3º SEMINÁRIO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS … · ÁREA TEMÁTICA: ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA PARADIPLOMACIA E COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DE CIDADES: O CASO DO RIO DE JANEIRO
Post on 09-Feb-2019
214 Views
Preview:
Transcript
3º SEMINÁRIO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS - ABRI
ÁREA TEMÁTICA: ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA
PARADIPLOMACIA E COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DE CIDADES:
O CASO DO RIO DE JANEIRO
Autores:
Marcos Vinícius Isaias Mendes – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ariane Cristine Roder Figueira – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Florianópolis – SC
2016
Resumo
As transformações sistêmicas que reestruturaram o sistema internacional de forma mais
evidente partir da década de 1990 levaram à crescente participação de atores não-estatais e
governos subnacionais na ação internacional. Nesse contexto, as cidades emergiram
gradativamente como importantes agentes de política externa, quer seja na atração de
investimentos oriundos de fontes estrangeiras, ou na formulação de acordos de cooperação
entre cidades internacionais, para os mais diversos fins. Especificamente no caso do Rio de
Janeiro, verifica-se a presença de importantes ferramentas de governo com estas finalidades,
como, por exemplo, a agência Rio-Negócios, atuante na atração de investimentos
internacionais, e a Coordenadoria de Relações Internacionais, estrategicamente vinculada ao
gabinete do prefeito, com função de promoção internacional da cidade. Assim, este estudo
teve como objetivo avaliar a paradiplomacia no âmbito do Rio de Janeiro, investigando ações,
políticas e estratégias de inserção internacional da cidade, seja mediante ações bilaterais,
seja através da participação em redes multilaterais. O método utilizado envolveu uma revisão
bibliográfica de estudos na área de paradiplomacia, bem como análise longitudinal de
documentos e planos estratégicos do município, seguidos de uma etapa de entrevistas
semiestruturadas com atores públicos dos dois órgãos citados anteriormente. Os resultados
encontrados demonstram que o envolvimento internacional da cidade cresceu
consideravelmente após sua escolha como sede das Olimpíadas de 2016, de modo que este
pode ser entendido como um marco temporal relevante para compreender as iniciativas de
ativismo paradiplomático da cidade, em busca de sua transformação numa smart city.
Palavras-chave: Paradiplomacia; Rio de Janeiro; Olimpíadas
Introdução
Com o processo de globalização, intensificado especialmente a partir dos anos 1990,
surge uma miríade de fatores que acentuam e tornam mais complexa a interação entre atores
no sistema internacional. Desenvolvimento econômico e de negócios, modernização das
infraestruturas de transportes e telecomunicações, maior liberdade de movimento de bens,
serviços e capitais, forte consciência global, voltada para temas estratégicos e de defesa,
como proteção ambiental e luta contra o terrorismo, e formação de comunidades de parceiros
internacionais são elementos que ilustram essa dinâmica complexa. Segundo Sassen (1991),
a dispersão espacial das atividades econômicas e a reorganização da indústria financeira são
ilustrativos do fenômeno, muito influenciados pelos desenvolvimentos em telecomunicações
e em tecnologia da informação. Para Castells (1996, p.77), as características fundamentais
desse processo seriam “global, informacional e baseado em redes”, que estariam
indistintamente entrelaçadas. Entretanto, segundo Bigo (2010), nesse cenário o discurso de
“liberdade de circulação” é frequentemente confundido com o de “velocidade”, tendo em vista
os vários mecanismos de bloqueio à livre mobilidade internacional experimentados em muitos
locais e regiões, em particular as de fronteiras.
Surge no contexto internacional a ideia de “sociedade civil global”, conceito
multifacetado e não livre de controvérsia. Lage (2012) observa que não raro o termo é
entendido como “para além do Estado”, e propõe duas interpretações para esse limite.
Primeiro, a “sociedade civil global” seria entendida como um “conjunto de agentes e um
espaço de interação social que convive com o Estado, sem que isso signifique a
obsolescência ou a superação deste”. Segundo, o termo também pode ser entendido como
“a formação de uma sociedade civil que transpasse as fronteiras do Estado, que não se
confine a elas” (Lage, 2012, p.154).
Nesse ímpeto, emergiram também os termos “Estados glocais” e “cidades globais”,
que podem ser entendidos como agentes daquela sociedade civil global. Brenner (1998, p.1)
enfoca no relacionamento em transição entre a cidade global e o Estado territorial, segundo
o qual a maioria dos estudos sugere que “à medida que a escala global (da cidade) se
expande, a escala do Estado se contrai”. Porém, contrariamente a essa visão, o autor entende
que a escala do Estado não está sendo corroída, mas sendo redimensionada tanto nas
escalas sub como supra estatais, conformando o que ele chama de Estado glocal. Segundo
o autor, esse processo consiste numa estratégia de acumulação importante, através da qual
os Estados glocais buscam promover a vantagem competitiva global de suas principais
regiões urbanas. Portanto, “a formação da cidade global e o redimensionamento do Estado
são momentos dialeticamente interligados de uma mesma dinâmica de reestruturação do
capitalismo global” (Brenner, 1998, p.1).
Desse debate, conclui-se que o Estado-Nação não consiste mais no único agente
capaz de promover o ativismo internacional, ganhando destaque a atuação de governos não
centrais na política externa. Segundo Duchacek (1990, p. 13), na América do Norte e Europa
Ocidental, especialmente por tratarem-se de sistemas federais, governos não centrais “têm
sido cada vez mais induzidos a reagir a eventos internacionais, respondendo ou iniciando
contatos com centros estrangeiros de influência econômica, cultural e política”. Juntamente
com Duchacek (1986, 1990), Soldatos (1990) introduziu no debate acadêmico e deu
fundamentação teórica ao termo paradiplomacia, definido como um aspecto fundamental da
globalização e da regionalização, “através do qual atores sub-estatais e não-estatais
desempenham um papel cada vez mais influente na política internacional” (Joenniemi e
Sergunin, 2014).
A paradiplomacia também é marcante no contexto brasileiro. Gallo (2011) utilizou a
Região Metropolitana de Campinas como estudo de caso para avaliar a paradiplomacia e
inserção internacional da cidade, analisando aspectos como tecnologia, infraestrutura,
investimentos externos e recursos humanos, para defender a tese de que Campinas possui
atrativos suficientes para qualificá-la como agente internacional relevante, ainda que não
possa ser considerada uma cidade global. Outro exemplo foi o estudo de Nunes (2005) que
avaliou a paradiplomacia do estado do Rio Grande do Sul. A autora observou que a
redemocratização ocorrida nos anos 1980, a integração do Cone Sul e a abertura econômica
dos anos 1990 foram motivadores fundamentais para a atuação internacional desse estado,
que desenvolveu uma extensa agenda paradiplomática no período estudado, de 1987 a 2002.
Além desses, outros estudos abordaram a paradiplomacia das cidades de São Paulo
(Medeiros, 2010; Onuki e Oliveira, 2013), Porto Alegre (Salomón e Nunes, 2007) e,
indiretamente, até do Rio de Janeiro (Castro, 2013).
Dado o exposto, a proposta deste artigo é avaliar a paradiplomacia no Brasil,
tomando como estudo de caso a cidade do Rio de Janeiro, tendo como pano de fundo a
indicação da mesma como sede das Olimpíadas de 2016 e considerando o período de 2009
(ano da nomeação) até 2016. É objetivo do trabalho avaliar os interesses por trás da ação
paradiplomática do Rio, bem como prioridades, políticas e estratégias utilizadas em ações
bilaterais e multilaterais. Também busca-se avaliar a estrutura governamental de Relações
Internacionais da cidade e seu posicionamento frente aos governos estadual e nacional.
Assim, busca-se contribuir com a literatura de Relações Internacionais em dois aspectos:
primeiro, explorando a paradiplomacia no âmbito municipal, visto que poucos trabalhos
abordaram o tema no plano da cidade do Rio de Janeiro; segundo, conectando o estudo da
paradiplomacia com o tema das Olimpíadas, com vistas a contribuir para a percepção de
grandes eventos como formas de ação paradiplomática. A operacionalização do estudo se
deu via entrevistas com atores do governo municipal e participação em eventos sobre cidades,
bem como ampla revisão de documentos secundários. Com isso, buscou-se prospectar a
estrutura, os atores e os processos relacionados à atividade paradiplomática da cidade.
O artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução. Na seção
seguinte aborda-se o tema das cidades e sua emergência como atores globais relevantes.
Desde a discussão sobre a cidade global, parte-se para uma análise da paradiplomacia e do
ativismo das cidades na política externa. Em seguida, investiga-se a paradiplomacia no Brasil,
por meio da apreciação de estudos publicados sobre o tema, assim como um balanço da
estrutura institucional de apoio a ações paradiplomáticas no país. Após isso, parte-se para o
caso do Rio de Janeiro, analisando-se as entrevistas empreendidas, a documentação
selecionada e os eventos sobre cidades, dos quais participou-se ao longo da pesquisa. Por
fim, a mote de conclusão, são recuperados os principais debates do artigo e os resultados
encontrados, bem como são feitas propostas para pesquisas posteriores.
Cidades glocais: ‘novos’ polos de poder internacional
Para compreender a influência da globalização na dinâmica da cidade, Saskia
Sassen (1991, 2005, 2010) desenvolveu o epíteto cidade global, caracterizando algumas das
grandes metrópoles do planeta. Segundo a autora, nessas cidades predominam centros de
comando de corporações multinacionais e economias de aglomeração. Elas comportam uma
vasta gama de profissionais qualificados em diversas atividades da economia, especialmente
concentradas no setor de serviços. Esses fatores conduzem a terceirizações de funções
produtivas intermediárias para locais periféricos, contribuindo para fenômenos como alta
concentração de renda e desigualdades socioeconômicas (Sassen, 2005).
Segundo Friedmann (1986), pode-se considerar sete condições características
dessas cidades. Dentre elas, as funções de controle exercidas, refletindo diretamente nas
características do mercado de trabalho, a alta concentração de capital internacional, bem
como o fenômeno das migrações internacionais, além das contradições e custos sociais
muitas vezes ressaltadas nesses polos. Alguns questionamentos importantes são levantados
nesse trabalho. Por exemplo, a polarização de cidades globais no hemisfério norte, tanto nos
Estados Unidos quanto na Europa e Ásia. Por que tão poucos centros urbanos representam
potências globais no hemisfério sul?
Além dos trabalhos seminais de Sassen (1991) e Friedman (1986), outros estudiosos
debruçaram-se sobre o tópico. De acordo com Castells (1996), por exemplo, o estudo dessas
cidades implica numa oposição dialética entre o espaço dos fluxos e o espaço dos lugares,
uma vez que “(...) o fenômeno da cidade global não pode ser reduzido a uns poucos centros
urbanos no topo da hierarquia. É um processo que conecta serviços avançados, centros de
produção e mercados numa rede global” (Castells, 1996, p.411). Nesses termos, o autor
considera essas cidades como espaços de fluxos, de pessoas, de informações, de processos
e de poderes, inevitavelmente associados ao fenômeno da globalização.
Taylor (2000) quantificou a presença de empresas multinacionais (EMN) em
megacidades, identificando 55 cidades globais. O autor observou uma relação positiva entre
o tamanho da economia nacional (Estado) e a distribuição e porte das cidades globais. Hall
(1996), por outro lado, utilizou o conceito de business cycles de Schumpeter para estudar a
influência dos ciclos de inovação tecnológica no crescimento e desenvolvimento urbano. Em
contrapartida, escritores como Harvey (1989, 2005, 2008) levantaram a problemática da
acumulação desenfreada de capital, e suas resultantes socioambientais negativas, processos
evidenciados com maior intensidade nesses locais. Destacam-se também as contribuições de
Bigo (2010) e Grahan (2010) sobre (in)segurança pública e vigilância urbana, incluindo temas
delicados como o terrorismo, que adquirem grande visibilidade nas cidades globais.
Mais recentemente, essa literatura tomou um novo fôlego, conectando revisitações
dos autores clássicos com novas perspectivas sobre o papel das cidades na política
internacional. Acuto (2011) e Acuto e Rayner (2016) avaliaram tanto a evolução do conceito
da cidade global quanto a emergência e relevância da diplomacia das cidades, em particular
via redes multilaterais. Curtis (2011, 2014, 2016) explorou em profundidade o papel das
cidades nas Relações Internacionais e suas consequências para a governança global,
sugerindo a emergência de uma “nova ordem” de atores na política internacional. Além deles,
Ljungkvist (2014), através de uma robusta avaliação empírica de ações antiterrorismo e de
mudanças climáticas em Nova York, defende que o foco nos aspectos econômicos da cidade
global, marcante na literatura clássica, deve ceder lugar para considerações que envolvam o
papel mais amplo das cidades na governança global, indo além do “economismo”.
Um tópico de destaque diz respeito à competição entre cidades globais e centros
urbanos inferiores, na disputa pela atração de investimentos, fenômeno descrito por Arantes
(1996) como guerra dos lugares. Outro aspecto do conflito refere-se ao que Charles Tilly
(1990) interpretou como “cidades representando o capitalismo, e competindo com os Estados,
que representam a coerção” (Tilly, 1990 apud Taylor, 2000, p. 5).
Sobre a relação ora antagônica ora simbiótica entre o Estado e governos
subnacionais, Brenner (1998), em sua teoria do redimensionamento do Estado, diagnostica
uma reconfiguração da territorialidade deste, que passa a operar como locus e propulsor da
globalização, tornando-se um Estado “glocal”. O autor argumenta que há uma ‘não-
coincidência’ territorial entre o momento atual da globalização, os circuitos do capital mundial
e a organização territorial do Estado, que busca artifícios como participação em instituições
supranacionais (ONU, OMC, OMS, dentre outras) para driblar essa assimetria, criando
instrumentos reguladores num patamar acima do nível nacional. Desse modo, “as escalas da
organização territorial do Estado tornaram-se mediadores centrais da tentativa do capital de
maximizar seu comando e controle sobre os espaços e territórios” (Brenner, 1998, p.21).
Assim, segundo Brenner (1998), o Estado territorial nacional transforma-se em
‘glocal’, tendo seu poder redimensionado por instituições supranacionais e regionais/locais. A
partir daí, dados os constrangimentos internos e externos aos quais o Estado está submetido,
muitas vezes impedindo ou engessando ações mais concretas, abre-se espaço para a
diplomacia da cidade, orientada para a promoção de estratégias endógenas de acumulação
e desenvolvimento. Por outro lado, com o fenômeno das cidades globais, intensificam-se a
competição e a cooperação interespacial entre cidades e regiões em escala internacional,
abrindo margem para o aumentos de atividades paradiplomáticas.
Óticas da paradiplomacia no Brasil
No contexto brasileiro, a paradiplomacia tem sido objeto de papers acadêmicos,
teses e dissertações, que se ocupam em estudar a inserção de estados e municípios na
agenda externa do país. Aí encaixam-se trabalhos como os de Vigevani (2006), Vigevani e
Junior (2014), Medeiros (2010), Milani e Ribeiro (2011) e Onuki e Oliveira (2013), que trataram
do tema da paradiplomacia na integração regional, nos dois primeiros casos, e na esfera das
cidades, nos demais. Também merecem destaque as teses de Barreto (2001), que analisou
a atuação internacional do estado de São Paulo entre 1991 e 1998, de Bógea (2001), que
estudou a posição da União frente à ação paradiplomática das unidades federativas
brasileiras, de Lessa (2003), que explorou as circunstâncias nas quais a paradiplomacia pode
enfraquecer o Estado nacional, e de Gallo (2011), que pesquisou o caso da paradiplomacia e
da governança multinível na Região Metropolitana de Campinas. Vale também ressaltar as
dissertações de Farias (2000) e de Rodrigues (2004), que analisaram os benefícios auferidos
pelos estados brasileiros ao engajarem-se em iniciativas paradiplomáticas, e de Nunes
(2005), que investigou a paradiplomacia do estado do Rio Grande do Sul.
Esses estudos sugerem que houve uma intensificação da atividade paradiplomática
no país nos últimos anos. Vigevani (2006) afirma que um fator importante para isso foi a virada
democrática do país, entre 1985 e 1990, posto que a literatura indica que sistemas
democráticos e, particularmente, federativos, são facilitadores do fenômeno. Outro fator é que
que cidades e estados vêm sendo vistos como agentes de desenvolvimento econômico no
país. Milani e Ribeiro (2011), ao corroborarem os pontos anteriores, observam que não há
menção legal à atividade internacional de municípios e estados na constituição brasileira. Por
isso, foi criada em 2005 no Congresso Nacional o projeto de lei 475/2005, a “PEC da
paradiplomacia”, visando formalizar constitucionalmente a atuação internacional desses
atores. A proposta encontra-se atualmente arquivada na Câmara dos Deputados (Fuga, 2014;
Milani e Ribeiro, 2011).
Segundo Vigevani (2006, p. 130), na paradiplomacia brasileira há predominância de
“ações ligadas apenas à low politics, movimentos que não interferem na estratégia
internacional do país, não se relacionando a temas da high politics, como estratégicos ou de
segurança, e nem mesmo a opções econômicas de caráter geral”. Essa é uma possível
justificativa para o arquivamento da PEC da paradiplomacia, tanto para evitar possíveis
guinadas para a high politics de governos não centrais, quanto para preservar a autoridade
do governo federal. Por outro lado, Medeiros (2010) aponta que o grau de mobilização
internacional dos entes subnacionais é extremamente variado, considerando três elementos
para explicar essas diferenças: “localização geográfica, poder econômico e natureza da
organização do estado no qual estão imersos” (Medeiros, 2010, p.170). Desse modo, estados
como São Paulo e Rio de Janeiro, localizados nas regiões mais economicamente privilegiadas
do país, teriam facilidade e tendência maiores para exercerem atividades paradiplomáticas.
No tocante à presença de instituições ou organismos facilitadores ou monitoradores
da paradiplomacia, o Brasil conta com um quadro institucional em desenvolvimento. No
âmbito federal, enquadra-se a criação da Assessoria de Relações Federativas do Ministério
das Relações Exteriores, em 1997. Em 2003, esse órgão foi transformado na Assessoria
Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA), ilustrando o movimento de stop
and go do governo brasileiro, ora fortalecendo o peso do governo federal no controle de ações
paradiplomáticas, ora atenuando-o, conforme observa Vigevani (2006). De acordo com Milani
e Ribeiro (2011), existem associações de municípios que reconhecem a atuação internacional
das cidades brasileiras, dentre elas a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Frente
Nacional de Prefeitos. Também merece destaque o Fórum Nacional de Secretários e
Gestores de Relações Internacionais (FONARI), criado para representar os interesses e
qualificar as ações dos municípios brasileiros relativamente à articulação internacional.
Em termos de estrutura municipal para fomentar as relações internacionais, Milani e
Ribeiro (2011, p.28) observaram, em survey com 72 municipalidades1 brasileiras realizada
durante 2007/2008, o seguinte padrão:
Das 72 cidades pesquisadas: (a) 22 desenvolveram atividades paradiplomáticas, mas não estabeleceram estruturas formais de relações internacionais; (b) 29 possuíam uma área organização formal de relações internacionais; (c) 21 não implementaram atividades paradiplomáticas. Se focarmos no primeiro grupo, podemos observar muitos projetos informais e desconhecidos, a maioria deles localizados nos estados do Nordeste do Brasil.
Comparado aos três elementos citados por Medeiros (2010), pode-se afirmar que o
estudo de Milani e Ribeiro (2011) corrobora a influência da localização geográfica e do poder
econômico nas ações paradiplomáticas, visto que ela é intensa em capitais de estados de
fronteira (paradiplomacia regional), como Belém, Boa Vista, Rio Branco, Porto Alegre, Curitiba
e Florianópolis, bem como nas capitais dos três estados mais ricos do pais, São Paulo, Rio
de Janeiro e Belo Horizonte. Todavia, a natureza da organização do estado não foi um fator
preponderante no estudo de Milani e Ribeiro (2011), haja vista a alta incidência de cidades
sem estrutura formal de relações internacionais que desempenham papel paradiplomático,
particularmente no nordeste brasileiro.
Outro fator importante para a paradiplomacia brasileira diz respeito à posição
hegemônica do país no contexto Sul-americano. Vigevani (2006) sugere que esse processo
1 Os critérios utilizados para seleção desses municípios foram: 1) capital de estado, 2) população maior ou igual a 500 mil habitantes, 3) relevância política, econômica ou cultural em região metropolitana, 4) sedes de centros de pesquisa ou universidade nacionalmente reconhecida, 5) patrimônio histórico ou reconhecida pelo setor de turismo, 6) municípios estratégicos nas fronteiras com outros países e 7) participação em seminários ou eventos relativos a ações municipais de relações internacionais.
pode ser percebido no processo de integração Argentina-Brasil, de 1985, e no Mercosul, em
especial com relação a Uruguai e Paraguai. O Foro Consultivo de Municípios, Estados
Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul (FCCR) é um mecanismo
institucionalizado de debate no bloco, criado em 2004 e possuindo três eixos de ação:
integração fronteiriça, integração produtiva e cidadania regional. Outras iniciativas de
destaque para a paradiplomacia da região: Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul
(CODESUL), a Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino
(CRECENEA) e a Zona de Integração do Centro-Oeste Sul-americano (ZICOSUR). Além
disso, a rede Mercocidades e a Federação Latino-americana de Cidades, Municípios e
Associações (FLACMA) também são associações relevantes para a ação paradiplomática de
governos subnacionais brasileiros (Gallo, 2011).
Olimpíadas e competitividade internacional do Rio de Janeiro
Em outubro de 2009 a cidade do Rio de Janeiro foi eleita para sediar os 33º jogos
olímpicos de verão, ocorridos em agosto 2016. Desde a confirmação do evento, a cidade
envolveu-se em uma verdadeira maratona paradiplomática preparatória. Além de contatos
com delegações e governos de países participantes dos jogos, e organismos como o Comitê
Olímpico Internacional (COI), a cidade engajou-se numa busca por parceiros internacionais
em diversos outros níveis. Consultorias com cidades olímpicas anteriores, cooperações
bilaterais para desenvolvimento de projetos já implementados no âmbito internacional,
cooperações multilaterais via redes internacionais de cidades, ações para a atração de
investimentos externos e parcerias público-privadas com empresas multinacionais para
realização de obras olímpicas são alguns exemplos desse processo.
Nesse contexto, algumas estruturas da administração pública municipal tiveram que
ser criadas ou reestruturadas para apoiar a ação internacional. A Coordenadoria de Relações
Internacionais, por exemplo, uma das mais antigas do Brasil, criada em 1987, teve que ser
completamente revitalizada por conta do evento. A agência Rio-Negócios, criada em 2010
exatamente após a escolha do Rio como sede olímpica, teve a incumbência de atrair negócios
e investimentos para a cidade, pautada em três pilares: promoção comercial, informação e
inteligência de negócios e facilitação. Além dessas estruturas, a Secretaria Especial de
Concessões e Parcerias Público-Privadas (SECPAR) foi criada em 2012 com o objetivo de
fomentar, incentivar e alargar o papel estratégico das parcerias público-privadas,
influenciando fortemente a miríade de projetos que tomou conta da cidade a partir de 2009.
Em decorrência, a bibliografia revisada e a pesquisa de campo empreendida
sugerem que o ambiente de negócios da cidade, bem como sua competitividade internacional,
tiveram um impulso significativo graças ao evento olímpico. Tal constatação é evidenciada ao
se analisar com maior detalhe quatro eixos considerados relevantes para a pesquisa, no
âmbito do Rio de Janeiro, a saber: 1) ações bilaterais e multilaterais, 2) administração pública
e grandes projetos, 3) ambiente de negócios e 4) construção de uma smart city.
Ações bilaterais e multilaterais
Uma prática observada na cidade foram os contatos com outras sedes olímpicas, em
busca de boas práticas. Barcelona, cidade-irmã do Rio de Janeiro, e referência de cidade
olímpica de sucesso, teve influência na obra do Porto Maravilha, por exemplo. Londres foi
alvo de diversas missões por parte dos organizadores do evento, inclusive o prefeito Eduardo
Paes. Houve cooperação com a Transport for London, de projeto técnico na área de
mobilidade urbana; a cidade também contribuiu para a criação da Rio-Negócios, cujo modelo
baseia-se no da agência Think London (hoje London & Partners), criada no contexto das
Olimpíadas de Londres 2012. Los Angeles, Atenas e Pequim também foram visitadas para a
troca de experiências. Além dessas missões, a cooperação bilateral também possibilitou
projetos estratégicos para o Rio. Paris, por exemplo, trouxe know-how nas áreas de
conservação de patrimônio imobiliário público e mobilidade urbana, dado que o projeto Vélib’
inspirou o bikeRio. Nesse tema, Londres e Amsterdã também foram visitadas e trouxeram
contribuições. O projeto do Porto Maravilha teve a influência de Paris, que possui o projeto
Paris Rive Gauche em sua região metropolitana, como também de Buenos Aires, por seu
projeto de revitalização no Puerto Madero, além de Barcelona. O projeto Carro Elétrico
Carioca está sendo implementado com contribuições do projeto Autolib’ de Paris. Ademais, o
número de emergência e o aplicativo “1746” do Rio foram baseados no “311”, de Nova York
(Assessor-Chefe de Relações Institucionais e Cooperação Bilateral, Prefeitura do RJ2).
GRÁFICO 1: Evolução no número de cidades-irmãs e parceiras do Rio de Janeiro
2 Em entrevista concedida em 14 de junho de 2016.
1960196419681972197619801984198819921996200020042008201220162020
0 8 16 24 32 40 48 56 64 72 80 88 96 104 112 120 128
Ano d
e irm
anação
Quantidade cidades-irmãs e parceiras
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em dados fornecidos pela prefeitura do RJ
A cooperação multilateral também se mostrou recorrente no contexto municipal, tanto
via contatos com organismos internacionais quanto com redes internacionais de cidades. De
acordo com o site da prefeitura do Rio de Janeiro, atualmente as principais interações ocorrem
com as redes:
C40 Cities Climate Leadereship Group (em parceria com a Clinton Initiative); ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade); UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa); CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos); Metropolis (Associação Mundial das Grandes Metrópoles); UCCI (União de Cidades Capitais Iberoamericanas); fundações estrangeiras como a Rockefeller e a Konrad Adenauer, e organizações do sistema ONU como a ONU-Habitat, PNUD, UNESCO, UNISDR e Unicef (Prefeitura Rio de Janeiro, 2016).
GRÁFICO 2: Evolução da participação do Rio de Janeiro em redes multilaterais de cidades
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em dados fornecidos pela prefeitura do RJ
Tais redes propiciaram uma série de ações na cidade. Por exemplo, a participação
do RJ na preparação da conferência ONU Habitat, fortemente influenciada pela CGLU. A C40
também se mostra relevante, especialmente por seu atual presidente ser o prefeito do RJ. A
Leading Cities motivou a realização de laboratórios denominados Smart City Lab, envolvendo
atores da prefeitura, empresas privadas, universidades e ONGs, para debater desafios
urbanos e soluções inteligentes (Assessora-Chefe de Cooperação Multilateral, Prefeitura do
RJ3). Outro caso de destaque foi a parceria do Centro de Operações do Rio de Janeiro (COR)
com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para otimização de métricas e
indicadores para o primeiro, bem como a parceria com a National Aeronautics and Space
Administration (NASA), para o intercâmbio de informações e tecnologia meteorológica
(Assessor Especial do COR4).
Outro ponto significativo para a internacionalização foram os grandes eventos, que
permearam a agenda da cidade de forma consistente desde 2010, como estratégia da
3 Em entrevista concedida em 23 de maio de 2016. 4 Em entrevista concedida em 31 de maio de 2016.
19801984198819921996200020042008201220162020
0 5 10 15 20
Ano d
e a
desão
Quantidade de redes
administração municipal. Os principais foram: Fórum Econômico Mundial, em 2010; V Jogos
Mundiais Militares, em 2011; Rio+20, em 2012; Jornada Mundial da Juventude, em 2013;
Copa do Mundo, em 2014; Aniversário de 450 anos do Rio, em 2015, culminando com as
Olimpíadas de 2016. Além deles, a participação em conferências internacionais também
aponta para a forte presença internacional do Rio. A COP21 em 2015 em Paris é um caso de
destaque, particularmente pela assinatura de pacto sobre mudanças climáticas, negociado no
âmbito do C-40 (Assessora-Chefe de Cooperação Multilateral, Prefeitura do Rio de Janeiro5).
Administração pública e grandes projetos
No âmbito da administração pública municipal, foram investigadas evidências da
aplicação dos preceitos do New Public Management, ou NPM, (Bresser Pereira, 1998, 2001),
buscando-se observar o uso desses princípios e sua associação com o incremento da
competitividade da cidade. Algumas evidências do uso do NPM foram: utilização frequente de
funcionários temporários, não concursados (gerencialismo, downsizing), uso de sistema de
meritocracia e bonificações no pagamento de servidores (assimilação de políticas do setor
privado), formação continuada e como instrumento de estímulo à produtividade, através, por
exemplo, do projeto Líderes Cariocas (uso de métricas e indicadores, feedbacks sobre
resultados), redução de burocracias, inserindo flexibilidade e agilidade na atuação da
prefeitura, evidenciado pelo estímulo ao uso de Parcerias Público-Privadas, ou PPP,
(flexibilidade, eficiência). Os excertos de entrevistas abaixo ilustram alguns desses
mecanismos.
A própria criação do COR e da SECPAR pode ser entendida como incremento da
competitividade internacional do Rio. Criado em 2010, O COR é uma estrutura de apoio e
monitoramento da cidade nas áreas de defesa civil, mobilidade urbana e prevenção de
acidentes, possuindo autonomia e apoio de todas as secretarias no âmbito municipal. Seu
objetivo é tornar a cidade mais resiliente e segura, via prevenção de ocorrências e
coordenação de operações de combate a chuvas fortes, deslizamentos, incêndios etc. Por
sua vez, a SECPAR foi criada para incentivar, coordenar e monitorar o uso de PPP no âmbito
municipal. A ação desse órgão foi essencial para fomento das PPP do Porto Maravilha, do
Parque Olímpico e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), criadas no âmbito das obras olímpicas
(Coordenador de Estruturação de Projetos da SECPAR, Prefeitura do Rio de Janeiro6).
Ainda nesse contexto, os relatórios “Estudo dos impactos e do legado dos Jogos Rio
2016”, produzido pela COPPE/UFRJ em 2014 para envio ao COI, e “Planejamento Estratégico
2014-2017”, produzido pela Autoridade Pública Olímpica (APO), são ilustrativos da
5 Em entrevista concedida em 23 de maio de 2016. 6 Em entrevista concedida em 31 de maio de 2016.
preparação municipal para recebimento dos jogos. O primeiro documento teve um triplo
objetivo: compreender os impactos dos jogos, apoiar futuras cidades olímpicas e criar uma
base de conhecimento acerca dos impactos e legados do evento (COPPE/UFRJ, 2014).
Através de uma análise minuciosa, o documento analisou o nível de preparação da cidade e
seus possíveis impactos nas esferas ambiental, sociocultural e econômica, através de 36
áreas foco e 22 tópicos temáticos. Já o segundo relatório foi elaborado pela APO, autarquia
criada em 2011 pela junção de governo federal, estadual e municipal do Rio de Janeiro, para
acompanhamento dos jogos. O relatório contempla uma visão geral da elaboração do
planejamento estratégico da autarquia para o período de 2014 a 2017, incluindo as funções
do órgão, seu modus operandi, indicadores e métricas de resultados.
Ambiente de negócios
Quanto ao efeito dos jogos na atratividade de investimentos e negócios para o
município, a agência Rio-Negócios teve um papel categórico desde que o Rio venceu o bid
olímpico. Fundada em 2010, a organização opera prestando serviços gratuitos de consultoria
a potenciais investidores na cidade, atendendo a questões acerca de legislação municipal de
negócios, localização de clusters, procedimentos operacionais para abertura de empresas,
dentre outros pontos considerados nevrálgicos por investidos internacionais na cidade
(Executiva de Relações Institucionais da agência Rio-Negócios7).
Um exemplo de ação recente da agência é o ambicioso projeto de 11 eventos
estratégicos a ocorrer ao longo de 2016, o Casa Rio, unindo líderes de negócios, investidores,
financiadores, fornecedores, “C-levels” e empreendedores, afim de fomentar investimentos
produtivos na cidade. Os encontros são organizados em 6 setores estratégicos para a
economia carioca: Energia (especialmente Óleo e Gás), Infraestrutura e Real Estate, Saúde
e Heath Care, Tecnologia (Telecom e High Tech Startups), Indústria Criativa (em especial
Mídia e Fashion) e Finanças (com foco em Seguros e Resseguros). A ideia surgiu através de
benchmarking dos Jogos Olímpicos Londres 2012, que promoveu atividades similares,
culminando em 14 projetos de investimento para a cidade (Executiva de Relações
Institucionais da agência Rio-Negócios8).
Nesse sentido, os relatórios DataRio (Rio-Negócios, 2015) e Doing Business in Rio
(Ernest & Young e Rio-Negócios, 2014) são instrumentos produzidos no intuito de auxiliar
potenciais investidores na cidade. O primeiro trata de dados estatísticos e informações
pontuais nas áreas: demografia, infraestrutura, economia, capital humano, qualidade de vida,
turismo, internacionalização urbana e setor de petróleo e gás no âmbito o Rio de Janeiro. O
7 Em entrevista concedida de 25 de maio de 2016. 8 Em entrevista concedida de 25 de maio de 2016.
segundo apresenta uma visão holística sobre o modus operandi de negócios na cidade,
contando com informações sobre padrões temporais de Foreign Direct Investment (FDI),
estrutura corporativa, sistemas de impostos, perfil da força de trabalho, dentre outras
informações relevantes para empreendedores, em especial investidores internacionais.
Uma preocupação legítima diz respeito ao ambiente de negócios da cidade no pós-
olimpíadas, levantada em boa parte das entrevistas empreendidas. Uma grande capacidade
hoteleira foi construída para comportar não só os Jogos Olímpicos, mas a pletora de eventos
ocorridos desde 2010. Conforme entrevistas, também houve aumento no número de bares e
restaurantes, e outras atividades que se capitalizam via turismo. Um desafio para a prefeitura
está sendo desenvolver estratégias para a manutenção do fluxo de atividades nesses locais
após 2016.
Construção de uma smart city
Smart city é um conceito recente, que está em processo de desenvolvimento no
âmbito das ciências sociais e exatas há um certo tempo. No Rio de Janeiro, particularmente
pela conjuntura de obras olímpicas e reestruturação urbana para sediar o evento, o tema
tomou força nos últimos anos. Em 2016, apenas no primeiro semestre, pôde-se participar de
5 eventos que, direta ou indiretamente, trataram do tema da smart city carioca. O primeiro
deles ocorreu na escola de negócios da UFRJ, e chamou-se Fórum Coppead em Smart Cities.
O encontro contou com a participação de representantes do governo, da academia e de
empresas, para discutir seis questões selecionadas dentro do tema, no contexto da cidade:
sustentável, resiliente, digital, global, ágil e saudável. Ao final foram propostas em plenária
ações a serem estudas e projetos a serem desenvolvidos em cada uma das áreas.
Outro evento de destaque ocorreu em março de 2016, contando com a participação
do geógrafo inglês David Harvey da City University of New York. O seminário intitulou-se
“Cidades Rebeldes e Espaços de Esperança”, e apresentou uma linha crítica sobre as obras
olímpicas. Alguns dos pontos contemplados foram: violência urbana, especialmente contra
mulheres e LGBTs e outros problemas de segurança na cidade, segregação sócio espacial
das obras olímpicas, priorizando áreas abastadas da cidade, bem como a marginalização da
moradia e do transporte público. Esses temas estão em sinergia com o relatório Megaeventos
e Violação dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro (Comitê, 2015), produzido com o intuito
de problematizar o benefício efetivo da copa do mundo de 2014 e das olimpíadas de 2016
para a população carioca. Esses destaques vêm ao encontro das teorizações de Castells
(1996), Sassen (2010) e Harvey (2005, 2008), que abordam o problema da desigualdade e
segregação urbana na metrópole global.
Outro caso foi o seminário internacional Resiliente Cities, Smart Citizens, organizado
pelo consulado holandês no Rio de Janeiro e pela Waag Society em junho de 2016. Também
contou com importantes atores do setor público, de empresas, especialmente startups, e da
academia, objetivando fomentar a discussão de iniciativas de smart cities desenvolvidas na
Europa, especificamente na Suíça, Holanda, e Itália, e no Brasil. O evento foi estruturado em
quatro áreas de debate: políticas, cidades resilientes, cidadão inteligentes e visionários.
Também destaca-se a iniciativa da prefeitura do Rio juntamente com a rede Leading
Cities, fomentando o Smart City Lab, que contou com duas rodadas até o momento, realizadas
em maio e julho de 2016. Os laboratórios ensejaram juntar representantes da prefeitura, de
empresas privadas, universidades e ONGs, para debater soluções inteligentes para a cidade.
A perspectiva adotada foi a apresentação dos projetos já existentes no âmbito de cada
instituição participante e, a partir daí, fomentar a cooperação e desenvolvimento conjunto de
outros projetos. Essa iniciativa vem de encontro ao discurso público do secretário de Ciência
e Tecnologia da cidade, Franklin Coelho, no sentido de aproveitar os megaeventos para
reconstruir a imagem do Rio de Janeiro como uma smart city.
No momento em que somos escolhidos para sediar a Copa do Mundo e a Olimpíada, é fundamental apostarmos numa recuperação da identidade desta Cidade não só por sua vocação turística e referência histórica e cultural brasileira, mas também pelas possibilidades que oferece seu imenso parque científico e tecnológico de consolidar a visão estratégica do Rio como Capital do Conhecimento e da Inovação. Esta nova agenda estratégica da cidade terá que integrar caminhos de uma cidade digital, inteligente, criativa e sustentável. Estes são imensos desafios (Prefeitura Rio de Janeiro, 2010).
Corroborando ações no sentido acima referido, recentemente a cidade conquistou
duas premiações de destaque na área de cidades inteligentes: o World Smart City 2013, pelo
projeto do COR, e o prêmio InovaCidade 2015, pela PPP do Porto Maravilha.
Considerações Finais
Revisitando a teoria da cidade global, o artigo buscou dar visibilidade para o
desenvolvimento e aplicação desse conceito, inicialmente através de seus autores seminais.
Em seguida, partiu-se para uma análise mais ampla das contribuições de autores
contemporâneos. Disso, destacou-se a teoria do redimensionamento do Estado, da qual
derivou-se o acrônimo “cidade glocal”, remetendo ao papel dual da cidade entre a atuação
regional e o esforço de inserção global. Discutiu-se também parte de uma literatura bastante
recente sobre o tópico, focando nos trabalhos de Acuto e Rayner (2016) e Curtis (2014, 2016),
que analisam a amplitude do tema dentro das Relações Internacionais, evidenciando sua
relevância crescente e intensificada pela globalização.
Após fundamentado o conceito acima, partiu-se para a análise da paradiplomacia.
Nesse caso, abriu-se a discussão para a paradiplomacia no Brasil, através de uma breve
revisão sobre os principais autores e estudos na área. Explorou-se o arcabouço institucional
do país no fomento a essas atividades, de modo a embasar o debate sobre o ativismo
internacional da cidade do Rio de Janeiro.
Constatou-se que o ativismo paradiplomático do Rio foi influenciado tanto por sua
condição de cidade global, conforme constatado por Friedmann (1986), como pela
qualificação como sede dos muitos eventos que abrigou desde 2009, culminando com as
Olimpíadas de 2016. Demonstrou-se em detalhe neste artigo os diversos movimentos
bilaterais e multilaterais de cooperação da cidade com outras cidades, redes e organizações
internacionais. Verificou-se, inclusive, a implantação de mecanismos de aumento de eficiência
no governo municipal, muito influenciados pelos preceitos do NPM. A análise empreendida
permite inferir que o objetivo dessa dinâmica foi converter o Rio numa smart city, com o
subsequente incremento de sua competitividade internacional.
Finalmente, ressalta-se que este estudo teve um carácter mais exploratório que
avaliativo, de modo que essa pode ser uma primeira recomendação para estudos seguintes.
Avaliar o impacto da ação paradiplomática do Rio nas políticas públicas urbanas e seu legado
para a cidade, quer seja em setores específicos ou em análise multisetorial. Outra
possibilidade seria avaliar a evolução do ativismo internacional pós-olimpíadas, ou ainda a
mudança ou preservação no perfil internacional da cidade com a troca de prefeitos ou de
partidos políticos. Ainda, estudos que avaliem as prioridades da cidade na busca por
cooperações internacionais seriam recomendados, haja vista a multiplicidade de temas e
projetos que motivaram a atuação internacional do Rio identificados nesta pesquisa,
impossibilitando a detecção de interesses prioritários.
Bibliografia
ACUTO, M. Finding the global city: an analytical journey through the ‘invisible college’. Urban Studies, v.48, n.14, p.2953-2973, 2011.
ACUTO, M.; RAYNER, S. City networks: breaking gridlock or forging (new) lock‐ins? International Affairs, v.92, 2016.
ARANTES, A. 1996. The war of places: symbolic boundaries and liminalities in urban space. Theory, Culture and Society, v.13, n.4, p.81-92.
AUTORIDADE Pública Olímpica. 2014. Planejamento Estratégico 2014-2017. Disponível em <http://www.apo.gov.br/wpcontent/downloads/Planejamento_Estrategico_documentofinal.pdf > Acesso em 05 julho 2016.
BARRETO, M. 2001. Gestão estratégica do poder executivo do estado de São Paulo frente ao processo de integração regional do Mercosul. Tese (Doutorado em Administração) – Escola de Administração de Empresas da FGV – EAESP. Fundação Getúlio Vargas, São Paulo.
BIGO, D. 2010. Freedom and speed in enlarged borderzones. In: SQUIRE, V. (org.). The contested politics of mobility. Borderzones and irregularity. London: Routledge.
BRENNER, N. 1998. Global cities, glocal states: global city formation and state territorial restructuring in contemporary Europe. Review of International Political Economy, v.5, n.1, p.1-37.
BRESSER PEREIRA, L. 1998. A reforma do estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Revista Lua Nova, v.45, n.98, p.49-95.
____. 2001. Do estado patrimonial ao gerencial. In PINHEIRO, WILHEIM & SACHS (orgs.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia. Das Letras, p. 222-259.
BÓGEA, A. 2001. A diplomacia federativa: do papel internacional e das atividades externas das unidades federativas nos Estados nacionais. Tese (XLII Curso de Altos Estudos) – Instituto Rio Branco. Ministério das Relações Exteriores, Brasília.
CASTELLS, M. 1996. The rise of the network society. Sussex: Blackwell Publishing Ltd. CASTRO, D. 2013. Governança urbana empreendedorista e megaeventos esportivos. Geo
UERJ, v.15, n.24, p.37-60. COMITÊ Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro. 2015. Megaeventos e Violação
dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Disponível em < http://www.childrenwin.org/wp-content/uploads/2015/12/DossieComit%C3%AA-Rio2015_low.pdf > Acesso em 05 julho 2016.
COPPE/UFRJ. 2014. Estudo dos Impactos e do Legado dos Jogos Rio 2016. Disponível em < https://www.rio2016.com/sites/default/files/parceiros/ogi_rio_2016_r1_eng1.pdf > Acesso em 06 julho 2016.
CURTIS, S. Global cities and the transformation of the international system. Review of International Studies, v.27, n.4, p.1923-1947, 2011.
____.The power of cities in International Relations (cities and global governance). London: Routledge, 2014.
____.Cities and global governance: State failure or a new global order? Millennium: Journal of International Studies, v.44, n.3, p.455-477, 2016.
DUCHACEK, I. 1986. The territorial dimensions of politics: within, among and across nations. Boulder: Westview Press.
____. 1990. Perforated sovereignties: towards a typology of new actors in international relations. In: SOLDATOS, P.; MICHELMANN, H. (orgs.). Federalism and International Relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press.
ERNEST & YOUNG e RIO-NEGÓCIOS. 2014. Doing Business in Rio: Brazil in the path of a sustainable future. Disponível em < http://rio-negocios.com/wp-content/uploads/2015/06/Doing_Business_In_Rio_2014.pdf > Acesso em 06 julho 2016.
FARIAS, D. 2000. Federalismo e Relações Internacionais. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais da UnB. Universidade de Brasília, Brasília.
FRIEDMANN, J. 1986. The world city hypothesis. Development and Change, v.17, p.69-83. FUGA, P. 2014. Governos subnacionais e relações internacionais: o caso dos municípios
brasileiros. Revista Cippus, v.3, n.2, p. 68-92. GALLO, A. 2011. Relações Internacionais e atores subnacionais: um estudo da inserção
internacional da região metropolitana de Campinas. 241f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
GRAHAN, S. Cities under siege. New York: Verso, 2010. HALL, P. Globalization and the world cities. United Nations University/Institute of Advanced
Studies, n.12, 1996. HARVEY, D. From managerialism to entrepreneurialism: the transformation in urban
governance in late capitalism. Geografiska Annaler. Series B: Human Geography, v.71, n.1, p.3-17, 1989.
____. 2005. The political economy of public space. In: LOW, S., SMITH, N. (orgs.). The politics of public space. London: Routledge.
____. 2008. The right to the city. New Left Review, v.53. JOENNIEMI, P.; SERGUNIN, A. 2014. Paradiplomacy as a capacity-building strategy: the
case of Russia’s northwestern subnational actors. Problems of Post-Communism, v.61, n.6, p.18-33.
LAGE, V. 2012. “Sociedade Civil Global”: agentes não estatais e espaço de interação na sociedade política. Contexto Internacional, v.34, n.1, p.151-188.
LESSA, J. 2003. A paradiplomacia e os aspectos legais dos compromissos internacionais celebrados por governos não-centrais. Tese (XLIV Curso de Altos Estudos) – Instituto Rio Branco. Ministério das Relações Exteriores, Brasília.
LJUNGKVIST, K. The global city 2.0: an international actor beyond economism? Uppsala: Acta Universitatis Upsaliensis, 2014.
MEDEIROS, M. 2010 ¿Necesita São Paulo uma política exterior? Hegemonía, diplomacia y paradiplomacia en Brasil. América Latina Hoy, v.56, p.163-186.
MILANI, C.; RIBEIRO, M. 2011. International relations and the paradiplomacy of Brazilian cities: crafting the concept of local international management. Brazilian Administration Review, v.8, n.1, p.21-36.
NUNES, C. 2005. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. 163f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul.
ONUKI, J.; OLIVEIRA, A. 2013. Paradiplomacia e relações internacionais: a experiência da cidade de São Paulo. Centro de Estudos das Negociações Internacionais.
PREFEITURA RIO DE JANEIRO. 2010. Franklin Dias Coelho é o novo Secretário Especial de Ciência e Tecnologia. Disponível em < http://www.rio.rj.gov.br/web/sect/exibeconteudo?article-id=919467> Acesso em 21 de junho de 2016.
____. 2016. Cooperação Multilateral. Disponível em < http://www.rio.rj.gov.br/web/relacoesinternacionais/cooperacao-multilateral> Acesso em 21 julho 2016.
RIO-NEGÓCIOS. 2015. DATARio: the city in numbers. Disponível em < http://rio-negocios.com/wp-content/uploads/2015/04/Relatorio-Data-Rio-Ingles.pdf > Acesso em 06 julho 2016.
RODRIGUES, G. 2004. Política Externa Federativa: Análise de ações internacionais de Estados e Municípios Brasileiros. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
SALOMÓN, M.; NUNES, C. 2007. A ação externa dos governos subnacionais no Brasil: os casos do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre. Um estudo comparativo de dois tipos de atores mistos. Contexto Internacional, v. 29, n.1, p.99-147.
SASSEN, S. 1991. The global city: New York, London, Tokyo. Princeton/Oxford: Princeton University Press.
____. 2005. The global city: introducing a concept. Brown Journal of World Affairs, v.11, n.2, p.27-43.
____. 2010. Sociologia da globalização. Porto Alegre: Artmed. SOLDATOS, P. 1990. An exploratory framework for the study of federated-states as foreign
policy actors. In: SOLDATOS, P.; MICHELMANN, H. (orgs.). Federalism and International Relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press.
TAYLOR, P. 2000. World cities and territorial states under conditions of contemporary globalization. Political Geography, v.10, p.5-32.
VIGEVANI, T. 2006. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municípios brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n.62, p. 127-169.
VIGEVANI, T.; JUNIOR, H. 2014. Autonomia, Integração Regional e Política Externa Brasileira: Mercosul e Unasul. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v.57, n.2, p.517-552.
top related