Aspectos históricos dos efeitos da evolução do salário mínimo, do ...
Post on 07-Jan-2017
218 Views
Preview:
Transcript
1
Aspectos históricos dos efeitos da evolução do salário mínimo, do mercado de trabalho e da estrutura
tributária sobre o perfil distributivo brasileiro desde meados do século XX
Historical aspects on the effects of changes in the minimum wage, labor market and tax structure on the
Brazilian distributive profile since mid 20th century
Fernando Augusto Mansor de Mattos1
Natassia Nascimento2
ÁREA 3 – HISTÓRIA ECONOMICA
JEL –N36; J31
RESUMO
Este artigo pretende destacar aspectos históricos relacionados à evolução do salário mínimo, à dinâmica do
mercado de trabalho e às transformações na estrutura tributária desde meados do século XX e de seus efeitos
sobre indicadores de evolução do perfil de distribuição de renda no Brasil. Na primeira parte, é analisada a
evolução do índice de Gini desde 1960 até o presente, destacando, qual o papel desempenhado pelo salário
mínimo na determinação dos movimentos no perfil distributivo descritas pelo índice de Gini. Na segunda parte,
é feita uma retrospectiva histórica da montagem da atual estrutura tributária, destacando-se a reforma tributária
de 1967, que consolida as bases sobre as quais se assenta a estrutura tributária até hoje. Desta forma, pretende-
se evidenciar como a estrutura tributária impacta no perfil distributivo medido pelas rendas do trabalho,
avaliando-se alterações no índice de Gini após a incidência de impostos e de transferências, incluindo alguns
dados para efeito de comparação internacional.
ABSTRACT
This article seeks to highlight historical aspects related to the evolution of the minimum wage, the dynamics of
the labor market and changes in the tax structure since mid-twentieth century and its effects on Brazil’s income
distribution profile. The first part analyzes the Gini index and its evolution from 1960 on, emphasizing the role
played by the minimum wage in determining the trajectory of the distributive profile described by the Gini
index. In the second part, a historical retrospective assembly of the current tax structure is made, especially the
tax reform of 1967, which consolidates the foundations on which the tax structure rests today. In this way, it is
intended to show how the tax structure impacts the distributive profile measured by work income, evaluating
changes in the Gini index after the incidence of taxes and transfers, including some data for international
comparison.
PALAVRAS-CHAVE: salário mínimo; mercado de trabalho; estrutura tributária; distribuição de renda;
desigualdade.
KEY-WORDS: minimum wage; labor market; tax structure; income distribution; inequality.
APRESENTAÇÃO
O processo de redução da desigualdade de renda, ocorrido nos anos 2000 e expresso por diferentes
indicadores, recoloca em tela a questão distributiva no Brasil. As modificações recentes no perfil distributivo
estimulam o debate sobre o tema justamente porque representam um movimento pouco comum na trajetória da
desigualdade de renda no Brasil, sociedade marcada, desde a sua constituição, sob o signo da concentração da
renda e da riqueza.
A complexidade da questão da desigualdade, ainda mais em um país com as características do Brasil,
de passado escravista e industrialização tardia, exige uma abordagem conceitual e empiricamente ampla do
tema. Os mais atualizados estudos de especialistas brasileiros no assunto3 vêm destacando a necessidade de um
1 Professor e pesquisador do curso de graduação e do PPGE - UFF. E-mail: fermatt1@hotmail.com
2 Economista pela UFRJ e mestranda do PPGE – UFF. E-mail:natassia18@gmail.com
3 Ver, por exemplo, trabalhos reunidos por Barros et alli (2007) e (2008); assim como Dedecca et alli (2008); Dedecca (2010), (2009),
(2007) e Medeiros et ali (2014), entre outros.
2
aprofundamento dos estudos da evolução recente do perfil distributivo, interpretando-o segundo diferentes
indicadores e pontos de vista. Da mesma forma, a literatura internacional4 e em especial alguns estudos
produzidos por instituições internacionais vêm ressaltando que o tema da desigualdade deve ser discutido sob
uma perspectiva multidimensional, sendo o aspecto econômico apenas um dentre outros, conforme se
depreende, por exemplo, da leitura de documento publicado pelas Nações Unidas em 2005 (UN, 2005).
O objetivo deste trabalho é analisar aspectos históricos da desigualdade econômica brasileira,
utilizando tanto indicadores de renda auferidas no mercado trabalho quanto indicadores de distribuição de renda
mediados pelos efeitos da estrutura tributária brasileira. O que justifica a inclusão de dados relacionados à
estrutura tributária é o reconhecido caráter regressivo da mesma na sociedade brasileira5. Conceitualmente, o
que referenda a escolha dessa abordagem é uma postura consagrada na literatura internacional, desde, pelo
menos, meados do século XX, de avaliar o perfil distributivo a partir do conceito de renda disponível6, um dos
aspectos incluídos em importante e histórico debate travado entre Hicks e Kuznets7.
Desta forma, este artigo está dividido em duas partes. Na primeira parte, é analisada a evolução do
índice de Gini desde 1960 até o presente, destacando, nesse contexto, qual o papel que teve o salário mínimo na
determinação dos movimentos no perfil distributivo descritas pelo Gini.8 Na segunda parte, é feita uma
retrospectiva histórica da montagem da atual estrutura tributária, destacando-se a reforma tributária de 1967,
que consolida as bases sobre as quais se assenta a estrutura tributária até hoje. Nesta segunda parte, alguns
indicadores do perfil distributivo, mediados pela incidência de impostos e de transferências, são analisados,
incluindo dados para uma em breve comparação internacional.
O advento da formação de Estados de Bem Estar Social (Kerstenetzky), notadamente na Europa
desenvolvida, consagrou esta forma de avaliar a desigualdade econômica nesses países, dado o reconhecimento
de que tal fenômeno não deveria ser medido apenas pelos rendimentos auferidos no mercado de trabalho, como
também pelos resultados gerados pelas políticas fiscal (gastos feitos pelos respectivos Estados Nacionais) e
tributária (forma como são cobrados os impostos dos cidadãos de diferentes classes sociais e também das
pessoas jurídicas). No Brasil, esta forma de se medir a evolução e o perfil da desigualdade não é muito
comumente encontrada em estudos sobre desigualdade econômica, apesar do evidente caráter regressivo do
perfil da estrutura tributária, que se soma à expressiva desigualdade gerada pelo mercado de trabalho. Desta
forma, justifica-se a inclusão de uma avaliação do papel exercido pela estrutura tributária sobre o perfil
distributivo, dada a relevância deste esforço e sua ainda pequena presença em estudos sobre desigualdade
4 Como, por exemplo, o recentemente publicado em português Piketty (2015) e sua obra mais famosa, Piketty (2014).
5 Conforme se depreende, entre outros trabalhos, de IPEA (2009a; 2009b; 2011a; 2011b), de Varsano (1996) e de Zockun (2005), sem
olvidar o já clássico estudo de Oliveira (1981). 6 Apropriadamente, OECD (2008) define a renda disponível como a renda auferida no mercado (trabalho, previdência e também
transferências públicas de renda) e também composta por rendimentos auferidos pelos indivíduos e/ou famílias decorrentes da posse
de ativos financeiros e não-financeiros. Neste artigo, pretende-se comparar as alterações ocorridas nos indicadores de desigualdade de
renda do Brasil (e de países selecionados)levando-se em conta apenas o critério da incidência de impostos e de transferências (ou seja,
alterações nos indicadores de desigualdade de renda do trabalho, de diferentes países, antes e depois da cobrança dos impostos e da
ocorrência de transferências por parte das políticas públicas). As dificuldades metodológicas para construir indicadores mais precisos
de renda disponível (como, por exemplo, a falta de uma variável específica para rendimentos de caráter financeiro nos questionários
do IBGE, conforme reclamam Dedecca et alli (2008) impedem, por ora, um avanço maior no sentido de uma avaliação mais acurada
do aspecto econômico da desigualdade brasileira e de sua evolução recente. Mostra-se urgente a necessidade de se elaborar uma
avaliação mais abrangente e multidimensional acerca da evolução da desigualdade brasileira ocorrida nos últimos anos, após período
de indiscutível redução da desigualdade de renda medida pelos indicadores de rendimentos obtidos no mercado de trabalho no Brasil.
Tal realidade representou uma importante reversão de trajetória do perfil distributivo brasileiro, mas que sem dúvida ainda merece se
reestudada de forma mais detalhada, conforme fizeram, por exemplo, Medeiros et ali (2014), em trabalho mencionado neste artigo. 7 Ver: Hicks (1939;1940; 1948) e Kuznets (1948a; 1948b).
8 A justificativa para se tomar a trajetória histórica do salário mínimo real como referência para avaliar a evolução do perfil
distributivo brasileiro está referendada pela literatura que revela não apenas forte correlação entre os indicadores (salário mínimo real
e diferentes indicadores de perfil distributivo), como também que destaca ter tido o salário mínimo, historicamente (e até o presente),
papel decisivo da determinação de ampla parcela dos salários e rendimentos auferidos no mercado de trabalho brasileiro, dadas as
caraterísticas do mesmo: ampla base de baixos salários e rendimentos; relações de trabalho historicamente desregulamentada;
presença de parcelas expressivas vivendo na informalidade; existência de acelerada rotatividade da mão de obra. Souza (1981) advoga
o papel exercido historicamente pelo salário mínimo como um “farol” na determinação de outros rendimentos do espaço ocupacional
urbano e rural; da mesma maneira, Souza e Baltar (1979), Sabóia (1985), Carneiro e Faria (1997), Cacciamali (2005) e Cacciamali et
ali (1994) abordam o tema.
3
econômica. Nas conclusões, são feitas algumas considerações procurando destacar os condicionantes históricos
tanto do processo de determinação do valor real do salário mínimo, como da evolução da estrutura tributária
brasileira, reforçando o papel de ambos na determinação do perfil distributivo brasileiro.
1. Evolução histórica da desigualdade econômica medida pela evolução da renda pessoal
A trajetória do perfil distributivo brasileiro (avaliada segundo as rendas obtidas no mercado de
trabalho), colocada em perspectiva histórica, pode ser ilustrada pelo gráfico I, que apresenta, na mesma
planilha, a evolução do índice de Gini e a da renda per capita desde 1960, a partir de quando há informações
disponíveis para o Gini, medida da desigualdade brasileira adotada neste gráfico9.
Através da análise conjunta dos dois indicadores, pode-se ter uma retrospectiva do comportamento da
desigualdade brasileira à medida que se processava o desenvolvimento econômico nacional10
. O gráfico mostra
nitidamente três diferentes padrões de comportamento da combinação entre desigualdade de renda e
desenvolvimento econômico desde meados do século XX até o início dos anos 2000.
Um primeiro padrão (parte (1)) é delimitado pelo primeiro ano da série (1960) e o ano de 1980, que
foi o último de crescimento expressivo do PIB real na história brasileira (9,2%)11
. Na parte (1) do gráfico
percebe-se, nitidamente, um significativo crescimento do PIB per capita (notadamente a partir de 1967, ano em
que se inicia o chamado “milagre” brasileiro) ao lado de uma importante ampliação da desigualdade de renda
medida pelo Índice de Gini (somente em parte revertida nos últimos anos desse período). Nesse intervalo de 20
anos, ocorreram importante modificações tanto na estrutura produtiva como também na estrutura ocupacional,
pois o processo de industrialização então em curso, que permitiu que a renda real per capita no período
crescesse a cerca de 4,6% ao ano12
, em média, foi acompanhado de formalização do mercado de trabalho,
medida pela ampliação do peso relativo do assalariamento com carteira assinada no conjunto dos ocupados
(Pochmann, 1999). Foi nesse período também que o Brasil se tornou predominantemente urbano, passando de
um índice de 45% da população vivendo nas cidades em 1960, para 56% em 1970 e 68% em 1980. O ritmo de
criação de postos de trabalho na Indústria de Transformação cresceu a uma taxa média anual de cerca de 5,3%,
o que favoreceu o acima mencionado processo de formalização do mercado de trabalho, pois nas atividades
industriais a contratação com carteira assinada tem um peso maior do que em qualquer outra das atividades
produtivas. A despeito da ampliação da desigualdade, o período 1960-1980 mostrou significativa mobilidade
intergeracional, na esteira do processo de industrialização, que permitiu melhoria das condições sociais médias
das famílias brasileiras. Sem embargo, os dados inequivocamente revelam que a repartição dos frutos do
desenvolvimento foi extremamente desigual, e para este resultado teve papel decisivo o contexto político e
econômico do governo civil-militar instalado no golpe de primeiro de abril de 1964. A melhoria ocorrida no
perfil distributivo no final dos anos 1970 foi não apenas modesta (a desigualdade no final dos anos 1970 ainda
era bem maior do que no início dos anos 1960), como também inconsistente e efêmera13
, conforme se percebe
ao analisar os dados dos anos 198014
.
9 O Índice de Gini é uma das medidas mais conhecidas de desigualdade para uma amostra de dados. Ele varia de ZERO (extrema
igualdade) a UM (extrema desigualdade). Quando o índice é igual a UM, significaria a hipotética situação em que um único indivíduo
detivesse toda a renda da economia e os demais não tivessem nada; no caso hipotético de Gini igual a ZERO, significaria que todos os
indivíduos da economia teriam exatamente a mesma renda. Os dados de Gini aqui expostos medem a desigualdade das rendas do
trabalho, não informando nada sobre a chamada distribuição funcional da renda, ou seja, sobre a repartição da renda nacional entre
lucros e salários. No Brasil, tanto a desigualdade entre as rendas do trabalho (forma mais habitual de se medir a desigualdade na
maioria dos países) quanto a desigualdade funcional da renda estão entre as mais altas do mundo. Muitos estudos indicam que a uma
elevada desigualdade na distribuição funcional se relaciona também uma elevada desigualdade na distribuição das rendas do trabalho,
mas esta problemática não será discutida neste artigo. Para mais detalhes sobre esse ponto específico, ver: Mattos (2005); Mattos e
Cardoso (2012); Piketty (1995) e Piketty (2014). 10
A renda per capita representa uma medida do grau de desenvolvimento econômico do país. 11
Crescimento do PIB real significa o crescimento do PIB descontado dos efeitos da inflação. A variação nominal do PIB não retira
os efeitos da alta de preços sobre o cálculo do produto interno bruto. Para efeito de comparação interanual da evolução da renda em
uma economia, usa-se a variação real do PIB. 12
Este e demais dados a seguir mencionados foram calculados a partir das estatísticas históricas oficiais do IBGE. 13
Bonelli e Ramos (1993) atribuem esta queda do índice de Gini no final dos anos 1970 ao fato de ter coincidido com a abertura
política, ao ressurgimento do movimento sindical e – em grande medida por isso mesmo – a mudanças nas regras de reajustes salariais
definidas pelo Estado, com a introdução de reajustes semestrais de salários (e não mais apenas anuais, como vinha acontecendo desde
o início do governo militar instalado em 1964) quando a inflação mostrava ter galgado patamares mais elevados. Com relação à
4
Um segundo padrão é delimitado pelos anos 1980 e 2003, quando o PIB per capita real cresce muito
modestamente, a cerca de apenas 0,25% ao ano, em média, tendo apontado uma trajetória descendente tanto no
início dos anos 1980 quanto no início dos anos 1990, ambos marcados por recessões econômicas. No período
assinalado como parte (2) do gráfico I, a desigualdade oscilou em torno de um patamar bastante elevado,
mostrando sinais de modesto declínio somente no final do período (ou seja, já no início do século XXI). Este
período foi permeado pela democratização do país, que infelizmente coincidiu, no tempo, com a crise da dívida
externa deflagrada no início dos anos 1980, a qual legou, para toda a década, uma herança marcada por
crescimento econômico pífio, acompanhada de desestruturação do mercado de trabalho (aumento da
informalidade e queda real dos rendimentos do trabalho em vários momentos do período). Interrompia-se,
também, o processo de mobilidade social que havia marcado a sociedade brasileira nos anos da industrialização
e do chamado nacional-desenvolvimentismo.
Nos anos 1990, o crescimento médio anual do PIB seria ainda menor do que na década
imediatamente anterior, com o agravante de que o emprego industrial caiu vertiginosamente, tanto durante a
recessão do início da década, quanto ao longo da mesma, com a aplicação da política econômica pós-
implementação do Plano Real (1994) (Baltar, 2003).
GRÁFICO I
Fonte: Microdados da PNAD (IBGE); Censos e Langoni (1973). Elaboração própria, com base em Pochmann (2012).
A tão almejada estabilização de preços foi viabilizada pela mudança dos fluxos financeiros
internacionais, permitindo ao Brasil e a diversos outros países ancorar sua moeda no dólar, estabilizando os
preços internos. Não obstante, no caso brasileiro, esse período de trégua da escalada dos preços não foi
acompanhado de medidas que viabilizassem a criação de um novo padrão de acumulação tendo a atividade
industrial como o centro do processo de desenvolvimento. Ademais, o Plano Real não continha, na sua formulação, mecanismos explícitos de distribuição de renda e o arco de alianças políticas que o sustentou não
revelou compromisso com melhoria do perfil distributivo.
Conforme se verifica no gráfico I, o período pós-estabilização ocorrida em 1994 mostrou apenas uma
modesta redução da desigualdade, embora este não tenha sido sequer um dos objetivos do Plano Real. Mattos e
Cardoso (1999) apontaram que esta efêmera e modesta melhoria do perfil distributivo pós-Plano Real deveu-se
à valorização cambial que ocorreu logo após o lançamento da nova moeda e também aos efeitos - não previstos
- dessa mudança de preços relativos na economia sobre o mercado de trabalho, o qual tem uma peculiaridade:
uma elevada presença, em sua base ocupacional, de trabalhadores de setores de serviços e de comércio de
retomada da trajetória ascendente da desigualdade nos anos 1980, especialmente nos anos finais desta década, os autores se incluem
entre os vários estudiosos que a explicam principalmente pelo recrudescimento inflacionário (e ao baixo crescimento econômico)
ocorrido no período. 14
Entre 1977 e 1981, o índice teve uma queda de cerca de 6%, mas ele volta a subir entre 1981 e 1985, quando cresceu quase 3% e
depois mais cerca de 7% entre 1985 e 1989, quando atingiu o índice mais alto da série: 0,636.
5
setores não-organizados (informais) da economia. A valorização cambial e a recuperação da atividade
econômica ocorrida logo após a estabilização da inflação acabariam por favorecer a renda do trabalho dos
vendedores de serviços e dos profissionais autônomos, mas este efeito durou apenas durante o curto período de
retomada econômica pós-estabilização. Mattos e Cardoso (1999) mostram que os ocupados dos setores de
serviços pessoais e outras atividades que não sofriam a concorrência de produto/serviços importados
conseguiram obter (pelo menos enquanto durou o período de retomada do crescimento da economia brasileira
pós-estabilização de 1994, ou seja, até meados de 1997) um aumento de remuneração um pouco maior do que
ocorreu com os salários dos setores mais organizados da economia, como o setor industrial, por exemplo, que
passou a sofrer os efeitos da concorrência de produtos importados a câmbio baixo, o que acabou debilitando o
poder de barganha dos seus empregados, ainda mais porque também tiveram que passar a discutir reajustes
salariais sob o impacto da livre negociação implementada após a estabilização.
Sendo assim, já que a base do mercado de trabalho possui elevada participação de trabalhadores nos
setores de serviços, um aumento de sua renda acima da média dos reajustes salariais acabaria por reduzir a
desigualdade de rendimentos do trabalho, pelo menos enquanto a economia se manteve aquecida. Essa redução
da desigualdade somente não foi mais expressiva porque não houve uma recuperação significativa do salário
mínimo – e também porque a retomada da atividade econômica não foi duradoura.
Desta forma, a pequena e pouco duradoura melhoria do perfil distributivo, indicada pela queda do
índice de Gini entre 1995 e 1998, deveu-se a circunstâncias fortuitas relacionadas à excessiva valorização
cambial e ao fato de o mercado de trabalho ser desestruturado.
Esta mudança de preços relativos representou, portanto, a principal explicação para a melhoria do
perfil distributivo nos três anos seguintes à implementação da nova moeda. Este fenômeno se desvaneceu
rapidamente, à medida que a economia perdia dinamismo e que o desemprego aumentava, diante das
contradições de uma política econômica que se baseou no binômio juros altos-câmbio valorizado e que –
também importante destacar – não criou mecanismos explícitos de formatação de políticas públicas dedicadas à
redução das desigualdades sociais e econômicas existentes no país.
Deve-se assinalar, também, que a significativa expansão da população urbana no período assinalado
com o número (2) no gráfico (crescimento de cerca de 2,6% ao ano, em média, entre 1980 e 2000), em contexto
de desaceleração da atividade econômica e de desindustrialização15
, promoveu novos movimentos de
desestruturação dos mercados de trabalho urbanos16
, ao mesmo tempo em que, nas atividades agrícolas, dada a
falta da reforma agrária, por um lado, e a expansão de diversos segmentos do agronegócio, de outro, ocorreu
ampliação das diferenças intra e inter setoriais de produtividade, com queda, em números absolutos, do total de
ocupados no setor rural (Belik et alli, 2003).
No referido período não ocorreu uma piora do perfil distributivo17
, comparando-se exclusivamente os
anos extremos da década, mas a estabilização da desigualdade em patamares muito altos, em contexto de um
modesto crescimento da renda per capita, promoveu piora das condições sociais ao longo do período. O baixo
crescimento econômico da década de 1990 resultou em aumento do desemprego, um aspecto central da
desestruturação ocorrida no mercado de trabalho. Estes fatores foram determinantes para a manutenção de uma
elevada desigualdade na última década do século XX (Dedecca, 2003).
Finalmente, um terceiro padrão pode ser percebido a partir de 2003, quando se conjugam uma
trajetória ascendente do PIB real per capita de cerca de 2,4% entre 2003 e 2013 (bem menor do que a que
vigorou nos anos da industrialização sob o nacional-desenvolvimentismo, porém, também diferente – e maior –
do que a do período marcado pela parte (2) no gráfico I) com uma trajetória de redução da desigualdade da
15
O total de pessoal ocupado na indústria de transformação caiu de cerca de 4,9 milhões de trabalhadores, em 1980, para apenas 3,1
milhões em 1995. Dados oficiais do IBGE. 16
Uma ilustração desse fenômeno está, por exemplo, no fato de que a participação das ocupações por conta-própria no conjunto dos
ocupados, passou de 18,4% para 22,5% entre 1989 e 1999, segundo dados das respectivas PNADs. No mesmo intervalo de tempo, a
participação do emprego doméstico subiu de 8,4% para 9,9%. Com relação às ocupações assalariadas, verificou-se, no mesmo
intervalo, uma queda generalizada do grau de formalização em todos os setores de atividade investigados pelas PNADs, conforme
mostrou Baltar (2003). 17
O Gini de 1980 era igual a 0,601, atingindo o ponto mais alto da série em 1989 (0,636), não por acaso o ano de auge do processo
inflacionário, mas voltando a 0,595 em 2000 e encerrando o referido período com 0,583, em 2003.
6
renda do trabalho (o Gini caiu pouco mais que 10% entre 2003 e 2013). Esta redução da desigualdade, porém,
foi suficiente somente para recolocá-la em patamar semelhante à que vigorava antes de 1964.
Existe uma ampla literatura que se debruça na investigação sobre as causas e a dimensão desta queda
de desigualdade, que tem sido analisada sob diversos pontos de vista18
. A forma mais habitual de interpretá-la
ainda é a que leva em consideração a desigualdade pessoal da renda, tomando-se como fonte de informação a
renda declarada nas pesquisas domiciliares, como as PNADs e os Censos, por exemplo. Nestes casos, os
rendimentos têm como origem, principalmente, a renda do trabalho e aqueles provenientes de transferências
definidas pelas políticas públicas.
O que se verifica, na área delimitada pela parte (3) do gráfico I, é que de fato houve redução da
desigualdade pessoal da renda no período em questão. Existe razoável consenso de que a redução recente da
desigualdade foi determinada por fatores pertinentes à dinâmica do funcionamento do mercado de trabalho
(retomada de um processo de formalização do trabalho, com ampliação do peso do emprego com carteira no
conjunto da ocupação; redução do desemprego; desaceleração do número de entrantes no mercado de trabalho,
tanto por motivos econômicos quanto também por razões demográficas) e também por elementos relacionados
às transferências de renda ocorridas para as classes populares, na forma de programas como o Bolsa Família e
outras formas de transferência, como principalmente os relacionados ao sistema previdenciário.
A ampliação do valor real do salário mínimo teve impacto positivo nestas duas vertentes (mercado de
trabalho19
e transferência de renda via políticas públicas, cujos valores estão ancorados no salário mínimo). O
que se debate, no momento atual, é qual o peso explicativo de cada um desses dois aspectos. Além disso,
também tem havido uma ampliação do escopo da interpretação da desigualdade, procurando compreender as
várias formas de sua manifestação, conforme será mencionado nas conclusões deste artigo.
Antes disso, vale interpretar os dois próximos gráficos, através dos quais a análise da evolução
histórica do valor real do salário mínimo pode fornecer mais informações a respeito da evolução da
desigualdade brasileira nas últimas décadas.
O gráfico II apresenta a evolução do valor real do salário mínimo desde sua implementação até o ano
de 201320
. Os dados revelam significativas alterações ao longo do período, tendo atingido seus maiores valores
nos tempos do chamado nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 e seu valor mais baixo no final do
governo Dutra. Registraram-se também quedas importantes logo no início do governo instalado em 1964 e,
anos depois, durante o momento mais agudo da aceleração inflacionária, que correspondeu aos anos 1980 e à
primeira metade dos anos 1990. Por fim, percebe-se uma lenta recuperação a partir da segunda metade dos anos
1990 e uma ascensão mais significativa a partir de 2005/2006.
Uma breve descrição da história de implementação do salário-mínimo e das políticas que o definiram
permitem compreender a trajetória descrita no gráfico II.
GRÁFICO II
18
Um primeiro trabalho de fôlego dedicado a compreender esse fenômeno recente foi o estudo organizado por Barros et alli (2007;
volume I) e Barros et alli (2008; volume II), nos quais estão reunidos trabalhos de diversos pesquisadores com diferentes formações
teóricas e que também analisam o problema da desigualdade brasileira sob diversos pontos de vista. 19
Deve-se registrar que pesquisas e formulações teóricas feitas ao longo dos anos 1970 e 1980 defenderam a idéia (respaldada em
evidências empíricas) de que o salário mínimo não afetava apenas a renda do assalariado formal do mercado de trabalho, mas também
exercia uma importante função como “farol” das remunerações da pequena produção independente, e de todo um amplo espectro de
mão de obra não-qualificada, geralmente depositada no setor informal da economia. Tudo indica que o salário mínimo ainda venha
mantendo este papel até o presente, sendo possível também supor que assim será no futuro. Daí o papel estruturante e relevante
exercido pelas políticas de valorização do salário mínimo em um país cujo mercado de trabalho tem as características do mercado de
trabalho brasileiro. Sobre este assunto, ver: Souza e Baltar (1979) e Baltar e Dedecca (1992). E também artigos reunidos em obra mais
recente, organizada por Baltar, Dedecca e Krein (2005). 20
Os dados estão registrados em valores médios anuais, a preços de 2013.
7
O salário mínimo foi instituído no Brasil no final dos anos 1930, mas foi a partir do Decreto-Lei nº
2162, assinado por Getúlio Vargas, em Primeiro de Maio de 1940, que ele passou de fato a vigorar21
. O salário-
mínimo recebeu seu primeiro reajuste em julho de 1943 e o segundo em dezembro do mesmo ano. Depois
disso, somente em dezembro de 1951, já sob a presidência, novamente, de Getúlio, o salário mínimo seria
novamente reajustado, passando seu novo valor a vigorar a partir de 1952 (Singer, 1986). Depois disso, ocorreu
o polêmico reajuste de maio de 1954, em 100% de seu valor nominal, que havia sido precedido de grave crise
política que levaria à demissão do então Ministro do Trabalho, João Goulart, em fevereiro22
.
O governo Dutra não promoveu qualquer reajuste no salário mínimo. Ao final da década de 1940,
portanto, dado que a inflação acumulada no período foi alta, notadamente por causa do período da II Guerra, o
valor real do salário mínimo havia caído vertiginosamente, apesar de ter tido um aumento real importante em
1943 (no caso, ainda sob a primeira presidência de Getúlio Vargas). Na sua implementação, o salário mínimo
tinha valor real semelhante ao salário médio na indústria de transformação (Souen, 2013). Ao final da década,
porém, “o salário médio industrial já equivalia a 2,4 salários mínimos” (Baltar e Dedecca, 1992).
Nos anos 1950, dada a natureza das coalizões políticas que deram sustentação ao segundo Governo
de Vargas e, depois, ao de Juscelino Kubitschek, houve uma política de sistemáticos reajustes dos valores reais
do salário mínimo, em momento em que a economia vivenciava um importante crescimento do PIB e do PIB
per capita, em contexto da instalação da industrialização pesada no Brasil. Verifica-se uma evolução positiva
expressiva no valor real do salário mínimo no período, sendo que, em 1959, ele atingiu aquele que é, até hoje, o
seu maior valor histórico desde sua implementação23
.
A partir dali, seguiu-se um período de acentuada retração de seu valor real, nos primeiros anos da
década de 1960, por motivos diferentes. Entre 1960 e 1964, a economia passou por um período de estagnação e
a crise política que assolou a sociedade brasileira também veio acompanhada de um aumento dos níveis de
inflação, o que provocou perda do poder de compra dos salários, mesmo tendo o governo Goulart
implementado três reajustes nominais no valor do salário mínimo24
. Entre 1964 e 1967, houve expressiva
21
Para um histórico detalhado e analítico da introdução e evolução do salário mínimo no Brasil e de todas as políticas que o
definiram, ver: Souen (2013), cap. 2. 22
Sobre os fatos envolvidos na discussão sobre o reajuste do salário mínimo de 1954 e sua dramática repercussão política, ver, pelo
menos: Skidmore (1982); Fonseca (1987), capítulo 6; Bastos (2014). 23
Deve-se ter em conta que os reajustes reais do salário mínimo, naquela época, afetavam principalmente os assalariados urbanos,
tendo pouco impacto sobre os rendimentos do setor agrícola, numa época em que este componente representava a maioria da
população e parcela muito expressiva do mercado de trabalho brasileiro. De todo modo, os dados e gráficos mostram que os efeitos
distributivos do salário mínimo foram significativos. Muitos anos depois – mais especificamente a partir da Constituição de 1988 -, a
trajetória do salário mínimo passou a ter maior impacto sobre o conjunto do mercado de trabalho, pois ele passou a valer também para
o setor agrícola, ao mesmo tempo em que se tornou referência para reajustar os valores das transferências sociais, em contexto de
ampliação de políticas públicas que surgem como consequência da promulgação da Constituição Federal de 1988. 24
Antes, o governo Vargas havia promovido dois reajustes no valor do mínimo (um em janeiro de 1952, de 200% em termos reais, e
outro que passaria a vigorar a partir de julho de 54, com reajuste de 100% nominais e que, na prática, representou uma valorização
real de cerca de 70% em relação a julho do ano anterior e de cerca de 37% em relação a janeiro de 1952, data do último reajuste até
0,00
200,00
400,00
600,00
800,00
1000,00
1200,0019
40
1943
1946
1949
1952
1955
1958
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
Salário mínimo real médio anual em R$
8
redução do valor real do salário mínimo, no contexto da política salarial adotada pelo plano gradualista de
combate à inflação do primeiro governo do regime de 196425
. Ainda nos últimos três anos da década de 1960,
embora a economia já estivesse se recuperando, o valor real do salário mínimo sofreu nova queda, adentrando
os anos 1970 com um valor real cerca de 15% menor do que tinha quando fora criado e cerca de metade do que
foi o seu valor real mais alto, registrado em 1959 (e cerca de 45% menor, por exemplo, em comparação com o
valor vigente em agosto de 1954, quando Vargas se suicidou).
Ao longo dos anos 1970, o valor real do salário mínimo manteve-se estável (gráfico II), apesar do
intenso crescimento econômico e do PIB per capita no período. O seu valor real, porém, tornaria a perceber
importante redução a partir do momento que a economia brasileira começou a sofrer os efeitos da crise da
dívida externa, no início dos anos 1980. Nos anos 1990, seu valor real tornava a cair, atingindo em 1994 um de
seus valores reais mais baixos de toda a série histórica (apenas em 1948, 1949, 1950 e 1951 o valor médio anual
foi menor do que o de 1994). A partir da introdução do Plano Real, porém, o poder de compra do mínimo
voltou a recuperar-se, crescendo cerca de 3,8% em termos reais ao ano, em média, entre 1995 e 2002, e cerca
de 5,3% ao ano, em média, entre 2003 e 2012.
GRÁFICO III
Uma avaliação mais conclusiva a respeito da evolução do valor real do salário mínimo em
perspectiva histórica, porém, pode ser feita quando analisada de forma conjunta com a trajetória da renda per
capita. Desta forma, pode-se perceber de forma mais clara os limites e os condicionantes do comportamento do
poder de compra do salário mínimo, em cada contexto, bem como seus efeitos sobre o perfil distributivo.
Assim, o gráfico III demonstra de forma mais elucidativa os movimentos do salário mínimo e
permite uma avaliação relativa (e não absoluta, como no gráfico II) de sua evolução. A trajetória do indicador
exposto no gráfico III (salário mínimo/renda per capita26
) permite aquilatar, de forma mais precisa, o potencial
da evolução do salário mínimo a cada momento histórico, dada a evolução do nível de renda e da produtividade
então), recuperando seu valor real após as significativas perdas provocadas no período Dutra. Depois de Getúlio, JK também
promoveu mais dois reajustes (agosto de 1956 e janeiro de 1959) (Souen, 2013; p. 69), culminando no valor real mais alto da série
histórica (janeiro de 1959) (no interregno Café Filho, não foi concedido nenhum reajuste do salário mínimo; idem para o breve
período de Jânio Quadros). A seguir, em seu encurtado mandato, João Goulart concedeu mais três reajustes, os quais, porém, não
lograram produzir aumentos reais expressivos pois os reajustes foram feitos em contexto de inflação alta e em aceleração, e em
ambiente de estagnação econômica. Para mais detalhes, ver: Sabóia (1985; pp. 46); Souen (2013); Barone, Bastos e Mattos (2015). 25
Ver Barone, Bastos e Mattos (2015), a respeito da controvérsia sobre distribuição de renda no governo militar instalado em 1964 e
sua política econômica. 26
O dado percentual expresso no eixo esquerdo revela a relação entre o valor do salário mínimo mensal médio a cada ano
(numerador) e a renda per capita do respectivo ano (denominador).
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
18%
20%
1940
1943
1946
1949
1952
1955
1958
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
Salário Mínimo Real / PIB per capita (%)
9
média da economia em cada período. Pode-se perceber, por exemplo, que a estabilidade expressa em seu valor
real ao longo dos anos 1970, que foi revelada no gráfico II, na verdade escondia uma situação de ampliação da
desigualdade de renda (e, de certa forma, de aumento da pobreza relativa para parcelas expressivas da
população27
) dentro da sociedade brasileira (conforme a evolução do índice de Gini, expressa no gráfico I, já
havia sugerido), pois, a despeito de o valor real do salário mínimo de fato ter permanecido praticamente no
mesmo patamar comparando-se o primeiro e o último ano da década de 1970 (gráfico II), ele se mostrava cada
vez mais distante da renda per capita brasileira (gráfico III), em momento em que a economia crescia
significativamente e em que o padrão de consumo se diversificava. O expressivo crescimento econômico e a
diversificação do padrão de consumo aumentavam a percepção das necessidades de consumo diante de uma
cesta básica de bens e serviços que se ampliava à medida que o país se desenvolvia, conforme salientou Singer
(1986). Fica claro que, em princípio, havia mais amplas possibilidades econômicas de uma recuperação do
valor real do salário mínimo, nos anos 1970, do que em outras épocas, e, se isso não ocorreu, foi pelos motivos
políticos sobejamente conhecidos. Ao longo dos anos 1980, em contexto de perda de dinamismo econômico,
queda dos rendimentos reais médios e aumento da informalidade, a distância entre o salário mínimo e a renda
per capita brasileira continuou a aumentar (gráfico III) e este distanciamento só não foi mais expressivo porque
a renda per capita cresceu pouco naquele período.
Desta forma, registra-se que, se, por um lado, a literatura econômica batizou os anos 1980 como “a
década perdida”, devido aos lamentáveis índices de crescimento do PIB (ainda mais quando comparados aos
que haviam vigorado desde, pelo menos, meados dos anos 1950 e também entre o final dos anos 1960 até o
final dos anos 1970), poderíamos afirmar sem receio que, do ponto de vista da evolução do perfil distributivo, a
“década perdida” foi a de 1970, pois, ali, em termos econômicos, estavam dadas as condições concretas para
que o salário mínimo tivesse uma forte recuperação de seu valor real, mas o contexto político definido pelo arco
de alianças de classes que participaram do golpe de 1964 optou deliberadamente pela retenção do valor real do
salário mínimo, moldando um padrão de acumulação capitalista ancorado em uma crescente desigualdade
econômica e exclusão social.
Nos anos 1990, percebe-se que a relação salário mínimo/renda per capita manteve-se estável,
revelando que o Plano Real e a política econômica que a ele se seguiu não tinham uma preocupação explícita
com a melhoria do perfil distributivo brasileiro. A partir de 2003, porém, e especialmente de 2005 em diante, a
relação salário mínimo/renda per capita começou a subir, mas esta trajetória ascensional não foi tão expressiva
quanto parecia denotar a trajetória do salário mínimo real tomado isoladamente no gráfico II, no mesmo
período. Isso leva a uma instigante questão acerca da real dimensão da melhoria do perfil distributivo dos anos
mais recentes. Esta mudança positiva, em termos distributivos, é consensual, mas ainda precisa e merece ser
mais bem aquilatada, em seus diversos aspectos, e interpretada em suas causas e limitações.
Um olhar atento para os dados referentes aos últimos anos registrados no gráfico I já sugeriam que, à
medida que o crescimento econômico que vinha ocorrendo desde 2004/2005 perdia dinamismo e levava a
economia a uma quase estagnação, sob o primeiro mandato presidencial de Dilma Rousseff, o perfil distributivo
(expresso pelo índice de Gini) parou de melhorar. Ficavam assim evidentes as dificuldades para continuar a
promover melhorias consistentes e contínuas no perfil distributivo brasileiro (que ainda continua muito
desigual) diante de um cenário de perda de dinamismo econômico.
A análise histórica apresentada neste artigo revela que o crescimento econômico (medido pelo PIB
real ou, ainda mais adequadamente, pelo PIB real per capita) é condição necessária para a recuperação do
salário mínimo. Muitos outros fatores econômicos e, principalmente, políticos também são intervenientes na
determinação da trajetória do valor real do salário mínimo. Ademais, em um país como o Brasil, em que a
informalidade no mercado de trabalho ainda é grande e em que já existe um razoável arcabouço institucional
sob o qual se baseia a elaboração de políticas públicas, a determinação do salário mínimo é elemento central
para a trajetória da renda e de sua distribuição, pois o mesmo não afeta apenas as ocupações formais do
mercado de trabalho, mas também as do setor informal e os valores reais das transferências sociais. Desta
forma, pode-se perceber que o valor real do salário mínimo continua afetando parcela sem dúvida ainda
amplamente majoritária da população brasileira.
27
Conforme argumenta Singer (1988), especialmente no capítulo III.
10
2. A regressividade tributária no Brasil sob perspectiva histórica
As características estruturais do sistema tributário brasileiro foram moldadas pela Reforma Tributária
consolidada em 1967.
Já no final dos anos 1950, eram evidentes os sinais de inadequação do então sistema tributário
brasileiro, após décadas de significativo crescimento industrial e acelerada urbanização. Até o final da década
de 1930, a maior parte da arrecadação do Estado brasileiro repousava em atividades relacionadas ao comércio
exterior. A partir de 1930, com o “deslocamento do centro dinâmico” (Furtado, 1959) representado pelo
crescimento liderado pelo mercado interno e, em particular, pelas atividades industriais, diversas modificações
foram feitas e todas elas tiveram como cerne a ampliação da base de arrecadação voltada para o mercado
interno. Outra característica dessas alterações no sistema tributário no período pós-1930 foi a regressividade do
sistema tributário, com elevado peso de tributos indiretos (que incidem sobre consumo e vendas), ao invés da
tributação direta (incidente sobre a propriedade).
No final dos anos 1950, a inadequação do sistema tributário revelava-se sob diversos pontos de vista.
No que se refere a questões de gestão da arrecadação, registra-se a ausência de correção monetária de imposto
devido e em atraso, o que debilitava a efetiva capacidade arrecadatória do setor público. Também promovia
deturpações no sistema tributário a incidência de impostos em cascata, ao invés de impostos por valor agregado
- mais adequados a uma economia industrializada28
. Do ponto de vista social, também se podem tecer críticas
àquela formatação do sistema tributário, pois o mesmo não carregava elementos mínimos de preocupação com
a correção das distorções da elevada desigualdade de renda que marcou a industrialização brasileira (construída
já após uma herança de elevada desigualdade existente desde a constituição do Estado nacional brasileiro).
Sob o governo João Goulart (1961-1964), a questão tributária se inseria no amplo leque de reformas
que estavam sintetizadas sob a idéia das Reformas de Base, conjunto de mudanças propostas pelo seu governo
para corrigir as conhecidas e denunciadas injustiças sociais brasileiras. Entre elas, destacava-se a Reforma
Agrária, mais mencionada nos debates políticos da época e na interpretação histórica que se faz daquele período
ainda hoje, mas não a única. Também uma reforma tributária com a instalação de impostos progressivos fazia
parte do rol de reformas estruturais que tinham como objetivo não só o crescimento do PIB e o aprofundamento
do Processo de Substituição de Importações, mas também a melhoria da distribuição de renda, formando
mercado consumidor para ampliação da demanda de bens de consumo durável (Melo et al, 2006).
Através das propostas explicitadas no Plano Trienal, elaborado por Celso Furtado, alinhavam-se
também medidas para tornar mais funcional o sistema tributário brasileiro (Furtado, 2011). Muitas dessas
propostas seriam absorvidas pela reforma tributária colocada em prática pelo governo de1964, excetuando-se as
mudanças voltadas a dotar o sistema tributário de maior poder de redução de desigualdades de renda.
Sob o ambiente político e o arco de alianças que sustentaram o regime de 1964 é que se instalam as
mudanças institucionais desenhadas pelo PAEG, dentre as quais se inseririam as medidas da reforma tributária
que se completaria definitivamente em 1967. Entre as reformas estruturais implementadas junto ao PAEG
destacam-se as reformas trabalhistas, a financeira29
e a tributária30
.
O mercado de trabalho sofreu alterações importantes. A estabilidade no emprego para funcionários
que trabalhassem na mesma empresa há mais de 10 anos foi substituída pelo FGTS (Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço). A política salarial, para conter surtos inflacionários, fez o salário real perder poder de
compra. A queda no poder de barganha dos sindicatos com os empregadores fez com que o número de horas
semanais trabalhadas aumentasse nas capitais, e, a partir de 1968, observou-se um crescimento na economia e
redução do desemprego (Singer, 1976) – mas com perfil distributivo crescentemente desigual, conforme
mencionado na primeira parte deste artigo. Estas medidas se inserem em um amplo conjunto de mudança na
28
Da leitura de Oliveira (1981) podem-se destacar como os principais problemas do sistema tributário anterior às reformas
feitas nos anos 1960: eram a cumulatividade dos impostos sobre consumo; aumento progressivo do Imposto de Renda Pessoa
Jurídica (IRPJ) e o aperto no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), tanto com aumento das alíquotas quanto com
mecanismos que evitassem a sonegação. 29
A reforma financeira, apesar de sua evidente importância, não é objeto de análise neste estudo. Para maiores detalhes, ver:
Tavares (1983). E, para os efeitos desta e das outras reformas estruturais sobre o perfil distributivo, ver: Mattos, Bastos e
Barone (2015). 30
Para maiores detalhes a respeito dessas reformas estruturais, consultar: Mattos, Bastos e Barone (2015).
11
regulação das relações de trabalho que acabariam promovendo a piora do perfil distributivo verificada na
primeira parte deste artigo. Ademais, a recessão provocada pelo manejo das variáveis-chave da política
econômica implementada entre 1964 e 1966, já após um relativamente longo período recessivo (entre 1961 e
1964), gerou falência em diversas empresas de médio e pequeno portes, promovendo concentração em diversos
mercados, ampliando as características oligopolistas dos mesmos e reforçando a concentração funcional da
renda. O regime militar, ao adotar diversas medidas de caráter fiscal e tributária, beneficiando empresas de
grande porte, acabaria amplificando as características de um padrão de consumo baseado na concentração da
renda (Oliveira, 1981). Singer (1976) destaca o papel que este ambiente concorrencial teve para a arrecadação
tributária, ressaltando que, quanto mais oligopolizado for um determinado setor, maior a possibilidade de
repassar o aumento dos custos ao consumidor e, portanto, menor a probabilidade de sonegação fiscal. Também
a fiscalização é mais fácil nesta situação, ao invés de um grande número de pequenas empresas.
O objetivo central dessa reforma tributária foi organizar o sistema tributário brasileiro e dar ao Estado
condições de intervir mais fortemente no processo de desenvolvimento econômico do país. Assim, o governo
poderia aumentar sua capacidade de gastos e escolher quais setores favorecer através de isenções tributárias.
Importante ressaltar que, com o governo centralizado, as decisões de investimento e estratégias de
desenvolvimento também ficaram centralizadas – e poderiam ser moldadas ao perfil de acumulação capitalista
que se desejava implementar.
O principal objetivo, portanto, era racionalizar o sistema tributário, adequando-o à nova economia
industrial - construída desde a década de 1930 - e à urbanização crescente do país. O novo sistema tributário
passou a ser interligado em âmbito econômico e jurídico, diferentemente do anterior, que contava com sistemas
autônomos federal, estaduais e municipais. Agora, cabia à Constituição Federal e ao Código Tributário
Nacional (CTN) definir competências e capacidade tributária para cada ente federativo.31
Concomitante a isso, houve a promulgação da Constituição de 196732
e a criação da Secretaria da
Receita Federal em 1968, regulamentando e modernizando a operacionalização e fiscalização da arrecadação
tributária. Como o Brasil estava sob regime autoritário, conflitos e pressões políticas foram mitigados,
“facilitando” as mudanças no modelo tributário existente. Em linhas gerais, a Reforma de 1967 criou um
sistema tributário que reduzia as distorções de mercado, organizou e definiu a cobrança e fiscalização dos
tributos. A tributação passou a incidir sobre base econômica - fato gerador - e não apenas sobre definições
jurídicas, como anteriormente com a Constituição de 194633
.
É importante notar que o Brasil foi um dos primeiros países a substituir o imposto em cascata pelo
imposto sobre valor agregado, utilizando o conceito econômico como fato gerador para incidência tributária.
Outro ponto que merece destaque na Reforma de 1967 foram as limitações ao poder de tributar dos estados e a
redução das transferências (Oliveira, 1981).
Assim, a finalidade do sistema tributário foi alcançar o equilíbrio orçamentário e promover o
crescimento econômico por meio de incentivos fiscais que permitissem acumulação de capital. Os tributos
foram utilizados como instrumento de política econômica, favorecendo uma pequena elite e deixando de lado o
princípio de equidade. Desta forma, consolidou-se o regime de acumulação do governo militar baseado na
31
O CTN regulamentou três tipos de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhoria De acordo com o art. 16 do CTN,
imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica,
relativa ao contribuinte. Os art. 77 a 80 do CTN definem as taxas como cobranças específicas e divisíveis, que apresentam
contrapartida e contribuintes particulares. Finalmente, o art. 81 do CTN define as contribuições de melhoria, que podem ser
cobradas para financiar obras públicas que gerem, obrigatoriamente, valorização imobiliária. 32
Na verdade, o CTN foi promulgado em 1966, mas como a constituição Federal de 1967 o recepcionou, convencionou-se
chamar de Reforma Tributária de 1967 e CTN de 1967. 33
As principais medidas da Reforma de 1967 foram: reuniu os impostos de transmissão inter-vivos e causa-mortis no imposto
de transmissão de bens imóveis; criou o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) em substituição ao Imposto sobre
Consumo, ambos de competência federal; extinção do Imposto do Selo e criação do Imposto sobre Operações de Crédito,
Câmbio, Seguros, Títulos e Valores Mobiliário (IOF), de competência da União; criou o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias (ICM) em substituição ao Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), ambos de competência estadual; a
criação do Imposto sobre Serviços (ISS), de competência municipal; a transferência para a União do Imposto de Exportação,
antes administrado pelos estados; a transferência para a União do Imposto Territorial Rural, anteriormente de competência
municipal; a instituição de tributos especiais sobre combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais; a extinção de
isenção do Imposto de Renda (IR) para diferentes profissões, como jornalistas e professores universitários e a atualização do
valor do IRPF pela correção monetária e possibilidade de pagamento dos tributos em bancos.
12
concentração de renda e riqueza com exclusão social. Isso se deveu, em grande parte, à mudança no perfil da
arrecadação, em favor da esfera federal e dos tributos indiretos, que oneram principalmente os mais pobres, em
detrimento de tributos diretos, que incidem sobre a renda e a propriedade.
A carga tributária brasileira aumentou de 20% para 25% do PIB com as mudanças de 1967, sendo a
maior parte de tributos federais. Com o fim do “milagre econômico” em 1973, o sistema tributário começou a
apresentar falhas. Devido às suas características altamente regressivas, a arrecadação enfraqueceu muito
rapidamente com a queda no ritmo do crescimento e acentuou a desigualdade brasileira.
De acordo com Belluzzo (In: Oliveira, 1981), “a reforma tributária foi guiada pelo critério de
estimular a poupança, na suposição de que dela dependia o crescimento econômico „sadio‟. O resultado foi a
complacência para com as rendas do capital e a sobrecarga contra os rendimentos do trabalho, gerando uma
das mais iníquas sistemáticas tributárias do mundo capitalista”.
Assim, ao incentivar um padrão de acumulação excludente, o sistema tributário mostrou um viés
regressivo e elitista ao privilegiar favores tributários para parcelas do setor privado de maior poder econômico
ou político, em uma sociedade já historicamente desigual. A regressividade não se manifestava apenas pelo
lado da arrecadação, mas também do lado do gasto. O crescimento econômico foi priorizado em detrimento da
questão social, debilitando as necessidades crescentes de gastos em saúde e educação, em contexto de acelerada
urbanização e aumento da renda média da população (Oliveira, 1981; Mattos, Bastos e Barone, 2015). Desta
forma, à desigualdade econômica gerada pelo mercado de trabalho somavam-se elementos relacionados ao
sistema tributário de estrutura regressiva34
.
Com o fim da Ditadura Militar e a restauração do processo democrático, uma nova Constituição foi
elaborada e promulgada em 1988. Ainda que o objetivo primordial da nova Carta Magna não fosse alterar o
sistema tributário, ela trouxe importantes modificações ao modelo de tributação nacional. A Constituição
Federal de 1988 recepcionou os tributos do CTN e incluiu dois novos: o empréstimo compulsório e as
contribuições especiais35
.
No que diz respeito às finanças públicas, a nova constituição estabelecia maior autonomia fiscal aos
estados e municípios, aumento dos repasses da União e desconcentração dos recursos tributários. Ou seja,
visava reduzir a centralização acentuada pelo regime autoritário, restringindo a possibilidade da União em
conceder isenções para tributos estaduais e municipais, antes plenamente permitido. Agora, cada estado poderia
fixar sua própria alíquota no imposto sobre o consumo, o ICMS.
Ao incluir o S (serviços de transporte, telecomunicação, energia elétrica e combustível) ampliou-se a
base de incidência do tributo, que teve sua participação na carga tributária elevada. O ICMS é um dos impostos
que sofrem as maiores críticas por parte dos especialistas tributários já que ele é regressivo e não centralizado,
podendo gerar guerra fiscal entre os estados (Varsano, 1996).
O regime democrático também privilegiou a questão social que, durante a Ditadura, perdeu
prioridade para a questão econômica. Desta forma, a nova Constituição aumentou os gastos públicos e
promoveu descentralização das receitas. Para combater os desequilíbrios fiscais e perdas de recursos, o governo
adotou algumas medidas compensatórias que pioraram a qualidade do sistema tributário.
34
Oliveira (1981) também ressalta o fato de que, do ponto de vista dos gastos públicos, a postura do governo na época
(favorecido pela institucionalidade criada pelas reformas do PAEG) aprofundava o caráter desigual da sociedade brasileira. As
seguintes palavras são esclarecedoras: “os gastos com a infraestrutura econômica e serviços mantiveram-se elevados durante
todo o período, tendo atingido a média de 24% dos Gastos Federais entre 64/66, 23,7% entre 67/69 e 18% entre 70/73. Já os
gastos com bem-estar social se apresentaram declinantes: 4,8% para 64/66, 4% para 67/69 e tão somente 2% entre 70/73,
enquanto Defesa e Segurança aumentaram de 17,9% para 24,1% e 22,8% nos mesmos períodos”. (Oliveira, 1981: 104). 35
Pelo art. 148, fica estabelecido que a União poderá “instituir, mediante lei complementar, empréstimo compulsório para
cobrir despesas extraordinárias por motivos de calamidade, guerra ou investimento público de caráter urgente”. A lei deve
instituir como e quando será a devolução deste “empréstimo” à população. O art. 149 define que “Compete exclusivamente à
União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. Ou seja, a União poderá instituir contribuições para-
fiscais, delegando o trabalho de arrecadar e fiscalizar a outro ente da federação ou, até mesmo, às entidades privadas. Por
exemplo, a contribuição paga ao CORECON e outros órgãos profissionais. A contribuição de iluminação pública é um
exemplo quando a tarefa de arrecadar é repassada a entidades privadas, no caso do Rio de Janeiro, à concessionária de energia
Light.
13
Houve, assim, a instituição de novos tributos e elevação de alíquotas daqueles que não têm repasse
para estados e municípios: (i) Criação da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) em 1989; (ii)
criação do Imposto provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF36
) em 1993; (iii) aumento da alíquota
da Cofins e do IOF em 1990.
Tanto a CSLL como o IPMF são tributos cumulativos, ou seja, em cascata. O sistema tributário
estava, então, regredindo, às falhas que a Reforma de 1967 eliminara. Demais contribuições sociais foram
instituídas enquanto impostos já estabelecidos, como o IPI e o IR, com ampla base de incidência e igual
potencial de arrecadação, foram pouco utilizados, por terem suas receitas compartilhadas.
Em 1995, o IR sofreu mudanças, como a extinção da correção monetária; aumento da alíquota
máxima do IRPF de 25% para 27,5%; e diversas alterações na legislação do imposto de renda incidente sobre
as operações financeiras, como a eliminação da tributação sobre lucros e dividendos.
As frequentes alterações no sistema tributário o tornaram ineficiente, causando distorções nos
mercados, sem resolver a origem do problema: o desequilíbrio nas competências de arrecadar e dos gastos.
O resultado de todas as mudanças arroladas acima é visível no gráfico IV. Nele, percebe-se que a
carga tributária bruta brasileira atingiu, em 2013, 36% do PIB, depois de ter mudado de patamares em diversos
momentos desde que existe a série histórica obtida nas Contas Nacionais (1947).
GRÁFICO IV
Carga Tributária Bruta Brasileira 1947 – 2013
Fonte: elaboração própria a partir de dados do IBGE e da Receita Federal
O gráfico acima mostra claramente a evolução da CTB no Brasil. É possível perceber as mudanças de
patamares: primeiro em 15%, desde quando existe a série histórica, atingindo 20% em 1966, saltando para 25%
a partir de quando se consolida a Reforma Tributária de 1967, ao aumentar a base de incidência e criar novos
tributos37
, mantendo-se nesse patamar até o Plano Real. O ponto fora da curva no início da década de 1990 se
deve ao Plano Collor, que, com medidas extremas de curto prazo, conseguiu um aumento da arrecadação nas
três esferas de governo, reduzindo o efeito Tanzi.38
O Plano Real estabilizou a economia brasileira e deu base a novas incidências como a “reforma” do
IR em 1995. O mesmo também conteve a inflação e a economia apresentou um modesto crescimento inicial, o
que propiciou elevação da receita. Em 2009, porém, devido à crise internacional e às isenções praticadas (IPI
para automóveis, por exemplo), observa-se uma pequena queda na arrecadação tributária brasileira. Já em 2010,
este valor se recupera, junto ao crescimento da economia, atingindo, em 2013, seu maior valor: 36%.
36
Posteriormente transformada na extinta CPMF. 37
A introdução dos impostos por valor adicionado, incidentes sobre uma ampla gama de atividades econômicas como o IPI, do
ICM e do ISS, a ampliação do Imposto de Renda e o aumento de alíquotas de diversos impostos, em seu conjunto, se somaram
para promover uma significativa ampliação da base tributária e, por conseguinte, aumento da carga tributária bruta. 38
O efeito Tanzi decorre da defasagem entre o fato gerador e arrecadação do tributo. Com alta inflação, o governo perde
arrecadação real.
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
19
47
19
49
19
51
19
53
19
55
19
57
19
59
19
61
19
63
19
65
19
67
19
69
19
71
19
73
19
75
19
77
19
79
19
81
19
83
19
85
19
87
19
89
19
91
19
93
19
95
19
97
19
99
20
01
20
03
20
05
20
07
20
09
20
11
20
13
14
O gráfico V ilustra a composição da carga tributária bruta, demonstrando o caráter regressivo da
tributação brasileira. Os tributos diretos, que em tese podem ser progressivos, têm relativamente baixa
representatividade na carga total – notadamente quando se compara com outros países. Mais de 50% da carga
tributária é composta por tributos sobre o consumo (ou seja, tributos indiretos, como o ICMS), enquanto o
imposto sobre a renda e a propriedade representam, somados, apenas 22% da CTB.
GRÁFICO V
Composição da Carga Tributária Bruta por tipo de tributo - 2013
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Receita Federal (2014).
Deve-se ponderar, porém, que mesmo tributos diretos que poderiam ser progressivos, mas têm
alíquotas únicas, como o IPTU e o IPVA39
, acabam se tornando regressivos ao onerarem mais as classes sociais
mais baixas. Sobre o IPTU, vale citar Payeras (2010), que lembra que esse imposto representa 1,62% no estrato
de renda de R$0 – R$400, 1,55% de R$400- R$600 e apenas 1,05% para quem ganha mais de R$6000. Em
compensação, o IR se mostra extremamente progressivo representando 4,12% para rendas acima de R$6000 e
0% para os estratos de rendas de R$0 - R$400 e R$400-R$600. O IR, então, é progressivo, contribuindo para
redução da desigualdade enquanto o IPTU se mostra regressivo, contribuindo para o aumento da desigualdade.
No que tange aos tributos indiretos, Payeras (2010) estimou que a carga indireta é de 21% para
famílias com renda de até R$400; 17,5% para famílias com renda entre R$ 400- R$ 600; e de 10% para rendas
acima de R$ 6000. Essa característica que faz com que a carga tributária indireta seja considerada regressiva40
.
No mesmo sentido, Zockun (2007) estima que os brasileiros com até dois salários mínimos pagam 48,8% de
sua renda com tributos, enquanto os que recebem mais de trinta salários mínimos pagam 26%.
O ICMS, de competência estadual, é o tributo com maior peso na carga tributária indireta das
famílias e, como os gastos em alimentos e habitação representa maior parte da renda dos mais pobres do que
dos ricos, o padrão de consumo das famílias mais pobres está sendo mais tributado do que o padrão de consumo
das famílias mais ricas. O ICMS chega a pesar 11% na renda de famílias de R$0- R$400; 9% para rendas entre
R$400- R$600; e 6% para rendas acima de R$6000 (Payeras, 2010).
A carga indireta sobre alimentação e habitação representa mais de 11% da renda de quem recebe até
R$400, e menos de 3% para rendas acima de R$600. Os tributos indiretos sobre alimentos e habitação acabam
onerando mais os mais pobres. Em compensação, a carga indireta sobre o transporte se mostra progressiva,
representando 1,5% na renda dos mais pobres e 4,77% para a classe mais alta. (Payeras, 2010)
Kerstenetzky (2012), utilizando dados de Lustig (2011), mostra como o índice de Gini da renda de
mercado (A) 41
é pouco alterado após a incidência de tributos diretos e de contribuições sociais (resultando na
renda de mercado líquida (B). Na definição de renda disponível (C), leva-se em conta o efeito das
transferências. Neste caso, há uma redução pequena no índice de Gini, denotando o modesto efeito das
39
IPTU: imposto sobre território urbano, pode ser progressivos, mas na maioria das vezes tem alíquota única, como no Rio de
Janeiro onde é 1,2% para imóveis residenciais. IPVA: imposto sobre propriedade veicular. No estado do Rio de Janeiro, por
exemplo, tem alíquota única de 4%. 40
IPEA (2009a) e IPEA (2009 b) são estudos que confirmam essa avaliação, com base em outras maneiras de organização dos
dados. 41
A renda de mercado é formada pelos rendimentos auferidos no mercado de trabalho além de aposentadorias e pensões.
15
transferências sobre a desigualdade. A seguir, quando se calcula o Gini após a incidência dos tributos indiretos
e subsídios, a chamada renda de pós-fisco (D), o Gini praticamente não se altera.
QUADRO I
Fonte: elaboração própria a partir de dados de Kerstenetzky (2012) e de Lustig (2011).
Desta forma, pelos dados do quadro I, percebe-se a modesta influência de tributos e transferências
sobre a já mencionada (inclusive na primeira parte deste estudo) desigualdade gerada no mercado de trabalho –
notadamente quando se compara com outros países, conforme mostram os dados da tabela 142
.
TABELA 1 INDICES DE GINI EM PAÍSES SELECIONADOS
ANTES E DEPOIS DA COBRANÇA DE IMPOSTOS
antes dos depois dos % da redução do Gini devida a
PAÍSES impostos impostos impostos e transferências
Brasil 0,598 0,571 -4,50
EUA 0,57 0,42 -26,3
Israel 0,58 0,41 -29,3
Reino Unido 0,63 0,41 -34,9
Canadá 0,55 0,38 -30,9
Grécia 0,60 0,38 -36,7
Espanha 0,57 0,38 -33,3
Austrália 0,55 0,38 -30,9
Noruega 0,57 0,38 -33,3
Coréia do Sul 0,44 0,37 -15,9
Polônia 0,65 0,36 -44,6
Alemanha 0,60 0,36 -40,0
Holanda 0,57 0,33 -42,1
Suécia 0,57 0,33 -42,1
Dinamarca 0,56 0,33 -41,1
Suíça 0,47 0,31 -34,0
Fonte: Brasil: IPEA (2011 b); demais países: dados de LuxemburgIncomeStudy, organizados e analisados em ROSER (2014). (*) Dados do Brasil referem-se a 2008/9 (referenciados pela POF); dados dos demais países referem-se a 2012.
Por fim, deve-se registrar que apesar de a desigualdade estar diminuindo no Brasil nos últimos anos,
como evidencia a evolução do índice de Gini, explicitado na primeira parte deste artigo, a concentração de
renda no topo da distribuição vem aumentando, como evidencia o gráfico VI, elaborado por Medeiros et al
(2014). Tal cenário evidencia a necessidade de se estudar mais a fundo a trajetória recente do perfil distributivo
brasileiro. Embora sejam inegáveis os progressos medidos pelos indicadores mais tradicionalmente utilizados
para medir a desigualdade na distribuição pessoal da renda, é preciso registrar a inclusão de dados de renda não
exclusivamente provenientes do trabalho.
42
Os dados da tabela 1, referentes ao Brasil, não são exatamente iguais aos demonstrados no quadro I, pois existe uma pequena
diferença metodológica entre eles. Deve-se ressaltar, entretanto, que em ambos os casos a diferença promovida pela incidência
de impostos e transferências sobre a renda pessoal é quase igual.
Renda de
mercado (A)
Renda de
mercado
líquida (B)
Renda
Disponível (C )
Pós - Fisco
(D)
0,572 0,560 0,546 0,545
16
GRÁFICO VI
Percentual da renda total apropriado pelos mais ricos. Brasil, 2006-2012
Fonte: Medeiros et al (2014).
O gráfico VI, compilado com dados da PNAD e da Receita Federal, mostra que o percentual de renda
auferido pelos mais ricos aumentou nos últimos anos no Brasil. Apesar da maior precisão dos dados da Receita
em comparação aos da PNAD, esses ainda podem estar subestimados, pois não levam em conta dados de
Pessoas Jurídicas no IR. Muitos trabalhadores autônomos (médicos, dentistas, advogados) declaram imposto de
renda como PJ a fim de pagar menos tributos, já que os lucros e dividendos não são tributados no Brasil,
conforme lembram Medeiros et al (2014).A peculiaridade da legislação brasileira, em não tributar lucros e
dividendos no IRPF, foi introduzida na supracitada “reforma” de 1995.
A leitura de Piketty (2014), que argumenta que a desigualdade de riqueza é bem maior do que a
desigualdade de renda (salários), inspira uma investigação mais acurada, sob esse ponto de vista, para o caso
brasileiro, conforme estudo elaborado por Castro (2014), explicitando estatísticas de Gini para renda e também
para riqueza, conforme o quadro II. No caso, o GRB é definido como o índice de Gini da Renda Bruta no Brasil,
ou seja, aquela antes da tributação e das transferências (renda de mercado) e GRI o índice de Gini da Riqueza
total no Brasil, fica claro como a riqueza (patrimônio) está muito mais concentrada do que a renda de mercado.
QUADRO II
Índice de Gini de renda e de riqueza – 2006, 2009 e 2012
Fonte: Castro(2014).
Com isso, pode-se concluir que não só a tributação sobre a renda, mas também sobre o patrimônio
poderia ser mais expressiva a fim de reduzir a concentração no Brasil. É fácil perceber que só programas de
transferências de renda não promovem melhorias substantivas no perfil distributivo em um país como o Brasil.
Ademais da quase neutralidade do sistema tributário, da carga tributária extremamente regressiva, nossos
tributos diretos têm pouca representatividade na carga tributária total.
O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição Federal de 1988, e até hoje não
implementado, poderia contribuir para diminuir a concentração de renda no topo da distribuição. Este tipo de
17
tributo é cobrado efetivamente em diversos países no mundo todo, inclusive nossos vizinhos - Argentina,
Uruguai e Colômbia - ou países de renda per capita menor do que a nossa, com destaque para o caso da Índia.
Além do mais, diversos países tributam a riqueza de diferentes formas, incluindo na base de cálculo
de seus tributos sobre a propriedade jatos, helicópteros e iates, os quais no Brasil não são tributados pelo IPVA
ou por qualquer outro tributo no Brasil.
Desta forma, percebe-se que as mudanças tributárias ocorridas no período e a atual estrutura
tributária certamente contribuíram para agravar a desigualdade de renda do Brasil.
CONCLUSÕES
Este artigo discutiu a evolução da desigualdade econômica brasileira desde meados do século XX sob
dois pontos de vista: em uma primeira parte, avaliando a desigualdade gerada pelo mercado de trabalho, e na
segunda parte, buscando interpretar como a estrutura tributária, notadamente após 1967, afetou o perfil
distributivo na economia brasileira.
Na primeira parte, a análise conjunta de cada um dos três padrões de comportamento verificados no
gráfico I e dos indicadores exibidos nos dois gráficos imediatamente seguintes fornecem elementos importantes
para avaliar a evolução da desigualdade econômica brasileira em perspectiva histórica, destacando como
evoluiu o perfil distributivo (medido por indicadores de renda auferidas no mercado de trabalho) desde a
consolidação da industrialização pesada.
Uma questão que chama a atenção na primeira parte do estudo é a valorização expressiva ocorrida no
valor real do salário mínimo durante o período do chamado nacional-desenvolvimentismo. Não há dados
organizados que permitam avaliar se naqueles anos houve melhoria do perfil distributivo. De todo modo, a
literatura sobre o período ensina que nos anos 1950 ocorreu uma pronunciada transformação no padrão de
consumo, ao lado de um processo de urbanização marcado pela ascensão de camadas médias assalariadas, em
sua maior parte, e com ligação direta ou indireta com as transformações ocorridas no mercado de trabalho
diante do processo de industrialização.
Nos tempos do chamado nacional-desenvolvimentismo, apesar de suas contradições políticas e das
recorrentes crises de balanço de pagamentos, foi possível construir uma aliança de classes em favor da
transformação do capitalismo nacional. Para engendrar o padrão de acumulação capitalista daquele período, foi
preciso criar pelo menos algum grau de fortalecimento do mercado interno, sendo que, para isso, o instrumento
de recuperação do valor real do salário mínimo (conforme aconteceu, especialmente, sob o segundo governo
Vargas e sob o Governo JK) teve papel decisivo. As desigualdades, porém, em suas causas mais estruturais, não
foram eliminadas e nem mesmo diluídas, de tal forma que a sociedade brasileira adentrou os anos 196043
sob
um perfil distributivo extremamente desigual, bastando que a estagnação econômica ocorrida no início dos anos
1960 acirrasse rivalidades sociais e políticas latentes, levando a um desdobramento político dramático.
O regime inaugurado em 1964 moldou um padrão de acumulação excludente, para o qual a
concentração da renda e da riqueza não representou entrave para o crescimento da economia, pelo menos
durante o chamado Milagre Econômico. As reformas institucionais feitas pelo PAEG, o primeiro programa de
governo do regime de exceção instalado em 1964, abriram espaço para que a desigualdade já existente na
sociedade brasileira pudesse ser reforçada no sentido de impulsionar um padrão de consumo que repousava na
demanda por bens e serviços de valores unitários relativamente altos, tendo em vista a renda média da
sociedade brasileira. Para tanto, a política econômica, em seus diversos aspectos, promoveu a ampliação da
desigualdade, quer seja pelas regras de definição da política salarial e da regulação do trabalho, quer seja pela
política tributária regressiva, ou ainda através do padrão de gastos públicos em que às camadas mais altas da
pirâmide distributiva eram destinados os maiores benefícios diretos ou indiretos, conforme mostraram os
argumentos desenvolvidos na segunda parte do artigo.
A análise de indicadores de concentração (no caso, aqui, o índice de Gini) antes e depois da
incidência de impostos e transferências revela os limites e os condicionantes para movimentos de melhoria do
43
Bastos (2014) apresenta uma descrição das dificuldades econômicas que a década de 1950 legou aos anos 1960. No referido estudo,
o autor destaca, entre outros aspectos, o papel que teve o conflito distributivo na crise econômica do período, bem como seus efeitos
políticos, cujo desfecho dar-se-ia com o golpe militar deflagrado em abril de 1964.
18
perfil distributivo brasileiro, explicitando o fato de que a complexa desigualdade brasileira não pode ser apenas
explicada pelo funcionamento do mercado de trabalho.
O primeiro debate organizado sobre distribuição de renda na economia brasileira foi estimulado pelo
contexto do Milagre Econômico do final dos anos 1960/meados dos anos 1970. Aquela realidade ensinou a
todos que não basta haver crescimento econômico para que ocorresse melhoria do perfil distributivo. A
complexidade estrutural da desigualdade brasileira exige uma combinação virtuosa de fatores econômicos e de
elementos políticos que criem as condições para que determinadas coalizões de classes sociais atuem em favor
do enfrentamento do problema da pobreza e do perfil distributivo altamente concentrado que caracteriza a
sociedade brasileira.
O que os indicadores reunidos neste artigo ensinam, antes de mais nada, é que, sempre que houve
descompromisso com a recuperação do valor real do salário mínimo e/ou dificuldades econômicas para
promover seu aumento, o perfil distributivo só fez se deteriorar (mesmo, muitas vezes, já partindo de uma
situação de significativa desigualdade). Mais do que isso, tanto as políticas de definição do valor real do salário
mínimo, como as reformas promovidas na estrutura tributária chamam a atenção para aspectos políticos que
afetam o perfil distributivo de uma sociedade capitalista como a brasileira.
Ademais, a complexidade da desigualdade brasileira exige que a mesma seja avaliada de uma
maneira mais ampla do que a forma mais consagrada pela literatura – ou seja, através das rendas do trabalho ou
destas somadas a outros rendimentos pessoais. É inegável que recentemente houve melhoria do perfil
distributivo, quando o mesmo é medido pelos indicadores de distribuição pessoal da renda. Sob esse critério,
teve papel decisivo a recuperação do valor real do salário mínimo ocorrida, de forma mais consistente, a partir
de 2004/2005 até 2011 ou 2012, dependendo do indicador de desigualdade escolhido. A fragilidade dessa
trajetória, porém, já se revela no fato de que bastaram quatro anos de desaceleração do crescimento
econômico44
, com índices de crescimento do PIB per capita menores do que os que haviam permitido a redução
do índice de Gini ocorrida entre 2002 e 201045
, para que a redução da desigualdade mostrasse também
arrefecimento.
Este artigo incorporou um elemento adicional para retratar a complexa natureza da desigualdade
econômica brasileira, avaliando os efeitos do sistema tributário sobre o perfil distributivo inicialmente gerado
no âmbito do mercado de trabalho, concluindo que o sistema tributário brasileiro representa um fator gerador de
distorção na desigualdade econômica, contrastando com o que ocorre na maior parte dos países desenvolvidos,
nos quais a incidência de impostos e de transferências sociais atenua as desigualdades produzidas pela
exploração do trabalho. Ademais, procurou-se pelo menos chamar a atenção, no âmbito do espaço disponível
para a redação, para trabalhos recentes que demonstram que a desigualdade econômica brasileira é complexa e
comporta diversas formas de interpretação e de medição. A redução recente da desigualdade medida pelo índice
de Gini dos rendimentos do trabalho lança um desafio aos pesquisadores brasileiros e estrangeiros sobre o tema,
não somente pelo evento recente ser pouco encontradiço na história econômica do Brasil, mas também pelo fato
de que a desigualdade em si poderia, e deveria, ser interpretada de forma cada vez mais abrangente e
multidimensional.
BIBLIOGRAFIA
BALTAR, P.E.A. (2003). Estrutura econômica e emprego urbano na década de 1990. In: PRONI, M.W. e
HENRIQUE, W. (org.) (2003). Trabalho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90. SP: Ed. da UNESP.
BALTAR, P.E.A. e DEDECCA, C. (1992). Emprego e salários nos anos 60 e 70. Cadernos do CESIT.
Volume 3, n. 4. IE/UNICAMP (Campinas, 1992).
BARONE, C.; BASTOS, P.P.Z. e MATTOS, F.A.M. (2015). A distribuição de renda durante o “milagre
econômico” brasileiro: um balanço da controvérsia.Texto para Discussão 251. IE/UNICAMP.
44
Não faz parte do objetivo deste artigo discutir causas da desaceleração econômica ocorrida a partir de 2011. 45
Entre 2002 e 2010, o índice de Gini caiu quase 10%, enquanto entre 2010 e 2014 caiu menos de 1%.
19
BARROS, R.P; FOGUEL, M.N.; ULYSSSEA, G. (2007 e 2008). Desigualdade de renda no Brasil: uma
análise da queda recente. Volume 1 (2007) e Volume II (2008); Brasília (DF).
BASTOS, P.P. (2014). Razões econômicas, não economicistas, do golpe de 1964. Texto para Discussão 229.
Campinas: IE/UNICAMP.
BELIK, W.; BALSADI, O.V.; BORIN, M.R.; CAPANHOLA, C.; DEL GROSSI, M.E.; SILVA, J.G.(2003). O
emprego rural nos anos 90. In: PRONI, M.W. e HENRIQUE, W. (org.) (2003). Trabalho, mercado e
sociedade: o Brasil nos anos 90. São Paulo: Ed. da UNESP.
BONELLI, R. e RAMOS, L. (1993). Distribuição de renda no Brasil: avaliação das tendências de longo prazo e
mudanças na desigualdade desde meados dos anos 70. Revista de Economia Política, vol.1, n. 2.
BRASIL (1967). Código Tributário Nacional. Brasília, DF.
BRASIL (1988). Constituição Federal. Brasília, DF.
CACCIAMALI, M. C. (2005). A política de salário mínimo e a sua influência na distribuição de renda. Brasil:
Ministério do Trabalho e do Emprego, Abril 2005. Disponível em: http://www.mte.gov.br/sal_min/t03.pdf
CACCIAMALI, M. C.; PORTELA, E. e FREITAS, E.F. (1994). O papel do salário mínimo nos anos 80: novas
observações para o caso brasileiro. Revista Brasileira de Economia (RBE); 48(1): 29-45; jan-março. Rio de Janeiro. CARNEIRO, F. G., FARIA, J. R. (1997). Causalitybetweentheminimumwageandother wages. AppliedEconomicsLetters,
v. 4, p. 507-510, 1997.
CASTRO, F. Á. (2014). Imposto de Renda Pessoa Física: comparações internacionais, medidas de
progressividade e redistribuição. Dissertação de Mestrado, UnB, 2014.
DEDECCA, C. S. (2010). Trabalho, financeirização e desigualdade. Campinas: Textos para Discussão.
IE/Unicamp, Nº. 174, abril de 2010.
DEDECCA, C.S. (2009). Desigualdade, mas de qual falamos? Texto para Discussão 168. IE/ UNICAMP, out.
DEDECCA, C.S. (2007). A redução da desigualdade no Brasil: uma estratégia complexa. IN: IPEA.
Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília (DF).
DEDECCA, C.S. (2003). Anos 90: a estabilidade com desigualdade. In: PRONI, M.W. e HENRIQUE, W.
(org.) (2003). Trabalho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90. São Paulo: Ed. da UNESP.
DEDECCA, C.S.; JUNGBLUTH, A; TROVÃO, C.J.B.M. (2008). A queda recente da desigualdade:
relevância e limites. Encontro Nacional da ANPEC.
FONSECA, P.C.D. (1987). Vargas: o Capitalismo em Construção. São Paulo: Ed. Brasiliense.
FURTADO, C. (1959). Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
FURTADO, R. F. A. (2013). O Plano Trienal e o Ministério do Planejamento. Arquivos Celso Furtado. Rio de
Janeiro: Ed. Contraponto. Centro Internacional Celso Furtado.
HICKS, J.R. (1939). Valueand capital. Oxford: Calendron Press.
HICKS, J.R. (1940). The valuationofthe social income.Economica, New Series, London,
BlackwellPublishing/London SchoolofEconomicsandPolitical Science, vol. 7, n. 26, May.
HICKS, J.R. (1948). The valuationofthe social income – a commenton Professor Kuznets’ reflections.
Economica, New Series, London, BlackwellPublishing/London SchoolofEconomicsandPolitical Science, vol.
15, n. 59, Aug.
IBGE (2015). Séries Históricas. Carga Tributária Bruta 1947-2009. www.ibge.gov.br. Acesso: 10/07/2015.
IPEA (2011a). Comunicados da IPEA. Equidade Fiscal no Brasil: Impactos Distributivos da Tributação e do
Gasto Social. Número 92. Maio de 2011. Brasília (DF).
IPEA (2011b). Comunicados da IPEA. Gastos com a Política Social: alavanca para o crescimento com
distribuição de renda. Número 75. Fevereiro de 2011. Brasília (DF).
IPEA (2009a). Comunicado da Presidência. Receita pública: Quem paga e como se gasta no Brasil.Número 22.
Junho de 2009. Brasília (DF).
IPEA (2009b). Comunicado da Presidência. Política fiscal e justiça social no brasil: o caso do IPTU.Número
29. Agosto de 2009. Brasília (DF).
IPEA (2007). Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Nota Técnica. In: IPEA.
Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília (DF).
KERSTENETZKY, C. L. (2012). O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão.Editora Elsevier.
KUZNETS, S. (1948a). Onthevaluationof social income – reflectionson Professor Hicks – Part I. Economica,
New Series, London, BlackwellPubl./London SchoolofEconomicsandPolitical Science, vol. 15, n. 57, Feb.
20
KUZNETS, S. (1948b). Onthevaluationof social income – reflectionson Professor Hicks – Part II. Economica,
New Series, London, BlackwellPubl./London SchoolofEconomicsandPolitical Science, vol. 15, n. 58, May.
LANGONI, C. (1973). Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Expressão e Cultura, 1973.
LAVINAS, L. (2014). A Long Way fromTax Justice: The Brazilian Case. Global Labor University (GLU).
OIT.Workingpaper n. 22; april 2014.
LUSTIG, N. (2011). Fiscal PolicyandIncomeRedistribution in LatinAmerica:
ChallengingtheConventionalWisdom.
MATTOS, F.A.M. (2005). Aspectos históricos e metodológicos da evolução recente do perfil distributivo
brasileiro. São Paulo em Perspectiva, v.19, n.2, abr-jun 2005. Fundação SEADE.
MATTOS, F.A.M. e CARDOSO JR., J.C. (1999). Novas evidências acerca da questão distributiva no Plano
Real.Revista Leituras de Economia Política. N. 7, IE/UNICAMP, 1999.
MATTOS, F. A. M.; BASTOS, P. P. Z.; BARONE, R. S. (2015). As Reformas estruturais promovidas pelo
PAEG e seus efeitos distributivos. Texto para Discussão 254, IE/UNICAMP. Junho 2015.
MEDEIROS, M.; SOUZA, P.H.G.F; CASTRO, F.A. (2014). A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil,
2006 a 2012 - estimativas com dados do Imposto de Renda e pesquisas domiciliares. Revista Ciência e Saúde
Coletiva. Acesso em 20 de fevereiro de 2015. Link: http://iepecdg.com.br/uploads/artigos/SSRN-
id2479685.pdf
OECD (2008). Growingunequal? – Incomedistributionandpoverty in OECD countries. OECD, 2008.
OLIVEIRA, F. A. (1981). A reforma tributária de 1966 e a acumulação de capital no Brasil. São Paulo: Ed.
Brasil Debates.
PAYERAS, J. A. P. (2010). Análise da progressividade da carga tributária sobre a população brasileira.
Pesquisa e Planejamento, IPEA. Agosto de 2010.
PIKETTY, T. (2015 [1995]). L‟économie dês inegalités. Paris: La Decouverte. (primeira edição)(em 2015,
publicado no Brasil com o título “A economia da desigualdade”, pela Editora Intrínseca Ltda., RJ).
PIKETTY, T. (2014). O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Ed. Intrínseca.
POCHMANN, M. (2012). Nova Classe Média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo:
Ed. Boitempo.
POCHMANN, M. (1999). O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Ed. Contexto.
PRONI, M.W. e HENRIQUE, W. (org.) (2003). Trabalho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90. São
Paulo: Ed. da UNESP.
RECEITA FEDERAL DO BRASIL (2014). Carga Tributária no Brasil 2013. Brasília, Dezembro/2014.
RECEITA FEDERAL DO BRASIL (2015). Memórias da Tributação no Brasil. <www.receita.fazenda.gov.br>.
Acesso em 10/07/2015.
SABOIA, J.M. (1985). Salário mínimo no Brasil: a experiência brasileira. Porto Alegre: L & PM.
SANTOS, A. L. P. (2014).Estrutura das receitas fiscais da União na crise dos anos 1960 (1960-1968). VII
Encontro de Pós-Graduação em História Econômica, UFF.
SINGER, P. (1976). A crise do “milagre”. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra.
SINGER, P. (1986). Repartição da renda: pobres e ricos sob o regime militar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
SKIDMORE, T. (1982). Brasil: de Getúlio a Castelo (1930 a 1964).Rio de Janeiro: Paz e Terra. (12ª ed.).
SOUEN, J.A. (2013). A política do salário mínimo no Governo Lula. Dissertação de Mestrado. Campinas:
IE/UNICAMP.
SOUZA, P.R.C. e BALTAR, P.E.A. (1979). Salário mínimo e taxa de salários no Brasil. Pesquisa e
Planejamento Econômico. IPEA, Rio de Janeiro, vol. 9 (3), dezembro de 1979.
TAVARES, M.C. (1983). O Sistema Financeiro Brasileiro e o ciclo de expansão recente. In: BELLUZZO, L.G.
e COUTINHO, R. (org.). Desenvolvimento Capitalista no Brasil – n.2. São Paulo: Ed. Brasiliense.
UNITED NATIONS (UN) (2005).TheInequalityPredicament: Reportonthe World Social Situation. NY.
VARSANO, R. (1996). A Evolução do Sistema Tributário Brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões
para futuras reformas. IPEA, texto para discussão 405, 1996.
VARSANO, R. (1981). O sistema tributário de 67: adequado ao Brasil de 80? IPEA.
ZOCKUN, M. H. (2005).Aumenta a regressividade dos impostos no Brasil. Informações – FIPE, n. 297.
top related