in South America and Southern Africa:
Synthesis Report, International Institute for Sustainable Development, Series on
Trade and Energy Security, Canada
MBIRIMI, Ivan (2010) Regional Energy Security Dynamics in Southern Africa,
International Institute for Sustainable Development, Series on Trade and
Energy Security Policy Report 5, Canada
400
RAMACHANDRAN, Vijaya (2009) Power and Roads for Africa: What the United
States can do, Center for Global Development, Washington D.C.
ROSNES, Orvika; Vennemo, Haakon (2009) Powering Up: Costing Power
Infrastructure Investment Needs in Southern and Eastern Africa, Econ Poyry,
Oslo
401
17.5. Lista de Personalidade Entrevistadas
Personalidades Entrevistadas em Portugal
Dr. Jacob Jeremias Nyambir – Embaixador de Moçambique em Portugal
Dr. Nuno Ribeiro da Silva – Delegação da Endesa em Portugal
Dr. Robin de Andrade – Ex-Administrador da Hidroelétrica de Cahora Bassa
Sr. Coronel Costa Brás – Ex-Presidente da Hidroelétrica de Cahora Bassa
Eng. José Gonçalves Guedes – Ex-Director da Hidroelétrica de Cahora Bassa
Prof. Dra. Joana Pereira Leite – Instituto Superior de Economia e Gestão
Prof. Dr. Manuel Ennes Ferreira – Instituto Superior de Economia e Gestão
Dr. Adélio Tschanze - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa
Dr. José Rolo - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa
Dr. Bruno Pereira – Banco Espírito Santo
Dr. André Março - IAPMEI
402
Personalidades Entrevistadas em Moçambique
Dr. Guilherme Mavila – Conselho Nacional de Eletricidade de Moçambique
Prof. Dr. João Mosca – Universidade Politécnica de Moçambique
Dra. Marie Sofie Furu – Embaixada da Noruega em Moçambique
Dr. João Mabombo – Delegação do Banco Africano de Desenvolvimento em
Moçambique
Dr. Momade Piaraly – Direção Nacional de Planificação Ministério da
Planificação e Desenvolvimento
Dr. Francisco Meireles – Embaixada de Portugal em Moçambique
Dr. Jordão Muvale – SADC National Media Coordinator
Eng. Mário Rassul – Delegação da Anadarko em Moçambique
Dr. Rafael Saúte – Delegação do Banco Mundial em Moçambique
Dr. Ricardo Mota – Delegação da RTP em Moçambique
Dr. Gustavo Mavie – Agência de Informação de Moçambique
Dr. Luís Sá – Delegação da Agência Lusa em Moçambique
Prof. Dr. José Chichava – Departamento de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane
Dr. Abílio Madalena – Delegação da Petrogal em Moçambique
403
Dr. Adriano Ubisse – Direção de Investimento e Cooperação do Ministério do
Planeamento e Desenvolvimento
Eng. Augusto Sousa Fernando – Presidente da Eletricidade de Moçambique
Eng. José Nicolau – Consultor Externo do Ministério da Energia de
Moçambique
Eng. Carlos Matos – Delegação da Selfenergy em Moçambique
Dr. Rafael Banguine – Fundo para a Eletrificação Rural de Moçambique
Prof. Dr. Yussuf Adam – Departamento de História da Universidade Eduardo
Mondlane
Dra. Telma Matavel – Direção de Relações Internacionais do Ministério da
Energia de Moçambique
Dra. Laura Nhacale – Direção de Planeamento do Ministério da Energia de
Moçambique
Dra. Maria Gomes – Direção de Relações Internacionais do Ministério da
Indústria e Comércio de Moçambique
Dra. Célia Correia – Instituto Nacional dos Petróleos de Moçambique
Prof. Dr. Carlos Castel-Branco – Instituto de Estudos Sociais e Económicos de
Moçambique
Dr. Pedro Cossa – Centro Coordenador Nacional de Moçambique para
assuntos da SADC (CONSADC)
404
Personalidades Entrevistadas via Email
Dr. Jason Schaffer - Renewable Energy and Efficiency Partnership (África do
Sul)
Eng. Willem Theron - Eskom (África do Sul)
Eng. Decklan Mhaiki – Tanesco (Tanzânia)
Eng. Julian Chinembri - Zesa (Zimbabué)
Eng. Lovemore Chilimanzi - BPC (Botswana)
Eng. Jean-Bosco Kayombo – SNEL (República Democrática do Congo)
Dr. Henk Vogues - Integrative Consulting Solutions (África do Sul)
Dr. Barry Brendenkamp – Sanedi (África do Sul)
Dr. Elijah Sichone - RERA
Eng. Alison Chikova - SAPP
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