Cenas Urbanas
e manh, um condomnio como outro qualquer. A paz das vilas,
residentes trocando produtos, fofocas e vivncias, alm da inocncia
de um futebol de rua e de degustaes nos diversos bares ao redor.
Existe, inclusive, uma asso-ciao de moradores. Escurece. Reflete-se
ento o mais antigo reduto de pros-
tituio e ainda um dos mais emblemticos do pas, a Vila Mimosa.
Surge a clientela: homens de terno, homens de chinelos, mulheres
com amigas e sem amigas; at mesmo uma garotada que se junta apenas
para tomar cerveja. Os becos tornam-se ainda mais densos, com um qu
de proibio. Meninas, mulheres e at senhoras arriscam-se nas vilas,
em busca de um trocado. Muitas ainda com o sonho de uma vida
melhor.
Um condomnio chamado Vila Mimosa
Sexo, comrcio e preconceito
FABolA leoni, luis PAulo FrAgA, rAFAel nAgiB e viCtor
BArroCo
As irms Mnica e Cristina: somos confundidas com prostitutas.
victoR baRRoco
Janeiro/Junho 2007
Apesar do trabalho com as profissionais do sexo funcionar 24
horas por dia, a noite definiu o estere-tipo do local. A Vila
Mimosa formada por quatro galpes com diversos prostbulos
travestidos de bares ou boates que, alm de sexo, vendem bebidas
bara-tas. Os quartos so sujos e bem pequenos. As mulhe-res que ali
trabalham tm entre 18 e 50 anos, sem carteira assinada. O preo
varia e pode-se encontrar garotas que cobram apenas R$ 20,00 por
perodo de 20 minutos. Durante todo o tempo, elas rondam as ruas e
becos. Algumas trabalham somente durante o horrio comercial, porque
so casadas.
Cerca de 1.500 garotas trabalham no local de dia e de noite. H
ainda na regio uma capela, oficinas
mecnicas, a garagem de uma empresa de nibus, um posto de sade e
prdios residenciais.
Presidente da AMOCAVIM (Associao de Mora-dores do Condomnio e
Amigos da Vila Mimosa) h 11 anos, Dona Graa, que preferiu no dizer
o nome completo, tem 53 anos, desconfia de muita gente e
proprietria de um dos 70 bares existentes no lo-cal. A histria dela
com o lugar comeou h cerca de 30 anos, quando a Vila ainda era onde
hoje fica a sede da Prefeitura, no Estcio local popularmente
conhecido como Piranho, por ter antes abrigado as profissionais da
Vila Mimosa.
Ela conta que a Vila tem alguns projetos em anda-mento com o
Ministrio da Cultura, como o Dama das Camlias, que consiste em
aulas de portugus e matemtica para as meninas que l trabalham.
Outro a construo de uma sede da FAETEC (Fun-dao de Apoio Escola
Tcnica do Estado do Rio de Janeiro). Dona Graa diz que o local
legalizado e conta com ata e estatuto h mais de 10 anos.
Salto alto, ps calejados, um cigarro na mo e uma marca roxa na
perna esquerda. Suzana (os nomes fo-ram trocados para preservar a
privacidade dos entre-vistados) mostra-se satisfeita e objetiva ao
trafegar
entre os visitantes do local. Morando com colegas de trabalho, a
jovem de 21 anos veio do Esprito Santo. A vida aqui dura, mas no
tem mes-mo outro jeito. Uns dias, a coisa t boa. Voc j entende quem
vem procurando. Tem dias que tudo ruim. No sou muito feliz, mas pra
mim
t bom, suspira.J Vernica, 29 anos, virou chefe de um grupo
de meninas, alm de tambm ser prostituta. Ela convidou a equipe
de reprteres para conhecer o bar do qual proprietria. O local tem
dois andares, com quatro ou cinco quartos apertados e abafados. Ao
en-trar, a chefe grita: Tranquem a porta que a reporta-gem est
subindo. Meninas tomavam banho juntas na hora. Aqui um lugar de
passagem. Sonho em fazer faculdade de Direito. O mais difcil para
mim agentar o preconceito da famlia, desabafa Verni-ca. Prostituta
a profisso mais antiga do mundo e ns no temos nenhum direito
trabalhista. Isso tira-ria a gente da clandestinidade e ajudaria a
diminuir o preconceito, conclui.
Danilo Moura, de 25 anos, conta que j foi ao local com amigos
apenas para conhecer. Chegando l, sentamos em um barzinho e
comeamos a beber. L-gico que l pelas tantas voc acaba mexendo com
as prostitutas, mas s de zoao mesmo. Elas andam de
A perda da inocncia por um trocado, esta a histria de muitas
mulheres na Vila Mimosa.
Cenas Urbanas
calcinha por todos os lugares. O lugar freqentado por pessoas de
todas as classes sociais, todas as ida-des. Voc v de tudo,
literalmente tudo. Voc v que aquilo o fundo do poo da sociedade,
tem um clima pesado demais, horrvel, diz o jovem.
A presidente da AMOCAVIM, afirma que os fre-qentadores tambm vm
de lugares distantes, fora do municpio do Rio. Apesar do grande
nmero de pessoas nos fins de semana, Graa reclama que o co-mrcio
por ali anda em baixa. Aqui um comrcio tambm, n? Vendem de tudo:
bebida, roupa e no s a prostituio. Tem muita menina que vende
ar-tesanato, que faz outras coisas. Mas a situao est ruim para todo
mundo, analisa.
Ela relata ainda que a relao com os moradores da regio tranqila,
embora, no passado, no te-nha sido muito amigvel.
O pessoal dali j est acostumado. Antigamen-
te eles achavam um absurdo. Hoje eles abriram comrcio para
ganhar dinheiro, porque a Vila Mi-mosa foi para ali, n? Aquilo ali
era morto antes da Vila, diz Graa.
A baiana Mnica Sampaio, de 30 anos, doms-tica e mora nas
proximidades da Vila Mimosa com a irm. Ela veio morar no Rio h seis
anos. O lugar onde vive um grande galpo dividido em outras cinco
casas, onde moram outras famlias. A doms-tica diz que no sabia da
existncia da Vila. Conta que a primeira vez em que tomou
conhecimento da fama do local estava com a cunhada a caminho da
casa de uma amiga.
Para chegar l, a gente teve que passar pela Vila. Quando ia
andando, eu via as mulheres peladas na frente da rua. A, eu me
perguntei o que era aquilo. Nem sabia o que era zona quando
cheguei. L na Bahia isso tem outro nome..., observa.
Rua Sotero dos Reis, endereo da Vila Mimosa
victoR baRRoco
Janeiro/Junho 2007
Mnica j est acostumada com o lugar. O maior problema, segundo a
domstica, quando ela e a irm so confundidas com prostitutas. Um dia
eu estava indo para a igreja quando veio um senhor de moto. Ele
passou por mim, depois voltou perguntou o preo. Eu disse que estava
indo para a igreja e ele pediu desculpas e foi embora, lembra a irm
de M-nica, Cristina.
Outro problema enfrentado a violncia. Mnica revela que toda
semana de duas a trs pessoas eram assassinadas por causa de
confuses iniciadas dentro dos prostbulos. Houve mortes na rua e at
dentro de carro. J mataram tambm luz do dia, por vol-ta das 15h.
Mas isso parou, porque agora a associa-o de moradores estipulou uma
multa para quem mata, conta. Quando a gente est no nibus e fala que
vai descer na Praa da Bandeira, todo mundo j malda logo. Pensa que
l de dentro e no que se trata uma pessoa direita, que no tem condio
de morar em outro lugar. Se eu pudesse, mudava, diz a moa.
Renato Soares, 24 anos, j foi ao local fazer uma reportagem para
a faculdade. Ele foi xingado e qua-se agredido quando chegou Vila
Mimosa com uma filmadora. O local como se fosse um mundo
par-ticular. Quando algum chega com alguma cmera fotogrfica ou
filmadora, eles ficam com medo, no sabem o que vai acontecer,
analisa.
O lugar freqentado por pessoas de todas as classes
sociais, todas as idades. Voc v de tudo, literalmente tudo
Aqui um comrcio tambm, n? Vendem de tudo: bebida,
roupa e no s a prostituio
Mnica j est acostumada com o lugar. O maior problema, segundo a
domstica, quando
ela e a irm so confundidas com prostitutas
Localizado na Rua Sotero dos Reis, na Praa da Bandeira, Zona
Norte da cidade, a Vila Mimosa o reduto de prostituio mais antigo
do pas. Sua origem vem do Primeiro Imprio. Os portugueses teriam
importado para o bairro do Estcio, no Centro, polonesas e francesas
a fim de atender s necessidades sexuais da Corte.Com a libertao dos
escravos e a falta de empregos, no entanto, o lugar foi mudando seu
perfil. Deixou de saciar os instintos mais primitivos da nobreza
para suprir os desejos ocultos do povo trabalhador. Especula-se
que, na
Um breve histrico
poca, o lugar abrigava cerca de oito mil prostitutas e ocupava
em torno de dez ruas.A Vila comeou a diminuir quando o prefeito
Pereira Passos iniciou seu projeto de modernizao da cidade, no
incio do sculo passado. A partir da, uma srie de outros
acontecimentos foram colaborando para que a Vila mudasse
definitivamente de lugar: as transformaes sanitrias promovidas por
Oswaldo Cruz e a construo do Metr, do teleporto e da sede do
Governo municipal. No toa que os dois prdios da Prefeitura ali
construdos foram
apelidados carinhosamente de piranho e cafeto. Entre as
personalidades conhecidas que transitavam por l esto o pintor Di
Cavalcanti e o msico Cartola.A transferncia da Vila foi obtida
mediante uma indenizao dada pela Prefeitura no valor de
aproximadamente 300 mil reais. No entanto, h quem diga que o
dinheiro foi roubado pela antiga presidente da associao de
moradores. Apesar do desvio, cafetinas e prostitutas conseguiram
arrecadar 100 mil reais e compraram o galpo na Praa da Bandeira,
onde permanecem at hoje.