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Vips e28093 Histc3b3rias Reais de Um Mentiroso e28093 Mariana Caltabiano

Sep 24, 2015

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Vips e28093 Histc3b3rias Reais de Um Mentiroso e28093 Mariana Caltabiano
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Transcript
  • 2005 Mariana Caltabiano

    Direitos em lngua portuguesa para o Brasil adquiridos autora, por EDITORA BLOCKER E ASSOCIADOS LTDA.,

    rua Capote Valente, 288 casa 805409-000 So Paulo SPTel./Fax: (11) 3064-2935

    www.editorajaboticaba.com.br

    Capa e Projeto GrficoSimone Drago

    Editorao da nova edioDreampix

    IlustraesJos Carlos Lollo

    Preparao de textoFernando Santos

    RevisoGraziela Marcolin, Jane Cristina Mathias Cantu

    FotosRevista poca e arquivo pessoal

    ComposioCasa de Tipos Bureau e Editora

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Caltabiano, Mariana

    VIPs : histrias reais de um mentiroso / Mariana Caltabiano So Paulo : Jaboticaba, 2005.

    ISBN 85-89894-16-9

    1. Rocha, Marcelo Nascimento da Entrevistas 2. Vigaristas Biografia I. Ttulo. II. Ttulo:Histrias reais de um mentiroso.

    05-2468 CDD-364.18092

    ndices para catlogo sistemtico:1. Vigaristas : Entrevistas : Biografia 364.18092

  • DEDICATRIAPara o meu marido Marcelo, que sempre me apia.At mesmo em projetos malucos como

    este.

  • AGRADECIMENTOS(em ordem alfabtica)

    Toniko MelloAlessandra Blocker

    Amaury Jr.Andra Barata

    Ary PiniBel Berlinck

    Brulio MantovaniCarlos TimteoCludia Buschel

    Clvis GalvoChris Riera

    Ed S SampaioErh Ray

    Fernando MeirellesGil Farah

    Helena RoccaJack Nascimento da Rocha

    Jane VieiraJoo Francisco Caltabiano

    Joo Vicente Camacho FerrairoJos Carlos Lollo

    Joslia Nascimento da RochaJlia Macedo Enne

    Marcelo NepomucenoMaurcio Csar

    Northon DenglerO2 Filmes

    Paulo CordeiroPaulo Morelli

    Ricardo BarcellosRoberto OliveiraRonaldo Vietez

    Simone Drago (Simonal)Suzana LiuzziThais Bastos

    Thiago DottoriVincius Mainardi

    Wagner Moura

  • SUMRIOCOMO TUDO COMEOU

    MINHA PRIMEIRA ENTREVISTA NA CADEIA

    V.I.P.

    CONFISSES DE UM VIGARISTA

    O PESTINHA

    UM ESTRANHO NO NINHO

    POLICIAL AOS DEZESSEIS ANOS

    COMO FUI DESCOBERTO

    REPRTER DA MTV

    OLHEIRO DA SELEO

    MAJOR MARCELO

    A VENDA DAS MOTOS DO EXRCITO

    COMO VIREI PILOTO

    PRENDA-ME SE FOR CAPAZ

    GUITARRISTA DO ENGENHEIROS DO HAVA

    GRIAS DA CADEIA

    GOLPE DO CHUTE

    VENDE-SE: VAGA EM FACULDADE DE DIREITO

    VOO CAMICASE

    MEU PATRO

    COMO ENGANEI O DEPARTAMENTODE ENTORPECENTES AMERICANO

    QUASE MORTO

    COMO GANHEI RESPEITO NO CRIME ORGANIZADO

    PARAGUAI

    BARRETOS

    PSIQUIATRAS

    A CARTEIRINHA

  • ESTAGIRIA DE DIREITO

    COMO ME TRANSFORMEI EM EMPRESRIO MUSICAL

    AULA DE PICARETAGEM

    A OCASIO FAZ O LADRO

    ROUBOS DE AVIO

    ROUBOS DE AVIO QUE NO DERAM CERTO

    1 Roubo

    2 Roubo

    COMO ESCAPEI DA POLCIA FEDERAL

    QUANDO FUGI DE UM PAGADOR

    FIGURAS QUE CONHECI

    CAGO

    ESMRIO

    CANA BRAVA

    RATINHO

    OS JURES

    QUANDO FINGI SER O FILHO DO DONO DA GOL

    CHEGADA TRIUNFAL

    AS BARRINHAS DE CEREAL

    AMAURY JR.

    1 Entrevista

    2 Entrevista

    OS VIPS

    FEITICEIRA

    O PADRINHO DO HENRIQUE CONSTANTINO

    PROVA DE PODER

    QUANDO OFERECI MEU JATO PARA O AMAURY JR.

    PRISO VIP

    A VERSO DA REVISTA POCA

    O QUE AS PESSOAS FALARAM DEPOIS

    O MUNDO VIP E O MUNDO DO CRIME

    MULHERENGO

  • JANE

    PRISO

    CPI DO NARCOTRFICO

    MEU NAMORO COM A MULHER QUE FORNECIA COMIDA PARA BANGU

    O DIA EM QUE ENGANEI O MARCELO NASCIMENTO

    LDER DA REBELIO DE BANGU

    PORQUE LIDEREI A REBELIO

    A FUGA DE BANGU

    QUANDO COMENTARAM O CASO DA GOL COMIGO(SEM SABER QUE EU ERA O AUTOR DO GOLPE)

    VIDA

    PRISO LIGHT

    FITA ENVIADA PELO CORREIO(QUANDO MARCELO ESTAVA FORAGIDO)

    A LTIMA VEZ QUE FOI PRESO

    O QUE ACONTECEU DEPOIS QUE OLIVRO FOI PUBLICADO

  • Este livro foi publicado pela primeira vez em 2005. Na poca tive muita dificuldade paraencontrar um final. Hoje, quatro anos depois, finalmente descobri o porqu.

    A histria simplesmente ainda no tinha terminado. De l para c muita coisa aconteceu. E oMarcelo realizou o sonho de ter sua histria transformada em filme e documentrio. No ltimocaptulo desta edio, vou poder responder o que voc deve estar se perguntando neste exato

    momento: que fim levou esse cara?

  • OVips uma falta de tica profissionalcom os estelionatrios;

    quem ler dificilmente vai cair em algum golpe.

    (Marcelo Nascimento da Rocha)

  • COMO TUDOCOMEOU

  • Uma vez assisti um programa do Amaury Jr. no qual ele entrevistava um gordinho que diziaser o HenriqueConstantino, filho do dono da companhia area Gol. Praticamente abraadocom o apresentador, ele confirmava histrias da famlia dos donos da empresa e falava comsegurana sobre os seus avies. Na sequncia do programa, o Amaury explicava que tinhasido vtima de uma farsa. O gordinho, na verdade, era um grande picareta. Ele se chamavaMarcelo Nascimento da Rocha e havia passado quatro dias enganando todo mundo em umevento badalado em Recife. Comeu e bebeu de graa, foi paparicado por modelos, atrizes,empresrios e apresentadores. Deu entrevistas e posou para fotgrafos de colunas sociais.Apareceu em matrias de revistas como amigo ntimo das celebridades. Foi descrito comoum dos maiores malandros de todos os tempos.

    Achei que esse personagem renderia um livro e, de repente, at um filme. Mas no incio nopensei em escrever a histria real do Marcelo Nascimento. Imaginei que seria interessantefazer um filme que mostrasse um pouco da superficialidade do momento que estamosvivendo, em que praticamente qualquer pessoa pode ficar famosa da noite para o dia. Depoisde fazer uma pesquisa na internet, descobri que o Marcelo era muito mais maluco eengraado do que o personagem da minha fico. Decidi deixar que ele mesmo contasse suahistria. VIPs no um romance nem uma reportagem. um relato curioso, feito por umapessoa que vive sua vida como se fosse um filme.

    Sem dor na conscincia, ovigarista cruzou vrios estadosaplicando golpes. Antes de incorporaroempresrio esbanjador, fez-se passar por oficialdo Exrcito, policial de grupo deelite eguitarrista de rock. Suadesfaatez to grande quesustentou a farsa do ltimo papelat nahora em que recebeuvoz de priso. Quando o policialabordou o grupo noaeroporto,perguntando quem ali era Constantino,Marcelo adiantou-se,autoritrio: Sou eu, porqu?.Saiu algemado.

    Revista poca, 3 de dezembro de 2001

    Achei o nome da me dele em uma das matrias e decidi ligar. Ela me contou que ele tinhafugido da priso (Bangu 5, no RJ) e estava desaparecido. Trs dias depois recebi um telefonemadela dizendo que o Marcelo tinha sido preso em Curitiba. Ela ainda brincou: Agora que estpreso, ele vai ter bastante tempo pra fazer esse livro.

    Fui para Curitiba com uma advogada. Minutos antes de me encontrar com o Marcelo, fiqueicom medo de ter um ataque de riso quando o visse. Aquela situao era muito surreal. Ele nosabia quem eu era e tampouco que iria l naquele dia.

    O Marcelo estava bem diferente das fotos das revistas. Estava loiro, com cabelo comprido ebarba. Ele me olhava com um ar desconfiado e no parava de fazer perguntas. Acho que estavachecando se eu tinha alguma coisa a ver com a sua captura. Enquanto eu conversava com ele,um preso piscava para a advogada. Estvamos muito prximas de uma cela lotada. Minhaspernas estavam bambas. Eu nunca tinha passado nem perto de uma priso. Ele estendeu a moe nos cumprimentou atravs das grades. Imediatamente lembrei dos filmes americanos onde opreso puxa a pessoa, pe um canivete no pescoo dela e a faz de refm. Na verdade, passada adesconfiana, o Marcelo foi simptico e mostrou-se interessado pela proposta. Consegui queele assinasse um contrato de cesso de direitos para livro, filme e documentrio. Mas antes tiveque ir a um cartrio para descobrir seu RG e CPF verdadeiros. Ele no lembrava de nenhumdos dois. Disse que tinha uma srie de identidades falsas.

  • Combinamos, ento, que eu viria mais vezes a Curitiba para gravar entrevistas dele contando asua histria.

  • MINHAPRIMEIRA

    ENTREVISTANA CADEIA

  • Era para eu ter comeado a fazer as entrevistas no dia 20 de dezembro de 2003. Fui viajar eacabei aparecendo por l apenas no dia 14 de janeiro de 2004. Levaram Marcelo at a salaonde eu estava. Quando ele chegou j estava tudo pronto para comear a gravao.

    Pensei que voc no viesse mais ele disse, mal-humorado.

    Eu tava viajando no deu pra vir antes

    Por sua causa eu cortei o cabelo e estou fazendo a barba desde o dia 20 de dezembro.

    Ficou bom o cabelo falei meio sem jeito.

    Voc tem ideia do que falar na priso que uma coisa vai acontecer e essa coisa noacontecer?

    Eu no tinha a mnima.

    Todo mundo aqui j t sabendo desse livro voc no apareceu mais j comearam afazer piada comigo

    Eu falei pro delegado que s viria depois do Ano Novo ele no te avisou?

    Voc demorou muito o problema que agora no comeo do ano eu recebi uma propostamelhor que a sua

    De quem?

    De um cara chamado Ronaldo. Ele irmo do Reginaldo Faria. Eles querem fazer um filmesobre a minha histria

    Ele continuou falando, dando detalhes da proposta muito mais interessante que tinha recebido.No lembro de tudo, apenas de algumas partes.

    Eles ofereceram 30 mil pra fazer o filme, vou fazer com eles.

    Bom, mas voc assinou um contrato comigo pra livro e filme

    A minha advogada falou que a gente pode anular esse contrato. No tem multa.

    O pior que o contrato no tinha multa mesmo. (De que ia adiantar colocar multa numcontrato com um estelionatrio?) E eu tambm j tinha ouvido falar que o irmo do ReginaldoFaria fazia filmes sobre presos. O Marcelo chegou at a dar um telefone para eu conferir. Sdeu caixa postal. Na dvida achei melhor resolver a situao ali mesmo. Pensei: vai que essahistria verdade

    Depois de uma hora de canseira e ligaes para a minha advogada e a dele, chegamos a umacordo: alm do combinado no contrato, ele seria meu scio na venda do livro. Quandofinalmente comeamos a gravao eu j estava exausta. No meio da entrevista, perguntei:

    Marcelo, como voc faz para enganar as pessoas?

    Ele respondeu sorrindo:

    Da mesma maneira que eu fiz com voc eu no te convenci hoje?

  • Fiquei passada. Ele estava mostrando como eu fui trouxa em frente cmera. Fiquei com tantavergonha que pulei para a prxima pergunta e no toquei mais no assunto. Os leitores maisespertos devem estar pensando: bvio que ele no tinha recebido nenhuma outra proposta.Como ela no percebeu que era mentira? O problema que o Marcelo descobre o ponto fracodas pessoas e usa isso a seu favor. Desde o nosso primeiro encontro o meu maior medo era queele fosse fazer o livro ou o filme com outra pessoa. De alguma maneira ele sabia disso e soubeusar direitinho. Fui enganada mesmo sabendo quem ele era. Um cara que tem o talento defazer com que todo tipo de gente acredite nele: do bandido ao empresrio. Lendo este livrovoc vai entender. Afinal, no qualquer um que consegue se fazer passar por dono da Gol,lder do PCC, msico de bandas famosas, policial, tenente, reprter da MTV, fazendeiro rico,fiscal da Receita, entre outras coisas.

    A histria do Marcelo lembra bastante a de Frank Abagnale, um dos maiores vigaristas dos EUAque foi interpretado por Leonardo DiCaprio no cinema. Frank falsificava cheques e se fez passarpor piloto, mdico, advogado e professor. A diferena entre os dois que Marcelo pilota aviesde verdade. Alm disso, o americano era bonito e usava seu charme para aplicar os golpes. Jo Marcelo, bem digamos que ele tinha que contar com uma bela lbia e uma senhora carade pau.

  • V.I.P.Very Important Person

  • A partir daqui voc vai ler histrias narradas pelo prprio Marcelo e transcritas por mim. Tenteiser o mais fiel possvel aos depoimentos e ao modo de falar dele e dos outros personagens. Fizpequenas adaptaes para facilitar a leitura. Tambm acrescentei testemunhos de pessoas queparticiparam de alguma forma dos episdios. Muitos nomes foram alterados para evitarproblemas jurdicos. Qualquer semelhana com a vida real no mera coincidncia.

  • CONFISESDE UM

    VIGARISTA

  • Eu me chamo Marcelo Nascimento da Rocha. Nasci em Maring, em 1976. Sou o caula deuma famlia de cinco irmos. Nunca fomos ricos, mas tambm nunca me faltou nada. Apesardisso, dou golpes desde os catorze anos de idade. Aos dezoito anos comecei a trabalhar comopiloto do narcotrfico. Nunca vendi drogas e tambm no uso. Experimentei cocana uma vez eno gostei. Normalmente sou considerado um palhao pelos meus companheiros. Quandocheirei fiquei calado e sem graa. Nas vezes em que experimentei maconha ri demais e comidemais, o que pssimo para um cara gordo que nem eu. Se no fosse pelo dinheiro, jamaistransportaria droga. Tem um lado muito ruim pra quem usa e pra quem trabalha com issoMas depois eu falo sobre esse assunto. Voltando minha histria, quando no estava pilotandome fazia passar por outras pessoas. Apareci na mdia diversas vezes com meus personagensinventados. Minha primeira apario foi aos seis meses de idade em um livro de medicina. claro que aos seis meses eu no estava me fazendo passar por ningum. Eu tinha uma doenade pele grave chamada dermatite herpetiforme. Meu corpo ficava coberto de bolhas.

    As bolhas coavam que era um inferno. (Joslia Maria Nascimento da Rocha, me deMarcelo)

    Naquela poca, o nico medicamento que existia era um remdio para leprosos que me faziavomitar. Minha me sofria muito com a minha doena.

    Ele tinha vergonha, tinha ferida no corpo todo.S no saiu na sola do p. No rosto saiu umpouco. OEnzo (filho do Marcelo) est com o mesmo problema. (Me de Marcelo)

    Um dia, sem saber mais o que fazer, ela me levou a uma junta mdica do Paran.

    Os mdicos ficaram to impressionados que pedirampara tirar fotos dele para colocar nolivro das doenas.(Me de Marcelo)

    Anos mais tarde ela me levou a um homeopata que conseguiu me curar em poucos dias. Nuncamais tive nada.

  • O PESTINHA

    Na escola os professores disseram que se elecontinuasse estudando l no ano seguinte, elesnodariam aula. O Marcelo era terrvel, no deixava ningumem paz. Queria chamarateno, ser o mais importanteda turma. S gostava de uma professora, que faziaele sesentir importante, deixava ele escrever noquadro. Naquela aula ele se comportava. Masperturbavaos outros professores que no davam bola. Acabavatudo antes dos outros alunose depois ficava fazendobaguna. Os professores mandavam ele para fora. Noterminou aquinta srie. No conseguia ficar em salade aula. Dizia: Eles esto falando coisa que eujsei.(Me de Marcelo)

    Passei por uma escola correcional porque uma juza percebeu que eu precisava ser interditado.Eu era muito terrvel em sala de aula. A professora passava uma lio, eu terminava rpido eficava azucrinando os outros alunos. Era uma peste, mas sempre tirei nota boa. Oficialmenteestudei at a quinta srie, depois eu comprei o diploma.

    Quando foi para o colgio para delinquentes,pensei: Ele vai ficar com medo, vai parar comisso.Chegou l, ele j separava o joio do trigo. Fez amizadecom o major, conhecia todos osseguranas quetinham trabalhado na Operao Praias e se enfronhouno time de futebol domajor. Era goleiro, depois virouo monitor da turma. Tinha catorze, quinze anos.Ele gosta daposio de liderana. (Me de Marcelo)

    Se fosse filho de rico, essa pea rara provavelmente no estaria causando problemas a ningum exceto ao prprio patrimnio familiar. Ele era um menino observador, inteligente, diz suame, a viva Joslia Maria Nascimento da Rocha, funcionria do Tribunal Regional Eleitoral deCuritiba. Embora tenha estudado apenas at a quinta srie do ensino fundamental, dava provasde inteligncia. um gnio, mas desde pequeno tem mania de grandeza, descreve a me.Caula de uma famlia de cinco filhos, Marcelo nasceu em Maring, noroeste do Paran. O pai,Aparecido Hildo da Rocha, era agente do IAP, o antigo Instituto de Aposentadoria e Penses.Quando Marcelo tinha oito anos, a famlia mudou-se para Curitiba. Na cidade grande, o casalperdeu o controle sobre o filho. Procurei um psiquiatra, fui ao Juizado de Menores, mas nadaadiantou, conta Joslia.

  • Revistapoca, 3 de Dezembro de 2001

    Dei risada quando li essa matria. A minha me, como ela mesma diz, mera espectadora. Nose assusta com mais nada do que eu fao. O que surpreendeu ela foi eu fazer este livro.

    Achei engraado ela dizer que eu tenho mania de grandeza. Mas, pensando bem, acho quetenho mesmo. Uma vez li um ditado que era mais ou menos assim: Procure ser o piloto e noo passageiro, procure ser o ator principal e no o coadjuvante. Eu procuro ser sempre omelhor no que eu fao.

  • UM ESTRAN HO NO NINHO

    Sempre fui diferente dos meus irmos. Era o mais curioso. Fazia perguntas o tempo todo esempre tive facilidade para guardar todo tipo de informao.

    Ele era muito observador. Quando tinha trs anosficava olhando para o cu. Uma vezperguntou: Como que a lua no cai l de cima?. Os outros no faziamesse tipo de pergunta.Ele inventava muita histria,fantasias. A gente achava que era coisa de criana edeixava porisso mesmo. Depois ele comeou a mentir.Comeou com nove anos. Entrou no futebol desalo doBanco do Brasil. Chegou em casa uma cobrana.

    Marcelo, falaram que voc est devendo dinheirol no bar.

    O cara t louco, vamos l

    A gente foi. Ele sabia que estava mentindo. Comial todo dia e pagava para os amigos. Essafoi anica conta que eu paguei para o Marcelo. Falei parao homem do bar no vender maisnada para ele.(Me de Marcelo)

    Quando era criana eu gostava de viajar, mas no tinha dinheiro. Aos catorze anos descobri queas portas se abriam quando dizia que era sobrinho do dono da companhia de nibus. Naprimeira vez que fiz isso, fui at o guich da rodoviria, perguntei como se chamava o dono daPluma e comprei uma passagem de ida para Porto Alegre. Sentei ao lado do motorista e fuibatendo papo. Contei que era sobrinho do Oscar Conti. Quando o motorista parou em um dospontos de apoio da empresa, j me apresentou para todo mundo como o sobrinho do dono.Fiquei trs dias hospedado de graa no alojamento da Pluma. Um dia o gerente da garagemperguntou o nome da minha me, que supostamente seria irm do dono da empresa. Meenrolei na resposta e acabei sendo descoberto. Fui colocado na rua.

    Depois dos onze, doze anos, ele comeou a s fazeramizade com adulto. Ficou amigo dosmotoristas denibus de perto de onde a gente morava. Ele andava acidade inteira sem pagarnada.(Me de Marcelo)

    Meu pai se chamava Aparecido. Ele acompanhou uma ou duas dessas que eu aprontei, mas noficava muito bravo, no. Uma vez fui preso por ser menor e estar viajando sozinho semautorizao. Ele foi me buscar e me perguntou se eu tinha aprendido que no podia fazeraquilo. Pelo visto, no. Continuei aplicando esse golpe e muitos outros.

    Uma vez o Marcelo sumiu de casa. Eu era separadado pai dele. O delegado telefonou pramim dizendoque o Marcelo estava sem documentos. Eu falei para oAparecido ir buscar. Elequeria que eu fosse a ruim eele o bonzinho. O meu marido era um psicopata, tinhaum cimedoentio de mim. Foi se tratar. Melhorou, masdepois piorou de novo.(Me de Marcelo)

    Em 1984, minha me se separou do meu pai. Fui passar o Natal com ele e meus padrinhos emuma fazenda em Rondnia. Ele teve um ataque do corao e morreu na minha frente acaminho do hospital. No teve tempo de ver as coisas erradas que eu fiz na vida.

    A morte do meu pai teve a ver com minha deciso de querer sair para conhecer o mundo. Sentique devia aproveitar minha vida o mximo possvel. Resolvi que ia para Foz do Iguau. Dessavez apliquei o golpe do nibus de maneira mais elaborada. Usei o telefone, que umaexcelente ferramenta para esse tipo de coisa. O segredo falar com autoridade, como se

  • estivesse bravo. Foi o que eu fiz. Liguei para uma empresa de nibus e perguntei o nome de umdiretor. Inventei que trabalhava na Pirelli e que queria falar com ele sobre uma venda de pneus.Depois de descobrir o nome desse diretor, liguei para l fingindo ser o prprio. Avisei que umsobrinho meu ia passar na empresa para pegar uma passagem. Mais tarde fui l fingindo ser otal sobrinho. Fiquei hospedado cinco dias de graa no alojamento da diretoria, comendo ebebendo de graa. Passeei por Foz do Iguau com um motorista que a empresa deixou minhadisposio. No entendo como nunca pediram para ver minha identidade.

  • POLICIAL AOS DEZESEIS ANOS

    Eu tinha paixo por ser policial. Aos dezesseis anos comecei a frequentar uma delegacia comum primo que era da Polcia Civil. Em menos de um ms eu j fazia relatrio de planto,assinava rplica e recibo de preso. Aprendi o abecedrio fontico que o mesmo usado emaviao. Eu fazia de tudo. At quando meu primo saa eu ficava l sozinho. Comecei a mataraula para ficar na delegacia.

    Comeou a fazer amizade com policiais civis. Viviana delegacia, todo mundo conhecia oMarcelo. Eleficava junto no planto, jogando baralho, comprando pizza.Sabia todos osmacetes deles.(Me de Marcelo)

    Nessa poca, a polcia inteira andava atrs de um bandido que era dono de um desmanche decarros. Ele era muito falado. Depois de meses de busca, finalmente conseguiram prender ocara. Eu acompanhei todo o caso. Assim que chegou na delegacia, o bandido fez um acerto dedinheiro e foi embora. No Paran uma tradio esse negcio de acerto. Vi que os caras notinham um ideal. Parei de frequentar a delegacia. Passei a admirar apenas o Tigre, um grupo deelite antissequestro que chegou a prender vrios policiais corruptos. Eles andavamencapuzados e ningum conhecia o rosto deles.

    Eu queria ir para a praia de Ipanema, um balnerio do Paran, mas no tinha onde ficar. Entopensei: P, vou ficar na delegacia. Trabalhava l um cala curta, aquele que no policialde fato. Eu falei para ele: Sou do Grupo Tigre, vou ficar na Operao Praia, s que eu vim antespara fazer um levantamento de como esto as coisas. Acabei ficando l. Eu tinha roubado umaidentidade de um policial.

  • Falei que era irmo do M. M., um policial matador integrante do Tigre. Ele era temido erespeitado pelos colegas. Imprimi numa grfica alguns cartes com a insgnia da Polcia Civil e onome Marcos Antnio de S M.. Comecei a usar uma carabina e uma viatura da delegacia. Eu stinha dezesseis anos, mas aparentava bem mais. Em pouco tempo me tornei uma espcie derelaes pblicas da cadeia. Eu dava churrascadas para os policiais. Passava no aougue e nosupermercado locais e me oferecia para fazer rondas para eles nos horrios que elesconsiderassem perigosos. Em troca disso, eu deixava contas de carne e cerveja penduradas.

    Eu era o chefe da delegacia, s tinha eu de policial de carreira. Uma vez fiz uma priso.Apreendi um quilo e meio de maconha. Eu estava na delegacia com o cala curta, que eu nolembro o nome, quando ouvi dizer que o Srgio Manco tinha pego um quilo de maconha eestava indo para a Praia de Leste. Peguei a viatura e fui atrs dele. Ele tinha um Fiat 147vermelho. Quando eu vi o Fiat j mandei encostar. O Srgio desceu e falou: T aqui a droga.Levei ele para a delegacia e chamei o delegado de Paranagu.

    Dei uma sada e quando voltei descobri que ele tinha feito um acerto e ido embora. Fiqueidecepcionado, mas achei melhor no reclamar.

    A Polcia Civil de todo Brasil, com exceo da de So Paulo e das de alguns outros estados, muito burra e muito corrupta, um pouco da culpa do salrio que eles ganham.

  • COMO FUI DESCOBERTO

    Teve um homicdio numa delegacia em Pontal do Sul, e um policial de l estava precisando deapoio. Ele ligou para a delegacia de Ipanema. Fomos eu e o cala curta. Levei uma carabinaenorme, que era a arma da delegacia. Quando eu cheguei l os caras perguntaram:

    Voc policial? T com essa carabina?

    Eu sou o M. M. respondi.

    Voc no o M. M..

    Eu sou irmo do M. M..

    O M. M. no tem irmo na polcia, eu conheo o M. M., ele da minha turma.

    A caiu a farsa e ele j tomou a carabina da minha mo. Em vez de me levar direto para Curitiba,um policial chamado Maurcio me levou para Paranagu. Lembro dele falar: Voc tem umacabea boa rapaz, mas t usando de maneira errada. Voc precisa tratar esses distrbios. Nodia seguinte, o M. M. foi pessoalmente me buscar e me disse um monte. Veio brincando deroleta russa comigo a viagem inteira. Eu no esperava sair vivo daquele episdio. Ele s no mematou porque um outro policial no deixou. O M. M. teria me matado com certeza, alegandoque eu tentei fugir.

    Na poca at foi bom, por causa do susto eu fiquei sem aprontar por um tempo.

    Aos dezesseis anos, aplicou o primeiro golpe. Utilizando documentos de um agente participouda Operao Carnaval da Polcia Civil paranaense. Deu tiros, tomou parte de investigaes eprendeu traficantes no litoral. Foi descoberto ao cruzar por acaso com um policial que conheciao dono dos documentos. Carnaval, armas e fardas exercem um fascnio especial sobre o golpistacompulsivo.

    Revistapoca, 3 de Dezembro de 2001

    AVENTURAS DE FALSO POLICIAL TUMULTUAMO LITORAL

    Mesmo no sendo policial e ainda por cima s ter completado dezesseis anos, o estudante M. N.

  • R., se passando por integrante do Grupo Tigre da Polcia Civil, comandou investigaes,participou de perseguies, deu tiros e at prendeu traficantes em nosso litoral. Estudante deum cursinho na capital, o menor, que anteriormente j havia se passado por agente federal,tenente da aeronutica e radialista, terminou sendo desmascarado por um policial da delegaciade Pontal do Sul e entregue ao delegado Valmir Soccio, adjunto da Subdiviso deParanagu.Desde os dezesseis anosMarcelo aplica golpes diversos,usando nomes de pessoasinfluentes e vendendo mercadorias dos mais diferentes tipos.

    Ao ser detido em Pontal do Sul, o menor, armado com uma Winchester, estava acompanhadopelos informantes Colares e David, da delegacia de Ipanema, que at ento o tinham comosendo o policial M. M., do Grupo Tigre. O estudante costumava se identificar com esse nomedevido fama que este policial goza em seu meio, e, para no pairar dvidas na identificao,chegou a imprimir cartes de visita com a insgnia da Polcia Civil e com o nome de MarcosAntnio de S M. M..

    Em longo depoimento prestado junto Subdiviso de Paranagu, M., residente no Bacacheri,admitiu que no incio do ano foi detido na Praia de Leste por se passar por oficial daAeronutica. Depois de ter sido liberado pelo Juizado, apresentou-se na Coordenao daOperao de Carnaval, em Curitiba, e, por ter se identificado como policial, passou a fazerdiligncias em clubes junto com os comissrios de menores. Entusiasmado com a suarepresentao, viajou para Foz do Iguau e passou a se intitular agente federal aos policiais civise militares com quem procurava sair. Porm, como logo foi descoberto, voltou para Curitiba e,dessa vez, passou a freqentar clubes e boates intitulando-se locutor da Transamrica, at quefoi desmascarado e entregue na DPM.

    Gazeta do Povo, Curitiba, 25 de novembro de 1992

  • RE PRTER DA MTV

    Quando eu tinha dezessete anos fiquei sabendo de um festival de dana que aconteceria emJoinville. Eu no tinha como entrar. Ento, liguei para a assessoria de imprensa do festival e meapresentei como Marcelo Eduardo Bianchi: reprter da MTV. Graas a minha identidade falsa,consegui uma credencial para o evento. Alis, identidade uma coisa muito simples de se fazer.Vendem na rua a torto e a direito. Se voc tem dinheiro, pode ser quem voc quiser. Com milreais d para transformar qualquer um em mdico. Uma vez eu participei de um congresso deortopedistas na Amaznia. Eu estava namorando uma mdica de Ribeiro Preto que ia paraesse congresso. Para se inscrever voc precisava ser mdico. Eu arrumei uma carteira falsa,CRM e fui.

    No festival de dana entrevistei o governador de Santa Catarina e o danarino Carlinhos deJesus. A gravao foi feita por um camera man local que eu contratei. As entrevistas forampssimas. Eu inventava as perguntas na hora e no conseguia parar de rir. Criei essepersonagem no s para assistir o festival, mas principalmente para conhecer as boates deJoinville. Eu chegava nos lugares e pedia para falar com o dono. Dizia que era reprter da MTVe que ia fazer uma matria sobre a casa. Isso bastava para que eu fosse tratado como um rei.Eles me colocavam na rea vip e eu podia beber de graa. Em Blumenau, durante aOktoberfest, fiz algo parecido. Liguei para o prefeito de Blumenau e inventei que era diretor demarketing de uma empresa grande de telecomunicaes de So Paulo. Disse que queriapatrocinar o evento no ano seguinte, mas que precisava ver de perto como era. O prefeitomandou passagem, me hospedou no melhor hotel da cidade e me levava pra jantar fora todanoite. Em Blumenau no fui descoberto, j no festival de dana no tive tanta sorte.

    A mamata acabou quando o diretor do evento quis saber quando as minhas entrevistas seriamexibidas. Ele contou que gostaria de grav-las para mostrar para o pessoal da secretaria dacultura. Eu disse que no sabia. Ele ligou para a MTV. Foi informado que o canal no tinhamandado nenhum reprter para cobrir o evento. Eu tive que sair correndo de Joinville. Fuiembora sem pagar a conta do hotel. Depois desse episdio deixei muitas outras contaspenduradas em hotis cinco estrelas. Sempre gostei de ficar em lugares bons. Naquela poca oshotis no pediam o nmero do carto de crdito dos hspedes na entrada. Eu me sinto umpouco responsvel por essa mudana. Eu costumava deixar no quarto uma mochila com tijolosdentro, depois saa com a minha mala sem pagar a conta.

    Ele ficava em hotel cinco estrelas e saa sem pagar.Perdia tudo o que ficava no hotel, saasem nada.Depois quando era preso ele me ligava dizendo que estavapassando frio, queprecisava de coberta. A euia l levar as coisas pra ele.(Me de Marcelo)

  • OLHEIRO DA SELEO

    Eu devia ter uns dezessete anos quando conheci um goleiro do Cascavel que estava hospedadoem um hotel de Curitiba. Eu tinha ganhado um agasalho e uma bolsa oficiais da seleo de umamigo que era jogador. Os jogadores do Cascavel me viram no hotel com o uniforme epensaram que eu era alguma coisa da CBF.Quando eles vieram me perguntar eu disse que eraolheiro, falei que fazia parte da comisso tcnica da CBF para analisar jogadores para a seleode base. Me apresentaram o prefeito de Cascavel que estava no hotel. Ele disse que estavatendo os jogos abertos de Cascavel e que eu devia ir para l conhecer os atletas. Acabei indo denibus, junto com o time. Chegando l foi uma festa. Fui apresentado para todo mundo.

    Eu fui observando todos os jogos dos times e a prefeitura bancando tudo. Fiquei l umtempinho. De Cascavel eu fui para Marechal Cndido Rondon. A dona do hotel onde fiqueihospedado desconfiou e chamou a polcia. Descobriram que eu no era da CBF e que s tinhadezessete anos. O juizado de menores de Curitiba foi me buscar e eu tive que voltar pra casa.Uma pena, eu j estava at dando autgrafo como olheiro da seleo.

  • MAJOR MARCELO

    Quando ele quer uma coisa, ele faz o que quer.A histria do Exrcito, ele queria servir,depoisno queria, depois queria. Outra hora ele no queriamais, queria ser policial. Depoisqueria de novo.Quando finalmente ele foi servir, deu excesso de contingente.Mas ele foi atrsdo coronel at conseguir.A desertou. Ento, pra que fazer tudo aquilo, n? (Me deMarcelo)

    Aos dezoito anos entrei para o Exrcito por obrigao. Eu era muito preguioso, detestava ficarcorrendo e marchando. Para escapar dos exerccios, fui a um mdico e paguei para ele me darum atestado que dizia que eu estava com o tornozelo machucado. Em seguida liguei para o QGe descobri o nome de um major. Liguei para a companhia onde eu iria servir fingindo ser omajor Ariel. Pedi para falar com o tenente Henrique.

    Tenente Henrique? Aqui quem fala o major Ariel. Tem um soldado a chamado MarceloNascimento da Rocha?

    Tem sim senhor

    O Marcelo campeo brasileiro de jiu-jitsu, mas ele est com um problema no tornozelo eprecisa ficar em repouso Cuida bem dele que ele vai representar o Exrcito no prximocampeonato.

    Sim senhor. Pode deixar, major.

    No mesmo dia o tenente Henrique me informou que eu poderia ficar descansando. Ele dizia:No vai se machucar que a gente sabe que voc tem um campeonato pela frente e que vocvai representar o Exrcito.

    Os outros caras ficavam carregando uns baita armario e eu s olhando.

    A VENDA DAS MOTOSDO EXRCITO

    Nessa mesma poca conheci um pessoal que colecionava motos Harley-Davidson. Elesperguntaram se eu sabia quando haveria um leilo no quartel. Contaram que sempre

  • compravam Harley-Davidson usadas pela polcia. Sem querer me deram uma ideia para umgolpe. Fui ao QG e liguei para uma loja que comprava e vendia Harley-Davidson em SantaCatarina. Inventei um nome e disse que era tenente. Falei que tinha umas motos que iriam aleilo e que poderia vend-las a um preo melhor, se eles comprassem antes do leilo. Opessoal veio de Santa Catarina para ver as motos no QG. Eu estava vestindo a minha farda doexrcito. Coloquei nela uma insgnia de oficial. Quando o guarda que ficava na garagem me viu,logo falou: Pode entrar, tenente. Fomos at o galpo onde estavam as motos. Vendi duas.Peguei o dinheiro e falei que eles poderiam voltar para busc-las no dia seguinte. Quandovoltaram descobriram que era um golpe e que eu tinha desertado.

    Desde os dezesseis anos Marcelo aplica golpes diverses,usando nomes de pessoas influentes evendendo mercadorias dos mais diferentes tipos.Segundo informaes da pSegundoinformaes da polcia, quando serviu o Exrcito acabou sendo expulso por ter vendido todasas motocicletas do batalho onde estava lotado.

    Gazeta do Povo,Curitiba

  • COMO VIREI PILOTO

    O Marcelo saiu de casa quando fez dezoito anos.A gente descobriu que ele era piloto muitotempo depois,na matria do Amaury Jr. Ele dizia pra genteque pilotava, mas a gente noacreditava. Meu pai athoje no acredita. Eu sabia que ele andava de avio.Uma vez ligarampra gente dizendo que ele fretou umhelicptero e devia no sei quanto. Eu falei: ele maiorde idade, pra fretar um helicptero voc precisade um monte de documentos, como foi queele conseguiu?Da nunca mais me ligaram.

    Como ele virou piloto? Eu no sei direito. Elecomprou um manual de voo.

    Eu morava ao lado do aeroclube. Decerto ele ia le pedia para voar, com a lbia que eletinha. Se elechegou a tirar brev? Claro que no. Tirar brev carssimo.(Me de Marcelo)

    Eu troquei o sonho de ser policial pelo sonho de ser piloto. Eu morava na Vila dos Sargentosque ficava ao lado de um aeroclube. Passava horas perguntando tudo e pedindo para voar. Emtroca, me oferecia para lavar os avies. Eu ficava prestando ateno em quem ia voar paratentar ir junto. Eu j sabia at o horrio em que as gaivotas decolavam. Era to incansvel queacabei ganhando o apelido de Rayovac. De tanto encher os caras, comecei a voar junto comalguns pivips_ lotos e a aprender tudo o que podia sobre aviao. No tinha dinheiro parapagar um curso. Um grupo de pessoas, que eu prefiro no citar, se ofereceu para me ajudar atirar o brev. A condio era que eu fizesse alguns voos de graa e sem fazer muitas perguntas.Eu tinha dezoito anos quando comecei a pilotar. Voava em Foz do Iguau. Pilotava avies decontrabando que levavam arma, usque e equipamento eletrnico.

    A galera do contrabando era muito unida. Sempre tinha festa. Era uma turma bacana bacanadentro do crime, no para a sociedade.

    Em quatro meses, paguei o que devia pelos cursos de aviao. Na prova prtica peguei pelafrente um major chato que no gostava de piloto civil. Quando eu percebi que o major ia mereprovar de qualquer jeito, mandei ele para o inferno. Fiz uma manobra radical que deixou ocara branco. Depois fiz outra prova com um nome falso. Eu j estava sendo procurado por

  • contrabando e tinha um mandado de priso em Foz do Iguau. S mais tarde consegui tirar obrev, no interior de So Paulo, com o nome de Juliano de Souza. A prova era muito chata,paguei para passar. A prtica eu j sabia, no entendia por que precisava das teorias.

    Ns confirmamos o brev dele. A nossa perguntaera: por que no trabalhava como pilotocomercial? (Superintendente do Centro de Triagem de Curitiba, onde Marcelo ficou cincomeses preso)

    A resposta pra essa pergunta simples. Piloto comercial ganha muito pouco e trabalha comoescravo.

    Ele deve ter um brev comprado. Eu s vi a carteirinhadele de comandante que est emnome de umtal Comandante Saddi.(Me de Marcelo)

    O contrabando um estgio pelo qual voc passa antes de virar piloto do narcotrfico. A galeravai fazendo grana e se mandando, abrindo vaga para novos pilotos. A droga que existe no Brasilno fabricada aqui, com exceo da maconha produzida no Polgono do Nordeste. Ela vem doParaguai, Bolvia e Colmbia. Por isso tem bastante trabalho pra piloto.

    Todos os patres do narcotrfico se conhecem, alguns pagam at treze salrios para osfuncionrios. Meu apelido no crime Ferrari. Meu patro me deu esse apelido porque eusempre andava com um bon da Ferrari. Os bolivianos tambm me chamavam de Ferrariquando eu ia na refinaria buscar cocana para transportar at o comprador.

    Ns trabalhvamos em trs pilotos para um patro. Dos trs s fiquei eu. Hoje um deles temhotel em Natal, o outro tem posto de gasolina. Todo mundo se fez na vida e saiu. Essa histriade que a pessoa entra no crime e no sai mentira. Se quiser sai, desde que saia de bocafechada.

  • PRENDA-ME SE FOR CAPAZ

    A minha filha viu aquele filme Prenda-me se forcapaz e ligou pra gente. Disse: Me,descobriram ahistria do Marcelo e fizeram um filme. O personagemtinha medo. Ele sevestiu de comandante, mas no pilotou.O Marcelo fez bem mais coisa do que ele.(Me deMarcelo)

    Dizem que a histria do filme Prenda-me se for capaz mais ou menos a minha histria. Euacho que no tem muito a ver, comeando pela diferena entre o meu porte fsico e o dopersonagem. Fora isso, eu jamais trabalharia para a polcia. Mas devo admitir que ns temoscoisas em comum. Algumas aeromoas ele deve ter pego, eu tambm peguei. Tambm viajeimuito sem pagar. muito simples. Por exemplo, existe uma credencial da Varig, eu conheouma pessoa da Varig e sei o nmero da matrcula dela. Eu mando fazer uma credencial igualcom aquela matrcula. A s chegar no despacho operacional e torcer para no ter pegado amatrcula de um piloto conhecido. O ideal pegar o nmero de matrcula de pilotointernacional. O cara pede o nmero da sua matrcula, voc d e ele te d um passe. Eu voavano jump ou l atrs no fundo.

    Da primeira vez, vi um amigo que trabalhava na Varig fazendo isso, mas ele trabalhava l deverdade. Eu vi que era fcil e comecei a fazer, s que eu no trabalhava em nenhumacompanhia area.

    Fiz isso pela primeira vez aos 22 anos e s sosseguei quando conheci todas as capitais. Hojetenho uma carteira do DAC de checador de voo e uma do Aerojet, as duas com o nome de CaioRoberto de Paula Cortez. Esse cara existe, mas eu nunca vi. A carteira do DAC boa porque note param em blitz.

  • GUITARRISTA DO ENGEN HEIROS DO HAVA

    Um amigo meu estava trabalhando na organizao de um show em um lugar chamado PedreiraPaulo Leminski. As bandas convidadas eram: Mamonas Assassinas, Engenheiros do Hava eFaris Acesos. Eu perguntava tudo, queria saber exatamente como era o trmite de um show.Por intermdio do meu amigo, fui contratado para ser o motorista da van dos Engenheiros. Fizamizade com o produtor e os msicos. Passei alguns dias acompanhando o grupo para cima epara baixo.

    Uma noite, o vocalista foi mais cedo para o hotel. O resto do grupo queria sair. Fomos a um barchamado Toscana. As pessoas que estavam no bar reconheceram os Engenheiros e pedirampara eles darem uma canja. Como o vocalista no estava, eu me ofereci para cantar. Eu era f econhecia todas as msicas do grupo. Eu tambm j tinha participado de concursos de canto eganho alguns. Os Engenheiros ficaram meio na dvida. Lembro deles perguntando: Mas pera,voc canta bem? Eu respondi: Ah, eu me viro. Fomos aplaudidos e eu cheguei a tirar umasfotos com eles.

    Ele canta muito bem. Ganhou vrios trofus emconcursos. Eu tambm ganhei quatroconcursos de videoqu. (Me de Marcelo)

    Acho que eu sou um pouco iluminado. Sempre acabo conhecendo pessoas famosas. Nunca fui aum show onde eu ficasse na plateia. Sempre consigo ficar no palco, ir no camarim, tirar fotocom o artista. Uma vez me perguntaram como eu conseguia essas coisas. No tem segredo, s conversar.

    Alguns dias depois de cantar com os Engenheiros, fui sozinho para Balnerio Cambori e mehospedei no Miramar Hotel. Para entrar em uma boate, inventei que era o Ricardo Horn, oguitarrista dos Engenheiros do Hava. Ele era encorpado como eu (naquela poca eu no eragordo), e na capa do disco no dava para ver seu rosto muito bem porque ele estava dechapu. Consegui entrar na boate. Dei autgrafos, tirei fotos e no precisei pagar nenhumaconta. De modo geral, eu inventava esse tipo de coisa s para me divertir e beber de graa.

    Fiquei amigo do dono do hotel onde estava hospedado. Quando falei que era guitarrista doEngenheiros, ele fez um estardalhao. Um dia fui com ele num boliche onde conheci o dono deuma construtora. Acho que ele viu em mim uma oportunidade de negcio. Entusiasmado com aideia de vender um imvel para uma celebridade, o construtor me contou que o jogador defutebol Mrcio Santos tinha casa em Cambori e perguntou se eu tambm no queria compraruma casa l. Eu disse que preferia uma cobertura. O dono da construtora tinha uma paravender e a gente combinou de ir ver no dia seguinte. Chegando l tive uma surpresa.

    Ele tinha chamado fotgrafos de colunas sociais. A ideia era promover o empreendimento minha custa, ou melhor, do Ricardo Horn. O pior que eu estava de calo e chinelo de dedo.Tirei as fotos mesmo assim. No mesmo dia fui descoberto pela secretria do dono daconstrutora. Ela era f dos Engenheiros do Hava e conhecia o rosto deles. Fui preso porfalsidade ideolgica. Fiquei um ms na cadeia, mas fui solto na primeira audincia. As fotos quetirei para as colunas sociais no chegaram a ser publicadas. Mas ainda guardo a foto da noiteem que cantei com o Engenheiros.

    Em janeiro de 1996, assumiu a identidade de Ricardo Horn e disse que era guitarrista da bandaEngenheiros do Hava. Viajou de txi at Cambori, hospedou-se por oito dias no Hotel Miramar

  • e tentou comprar um apartamento por R$ 330 mil. No pagou nenhuma das contas. Indiciadopor falsidade ideolgica e estelionato, foi condenado a um ano e seis meses de priso.

    Revistapoca, 3 de dezembro de 2001

  • GRIAS DA CADEIA

    As grias nasceram nas cadeias para despistar os policiais. Elas se renovam conforme os policiaisvo descobrindo o significado delas. Por exemplo, baseado antigamente era chamado deperna de grilo. Hoje em dia emqualquer. As grias algumas vezes variam de um lugar parao outro. No Paran, cama chamada de jega, em outros estados comarca.

  • GOLPE DO CHUTE

    Ele dizia que era da Polcia Federal, que trazia videocassete, computador vendia para oprimeiro que passasse na rua. No sei que fascnio ele exercia que a pessoa j dava metadedo dinheiro pra ele. Depois nunca recebia a mercadoria. (MSe de Marcelo)

    Enquanto estava na cadeia aprendi o golpe do chute. S cai nesse golpe o cara que quer sedar bem fazendo algo que tambm ilegal. Os meus golpes so sempre em cima desse tipo degente. No quero me justificar, mas no tem aquele ditado que diz: Ladro que rouba ladrotem cem anos de perdo? Enfim, quando sa da cadeia comecei a praticar o golpe do chuteem Santa Catarina.

    O golpe era organizado e envolvia uma equipe. Trabalhvamos em trs. Um falava com a vtimapelo telefone, outro recebia no aeroporto e um terceiro fazia o papel de auditor da Receita. Agente se revezava nos papis. A minha especialidade era convencer as pessoas por telefone,que era considerada a parte mais difcil.

    Eu pegava a lista telefnica e ligava para uma pessoa de outro estado dizendo que era fiscal daReceita Federal do porto de Itaja. Dizia que tinha mercadoria apreendida que iria a leilo e queo produto poderia ser vendido pela metade do preo, se a pessoa fosse at a Receita Federal epagasse em dinheiro. Quando recebia o cliente, eu mostrava um continer vazio. Pegava odinheiro, dizia que o pessoal ia contar o dinheiro e dar um recibo. Eu entrava no prdio daReceita Federal por uma porta que dava em uma escada que saa de l. A, j tinha um carro meesperando. Eu fugia com o dinheiro. Uma viatura da polcia ficava passando embaixo do prdio.Quando a vtima percebia que tinha sido um golpe, saa do prdio e ia reclamar naquelaviatura, que j estava acertada para no fazer nada. Era uma mfia grande.

    Uma vez eu disse para um gacho que tinha trs impressoras Heidelberg de 150 mil quepoderiam ser vendidas por 75 mil. Nesse caso a gente at tinha uma impressora para mostrarpara ele. Mas o gacho no quis ver nada. Mandou a filha com o dinheiro e at secomprometeu a pagar o carreto quando a encomenda chegasse. A filha dele foi embora e agente j comeou a fazer uma churrascada. Como no recebeu as impressoras, o gacho ligoupara cobrar. O nosso telefone estava em nome de uma pessoa que no existia. Uma meninaatendia como se fosse secretria, a gente colocava at o barulhinho do PABX. Lembro dogacho perguntar:

    Cad as minhas mquinas que ainda no chegaram?

    Voc falou que mora em frente ao aeroporto Salgado Filho, no falou? respondi.

    Isso mesmo.

    Ento, fica de olho a que um Zepelin vai entregar a encomenda

    S ento o gacho descobriu que era golpe. Ficou furioso e chegou a contratar um detetiveparticular para investigar o caso. o tipo de golpe perfeito, porque a vtima no pode darqueixa. J vendi tudo o que voc pode imaginar: cmera, filmadora, seda

    Em Cambori e Itaja (SC), Marcelo tambm lesou vrias pessoas, dizendo que era auditor fiscale que poderia efetuar a venda de mquinas pesadas com a ajuda de funcionrios da ReceitaFederal. O preo era sempre a metade do valor real do objeto vendido e o pagamento s podia

  • ser feito em dinheiro.

    Gazeta do Povo, Curitiba

  • VENDE-SE: VAGA EM FACULDADE DE DIREITO

    Uma vez ele frequentou a PUC, faculdade de Direito. Ele entrou l pra dar um golpe deconsrcio. Entrou em no sei que ano de Direito, dizia que a transferncia dele tava vindo deManaus. Mas no chegava nunca. Ficou l aprendendo mais algumas coisas sobre leis. (Mede Marcelo)

    Frequentei uma faculdade de Direito durante uma semana. Eu me transferi pra l usando umacarteira de estudante com o nome de outra pessoa. Cheguei a assistir aulas de Processo Civil.Falei que fazia faculdade em Presidente Prudente. O pessoal perguntou como era a faculdadel. Eu disse:

    Cara, em Presidente Prudente voc no precisa ir na aula, voc vai uma vez por ms, assinae pega o diploma.

    Os caras perguntaram o que precisavam fazer para serem transferidos para l. Eu falei quetinha um contato e que era dois mil reais por pessoa. Quinze pessoas quiseram fazer atransferncia. Eu peguei o dinheiro e zarpei. Tambm vendi dez vagas de Medicina nessafaculdade. Mas s recebi cinco mil. A outra metade a pessoa s pagava quando entrasse.

    Conheo as leis por ser chato. Li muito sobre Cdigo Penal, leis de execues penais, tudo. Eutive um advogado chamado Chico Louco, Francisco de Assis do Rego Monteiro da Rocha. Ele professor de Direito e escreveu um livro chamado Curso de Direito Processual Penal. Eu pedialivros para ele. No admitia no saber o que ia acontecer comigo. Fiz muito pedido, coloqueimuito preso em regime semiaberto. Entrava com habeas corpus, fazia melhor que advogado dosistema. Sempre tive conhecimento do que eu ia passar. Os presos vivem me perguntando ascoisas.

    Uma vez fingi que era advogado para entrar no presdio e levar umas mensagens do meupatro para um preso. Falsifiquei uma carteira da OAB, vesti um terno e fui l.

    Ele sabe sobre lei, sabe nome de juiz, telefone Sabe o que eu ficava invocada? Com quecara ser que o Marcelo ficava quando era detido? Ele dizia: Minha me juza e meu paidesembargador, pode ligar, e dava o telefone. Da quando ligavam, eu desmentia tudo. Elesabia que eu ia fazer isso. Eu dizia: O Marcelo mentiroso, pode dar uma coa. Desdepequeno ele dizia: Se vocs encostarem a mo em mim vocs vo se ver. Eu conheo a lei, oestatuto do menor. Minha me juza. Nunca puseram a mo nele. Muitos no ligavampra confirmar se eu era mesmo juza. (Me de Marcelo)

  • VOO CAMICASE

    Com vinte anos fui pela primeira vez para a Colmbia fazer um voo camicase. No toa queo voo tem esse nome. A ordem era carregar o mximo de droga possvel. A gente calculava otempo exato de voo e quanto combustvel iria precisar, assim conseguia transportarcarregamentos com peso superior ao da capacidade dos avies sem reserva de combustvel,sobrava mais espao para as drogas. O problema que o avio podia ter uma pane seca e cair.Alm disso, eu tinha que pousar em pistas clandestinas de fazendas e voar baixo para no sercaptado pelo radar.

    Eu costumava buscar carregamentos de 180 quilos de cocana. Para no ser pego, eu tinha quepassar pela fronteira quando o Marrana estivesse no solo. Marrana o avio-radar americanoque controla o narcotrfico na Bolvia. Uma pessoa ligava e me avisava a hora certa de decolar,eu tinha que confiar na palavra de algum que nunca tinha visto na vida.

    Se voc avisado de que pode passar o avio pela fronteira s sete, vai ter que chegar emBarranco Minas s sete e quarenta da noite. Nesse horrio um cara vai acender tambores decombustvel na pista pra voc descer o avio. s sete e quarenta e cinco ele vai apagar, casovoc tenha descido ou no. Se ele apagar e voc ainda no tiver descido, vai acabar caindo porfalta de combustvel. Voc sua muito. muito perigoso. Fiz trs voos camicase e todos deramcerto, mas vrios amigos foram e no voltaram. Uma vez um piloto do Beira-Mar caiu na matafazendo um voo desses. Ele estava levando um carregamento de um milho e quinhentos mildlares. Nunca mais acharam.

    J tive muito medo. Quando decolava pra ir pra Colmbia emagrecia dois, trs quilos no voo.Voc tem que ficar muito em paz com Deus pra que ele no deixe o motor dar uma pane.

  • MEU PATRO

    Quando tinha 24 anos, eu trabalhava para o A.R.D.. Ele era chamado de rei da fronteira. Depoisque ele morreu, eu fui trabalhar com um patro na Bolvia chamado E.G.. Ele era uma figura,achava que trfico no era crime. Achava que devia ser liberada a cocana pra ele podertrabalhar mais sossegado. Atravs dele conheci polticos brasileiros. Esse patro bancavacampanha de muita gente. Tinha um poder muito grande em Porto Quijarra, na Bolvia. Eu ianuma loja, falava que trabalhava com o E.G. e que s pagaria dali alguns dias. O pessoal sempredizia que tudo bem. Ele era um cara muito correto, sempre pagava tudo em dia e no deixava agente dar calote. Era dono de boate, posto de gasolina, cassino, hotel. Mandava e desmandavana cidade.

    Marcelo: Se quiser pode ir falar com o meu patro. No precisa ter medo que ele no vai tematar no

    Mariana: (risada tensa) Acho que no precisa no

    Comentei com meu patro que existe a possibilidade dessa histria virar um filme. Eledisse que vocs podem filmar na fazenda dele. S no pode filmar ele, claro Ele achoumuito legal a ideia toda. Inclusive ele tem uma cpia do nosso contrato

    O qu!?! Srio!?! Ento ele sabe o meu nome!?! Ai, ai, ai

    No precisa ter medo. Tanto a fazenda quanto o meu patro so totalmente diferentes doque voc imagina. Voc acha que ele um cara mau? totalmente ao contrrio. Ele adorareceber visitas. Faz tudo para agradar. lgico, se ele estalar os dedos cai quem ele quiser.Mas voc no corre perigo no, corre perigo se voc fizer um filme e no botar umpersonagem dele. Tem que botar um personagem dele l, com a varinha na mo, sentadinhona cadeira de balano.

    Acho que o meu patro me admira. Algumas das coisas que eu fiz foi at para mostrar pra ele.Eu tenho admirao por ele como se fosse um pai. Ele tem confiana em mim. Sabe que eujamais comprometeria ele ou qualquer pessoa relacionada ao narcotrfico.

    Teve um episdio engraado que passei com ele em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Nocaminho do aeroporto eu tomei uma garapa. Aquilo deu uma reviravolta no meu estmago. Agente decolou, quando deu uns vinte minutos de voo, eu comecei a ficar plido. Falei para omeu patro que precisava descer seno ia fazer dentro do avio. A gente estava em umBonanza, um monomotor. Ele tinha acabado de trocar o estofamento.

    Se voc fizer aqui dentro do avio eu vou te matar, s faltam vinte minutos de voo

    Eu no vou aguentar, vou ter que descer

    Eu vi uma pista de fazenda e aterrissei. Pulei por cima dele e j desci do avio baixando ascalas. O dono da fazenda apareceu com uma caminhonete apontando uma espingarda para agente. Meu patro berrou pra ele:

    Calma! O cara s t cagando!

    No levei tiro mas por pouco no sujou.

  • COMO ENGANEI O DEPARTAMENTO DE ENTORPECENTES AMERICANO

    O Departamento de Entorpecentes Americano (Drug Enforcement Agency DEA) tem umhelicptero e um avio que ficam na divisa da Bolvia. Eles vigiam a fronteira para os avies dostraficantes no passarem por l. Como eu j disse, o avio se chama Marrana e fica no arpraticamente o tempo todo. Ele desce, reabastece e logo sobe. uma espcie de Sivamamericano implantado na Bolvia. Quando o Marrana desce para abastecer, o helicpteroApache sobe. Ou seja, praticamente impossvel passar sem ser pego por um dos dois.

    Certa vez, um empresrio forte do interior de So Paulo queria passar com um carregamentode drogas pela divisa, mas estava com medo que o DEA derrubasse seu avio. O empresrioprocurou por mim e um amigo meu. A gente tinha fama de louco, mas ao mesmo temporamos respeitados na aviao do narcotrfico. A gente frequentava o bar de duas gmeas noParaguai, onde todo mundo conhecia nossas histrias. Foi l que o empresrio nos encontrou.Ele explicou que j tinha um piloto, mas precisava de algum que desse um jeito de driblar oDEA. Ns aceitamos o desafio. Eu disse que por cinquenta mil reais faria o avio dele passar. Eusabia que dois meses antes disso os traficantes tinham ameaado o

    DEA. Queriam que eles tirassem a base de l. Diziam que, se no sassem, eles iriam comprarum avio caa para derrubar os helicpteros americanos. Ficou aquele buchicho no ar. Isso nosdeu uma ideia. Eu e o meu amigo fomos para uma cidade que fica perto da fronteira. Alugamosum jatinho bi-turbina Citation 2 por dez mil reais e o levamos para a Bolvia. Pra que ficasseparecido com um avio caa, contratamos um especialista em pintura de carros pra pintar ojato de preto (com tinta removvel). Depois tiramos o compressor da turbina para sair fascacomo nos avies caa.

    Combinamos com o piloto do empresrio que ele ficaria na pista alinhado, pronto para decolar.Assim que recebesse uma chamada em determinada frequncia de rdio, ele poderia levantarvoo e atravessar a fronteira. Colocamos um coiote de espreita no meio do mato. Coiote era oresponsvel por avisar quando o helicptero do DEA estivesse no cho. Assim que ele avisou,eu decolei com o falso avio caa. J era noite quando eu passei em cima da base do DEA.Como o jatinho estava sem o compressor da turbina e com uma turbina s ligada, ele estavamais barulhento e soltava uma labareda. Quando a gente deu um rasante na base, o pessoal doDEA pensou: Pronto! Os traficantes compraram o caa pra nos derrubar. No subiram ohelicptero. Nesse momento o piloto do empresrio foi avisado e passou com o aviocarregado de droga.

    Ns recebemos os cinquenta mil reais e depois s precisamos tirar a tinta removvel do jato

  • alugado. Mais tarde correu o boato de que o DEA queria nos matar.

  • QUASE MORTO

    Uma vez eu perguntei se ele no tinha medo de morrer. Eu disse:

    Voc vive dando calote nas pessoas, at em policiais. Voc no tem medo de amanhecercom a boca cheia de formiga?

    Me, eu j estou morto. Eu prefiro viver trinta anos bem do que setenta mal. (Me deMarcelo)

    As duas vezes que corri mais risco de morrer foram no Paraguai. Tinha uma rixa entre o meupatro e um outro patro de droga. Um estava querendo matar o outro, e quem trabalhassepra eles ia junto. Ns estvamos voltando de um jogo de futebol em Paloma, uma provnciaperto de Salto de Guana. Eram umas sete da noite. Os caras atravessaram a caminhonete nanossa frente e comearam a atirar. A gente comeou a atirar neles, mas eles estavam com umpoder de fogo bem maior do que o nosso. Ns samos correndo para o meio do mato. Atiraramem mim de uma distncia de menos de trs metros. No acertaram por pouco.

    A outra vez foi numa abordagem do GOF, o Grupo de Operaes de Fronteira no Paraguai. Elestinham sido informados que eu roubava avio. Na poca eu tinha uma Pajero. Fui abordado emNovo Mundo, do lado do Brasil. Eles disseram que tinham uma descrio de uma pessoa com omeu corpo, o mesmo carro e que era piloto. Eles viram que eu tinha carteira de piloto. Minhacarteira era falsa e tinha outro nome. Eles disseram que o cara que estavam procurando tinha oapelido de Ferrari. Eu falei que no tinha apelido nenhum e que trabalhava com aviaoagrcola na fazenda de Santa Maria. Fiz sotaque de baiano. Eles deram uma geral no meu carro.Quando abriram o porta-luvas, encontraram o meu bon da Ferrari. Eu gelei. Eles ficaramdesconfiados e me levaram para o mato onde eram desovados os cadveres. Tive certeza deque ia morrer. No desespero, comecei a falar sem parar fazendo sotaque de baiano:

    Eu no sou o Ferrari vai me matar por qu? Tenho cara de ladro, eu?

    No mas a gente j matou inocente tambm

    Pelo amor de Deus! T louco? Eu tenho trs filhos pra criar a, rapaz. Eu sou l da Bahia,moro em Barreiras, sou piloto a, pulverizo soja

    O homem encostou a pistola na minha cabea e mandou eu deitar. Deu dois tiros no cho.Passou um de cada lado das minhas orelhas. Ele encostou a pistola de novo na minha cabea efalou:

    Olha cara, se for mentira tua eu vou te matar um dia, voc no vai morrer agora no.

    Eu escapei. Agora espero que ele no leia este livro.

    Uma vez eu estava vendo um livro sobre anjos da guarda. Cada data de nascimento tem um.Eu fui procurar o do Marcelo, que 19 de maro. Cinco dias do ano no tm anjo da guarda.19 de maro um deles. So considerados gnios da humanidade e no tm anjo da guarda.(Me de Marcelo)

  • COMO GANHEI RES PEITO NO CRIME ORGANI ZADO

    Sempre trabalhei com inteligncia. Eu procurava ver as coisas dentro da aviao da Conarco(termo que na gria dos traficantes significa Companhia do Narcotrfico). Procurava ver a formaque a Polcia Federal trabalhava, acho que por isso que eles tm bronca de mim. O piloto ficano escuro. O cara que quer comprar droga chega no patro e diz: Eu quero duzentos quilos decocana e quero que entregue em tal lugar. Ele vai com uma coordenada. O piloto nunca v ocomprador. Mas a Polcia Federal inteligente. No se conformava com a burrice doscompradores, que acabavam falando demais e no sabiam que seus telefones estavamgrampeados. Uma vez um delegado da Polcia Federal me falou:

    P, Ferrari, vocs acham que a gente burro? Esses dias eu grampeei o telefone de umtraficante e ele falou pro outro: Olha, aquelas quinze vacas que voc encomendou esto indonum Passat vermelho. Cabem quinze vacas em um Passat vermelho!?!

    Maconha era chamada de camisa do Guarani. Os caras tambm costumavam dizer: Olha, tmandando aquelas camisas do Guarani que voc encomendou. A Polcia Federal j sabia queera maconha. Mas eu procurava estar sempre um passo frente deles. Eu tinha o hbito de darum rasante na pista antes de descer, para ver como ela estava. Um dia vi uma caminhonete,que no era o carro combinado. Tambm reparei que tinha um carro a mais do que o previsto.Em vez de aterrissar, fui embora. Era a Polcia Federal que estava esperando para me pegar emflagrante. J tinham pego outras duas pessoas. Bastava eu aterrissar com a mercadoria para apolcia poder dar o flagrante e prender todo mundo.

    Mais tarde meu patro falou que eu salvei a mercadoria e outras duas pessoas por no terdescido naquela fazenda. Depois desse episdio mudei a forma de entregar a mercadoria. Ocomprador passou a ter que mandar uma pessoa para me encontrar. Eu deixava essa pessoacom a droga em uma cidade prxima ao comprador. Mas ningum alm de mim sabia qualseria a cidade. O empregado do comprador ficava responsvel por levar a droga at ele. Euganhei fama por isso.

  • PARAGUAI

    O Paraguai uma rota de fuga para os criminosos do Brasil. A gente costuma dizer que oParaguai como curva de rio: s junta tranqueira.

    Eu fiquei trabalhando um tempo no Paraguai. L eu no precisava me fazer passar por ningum.Pilotava para uma pessoa forte. Existia uma associao de criminosos dentro do Paraguai. Nssempre nos encontrvamos no bar das gmeas. Eram ladres de carro, carreta, traficante,enfim, tudo o que no prestava ia parar l.

    Na poca no existia a ponte que tem hoje ligando Guara a Mundo Novo. A travessia era feitade balsa. O Menezes era um dos maiores ladres de carreta que j teve. Ele era bacana. Eusempre tive admirao por criminosos que cometiam crimes sem fazer maldade.Quando elechegava com a carreta na balsa, ligava para o bar das gmeas. Quem estivesse l, ia darcobertura pra ele. Em Mundo Novo tinha uma estrada que ia dar no corrento da ReceitaFederal, que atravessava para o outro lado. A gente escutava quando a balsa chegava. A carretavinha batendo. Todo mundo ficava abaixado no mato do lado da Receita Federal do corrento.L tinha sempre uma ou duas viaturas do Grupo de Operaes de Fronteira (GOF). Quando oMenezes apontava a carreta para o corrento e o GOF pensava em meter bala nele, a gentecomeava a dar tiros no GOF.Mas no para acertar, a gente atirava nos vidros dos carros deles.Os caras do GOF pulavam no cho e, nesse momento, o Menezes aproveitava pra passar com acarreta. Quando parava a carreta do outro lado, o GOF j no podia fazer mais nada.

    No Paraguai, um ajudava o outro. Voc acabava se adaptando ao crime que os caras cometiam.Era uma famlia de criminosos. Existia uma tica dentro do crime. Hoje isso est acabando porcausa do crack. Tem cara matando por causa de um tnis pra fumar crack. O criminoso dafronteira no usa droga e no mata toa.

    O Paraguai o paraso pra quem foragido, l a lei o dinheiro. Se voc tem proteo dealgum, ningum mexe com voc.

    Se eu fosse ministro da Justia, derrubaria a Ponte da Amizade, acho que seria um bomcomeo.

  • BARRETOS

    Sempre fui aos rodeios de Barretos. A primeira vez teve um show do Zez di Camargo eLuciano. Eu estava no meio do pblico, lembro que pisaram no meu p e me empurraram.Fiquei indignado por ter que assistir aquele show no meio do povo. Na segunda vez, eu j sabiacomo funcionava o esquema. Em 2000 teve show do Aha. Eu procurei saber quem era a pessoaque cuidava da parte artstica e disseram que era o Cssio Leite. Liguei para ele na coordenaodo rodeio. Falei que era o Augusto de So Paulo, da mesma gravadora que representava o Ahano Brasil.

    Quem t falando aqui o Augusto, da gravadora tal. Eu queria ir na festa, como eu faopra pegar uma credencial?

    O Cssio mandou duas credenciais para o meu hotel. Eu estava no Nacional que era o hoteloficial da organizao de Barretos. Conheci na piscina do hotel o empresrio do Bruno &Marrone e tambm do Daniel. Inventei para eles que era dono de fazendas e que tinha umavio, um negcio bem tcham. Eu disse que s tinha entrada para o show do Aha, e oempresrio do Bruno & Marrone me convidou para assistir o show deles. Acabei ganhando umacredencial deles e fui a todos os shows de graa acompanhando os artistas. Ia ficar dois dias eacabei ficando uma semana. Fui no camarime tirei uma foto com o vocalista do Aha. Dali j foium passo para eu ir em outras festas.

    Eu mandava e desmandava nos rodeios. Se voc d umas duas doses de usque bom para apessoa tomar, ela acredita at que voc Papai Noel.

  • PSI QUIATRAS

    Como j disse antes, o meu apelido no crime Ferrari. Para mim, Marcelo uma pessoa, Ferrari outra. O Marcelo nunca fez nada de ruim, o Ferrari j. So pessoas totalmente diferentes.Quando estou trabalhando eu sou Ferrari. Eu separo as coisas. Por exemplo, o Victor Hugo empresrio do meio musical, e do bem.

    Quando estava preso em Bangu, ele dizia: Me, no me chame de Marcelo, o Marcelomorreu. Chegou correspondncia aqui com esse nome (Juliano de Souza). Eu nem lia,rasgava. (Me de Marcelo)

    s vezes fico bobo com as coisas que falo enquanto encarno os personagens.

    Eu cheguei a ir falar com um psiquiatra para saber como eu deveria agir com o Marcelo.Nada resolvia. No que eu errei? Eu tenho cinco filhos e nenhum assim. O psiquiatra falouque ele tinha um desvio de carter. (Me de Marcelo)

    Quando fui preso pelo juizado de menores por viajar de nibus sem pagar, fui a um psiclogochamado Cleon Monteiro. Falei para ele que o meu nico problema era no ter dinheiro parapagar as passagens. Acabei ficando amigo dele. Tenho certeza que no tenho nenhumproblema de sade mental.

    Acho que ele caso para um bom psiquiatra mas tem que ser bom, seno ele leva opsiquiatra na conversa. (Amaury Jr.)

    Em 1996 Marcelo contoupara os psiquiatras do ComplexoMdico Penal do Paranque tinhaaplicado dezessetegolpes, dos quais sete bemsucedidos.Declarou-se estelionatrioe nodemonstrouarrependimento.

    Alguns autores afirmamhaver analogia entre um golpee o orgasmo, explicam ospsiquiatrasTito Moreira Salles eTnia Baptista.

    Segundo eles, Marcelo pertence ao grupo clnico dos portadores de personalidade psicoptica. apenas um transtorno, no uma doena. So pessoas que incorporam personagens e vivemuma realidade paralela. Amorais, exibicionistas, perversas, inteligentes e sedutoras, podemainda apresentar comportamento violento e agressivo. A causa uma combinao depredisposio gentica com o meio ambiente. Pacientes que sofrem do mal so insensveis aoaconselhamento e psicoterapia.

    O psicopata egocntrico, no tem limites e jamais acredita que pode se dar mal. Na maioriados casos, a origem remonta a ms influncias na infncia, explica o psiquiatra Talvane MarinsMoraes, da Associao Brasileira de Psiquiatria.

    Revistapoca, 3 de Dezembro de 2001

    O Marcelo no um exibicionista louco para aparecer na mdia, e tampouco um psicopata,como dizem algumas matrias a seu respeito. Na verdade, ele um oportunista que noconsegue deixar de agir toda vez que v alguma falha no sistema. Como ele mesmo diz: Seestiver num lugar e tiver oportunidade, eu fao. Ele to oportunista que veste qualquerpersonagem. inteligente e tem um grande poder de persuaso. Apesar de ter um nvel deansiedade muito alto, tem o semblante e a voz de uma pessoa calma e equilibrada. Para criar

  • seus personagens, mistura fico e realidade. Sempre tem informaes que usa para dar maisveracidade aos seus discursos. Suas vtimas em geral so pessoas muito ambiciosas quepensam que vo se aproveitar dele.

    O Marcelo adora vencer desafios e no suporta barreiras. Nem todos os seus golpes tmcomo objetivo ganhar dinheiro. Em muitos deles ele quer apenas mostrar que mais espertoque os outros. A vaidade dele ganhar o jogo de xadrez. (Northon Dengler, terapeuta)

    Uma vez um psiquiatra mandou ele desenhar sua famlia. Ele tinha uns treze, catorze anos.No desenho, todos tinham pernas, braos e cabea. Nenhum tinha o meio do corpo. Opsiquiatra falou que aquilo era gravssimo: Ele nasceu assim e vai morrer assim. Isso no temcura. Ele no tem sentimentos. Ele no se apega como a gente. Mas ele carinhosssimo.(Me de Marcelo)

    Para mim os psiquiatras que so loucos. Uma vez fiz um exame criminolgico para obterprogresso de regime. Acabei fazendo o psiquiatra perder o controle. Falei que achava que apsiquiatria e a psicologia no eram cincias exatas. Eu mexi com o ego dele.

    Que raio de psiquiatra voc trabalhando em um lugar desse?

    Mas eu sou bom, minha modstia no deixa eu dizer que eu sou um dos melhores.

    Sua modstia eu nunca vi seu nome em lugar nenhum. Se fosse bom voc no iatrabalhar aqui nesse fim de mundo.

    Quando eu falei isso o homem ficou doido.

    A maioria das coisas que o Marcelo fala mentira. Tanto que eu no acreditava em nadaque ele falava. Uma vez ele me ligou e disse: Me, eu t trabalhando de segurana do atorGerson Brenner, voc no acredita, eu vou tirar umas fotos e te mandar. A ele mandou asfotos com um monte de artistas. Ele sempre chegava com uma mala cheia de roupa de marca,s roupa de marca. Quando ele tem o que precisa, vai para outra. Ele gosta de aparecer dequalquer jeito, no s glamour. Uma psiquiatra falou que ele precisava ser contido, ele ia sesuperar nos golpes cada vez mais. (Me de Marcelo)

  • A CARTEIRINHA

    Uma vez chegou aqui em Curitiba um assessor do secretrio da Segurana Pblica. Eleestava desesperado. Entrou com um policial civil e disse:

    A senhora no sabe o que o Marcelo fez. Ele chegouna delegacia dizendo que era filho deum coronel.Falou que era paraquedista e que conhecia meu filho.Ele convenceu a gente a darpra ele uma carteirinhada Secretaria de Segurana Pblica

    O problema que o assessor do Favetti (secretriode Segurana Pblica) conversou com ofilho dele que paraquedista e ele disse que no conhecia o Marcelo.A eles descobriram amentira. Fui chamar o Marcelono quarto.

    Tem visita a pra voc.

    Ele nem se abalou. Veio pra sala e disse:

    Oi, doutor, tudo bem?

    Sentou no sof.

    Marcelo, como que voc me faz uma dessa?

    Na poca o Moacir Favetti era candidato a deputadoe eles no tinham onde fazer o comit. OMarcelo tevea cara de pau de mentir pra ele pela segunda vez. Eleinventou:

    Eu tenho uma casa vazia na Boa Vista. Vou levarvocs l, vocs podem se instalar l.

    A casa estava fechada e cheia de aparelhos odontolgicos.No dia seguinte eles iam mandaruma kombitirar tudo de l.

    Isso aqui da minha irm, ela no vai usar agora Marcelo falou.

    O deputado descobriu de noite que a casa no erado Marcelo. Ele acabou tendo que devolvera carteirinha,mas antes ainda tentou enrolar o deputado pelaterceira vez, dizendo que acarteirinha tinha ficadona casa de um amigo.

    Pra mim ele no mente mais, porque sabe que euno acredito nem nas verdades que eleconta. (Me de Marcelo)

  • ESTAGIRIA DE DIREITO

    Ele te contou do golpe que deu em uma estagiriade direito? Aquele foi um barato. Ele jno moravaaqui. Foi h uns quatro ou cinco anos. Veio uma moaaqui dizendo que o Marceloestava com o carro dela eno devolvia. Logo eu vi que era golpe dele.

    Estagiria: Ele j fez isso?

    Me de Marcelo: J. Fez com um jogador do Atltico. Pegou o carro dele e foi fazer umabalada l em Salvador.

    Ele namorou a menina uma semana. Conheceu num videoqu.Viu ela chegar com um Vectra.Deu o golpe,n? Sentou na mesa dela e j comeou a dar o pl deconquistador profissional.Trouxe ela aqui no hangardo aeroclube e disse que o avio era dele. Ela acreditou.Ela eraestagiria de um advogado que membrodo Tribunal Eleitoral e estava fazendo um cursoemJuz de Fora. Ele foi de avio busc-la no sbado.Ela pensou: Nossa, ele deve estarapaixonado pra virme buscar de avio. No voo ele falou que o carrodele estava quebrado.Ela deu um cheque pra ele pegaro carro dela na oficina e um outro cheque no sei praqu.Quando ela veio aqui eu disse:

    S me diga uma coisa, voc deu algum cheque pra ele?

    Pior que eu dei.

    melhor voc sustar o cheque

    Voc acha que ele roubou o carro?

    D queixa de roubo.

    Ah, mas eu no posso, porque eu emprestei o carro pra ele.

    Ela sustou um cheque daqui, o outro ele usou parapagar o aluguel do avio: mil e quinhentosreais. Elaacabou registrando queixa de roubo do carro. Ele ficouquatro dias com o carro.Ligava pra ela e dizia:Vai pra tal lugar hoje de noite que eu te devolvo ocarro. Ela ia e eleno aparecia. Alguns dias depoispegaram ele de madrugada entrando com o carro nummotelcom outra mulher.(Me de Marcelo)

  • MALANDRO VOLTAA DAR GOLPES E PEGA CANA

    Preso por aplicar diversosgolpes e comprar chequesfurtados e roubados, MarceloNascimento daRocha, 22anos, est outra vez na cadeia.Agora, ele foi detido pela prticade apropriaoindbita.Passando-se por vendedor decarros, Marcelo pegou o Vectrade uma pessoa e seaproprioudo veculo, o que levou a vtimaa registrar queixa contra ogolpista.

    Marcelo foi preso na madrugada de quarta-feira, no Hotel Elo, onde estava hospedado, quandochegava ao local com o Vectra na companhia de uma jovem. Na ocasio, ele forneceu o nomede Marcelo Ferrari Contti e disse que era auditor. O delegado revelou que o golpista costumavase identificar como filho de uma juza de direito de Curitiba, irmo de um policial Federal, pilotoe dono de avio do Bacacheri. Na verdade trata-se de um estelionatrio evadido da ColniaPenal Agrcola. Ao ser detido ele estava de posse de duas carteiras, uma delas do Ministrio daEducao e outra do Departamento Nacional de Telecomunicaes, em nome de WagnerAssueles de Souza, informou Machado.

    O delegado solicita s pessoas que foram vtimas do golpista para procurarem a DFRV ouentrarem em contato atravs do telefone (041) 345-4321. Nos ltimos dias, o marginal lesoudiversas vtimas e frequentou festas da alta sociedade, passando-se por empresrio,acrescentou Machado.

    Revistapoca

  • COMO ME TRANS FORMEI EM EM PRESRIO MUSICA L

    Andei sendo empresrio de umas bandas: Akundum, Capital Inicial, Ira e Catedral. Conheci oLouro Jones (do Capital Inicial) em um show de reggae em Braslia. Inventei que era empresrioe que trabalhava com produo de shows. Meu nome fictcio era Victor Hugo. Tinha umacarteira de identidade falsa com esse nome. Nessa poca eu j tinha dezesseis identidadesdiferentes.

    Fiquei amigo do Louro Jones. Fui chcara dele em Braslia, onde conheci o Dinho, o vocalistado Capital Inicial. Comecei a vender shows deles. Vendi uns quinze shows. Mais tarde passei avender shows de outras bandas em vrios estados do Brasil.

    Ganhei dinheiro como empresrio, no tanto como no crime, mas ganhei. um ramo legal detrabalhar. Cheguei a levantar uma banda que tinha desmanchado. Era um grupo chamadoAkundum. Um dia encontrei o Mongol, que era o vocalista. Ele estava trabalhando em umbarzinho mequetrefe. Eu falei para ele:

    Voc j fez sucesso, no pode ficar a no.

    Eu tinha juntado dinheiro e decidi investir no grupo. Paguei a produo do disco deles. Em umasemana remontamos a banda. Alugamos um nibus e camos na estrada para fazer shows.Fizemos apresentaes em Santa Catarina, So Bento do Sul, Esprito Santo, interior de Minas.Conheci vrios artistas nessas viagens. Peguei os cartes de todos eles. Eu estava sendoprocurado pela polcia, mas mesmo assim levei a banda no programa da Adriane Galisteu naRecord e da Luciana Gimenez na Rede TV. Um tempo depois falei para o Akundum que noqueria mais ser empresrio. Eles pediram para eu ficar, mas eu queria fazer outras coisas.

    Marcelo: O Akundum tinha uma msica chamada Emaconhada , voc conhece?

    Mariana: No. Canta um pedao.

    Voc sempre pede pra eu cantar. Pra qu? No que isso vai ajudar o livro?

    Voc sempre fala que sabe cantar, quero ver se verdade.

    Na prxima eu canto. Preciso ensaiar um pouco.

    Ensaiar?

    . Eu vivo cantando aqui na cadeia os caras ficam mandando eu calar a boca.

    Mas se voc canta bem, por que eles mandam voc calar a boca? Canta a pra eu ver.

    Com essa cmera eu tenho vergonha.

    A gente desliga a cmera. Pode cantar outra msica se voc quiser. Normalmente voccanta o qu?

    Eu canto de Z Ramalho a U2. Tenho vrios dolos. Sou f do Bono Vox, quando eu cantoimito a voz dele.

    Ento canta uma do U2.

  • Na prxima, na prxima

    AULA DE PICARETAGEM

    Uma vez falei para o meu irmo que ia mostrar como eu me fazia passar por outras pessoas. Eutinha vinte mil reais no bolso. Cheguei num hotel de BMW e falei que era baterista do Nenhumde Ns. Ningum nunca v a cara do baterista. At autgrafo eu dei. Assinava Saddi. A galeraacreditava mesmo. Era muito engraado, eu ia nas boates e me colocavam em lugar reservado.Meu irmo ficou bobo. Eu falei para ele: Com dinheiro, o povo acredita em quem voc disserque .

    Antes de chegar na cidade, ele ligava para o hotele fazia reserva. Dizia que era o empresriodoNenhum de Ns e que ia um pessoal do grupo l. Elesaa na cidade pra ver onde eram asbaladas noite,o corao do agito. Quando passava l j pegava otelefone e descobria onome do dono do lugar. Depoisligava e pedia pra falar com essa pessoa. Falava queera oempresrio da banda Nenhum de Ns:

    Os meus meninos esto a O tecladista, o baterista,o engenheiro de som Eu queriareservar umlugar vip pra eles

    Pedia segurana especial para ajudar a entrada,para as pessoas no aglomerarem. Ele diziapra gente:Qualquer coisa, voc o engenheiro de som, voc o tecladista e eu o baterista.

    A gente fez isso em vrias cidades. Uma vez, emPiarras, contratamos dois professores decapoeirapara serem nossos seguranas.

    Fizemos amizade ali e opa! Esses a servem praser segurana. A j ia a namoradinha de um,as menininhasque tavam ali que eles escolhiam O Marcelocomprava CDs, autografava edava para as meninas (Jack, irmo de Marcelo)

    Em guas Termas, mais uma vez ele se passou porbaterista do Nenhum de Ns. Fizemosamizade com opessoal de um bar. A piazada que trabalhava no bartinha uma banda, elestocavam l noite. A j esquematizamosesquematizamos no, o Marceloesquematizoutudo. noite o bar lotou porque ele ia daruma canja l. Eu falei:

  • Marcelo, voc t falando de fazer um show a noite T louco!?!

    Deixa comigo.

    A ele foi e deu conta do recado. Eu fiquei boquiaberto.Ele cantou bem, todo mundo aplaudiu.Nossamesa ficava rodeada, cheia de gente querendo pegarautgrafo. Meu Deus do cu! Foimuito legal! Ele cantouvrias msicas. (Irmo de Marcelo)

    Eu canto bem, mas nunca quis ser um cantor. Eu fao o que for necessrio pra atingir o meuobjetivo.

    O Marcelo ia em videoqu, num bar que chama EraS o que Faltava. Ele dava show l.Cantava ao vivo.(Me de Marcelo)

    muito fcil se passar pelos outros. Eu nunca me passei por mim mesmo. J me perguntaramse eu conseguiria parar de fingir ser outras pessoas. Acho que sim, eu mesmo no sou to chatoassim.

  • A OCASIO FAZ O LADRO

    Duas coisas que a minha me pediu para mim: nunca sequestrar e nunca matar para roubar.Quando participei de assalto nunca maltratei vtima alguma e nem deixei que maltratassem.Para mim um roubo perfeito quando no se d um tiro. Eu sempre tive inteligncia pra fazerisso. Nunca ningum se machucou nos assaltos que planejei. J roubei banco, casa de cmbio,residncia de dono de casa de cmbio e avies. Mas nem todos foram perfeitos. J aconteceude um cara me dar uma fita de um milho, chegar l e ser duzentos mil

    Joinville a capital dos ladres de banco. Eles so estudantes de dezoito, dezenove anos declasse mdia alta. Os pais no davam dinheiro para eles comprarem o que queriam. Ento elesse especializaram principalmente em roubar caixas eletrnicos. Aprenderam a roubar banco eagora andam de Mercedes e BMW. Conheci alguns deles quando estive preso na Bahia. Eles meconvidaram para participar do roubo de um avio que mais tarde seria vendido na Bolvia.Nessa ocasio, entrei na joalheria de um shopping. No entrei programando nada.Experimentei um relgio Breitling, uma pulseira, corrente e anel de ouro. Falei que era piloto.Perguntei para a vendedora se podia ir ali fora pedir a opinio da minha esposa. Acabei saindodo shopping sem pagar as joias. O valor de tudo era dezoito mil reais.

    Um dos caras que participaria do roubo do avio encontrou comigo e reparou nas joias. Eleandava pendurado de ouro e era muito invejoso. Eu disse que tinha comprado as joias naMarcus. Ele sempre comprava joias naquela loja e acabou ligando para l pra me delatar. Volteiao shopping e devolvi tudo. O lance do avio daria mais dinheiro que as joias. Eu tinha ido lapenas para ver um relgio. Se tivesse planejado o roubo, no teria sido to fcil.

  • ROUBOS DE AVIO

    Houve um caso de um roubo de avio em Campinas. Eupensei: ser que ele no t metidonisso? Porque bemo tipo de coisa que o Marcelo faz. (Me de Marcelo)

    Roubar avio bem mais fcil que roubar banco. O segredo pagar em dinheiro vista e nopedir nota. Ou, ento, pagar com cheque falsificado. Eu no precisava dos documentos doavio. Dava um cheque falso e combinava de pegar os documentos dali a alguns dias. Quando ocara ia compensar o cheque, descobria que era falso. Uma vez peguei um avio com umavtima. Me cobri com uma daquelas revistas de bordo para ela no ver meu rosto.

    O primeiro avio que roubei foi alugado em um txi areo. Tomei o avio no ar. Tambmparticipei do incio ao fim de um dos roubos mais ousados de avio. Mas esse maiscomplicado de falar

    Na terceira vez que roubei um avio fui com dois amigos. Um deles precisava de dinheiro para amulher que estava grvida. Uma noite antes do roubo ns fomos numa zona. No dia seguintefomos para o hangar. Prendemos os guardas. Tivemos algumas dificuldades porque o aviotinha trava de segurana e estava sem combustvel. Tivemos que estourar as travas desegurana e colocar combustvel no avio. Quando finalmente conseguimos decolar, j tinhagente passeando pelo hangar.

    No meio do voo deu uma pane na bomba seletora de combustvel. Foi uma pane de motor e jestava acabando o combustvel do tanque. Ns procuramos rvores para aterrissar econseguimos pousar nas copas das rvores. Ficamos trs dias no meio do mato. O dono doavio ofereceu uma grana para a polcia nos prender. Comearam a nos procurar nos hotis. Euestava em um hotel diferente dos outros dois ladres. Os policiais foram na zona eperguntaram para as moas se elas tinham visto pessoas com nossa descrio. Uma delascontou que um de ns tinha dado o telefone pra ela. A menina ligou para o tal nmero e umdos meus companheiros (trouxa) atendeu. Os policiais foram atrs da gente. Mas a polcia doestado onde estvamos j tinha recebido dinheiro para no fazer nada.

    Conseguimos fugir. Nosso patro mandou despachar o companheiro que deu o telefone paraa prostituta. A gente achava que ele no sabia o que ia acontecer com ele. Quando estavasendo levado para o lugar onde seria despachado, ele pediu para comprar cigarro. Sumiu enunca mais apareceu.

  • ROUBOS DE AVIO QUE NO DERAM CERTO

    1 ROUBO

    Ns fomos roubar um avio em Santa Catarina em uma pista pequena da Infraero. Eu e trsladres de caixa eletrnico. Eles me deram a fita do avio. Eu fui no hangar e olhei o aviodurante o dia. noite, de madrugada, ns fomos invadir. Era para os ladres de caixaeletrnico irem l guentar o vigia e abrir o hangar para eu decolar com o avio.

    Lamentavelmente, os caras ficaram com medo, porque no viam o vigia. Eu falei: Eu vou acharo vigia, me d aqui a arma. Peguei a arma e fui rastejando pela grama. Cheguei do lado daguarita, levantei e vi o vigia dormindo enrolado num cobertor. Eu bati na porta da guarita. Eleacordou. Quando ele olhou pra mim, vi que ele era velho. Ele deu um sorriso e eu vi que eleno tinha nenhum dente na boca. Ainda por cima era zarolho, tinha um olho pra cada lado. Aeu comecei a rir. Ele abriu a porta e eu falei:

    Tio, um assalto.

    Ele comeou a tremer. Ele estava vestindo uma blusa de croch e eu tinha que passar com elepelo meio de uma cerca de arame farpado. Ele se enroscou muito. S a que os ladres de caixaeletrnico vieram. Eu deitei o tio. Perguntei se ele fumava, dei um cigarro para ele e disse:

    Calma, tio, ns s vamos levar o avio, pode ficar tranquilo que ningum vai te fazernada.

    Vocs no vo me matar?

    De jeito nenhum. Se vierem aqui amanh perguntar pro senhor, o senhor fala que foramdez caras encapuzados armados com fuzis.

    Tudo bem.

    S que eu no consegui roubar o avio porque ele tinha uma trava de segurana. Tentei roubaro helicptero e no consegui porque tambm tinha trava de segurana. Acabei desistindo e fuiembora. No outro dia saiu no jornal exatamente o que eu falei para o tio dizer:

    Bando de dez homens encapuzados armados com fuzis tentamroubar avio em SoFrancisco do Sul.

    2 ROUBO

    A gente ia roubar um avio. Fomos trs dias antes para uma cidade do litoral, para ver tudocertinho: qual era o esquema, a que horas o vigia chegava, a que horas saa. No dia em quechegamos, fomos para um barzinho. Estvamos em trs. Um dos meus amigos deu umasquatrocentas cantadas. No conseguiu arrumar mulher nenhuma. Ns samos da boate, eu comuma menina que conheci l, e estvamos indo para uma casa na praia que tnhamos alugado.Meus amigos estavam com um Diplomata e eu com um Kadett. Eles pediram para eu parar ocarro perto de um carrinho de cachorro-quente onde estavam duas meninas. Eles desceram eforam conversar com elas. Um dos meus amigos saiu andando pela praia com uma delas. Ooutro pegou o Diplomata e levou a menina para casa, que ficava prxima dali. Eu fiquei noKadett com a garota que conheci na boate. Abri o teto solar. De repente escutei um grito:

  • Filha da puta! Eu vou te pegar!

    Achei que o meu amigo estava sendo assaltado. Mas em seguida vi a menina correndo nafrente e ele atrs gritando:

    Ferrari! Atira nesse desgraado! um traveco!

    Comecei a rir. O traveco passou correndo e falou:

    Segura o seu amigo!

    A eu pensei: Opa, se esse traveco o outro tambm . Vamos pra casa que o cara vai matar ooutro l.

    Fomos para a nossa casa alugada. Comeamos a escutar barulhos de garrafas quebrando. Derepente veio o traveco correndo, pulando. Os caras fizeram uma semana de gargarejo comlcool. Coloquei na banca, contei pra todo mundo a histria. No deu para roubar o avioporque ningum conseguia parar de rir. Na verdade, outras coisas deram errado e eu achei queaquilo era um sinal para desistir. Decidi voltar para o Paraguai para contar a histria para o meuchefe.

    O avio est l at hoje, graas a dois travestis.

  • COMO ESCAPEI DA POLCIA FEDERAL

    Onde tivesse festa grande eu estava. Acho que a Polcia Federal at j sabia disso. Fui fazer umtrabalho para meu patro em Porto Alegre. Estava tendo um show do Midnight Oil. Fiqueihospedado no Hotel San Rafael Plaza. Quando cheguei l, vi uns homens sentados no sof dolobby que nunca tinha ningum. Achei que eles eram da Polcia Federal e que estavam l parame pegar. Fui embora e liguei de um orelho para a recepo do hotel. Inventei para arecepcionista que era agente da Polcia Federal e pedi para falar com um dos outros agentesque estavam l. Um deles atendeu na hora, confirmando minha suspeita. Ele perguntou quemestava falando. Eu respondi:

    Fica a me esperando que voc vai me pegar J te vi, seu trouxa!

    Eu me mandei e deixei os caras a ver navios. Hoje eu tenho uma carteira da Polcia Federal.

  • QUANDO FUGI DE UM PAGADOR

    Pra receber pagamentos de droga sempre procurava ficar em quartos estratgicos de ondedesse para fugir. Colocava uma pessoa no apartamento ao lado para me ajudar. Uma vez fomosreceber uma grana. Eu tinha duas preocupaes: que a polcia estivesse a par da operao ouque o prprio pagador nos matasse para pegar o dinheiro de volta. Eu sempre observo a frestada porta para ver se tem algum do lado de fora do meu quarto.

    Uma vez o cara entrou, pagou a gente e saiu. Assim que ele saiu, passei o dinheiro para oapartamento ao lado e fiquei deitado na cama de luz apagada. Fiquei observando a fresta daporta. Quando ela escureceu eu sabia que tinha algum do lado de fora. Passei para o quartoao lado. Eu e o meu parceiro samos armados por trs dos caras. Eram funcionrios querendopegar o dinheiro de volta. Houve um tiroteio. Meu parceiro levou um tiro na perna, mas agente conseguiu fugir com o dinheiro.

  • FIGURAS QUE CONHECI

    CAGO

    Tinha um parceiro meu que toda vez que ia roubar tinha diarreia. A cem metros do lugar que iaser roubado, ele parava e abaixava as calas. O apelido dele Cago. Durante todos esses anos,conheci caras que eram figuras engraadas.

    ESMRIO

    Quando estava trabalhando como piloto do narcotrfico eu tive um companheiro chamadoTabordinha. Ele foi preso no interior de Minas e conseguiu escapar. Quando fugiu, levou umoutro preso junto. Era um nego que se chamava Esmrio. O Esmrio chegou no Paraguaibotando banca. Tinha sotaque de carioca e dizia: Eu sou o eshquema, eu fao e aconteo.

    Nosso patro dizia: Ser que esse cara tudo issomesmo?

    O Esmrio tinha o costume de dormir at o meiodia. Apesar disso, o Tabordinha garantia queele era ponta firme.

    A gente estava morando em uma casa que ficava na descida de um morro. No Paraguai tinhauma fora da polcia que se chamava Dinar (Diviso de Narcticos). Um dia, um garotinho veiogritando para nos avisar:

    Olha o Dinar, olha o Dinar!!!

    Eram sete da manh. Eu acordei, peguei a pistola e sa correndo. O Tabordinha veio correndode cueca e tambm fugiu. A gente se escondeu no mato. De repente ouvimos uma rajada detiros. Um tempinho depois o garoto nos avisou que o Dinar j tinha ido embora. Voltamos paraa casa e descobrimos que o Esmrio morreu dormindo. Pelo visto aquele ditado est certo:Deus ajuda quem cedo madruga.

    CANA BRAVA

    Tem um piloto do narcotrfico que