Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho
Instituto de Geocincias e Cincias Exatas
Campus de Rio Claro
Introduo Matemtica aos Modelos
Cosmolgicos
Nilton Flvio Delbem
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao Mestrado Prossional em Ma-
temtica Universitria do Departamento de
Matemtica como requisito parcial para a ob-
teno do grau de Mestre
Orientador
Prof. Dr. Wladimir Seixas
2010
516.36
D344i
Delbem, Nilton Flvio
Introduo Matemtica aos Modelos Cosmolgicos/ Nilton Flvio
Delbem- Rio Claro: [s.n.], 2010.
144 f.:il., gs.
Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Insti-
tuto de Geocincias e Cincias Exatas.
Orientador: Wladimir Seixas
1. Geometria Diferencial. 2. Teoria e Histria da Cosmologia. 3.
Teoria da Relatividade. 4. Mtodos Matemticos. I. Ttulo
Ficha Catalogrca elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP
Campus de Rio Claro/SP
TERMO DE APROVAO
Nilton Flvio Delbem
Introduo Matemtica aos Modelos Cosmolgicos
Dissertao aprovada como requisito parcial para a obteno do grau de
Mestre no Curso de Ps-Graduao Mestrado Prossional em Matemtica
Universitria do Instituto de Geocincias e Cincias Exatas da Universidade
Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, pela seguinte banca examina-
dora:
Prof. Dr. Wladimir Seixas
Orientador
Prof. Dr. Manoel Borges Ferreira Neto
Ibilce - Unesp/So Jos do Rio Preto
Prof. Dr. Henrique Lazari
IGCE - Unesp/Rio Claro
Rio Claro, 15 de Outubro de 2010
Agradecimentos
Sou extremamente grato ao meu pai Altamiro, a minha me Jandira e a minha irm
Flvia, pela ateno, apoio, amor incondicional e por sempre acreditarem em mim mais
do que eu mesmo. Se hoje consigo alcanar mais este objetivo em minha vida, isto se
deve ao fato de sempre t-los ao meu lado, incentivando e dando foras nesta longa
caminhada.
minha av Adelaide em especial, que no pode acompanhar o desfecho deste
trabalho, mas que foi fundamental para o incio de tudo, servindo de fonte de inspirao
para superar os obstculos e os momentos difceis pelos quais passei. V no sei como
agradecer todo o carinho e tudo o que fez por mim, mas posso dizer que esta conquista
nossa.
Ao meu orientador Prof. Dr. Wladimir Seixas pela orientao presente e motiva-
dora, pelos ensinamentos, ateno, pacincia e principalmente pela conana deposi-
tada em meu trabalho e a amizade cultivada durante este perodo.
Ao Prof. Dr. Manoel Ferreira Borges Neto pela amizade, por seus ensinamentos, por
sua pacincia e generosidade, pelas sugestes, conselhos e dicas informais em momentos
de difceis escolhas. Em especial por acreditar em meu trabalho e por ser um excelente
professor que me forneceu uma base slida para que pudesse seguir adiante em meus
estudos.
A todos os professores que tive durante o mestrado pela boa qualidade dos cursos
que ministraram e pela amizade que cultivei com todos eles durante este perodo.
A todos meus amigos de curso. Obrigado pela amizade, generosidade, ateno,
apoio e a oportunidade de ter cursado meu mestrado com pessoas to fantsticas e
especiais. Saibam que levarei para sempre um pouco de cada um comigo.
Aos meus amigos de repblica Juraclio (Jura), Gustavo, Henrique e Ribamar
(Ribamlios). Realmente no tm como agradec-los o tanto que zeram por mim.
Obrigado.
A todos os amigos que convivi na poca da repblica R.C.R. em So Jos do Rio
Preto, que sempre me deram fora, motivao e apoio nesta caminhada.
Em especial aos amigos Artur, Cassius, Cleiry, Daniel Veronese, Elder, Fabio Ma-
chado (Fabinho), Iger, Jos Maro (Maranho), Juliana Scapim, Leandro Martinelli
(Uru), Luiz Fernando (Fefa), Oreste, Pedro Alexandre (Pedro), Reginaldo Izelli, Ro-
berto Cavali (Bob), Rodrigo (Grutinha), Tatiana Miguel (Tati ), por diversos motivos,
entre eles: o apoio, a troca de conhecimento (matemtico, histrico, a vivncia, etc.),
o calor humano que me passaram, as brincadeiras, os jogos de futebol, os momentos de
conversa e descontrao nos banquinhos da Unesp de Rio Preto, as festas, os churrascos
e tantas outras coisas que me proporcionaram a alegria e o prazer de ter convivido com
todos.
Agradeo a Deus e a Nossa Senhora de Aparecida por iluminar e me proteger por
estes caminhos e por fazer com que eu encontrasse pessoas maravilhosas em minha
vida.
Voc no sabe
O quanto eu caminhei
Pr chegar at aqui
Percorri milhas e milhas
Antes de dormir . . .
(Composio: Toni Garrido / Lazo / Da Gama / Bino)
Resumo
Esta dissertao tem a proposta de organizar, discutir e apresentar de maneira
precisa os conceitos matemticos de variedade diferencivel e de tensores envolvidos
no estudo da Cosmologia sob o ponto de vista da Teoria da Relatividade Geral para
o modelo de Friedmann-Lematre-Robertson-Walker. Busca-se assim apresentar um
texto didtico que possa ser utilizado tanto nos cursos de graduao em Matemtica
como de Fsica para uma disciplina optativa de Introduo Matemtica Cosmologia.
Palavras-chave: Geometria Diferencial, Teoria e Histria da Cosmologia, Teoria da
Relatividade, Mtodos Matemticos.
Abstract
The goal of this dissertation is to organize and discuss in a rigorous way the mathe-
matical concepts of manifolds and tensors needed to the study of Cosmology and the
Friedmann-Lematre-Robertson-Walker model under the point of view of the General
Relativity. In this way, this dissertation was written as textbook that could be used in
an undergraduate course of Physics and Mathematics.
Keywords: Dierential Geometry, Theory and History of Cosmology, Relativity The-
ory, Mathematical Methods.
Lista de Figuras
2.1 Modelo Pirocntrico de Filolau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.2 Sistema Heliocntrico proposto por Coprnico . . . . . . . . . . . . . . 27
2.3 Modelos cosmolgicos de Ptolomeu, Coprnico e Tycho Brahe . . . . . 29
2.4 Nebulosa M51, hoje conhecida como galxia Rodamoinho . . . . . . . . 36
2.5 Todos os universos de Friedmann comeam com uma exploso. . . . . . 47
2.6 Dois modos de imaginar o Universo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
3.1 Superfcie regular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
3.2 Espao Tangente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
4.1 Referenciais Inerciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
4.2 Referenciais R e R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Sumrio
1 Introduo 15
2 Histria da Cosmologia 17
2.1 O que Cosmologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2 As Origens Cosmolgicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.3 Os grandes cosmlogos da Antiguidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.4 A Cosmologia na Renascena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.5 O Mecanicismo de Ren Descartes. A Teoria da Gravitao de Isaac
Newton e o Determinismo de Pierre Simon Laplace . . . . . . . . . . . 30
2.6 Conhecendo o Universo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.7 O surgimento das Teorias de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.8 Modelos Cosmolgicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.9 Modelos de Friedmann-Lematre-Robertson-Walker para o Universo . . 46
3 Geometria Riemanniana 53
3.1 Histria da Geometria Diferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.2 Curvas em Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 583.2.1 Curvas Parametrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
3.2.2 Vetor tangente e curva regular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
3.2.3 Comprimento de arco de uma curva . . . . . . . . . . . . . . . . 60
3.2.4 Curvas de Frenet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3.2.5 As equaes de Frenet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3.3 Superfcies Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3.3.1 Curvas na Superfcie. Plano Tangente e Vetor Normal. . . . . . 67
3.4 As Formas Fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
3.4.1 A Primeira Forma Fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
3.4.2 A Segunda Forma Fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.5 O Teorema Egregium de Gauss e as Equaes de Compatibilidade. . . . 77
3.6 Variedade Diferenciveis e Tensores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.6.1 Variedade Diferenciveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.6.2 Espaos Tangente e Dual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
3.6.3 Tensores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
3.6.4 O Tensor Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
3.6.4.1 Propriedades de Tensor de Riemann . . . . . . . . . . 92
3.6.4.2 Tensor de Ricci e Escalar de Curvatura . . . . . . . . . 92
3.7 Toro e Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
3.7.1 Contribuies de lie Cartan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
3.7.2 O mtodo do quase-paralelogramo de lie Cartan . . . . . . . . 95
4 Relatividade 99
4.1 Origens da Teoria da Relatividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
4.1.1 A Teoria Especial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
4.1.2 A Invarincia das Equaes de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . 100
4.1.3 Teoria Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.1.4 O Pensamento mais feliz de Einstein. . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.2 A Relatividade Especial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
4.2.1 Transformaes de Lorentz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
4.2.1.1 Referencial Inercial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
4.2.1.2 A Transformao de Galileu . . . . . . . . . . . . . . . 108
4.2.1.3 A Transformao de Lorentz . . . . . . . . . . . . . . . 109
4.2.2 A Relatividade de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
4.2.2.1 Consequncias da Relatividade Especial: Dilatao Tem-
poral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
4.2.2.2 Consequncias da Relatividade Especial: Contrao das
Distncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
4.2.2.3 Consequncias da Relatividade Especial: Massa e E-
nergia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
4.3 A Relatividade Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
4.3.1 A Curvatura do Espao-Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
4.3.2 As equaes de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
4.3.2.1 Postulados da Relatividade Geral: . . . . . . . . . . . 117
5 Cosmologia Relativstica 119
5.1 Princpio Cosmolgico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
5.1.1 O Postulado de Weyl . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
5.1.2 A Mtrica de Robertson-Walker . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
5.2 O Modelo Cosmolgico de Friedmann-Lematre-Robertson-Walker . . . 126
5.2.1 As Equaes de Friedmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
6 Concluso 137
Referncias 143
1 Introduo
A Cosmologia Moderna tem sua origem nos trabalhos de Albert Einstein de 1915
sobre a Teoria da Relatividade Geral. A partir de ento pod-se pela primeira vez
averiguar minuciosamente o nosso Universo a luz do mtodo cientco. Contudo, as
primeiras dcadas da Cosmologia moderna foram de desenvolvimento muito lento. A
maioria dos trabalhos desta fase eram basicamente especulativos, causando assim uma
certa desconana em grande parte da comunidade cientca. Esta situao alterou-se
signicativamente nos ltimos anos quando ocorreram uma extraordinria evoluo,
motivada principalmente por novos resultados observacionais e tericos. Compreender
o Universo em larga escala se torna fascinante e ao mesmo tempo instigante pelos
recursos cientcos e tecnolgicos desenvolvidos e empregados. Pode-se ento encontrar
respostas denitivas para as mais antigas e profundas questes da humanidade. Vrias
questes, que at pouco tempo pertenciam mais Metasica do que a Cincia, podem
ser agora analisadas de maneira racional. A partir de modelos cosmolgicos que des-
crevem o Universo visvel atual, os cosmlogos podem tirar concluses e propriedades
em diferentes pocas e assim fazer algumas previses, inclusive podendo comprov-las
observacionalmente.
Pode-se dizer que compreender a evoluo do Universo algo que tem a ver com
a expectativa de conhecer sua expanso, composio e estrutura, passando por sua
idade e principalmente pela descrio de sua dinmica de movimento. impossvel
no se deslumbrar com a eccia das teorias fsicas na descrio da natureza, desde
as menores escalas at o Universo como um todo. A Matemtica desempenha um
papel fundamental e vital na elaborao e aplicao das teorias fsicas, em especial da
Cosmologia.
A principal motivao para a escolha do tema Introduo Matemtica aos Modelos
Cosmolgicos que resultou nesta dissertao foi o fato de propiciar os pr-requisitos
para o prosseguimento de estudos nesta rea.
O presente trabalho encontra-se assim organizado. No capitulo 2 feita uma breve
reviso histrica sobre as origens da Cosmologia e o que esta cincia estuda. Este relato
histrico inicia-se a partir das observaes realizadas pelo mais primitivo ser humano
em relao aos fenmenos naturais e celestes que interferiam em sua vida, passando
pela Grcia Antiga onde a importncia cultural dos gregos clssicos fundamental
15
16 Introduo
para o desenvolvimento tanto da Cosmologia como da Astronmia e Matemtica. O
surgimento da Teoria da Gravitao de Einstein propicia o desenvolvimento de vrios
modelos cosmolgicos, os quais visam descrever a evoluo do nosso Universo. No
captulo 3 feito um relato sobre a histria da Geometria Diferencial e em seguida
apresentado um estudo introdutrio sobre a noo de curvatura de curvas em Rn e su-perfcies em R3. Um estudo sobre variedades diferenciveis e tensores apresentado nonal do captulo. O captulo 4 aborda as origens histricas da Teoria da Relatividade,
em seguida uma introduo matemtica da Teoria da Relatividade Especial e Geral,
e ao conjunto de equaes que relacionam a curvatura do espao-tempo com a distri-
buio de matria-energia so apresentadas. No captulo 5 feita uma breve discusso
sobre os conceitos referentes ao princpio cosmolgico e ao postulado de Weyl, em se-
guida realizada a construo da mtrica de Friedman-Lematre-Robertson-Walker e
das equaes de Friedmann. A mtrica de Friedmann-Lematre-Robertson-Walker e as
equaes de Friedmann descrevem um Universo em expanso ou contrao, homogneo
e isotrpico dentro do contexto da Teoria da Relatividade Geral. Estes fatos leva-
ram a construo do modelo cosmolgico de Friedmann-Lematre-Robertson-Walker, o
qual tem por objetivo descrever a evoluo do Universo em toda sua histria. Este
modelo baseado nas equaes de Friedmann e a sua geometria dada pela mtrica
de Friedmann-Lematre-Robertson-Walker. Ao nal deste trabalho discute-se o atual
estgio da pesquisa e algumas perspectivas futuras da Cosmologia.
importante ressaltar que a organizao e disposio do contedo desenvolvido na
dissertao est atrelada a idia de poder criar um material didtico para o aluno dos
cursos de Matemtica e Fsica que deseja fazer uma disciplina de Introduo Matem-
tica Cosmologia.
2 Histria da Cosmologia
A Astronomia uma das mais antigas cincias, pois trata da origem do Universo
e da movimentao dos astros, questes estas to antigas quanto a prpria razo do
homem. Juntamente com a Cosmologia, um campo da cincia que aplica teorias
fsicas na tentativa de compreender a estrutura e a evoluo do Universo.
A verso mais antiga da Cosmologia encontra-se nos mitos cosmognicos, verses
mitolgicas sobre a origem dos elementos e dos seres vivos. As idias de como o
Universo e seus elementos se comportam foram sendo modicadas ao longo do tempo.
No entanto, a Cosmologia s passou a ser considerada como cincia aps a formulao
da Teoria da Relatividade Geral feita por Albert Einstein, em 1915.
Este captulo tem como objetivo mostrar as diversas fases do desenvolvimento da
Cosmologia, motivando assim a leitura e o entendimento das partes tericas apresenta-
das e discutidas posteriormente neste trabalho. Ser feito um relato histrico sobre as
origens e o desenvolvimento da Cosmologia ao longo do tempo, desde a viso do mais
primitivo ser humano at o advento da Teria da Gravitao de Einstein, que propi-
ciou o desenvolvimento de vrios modelos cosmolgicos, os quais descrevem a origem,
a evoluo e a estrutura do nosso Universo.
2.1 O que Cosmologia
Desde os tempos mais remotos o ser humano procura formas conceituais e loscas
para descrever a vida e o cosmos.
Cosmos o termo usado para designar o Universo em seu conjunto, a estrutura
universal em sua totalidade, desde o microcosmos ao macrocosmos. a totalidade de
todas as coisas desde o Universo ordenado, as estrelas, at as partculas subatmicas.
Assim, ao olhar o cu em uma noite sem nuvens e distante das luzes da cidade,
inevitvel a sensao de vastido e encanto que o cosmos proporciona. Inmeras
estrelas distantes pontuam o rmamento e ao observar com mais ateno percebe-se
uma faixa leitosa que atravessa o cu. Esta faixa a projeo de um grande nmero
de estrelas na direo do plano galtico, e no permite a identicao individual das
estrelas. Esta aparncia leitosa d origem ao nome de nossa galxia, a Via Lctea, uma
entre as bilhes de galxias existentes no Universo.
17
18 Histria da Cosmologia
Diante deste cenrio grandioso e encantador natural surgir as indagaes: Do que
feito o Universo? O Universo nito ou innito? O Universo ter um m? Teve
um incio? A procura por tais respostas atravs de teorias e explicaes que buscam
reconstruir uma realidade do mundo d origem a uma rea do conhecimento humano
denominada Cosmologia. Assim, a Cosmologia a cincia que estuda a estrutura, a
evoluo e a composio do Universo.
Entende-se por Cincia o conjunto de conhecimentos que faz o uso do mtodo
cientco baseado em um conjunto de observaes que resultam em um modelo capaz
de fazer previses que podem ser testadas experimentalmente. Um dos muitos exemplos
do mtodo cientco a Teoria da Gravitao Universal desenvolvida por Isaac Newton
(16421727), que usou as observaes de Tycho Brahe (15461601) e Johannes Kepler(15711630) para elaborar um modelo cujas previses foram vericadas muitas vezes,e possibilitou, por exemplo, na descoberta dos planetas Urano e Pluto.
O estudo da estrutura do Universo busca responder a questes relativas forma
e organizao da matria nele contida. Uma unidade de distncia apropriada a
este estudo o ano-luz, denido como a distncia que a luz percorre em um ano. A
velocidade da luz no vcuo de aproximadamente 300 mil quilmetros por segundo,
ou seja, um ano-luz equivale a cerca de 10 trilhes de quilmetros. Outra unidade
relacionada ao ano-luz e tambm muito usada o parsec
1
que equivale a 3, 26 anos-
luz
2
.
A evoluo do Universo a sua histria, ou seja, suas diferentes fases. Neste sentido,
uma das maiores descobertas do sculo XX, foi sem dvida, o fato de que o Universo
est em expanso. Por muito tempo, tinha-se a idia que, descontado o movimento
aparente das estrelas devido rbita da Terra ao redor do Sol, o Universo seria esttico,
ou por assim dizer, imutvel. Por no ser esttico, o Universo evolui e tem sua prpria
histria. Pensando na evoluo e estgio atual do Universo ao retroceder no tempo
percebe-se que no passado as galxias estavam mais prximas umas das outras. O
Universo era menor, mais denso e mais quente. Isto conduz ao fato de que o Universo
comeou sua evoluo a partir de um estado extremamente quente e denso, sofrendo
vrias modicaes at adquirir a forma atual.
Observaes indicam que o Universo organizado de uma maneira hierrquica at
uma escala de tamanho de 300 milhes de anos-luz. Estrelas formam galxias, galxias
formam aglomerados de galxias e aglomerados de galxias formam superaglomerados
de galxias. Em escalas bem maiores de 100 milhes de parsecs, h evidncias de que
o Universo seja homogneo ou uniforme, isto , no apresenta, na mdia, regies muito
1
Parsec a distncia que se encontra uma estrela cuja paralaxe (ngulo sob o qual o raio de rbita
terrestre visualizado perpendicularmente ao seu raio visual) igual a 1 segundo de arco [1].2
Para se ter noo de distncia usando a velocidade da luz. Temos que o permetro da Terra de
aproximadamente 1 dcimo de segundo-luz; a distncia da Terra ao Sol de 8 minutos-luz; a estrela
mais prxima, Alfa Centauro, est a 4, 2 anos-luz; a galxia mais prxima, Andrmeda, se encontra a
2 milhes de anos-luz.
As Origens Cosmolgicas 19
diferentes.
Por m a composio do Universo busca responder a questes sobre do que este
feito, sua constituio e matria prima. Para explicar a composio do Universo
temos que deduz-la a partir de observaes realizadas por instrumentos na Terra ou
em sua rbita. Uma primeira tentativa seria pensar que o Universo feito dos mesmos
elementos que esto presentes em nosso planeta: tomos, ftons e neutrinos.
O pensamento de que o Universo era feito dos mesmos elementos presentes em
nosso planeta foi por muitos anos um paradigma cientco. No entanto, os avanos
tecnolgicos e o desenvolvimento da Cosmologia mostraram que apenas 5% do Uni-
verso seria composto por tomos. Outra frao menor ainda corresponderia a ftons
e neutrinos. Assim, a maior parte do Universo no possui a mesma composio que
nosso planeta. Observaes e estudos a respeito do Universo tambm revelaram que o
peso das galxias ou mais precisamente, a quantidade de massa, cerca de 100 vezes
maior que o peso de todas as estrelas somadas. Desta maneira, existe na galxia um
tipo de matria que no irradia luz, denominada matria escura.
Importante destacar que somos a primeira gerao com capacidade tecnolgica para
estudar cienticamente o Universo, graas ao desenvolvimento de instrumentos de alta
preciso, que fornecem informaes detalhadas e precisas. Essas informaes produzem
resultados surpreendentes, e fazem com que atravessemos uma fase fascinante e efer-
vescente na Cosmologia. Novas descobertas esto em curso, das quais podem resultar
um novo paradigma para as futuras geraes.
2.2 As Origens Cosmolgicas
As origens da Cosmologia so desconhecidas, mas podemos imaginar que desde
tempos remotos, o mais primitivo ser humano se interessou em observar fenmenos que
ocorriam a sua volta e tentar compreend-los. Atrado inicialmente pelos fenmenos que
mais interferiam em sua vida como as variaes alternadas de claridade e escurido, as
variaes de temperatura e clima. Todas associadas ao deslocamento do Sol em relao
ao horizonte. Observava tambm fenmenos celestes como as fases da Lua, os eclipses,
o aparecimento de cometas e de vrios outros fenmenos da natureza.
A falta de conhecimento sobre a verdadeira natureza do cosmos deve ter produzido
no homem primitivo um sentimento de curiosidade, admirao e temor, levando-o a
acreditar na natureza divina dos corpos celestes. Para muitos povos do passado, os
astros eram verdadeiros deuses, e para outros, smbolos de divindades atribuindo a estes
a inuncia sobre a vida na Terra. Os homens dessa poca, que melhor interpretavam
estes fenmenos celestes, formavam elites sacerdotais que dominavam e determinavam
os costumes destes povos.
Com sua evoluo, o homem comeou a utilizar as estrelas e as estrelas errantes,
(denominao dada aos planetas na poca) para sua orientao em viagens. Por volta
20 Histria da Cosmologia
do ano 6000 a.C. aconteceu a transio entre a civilizao nmade e a sedentria com
o surgimento da agricultura. Desta forma, as comunidades requeriam conhecer em que
poca do ano poderiam semear e em qual colher, e assim como prever os fenmenos
metereolgicos.
Observando constantemente o Sol, a Lua, as estrelas, asterides, planetas e cometas,
o homem notou uma regularidade de ocorrncia de vrios fenmenos, que lhe permitia
marcar ou medir a passagem do tempo, e juntamente com a construo dos primeiros
relgios de areia, estabeleceu os primeiros calendrios to necessrios a suas atividades
agrcolas. Em suas observaes pode criar mtodos para determinar a sua posio na
superfcie da Terra por meio das posies dos astros, o incio das estaes do ano,
bem como prever fenmenos que ocorriam com os corpos celestes. Assim, as estrelas
guiavam os caminhos aos nmades e marinheiros, ao agricultor as fases da Lua e a
viagem anual do Sol indicavam a poca de semear.
No comeo das civilizaes alguns homens se dedicaram por completo a estudar
os mistrios que cercam o Universo. Tem-se assim uma fase de transformao dos
conceitos msticos e mitolgicos, dando origem ao nascimento da investigao cientca
ligada as suas necessidades cotidianas e curiosidade intelectual.
Quanto ao Universo, o ser humano passa a perguntar: Do que feito? Como surgiu?
Como terminar? Prova disto so as mltiplas respostas dadas a estas perguntas ao
longo do tempo e que em conjunto, constituem a histria do pensamento cosmolgico.
2.3 Os grandes cosmlogos da Antiguidade
Foi na Grcia Antiga que a maneira de encarar e interpretar os fenmenos naturais
sofreu grande alterao, pois foi ali que o homem passou a desenvolver o conhecimento
fundamentalmente em bases racionais. ([2], p. 24)
A importncia cultural dos gregos clssicos fundamental para o desenvolvimento
da Matemtica, Astronomia e Cosmologia. Contudo, existe uma grande diculdade em
escrever sobre as pessoas desta poca e de perodos idnticos. Mesmo existindo vrias
citaes so poucas as informaes pessoais e nenhum de seus escritos sobreviveram.
Tradicionalmente os conceitos histricos da astronomia e cosmologia grega tem
seu incio com Tales de Mileto (cerca de 624 cerca de 547 a.C.), que foi desde aantiguidade visto como o iniciador do pensamento losco cientco.
Tales acreditava que o mundo havia evoludo a partir da gua por processos pu-
ramente naturais, sendo a Terra um disco plano que utuava em um oceano innito.
. . . segundo informaes do historiador Herdoto, Tales teria previsto um eclipse do
Sol, provavelmente no ano de 585 a.C. ([2], p.24). Embora isso seja mais mito que
realidade histrica, astrnomos calculam que esse eclipse ocorreu em 28 de maio de
585 a.C. O nascimento e a morte deste importante lsofo so datados com base neste
fenmeno.
Os grandes cosmlogos da Antiguidade 21
Tales teve vrios discpulos dentre os quais merecem destaques Anaximandro de
Mileto (610 547 a.C.) e Anaxmines de Mileto (585 528 a.C.).Tales e seus discpulos eram lsofos representantes da Escola jnica, a qual buscava
uma explicao do mundo natural (a phis eram estudiosos ou tericos da natureza, da
o nome fsica) baseada essencialmente em causas naturais, o que constituiu o chamado
naturalismo da escola.
Anaximandro foi o principal discpulo e sucessor de Tales. Ele acreditava que todas
as coisas surgiram de uma nica substncia primordial denominada peiron (eterno e
ilimitado ou indeterminado). Para esse lsofo natural, a Terra era um cilindro que
utuava livremente sem se apoiar em nada.
So atribudas a Anaximandro a confeco de um mapa do mundo habitado, a
introduo do gnomon na Grcia, a medio de distncia angulares entre estrelas
e uma rudimentar classicao das estrelas quanto ao brilho..... Foi o primeiro
a explicar o mecanismo dos eclipses pela interposio da Lua entre a Terra e o
Sol, e os eclipses da lua pela entrada desta na sombra da terra. ([2], p.25)
Anaxmenes adotou o ar como substncia primordial, uma vez que o ar incorpreo
e se encontra em toda parte. Acreditava assim que todas as coisas pudessem ser
reduzidas a este elemento. [Anaxmenes] Parece ter sido o primeiro a armar que a
Lua brilha por reetir a luz do Sol, e acreditava ser a Terra da forma de um cilindro
de pequena altura.... ([2], p.25).
Anaxgoras de Clazmena (500 428 a. C.) representante da Escola italiana, aqual caracterizava-se por uma viso de mundo mais abstrata, menos voltada para uma
explicao naturalista da realidade. [Anaxgoras] Acreditava que o Universo sempre
existiu, a princpio na forma de partculas innitesimais, mas que estavam destinadas
pela inuncia de uma mente csmica a se tornar a natureza que apreciamos hoje ([3],
p.18)
A tentativa mais antiga de uma cosmologia racional de que se tem registro
provavelmente a de Pitgoras, que ensinava que a Terra redonda e gira em
torno do seu eixo. A teoria de Pitgoras era um rompimento radical com a viso,
ento prevalecente, de que a Terra era chata. Pitgoras baseou suas idias numa
analogia entre a harmonia da escala musical, expressa em termos de nmeros
racionais, e a harmonia celeste dos movimentos dos planetas. Talvez sua mais
importante contribuio cosmologia tenha sido a ideia de que os movimentos
celestes obedecem a certas leis quantitativas. ([4], p.10)
Pitgoras (cerca de 569 cerca de 475 a.C.), reconheceu que a rbita da Lua erainclinada em relao ao equador da Terra e foi um dos primeiros a perceber que Vnus
era um planeta. Teve vrios discpulos, dentre os quais merece destaque Filolau de
Crotona (sculo V a.C.), conhecido como a primeira pessoa a propor que a Terra se
22 Histria da Cosmologia
move. Filolau postulou o denominado Sistema Pirocntrico, modelo no qual a Terra
no s esfrica, mas gira em rbitas circulares junto com o Sol, a Lua e os planetas
ao redor de um hipottico fogo central no ncleo do Universo.
Figura 2.1: Modelo Pirocntrico de Filolau
Neste modelo havia a existncia de nove movimentos circulares no cu: os das es-
trelas xas, os dos cinco planetas e os da Terra, Lua e Sol. Porm, Filolau misturou
sua brilhante deduo com a numerologia mstica. Nove era considerado pelos pitag-
ricos um nmero imperfeito desta forma, ele assumiu a existncia de um dcimo corpo
localizado entre a Terra e o fogo central denominado Anti-Terra. A Anti-Terra de-
sempenhava as funes de proteger a Terra dos raios diretos do fogo central e de fazer
com que o nmero de objetos mveis do Universo fora 10, nmero que os pitagricos
consideravam perfeito.
A idia revolucionria de que a Terra se movia e no era centro do Universo foi
o preparo de um caminho para uma cosmologia heliocntrica, que com o passar do
tempo estagnou e se tornou obsoleta. importante destacar que era de conhecimento
dos pitagricos o fato da Lua sempre estar com a mesma face voltada para a Terra.
Plato (427 347 a.C.) tinha uma viso distinta do Universo.. . . [Plato] sustentava que o crculo, por no ter comeo nem m, era uma forma
perfeita e, consequentemente, os movimentos celestes deviam ser circulares, uma
vez que o universo tinha sido criado por um ser perfeito, Deus. ([4], p.11)
Plato admitia que a Terra era esfrica como o prprio Universo. Ele defendia a
idia de uma rotao diria da abboda celeste em volta de uma Terra imvel, onde os
planetas moviam-se em rbitas circulares com velocidades diferentes. Surgem assim os
modelos geocntricos, idia devido a Plato, que utilizou oito esferas concntricas para
formar seu modelo cosmolgico. A primeira destas esferas, a mais externa, representava
Os grandes cosmlogos da Antiguidade 23
as estrelas xas. Sua rotao fazia o Universo todo girar de Leste para Oeste com
velocidade uniforme, em torno do eixo imaginrio que passava pelo centro da Terra.
Outras sete esferas concntricas foram denidas de tamanhos diferentes para identicar
o movimento da Lua, do Sol e dos cinco planetas: Mercrio, Vnus, Marte, Jpiter e
Saturno.
Os modelos geocntricos foram naturalmente escolhidos pela maioria dos astrno-
mos e cosmlogos da antiguidade. O movimento da esfera celeste causava a sensao
de que a Terra permanecia xa no centro de uma grande esfera e todo o resto girava em
torno dela. Estes modelos podem ser divididos em dois grupos distintos. O primeiro
grupo consiste dos modelos de Plato, Eudxio e Aristteles, denominados modelos
concntricos. O segundo grupo consiste dos modelos de Apolnio, Hiparco e Ptolomeu,
denominado epiciclos e excntricos.
Eudxio (400 347 a.C.), contemporneo de Plato e considerado o melhor ma-temtico da Idade Helnica, criou um modelo de Universo bastante engenhoso para
explicar os movimentos das estrelas, dos planetas, do Sol e da Lua. Por este trabalho,
Eudxio considerado o pai da astronomia cientca. Seu trabalho combina 27 esferas
concntricas com rotaes uniformes em torno de eixos inclinados entre si.
Uma esfera para explicar o movimento diurno, uma para o movimento anual do
Sol, duas para o movimento da Lua. Para a laadas e retrogradaes de Jpiter
e Saturno, quatro esferas para cada um, e ainda cinco esferas para cada um dos
outros trs planetas, Mercrio, Vnus e Marte. Alm de introduzir um elemento
abstrato (as esferas, que deviam ser consideradas invisveis e transparentes), este
modelo apresentava outras falhas, como no explicar como so ligadas as esferas
e como so produzidos os movimentos; apresentava uma margem de erro conside-
rvel, mesmo para poca, das posies dadas aos planetas, e ainda no explicava
a variao de brilho dos mesmos. ([2], p.26)
Este modelo aperfeioado por Aristteles (384 322 a.C.), outro discpulo dePlato e considerado um dos maiores sbios da antiguidade. No seu modelo Aristteles
permita que as esferas concntricas de Eudxio funcionassem to bem prtica quanto
na teoria, ampliando para um complexo mecanismo que necessitava de 55 esferas para
funcionar. Para Aristteles o Universo era nito, esfrico, eterno, imutvel e limitado
pela esfera das estrelas xas. Fora da esfera das estrelas xas nada poderia existir, nem
mesmo o tempo. Acreditava tambm na existncia de cinco elementos fundamentais.
Quatro terrestres: a gua, o fogo, o ar e a terra e um elemento divino denominado ter.
O ter era o elemento perfeito que comporia os cus onde a perfeio era dominate.
Contemporneo de Aristteles e discpulo de Plato, Herclides do Ponto (387 - 312
a.C) defendia a idia de que a Terra, embora no centro do Universo, estava animada
de um movimento de rotao em torno de si mesma num perodo de um dia. Desta
maneira, explicava o movimento dirio de todos os astros.
24 Histria da Cosmologia
Por volta de 300 a.C. a capital da cultura grega mudou-se de Atenas para a cidade de
Alexandria no Egito construda por Alexandre, o Grande (358 323 a.C.). Alexandriaviria a se tornar o maior centro cultural, cientco e econmico da Antiguidade por mais
de 300 anos.
Em meio aos modelos geocntricos que tentavam explicar os movimentos dos corpos
celestes, surge o heliocentrismo com matemtico grego Aristarco de Samos (310 230
a.C.). O que se sabe a respeito deste brilhante astrnomo devido a citaes de
Arquimedes, Plutarco e outros.
Aristarco defendia a idia do movimento de rotao da Terra em torno do seu
prprio eixo e o movimento de translao ao redor do Sol, como tambm o movimento
de translao dos demais planetas em rbitas circulares ao redor do Sol. O modelo
heliocntrico de Aristarco no foi aceito na poca devido a argumentos provenientes da
Fsica e Cosmologia Aristotlica. Um dos argumentos contra o movimento de rotao
da Terra era que, se a Terra girasse em torno de si mesma, qualquer corpo em queda
livre sofreria um desvio para Oeste. Para o no movimento de translao o argumento
era a no existncia de paralaxe das estrelas.
Aristarco elaborou uma classicao para as estrelas quanto ao seu brilho e admitiu
que estas se encontravam em diferentes distncias da Terra.
Seleuco de Seleucia (150 ? a.C.), observou que as mars estavam relacionadascom as fases da Lua e foi o nico astrnomo da antiguidade a adotar o heliocentrismo
de Aristarco.
Eratstenes (276 194 a.C.) calculou com xito a circunferncia terrestre determi-nando com boa preciso o raio, a rea supercial e o volume da Terra.
Com o passar do tempo, os observadores adquiriam uma imagem mais clara e
elaborada dos movimentos que observavam no cu,
os modelos concntricos foram perdendo credibilidade entre os astrnomos e aos
poucos foram deixados de lado. Isso ocorre por causa do aprimoramento das ob-
servaes e construes de tabelas que possibilitaram aos estudiosos confrontarem
dados de vrias pocas, determinando alteraes nas rbitas planetrias, cujos
modelos concntricos existentes at ento no conseguiam explic-las satisfatori-
amente [5] p. 45.
Apolnio de Perga (262 190 a.C.) contemporneo de Eratstenes, prope a teoriados deferentes, epiciclos e excntricos propondo dois sistemas alternativos baseados em
movimentos epiciclos e excntricos para explicar o aparente movimento dos planetas
no cu.
Hiparco de Nicia (190 120 a.C.) no ano de 134 a.C. detectou o surgimentode uma nova estrela na constelao de Escorpio. Esta estrela aumentou seu brilho
rapidamente e passado algum tempo, desapareceu e nunca mais foi vista. Com base
nesta observao Hiparco vericou que o Universo no era imutvel e eterno como havia
A Cosmologia na Renascena 25
proposto Aristteles. Confecciona assim um catlogo com quase mil estrelas e melhora
sua classicao em funo do brilho, feita anteriormente por Aristarco. Classicou as
estrelas em seis grandezas, de tal forma que as de primeira grandeza seriam as mais
brilhantes e as de sexta grandeza, as de brilho mais fraco.
Hiparco desenvolveu uma teoria que fazia uso do excntrico a m de explicar as
irregularidades observadas nos movimentos do Sol e da Lua, mantendo a hiptese
do movimento circular uniforme. Utilizou outro modelo, o do deferente-epiciclo para
explicar o mesmo fato. Hiparco defende a idia do geocntrismo de Aristteles, onde a
Terra estaria xa no centro do Universo e todos os outros astros realizam movimentos
uniformes ao seu redor.
Cladio Ptolomeu (cerca de 85 cerca de 165) juntou suas prprias teorias e ob-
servaes com idias de outros astrnomos, principalmente de Apolnio e Hiparco,
aperfeioando assim a verso do modelo geocntrico.
Essa teoria consistia em supor que os planetas se movimentavam em rbitas com-
postas por um crculo principal, o deferente, ao qual se sobrepunha um crculo me-
nor, resultando em um movimento de epiciclo. Essa construo era fundamental
para explicar o movimento retrgrado dos planetas. Mas por si s no era suci-
ente. Ainda era necessrio supor que a Terra estivesse ligeiramente deslocada em
relao ao centro do crculo em que se movimentavam os planetas. .... Ademais,
era necessrio imaginar ainda que o planeta se movimentava uniformemente no
em relao ao centro do seu crculo orbital, mas sim em relao a um ponto des-
locado do centro conhecido como equante. Dessa forma um tanto complicada era
possvel prever com razovel preciso a posio dos astros na esfera celeste. ([3],
p. 22)
A teoria de Ptolomeu transmitida ao longo da Idade Mdia em forma de uma en-
ciclopdia astronmica, a Megale Sintaxis, muito conhecida por sua verso traduzida
para o rabe como Almagesto. Essa teoria resiste as provas de observaes durante
14 sculos.
Aps Ptolomeu, a cincia astronmica e cosmolgica grega praticamente se extin-
gue. O pensamento religioso cristo praticamente bane o desenvolvimento das cincias,
os primeiros lderes da Igreja insistiam numa interpretao literal das passagens bbli-
cas, e a Terra volta a ser plana. ([4], p. 15)
2.4 A Cosmologia na Renascena
O termo Renascena compreende o perodo da histria europia que vai do incio
do sculo XIV at o nal do sculo XVI. Este termo possui suas origens na palavra
italiana rinascita, que literalmente signica renascer, e descreve as mudanas radi-
cais que ocorreram na cultura europia durante estes sculos. Nesta poca ocorre o
26 Histria da Cosmologia
desaparecimento da misteriosa e mgica Idade Mdia e, pela primeira vez, incorpora
sociedade os valores do mundo moderno.
Neste perodo ocorre a explorao do globo terrestre com as grandes navegaes
feitas por portugueses e espanhis. Tem-se o incrvel desenvolvimento da expresso
artstica, com Leonardo da Vinci (1452 1519), Rafael (1483 1520), Tiziano Vecellio(1490 1576), Michelangelo (1475 1564) e tambm das cincias com Nicolau Copr-nico (14731543), Tycho Brahe (15461601), Johannes Kepler (15711630) e GalileoGalilei (1564 1642). No entanto, este desenvolvimento no deve ser confundido comliberdade. A Igreja Catlica dominava fortemente o pensamento da poca, e cientistas
como Coprnico e Galileu apresentaram suas idias e sofreram retaliaes por causa
delas. Alguns como Giordano Bruno (1548 1600) foram queimados por suas inter-pretaes cientcas diferentes daquelas apoiadas pela Igreja Catlica. Contudo, a era
do renascimento tirou o mundo da apatia e ignorncia em que estava vivendo.
Na Europa do sculo XIII, ainda Idade Mdia, j havia uma forte insatisfao com a
Fsica e a Astronomia de Aristteles e de Ptolomeu. Nos sculos XIII e XIV muitos fatos
cientcos pediam novos mtodos de anlise, tornando-se inevitvel o desenvolvimento
de teorias mais satisfatrias.
Nesta poca, surgiu o monge franciscano Roger Bacon (1214 1292), enfatizandoque o mtodo cientco consistia em fazer observaes e no realizar a eterna leitura
de textos antigos. Para ele o mtodo cientco signica observar, usar a matemtica,
comparar os resultados obtidos com os experimentos feitos e voltar a fazer observaes.
Era preciso se libertar dos velhos textos clssicos e criar uma nova maneira de encarar
a cincia.
No foi apenas Roger Bacon que apresentou crticas cincia da poca. Outros
pensadores, muitos deles religiosos, apresentaram ao longo deste perodo idias revolu-
cionrias.
Um exemplo, foi bispo francs Nicolau de Oresme (13231382), brilhante matem-tico, fsico e economista, que armou que o movimento somente poderia ser percebido
quando um corpo altera sua posio em relao a outro corpo. Com base nisso, Oresme
refutava a velha idia de que a Terra no podia girar em torno do seu eixo.
A idia de um cosmos innito tem seu ponto de partida com o cardeal alemo
Nicolau de Cusa (1401 1464). Em sua obra, De docta ignorantia (Sobre a sbiaignorncia), introduz a idia de um Universo sem limite, indeterminado, ou em suas
palavras, immensum, bem como sem centro e sem circunferncia.
Durante o Renascimento muitas verdades intocveis so revistas e fortemente dis-
cutidas. At mesmo a autoridade do Papa contestada pelo monge Martinho Lutero
(1483 1546), dando origem ao protestantismo.A Renascena conduziu revoluo copernicana, e, como consequncia, era
moderna da cincia. Os principais nomes da Cosmologia na Renascena foram: Nicolau
Coprnico, Thomas Digges (1543 1595), Giordano Bruno, Tycho Brahe, Johannes
A Cosmologia na Renascena 27
Kepler e Galileu Galilei.
O monge polons Nicolau Coprnico, prope um modelo onde tudo seria mais sim-
ples se o Sol estivesse no centro do sistema planetrio. No ano de sua morte, foi
pblicado em seu livro, De revolutionibus orbium coelestium (Da revoluo de esferas
celestes) sua teoria, na qual
.... o Universo composto por sete esferas concntricas. A primeira e mais
externa a esfera das estrelas xas, seguindo a esta a esfera de Saturno, a de
Jpiter, a de Marte, a da Terra, a de Vnus e a stima esfera de Mercrio. Todas
essas esferas, com exceo da primeira, giram em torno de um ponto central, onde
est o Sol, formulando ento o que chamou de sistema heliocntrico.([2], p. 32)
A teoria de Coprnico tem uma grande concordncia com as idias de Aristarco,
a de que um nico movimento circular em torno do Sol, seria capaz de explicar o
movimento aparente dos planetas. Essa teoria causa um grande impacto nas agitadas
movimentaes sociais, culturais e religiosas daquele tempo.
Figura 2.2: Sistema Heliocntrico proposto por Coprnico
No entanto, mesmo com a enorme simplicao conceitual na descrio dos fen-
menos celestes, a teoria de Coprnico no chegou a derrubar a credibilidade do
modelo geocntrico. Faltavam evidncias observacionais mais slidas que pudes-
sem privilegiar o heliocntrismo em detrimento de uma outra teoria, que mesmo
sendo mais complicada desfrutava de sucesso na descrio acurada das observa-
es existentes. ([3], p. 23)
Thomas Digges, escreveu um trabalho popular chamado A Pert Description of the
Caelestiall Orbes, publicado em 1576, que tinha como objetivo explicar o modelo heli-
ocntrico de Nicolau Coprnico.
28 Histria da Cosmologia
Digges introduziu uma importante modicao no sistema universal de Coprnico.
Ele reconheceu que a esfera das estrelas xas que limitava o Universo no era logica-
mente necessria em um modelo onde a Terra tinha um movimento de rotao. Re-
moveu assim, a borda mais externa do modelo e dispersou as estrelas xas por todo o
espao no limitado. Seu modelo de Universo era heliocntrico, innito com as estrelas
espalhadas por um espao vasto e aberto.
Giordano Bruno tomou conhecimento do livro de Thomas Digges e, prontamente
adotou as idias ali contidas. Este livro falava de um Universo sem contorno e voltou
sua ateno para a concluso lgica, previamente mostrada por Nicolau de Cusa, de
que o Universo tambm no possui centro.
Esse brilhante telogo, lsofo, escritor e frade dominicano deve ser considerado
o principal representante da doutrina do Universo descentralizado, innito e innita-
mente povoado. Em seu livro La Cena de le Ceneri apresenta a melhor discusso e
refutao, escrita antes de Galileu, das objees clssicas, sejam elas aristotlicas ou
ptolomaicas, contra o movimento da Terra. Neste texto ele defendia com ardor a teoria
heliocntrica. Em seu livro De l'innito universo e mondi, Giordano Bruno arma de
maneira precisa, resoluta e consciente que o espao innito. Tambm arma que
movimento e mutao so sinais de perfeio. Um Universo imutvel seria morto. Um
Universo vivo tem de ser capaz de mover-se e modicar-se.
Segundo Bruno, como poderia o espao vazio, deixar de ser uniforme ou vice-
versa? Como poderia o vazio, uniforme deixar de ser ilimitado e innito? Do seu
ponto de vista a concepo aristotlica de um espao fechado no interior do mundo
no s falsa como absurda.
Suas armaes eram avanadas demais para a poca. Em 1591, Giordano Bruno
foi preso pela Inquisio, sendo continuamente interrogado at o ano de 1600, quando
foi queimado vivo como herege em uma praa pblica na cidade Roma.
Tycho Brahe foi o maior de todos os astrnomos pr-telescpio. Por meio de estudos
sistemticos com instrumentos grande e nalmente trabalhados, desfrutou de observa-
es limitadas pela resoluo do olho humano. Suas observaes foram numerosas,
quase mil estrelas catalogadas com exatido, os planetas foram seguidos com preciso
e os cometas com um pouco mais diculdade.
Props seu prprio modelo planetrio, o sistema tychonoico, onde o Sol e a Lua
giravam ao redor da Terra, enquanto todos os outros planetas giravam ao redor do Sol.
Na verdade, este modelo era uma modicao geocntrica do modelo de Coprnico,
sendo equivalente ao sistema de Coprnico, no sentido de que os movimentos relativos
de todos os corpos celestes (exceto as estrelas) so os mesmos nos dois sistemas.
A cosmologia de Tycho Brahe forneceu as bases observacionais necessrias, que
permitiram a Kepler estabelecer os verdadeiros movimentos dos planetas.
Johannes Kepler, de posse dos resultados das observaes feitas por Tycho Brahe,
principalmente aquelas sobre os registros do movimento do planeta Marte, formulou
A Cosmologia na Renascena 29
Figura 2.3: Modelos cosmolgicos de Ptolomeu, Coprnico e Tycho Brahe
as trs leis fundamentais sobre o movimento planetrio, conhecidas como as Leis de
Kepler:
Lei das rbitas Elpticas: Os planetas se movem em rbitas elpticas com o Sol em
um dos focos das elipses.
Lei das reas: Uma linha traada do Sol a um planeta percorrer reas iguais em
tempos iguais. Esta lei determina que os planetas se movem com velocidades diferentes,
dependendo da distncia a que se encontram do Sol.
Lei dos Tempos: Os quadrados dos perodos de revoluo dos planetas so proporci-
onais aos cubos dos eixos mximos de suas rbitas. Esta ltima lei indica que existe
uma relao entre a distncia do planeta e o tempo que ele demora para completar uma
revoluo em torno do Sol. Assim, quanto mais distante o planeta estiver do Sol mais
tempo levar para completar sua volta em torno desta estrela.
Kepler imaginou o Sol como um grande m giratrio, que atraa os planetas em
torno de si libertando o sistema solar da teoria epicclica que perdurava por anos.
importante ressaltar que sem as medies de Tycho Brahe, Kepler no teria
encontrado suas leis planetrias, e a histria da cincia do sculo XVI poderia ter sido
muito diferente.
Uma astronomia com o uso de telescpio foi introduzida no ano de 1610 por Galileu
Galilei inovando os mtodos sistemticos de observao e de experimentao. Com o
uso do telescpio realizou grandes descobrimentos astronmicos: a natureza monta-
nhosa da superfcie da Lua; observou pela primeira vez os quatro grandes satlites
de Jpiter possibilitando assim a analogia entre o sistema Terra-Lua e demais corpos
celestes; a existncia de outras estrelas no visveis a olho n; a descoberta das fases de
Vnus, ajudando a demonstrar que este planeta se move em torno do Sol. Argumentou
30 Histria da Cosmologia
tambm que as estrelas se encontravam muito distantes da Terra ao observ-las como
pontos de luz, mesmo quando vistas pelos telescpios.
O aristotelismo recebe um golpe mortal quando Galileu faz a descoberta das man-
chas solares. Este fato acaba com a doutrina aristotlica da imutabilidade do cus.
Galileu no contribuiu signicativamente para a teoria cosmolgica, mas suas obser-
vaes no s deram incio a era da astronomia telescpica, como exerceram profunda
repercusso sobre o entendimento humano do Universo.
2.5 O Mecanicismo de Ren Descartes. A Teoria da
Gravitao de Isaac Newton e o Determinismo de
Pierre Simon Laplace
A cincia desenvolvida por Galileu cou conhecida como mecanicismo, e lanou as
bases para uma nova concepo da natureza que foi amplamente aceita e desenvolvida.
Os mecanicistas viam a natureza como um mecanismo cujo funcionamento era re-
gido por leis precisas e matemticas. Para eles, o mundo era formado de peas ligadas
entre si e o seu funcionamento regular nos permitia descrev-las usando as leis da Mec-
nica. Com esse argumento era possvel negar a necessidade de se apelar a um Deus para
conhecer o que estava acontecendo, sem negar a existncia do prprio Deus. Segundo
os mecanicistas, um ser inteligente pode conhecer o funcionamento de uma mquina
to bem como o seu prprio inventor sem ter que consult-lo a esse respeito.
Um dos grandes defensores do mecanicismo foi o lsofo francs Ren Descartes
(1596 1650), que props um modelo no matemtico para o Universo que consistiade enormes rodamoinhos de matria csmica, os quais denominou vrtices. O Sistema
Solar seria apenas um dos inmeros rodamoinhos que formavam o Universo.
A cosmologia mecanicista de Descartes era altamente aceitvel dentro da concepo
geral existente no sculo XVII do mundo concebido como uma mquina. Entretanto,
suas explicaes eram apenas redescries qualitativas de fenmenos em termos mec-
nicos. Durante o sculo XVIII, a teoria do vrtice, de Descartes mostrou ser incapaz
de calcular os movimentos planetrios que eram observados.
Ocorreram trs importantes descobertas experimentais no sculo XVII que contri-
buram fundamentalmente para uma melhor compreenso do Universo. A determinao
da distncia Terra-Sol por Giovanni Domenico Cassini (1625 1712) mostrando que,mesmo em termos de Sistema Solar, as distncias envolvidas eram gigantescas. Cassini
determinou o valor da unidade astronmica (U.A.) como sendo a distncia mdia entre
a Terra e o Sol. Este valor foi apenas 7% menor do que o aceito atualmente como
verdadeiro, cerca de 149.597.870, 691 quilmetros.
A segunda descoberta foi a determinao da velocidade da luz pelo dinamarqus
Ole Christensen Romer (1644 1710). Este dado fsico foi de extrema importncia,
Mecanicismo, Gravitao e Determinismo 31
uma vez que a velocidade da luz nita. Uma importante consequncia foi que ao
olhar o cu noturno, o que se v o passado do Universo.
Roemer obteve o valor de 225.260 quilmetros por segundo para a velocidade da
luz, 25% menor do que o aceito atualmente que de cerca de 300.000 quilmetros por
segundo.
Finalmente, a ltima grande descoberta foi realizada por Otto von Guericke (16021686) de que o vcuo era possvel. Este fato revelou a todos os cientistas de que o espao
entre as estrelas poderia ser considerado como vcuo, sem a necessidade da existncia de
qualquer meio semelhante ao ter. A idia de vcuo vir a ser melhorada, permitindo
que a teoria de campo possa justicar diversos fenmenos.
Guericke se preocupava com a natureza do espao e, com a possibilidade da existn-
cia do espao vazio. Ele construiu um modelo fsico do Universo, englobando as idias
de Coprnico. Sua teoria baseava-se no espao vazio atravs do qual a ao magntica
controlava os movimentos dos planetas.
Os trabalhos de Nicolau Coprnico sobre o Sistema Solar foram muito importantes
por mostrarem o papel que a gravitao exercia nos corpos celestes. Em seguida,
Johannes Kepler apresentou suas leis do movimento planetrio e Galileo Galilei fez
compreender o movimento e a queda dos corpos. Com base nesses conhecimentos e
estimulado por Edmund Halley (1656 1742), Isaac Newton (1642 1727) apresentousuas idias sobre o movimento dos corpos celestes. Newton publicou em 1687 suas leis
do movimento e a anlise da gravidade sob a forma de um livro intitulado Philosophia
Naturalis Principia Mathematica (Princpios Matemticos da Filosoa Natural).
Formulou trs importantes leis:
Primeira Lei ou Lei da Inrcia: Todo corpo continua em seu estado de repouso
ou em movimento uniforme sobre uma linha reta, a menos que seja forado a mudar
aquele estado por foras aplicadas sobre ele.
Segunda Lei ou Lei da Quantidade de Movimento: A mudana de movimento
proporcional fora motora imprimida e produzida na direo da linha reta na qual
aquela fora imprimida.
Terceira Lei ou Lei da Ao e Reao: A toda ao h sempre uma reao oposta
e de igual intensidade, ou seja, as aes mtuas de dois corpos um sobre o outro so
sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.
Newton tambm desenvolveu a Teoria da Gravitao Universal. Esta teoria motiva-
se pela seguinte pergunta: o que impede a Lua de sair de sua rbita em torno da Terra,
exatamente como acontece ao cortarmos a corda que prende uma bola que est sendo
rodada?
Newton argumentava que a Lua cai, continuamente em sua trajetria em torno
32 Histria da Cosmologia
da Terra por que existe uma fora gravitacional que a atrai na direo do centro do
nosso planeta. A Lua sofre uma acelerao gerada pela gravidade do nosso planeta e
o conjunto desses fatores produz no m das contas sua rbita. Seguindo esse racioc-
nio, Newton chegou concluso que dois objetos quaisquer no Universo exercem uma
mtua atrao gravitacional, gerada por uma fora que possui uma forma matemtica
universal.
A palavra gravidade j estava em uso naquela poca, signicando a qualidade de
peso, que faz um objeto cair. Newton demonstrou sua existncia por uma lei universal:
Duas partculas quaisquer de matria se atraem mutuamente com uma fora
diretamente proporcional ao produto de suas massas e inversamente propor-
cional ao quadrado da distncia entre elas.
Com esta observao, Newton introduziu o grande princpio unicador da Fsica
Clssica, capaz de explicar em uma lei matemtica o movimento dos planetas, o movi-
mento das mars e a queda de uma ma.
A Lei da Gravitao Universal pode ser escrita matematicamente como:
F = GMm
d2,
onde G a constante universal da gravitao, (ou apenas constante gravitacional),M e
m so as massas dos corpos que esto interagindo gravitacionalmente, e d a distncia
entre estes corpos.
Newton estava convencido de que suas descobertas demonstravam as maravilhas
criadas por Deus. A presena divina agia como um ter, imaterial que no oferecia
resistncia aos corpos mas que poderia mov-los por meio da fora da gravitao.
Newton imaginava um Universo innitamente grande no qual Deus tinha colocado as
estrelas exatamente nas distncias corretas uma em relao a outra, de modo que a
ao mtua de suas foras de atrao gravitacional fossem canceladas. Um equilbrio
to preciso como o de agulhas equilibradas por suas pontas.
J o losofo, matemtico e astrnomo francs Pierre-Simon Laplace (1749 1827)acreditava fortemente no determinismo. O determinismo um conceito no qual as
mesmas causas geram sempre os mesmos efeitos. Baseado nisso, Laplace escreveu em
Ensaio Filosco sobre as Probabilidades:
Devemos considerar o estado presente do universo como um efeito do seu estado
anterior e como causa daquele que se h de seguir. Uma inteligncia que pudesse
compreender todas as foras que animam a natureza e a situao respectiva dos
seres que a compem . . . uma inteligncia sucientemente vasta para submeter
todos esses dados a uma anlise . . . englobaria na mesma frmula os movimentos
dos maiores corpos do universo e o do mais pequeno tomo; para ela, nada seria
incerto e o futuro, tal como o passado, seriam presente aos seus olhos.
Conhecendo o Universo 33
Em seu livro Mcanique Cleste, Laplace prope que todos os fenmenos fsicos
no Universo poderiam ser reduzidos a um sistema de partculas que exercem foras de
atrao e de repulso entre si. Em 1796, em seu livro Exposition du Systma du Monde,
resumiu o conhecimento sobre Astronomia e Cosmologia do nal do sculo XVIII e
antecipa uma idia que se tornou conhecida como a hiptese nebular. Laplace sugere
que o nosso Sistema Solar, assim como todas as estrelas, foram criadas a partir do
esfriamento e condensao de uma enorme nebulosa, quente em rotao, ou seja, uma
nuvem gasosa de partculas. A hiptese nebular, inuenciou fortemente os cientistas
no sculo XIX, fazendo-os procurarem sua conrmao ou recusa. Elementos da idia
da hiptese nebular, de Laplace permanecem centrais nossa compreenso atual de
como o Sistema Solar foi formado.
Laplace tambm esteve prximo a propor o conceito de buraco negro. Observou que
poderia haver estrelas massivas cuja gravidade seria to grande que nem mesmo a luz
escaparia de sua superfcie. Seus trabalhos consistiam em uma tentativa de substituir
a hiptese do poder de Deus por uma teoria puramente fsica que explicasse a ordem
observada no Universo.
2.6 Conhecendo o Universo
O heliocentrismo nalmente adotado, inaugurando uma fase de reavaliao das
informaes astronmicas.
A idia existente de uma esfera celeste contendo todas as estrelas era certamente
articial, principalmente agora que no havia motivo para que esta girasse em torno do
Sol. Galileu levantou a idia de que as estrelas fossem astros semelhantes ao Sol, e por
seu brilho reduzido deveriam estar muito distantes. Gradualmente o modelo dominante
passou a ser o de um Universo preenchido com estrelas semelhantes ao Sol situadas a
grandes distncias. Quanto mais distante se encontrava a estrela menor deveria ser seu
brilho.
Entretanto, existia um desao a ser esclarecido. Se as estrelas estivessem a dife-
rentes distncias deveria ser detectado o efeito de paralaxe. As estrelas mais prximas
deveriam se movimentar em relao ao fundo das estrelas mais distantes. A no de-
teco desse efeito, por menor que fosse, causava um grande desconforto. Mais ainda,
como estabelecer a distncia das estrelas?
Mesmo sem conhecer as distncias das estrelas, a discusso sobre a natureza dos
objetos astronmicos continuou avanando. Utilizando telescpios de melhor qualidade
ptica, algumas descobertas comearam a mostrar a diversidade dos objetos presentes
no Universo, como a presena de nebulosas as quais eram nitidamente diferentes dos
cometas. Com o desenvolvimento de novas teorias, os cientistas passaram a ter alguns
elementos essenciais para comear a compreender a estrutura do Universo.
Charles Messier (17301813) preparou o primeiro catlogo de objetos no estelares
34 Histria da Cosmologia
visveis do Hemisfrio Norte. Ele iniciou sua elaborao no nal da dcada de 1750
e a completou em 1784. O Catlogo das Nebulosas e Aglomerados Estelares contm
103 objetos no estelares. Sabe-se hoje que alguns destes objetos so galxias, como
Andrmeda, e outros so aglomerados globulares (enormes concentraes de estrelas)
e nebulosas galticas. Deve-se a Messier tambm a descoberta de 21 cometas.
O lsofo ingls Thomas Wright (1711 1786) procurou explicar alguns aspectosque eram naturalmente observados no cu como, por exemplo, a aparncia da Via
Lctea. Para Wright
. . . a nossa galxia, um sistema composto de uma mirade de estrelas distri-
budas em uma estrutura que se assemelha a um disco. Como estamos imersos
no meio desse disco, e mesmo as estrelas mais prximas esto muito distantes do
Sol, visualizamos a Via Lctea como uma faixa na esfera celeste. ([3], p. 26)
Immanuel Kant (1724 1804) apresentou em 1775 um modelo para descrever oUniverso. Ele levanta a seguinte questo: se as estrelas se movem, por que elas pare-
cem estar xas no cu? Segundo Kant, este movimento ou era excessivamente lento,
tendo em vista a grande distncia entre as estrelas e o centro comum em torno do
qual elas giravam, ou essa falta de movimento era devida a uma mera incapacidade
nossa de perceb-lo, gerada pela grande distncia existente entre o local onde elas se
encontravam e aquele de onde as observamos.
Kant armava que o Sistema Solar newtoniano fornecia um modelo para os sistemas
estelares maiores. Em sua concepo, o Universo tinha uma ordem similar quela que
vemos no Sistema Solar mas em uma escala maior e envolvendo muito mais objetos,
sendo formado por uma multido de estrelas que giram em torno de um centro comum
estando todas, aproximadamente, no mesmo plano. A maior contribuio de Kant foi
a introduo do modelo de Universo das pequenas manchas luminosas elpticas obser-
vadas no cu pelos astrnomos de sua poca, e que eram chamadas coletivamente de
estrelas nebulosas. Ele argumentou que se a Via Lctea tinha a forma de um disco de
estrelas, ento seria vivel existirem tambm outros agregados planos de estrelas espa-
lhados por todo o espao. Estes agregados, tendo em vista os seus tamanhos, estavam
to distantes da Via Lctea do mesmo modo como as estrelas individuais esto umas
das outras. Assim, eles deveriam aparecer para ns como pequenas manchas luminosas,
que teriam a forma mais ou menos elptica dependendo de quanto estavam inclinadas.
Kant estava convencido da existncia de outros Universos, alm da Via Lctea. Pro-
ps assim, pela primeira vez baseado apenas em losoa, que o Universo era formado
por vrios universos ilhas, repletos de estrelas semelhantes nossa galxia. Os objetos
nebulosos observados nos cus se tornaram na mente de Kant universos ilhas, como
colossais sistemas solares formados por milhares de estrelas. Seus pensamentos sobre
o Universo tinham pouco contedo observacional. Os fundamentos de suas hipteses
cosmolgicas eram basicamente loscos e teolgicos.
Conhecendo o Universo 35
Willian Herschel (1738 1822) considerado um dos maiores astrnomos no pe-rodo intermedirio entre Newton e o sculo XX. Deve-se a ele a universalidade da lei
da gravitao ao descobrir estrelas binrias orbitando uma em torno da outra e obe-
decendo a mesma lei da gravitao que os planetas do Sistema Solar. A descoberta do
planeta Urano, em 13 de maro de 1781, o torna famoso. Urano foi o primeiro pla-
neta descoberto que no era conhecido na antiguidade, embora tenha sido observado
e confundido com uma estrela em muitas ocasies. O astrnomo ingls John Flams-
teed (1646 1719) o catalogou como a estrela 34 Tauri em 1690. Um fato semelhanteocorreu com Galileu, que entre 1612 e 1613, observou Urano em algumas ocasies pelo
telescpio, mas o registrou como uma estrela. Numa das ocasies, Galileu chegou a se
surpreender com o fato de ter anotado incorretamente, a posio daquela estrela, no
dia anterior, e limitou-se a corrigir, a posio. Sem cogitar a possibilidade de tratar-se
de um movimento angular real do objeto e perdendo a oportunidade de adicionar mais
este mrito sua extensa lista de contribuies Cincia.
Herschel tambm se interessou pelas estrelas nebulosas, mencionadas por Kant e
Wright, entre outros. Ao longo de seus levantamentos do cu descobriu muitas outras.
Ao iniciar suas observaes nos primeiros anos da dcada de 1780, os astrnomos
conheciam cerca de 100 objetos nebulosos, no cu do Hemisfrio Norte que haviam
sido catalogados por Charles Messier. Em 1802 publicou uma lista com mais 500
objetos nebulosos.
Herschel considerou as manchas difusas, de luz, ou nebulosas, observadas em seu
telescpio como universos isolados com este fato a cosmologia recebe um grande
impulso, e a partir de suas observaes a astronomia extragaltica torna-se um ramo
independente da Astronomia.
Herschel defendeu a hiptese de que a Via Lctea era um universo-ilha isolado,
em forma de disco, com o Sol numa posio central. Ele considerou a idia
de que todas as nebulosidades lctea consistiam em sistemas estelares, quando
adequadamente examinadas, e, ao fazer isso, ele incluiu indiscriminadamente as
nebulosas gasosas tais como as nebulosas planetrias e os restos das supernovas,
como universos de estrelas isolados.
Apesar desses erros, ao reconhecer que a Via Lctea poderia ser semelhante em
estrutura e em escala absoluta s outras fracas nebulosidades, Herschel deu um
grande passo no sentido de colocar a Terra em uma perspectiva adequada em
relao ao resto do Universo. ([4],p.10).
A idia de William Herschel de que todas as nebulosidades lcteas, consistiam
em sistemas estelares levaram muitos astrnomos a observar com mais ateno estas
pequenas nuvens difusas no cu que, at aquele momento, no haviam sido resolvidas
em estrelas.
Em 1845 o astrnomo irlands William Parsons (1800 1867), construiu um teles-cpio de 72 polegadas no seu castelo em Parsonstown na Irlanda. Tal construo era
36 Histria da Cosmologia
monstruosa para a poca sendo apelidada de Leviathan of Parsonstown.
Parsons conseguiu com a ajuda deste equipamento determinar que algumas destas
nebulosas, possuam uma estrutura em forma de espiral. Em abril de 1845 desenhou
a nebulosa, M51 (hoje conhecida como galxia Rodamoinho) mostrando sua forma
espiral. Esta foi a primeira vez em que a forma espiral foi identicada em uma nebu-
losa. Ele tambm conseguiu discernir estrelas individuais em vrias nebulosas, onde
nem mesmo o poderoso telescpio de Herschel tinha obtido sucesso.
Figura 2.4: Nebulosa M51, hoje conhecida como galxia Rodamoinho
Por sua forma prpria, estes objetos nebulosos passaram a ser chamados de nebu-
losas espirais. A natureza destas nebulosas espirais, foi assunto de intenso debate
durante as vrias dcadas que se seguiram. Anal, estes objetos pertenciam ou no
nossa Galxia?
Com a descoberta das nebulosas espirais surge um grande problema para Astro-
nomia da poca: como determinar as distncias at as chamadas nebulosas espirais?
Ao responder a essa questo seria possvel dizer se elas pertenciam ou no a nossa ga-
lxia. Esse era um ponto fundamental que precisava ser esclarecido para conhecermos
o tamanho do Universo.
Nesta poca, muitos cientistas acreditavam que a nossa Galxia era todo o Universo.
As estrelas que vamos eram nicas e alm destas estrelas existiria apenas a escurido
de um espao sem m. Entretanto, no havia um mtodo convel para determinar
distncias aos objetos astronmicos situados alm das estrelas mais prximas. No era
possvel denir se as nebulosas espirais, estavam relativamente prximas ou distantes.
Para resolver este problema era necessrio, em primeiro lugar, desenvolver mtodos que
permitissem calcular distncias s estrelas.
Conhecendo o Universo 37
A primeira tcnica direta para calcular as distncias s estrelas foi conhecida como
paralaxe trigonomtrica. Este mtodo foi empregado em 1838 por Friedrich Wilhelm
Bessel (17841846) para demonstrar que a Terra girava em torno do Sol. Infelizmenteesta tcnica s podia ser aplicada s estrelas que estavam mais prximas, quelas
situadas a menos de 100 parsecs. Para as estrelas situadas a distncias maiores este
deslocamento angular to pequeno que torna-se quase impossvel med-lo. Cabe
ressaltar que mesmo para as estrelas mais prximas, a medida de paralaxe muito
pequena. Por esse motivo ela no medida em graus, mas em fraes de graus chamados
segundos de arco.
As observaes constantes com relao as medidas de movimentos e posies estela-
res, zeram surgir uma outra tcnica para determinar as distncias s estrelas baseadas
no chamado movimento prprio das estrelas. Esta tcnica foi amplamente usada du-
rante o sculo XIX por diversos astrnomos. Novamente s era possvel medir pequenas
distncias, uma vez que o movimento prprio de estrelas muito distantes pequeno
demais para que se possa detectar. Contudo, esta tcnica permitiu que os astrnomos
medissem distncias a estrelas situadas bem alm do alcance oferecido pela paralaxe
trigonomtrica.
Em 1847, Friedrich G. Struve (17931864) mostrou que em algumas direes obrilho aparente das estrelas decresceria muito mais rapidamente que o esperado
se a sua distribuio fosse homognea. A explicao desse efeito que se tor-
nava necessrio admitir a presena da poeira interestelar. Esse efeito prejudicara
seriamente as estimativas de W. Herschel sobre a forma da Galxia, j que os
objetos que ele acreditava distantes talvez no estivessem tanto assim.([3], p.30)
John Herschel (1792 1871), lho de William Herschel, consolidou o catlogo denebulosas ampliando o nmero de objetos catalogados para 5 mil.
Dois avanos tecnolgicos do sculo XIX foram fundamentais para o desenvolvi-
mento da Cosmologia: o desenvolvimento da fotograa e o aperfeioamento do espec-
tgrafo. A partir da fotograa foi possvel gravar as observaes na forma de uma
imagem que poderia ser depois examinada. J o espectgrafo permitiu realizar um
registro fotogrco de um espectro luminoso.
Em 1868Willian Huggins (18241910) estabeleceu, de acordo como efeito Doppler,que as linhas espectrais devem alterar de posio quando a fonte emissora se movimenta.
Ele utiliza o espectro estelar para identicar elementos qumicos e sugere que os mesmos
elementos so encontrados na Terra e no Sol.
No nal do sculo XIX, o espectgrafo estava instalado em vrios telescpios sendo
sua principal aplicao a classicao espectral das estrelas. As tcnicas de espectros-
copia passaram a ser uma ferramenta til para os estudos das estrelas, produzindo um
grande avano no conhecimento destes objetos.
Em 1886, o astrnomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846 1919),inventou um mtodo engenhoso pelo qual era possvel obter espectros de centenas de
38 Histria da Cosmologia
estrelas usando o chamado prisma objetivo. Pickering contava com um grupo de
mulheres para analisar os espectros obtidos. Neste grupo destacaram-se as astrnomas
Annie Jump Cannon (1863 1941), Henrietta Swan Leavitt (1868 1921) e AntoniaMaury (1866 1952), que alm do trabalho de classicao desenvolveram outrasimportantes pesquisas cientcas.
Annie Jump Cannon vericou que as estrelas podiam ser classicadas de acordo com
as linhas que apareciam nos seus espectros. Ela notou que as classes espectrais podiam
ser rearranjadas de modo a formarem uma sequncia contnua de mudanas graduais.
Foi ento que surgiu a chamada classicao espectral de Harvard, que usamos at
hoje e que classica as estrelas como sendo dos tipos O,B,A, F,G,K,M,R,N e S.
O fator bsico para esta classicao era a temperatura da superfcie das estrelas. A
temperatura diminuia contnuamente a partir das estrelas mais quentes, classicadas
como O, at chegar s mais frias, do tipo M .
Em 1906, o astrnomo dinamarqus Ejnar Hertzsprung (1873 1967), descobriuque existiam estrelas gigantes e ans. Este fato revelou que as estrelas podiam ser
bem diferentes tambm em seus aspectos fsicos. As estrelas com grande tamanho,
chamadas estrelas gigantes, tambm tinham alta luminosidade. Como resultado dessa
pesquisa, os astrnomos viram que as distncias s estrelas podiam ser estimadas se
seus espectros fossem conhecidos.
Henrietta S. Leavitt, no incio do sculo XX,
. . . lanou a base slida em que se assentaria a soluo do problema dos universos
ilhas. Ao observar 59 estrelas variveis do tipo Cefeida, na Pequena Nuvem de
Magalhes, ela foi capaz de mostrar que o perodo de variabilidade destes objetos
dependia fortemente da sua luminosidade intrnseca. Portanto, uma observao
cuidadosa da regularidade das suas variaes de brilho seria capaz de prover uma
indicao da sua luminosidade intrnseca. Uma vez que o seu brilho aparente pode
ser estimado com relativa facilidade seria possvel determinar a sua distncia.([3],
p. 29)
No entanto, para este fato ser concretizado seria necessrio uma calibrao de ponto
zero, qual informa o valor absoluto do brilho intrnseco das estrelas.
Em 1912, Vesto Melvin Slipher (1875-1969) descobriu que as linhas espectrais das
estrelas na galxia de Andrmeda mostravam um enorme deslocamento para o violeta.
Indicando que esta galxia est se aproximando do Sol. Iniciou assim um trabalho
sistemtico demonstrando que das 41 galxias por ele estudadas, a maioria apresen-
tava deslocamento espectral para o vermelho, indicando que as galxias estavam se
afastando. Tambm descobriu que quanto mais fraco o seu brilho e, portanto mais
distante, maior era o deslocamento para o vermelho de seu espectro (redshifht).
Redshift, em portugus desvio para o vermelho, uma medida da velocidade re-
lativa a ns de um objeto. Se um objeto se afasta, o comprimento de onda da luz que
O surgimento das Teorias de Einstein 39
este emite aumenta, ou seja, desvio para o vermelho (redshift). Se este se aproxima,
o comprimento de onda diminui, ou seja, desvio para o azul (blueshift).
No ano de 1913, Ejnar Hertzprung estima a calibrao de ponto zero a qual informa
o valor absoluto do brilho intrnseco das estrelas. Desta maneira, foi possvel estimar
a distncia das Nuvens de Magalhes em cerca de 30 mil anos-luz. Esta descoberta foi
momentaneamente suciente para demonstrar a natureza extragaltica das nebulosas
espirais.
As duvidas quanto as dimenses de nossa galxia ainda persistiam. Nem mesmo
os mtodos observacionais pareciam esclarecer a pergunta que todos os astrnomos
faziam: as nebulosas espirais, estavam prximas a ns ou distantes?
Com o propsito de resolver a discusso sobre os universos ilhas, a Academia
Nacional de Cincias de Washington convidou os pequisadores Harlow Shapley (18851972) e Heber Doust Curtis (1872 1942) para apresentarem seus pontos de vistas eargumentos. Este evento, realizado em 26 de abril de 1920, cou conhecido como O
Grande Debate.
Shapley apresentou os seus argumentos em favor de uma dimenso galtica da
ordem de 300 mil anos-luz. poca esses argumentos, baseados na escala de
distncias das Cefeidas, pareciam bastante slidos.
. . . Curtis defendeu a posio de que a dimenso da Galxia seria de to-somente
30 mil anos-luz. O seu argumento se baseava nos indicadores de distancias de
estrelas prximas. Armava ele que era impossvel aceitar o argumento de Shapley
de que os aglomerados globulares se encontravam to distantes, recusando assim
a idia de uma dimenso muito maior para a Galxia. ([3], p. 29-30)
Curtis no conseguiu mostrar a falha nos argumentos de Shapley. O Grande Debate
foi resolvido em 1925 com a importante descoberta de Edwin Hubble (1889 1953)de que a nebulosa de Andrmeda era realmente uma galxia externa. Utilizando o
telescpio de Monte Wilson, o maior da poca, observando as Cefeidas em Andrmeda.
Hubble mostrou que esta nebulosa se encontrava 930 mil anos-luz, aproximadamente
a metade da distncia atual. Tal erro em relao a essa escala de distncia foi somente
corrigido na metade do sculo XX. Mesmo assim, estava provado que Andrmeda no
era um objeto galtico, mesmo tendo como base os argumentos de Shapley. Finalmente
estava provada a existncia dos universos ilhas de Immanuel Kant.
2.7 O surgimento das Teorias de Einstein
At 1905, os conceitos de espao e tempo eram descritos pela fsica newtoniana. Os
fenmenos da natureza, desde os mais simples como a queda de um corpo na superfcie
da Terra, at as formas mais complexas como a descrio dos movimentos dos corpos
celestes em suas rbitas eram descritos pelas equaes do movimento e pela Teoria da
40 Histria da Cosmologia
Gravitao Universal estabelecidas por Isaac Newton. Contudo, importante ressaltar
que o prprio Newton tinha dvidas em partes de sua teoria. A fsica newtoniana dizia
que a ao entre dois corpos era descrita pela lei da gravitao universal, que ocorria
como uma ao a distncia e cuja informao se propagava com velocidade innita.
Por exemplo, dois corpos em repouso no espao, quando subitamente um deles se
desloca enquanto o outro permanece em repouso. Pela teoria de Newton o corpo que
permaneceu em repouso sente instantaneamente o deslocamento do outro corpo. Isso
implica que a informao de que o primeiro corpo se moveu, se propaga com uma
velocidade innita, contradizendo as observaes feitas em laboratrio.
O fsico escocs James Clerk Maxwell (1831 1879) mostrou que os fenmenoseletromagnticos se propagavam com velocidade nita. Mostrando matematicamente
que a onda eletromagntica se propagava no vcuo com a velocidade constante igual
velocidade da luz.
Maxwell mostrou que a prpria luz era um fenmeno eletromagntico, passando
assim a ser entendida como uma onda eletromagntica cuja velocidade constante
representada pela letra c. Isto era equivalente a mostrar que a luz se deslocava com
uma velocidade que independia do movimento de quem a estivesse observando, assim
como da velocidade da fonte que a estava emitindo. As leis fsicas propostas por Newton
para o movimento dos corpos previam o contrrio: elas mostravam que a velocidade
da luz dependia do movimento do observador.
Sugiram assim, por parte de Hendrik Antoon Lorentz (1853 1928), Jules HenriPoincar (1854 1912) e Albert Einstein (1879 1955) modicaes estruturais nosconceitos relacionados aos sistemas inerciais. A denio de inrcia sob o ponto de
vista newtoniano no foi mais aceita. Uma nova mecnica deveria surgir. As primeiras
modicaes surgiram no que diz respeito aos conceitos de espao e tempo absolutos de
Newton e Galileu, pois eram atravs destes dois conceitos que se deniam um referencial
inercial e as leis do movimento.
O primeiro fato a ser questionado era a existncia real ou no do ter csmico
proposto pela mecnica newtoniana. Em 1887, os fsicos Albert Abraham Michelson
(1852 1931) e Edward Willians Morley (1838 1923) realizaram uma experinciapara constatar a existncia de tal substncia. No comprovaram que essa substncia
existia e tambm notaram que a luz no obedecia s leis da mecnica newtoniana.
Em 1904, Lorentz e Poincar zeram importantes descobertas cujas implicaes
passaram despercebidas.
A nova teoria de Lorentz introduzia a diferena entre dois tipos de tempo, tempo
local, e tempo universal, (mas considerava que o tempo universal era, de al-
gum modo, a medida prefervel). Lorentz tambm percebeu que o movimento de
um eltron atravs do ter deve afetar o valor de sua massa, um efeito conr-
mado experimentalmente pelo fsico Walter Kaufman. Poincar questionou se a
velocidade da luz poderia ser um limite de velocidade no universo, uma lei apa-
O surgimento das Teorias de Einstein 41
rentemente implicada pelas teorias da contrao. Ele tambm especulou sobre a
subjetividade do espao e do tempo, escrevendo: No h tempo absoluto; dizer
que duraes de tempo so iguais uma armao que por si mesma no tem
signicado . . . ns no temos sequer a intuio direta da simultaniedade de dois
eventos ocorrendo em lugares diferentes . . . . A linha divisria entre as coisas
temporais e o espao sem tempo em que elas existiam estava se partindo. ([6]
p.177)
Em 30 de junho de 1905, Einsten apresentou ao mundo sua Teoria da Relatividade
Especial tambm conhecida como Teoria da Relatividade Restrita onde fez uma inter-
pretao correta das equaes das transformaes de Lorentz
3
e uma completa reviso
dos conceitos de espao e tempo da Mecnica newtoniana.
O princpio bsico desta nova teoria proposta por Einstein est no fato de no
existir um sistema de referncia universal ou absoluto. Na Teoria da Relatividade
Especial discutem-se fenmenos que envolvem somente sistemas de referncia dotados
de movimento retilneo uniforme em relao a outros referenciais.
Em 1906 surge o primeiro artigo sobre a relatividade especial no escrito por Eins-
tein. Seu autor foi o fsico alemo Max Karl Ernst Ludwig Planck (18581947). Nesteartigo Planck aplica os conceitos da relatividade teoria quntica
4
. J no ano de 1907,
tornou-se o primeiro a orientar uma tese de doutoramento sobre relatividade.
Hermann Minkowski (18641909) foi outra pessoa importante a adotar os conceitosda relatividade especial. Ele mostrou que a teoria newtoniana da gravitao no era
consistente com a teoria da relatividade.
[Minkowski foi] um dos poucos a fazer uma importante contribuio teoria nos
seus primeiros dias. Ele deu um seminrio no qual introduziu a geometria e a
idia de tempo como a quarta dimenso na teoria da relatividade. Numa palestra
em 1908, Minkowski disse: Daqui por diante, o espao em si mesmo, e o tempo
em si mesmo, esto fadados a se desvanecer em meras sombras, e somente um
tipo de unio dos dois preservar uma realidade independente. ([6] p. 193-194)
Apesar do apoio de fsicos importantes como Planck e Minkowski, e de alguns ou-
tros fsicos principalmente da Alemanha, uma aceitao ampla da relatividade especial
3
Hoje sabe-se que as equaes que descrevem um dado fenmeno fsico, denidas em um determi-
nado referencial, precisam permanecer inalteradas se as observamos em um outro referencial que se
desloca com velocidade constante em relao ao primeiro. O conjunto de equaes que associa esses
dois referenciais so conhecidas como transformaes de Lorentz em homenagem ao fsico holands
Hendrik Antoon Lorentz.
4
A teoria quntica: a teoria fsica que estuda os sistemas fsicos cujas dimenses so prximas
ou abaixo da escala atmica, tais como molculas, tomos, eltrons, prtons e de outras partculas
subatmicas, muito embora tambm possa descrever fenmenos macroscpicos em diversos casos. A
teoria quntica fornece descries precisas para muitos fenmenos previamente inexplicados tais como
a radiao de corpo negro e as rbitas estveis do eltron.
42 Histria da Cosmologia
demorou a chegar. Enquanto a comunidade dos fsicos ponderavam sobre as idias
da Teoria da Relatividade Especial, Einstein j estava trabalhando e formulando uma
segunda teoria que causaria uma revoluo ainda maior que a primeira.
Pode-se dizer que Einstein no cou satisfeito com a Teoria da Relatividade Es-
pecial por muito tempo. Ele sentia uma forte necessidade de generalizar o princpio
da relatividade dos movimentos uniformes aos movimentos acelerados. Aps um longo
e rduo caminho de oito anos de pesquisa, qual se iniciou com uma reexo sobre a
equivalncia entre movimento acelerado e gravidade, Einstein estende a relatividade
do movimento a todos os observadores, ao mesmo tempo que edica uma nova Teoria
da Gravitao
5
. Desta maneira, ele ultrapassou a limitao da relatividade especial, a
qual privilegiava apenas os observadores inerciais.
Poucos meses aps Einstein ter concludo a Teoria da Relatividade Geral, o fsico
alemo Karl Schwarzschild (1873 1916) conseguiu aplicar esta teoria para obter asoluo matemtica exata de como o espao e o tempo se curvam na vizinhana de
uma estrela compacta e esfericamente simtrica. Alm de ser a primeira soluo exa-
ta das equaes de campo da gravitao relativstica, os resultados encontrados por
Schwarzschild revelaram uma implicao espantosa e ao mesmo tempo maravilhosa da
relatividade geral.
[Schwarschild] demonstrou que se a massa de uma estrela estiver concentrada
em uma regio esfrica sucientemente pequena para que o resultado da diviso
da sua massa pelo seu raio seja maior do que determinado valor crtico, o en-
curvamento do espao-tempo assim produzido ser de tal modo rad